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SCHERRE, M. M. P. et alii.

Restrições sintáticas e fonológicas na expressão variável do imperativo no


português do Brasil. II Congresso Nacional da ABRALIN e XIV Instituto Lingüístico. Florianópolis,
Taciro – Produção de Cds Multimídia, 2000, pp.1333-1347

RESTRIÇÕES SINTÁTICAS E FONOLÓGICAS NA EXPRESSÃO VARIÁVEL


DO IMPERATIVO NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Maria Marta Pereira SCHERRE - Universidade de Brasília/Universidade Federal do Rio


de Janeiro
Vera Aparecida de Lucas FREITAS - Universidade de Brasília
James Gonçalves DIAS - Universidade de Brasília
Étel Teixeira de JESUS - Universidade de Brasília
Helena Rodrigues de OLIVEIRA - Universidade de Brasília

Resumo: Restrições de natureza estrutural, discursiva e social são importantes para o


entendimento do uso variável da forma imperativa no português do Brasil. O nosso ob­
jetivo neste texto é discutir o papel de restrições estruturais, especificamente a influên­
cia de aspectos sintáticos e fonológicos no uso das variantes na forma indicativa (Me
liga) e na forma subjuntiva (Ligue para a NET Rio).

Abstract: Structural, discoursive and social constraints are important to understand the
variable use of the imperative form in Brazilian Portuguese. In this paper we aim to
discuss the role of structural constraints, specifically the influence of syntactic and
phonological aspects on the use of variants in the indicative form (Me liga ‘Call me’)
or in the subjunctive form (Ligue para a NET Rio ‘Call the Company NET Rio’).

Palavras-chave: expressão do imperativo; restrições fonológicas; restrições sintáticas.

Key words: imperative usage; phonological constraints; syntactic constraints.

0. Breve histórico da pesquisa

O estudo da expressão variável do modo imperativo sob a perspectiva da Teoria


da Variação se iniciou em disciplinas de graduação ministradas no Departamento de
Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV) do Instituto de Letras (IL) da Univer­
sidade de Brasília (UnB). Os primeiros estudos foram feitos, separadamente, por Rodri­
gues (1993) e Morais (1993) com dados esparsos da fala brasiliense e da escrita diversi­
ficada, que mostraram o uso maciço do imperativo na forma indicativa nos dados de
fala e o uso quase categórico na forma subjuntiva nos dados de escrita: a eles, jovens
pesquisadores, cabe o mérito do início desta pesquisa. Morais (1994) continuou a anali­
sar o fenômeno, sob uma abordagem quantitativa laboviana, com dados de crianças do
Rio de Janeiro, extraídos da Tese de Doutorado da professora Denise de Aragão Costa
Martins, em que observou novamente a tendência inequívoca do uso do imperativo na
fala por meio da forma indicativa. Neste trabalho, Morais (1994) retomou dados da es­
crita, sem tratamento quantitativo, confirmando a inexistência da forma indicativa nesta
modalidade de discurso, reafirmando a existência da forma subjuntiva, predominante­
mente em escrita de propaganda sem diálogo, e identificando a forma infinitiva, de uso
mais restrito, em textos do tipo receita caseira, bula e manual.
Ainda na graduação, três outros trabalhos foram realizados. Leite (1994) anali­
sou situações de diálogo da telenovela Fera Ferida no período de 29/04 a 30/06/1994,
levada ao ar pela Rede Globo; Jesus & Oliveira (1995) analisaram dados de fala extraí­
dos de diversos programas da mídia eletrônica: telenovela A próxima vítima, da Rede
Globo; programas de reportagens Aqui Agora e Telejornal Brasil, do SBT; DFTV da
Rede Globo; e aulas de TV (Vestibulando da Rede Nacional; Telecurso 2000 da Rede
Globo; Alberto Soares da Rede Record) Analisaram também dados do discurso escrito,
extraídos de cartazes, bulas, avisos impessoais, opondo as variantes do imperativo nas
formas subjuntiva e infinitiva, explicáveis pelas autoras em termos funcionais. Jesus
(1996) continuou o trabalho em outra disciplina da graduação, analisando dados do coti­
diano e também novos dados da mídia eletrônica (aula de ginástica do professor Dudu e
Telecurso 2000 da Rede Globo; Comerciais de TV e Noticiários).

