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ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES Geografia, FFLCH, USP Departa A GENESE DA GEOGRAFIA MODERNA EDITORA HUCITEC EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO. Sao Paulo, 1989 Telefone: (O11) 241-0856, Dados de Catalogacé: (Camara Brealloire d Livro, SP, Brasil) Indices para caldlogo sistematico: Sumario A particularidade histérica da Alemanha ea génese da Geografia moderna 1S A sistematizacao da Geografia moderna 5 A particularidade historica do desenvol Jo cap alismo na Alemank pensamento alemao no século XIX 50 A Geografia na historia da Alemanh 66 A Goografia Fisica de Humboldt fics ¢ bibliogréficos de Humboldt 80 Os fundamentos filoséficos do pensamento de Hun boldt 8 Cosmologia e Geogratia: a questio dos rétulos 98 Oobjeto eo método d a Geografia segundo Humb © posicionam Humboldt Consideragdes sobre a Geografia de Humboldt to politico © as concepcdes soc A Geografia Comparada de Ritter logrificos de Ritter 138 samento de Ritter 148 > do finalise 162 Dados biogré As bases filosoficas do pe gia e Goografia: a qui Oobjetoe ométodo d -afia segundo Ritte 1% Sociedade e natureza na Geografia de Ritte 18 Consideragdes sobre a Geografia de Ritter 198 Consideragdes finais 203 Nota Introdutéria Secon paper nossa di de mestrado defendida no segundo semestre de 1983, no Departamento de Geografia d: de Filosofia etras ¢ Ciéneias Humanas da Universidade de Sao Paulo. A pre sente edigio traz parte do primeiro capitulo e, quase na integ segundo e terceiro, tendo sido suprimidos 0 quarto capital zcl e a Antropogeografia”’, a Introducio, a Conclusio e os itens iniciais referentes as dificuldades de periodiz © conhecim: texto que ese: ¢ classificar googrifico. Esta iltima discussio apare vemos posteriormente, “Episten fia’, publicado na revista Orientacao, n° 6 (Inst fia da USP, 1985). O capitulo sobre K redacao do texto introdutori que organizamos para a colecio “Grandes Cientistas Socials onvite do prof. Florestan Fernandes (Editora Atica, no prelo). Assim, com a edigdo do presente volume completamos a divul G20 dos resultados abtidos no trabalho de mestrado. do a um pi logia e Geogr rato de Geogra: 1 serviu de base para a to desse autor Por ser um livro dedi primir nessa edicdo alg ais especificas que tornavam a leitura muito frida. Pelo mesmo motivo tiramos do texto as notas de identificagao das imimeras citagSes dos auto: res analisados; a forma de exposigio adotada (buscando utilizar a0 méximo as proprias palavras de Humboldt e Ritter) tornou sua quantidade bastante elevada. Tais notas sé interessariam ao leitor especializado, e este pode buscar o texto original da dissertagio nas bibliotecas do Departamento de Geografia e do Centro de Apoio & Pesquisa Historica da Fa: de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas da USP, e da Associagio dos Geégrafos Brasi Ieiros — nicleo $a Paulo, blico amplo, decidimos su avaliagdes por det Siio Paulo, setembro de 1986, A Particularidade Historica da Alemanha e a Génese da Geografia Moderna EMATIZAGAO DA GEOGRAFIA MODERN literatura da his a do pensamento geogrAfico € quase ie 0 estabelecimento do marco inicial da Geografia mo derna na publicagdo das obras de Alexandre yon Humboldt e de Karl Ritter. Nao ha controvérsias em colocd-los como os pioneiros do proceso de sistematiz: quando aparece, diz respeito A énfase dada a um desses autores em detrimento do outro. Humboldt e Ritter so, sem divida, os io dessa disciplina; a discordancia jue fornecem os primeiros delineamentos claro: sa disciplina em sua acep¢ao moderna, que elabor Primeiras tentativas de the definir 0 objeto, que fealizam as pri meiras padronizagdes conceituais, e constituirdo 0 objeto do pre sente estudo Antes de iniciar a avaliagao dos pressupostos hist genéricos, wer uma adverténcia: desse processo de sistema. tizagio da Geogralia, iniciado com a publicagao das obras d Humboldt e Ritter, no emerge uma Geografia um estudo voltado para a compr nsio de um fendmeno (ou classe de fendmenos) particular. Emerge. isto sim. uma Geogr fia sistematizada que, apesar de assumit-se como campo auld. rnomo de conhecimento cientifico, no chega a formular uma pro. tico, isolando um objeto especificamente posta de estudo siste seu. Ao con! al Geografia toma como elemento de sua iden- tificagdo esta caracteristica assistematica, propondo como legiti diferenciagao introduzida pela perspectiva associativa ou siniética, que trabalha com uma varie dade enorme de fendmenos estudados, cada um. mais dife rentes ciéncias. Esta adverténeia, mesmo sendo bastante simpl incide sobre questo da maior relevancia, pois 0 carater nio siste mitico da Geografia proposta vai trazer toda uma problematica especitica pa © fimbito da discussio metodolégica dessa disci plina, A necessidade de reafirmar continuamente sua autoridade € identidade, e as dificuldades (muitas vezes logicas) de realizar essa tarefa, acompanharao a trajetéria da Geografia moderna até a atualidade. Posta essa adverténcia, pode-se retornar ao eixo da discussao, qual scja, os pressupostos histéricos da Geografia mo: As condigdes para a erupgio da sistematizagao da Geografia vio-se compondo num proceso lento caleado em multiples con dicionantes, tanto hisiGrico-estruturais, remetendo a um det minado material das sociedades, quanto formulagao de determinados postu! filoséficos. A génese da sitou, assim, de uma série de condisdes histéricas para poder objetivar-se. Ess afirmacio nfo encontrar, provavelmente, contraditores entre os que aceitam a tese da determinagao histérica do pensamento hu. rrmulagbes cient ficas.' Os pressupostos histéricos do processo de sistematizagao au de desenvolvimento vinewlad dos cientificos © mano, logo, da origem socialmente dada das dda Geografia foram se objetivando no movimento de constituigao modo de produgio capitalista. Assim, tal disciplina deve ser vista como produto relativamente recente do desenvolvimento his- ‘rico da humanidade. As condigdes para sua gestagio foram ge. radas no longo processo de transicao do Feudalismo para o Capi: talismo, processo esse que implicou o estabelecimento de uma Iados de Marx e Engels, aviores que dizem: “A produclo das isis, de representagbes, da conscigncia, est, de iniio,dietamente entrelacada atvidade m com o infercimbio material dos homens, como a tin ssuagem 6a vida rea. O representar, 9 penser, intercdmbio espiitual dos ho ‘mens, aparecem aqui como emanaedo diets de seu comportamento material. O ° niacaoexpriteal, tal como eparece na hnguagem da po Ttea, ds ie da reigito, da mafia, ete, de um pore. Os ho. mens sio os prdutores de suas representagtes, de suas iis, etc, mas os ho ns redutivas ¢ pelo interctmbio que a ele corresponde até ns € sau processo de vida te Kofler, Le Abendroth, W. — Conversando com Lukies, Par e Terra, Rio de 16 historia universal. N movimentos e significados histérieos de tal processo, nem mesmo de se discutir suas implica relembrar aqui todos os sno plano do desenv. idéias, ou ainda de se tentar fazer uma pequena histéria do sui mento das ciéncias modernas; sobre esses assuntos existe rica ¢ vasta bibliografia. Apenas tentar-se-4 apontar, nas linhas seguin: tes, algumas condigdes mais gerais que int retamente ao surgimento da Geografia moderna. Frisa-se 0 diretamente, pois, no mais, a génese de tal disciplina obedeceu a todas as 4 terminagées qu junto. pressuposto mais fundamental da Geografia moderna era 0 conhecimento efetivo de todo o planeta, isto 6 que o “mundo conhecido” atingisse a total extensio da Terra. Assim, a condigao esse pressuposto calcava-se na constituicae do es- ial de relagdes. A conscigneia da magnitude real da superficie terrestre (em termos de sua forma, dimensio, subdivi sAo e limites) representava o patamar minimo para o afloramento da reflexao sistematizada sobre esse espago conereto, Tal apreen: so mais elaborada sobre a Terra requeria conhecimento fatual considerivel estabelecido e a possibilidade da aferigao empirica de uma visto de conjunto do globo. A objetivagao dessas condi ‘q0es comeca a emergir com o inicio da expansio européia no qui nhentismo. A descoberta e incorporagio de novas terras, as meiras viagens de circunavegagio e as expedigSes exploradoras vio propiciar o estabelecimento de uma representagao realistica do planeta jé em meados do século XVII. Os grandes descobri ‘mentos inauguram a possibilidade desse processo de constituigio do espago mundial, que a expanso mercantil vai substantivar fazendo com que o ectmeno passe, no decorrer de alguns séculos a abarcar toda a superficie terrestre. Até entdo, a possibilidade de consciéncia espacial do mundo limitava-se aos espacos restritos das sociedades que empreendiam tal reflexao; a Geografia dos sgregos,ou dos drabes no poderia ir além do espago de relagdes fem que transitavam esses povos. O estabelecimento de uma eco nomia planetiria e de um espago de relagies global, com a expan: sao das relagdes capitalistas de produglo, é que vai alterar e1 quadro fragmentirio. A possibilidade dessa consciéncia mundi lzada foi, sem diivida, o patamar fundamental da sistematizagao geogrifica. A expansdo maritima, os descobrimentos, a posterior apropriagao de novas areas do globo, inscrevem-se como parte ativa do proceso de transigao de Feudalismo para o Capitalisn Fequereram as ciéncias modernas em seu con ¢ manifestam um momento de alargamento do horizonte espacial ercial sobretudo) europeu, A constituigao da economia mundial implicava ir além da sim ples descoberta, remetendo, a necessiria apropriagaio dos novos territérios, sua incorporag%o efetiva ao sistema produtivo do cen tro difusor. Essa apropriag&o vai ocorrendo lentamente, desagre: gando os modos d abrangidas pelo avango, sob o dominio das relagdes de produgao engendradas ¢ regidas pelos interesses dos estados europe ce faz com op sivo estabelecimento de atividades produtivas nas novas terras, ‘© que coloca os agentes de expansio em contato com realidades cspaciais bastante distintas (com relagao a seu quadro referencial rropeu) e diferenciadas entre si. Com 0 progresso da exploracao laridades en cada ver. mais criteriosa e vida locais e colocando essas novas 41 colonial, o levantamento de informagoes das parti contradas vai sendo executado de for detalhad: acervo, onde se vio avolumando 0 propriagio dos territ6rios alimenta esse ente diferenciadas. Nesse processo, o conhecimento do mundo passa a ser, mais do que o simples saber da existéncia de outros territorios, um conhe- cimento efetivo das condigdes ali reinantes. A possibilidade de uma visio planetiria na representagao do mundo vem somar-se a formagdo de um cabedal de informagses sobre lugares singulares jocalizados nos mais variados pontos da superficie da Terra, A formagao desse cabedal é vista aqui como uma segunda con digo para o aparecimento da Geografia moderna. A condigao de realizago ligava-se & inexorabilidade da e (expansdo que estéi na esséncia mesma de tal n que, em seu avango espacial, gerou a necessidade de conhecer © 0 conhecimento das varias partes do globo. O levantam formagées avangava pari passu com o dominio e a sedimentacdo das atividades produtivas nas coldnias. Tanto o levantamento riot catalogagao vao sendo efetuados de modo cada vez mais ordenado; basta pensar que das expedigdes explo: radoras do século XV chega-se as expedigées cientifieas do sé culo XVII, t0¢ as. Também a fun¢ dados sobre numerosas &i de condigées naturais e populagdes totaln to de in como a sua p as financiada amente pelas coroas euro das sociedades geogrificas e dos eseri coloniais atesta o interesse fundamental dos Estados por essa coleta de informagdes. Decorre desse interesse um revigora: mento das deserigoes, 4 itica se vao aprimorando, fat ue é extremamer irrupcao da Geografia mo 8 derna, O actimulo das deserigdes fornece base empirica para a comparacio entre as areas, niicleo germinador das indagagdes associadas na sistematizaco geografica. Na verdade, a Geogratia do século XVIII foi fundamentalmente a elaboragao (padroni zagao, catalogagio, classificagio) desse material acumulado, representou a base imediata da emersao da sistematizagao geo- grifica.? R. Figueira elabora uma expresso precisa ao dizer que tal Geografia tentava “a reconstituigio racional do espago da aventura merean Além desse actimulo de informagSes e do aprimoramento das deserigdes subjacentes ao avanco da expansto mercantil, hé outro elemento, que se gesta associado aos mencionados, que deve se lembrado. Trata-se do desenvolvimento dos meios de represent: cartogritfica, que se constituem no instrumental, por excelér cia, do trabalho do gedgrafo, O avango da linguagem da grafia ocorre calcado nas exigencias praticas da it Felagdes comerciais; era fundamental para a navegagao estabe- lecer, da forma mais aproximada possivel, a representacao das rotas e a localizagao das terras e dos portos. Também a amplia. 