Historia da formacao de professores
Leonor Maria Tanuri
Universidade Estadual de Sa0 Paulo
debate sobre a formagdo de professores para os
anos iniciais da escolaridade intensificou-se nas duas
liltimas décadas, em concomitancia com 0 movimento
de revitalizagio da escola normal, com a criagdo dos
CEFAMs, com as iniciativas de reestruturagao curricu-
lar das escolas normais e dos cursos de pedagogia, com
as experiéncias de novos cursos de formagio em nivel
superior ¢ também com a produgio
sobre o assunto (Silva, 1991), principalmente uma lite=
ratura critica de autores portugueses e espanhdis acerca
da tradigdo académica de formagao docente, Tal debate
acentua-se com a aprovagdo da nova LDB (Lei 9.394/
96), que, superando a polémica relativa ao nivel de for-
‘magio—médio ou superior, elevou.a formagiio do pro-
fessor das séries iniciais ao nivel superior, estabelecen-
do que ela se daria em universidades ¢ em institutos
‘adémica intensa
superiores de educagdo, nas licenciaturas ¢ em cursos
normais superiores. Os tradicionais cursos normais de
nivel médio foram apenas admitidos como formacio
minima (art, 62) ¢ por um periodo transitdrio, até o final
da década da edueagao (ano de 2007) (Titulo IX, art
87, pardigrafo 4), Assim, num momento em que a escola
normal é elevada a nivel superior, em que se discute 0
Revista Grasleia de Educagso
locus de formagiio de professores (Universidades versus
Institutos Superiores de Educago) e em que se questio-
‘nam 0 projeto pedagégico e os saberes que esti impli-
cados nessa formagao, sdo de suma importincia o res-
gate ea construgo da informagao histrica, na expectativa
de que ela possa oferever subsidios que possibilitem a me-
Ihor compreensio da problemitica da escola normal e das
questdes atuais sobre a formagao do professor!
Cumpre ressaltar que 0 presente artigo procurard
apresentar uma sintese da evolugdo do ensino normal da
perspectiva da ago do Estado e da politica educacional
por ele desenvolvida. Isso ndo significa que se subesti-
‘mem as novas abordagens, objetos ¢ temiticas que hoje
esto sendo ensaiados. Entretanto, esta é a sintese que
nos foi possivel — e que acreditamos poder esclarecer a
diseussio atual sobre a questi da formagao de profes-
sores — tendo em vista o conhecimento acumulado pela
historiografia e as grandes lacunas ainda existentes no
campo. 0 esforgo que hoje se desenvolve no sentido de
ara a elaborago do presente antigo autora wilizouse lar
‘gamente de textos de sua autoia pubcados (Tamu, 1970, 1979).
ocontemplar novos objetos ~ os processos e priticas pe-
dagogicos, os saberes escolares, a profissionalizagao do
professor, as representagdes dos atores envolvidos no
processo educative, a produgdo da imprensa pedagogi-
ca, as questdes de classe e de género na profissdo do-
cente (Catani et al. 1997; Assungdo, 1996; Catani &
Bastos, 1997; Conti, 1995; Lelis, 1997) ~ certamente
possibilitaré novas sinteses futuras. Ressalte-se ainda
que a estadualizagdo dos sistemas de formagdo de do-
centes desde a sua origem dificultou sobremaneira o pre-
sente resgate e a reconstrugo minuciosa da trajetoria
da escola normal, Nao fi possivel ter acesso a muitos
dos trabalhos ¢ sobretudo das teses e dissertagdes le-
vantadas em bases de dados, devido ds dificuldades dos
servigos de empréstimos interbibliotecas e, sobretudo,
‘a0 tempo reduzido disponivel para a redagio do presen-
te artigo,
As primeiras iniciativas
estabelecimento das escolas destinadas ao pre=
paro especifico dos professores para o exercicio de suas
fungdes esti ligado A institucionalizagio da instrugdo
publica no mundo modemo, ou seja, & implementago
das idéias liberais de seculatizagao extensio do ensi-
no primério a todas as camadas da populagio. E verda-
de que os movimentos da Reforma ¢ Contra-Reforma,
a0 darem os primeiros passos para a posterior publici-
zagio da educagdo, também contemplaram iniciativas
pertinentes i formagio de professores. Mas somente com
Revolugdo Francesa concretiza-se a idéia de uma es-
cola normal a cargo do Estado, destinada a formar pro-
fessores leigos, idéia essa que encontraria condigdes
avoriveis no século XIX quando, patalelamente &
solidagdo dos Estados Nacionais e & implantagio dos
sistemas piblicos de ensino, multiplicaram-se as esco-
las normais,
cone
Antes porém que se fundassem as primeira insti-
tuigdes destinadas a formar professores para as escolas
primérias, j4 existiam preocupagdes no sentido de
seleciona-los. Iniciativas pertinentes a sclegdo nio so-