No curso de Mestrado em Lingüística da UnB, Freitas (1994) analisou o mesmo


fenômeno com dados de fala de eventos informais (reuniões de familiares, situações do
cotidiano de uma família, conversas entre amigos); de eventos formais (aula envolvendo
professores universitários, professor de alfabetização, instrutores de cursos diversos,
reuniões formais); de diálogos de personagens da já citada novela Fera ferida e de pro­
gramas jornalísticos de entrevistas ao vivo (Jô Soares 11 e meia, Sílvia Popovic, Sem
Censura) e o programa Dia a Dia (aulas de ginástica, aconselhamento psicológico, re­
ceitas de chás caseiros e aconselhamento jurídico), todos classificados em função da
formalidade do evento.

Ainda em 1996, paralelamente às disciplinas do curso de graduação, a pesquisa


continuou seu curso com a entrada em cena de um bolsista de Aperfeiçoamento do
CNPq, James Gonçalves Dias, vinculado ao Programa de Estudos sobre o Uso da Lín­
gua (PEUL), sediado no Departamento de Lingüística e Filologia da Faculdade de Le­
tras da UFRJ, em co-autoria com a orientadora Marta Scherre, com o objetivo específi­
co de testar a hipótese do paralelismo fônico no nível da palavra, utilizando para isto os
dados de Freitas (1996) e acrescentando a estes outros tantos: um primeiro subconjunto
foi cedido por Detonni (1995), retirado de um corpus gravado em sala de aula para uma
pesquisa de natureza etnográfica; um segundo subconjunto foi composto por fala plane­
jada, ou seja, pelo Talk book, de Lair Ribeiro, por iniciativa do pesquisador James. Pos­
teriormente, foram adicionados dados do cotidiano coletados por Jesus e Oliveira em
1995. Os resultados deste novo momento da pesquisa, que continua até os dias de hoje,
deram origem à apresentação de uma comunicação no XXVI New Ways of Analyzing
Variation (NWAVE), realizado na Universidade de Laval, em Quebec, em 1997, e à pu­
blicação de um artigo derivado desta comunicação, onde apresentamos resultados de
três variáveis independentes: formalidade e tipo de evento de fala; polaridade da estru­
tura e paralelismo fônico (cf. Scherre et alii 1998).

1. Princípios teóricos e metodológicos da análise

A pesquisa está sendo conduzida com base nos princípios teóricos da Teoria da
Variação Lingüística que pressupõem uma dissociação entre estrutura lingüística e ho­
mogeneidade, com o conseqüente estabelecimento de uma nova concepção de língua,
associando a ela a noção de heterogeneidade ordenada como uma característica necessá­
ria. Neste sentido, diferentemente da idéia de gramáticas em competição (cf. Lightfoot,
1999:92-101), a língua é concebida como uma estrutura inerentemente variável e a su­
posta variação livre como passível de descrição sistemática, em função de restrições
lingüísticas e não-lingüísticas, o que implica a aceitação de motivações internas e/ou ex­
ternas em competição na descrição e explicação dos fatos lingüísticos (cf., por exemplo,
Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1975; Sankoff, 1988a; Labov, 1994).

Para o tratamento quantitativo dos dados, estão sendo utilizados programas com­
putacionais apropriados – o pacote varbrul (Pintzuk, 1988). A versão binária do progra­
ma de regra variável fornece pesos relativos associados aos fatores das variáveis inde­
pendentes, em função do seu efeito sobre as variantes do fenômeno lingüístico analisa­
do. Adicionalmente, fornece a seleção das variáveis estatisticamente significativas e a
exclusão das não-significativas. O efeito dos fatores deve ser lido em função de suas di­
ferenças numéricas: quanto maiores forem, mais polarizado é o efeito, tanto em termos
de favorecimento ou de desfavorecimento de uma dada variante. Os pesos relativos das
tabelas a serem apresentados foram calculados em função da variante na forma indicati­
va; o peso em relação à forma subjuntiva é exatamente o completo para 1 (um) (San­
koff,1988b).