10 do tritfico terrestre, envolvendo distancias maiores e trocas mais regulares, demandava esse aprimoramento. Finalmente, as necessidades de conhecer a ex real das colénias, assim ‘como de the demarcar os limites, incidem sobre o desenvolvi mento da Cartografia. O uso dos mapas vai popularizar-se com a lescoberta € aprimoramento das técnicas de impressio, Estas permitem a difuso das cartas, melhoradas pela aferig’oempirica reiterada na intensificacdo das viagens. O instrumental cartogra fico vai agregar-se, como meio privilegiado de representacio, as téenicas de descrigao, dando-Ihes, ja, uma tonalidade propria. mente geogrifica nas crdnicas dos viajantes naturalistas do scte centos. Assim, dos relatos ocasionais e intuitivos dos exploradores e aventureiros passa-se, com a evolucao da propria empresa co- lonial, as descrigdes ordenadas e imbuidas do espirito objetivo das ciéncias modernas nascentes. Pode-se dizer que tal situacao, plen: jeancada no século XVIII, é jé o anteato imediato do processo de sistematizagio da Geografia 2 Essa questo é bem discutida na obra de M. Quaini, A construc de ‘eografia humana, Paxe Terra, Rio de lancito, 1 > Figueira, R, — Geografia, cinta uma Latina, Buenos Aires, 1978, Intraducdo, p18, a, Centeo Editor da Améri: Vé-se que 0s pressupostos gerais mais diretamente vinculados a possibilidade de surgimento da concepgo moderna de Geosra fia se realizam no proprio processo de efetivagao do dominio das relagdes capitalistas. A possibilidade de conceber ¢ de efetuar uma representagio ordenada de todo o planeta e a existéncia de um cabedal de informagdes precisas sobre numerosos pontos da superficie terrestre eram os imperativos elementares da sistema tizagio geografica. Esses dois condicionantes articulavam a ques- tao basilar desse diseiplina: a busca de uma relagio tebrica entre a unidade da superficie terrestre e a diversidade dos lugares. O primeiro ponto remetia a uma consciéncia mundializada, e 0 se- gundo, & consciéncia de composicdes diferenciadas nas singular dades loais. Tas pressupostos estar plena alizados em nweados do sée1 no fli m para sua aparigiio. Tais condigdes eram pressupostos e mio est ulos diretos; além do mais, as necessidades praticas correspon: dia uma perspectiva igualmente pratica de tratar os temas geo grificos. Nao havia uma preméncia utilitéria de se propor uma Geografia para realizar os interesses em pauta, pois tais interesses jd eram supridos, em termos imediatos, pelo trabalho pritico que se fazia sem 0 concurso deste rétulo, Para que a Geografia moderna viesse a ser formulada havia ainda necessidade de uma outra classe de condigdes, aquelas refe rentes diretamente & evolugio das idéias, isto ¢, a discussao auto- oma e unitéria do temério geogritieo deveria ser referendada pelo pensamento filosGfico e cientifico. Assim, existiriam uma série de pressupostos intelectuais para a eclosio da Geografia mo- derna. A simples existéncia dos pressupostos materiais no tece mecanicamente @ explanagio geogrifica, sendo necessario um determinado areabougo légico filos6fico, ja estabelecido, que pro: piciasse a formulacao dessas postulagdes. Neste caso, a condiglo 0 passa a ser ndo apenas um desenvolvimento histo- ial, mas o desenvolvimento da historia das idéias. Aqui ica entre a base material e a consciéneia mani festa-se de forma mais mediatizada, diferenciando-se nas conjun ras especificas e nas particularidades do desenvolvimento histo: 10 de cada pais, Das ilagdes diretas do processo de constituigao Jo espaco mundializado, passa-se para o cenirio de movimentos mais especificos (ainda que nesse primeiro momento sejam discu: tidos de modo genérico). A afirmagio do modo de produglo capitalista demandava a 20 superagao politica das instituigdes feudais; isso implicou uma luta ideolog: som o sistema de idéias que dava legitimidade a tais instituigdes. Em fungio disso, o periodo de transicao entre os dois, modos de produgio apresentou um grande alargamento do ho! zonte do pensamento humano. A necessidade, posta para as pen: sadores burgueses, de superar as re belecimento de uma postura critiea frente ao existente e frente as interpretagées que sustentavam tal ordem, Uma postura critica, como se sabe, & o estimulo principal de qualquer avango subs. tantivo do conhecimento, Além disso, 0 carater hegemdnico da roposta que veiculavam, que representava a instalagio do novo, permitia que os intelectuais burgueses formulassem considera ‘des universais.* Foi nesse ambiente que se forjaram as ciéncias modernas, como armas de combate ideol6gico da burguesia nas cente em busca da consolidagio de seu projeto politico. As condi oes pars gestaram, como parte integrante, desse movimento. Um do: tos destacados de tal movimento ideolégico residiu na alirmagio de uma concepsao racionalista do mundo. A ordem feudal legit ‘mava-se numa interpretagao teol6gica do mundo, em que a essén cia dos fentémenos era vista como incogniscivel, pois repousava na teleologia divina. Contrapondo-se a essa ordem, 0 pensamento burgués vai valorizar as possibilidades da razdo humana. Tal pos tura j4 aparece no cerne das formulagSes mais progressistas dos fildsofos da Renascenga. Estes aceitavam a existéncia de uma or dem na manifestagao dos fendmenos, passivel de ser apreendida pelo entendimento humano e de ser enunciada de forma sistema: tizada. De explicagdes de fundo teol6gico, baseadas na crenca da origem divina da agao dos eventos, passa-se para uma visio que defende a observagao sistematica em busea de constincias, ritmos e relacdes entre os fendmenos. Tal passagem nio se faz de ime diato, ao contrario, avanga por formas conciliatérias exemplifi céveis 1m idgia do “impulso inicial” de Newton ot da “mao invi sivel” de Adam Smith. De qualquer forma, tal trinsito represen {tou um progresso incrivel do conhecimento humano. Justificava se a busca de uma explicagao racional do mundo, no bojo da qual se constituem as eiéncias modernas, Ges feudais levava ao esta a eclosio do proceso de sistematizagao da Geografia se 1 Lukies, G. — Marxism « da literatura, Civiizagto Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, ensao problema da decadénciaideolgics’ © campo principal, sobre o qual incide a maioria das inda- ‘gages das ciéncias nascentes, vai ser o dos fendmenos naturais As varias ciéncias dedicadas ao estudo da natureza conhecem um desenvolvimento fantastico no decorrer dos séculos XVII e XVII. (0s avangos explicativos com relagao aos fendmenos naturais ex pressos na paisagem foram dos mais significativos. A Botinica, ‘4 Zoologia ¢ a Geologia sistematizam-se nesse petiodo, alimen- tadas, em muito, pelas informagdes oriundas das novas terras Apesar de se desenvolverem sobremaneira as pesquisas de fend: menos especificos, 0 pensamento desse periodo nao isola os estu: dos em compartimentos estanques. Ao contrario, a tonica sinté ica ¢ integradora domina a produgdo do conhecimento, Deveu-se isto. em primeiro lugar, 20 ndo-distanciamento entre Ciéncia € Filosofia. Tais formas de pensamento encontravam-se, nesse mo mento, intimamente entrelagadas; na verdade, buscava-se 0 co- hnhecimento do mundo para municiar as argumentagdes especula- tivas; a pesquisa empirica nao era oposta a divagagio abstrata, antes se integravam num discurso unit ‘a também nfo eram antagonicas; ao contrario, con- cebia-se a razio como natureza humana, reflexo no homem da harmonia natural, Buscava-se compreender a natureza para se compreender @ natureza humana, de forma a ajustar a ela as ins- tituigdes sociais, Dessa forma, a visto sintética necessiria pi motivagao politica do processo se sobrepunha ao movel_ mera: mente utilitério do desenvolvimento de tecnologia, ao nivel da ‘manipulagao dos fendmenos especificos. Isso implicou um incen- tivo a propostas académicas de disciplinas sintéticas. A Historia Natural, a Fisiologia, a Anatomia inscrevem-se entre estas tenta tivas, 45 quais perfilar-se-i a propria Geografia. O descnvolvi mento das cigncias naturais sistematicas e dessas ciéncias sinté ticas foram alimentadores diretos do processo de sistematizagao da Geografia, As primeiras forneceram-Ihe eonhecimentos orde: nados sobre os fenémenos singulares presentes em seu temétio: classificagies, teorias particulares, etc. As segundas forneceram a possibilidade logica de formula tiea, Assim, a formulagao explicita destas ciéneias constituiu-se objetivamente em pressupostos da Geografia moderna. A Geografia encontrou, porém, fora do campo das eigncias da natureza, outras colocagées impulsionadoras de sua sistematiza gio. Ao nivel do conhecimento filosofico propriam Contram-se varias vias de legitimagao do debate dos temas gco: grificos. © pensamento iluminista, principalmente, releva, em io. Por esse motivo, ra age nat nte dito, en 2 suas formulagdes, um dos temas mais destacados do universo de preocupacdes da Geografia moderna, qual seja: a questio da re lagao da sociedade com o territério. Esse tema, de tradigao no pensamento politico desde a Renascenca, vai ocupar um papel de destaque nas formulagées de varios pensadores da Tlustraca0. Sao bastante conhecidas, por exemplo, as colocagdes de Montesquieu, relacionando as formas de relevo com a indole dos povos, ou as colocagées de Rousseau, relacionando as formas de governo com ‘a extensio dos territ6rios. O debate do temario geografico, efe tuado ao discutirem as questies centrais da sociedade, veste-se de ‘uma legitimidade social, ganhando forga a justificativa de se pro por um estudo especifico de tais preocupacdes. Nao era apenas na filosofia iluminista, porém, que os temas geogrificos afloravam. Também as obras filoséficas de sintese, proprias do periodo, as que expressavam grandes “sistemas filos6fieos”, vlo dar guarida fem set seio aos temas da Geografia. A tematizagio