mente antecedem as de formagio, mas permanecem
concomitantemente com estas, uma vez que, criadas as
escolas normais, estas seriam por muito tempo insufi-
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Leonor Maria Tanusi
cientes, quer numericamente, quer pela incapacidade de
atrair candidatos, para preparar o pessoal docente das
escolas primérias. Mencione-se, por exemplo, o Alvari
de 6/11/1772, que regulamenta os exames a que deviam
ser submetidos os professores do ensino elementar em
Portugal e nos dominios:
|. Ordeno: que os exames dos mestres que fem fetes em
Lisboa; quando nd assisiro presente se fagam na presenga
de um deputado, com dois examinadores nomeados pelo dito
presidente, dando os seus vols pr escrito que o mesmo depu-
tad assistente entegari com a informaséo do tribunal im
Coimbra, Porto ¢ Fvore (onde 6 podert haverexames) serdo
Fotos na mesma conformidade pr um comissioe dos exam
adores, também nomeados pelo presidente da mesa; os quais
remeterioa ela os seus paceeres, na sobredia forma; nas Capi
tanias do Ulramar se fro exames na mesme conformidade,
‘Sempre de tudo ser lve os opositores vtem examinar-sem
Lisboa, uando declararem que assim The conv, TI, Orden
que ossbredioprovimento de metres se mandem afar edilas
nos reinose seus dominios para convocagdo dos opositres
0s magistrios, H que assim se fiquepraticando no futuro em
todos 0s casos de cadcras,(Moacyr, 1936, p. 24)"
A Lei de 15/10/1827, que “manda criar escolas de
primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do Império”, também estabelece exames de
sel
para mestres ¢ mestras, embora num movime
tado debate na Cmara muitos parlamentares tenham
solicitado dispensa das mulheres dos referidos exames,
Os arts. 78 € 12 assim dispdem, respectivamente: “Os
que pretenderem ser providos nas cadeiras serdo exami
nados publicamente perante os Presidentes em cons
Iho; € estes proverio o que for julgado mais digno e da-
Go parte ao governo para sua legal nomeagao.” “(J
2. escasser de pessoal habiltado, dispose exereero magis-
‘rio, corsmente diticultaria a aplicagdo do citado Alvar. A propési-
to do final do sSculo XVII, Moreira D'Azevedo assim se manifests
“Fra entio deplorivelo estado das escolasprimrias em todas as
capitanias do Brasil, poucas existiam e estas exercidas por homens
ignorantes, Nio hava sistema nem norma para a escolha de profes
sores, ¢ 0 subsidio literirio io bo
(D'Azevedo, 1893, . 148).
1a pare pagar o professorado”
Malllurul”Ago 2000 N14Historia da formacao de professoves
serio nomeadas pelos Presidentes em conselho aquelas
mulheres que sendo brasileiras e de revonhecida hones-
tidade se mostrarem com mais conhecimento nos exa-
‘mes feitos na forma do art. 72”
‘Também antes que se fundassem escolas especifi-
camente destinadas & formagio de pessoal docente, en-
contra-se nas primeiras escolas de ensino mnituo ~ ins-
taladas a partir de 1820 (Bastos, 1997) —@ preocupacio
no somente de ensinar as primeiras letras, mas de pre-
parar docentes,instruindo-os no dominio do método. Essa
foi realmente a primeira forma de preparagao de profes-
sores, forma exclusivamente pritica, sem qualquer base
tedrica, que aliés seria retomada pelo estabelecimento
de “professores adjuntos”. Em 1° de margo de 1823, um
Decreto “eria uma escola de primeiras letras pelo méto-
do de ensino mituo para instrugio das corporagdes mi-
litares”. Algumas decisbes posteriores indieam que a
referida escola funcionou também com o objetivo de ins-
truir pessoas acerca do método de Lancaster.’ Ademais,
Lei de 15/10/1827 consagra a institu
riituo no Brasil, ispondo, em seu art. ', que “os pro-
fessores que nio tiverem a necesséria instrugo deste
jo do ensino
censino itdo instruir-se em curto prazo e a custa de seus
cordenados nas escolas da Capital”
Pouco resultou das providéncias do Governo cen-
tral referentes ao ensino de primeiras letras e preparo de
seus docentes de conformidade com a Lei geral de 1827.
As primeiras escolas normais brasileiras s6 seriam
estabelecidas, por iniciativa das Provincias, logo apés a
reforma constitucional de 12/8/1834, que, atendendo a0
movimento descentralista, conferiu ds Assembléias Le-
islativas Provinciais, entdo criadas, entre outras atri-
buigdes, a de legislar “sobre a instrugdo pablica e esta-
°cite-se, por exemple, que 29/4/1823 uma Decisto do Gover.
no exige que cade Provincia envie & Corte “um ou dois individostra-
os da Tropa de Lina, sem da classe os OfiisInferiors, sejam
os soldados, que enham anecessriae convenient apidio para apren-