3. Análise

No presente artigo, resultado da comunicação apresentada no XX Congresso Na­


cional da ABRALIN, evidenciamos que, ao lado de restrições de natureza discursiva e
social, restrições sintáticas e fonológicas são também fundamentais para o entendimento
da alternância das formas indicativa (Me liga) e subjuntiva (Ligue para a NET Rio) na
expressão do imperativo. A nossa análise demonstra, mais uma vez, a necessidade de
restrições de natureza diferente para o entendimento adequado de fenômenos de nature­
za variável. Portanto, na descrição e explicação da variação lingüística analisada em seu
contexto social, a interdependência entre os níveis lingüísticos é natural.

Os dados analisados foram todos extraídos de situações concretas de uso lingüís­


tico. As construções imperativas submetidas a tratamento quantitativo foram extraídas
de (1) eventos informais de língua falada em circunstâncias naturais: situações do coti­
diano de uma família, reuniões familiares e conversas entre amigos em Brasília - DF
(Jesus & Leite, 1995; Freitas, 1995); (2) eventos formais de língua falada em circuns­
tâncias naturais: aulas de alfabetização, de primeiro grau e de curso universitário; aulas
de cursos técnicos e reuniões formais de trabalho, também em Brasília (Freitas, 1995;
Dettoni, 1995; Dias, 1994, 1995); (3) eventos diversos transmitidos por programas de
televisão: diálogos de novela, entrevistas ao vivo, aulas de ginástica, aconselhamento
psicológico, aconselhamento jurídico e receitas de chás caseiros (Jesus & Leite, 1995;
Freitas, 1995); (4) Talk book de Lair Ribeiro - O sucesso (Dias, 1994; 1995). Os dados
variáveis foram categorizados em função de variáveis independentes diversas, listadas a
seguir, na ordem de seleção e de exclusão, em função do instrumental estatístico utiliza­
do:
♦ Variáveis independentes estatisticamente significativas:
1)Tipo e formalidade do evento de fala;
2) Número singular ou plural da segunda pessoa do discurso;
3)Natureza [+-aberta] da vogal imediatamente precedente na forma verbal conju­
gada, nos verbos regulares da primeira conjugação;
4)Número de sílabas do verbo na forma infinitiva;
5)Faixa etária;
6)Presença/ausência e tipo de clítico;
7)Anos de escolarização;
8)Polaridade da estrutura.

♦ Variáveis independentes estatisticamente não-significativas:


1)Saliência fônica;
2)Tipo de paradigma;
3)Sexo;
4)Contexto fonético/fonológico seguinte;
5)Conjugação verbal;
6)Marcador discursivo.

Conforme já dissemos, nos eventos de língua escrita de propaganda que não en­
volvem diálogo, a expressão do imperativo se faz predominantemente por meio da for­
ma subjuntiva. Alguns exemplos podem ser vistos a seguir num texto contendo instru­
ções de atitudes com os filhos na hora de dormir (negritos e itálicos são nossos):

NA HORA DE DORMIR
Mantenha uma rotina diária normal
Diminua os ruídos da casa
Evite brincadeiras antes de dormir
Massageie a criança com amor
Passe alguns minutos com seu filho no quarto, abrace, beije, despeça-se,
saia e apague a luz (Correio Braziliense, 26 março de 1999, Sexta Dois,
Pais e Filhos – Dicas dos Livros, p.2, c.4)

A nosso ver, a presença maciça do imperativo na forma subjuntiva na escrita


sem diálogo ocorre por razões de natureza sintática e contextual. Se as estruturas impe­
rativas acima fossem expressas na forma indicativa, tipo Passa alguns minutos com seu
filho no quarto, abraça, beija, despede-se, sai e apaga a luz, elas apresentariam possibi­
lidade de preenchimento da posição de sujeito com os pronomes você ou ele/ela, provo­
cada pelo distanciamento contextual entre a primeira e a segunda pessoas do discurso,
neste caso o redator e o leitor da matéria (fato que não acontece nos diálogos, especial­
mente os de língua falada). Esta possibilidade de preenchimento da posição de sujeito
bloqueia a interpretação imperativa ou, no mínimo, causa estranhamento sintático, espe­
cialmente com a possibilidade de preenchimento pelos pronomes ela/ela, de natureza
anafórica. Mas o uso do imperativo na forma subjuntiva Passe alguns minutos com seu
filho no quarto, abrace, beije, despeça-se, saia e apaga a luz não apresenta possibilida­
de estrutural de preenchimento sintático da posição de sujeito porque, em orações abso­
lutas não encabeçadas por elementos do tipo talvez (que podem desencadear o uso do
subjuntivo não imperativo), a forma subjuntiva SÓ pode ser interpretada como modo im­
perativo e, necessariamente, como tendo um sujeito de segunda pessoa do discurso sin­
taticamente vazio.