de varios as: suntos, englobados posteriormente no ambito dessa disciplina aparece, por exemplo, nas paginas de Kant, de Hegel ow mesmo ide Comte, todos formuladores de grandes sistemas. Essas obras, que culminam com proposicdes éticas e politicas, tentam dar conta de tod a realidade num discurso unitirio e integrativo, nao sendo estranhos a este saber enciclopédico alguns problemas no dais do pensamento geografico. Tais consideragdes aparecem entio como antecedentes filosSficos da sistematizagao geogritica, faio que transparecera na citagio dos ge6grafos pioneiros desse proceso que se remetem amitide a tais discussdes, efetuadas no plano da Filosofia, para obterem legitimagdes para suas formula des. Existiu, assim, uma anterioridade de explicitagio de algu mas questdes centrais da Geografia no nivel filoséfieo, em relagao a seu estudo sistematizado e agrupado nesse rétulo cientific. Poder-se-ia lembrar ainda algumas obras especificas de Filosofia da Historia ou de Filosofia da Natureza que atuaram no mesmo sentido (basta pensar na produc de Herder entre as primeiras, ena de Schelling entre as segundas). De modo geral, a produgio filoséfica do periodo (séeulo XVII, XVIII e até meados do séeulo XIX) referendou © temario geogrifico, fornecendo uma base de autoridade para propostas que veiculassem sua discussio unitéria ce integrada numa disciplina autonoma. Do que foi apresentado, sucintamente, pode-se depreender que no inicio do séeulo XIX j6 se colocavam, ao nivel do pensa mento, uma série de condicionantes que permitiam o afloramento da sistematizagao da Geografia, O desenvolvimento das ciéncias naturais sisteméticas, tematizando os variados fenémenos da pai- sagem, a existéncia de ciéncias sintéticas, visando fornecer expli cagdes de conjunto, ¢ a legitimarao filoséfica das questies geo: gréficas (seja pela insercao de tais questdes em sistemas amplos, seja pela explicitagao de seu contetido politico) propiciavam o surgimento da Geografia moderna. Seu temario ja estava referen- dado, assim como estavam dadas as possibilidades légicas para sua formulagéo enquanto disciplina auténoma, Caberia ainda apontar um diltimo conjunto de formulagdes que impulsionaram diretamente a irrupgao da Geografia moderna ao trazer as ques: toes de seu temério para a ordem do dia do debate cientifico do século XIX: trata-se daquelas teses que veiculavam a proposta evolucionista. Tal conjunto foi gerado contemporaneamente a0 processo de sistematiza¢ao da Geografia e, sem diivida, forneceu: Ihe argumentos e bases de sustentagdo. As teorias evolu davam um destaque fundamental as questdes que constituiam 0 temirio geogritfico (para se lembrar apenas um exemplo, pode-se mencionar a problematica da influéneia do meio sobre a evolugao dos organismos, expressa com clareza por Lamarck); além disso, apresentavam conceitos ¢ teorias que auxiliavam diretamente na ordenagio dese temério (pense-se no coneeito de meio ou de organismo). Os principais autores do evolucionismo vao aparecer ‘com destaque nas obras dos formuladores pioneiros da sistemati zaga0 geogrifica; Lamarck, Haeckel ¢ Darwin, entre outros, sao figuras presentes nas paginas de Humboldt ¢ Ritter. A teoria da adaptagao dos organismos as condigdes externas, 0 conceito de associagdo de elementos, a apresentagio do desenvolvimento como estimulado pela diversidade ambiente, enfim toda a teoti zagio desenvolvida pelos evolucionistas apontava para um sis tema de explicago do mundo onde a problemética geografica aparecia num lugar central e vital A articulacdo dos elementos apresentados se constitui na reali zacio das condigdes intelectuais para o surgimento da Geografia moderna. Tais condigdes, que se configuram num ambiente cul tural propicio e capaz de engendrar tal formulagdo, também se substantivam como uma face de processo de afirmagao das rela e6es capitalistas, qual seja, a da luta ideolbgica empreendida pelo Pensamento burgués em busca de hegemonia politica. Observa se que, no findar do século XVII, a malha de condigdes mate tials e intelectuais estava suficientemente tecida para engendrar uma proposta de Geografia unitéria e auténoma que buscasse ama explicagao, indo além das nomenclaturas exaustivas e dos 24 relatos de viagens que imperavam sob este rétulo, N. Werneck Sodré, autor que aponta bem este processo, diz: "Com o alastra: mento das relagdes capitalistas e correspondente declinio do me: dievalismo e com a revolugao burguesa na Inglaterra e inicio do processo que a efetivara na Franca nos fins do século XVIII, pode ser aceita a convengdo do encerramento do longo periodo inicial, preliminar, preparat6rio da Geografia, sua pré-histéria por assim Na verdade, os pressupostos histéricos necessérios para a eclo- sto da Geografia moderna representavam 0 “pano de fundo” de tal processo. Nao desembocavam, porém, em si, diretamente no imperativo de uma proposta de sistematizagdo. Eram condicio nantes necessérios para seu surgimento, mas no lhe determina: vam diretamente a génese. Em suma, quer-se dizer que a sistema. tizagao geogrdfica nao seria uma resultante mecdnica da reali zagio de seus pressupostos. Havia necessidade, para que tal oco: resse, que existisse um impulso vital, para se pensar o ten geogrifico na pritica social de algum povo, que tivesse realizado (0 pressupostos elencados (que houvesse participado do proceso Assim, aponta-se a necessidade de um esti mulo social mais direto para a génese da Geografia moderna. Nesse plano, 0 préprio desenrolar-se da historia dessa disciplina jé indica com uma clareza meridiana o caminho a ser trilhado pela investigaglo. A génese do processo de sistematizacio da Geografia possui uma origem bem particularizada expressanuma nacionalidade bem especifica. Tal processo foi obra do pensa mento alemio. Humboldt e Ritter eram prussianos, assim como guase todos os principais gedgrafos do séeulo XIX. Por essa ra: 240, oestimulo direto para a eclos%o dessa disciplina deve ser bus fo na particularidade histérica do desenvolvimento do capita. ismo na Alemanha. E apenas na anilise da especificidade desse pais que se podera aprender as razdes que levaram esta socie Gade 2 valorizar a reflexdo sobre o temario geogrifico. E essa analise que se passa a expor no proximo item. 5 Sodcé, N. W. — Introdusdo & geverfia, Geverafa © ideologio, Voues, 2 A PARTICULARIDADE HISTORICA DO. DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NA ALEMANHA processo de constituigdo do Estado Nacional moderno, na Ale manha, apresentou, em relaglo 20 quadro europeu ocidental, um itinerario bastante singular. Basta observar que tal processo 56 se efetivou no iltimo quartel do século passado, mais especi ficamente a 18 de janeiro de 1871. Até entZo, a Alemanha restou como “o pais eternamente inacabado”* Esse carter tardio, ¢ toda a peculiaridade dele decorrente, do processo de unificag nacional também implicou uma lentidao com respeito ao desen: volvimento das relagdes capitalistas nesse pais. G. Lukes, numa expressio sintética, afirma: “O destino, a tragédia do povo ale mio, consiste, falando em termos gerais, em haver chegado de masiado tarde no processo de desenvolvimento da moderna bur. guesia’’” Este trago particularizador vai marcar profundamente todos os planos da historia da Alemanha, das relagdes econémi assando pela organizagio politica, até as formas de pensa- mento, E nele inclusive que residem as determinagies historicas especificas explicativas do afloramento pioneiro do process de sistematizagao do pensamento geogrdfico nesse pais. Para bem compreender a problemitica da “miséria alema", deve-se retro- ceder bastante no tempo, ao processo de desmembramento do império carolingio ¢ & subseqiiente formago do Sacro Império Romano-Germénico Sacro Império Romano-Germanico, que se estabelece em 962.e que formalmente s6 € destruido em 1806 pela vitéria napo lednica, na verdade representava mais um compromisso confede rativo de defesa dos valores da cristandade frente as ameagas das li, do que uma unidade nacional fede: hordas asidticas e do Is rada. Sua estruturagao dava-se pela agregagao de unidades poli- ticas bastante autonomizadas e diversificadas, tendo por princi pal elemento de aglutinacio e legitimagdo da autoridade central a “igreja imperial”. Assim, a autoridade real nao se efetivava ple- namente, aparecendo, como o foi muitas vezes, mais honorifica (diplomatica, com a coroa sendo ocupada por um rei estrangeiro que atuava como mediador nas disputas internas) do que subs: ® Koller, L.— Contibuicin ala httoria de fa sociedad burguesa, Amor ort, Buenos Aires, 1974, p Lukées, G. — ET watt ala razin, Grijalbo, Ba 2% tantiva. A perda da chancela religiosa, a partir das disputas dos séculos XI e XII, vem reforgar ainda mais a fragilidade do poder central. Segundo Ganshoff: ‘a ‘questo das investiduras’ reduziu, considerayelmente a autoridade do rei sobre os bispos e compro: meteu gravemente a propria estrutura da igreja imperial; quand aproveitando-se desta mesma questo das investiduras, os mar- queses e os condes se transformaram quase completamente principes auténomos, conservando muito pouco do seu cardter de funcionarios piblicos, foi necessario encontrar outros elementos de apoio da autoridade real”. Tais elementos foram buscados ‘ium reforgo significativo da estrutura institucional feudal, num momento em que noutras regides da Europa o processo de fir magao dos Estados nacionais se desenvolvia num sentido inverso, isto 6, de reforgo do poder central. Essa situagdo, ainda segundo Ganshoff, tornou “if io impossivel, & coroa a cons tuigdo de um territério proprio importante. A Alemanha feuda- lizava-se inteiramente; sabe-se que a realeza, com os Hohenstat- fen © os seus sucessores, no conseguiu manter a seu servigo as instituigdes piblicas desta maneira transformadas: dai resulta ram os principados territoriais donde sairam os estados alemies da época moderna e contempo . especialmente, os prine pais dentre eles: Austria, Prissia, Baviera, etc.""