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ÚNICO

São vagas as horas como estas, dias de


ternura com risos de coisas desnecessárias e
sabedoria deturpada, onde Letícia é doce,
desconhecidos mostram o quanto me
conhecem dos pés a cabeça, determinados a
me convencer de que viver é agora, e o
ontem se foi porque não nos serve para nada,
se não para lembranças. No meio disso é a
brisa que é fria, o cheiro do asfalto molhado
que me derrete, os carros que respiram
“missão cumprida” por tão necessários que
são para quem os conduz e os postes de
iluminação que nunca iluminaram
verdadeiramente, pois se assim o fizessem,
Rua Morta seria viva e teria seus filhos como
contributos á sociedade, não encarcerados
por quem também nunca mereceu a
liberdade. Mas o que de certa forma importa,
somos nós que caminhamos, cada um do seu
jeito, ainda que tudo isso seja por minha
causa, ou pela minha mãe que gerou a causa,
ou pelo o que há de grandioso em tanto,
capaz de gerar momentos que fazem
histórias com sabor afinado quando as
contamos.
Já tentei gritar tantas vezes, mas os
dedos de Leticia entrelaçados aos meus,
aplacaram-me o desejo; enquanto tentava
ajustar as calças que me fugiam a cintura vi
jogada ao chão uma chave com uma etiqueta
escrita “porta número um” – Há tantas portas
número um. – Disse eu. Celio que se excedeu
no vinho, arrancou-me das mãos a chave,
jogou-a fora e disse-me – Não importa
quantas portas número 1 haja por aí, mas
apenas uma pode ser aberta por esta chave
sem que seja esforçada ou modificada–.
Quisera eu carregar aquelas chaves nos meus
bolsos e a cada esquina da vida procurar a
porta que lhe merece, mas portas de outras
chaves seriam esforçadas e modificadas por
uma que é como elas, diferente, única e que
merecida para quem a conhece – Maldito
Celio e seu vinho! que me permitiu deixar as
portas serem como elas são, com liberdade –
.
Sabe vida, se em algum momento eu
desistir de me lembrar do quanto sou tocado
mesmo sem merecer, credo que me joguem
noutras lembranças que são abandono, pois
não se ganha sem nunca ter perdido alguma
coisa. Hoje ganho os dedos de Letícia e o
bafo a vinho de Júlio não por merecer ao ter
perdido várias vezes, mas porque eu sinto o
sol cair, não apenas o vejo, e quando termina
o dia é o viver que vive em mim hoje, que me
faz viver no dia seguinte.
– Kanguine

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