Como também já mencionamos, nos eventos de língua falada envolvendo diálo­


go até então analisados, a expressão do imperativo se dá predominantemente através da
forma indicativa (Passa o braço na frente ~ Passe para a folhinha 29), com um uso mé­
dio da ordem de 80%, chegando a 95% nos eventos informais de fala natural - peso rela­
tivo de 0,76 (cf. Scherre et alii, 1998). Todavia, nos casos de segunda pessoa do plural,
mesmo em língua falada, o uso do imperativo na forma subjuntiva é novamente quase
categórico (Tabela 1). Embora este tipo de estrutura não seja freqüente nos dados anali­
sados (21 de um total de 746), é significativo que apenas um dos 21 casos tenha ocorri­
do na forma subjuntiva. A questão em jogo é de natureza estritamente sintática: uma es­
trutura tipo Levantam pra mim (em vez de Levantem pra mim) não apenas causa estra­
nhamento sintático, pelas mesmas razões sintáticas explicitadas acima, mas chega a pa­
recer intuitivamente agramatical.

Tabela 1 – Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função do número


plural ou singular da segunda pessoa do discurso
Porcentagem Peso relativo dos
Fatores Indicativo/Total da forma indi­ fatores
cativa
Plural 1/ 21 5% 0,00
Bem, olhem aqui, a tia tem...
Abram o livrinho no dado...
Levantam pra mim
Singular 596/725 82% 0,54
Passa o braço na frente
Passe para a folhinha 29
Total 597/746 80%
Outro contexto de língua falada com diálogo que favorece categoricamente o
imperativo na forma subjuntiva (Tabela 2) é caracterizado pela presença de uma estrutu­
ra com o clítico1 se depois do verbo tipo Retire-se. A razão é novamente de natureza
sintática: caso fosse usada a estrutura Retira-se, haveria a possibilidade de preenchi­
mento da posição de sujeito, com interpretação de uma estrutura reflexiva, em vez de
estrutura imperativa. O uso da forma subjuntiva, por sua vez, assegura a leitura impera­
tiva. Se o clítico se estiver antes do verbo, o contexto, embora favoreça fortemente a
forma subjuntiva, apresenta possibilidade de ocorrência da forma indicativa. A possibi­
lidade do uso da forma indicativa nesta estrutura se dá porque a posição de sujeito ocu­
pada pelo clítico se (Se coloca no meu lugar) dificulta ligeiramente uma leitura reflexi­
va com a forma indicativa. A existência de clítico me antes do verbo ou a ausência de
qualquer clítico favorecem, relativamente, a forma indicativa, tendo em vista que a lei­
tura imperativa, nestes casos, é sempre assegurada.

Tabela 2 – Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função da


presença/ausência e tipo de clítico
Porcentagem Peso relativo
Fatores Indicativo/Total da forma in­ dos fatores
dicativa
Pronome se depois do verbo 0/ 7 0% -
“Retire-se!”
Pronome átono se antes do 4/ 13 31% 0,03
verbo
“Agora se manda”
“Se coloca no meu lugar”
“Se adapte à empresa”
Ausência de pronome átono 550/685 80% 0,51
“Escreve aí”
“Escreva a letra”
Pronome átono me antes do 43/ 48 90% 0,57
verbo
“Não me empurra”
“Por favor, me acompanhe”
Total 597/746 (597/753) 80% (81%)

1 Leite (1994:10-11) foi a responsável pela introdução da variável presença/ausência de pronome e pela
posição que ele ocupa na oração. Ampliamos o entendimento desta variável, com a especificação do tipo
de pronome. Por ora, não tivemos nenhum pronome me posposto ao verbo. Uma outra variável do traba­
lho de Leite (1994) que merece destaque é a associação do uso do imperativo na forma indicativa a falan­
tes representando personagens autoritárias e do uso do imperativo na forma subjuntiva a falantes repre­
sentando personagens passivas, mostrando de forma indireta nuances semânticas (realis/diretividade vs.
irrealis/indiretividade) que possam estar envolvendo as duas variantes. Aspectos como estes ainda têm de
ser mais explorados.
Em síntese, subjacente às três circunstâncias que favorecem o uso do imperativo
na forma subjuntiva está uma razão de natureza sintática: possibilidade de preenchimen­
to da posição de sujeito, com ruptura da leitura imperativa ou com o estabelecimento de
estranhamento estrutural.