* E dentro dessa situagao descrita que a Alemanha vai vivenciar © periodo da expansio mereantil da Renascenga ¢, principal- mente, da Reforma: desmembrada em tnidades politicas pratica mente auténomas, ¢ articuladas apenas por lagos ténues e for mais. L. Febvre, em seu estudo clissico sobre Lutero, escreve: “A. Alemanha de 1517: terras férteis, recursos materiais poderosos, cidades orgulhosas ¢ espléndidas, trabalho por todas as partes, iniciativa, riquezas; porém nenhuma unidade, nem moral nem politica”; econclui: “A Alemanha era um pais sem unidade: isto 60 essencial” Em 1532, quando o imperador Carlos V promulga seu cédigo penal conhecido como “Carolina”, tentando padroni- Zar as legislagdes absolutamente auténomas dos principados, a Alemanha conta com mais de trezentos Estados-membros. A di versidade entre estes membros é também considerdvel: principa. § Ganshol, F.L. — Que € 0 feudaliomo?, Europa-América, Lishos, 1968 pp. 2140218, 9 Febwee, L. — Martin Lutero, Fondo de Cultura Eeonts 1956, pp. 95%. México a dos, feudos eclesiasticos, reinos, cidades livres, etc. Tal diversi dade incide nao s6 no tipo de organizacao politica de cada w dade, mas também em seu grau de identidade, na sua extensio erritorial e no seu poderio militar. Além disso, essas unidades se inter-relacionam através de acordos (associacdes, ordens e ligas) que seccionam a unidade maior. Enfim, € nesse quadro que a Alemanha vai vivenciar a expansao mercantil, a Reforma e as Quanto ao primeiro ponto — 0 ineremento mercantil que flo- resce por quase toda a Europa a partir do século XIV — observa: se que a Alemanha, ou, melhor dizendo, algumas regides alemas. participam vivamente desse processo: 6 0 caso das cidades do nor. te da Alemanha, que através da Hansa dominam 0 comércio do mar do Norte e do Baltico, constituindo-se em uma unidade polt tica através da liga hansedtica; é também 0 caso de muitas cida- des do vale do Reno, assim como de todas aquelas que se consti: tos de rotas comerciais. Tais cidades, atra- tuiamem entroncame vés do pagamento de tributos ou de direitos ou favores adquiridos (no que pesam significativamente seus efetivos militares), apare ccem no cenario politico como cidades livres, portadoras de auto nomia, L. Febvre faz uma arguta andlise das consequéncias de tal estatuto. Coloca ele em destaque, em primeiro lugar, 0 fato de inexistir uma capital ou uma cidade que se sobressaia no territo rio alemfo: a0 contrério, existe uma profusdo de centros com a mesma importincia e densidade, e mais, desagregados e muitas, vezes competitivas entre si, Nas palavras de Febvre: "*Vinte capi: tais, eada uma com suas préprias instituigdes, suas indiistrias, ‘As cidades ale mis so egoismos furiosos em luta sem quartel contra outros egoismos”."" Tal fato tem implicagbes politicas extremamente amplas para o desdobramento posterior da histéria alema, pois esse localismo impediu a formagio de uma vigorosa burguesia, {que se apresentasse A ago politica como classe nacional. Conti nuando na avaliaglo de Febvre, ha outro ponto bastante impor tante ali enfocado: trata-se da disparidade entre a realidade ""mo derna” vivida por esses centros comerciais e 0 “atraso” feudal predominante na vida agréria dos territrios que os circundam. Febyre chega a definir a vida citadina como “civilizagdes de of sis”, tal a falta de conexio existente entre os dois mundos. Nas suas artes, seu costume, seu espirito”, e adian 8 suas palaras “AS cidades (.) sto orgutho da Alemnha. mais © quadro fragmentario, Como obsera Engels, prevenga uma federagio de priscipes (pols, como visto, tamibem conava com orgs militares): "Essa democtaia de nares ea imponse na Alemanha do século XVI. Imposivel porque jé existam na Alematha grandes e poderosascdades" Os dos eutros movimentos socials do séeulo XVI, que int ram decisivamentene destino de Alemanha, foram a Reforma ¢ & guerra earponesas, Oprimciv dle, de contstagio 4 auto Tidade do papa, e, conseqUentemente, da Igrejacatéca, eve num alemo um de seus mais dstacadosformoladores Martino Ltero. A guerra camponsa, movimento mais ample, de abran &: Pale pln verdad fo na Alana esdbrament “O'raio que Lutero langara cata no barril de pakora, O Sov alemto spsem movimento": No eae aqui penetar ha anal desses movimentos (a qual pode ser encontrade na biblograti conclsio éamesmat tanto Reforma quanto as guerras campo Idem — Ibidem, pp. 99 « 100, 12 Engels, F. — AS querras camponesas na Alemanha, Grijalbo, Sto Pau 9 2» ico. A “paz de Augsburgo”, rtalecimento do Sacro-Império Romano-Germa {que piem fim ao conilito em 1555, implicow um da independéncia dos principes que, além de assegurarem a pro: priedade das terras secularizadas da Igreja, conseguem a prerro- gativa da liberdade de culto. Nesse processo de luta, alguns Es tados vao afirmar-se, ou mesmo formar-se — como € 0 caso da Prissia, que & declarada reino hereditério por Alberto de Bran denburgo em 1525, grao-mestre da Ordem Teuténica (formada nas Cruzadas), que aderiv ao luteranismo ¢ apossou-se dos bens da ordem. Assim, da Reforma emergem 0s sujeitos que domina ro a politica alema no futuro. "Também as guerras camponesas atuaram nesse sentido de bombardear a unidade alema e reforear relativamente alguns de seus membros. Como bem aponta Engels: “O principal efeito das guerras camponesas foi agucar e consolidar a divisio politica da Alemanha, esta mesma divisio que havia sido a causa de seu fra: nto, como nao deixa de mostrar o autor, na dis ceussio desse movim is vem tona ‘com um peso determinante, Enquanto a Reforma pode ser inse- rida num amplo processo de arranjos e reajustes das classes domi- nantes deste periodo de transigdo (ainda marcadamente ligadas & ordem feudal, a saber, nobreza e clero), as guerras camponesas ingerem-se num movimento de ascensdo e alirmacao das novas relagdes mereantis. Assim, este movimento, com todas as media goes que ele implicou, expunha-se mais claramente como um em bate de classes, num sentido preparatirio do estabelecimento de relagdes burguesas. Como jé foi apontado, porém, a burguesia falema era débil, imersa em seus interesses ¢ horizontes locais, ‘sem articulagao nacional, vitima, ela mesma, da frag da dispersao. Engels vai creditar a esta debilidade, que se traduz fem vacilagio na luta, uma das causas da derrota da guerra cam- ponesa. Ele vai ainda mostrar que esta dispersao se fez. presente ho proprio desentrosamento, prético e de propositos, entre as fi Teiras populares. Engels também aponta, entre as causas da der rota, a falta de um centro geogrifico que representasse o poder real, cuja tomada desmembraria o conjunto do império (como foi ‘caso de Paris na Revolugio Francesa). De todo modo, os efeitos da derrota foram por demais claros e significativos: Em primeiro lugar, o fortalecimento dos principes que comandaram a reagio, e que assim, além da vitéria frente & Igreja, contabilizam uma vi nto a questo das classes soci dem — Tider, p. 114 30 téria frente as forcas progressistas (classes populares ¢ burgue sia). Em segundo lugar, o explicitar da capitulagao da burguesia, {que vai enterrar definitivamente os ideais progressistas e a possi bilidade mesmo de uma real revolugdo burguesa na Alemanha Lukas considera, por essa razo, a derrota das guerras campo- nesas 0 “ponto de inflexao da histéria alema". Essa capitulagio da burguesia acompanharé decisivamente o futuro politico da Alemanha, marcando, de forma profunda, a via do desenvolvi mento das relagoes capitalistas nesse pais. Em terceiro lugar, no que toca as classes populares, a derrota dos eamponeses implicou um revigoramento das relagies de servidao, que dé folego para tais relagdes persistirem ainda por séculos em muitas regides alemis. ‘Assim, em termos genéricos, tanto o desenvolvimento comer: cial e urbano quanto a Reforma e as guerras camponesas, que em outros pafses da Europa atuaram no sentido da consolidagao do poder central e do Estado nacional, na Alemanha reforcaram a fragmentagio e a aristocracia feudal, revigorando relagdes sociais picas do feudalismo, como a servidio e a vassalagem, Tem:se aqui o traco particularizador da hist6ria alema: 0s elementos por- tadores da nova ordenagio social desenvolvem-se sem eliminar, antes fortalecendo, estruturas préprias da antiga ordem. Nas pa lavras de Kofler: “Isto significa que na Alemanha as forgas feu: dais conservam dentro da sociedade uma preponderancia muito maior que em qualquer outra parte; que sua vontade e espirito penetram em todos os intersticios da vida nacional, estabelecem jum monopiilio exelusivo sobre o Estado, e toleram a economia burguesa unicamente enquanto podem usé-la como instrumento do regime politico feudal”. Lukes apontou com clareza a relagao. entre tal situagao e o destino das guerras camponesas, a0 dizer: “A revoluglo camponesa pretendeu fazer 0 que o Império era incapaz de realizar: a unificagao da Alemanha, a liquidagto das tendéncias centrifugas, absolutistas-feudais, cada vez mais acen- ‘uadas. E a derrota dos camponeses acabou por revigorar, toda- via, mais ainda, estas forgas. O particularismo puramente feudal foi substituido’ por um feudalismo modernizado: 0s pequenos principes, como vencedores e usufrutudrios das Iutas de classes, foram os encarregados de estabilizar o desmembramento da Ale- manha. E assim, como conseqiéncia da derrota da primeira ‘grande onda revolucionaria (da Reforma e da guerra dos campo- neses), do mesmo modo que a Itélia por outras razdes, a Alema: inha viu-se convertida em um impotente conglomerado de peque 3 nos Estados formalmente independentes e, como tal, em objeto de disputa da politica do mundo capitalista nesse tempo naseente, ddas grandes monarquias absolutas”. Engels, enfocando mais ddiretamente @ questo do desenvolvimento mercantil, também chega ao mesmo veredieto: "Enquanto que na Franca ¢ na Ingla terra 0 desenvolvimento do com ido de interesses gerais no pais inteiro, e com isso, a centrali zagio politica, a Alemanha no passou do agrupamento de inte esses por provincias, em torno de centros puramente locais, 0 ‘que trouxe consigo a fragmentagio politica que logo se estabili- zou pela exclusio da Alemanha do comércio mundial. A medida gue deeia o Império puramente feudal, decompunha-se a unio dos paises e os grandes vassalos transformavam-se em principes quase independentes. As cidades livres ¢ 0s cavaleiros do Império formavam aliangas e guerreavam entre si, ou contra os prin co imperador. O poder imperial comecou a duvidar de sua propria missdo e vacilava entre os diferentes elementos constitutivos do Império, perdendo paulatinamente toda a sua autoridade”.* E nesse quadro de dispersio que os Estados alemaes vo viv ciar os séculos seguintes, cada um trilhando caminhos préprios. {As cidades comerciais vao sentir um refluxo de sua prosperidade, ‘com o movimenito mercantil europeu migrando significativamente para a 6rbita do Mediterraneo. A propria auséncia de um Estado ‘central forte, que defendesse seus interesses, 6 um dos elementos de explicagio do deeréscimo do comércio alemao, num universo mercantil europeu basicamente monopolizado pelas coroas, atra vés das companhias nacionais. Também o particularismo, im pondo barreiras alfandegarias internas entre os principados, atuou impedindo o livre fluxo das mercadorias, Nos Estados alemaes orientais, aqueles em que a estrutura feudal permanece mais, focada, a atividade econémica seguiu um caminho diferente. ses Estados vio conhecer uma prosperidade econdmica advinda da mereantilizagho da producao agricola, Tais regides passam a esempenhar, no quadto europeu, uma funcao complementar de ‘abastecimento alimenticio dos centros mais desenvolvidos, que se eforga conforme vai avancando a atividade industrial nestes cen- tros. Vao se constituir assim em celeiros da Europa, Areas produ toras de artigos primérios. Isso vai redefinir a estrutura da produ ‘cao agraria, que, em termos de destinagdo, passa a assumir uma cio ¢ da inddstria acarretou a 1H Kofler, Ls — Ob. city p 408; Lukses, G. — EI cit, p. 32 Engels, F. — Ob. cit, p. 26 salto a la razén, ob. 32 finatidade mercantil, oq no comércio mundial, rompendo com a marginalizagao em que ‘até entio se encontravam. Entretanto, se em termos externos ‘ocorreu essa “modernizagao”, em termos da estruturagio interna das relagies de produgio assistiu-se a uma recrudescéncia de si: tuagdes tipicas do feudalismo com a afirmagio do processo conhe: cido como “a segunda servidio”,* isto é, as relagées de trabalho contravam num processo de dissoluc20 (com 0 trabalhador agricola se aproximando de uma tipica situagdo cam: omercial. A propriedade ‘agora produzindo para o mer implica uma insergto dessas regives servis, que ja se en joram-se em face do ala ta, ape onesa), sudal manteve-se in Jo Vé-se a conciliagdo de uma produgio em moldes capitalistas embasada em relagées de produgao pré-capitalistas: agricultura comercial, latifiindio e servidao. Kofler, discutindo a evolugao da Prissia que, juntamente com # Polénia, seriam exemplos claros da situaglo descrita, afirma: “Apesar de sua atividade comercial, a nobreza prussiana seguiu sendo uma auténtica nobreza feudal primitiva, segundo wm estilo essencialmente medieval, ¢ 0 foi de maneira tanto mais pura, quanto no campo prussiano a servidio as fainas obrigatérias chegaram tarde a seu apogeu e persisti tam em formas diversas até meados do século XIX"."