A continuidade da análise dos dados de língua falada revelou três outras restri­
ções interessantes, entre as quais destacamos neste texto duas relacionadas ao compo­
nente fonológico: uma delas diz respeito ao número de sílabas da forma verbal na forma
infinitiva; a outra diz respeito ao paralelismo fônico.

Ao analisar os efeitos do número de sílabas (Tabela 3), verificamos que os ver­


bos monossílabos favorecem a expressão do imperativo na forma indicativa e os polissí­
labos favorecem-na na forma subjuntiva. Os dissílabos e os trissílabos evidenciam in­
fluência intermediária.

Tabela 3 - Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função do número de sí­


labas do verbo na forma infinitiva
Porcentagem Peso relativo
Fatores Indicativo/Total da forma indi­ dos fatores
cativa
Monossílabos (dar, ver, pôr, ir, ler) 85/ 93 91% 0,86
Dissílabos (falar, virar, dizer, abrir) 355/433 82% 0,47
Trissílabos (apagar, escrever, repetir) 138/177 78% 0,45
Polissílabos (apresentar, aparecer, 19/ 43 44% 0,11
preocupar)
Total 597/746 80%

Já é do nosso conhecimento que a extensão do vocábulo tem sido uma variável


importante para a compreensão de outros fenômenos de natureza variável em português,
a saber, a alternância entre ndo/no, no sentido de vocábulos menores favorecerem mais
a forma no e vocábulos maiores favorecerem mais a forma ndo (Mattos & Mollica,
1989;1992; Martins, 1997). Além disso, os vocábulos que mais se encontram envolvi­
dos na alternância ndo/no são exatamente as formais verbais gerundiais. A influência
específica do número de sílabas da forma verbal infinitiva foi observada por Santos
(1997) num estudo sobre a expressão variável do futuro do presente, especialmente na
alternância da forma morfêmica vs. a forma perifrástica. Ela concluiu que verbos mo­
nossílabos favorecem a expressão morfêmica, verbos trissílabos e polissílabos favore­
cem a forma perifrástica e os dissílabos apresentam influência intermediária.

Uma questão pertinente a este tipo de restrição seria a de buscar entender se a


extensão do vocábulo reflete regularidades que têm a ver com o ritmo da língua, como
hipotetiza Santos (1997) em seu estudo sobre a expressão do futuro do presente, e como
verifica Felgueiras (1993), ao constatar que a alternância para~pra~pa tem relação in­
versamente proporcional ao tamanho do pé, ou se a extensão reflete propriedades mor­
fológicas ou sintáticas do verbo. A resposta a esta questão ainda não é decisiva, tendo
em vista o seguinte:

1) Nesta pesquisa controlamos conjugação verbal, regularidade do para­


digma e saliência fônica na relação forma indicativa/subjuntiva sem
obter, até o presente momento, resultados estatisticamente significati­
vos;
2) Santos (1997) observa outras variáveis significativas concorrentes,
tais como predicação verbal e tamanho da cadeia verbal, além da va­
riável número de sílabas;
3) Rocha (1997) verifica a importância da variável regularidade do pa­
radigma na alternância indicativo~subjuntivo nas orações substanti­
vas em português e Poplack (1992) observa o efeito de características
morfológicas do verbo também na alternância indicativo~subjuntivo
nas orações substantivas para o francês de Ottawa-Hull, mas ambas
não analisaram o efeito do número de sílabas.

Portanto, pesquisas futuras precisam buscar decidir se aspectos relativos à in­


fluência da extensão do vocábulo em fenômenos variáveis, especialmente nos que en­
volvem o sistema verbal, têm um caráter estritamente fonológico ou se eles revelam in­
terface com a morfologia e com a sintaxe; ou, ainda, se isto depende do grau de gramati­
calização que envolve as formas em alternância, ou seja, da sua posição no ciclo funcio­
nal proposto por Givón (1995).