* Assim, em tais resides, principalmente do leste alemao, observa-se de forma meridiana o desenvolvimento de um processo de “‘modernizagao conservadora”, para se utilizar a expressao de Barrington-Moore, que estabelece um “feudalismo modernizado” cujo se prolongot até século XIX. Restaria ainda m do quadro de di corridos pelos varios Estados alemies, aqueles cuja situag® jgrifica tornou mais permedveis as influéncias do desenvolvimento das nagdes européias ocidentais. Seria o caso, por exemplo, da Rendnia, cuja proximidade com a Franca, os Paises-Baixos ¢ a Sufga, implicou o estabelecimento de lagos, no so econdmicos mas principalmente politicos ¢ culturais, com esses paises. Poder se-ia dizer que tais regiSes participaram mais vivamente da con: temporaneidade da vanguarda européia do perfodo. A atividade mineradora e a relativa industrializaglo a ela subjacente seriam também elementos explicativos dessa situagdo particular no con 15 Ver: Dobb, M. — Evoluedo do captalismo, Zahar, Rio de Janeiro 1974, pp. soe 57. Ver também Koller, L.— Ob. cit, p40 Me Kotler, L,— Ob. itp. All 33 texto alemio; assim como a func de “regido-relée” no comércio ‘com 0 ocidente. Enfim, a diversidade das situagdes vivenciadas pelos diferentes Estados germanicos era bastante acentuada. Tal diversidade reforgava a fragmentacao nacional. E na situagio descrita que a Alemanha vai vivenciar a Revo- lugao Francesa e o periodo napolesnico. Tais acontecimentos, ccomo se sabe, tiveram repercussdes continentais e, no caso ale. mio, fizeram aflorar as diferencas hist6ricas acima mencionadas. A reagao dos alemaes, frente & Revolugao Francesa, variou bas- tante regionalmente, em fungdo dos distintos interesses e poderio das classes em cada membro do Império, que formalmente ainda subsistia. A burguesia da Renania e da Vestfélia aclamou com entusiasmo as transformagSes politicas que ocorriam na Franga, assim como a intelectualidade progressista em geral. Lukécs fala que “importantes setores da vanguarda da intelectualidade bur- esa” assumiram essa postura, citando as figuras de Kant, Her. der, Burger, Hegel e Holderlin, e completa dizendo que “certos testemunhos da época, como, por exemplo, os relatos de viagem de Goethe, demonstram que esse entusiasmo néo se limitava, de modo algum, aos representantes mais destacados ¢ conhecides da burguesia, e sim que suas rafzes penetravam em amplos setores ddessa classe”. Entretanto, para a nobreza agraria das regides orientais, e, principalmente, para as monarquias absolutas mais, consolidadas c poderosas (Prissi e Austria), 0 movimento fran- cts foi visto como um eminente perigo que colocava em risco toda a ordem social (dominada por resquicios feudais) em que se assen- tava o poder politico nessas regites. Tanto que esses Estados vao se unir na repressio aos possiveis desdobramentos da Revolugao Francesa em territérios alemdes. Nesse antagonismo, a fragili- dade politica dos setores burgueses mostrou-se, mais uma vez, evidente; como observa Lukécs: “o movimento democritico revo luciondrio no péde se estender sequer & parte mais desenvolvida da Alemanha, ou seja, ao Ocidente. Quando Mogtincia aderiu & Repablica francesa, encontrou-se completamente isolada e caiu rnas milos do exército austro-prussiano, sem que sua queda desper- tasse 0 menor eco no resto da Alemanha”.” Essa situag2o tornou- se ainda mais clara, quanto a diferenga de posicionamento assim Lukes, G. — ET asalto «fa rain, ob. cit, p. 4. O levante de Mo- inca foi comandado por Georg Forster, ftho de J. R. Forster, autores que omo ser visto, passuem relagBes com a Grografs ¢ com os gedgrals, rine. Palmente com Humboldt. 34 como quanto ao poderio de cada posigio, nos desdobramentos seguintes do periodo napolednico. ‘Antes de iniciar essa discussfo ¢ importante localizar-se clara- mente 0 papel histérico do perfodo napolednico. Napoledo Bona. parte centraliza 0 poder, que se havia diluido no processo revo- lucionério, objetivando um programa de ordenagao do Estado e da sociedade no sentido dos interesses do dominio das relagoes, capitalistas. De certo modo, representou a implementacdo dos rutos da vitéria de 1789, por exemplo ma adequagio do aparelho de Estado as novas circunstincias e fungSes. Assim, 0 periodo napoleénico manifesta um momento de organizagao da sociedade da burguesia recém-instalada no poder. Nas palavras de Marx: ‘Napoleio, por seu lado, criou, na Franga, as condigées sem as quais nao seria possivel desenvolver a livre concorréncia, explorar 4 propriedade territorial dividida e utilizar as forgas produtivas industriais da nagao que tinham sido libertadas; além das frontei ras da Franga ele varreu por toda parte as instalagdes feudais, & medida que isso era necessario para dar sociedade burguesa da Franga um ambiente adequado e atual no continente eu open". Vé-se que o projeto napolednico se antagonizava, em esséncia, com a estrutura politica dominante nos Estados alemaes mais poderosos militarmente, exatamente aqueles onde as sobrevi véneias da ordem feudal eram mais vigorosas. Dai, a inevitabili dade do confronto militar que oporia a Franga a Prissia e & Aus. tria, Entretanto, como observa Lukes, ‘“Napoleio logrou en: contrar partidirios e aliados no ocidente e no sul da Alemanha, ¢ em parte também na Alemanha central (Saxénia)”. Com essa galvanizagio, Bonaparte conseguiu enterrar definitivamente ‘énue aliang2 formal do Sacro Império, pois estabeleceu um novo lago exclusivo entre seus aliados: a “'Confederacdo do Reno” Nessa unidade, Napoledo implementava reformas objetivas que aacabam por varrer totalmente 0s velhos resquicios feudais, e que Vio ser um dos alicerces posteriores dos movimentos unicionistas. E preciso assinalar, entretanto, como o faz Hobsbawn, que as ‘guerras napolednicas “produziram mudangas nao s6 através das conquistas francesas, mas também pela reago contra elas”.” 18 Marx, K.— Desoto Bruméro de Luis Bonaparte, Paz « Terra, Rio de Janeiro, 1974p. 18 18 Hobsbawn, E, — Las revolciones burguesas, Guadarrama, Mad 35 sse autor analisa esse processo de “reforma por re rotada por Napoleio Prissia, que em 1806 é fragorosame agmentagio ¢ perda territorial) € qu Engels, Gotrendo gran 1813, retorna a gu nbém sustenta que esse Estado vai conhecer uma “iransformagao di absolutismo prussiano (...) em uma monarquia bonapartista No bojo dessas transformagées, a tese da nec cagdo nacional também vai se reforcar no camp avango francés, Nas regides antinapolednicas con > um movimento romantico nacionalista, qu 9 da reaglo a izagdo dos “tragos alem corpo 1 construir uma jentava na ideal iade nacional que se opuses Fichte, entre outros, poderiam se ogos de tal movimento. Lukacs ot icago napolednica da Alemanh: uudais a cargo da Franca (© periodo napolednico representou para a Alemanka um plicitagdo de sua real situagdo: as diversidades vieram a ton rio foi rompido, na pr: -m sua wnidade formal, « dis 1eTso expressou-se no real com as coligacdes excludentes ¢ gonizadas no conilito, Os Estados-membros da Confederagio do K ondmico que esta belece rela tro sentido, acabando com © monopslio rando 0 comércio, porém sem conhecer uma alter: ura de poder; despatica, don junker. A Austria toma consciéncia clara de seus interesses extra igerminicos, Assim, ocorrem mudangas que, na verdade, vao no conhecem um desenvolvimento social e tipicas capitalists, A Prdssia moderniza-se nou ecorporacées e libe. ago substancial ada pela aristocrac icentuar as diferengas; nas palavras de Lukiics: “como © poder de Napoledo nao bastava para converter toda a Alemanha num: dependéneia do Império francés, a tinica coisa que com ele se conseguiu foi acentuar e aprofundar ainda mais o desmembra Fes, porém, a idéia da com cla mento nacional”. Mesmo que por vias di ional comega, pela primeira vez, a apar moderna da Alemanha. ® Lakics, G. — Re ites alemanes del siglo XIX. Grilbo, Barcelona iste & ullieado por Marx no Dezvito Brumdrio de Bonaparte. nao implicando um domi militar francés 3 iia, foi também consageado por M. Weber: ver: Ensaios Com a derrota definitiva de Napoledo em 1815, a historia aloma vé revigorada sua t6nica conciliadora e autoritaria, com 0 o daquele processo que Lénin denominou de ‘via junker ‘lvimento do capitalismo.?" © malogro, em termos de manutengio do dominio politico, da empresa napolednica repre sentou, numa escala continental, um avango das forcas da re. a pensar na restauragio do governo dos Bourbons na que manifestou um claro recuo da propria burguesia ais democriticos de 1789. Qbserve-se fr ue tal pro: sess0 ovorreu mesmo na Franga, pais em que a burguesia havia sido “guia intelectual do perfodo da Hustragio militant ue as relagdes de produgio mi plenament mentadas, se bem que, por isso, ‘a Restauragao se economicamente a aceitar socialmente o capitalismo © que dizer da Alemanha, onde im ainda muito presentes? Na verdad Estados alemaes mais comprometidos com uma via progressisi lesenvolvimento do capitalismo, os integrantes da Conted: ragio do Reno, haviam sido derrotados. A coalizio que derru bara Napoledo tinha cardter fundamentalmente aristocratico, ¢ realizou um reordenamento politico da Europa em mol soantes com os interesses das casas reais. No que toca aos Estados lemaes, a Prdssia e a Austria saem fortalecidas do conflito. Os interesses prussianos foram defendidos pela Inglaterra temerosa das pretensies francesas sobre territérios alemaes. A Prissia re cebe parte da Rendnia, parte substancial da Polénia e da Sa xénia, emergindo assim ao lado da Austria como uma po! europeu. Existiu, assim, uma efetiva concer trago dos Estados o emies: das 234 unidade: no Sacro Império em 1797, passou-se a 1 jodo pés-napolesnico. Além desse fortalecimento das monarquias, deve-se m que a restauracao impli retraimento ainda maior da ja politicamente débil burguesia ale- ma, Como comenta Hobsbawn: “Em muitas revolugdes bur guesas subsegiientes [4 Revolugdo Francesa], os liberais mode rados foram obrigados a retroceder ou a passar ao vador apenas iniciadas os embates. Por isso, no século XIX en amos (sobretudo na Alemanha) que esses liberais se sentem Ver: Lenin, W. 1. Us — El. prngrama agrari de ta 005-7, Progreso, M Ukics, G.