O segundo aspecto analisado que tem relação com componente fonológico, cuja
explicação se situa fora da estrutura interna da língua (Scherre, 1988; no prelo; Scherre,
1998), diz respeito à influência da natureza [+-aberta] da vogal das formas verbais con­
jugadas em verbos regulares da primeira conjugação: fala/fale; espera/espere;
olha/olhe; alonga/alongue; perdoa/perdoe; senta/sente; analisa/analise; procura/procu­
re, variável denominada paralelismo fônico (Tabela 4).

Tabela 4 - Taxas de uso do imperativo na forma indicativa em função da natureza


[+-aberta] da vogal imediatamente precedente na forma verbal conjugada em verbos re­
gulares da primeira conjugação - paralelismo fônico
% de in­ Peso relativo
Fatores Indicativo/Total dicativo dos fatores
+aberta [a] baixa Fala/fale 82/88 93% 0,64
[]média Olha/olhe 124/139 89% 0,67
[E] média Espera/espere 42/55 75% 0,59
-aberta [ã] baixa Mande/mande 18/23 78% 0,41
[o] média Conta/conte 24/28 86% 0,36
[e] média Tenta/tente 50/60 83% 0,48
[i] alta Vira/vire 46/63 73% 0,32
[u] alta Procura/procure 43/66 65% 0,22
Total 429/522 82%

Analisando detidamente a natureza da vogal imediatamente precedente na forma


verbal conjugada, verificamos uma associação fônica clara:

• entre o traço [+aberto] da vogal imediatamente precedente e o impe­


rativo na forma indicativa, cuja vogal temática nos verbos da primei­
ra conjugação é igualmente [+aberta]; e
• entre o traço [-aberto] da vogal imediatamente precedente e o impera­
tivo na forma subjuntiva, que, nos verbos regulares da primeira con­
jugação, se realiza por meio de uma vogal [-aberta].

Embora a taxa global de uso do imperativo na forma indicativa nos dados de lín­
gua falada aqui analisados seja da ordem de 80%, se ocorrer uma forma subjuntiva nos
verbos regulares da primeira conjugação, ela terá mais chance de ocorrer se a vogal
imediatamente precedente da forma verbal conjugada for uma vogal [-aberta], como em
procure ou use.

Verifica-se um processo claro de assimilação vocálica, envolvendo um fenôme­


no de natureza morfossintática. Portanto, trata-se de mais uma manifestação do parale­
lismo estrutural (Labov, 1994) ou paralelismo lingüístico, amplamente registrado na li­
teratura lingüística variacionista, evidenciado muitas vezes por meio da própria repeti­
ção das variantes de uma mesma variável dependente, em fenômenos lingüísticos diver­
sos e em línguas diversas (Sankoff & Laberge 1978; Scherre, 1988; no prelo; Scherre et
alii 1998).

No início deste texto, dissemos que a expressão do imperativo na escrita sem


diálogo tende a ser sistematicamente feita por meio da forma subjuntiva. Mesmo assim,
identificamos construções imperativas expressas por formas indicativas neste tipo de
evento, que por ora se contam nos dedos das mãos, como se pode observar em três sub­
conjuntos organizados em função de aspectos já discutidos.

1) Representação da fala: formas dentro de um balão


Me liga. (...) Ligue para NET Rio. (...) Não espere mais. (...) E se preferir,
envie um fax com seu nome e telefone (...) (Propaganda em O Globo, 12 de
abril de 1998, p.20)
Olha a chuva. Olha o óleo. (....) Redobre a sua atenção ao dirigir na chuva
(Propaganda do GDF, 1998)

2) Rima e paralelismo fônico


Vem pra Caixa você também (Propaganda da Caixa Econômica Federal)
Passa lá e pega (Propaganda da SAB - Superintendência de Abastecimento do
GD -, 1997);
Fala, Brasil (Propaganda do Governo Federal, 1998)
Raspa com fé (Propaganda da Caixa Econômica Federal, 1997)

3) Segunda pessoa semântica inequívoca


Traz o tetra (Propaganda da Caixa Econômica Federal, 1994)
Sai dessa! Abre uma skol (Propaganda da Cervejaria SKOL, 1997)

Os três casos do subconjunto um encontram-se dentro de balões, representação


inequívoca da língua falada; os cinco casos do subconjunto dois estão envolvidos em
rima ou são casos claros de paralelismo fônico e os três casos do subconjunto três per­
mitem identificação inequívoca da segunda pessoa semântica, sem bloqueio da leitura e
da estrutura imperativa.