— La novele huéreo, Era, México, 1969, pp. 17 © 25, pouco inclinados a iniciar revolugdes por temer suas incaleu conseqiiéncias, © preferem chegar a um compromisso com 0 @ aristocracia’”. Assim, as possibilidades de uma teal revolugao burguesa na Alemanha se esvanecem. Por outro lado, porém, a idéia da unificagZo havia ganhado corpo, tanto nos setores pro- gressistas, que viam na unidade nacional o caminho para a reali zagio das aspiragdes demoeréticas, quanto nos préprios setores conservadores, animadas por propésitos imperiais. Ecm meio a esse qaadro que a sorte da Alemanha, nas pré: ximas décadas, & decidida no Congreso de Viena, em 1815. Aj toda a intrincada trama da diplomacia euror de, todas as grandes monarq disso, a Alemanha perma templada com virios territ porém vé frustrada sua ten! era desmembrada. A Prissia 6 eon (entre eles a rica regito de Ru) imi. A proposta prussiana que 6 assumtida com reservs pela pr Metternich. A Austria, cujas anexacées se voltaram pa err : des se vollaram para teri E a proposta confederativa austriaca que sai vitor : ios ndo germanicos (para os Béle’s e a Itélia especificamente) 0 estabelecimento da “Confederagao Germanica’ verdade, 0s lagos de unidade continuavam bastan ues ¢ for. tidade propria e uma (otal autonomia juridica de organizagao interna, Assim, alguns jos da Alemanha do sul (Baviera, Bade Wurtemberg, entre oeam assembléias e promulg os) convoeam a nulgam constituigées; ou tro, Prissia e a Austria, mantém a monarquia absoluta; outros ainda, como os principados do norte (como Handver, Saxe, entre outros), tentam implantar situagdes intermediarias. Dessa mancira, « ‘unidade nacional ¢ absolutamente formal: como observa Duroselle: “O Ato de Confederagao, de 10 de junho Ge IBIS, que cio -Denseher Bundy fer em mada uma constituicZo, pois 0 seu drgio inico, a Dieta Germanica, nao era eleito mas compost de pl A Observa-se que o a A Europa de 5 aos nossor dor, Poneira, Sto 38 aises-membros, que, a0 contrério, prosse: jlutivas particulares. Nas palavras de ssia e a grei dos pequenos Estados ale 3s dentro da Confederagao Germa- ida, A mis: ndmicas e sociais dos guiam em suas linhas Hobsbawn: “Austria, Ps indes espiavam-se uns a0s ou nica, ainda que a prioridade da Austria fosse reconhe sto mais importante da Confederagdo era manter os pequenos Estados fora da érbita francesa dentro da qual tendiam a gra vitar”. A diversidade existente era significativa, tanto no que diz respeito as idéias politicas, quanto no que toca as relagées econ®: micas. Em termos de politica, conviviam dentro da confederagio desde @ vanguarda radical da burguesia que coloca K, Marx ‘como editor da Gazera Renana, até a aristocracia junker gestora de uma politica absolutista, policial e semifeudal. Essa diferen: regional, mas, no geral, como observa, Hobsbawn, “Na Alemanha nenhum Estado de importancia dei © hostilidade para com o liberalismo". Assim, os le Vantes liberalizantes so todos espacialmente cireunscritos, e fa: cilmente reprimidos pelas forgas da reagdo (assim ocorreu 1820 e 1832). Em termos econdmicos, convivem atividades indus: triaise relagdes servis, também se manifestando essa distincdo em tuma base regional. Entretanto, vai-se forjando um dinamismo xava de s ‘maior no coméreio interno, proceso que se desencades do bloqueio continental napolebnico. Enfim, é nessa situagao que a Alemanha transitou a primeira metade do século XIX: desmem: brada e sofrendo a disputa de hegemonia entre a Austria e a Pris sia. Em tal disputa, este Giltimo Estado toma a dignteira ao efe tiver uma unido aduaneira, a “Zollverein’, em 1834, que excluia os austriacos. Essa unio foi, sem diivida, um paso no sentido da tunificagdo, pois representava o fim dos entraves a circulaglo in terna e, conseqiientemente, o estreitamento dos lagos comerciais entre os Estados-membros, Sobre esse processo, afirma Lukécs “objetivamente assiste-se a um processo de incorporagao da Ale manha a0 capitalismo, com um lento, porém inevitivel, cresci mento da unificacao aduaneira, base econdmica da unidade alema (A vaga revoluciondria européia de 1848 vai delinear com con- lornos nitidos as possiveis vias de efetivagao do processo de unifi- cagao nacional da Alemanha. Nesse ano, assistiu-se em toda Eu ropa a levantes populares de inspiragao democritica, que tiveram nas lutas travadas em Paris sua expresso de vanguarda. Cabe bLakics, G.~ Realistas alemaner del siglo XIX, ob. cit. 6 avaliar, mesmo que:em linhas gerais, o significado de tal movi mento. Pode-se dizer, de forma sintética, que as insui pulares de 1848 representa guesia, isto é, aquele em que essa classe propondo um p: nico para.a sociedade. Inicia-se af uma fase defensiva dessa classe, que passa a lutar pelo seu dominio, j& estabelecido no plano econd mico pela plena maturacio das relagies capitalistas. Nas palavras de Lukécs: “As batalhas de junho do protetariado pa duziram uma importante modificagao na situa uma extraordinéria acele ficagao orientad cigdes po: o fim do “periodo heréieo” da bur ssentava na ¢ isiense pro: da burgu Jo do seu processo interno de modi- transformagio da democracia revolucio naria em um liberalismo comprometide”; num outro trabalho depois de 1848 (..) o libera: lismo se transforma em um liberalismo nacional de carater con servador”. Assim, esse ano pode ser apontado como um marco na histéria da sociedade burguesa, pois representa a explicitagio do contetido da luta de classes no modo de producdo capitalista (En gels fala na “primeira grande batalha entre 0 proletariado e a burguesia")* sua plena maturagdo pelo aparecimento em cena desua fo organizado enquanto “classe para si”. Em todos os pontos em que eclodiu, a insurreigao foi derro: tada, Como diz. Hobsbawn, “as revolugdes de 1848 surgiram ¢ quebraram-se como uma grande onda”, porém deixam atras de si uma realidade renovada pela afirma este mesmo autor conclu: “A antiga democracia burgt clita e se desgasta continuament sagio: 0 proletari das forgas politicas da lade moderna. A propria derrota era reveladora, como observou Marx: “Ao transformar a sua sepultura em bergo da Repiiblica burguesa, © proletariado obrigara esta, ao mesmo smpo, a manifestar-se na sua forma pura como Estado, cujo fim confessado é eternizar a dominacio do capital e a escravidao do trabalho" A vaga revolucioniria européia de 1848 vai mani varios pontos da Confederagao Ger nica: no Saxe, na Baviera em — La novela histérca, ob. et, p. 2075 Ex ECH, Sto Paulo, 1979, p. 13 ¢ Engels, F, — "Preficio & edo inglesa de 1868 do Manifesto comunista", em Marx, K. ¢ Engels, F-— Cartas filosé fie ntos, Grialbo, Sho Paul, 1977, p obsbewn, E. A era do capital, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, dB e Marx, K. — As las de clase na France, em Mars, K. e Engels, F. — Teatos, vol. 3, Ed, Scias, $0 Paulo, p 40 e sobretudo em Viena e Berlim, onde ocorrem significativos le antes, Também aqui as insurreigdes sto derrotadas, apesar de ‘hlgumas conquistas parciais como a promulgagdo da constituigdo gustriaca elaborada pela assembléia, cm substituigdo & outor P ares condigtes do desenvolvim das relagdes cap ‘Alemanha vao redundar em que de minadas conseqiléncias ocorram aqui com vigor {mpar. Em primeiro lugar, 2 capitulagio da burguesia frente a seu proprio [uedrio atinge proporgao descomunal, se bem que consoante com sua mencionada debilidade politica. Como afirma Lukacs: “O fracasso da Revolugao de 1848 amortiza a luta da burguesia em prol de uma revolugdo democratica, quer dizer, de uma radical Gemocratizagao da Alemanha; ou mais, poder-se-ia inclusive di vor que tal luta desaparece”. O temor frente is agdes populares aproxima os setores burgueses da proposta autoritéria aristocré tiea, e nesse processo esta classe abre mao de suas bandeiras clas sicas ¢ do proprio comando da politica. Tal trajetéria € bem npontada por Kofler: “Nao somente na Alemanha, mas também outros paises, o horror que inspira 0 proletariado sedicioso foi fundamento das tradigdes da burguesia. Porém, em nenhuma par te foi tio grande, como na Alemanha, a autonegagio da bur guesia'". Por conseguinte, reforga-se a via das “transformacdes pelo alto” na evoluglo da sociedade alema. Porém, a revoluca também ocasiona uma ampliago da propria dtiea dos setores dautoritarios, que tomam consciéncia da necessidade de forjarem time institucionalidade baseada num minimo de consenso, enfim, proporem uma politica que, pelo menos formalmente, dia junto da sociedade. Essa conseqi o dizer: “Os d idem social preeisaram aprender a politica do povo. Esta foi maior inovagio trazida pelas revolugdes de 1848, Mesmo os mais arqui-reacionarios dos junkers prussianos descobriram, naquele no, que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a “op ‘em Si proprio ligado a0 liberalismo ¢ 9 imperado mente eolocada por Hobsbawn. sores da or io pliblica’ — cone jncompativel com a hicrarquia tradicional. O mais inteligente dos ssianos de 1848, Otto von Bismarck (1815. npreensto da natu: arqui-reacionarios p 1898), mais tarde demonstra reza da politica na sociedade burguesa e seu magistral dominio de ria sua licida con 2 Lukes, G. — Realstas det sigho XIX, ob. cht. p. 7, Kofle L = Obvelt p. 424 Hobsbawn, E.—A era do capital, 0b 6 41 0 de unificago, as resul cima apontadas da revolugio articulam-se na solidifi cagao de um bloco histérico reacionario, comandado pelos setores aristocriticos, que passam a domin unidade nacional. A necessidade de centralizago do poder pass: a ser vista com maior clareza pelas diferentes classes do bloco dominante. A unificagao, proposta presente no idedrio revolucio- ndrio, passa também a ser posta como um imp No que toca diretamente ao pro s iniciativas no sentido da vo pelas forgas i. Estas tentam redefinir © patriotismo revolucior contido na proposta de unificagio num nacionalismo chauvinista contra-revolucionario; nessa proposta, os problemas sociais sac escamoteados na questio nacional. De todo modo, 0 bloco reacio. ‘anto por um alargamento de visdo politica (a busca de uma hegemonia), qua pelo espago que se abre pela xisténcia de co encores que possuissem projetos alternativos. Assim, com a capitulagao burguesa, a preponderancia dos setores reaciondrios tornou-se absotuta; nas palavras de Lukacs: “Os se tores plebeus da Alemanha nfo tiveram, durante esse periodo, a forga necessiria para impor seus interesses pela via revolucio nria. Deste modo, os progressos econdmicos ¢ socia ram (...) € ultado das transagbes das classes domi: nantes”. No seio do bloco dominante, acirram-se as contradigdes entre a Austria e a Prissia pela diregdo politica desse processo, 0s dois reinos buses inevitaveis indo a hegemonia no interior da futura nagao, Este fator, é, sem divida, a razdo maior de a efetivacao da uni: dade alema ainda se arrastar por mais algumas décadas. Como afirma Hobsbawn: “A unificago da Alemanha levantava trés questées: que a Alemanha exatamente era para ser unificada, como se jamais as duas maiores poténcias, que eram membros da Confederagao Germanica, Préssia e Austria, deveriam integra-la, 0 que iria acontecer com os numerosos outros principados, qu iam de médios reinos a pequenos territérios de 6pera bifa""2" Tal disputa, como sera visto, foi veneida pela Prissia. Assim, cabe analisar algumas peculiaridades do desenvolvimento deste Estado para depois retomar a discussio sobre o processo de unificagao aloma ‘A Priissia aparece singularizada no contexto dos membros da Confederagio Germinica. Seu papel de abastecedora de cereais, ™ Lokies, G. — a razén, ob. cit, p. 44, Hobsbawn, F,— A 2 para a Europa Ocidental, propiciou uma passagem sem rupturas, anivel politico, do feudalismo para a insergo na eco dial comandada pelo capitalisme nascente. A "modernizagi fortaleceu a classe dos proprietirios de terras: a aristocracia junker. Estes, com 0 controle da diregdo politica e econdmica da sociedade, desenvolvem um aparelho estatal orientado em seus ppropésitos. A coesao em torno do Estado, militarizado e burocra: tizado, foi o que proporcionou uma base de recuperagao do pais apés a “guerra dos trinta anos”. Na avaliagdo de Kofler: “En quanto que a Pe uiu sendo, até bem pouco tempo, um pais agrério, oriental, a Préssia, que nao estava tio isolada co a Polbnia, buscou imitar os paises ocidentais ¢ superar a de ppressto em que havia caido apés a guerra. Comegou a germinar a idéia de que o Est no poderia servir-se da indiistria das cidades, para efetuar st ue havia ocorrido em entio estava 0 do pruss nnstrugto, de modo semelhante ao aises vizinhos. A manufatura que nasceu ada, nao somente num sentido estatal egofsta neofeudal, como num sentido aristoc mercantilismo prussiano recebeu o caréter barbaro ¢ medieval proprio da atitude da vida espiritual do feudalismo”. Esse forta lecimento do Estado e o papel ativo da aristocracia feudal-abso lutista, “que se vé obrigada a intervir, ativamente e tomando as, rédeas, em apoio do desenvolvimento capitalista”, & 0 que singu lariza a Priissia no contexto da Confederacio Germénica.”” Aqui, 0 capitalismo assentou-se tendo por agente uma no- breza feudal e um Estado absolutista, gerando um arranjo conci liat6rio que articulava relagdes econdmicas capitalistas com uma estrutura de poder feudal. Se tal quadro ¢ valido para toda a Ale manha, 0 destaque dado ao Estado particulariza a Priissia. O Estado apresentou-se aqui como manifestagao da ‘‘vontade col tiva”” da aristocracia junker, e que, por isso, dispunha de um poder substantive acima dos localismos. Um projeto imperial embasava 0 poderio estatal, cujos imperatives se sobrepunham as “vontades individuais”. Tal projeto expressou-se na expansto territorial prussiana que, salvo breves periodos de retraimento territorial, avancou num crescimento continuo, Além de capita nte aparelho mili tar, Estado também se apresentava como 0 “demiurgo do pro- tico prussiano; também 0 near esse processo anexionista, com um efic Ob, cit, p. 413 @ Lukes, G, — EY aslto a la razon, ob, 43 igresso”", fazendo uso da forca para criar as condigdes social 6 desenvolvimento capitalista. Ao a processes, qui coloca a burguesia a seu reboque, como dep ‘Além disso, a ténica absolutista eo use cotidiano da vio como impulsionador de as condigdes sociais re tatal leneia sobre as massas garantem uma estabilidade total da estru tura da sociedade. E nessa situago que a Prassia vai vivenciar 0 século XIX, no qual, apés um rapido recuo com a derrota para Napoledo em Jena (que propieiou um interregno liberal que. sem mudar o essencial da estrutura de poder, moderniza um pouc igdes institucionais do pais), a poténcia: condigao em que participa macia européia, onde se posiciona se as 62 P pre com as forgas cons vadoras. Segundo Hobsbawn, a populagao da Prissia duplie entre 1800 ¢ 1846, ocorrendo também, nesse periodo, um grande desenvolvimento industrial Este ¢ 0 quadro da Prissia em meados do século XIX, quando TV, recusa a coroa da Ale- sembléia de Frankfurte em do restrita’” de soberanos em a ume situaglo de seu monarea, Frederico Guill que lhe € oferecida pela 1849, e tenta articular uma “un Olmutz no ano seguinte. Tal propésito é barrado pela ago aus. re 08 dois reinos. Segundo Duroselle, existiam trés possibilidades de unifi cagdo da Alemanha: A primeira, derrot ineionada do monarca prussiano de base popular, seria a unido pela vor pela Assembléia de Frankfurte; a segunda era a uniio da Austria, incluindo os ter austriaco, era a proposta da iriaca, inaugurando um periodo de franco conilito a pela a aceitar um pode imps ries no germanicos de Alemanha”; a te ‘2 unido em torno da Prissia com a exclusio de todo o territério austriaco (mesmo 0 germénico), proposta conhecida como “Pe quena Alemanha". A classe dominante prussiana, cultora da ter: Scira hipétese, comega a trabalhar para que o processo caminbe na diregdo desejada, aceitando 0 conflito com a Austria como inevi tavel. Assim, inicia uma ago visando este fim no plano dipio: mitico ¢ militar, que se reforga quando, em 1862, seu represen ante maximo, Bismarek, assume © posto de primeiro-ministro Este amplia a unidade aduaneira, r real orga o aparetho militar e ftica de isolamento da Austria. No politica diplor 44 plano externo, Bismarck uma polit de ane: ande o territério prussiano ao norte, envolvendo-se gue: em varios conflitos; Hobs Sivas através das quais o Império alemio estabeleceu-se entre 1864 e 1871”, No plano interno, Bismarek realiza uma po fis organizagdes populares, de minim ando o parlamento de maioria liberal), enfim uma ges itatorial do Estado. Por outro lado, incentiva a economia strializagio, estimulando a producao artesanal ‘com a aboligao total do controle das corporags ando infra: strutura (con rucho de estra ferro). Finalmet em 1866, ap a guerra au: Sadowa, a sorte da sel fala das “guerras rapidas e deci tivo (ignor sum i xadrez.diplomatico e milit o-prussiana, Com a vitbria da Prissia na btalha de nificagao da Alemanha esta definitivam jade, o processo de unificagio manha, nos me mentos finais de sua consolidagao, manifesta-se quanto se dé uma prussianizagao de toda a Alemanha. As caracteristicas pre wolvimento da Prssia so maximizadas e expan didas, a saber: a militarizacdo, a onipresenga do Estado e 0 con: 10 da burguesia e a maru: gios da nobreza fundiria ser ole politico aristocratico. A eapitula sivos no devir alemao; nas palavras de Lukées: “O caminho prus siano de desenvolvimento da Alemanha traz consigo conseqil jas diretas ¢ imediatas. Este modo de nascer a unidade econd- miea do pats mm amplos setores capitalistas, se ma nifestasse, desde o primeiro momento, uma atitude magao do Estado prussiano, a tendéncia a comp fa de que era s econémicos da burguesia em pa: cifiea alianga com monarquia prussiana”. Assim, 0 Estado prussiano vai penetrando em todas as regives da confederagao, o as formas politieas existentes & sua légica centyali zadora. A submisao da sociedade ao Estado, a militarizagao das relagies hierirquieas, o sentimento servil de dever (em det sm a burocracia semifeudal, a perspec ‘mento dos direitos da cidadania), © apego & ordem, a fossilizagac da estrutura social, enfim todos os elementos presentes no quadro da vida prussiana sio apresentadas como elementos da consti tuigao da unidade nacional. Homogeneiza-se a Alemanha tendo por pardmetro a realidade prussiana. Os setores progressistas, principalmente a burguesia, capitulam frente a esse proceso, abandonam suas bandeiras, apostando no Estado aristocratico, 45 ‘que haveria de compartilhar 0 poder com ela". © projeto im: perial latente, que legitima a ditadura e seu cariter como argamassa desse arranjo, promovendo o desenvolvimento econdmico industrial. E nesse contexte que se inserem as guer ras com a Dinamarca ¢ a Franga, ambas de cunho imperia- liste, cujas vit6rias solidificam a unidade alema sob hegemonia prussiana. Assim 6 que, finalmente, em 1871, no proprio pago de Versalhes, Guilherme I é coroado imperador da Alemanha, constituindo-se de fato a unificagao nacional sob a égide da Pris sia e de Bismarck: a prussianizagio fundindo a nacionalidade. Marx vai definir a Alemanha nacionalmente unificada como: um despotismo militar salvaguardado por um biombo de for mas parlamentares, mesclado c fluenciado por uma burguesia, ¢ burocraticamente assentado”. Como aponta Lukées: "A existéncia da Prissia sempre consti tuiu, objetivamente, 0 maior obstéculo para a verdadeira unidade nacional, e, sem davida, essa unidade se efetiva gracas as baio: netas prussianas Essa Alemanha tardiamente constituida enquanto Estado na cional paga um alto tributo ao passado ndo superado. No plano interno, reforga-se 0 carter despético da dominagao politica: a nstitucionalidade é garantida pela violéncia institucionalizada do Estado. O governo dos junkers reforga a estrutura social apoiada em privilégios estamentais ¢ no monopélio da terra. O Estado, posto come mediacdo unificadora acima da sociedade, penetra em todas as esferas da vida social, expandindo-se, buro- cratizando-se e centralizando cada vez mais 0 poder: 0 “‘bonapar- tismo bismarckiano”, para utilizar a expresso de Engels, seria 0 exemplo concreto mais préximo do “leviat’'" antevisto por Hob: bes. Além dos junkers, 0 projeto conservador bismarckiano gal vaniza 0 apoio social dos préprios setores burgueses, cujos repre sentantes politicos diretos (os “liberais”) eram olimpicamente desprezados por Bismarck, que governava a despeito do parla mento, onde tas liberais possuiam formalmente a maioria. Como observa Kofler: “O burgués médio alemao do século XIX, obstante suas fanfarronices materialistas e suas frases liberali zantes, seguit fiel a suas inclinagdes prussiano-conservadoras Além disso, a prosperidade econémica estimulava om doses de feudalis al arranjo, Marx, K. — Critica del Programa de Gotha, Progresso, Moscou, 1977 46 Jefinido por Kofler como : “A maquinaria do lucro com a disci Tragtenberg vai lembrar ainda w afirmar: "Nos fins do século passado e inicio do século XX, pas- sa a Alemanha por um arranque industrial dirigido pela buro: fa bismarckiana, pela estruturacao de um proletariado com consciéncia para si, ¢ por uma burguesia dependente de sua asso ciagdo com a classe junker temerosa das reivindicagdes operé rias”. Assim, também o temor as massas impele os setores bur gueses para o bloco reacionério, tanto que-ndo ocorrem protestos Guando, em 1879, Bismarck coloca o partido social-democrata na ilegalidade. Em termos de uma politica de massas, Bismarck arti cula a repressio com um cardter assistencialista do Estado, atra ‘és de uma legislagdo social em moldes corporativos. Sinteti zando, pode-se definir 0 quadro politico interno alemao com as palavras de Kofler: “um Estado governado de forma ditatorial com a ajuda da burguesia No plano externo, a situagao alema ¢ contraditéria com seu Jesenvolvimento econémico interno, principalmente pelo fato de este pais nao ter participado da partilha colonial. Assim, a Ale: ‘manha no possufa, como as demais poténcias européias, um im pério colonial que The permitisse realizar uma acumulagao adi tional, fora de seu territério, Essa situagao vai marcar profunda mente a evolugao posterior da Alemanha, com 0 expansionism definindo-se como o objetivo latente do Estado e, pelo cor giiente caréter bélico, como um mével de sustentagao do desen: volvimento industrial do pais. O militarismo exacerbado mantém a taxa de crescimento do grande capital ligado a indist polista, Assim, a politica exterior agressiva reforga o papel do Es tado e a organizacio policial da sociedade. Lukacs diz que “nes: tas condigdes entra a Alemanha na época imperialista. Como se sabe, este movimento é acompanhado de um grande auge econd- mico, de uma extraordindria concentragio do capital, ete. A Ale ‘manha se constitui no Estade que marcha & frente do imperia lismo na Europa, e, a0 mesmo tempo, no Estado imperialista mais agressivo e que pressiona de modo mais violento por uma nova reparticao do mundo”. O desenvolvimento econémico aleangado nesse esquema é realmente considerivel. Castronovo m outro aspecto da questo; % Koll, Li — On, cit, p. 431 € Tragtemberg, M. ~ Buracracie¢ ideo Iogia, Atica, Sto Paulo, 1974, p 108; ver também pp. 37/8. analisando a questo, afirma: “Na Alemanha, sem divida, as