Concluindo, o nosso objetivo específico neste texto foi o de discutir o papel de


restrições estruturais, especificamente a influência de aspectos sintáticos e fonológicos
na expressão variável do imperativo na forma indicativa e na forma subjuntiva. Com
isto, reafirmamos um dos pontos centrais de nossa análise: a existência de restrições de
natureza diferente para o entendimento adequado de fenômenos de natureza variável.
Isto implica assumir que, na descrição e explicação da variação lingüística inserida no
contexto social, a interdependência entre os níveis lingüísticos é, indubitavelmente, na­
tural.

4. Palavras finais

A nossa pesquisa continua em andamento. Há aspectos importantes que ainda


não foram explorados, como os que constam do excelente trabalho de Faraco (1982;
1986), pioneiro no estudo deste fenômeno sob o enfoque de considerar as formas alter­
nativas como expressão legítima do imperativo. O nosso contato com o trabalho de Fa­
raco foi posterior aos primeiros passos desta pesquisa, e ainda não o exploramos ade­
quadamente, especialmente no que diz respeito à hipótese de a alternância das formas
“realizar atos de fala específicos” (cf. Faraco, 1986:13).

Novos braços da pesquisa estão se formando. Estamos ampliando a análise para


dados de diversos tipos de texto escrito, a saber, textos de receitas caseiras, de crônicas
de autores brasileiros e de revistas em quadrinhos. A professora Vera Aparecida de Lu­
cas Freitas se encarregará da análise de receitas caseiras, os professores Eugênio Este­
vam Batista e Djalma C. Melo, da UnB, os mais novos membros do grupo, estão se ocu­
pando da análise de textos de crônicas. A professora Marta Scherre se ocupará da análi­
se de revistas em quadrinhos atuais. No decorrer de 1999, os dados de crônicas e de re­
vista em quadrinhos serão submetidos a tratamento quantitativo, testando-se todas as va­
riáveis em jogo.

Além disso, estamos entrando em contato com pesquisadores de outros estados,


especialmente onde o imperativo se expressa pela forma subjuntiva com maior freqüên­
cia, como mostram o trabalho de Alves (1997) - com dados da região nordeste, especifi­
camente da cidade de João Pessoa, coletados pelo Projeto Variação Lingüística no Esta­
do da Paraíba (VALPB), sob orientação do professor Dermeval da Hora, da UFPB - e o
de Bonfá, Pinto & Luiz (1997), com dados da região sul, especialmente da cidade de
Lages, sob orientação da professora Ruth Lopes, da UFSC. Também serão analisados
dados da cidade de Fortaleza, do Projeto Dialetos Sociais Cearenses (Aragão e Soares,
1996) e da cidade de Salvador, do Projeto Norma Urbana Popular de Salvador (NURP),
que está sendo organizado pelas doutorandas Norma da Silva Lopes e Constância Maria
Borges de Souza, sob orientação da professora Myrian Barbosa, da UFBA, que genero­
samente já nos cederam cópia do material coletado.2
2 A todos que têm contribuído, direta ou indiretamente, para o avanço desta pesquisa, em todas as suas
Portanto, com o esforço de muitos, teremos oportunidade de chegar a um enten­
dimento mais global da expressão variável do modo imperativo e de precisar como este
fenômeno se encaixa na matriz lingüística e social. De posse destes resultados, além de
discussões teóricas, vamos poder dar continuidade à reflexão sobre a relação entre pes­
quisa lingüística e ensino, língua e gramática normativa, tendo em vista a razoável dis­
tância que se verifica entre o padrão codificado (Rocha Lima, 1983; Cunha & Cintra,
1985, por exemplo) e a realidade lingüística, mesmo em fenômenos que não envolvem
estigma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Gilson Chicon. A construção do imperativo no falar pessoense. In: HORA,


Dermeval da. (org.) I Simpósio Nacional de Estudos lingüísticos (SNEL), João Pes­
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ARAGÃO, Maria do Socorro Silva de & Maria Elias SOARES. (orgs.) A linguagem
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