sobrevivéncias estruturais e poiiticas de natureza feudal haviam obstaculizado o arranque ucdo industrial (...) De fato, o processo de industrializago na Alemanh se iniciaria muito mais de 1850-1860, depois que a unio aduaneira e a nnstrugdo das estradas de ferro tivessem aberto caminho; po- im, em compens tarde, por volt acteristicas fortemente a em 1886, em tores & quimica — os niveis produtivos alean ¢ados pela Franca” Alguns dados sao expressivos para ilustrar a intensidade desse processo de crescimento econdmico: em 1877, ros, a rede ferrovidria da Alemanha se torna a mais extensa da Europa; a populagao de Berlim cresce de 378 mil habitantes em 1849 para quase um milhao em 1875; na cidade de Colonia “o niimero de p iviam de renda e avam imposto sobre elas eresceu de 162 em 1854 para seis: centos em 1874". Enfim, a politica exterior imperialista alimen tava essa incrivel expansao industrial, -gou & maturagdo no transcurso de inados se tralizadas; tanto que supe ja siderurgi © atingir trinta mil quilom 108 vasto crescimento do mercado fi Entretanto, tal desenvolvimento, em fungiio mesmo de sua base politica, nao altera a situaco agraria, ainda submetida a uma estrutura de produgio onde dominam relagies ndo capita- décad listas. Hobsbawn acentua esse trago, ao diver que: “Até 1870, as grandes cidades da Alemanha industrial, tais como Colénia e Dusseldorf, alimentavam-se com os mantimentos tra- Zidos ao mercado se vizinhas”. Tragtenberg alerta, com just. desnivel, entre produgao in Alemanka como n mentos, trazendo & baila a necessidade de mais terras, Assim instala-se um cfreulo vicioso que tem no imperial fundamental; dai toda 2 ideologia que sera forjada em torno da uestao da expansio territorial (que sera analisada no item se guinte), Em termos praticos, além do expansionismo praticado no proprio continente europeu, em 1882 o principe von Hohen ne-Langenberg funda a Sociedade Colonial Alema. Trés anos a, para o fato de esse ustriale producdo agricola, colocar a |. porém’ importador 10 sua mola e da Conferéneia Coloni al, que havia mais tarde, Berlim vai ser a se a as normas de partilha da Africa; antes a Alemanha j instalado guarnigées no Togo, no Camardes em algumas ilhas do Pacifico. De qualquer modo, a prioridade sudoeste africano ntra-se na propria Europa (orientagao que em parte se altera com a demissio de Bismarck cem 1890). As anexagdes obtidas nas guerras com a Dinamarca e coma Franga, principalment s ricas regides da Alsfcia e Lor ‘ojeto imperial, imprimindo-o lugao histérica desse pafs na v {a que brindou a Alemanha com reante da evo: jo. No plano ideol6- ico triunfa o nacionalismo ch E esta Alemanha que inicia 0 século XX, industrialmente de senvolvida, atrasada na estrutura agraria, firmemente estabele cida em termos militares entre as poténcias mundiais, eom uma economia bastante dominada pelos grandes cartéis, sem col6nias, ‘com uma institucionalidade amparada na forga, com um expan. sionismo latente e um nacionalismo exacerbado, Na avaliaglo de Poulantzas: “‘Ja aqui comeca a desenhar-se claramente a fr queza da Alemanha como elo da cadeia imperialista. Essa fra queza salienta-se do conjunto das contradigfes da formagao so. cial alema, nas suas revelagdes com os outros paises da cadeia imperalista”.* O desenvolvimento das contradigdes presentes vai Jesembocar na guerra de 1914-1918, onde a Alemanha foi uma das principais protagonistas. A derrota nesse conflito vai encerrar esse primeiro periodo, imperial, da historia da Alemanha consti tufda enquanto Estado nacional. A esse periodo vai se seguir 0 ‘itico da Repiiblica de Weimar.® As particula. Fidades apontadas vio seguir atuantes no proceso hist6rico ale mio, sendo altamente explicativas do advento da ascensio do na- zismo na Al nto, tais periodos esta resses do presente estudo; para os fins almejados interessa obviamente, as determinagSes gerais da historia alema, mas com taque para aqucle intervalo que vai aproximadamente da Re »tugao Francesa no anteato da unificagio. O substrato histérico manha. Entr fora dos inte. Poulantzas. N. — Fascimo ditadure, Martins Fontes, Sio Paulo slturs de Weimar, Paz ¢ Terra, Rio de Janeir, 1978 e Klein, C. — De lo ‘xpartaquistas al nazismo: la Repuiblice de Weimar, Perinsula, Barcelona. 1970, 49 desse periodo ja est apresentando. Cabe, entdo, pasar para anilise no desenvolvimento das idéias na Alemanha do sécul XIX. (© PENSAMENTO ALEMAO NO SECULO XIX A particularidade his Alemanha — seu cardter tardio e sua ténica conciliatoria — va marcar profundamente as formas de pensamento ali engen dradas, Seria im do presente trabaiho, pi jender apresentar um quadro completo do tema em foco; a biblio- grafia utilizeda, de certa man refa. Aqui inte- essa apontar os tragos mais significativos da evolugao intelectual alemd no século XIX, destacando aquelas questBes e aqueles au jores que aparecem com maior peso na fundamentagibo filoséfica de Humboldt e Ritter. Cabe ainda mencionar que a exposigao, que seré efetuada, é meramente indicativa, tentando-se apenas localizar as determinagdes mais gerais e os movimentos, concep 8es € autores mais expressivos, Assim, 0 estudo nao tem ne. nhuma pretensio interpretativa, avangando com uma biblio- ‘austiva, Visto isso, pode-se passar para a rica do desenvolvimento do capitalismo na vel, no ambito cumpre ess grafia classica e nao e A centralidade da proble pousa no descompasso entre as questdes discutidas e a realidade vivenciada, isto é, o pensamento alemao participava de uma dis. cussio que no flufa da pritiea da sociedade alema; 0 temario abordado nao correspondia a realidade social existente; os pontos enfocados ni io real vivida, Enfim, a filosofia alema ei ‘num plano absolutamente ideal e abstrato, pois arguia sobre situagdes que no existiam em sua realidade. Nas palavras de P. Arantes: ‘'O presente politico ¢ so- 9 revelavam a sit aminhava seu di jal, de que se ocupa a teoria alema nao sendo também o s sim, & distncia, a formulagao de conteidos har.” Tal mpée-Ihe, visado de experiéncia, cuja urgéncia historica ndo pode pari FFLCH-USP, 19 50 ivenciado pelo pensamento alemio. Este, por um Jaquilo que este autor denomina como © “duplo present lado, vi dade européia no plano das idéias, Assim, defronta-se com as questies e assuintos postes pela vanguarda do pensamento inglés e franc alemao onde os resquicios do passado dominam a cena e sua pré cia, em fung de sua localizagio, a contemporanei- Por outro lado, vivencia um quadro social e politico pria possibilidade de transformago, Dessa maneira, 0 fe temas que n que para os pensadores ingleses aparece como questées emer gentes da pratica social, para os alemies se coloca c blemas teGricos abstratos. Marx ironiza isso {ea 08 alemales pensaram 0 que os outros povos fizeram. A Ale- manha era sua conscigncia tebrica”.” E dentro deste contexto que op nto alemao vai se defrontar com a Revolugie fr cesa ¢ com 0 idedrio iluminista. Como foi observado no item anterior, a Revolugdo francesa é recebida com entusiasmo por amplos setores da intelectualidade alema. Entretanto, j4 0 desdobramento politico imediatamente posterior, as guerras napolednicas, nao encontra essa receptiv dade e sim posigdes opositoras. A figura de Fichte ilustra bem tal itinerdrio: aplaude a Revolugdo entusiasticamente em sua obra Contribuigdes para a Retificagdo dos Julzos do Pilblico sobre a Revolugao Francesa, publicada em 1793, para, menos de vinte anos depois, em 1808, se colocar radicalmente polednica em seus inflamados Discursos @ Nagdo Alema. Nesse trnsito, do qual Fichte foi tomado apenas como exemplo, mas que na realidade atinge os principais representantes do pense mento alemao do periodo, jé aflora aquele que sera um dos tracos marcantes desse pensamento: a questao da nacionalidade. Os fi que nao vivenciavam a existéncia do Estado na cional na pratica, vdo alocar o problema da unidade da nagao no centro de suas preocupagtes. Tal postura acarreta um posiciona mento de principio em defesa da Alomanha e, em decorréncia disso, uma total falta de critica frente 4 situagao real do pais. Essa situagdo ora era idealizada c elogiada como virtude da alma alema, ora era absolutamente desprezada por uma discusso que trafegava num plano totalmente logico, sempre em argiiigdes que 08 Mars. K. — Critica da filotofia do dirito de Hegel — Introdugdo, em Temas de Ciéncias Humsinar, 2, LECH, Sio Paulo, 1977, p identidade da nacio’ 1m saidas para a consolidagic almejado tanto por Herder quanto por Hegel ou Fichte. Essa busca, como observa Lukies, pern alemao do periodo enfocado: “A luta pela unidade nacional pre- side, na verdade, todo o desenvolvimento politico ¢ ideoldgico da Alemanha no século XIX” Esse traco particularista, de — apesar da sua nao tematizagio direta — assumir as raizes locais, leva a uma singular leitura, arte dos alemaé iteratura iluminista. A filosofia d: tragdo, que na Franga ¢ na Inglaterra refletia processos sociais emergentes, na Alemanha vai ser diseutida como assunto “pura mente filosbfico”. Os ideais ilustrados, fundamentos do libera lismo politico, quando nao sio diretamente combatidos (con ‘corre, por exemplo, nas formulagdes de Herder ¢ Novali bastante deturpados por uma leitura que sofre as limitagdes de possuir vineulos praticos estreitos com 0 absolutismo impe Apesar das diferengas internas encontradas entre as autores ale iies no que toca i avaliagao e & assimilagdo das formulagdes ilu ministas, alguns tragos vo marcar tal discuss como um tod Os dois elementos ja apontados — descolamento entre tem: realidade e defesa de uma identidade nacional — por exemple perpassam as diferentes posigdes implicando importantes carac teristicas deturpadoras. A ética nacionalista vai comprometer Fiamente 0 universalismo e 0 cosmopolitismo ¢ posta ilustrada. A perspectiva doméstica localista, da q ‘gundo Hobsbawn, apenas Kant escap Permanegam no discurso de uma forma meramente rel Marx e Engels, apés realizarem uma extensa andlise da fil alem&, afirmam ao final da Ideologia Alema: “De novo tivemos limitadamente nacio- sof ccasido de ver, nesse artigo, as eoneepgd nais sobre as quais descansam o suposto universalismo e presu mido cosmopolitismo dos alemaes (...) Esse reino et ‘hos, o reino da ‘essén a do homem’, 6 0 que os alemies opem nos demais pov ‘gulho, como a meta ¢ a consumagio de toda a hist6ria universal; em todas e cada um dos sm suas imaginagdes como 0 juizo final e defi nitivo acerca dos fatos das outras nacées, e, como em tudo Ihes toca somente o papel de espectadores e de abservadores, acre ditam estar autorizados a avaliar © mundo inteiro ¢ a falar en iltima instiincia sobre a histéria da Alemanha. Jé tivemos repe: tidas ocasides para ver que essa inflamada e superabundante si berba nacional ecorresponde, no terreno dos fatos, a uma pri totalmente mesquinha, de vendeiros ¢ artesdes. E se a mesqui nnhez nacional € sempre em todas as partes repelente, na Ale manha resulta nauseante, jé que aqui, com a ilusio de estar aci: ma da nacionalidade e de todos os interesses reais, ela se opde Aquelas nacionalidades que confessam aberiamente sua limitagao nacional e sua fundamentagao sobre interesses reais” A avaliagio acima dispensa maiores comentarios, pois coloca faramente a questo: o nacionalismo alem%o no se apresenta, pelo menos nao por enquanto, com sua feigao real, mas sim tra vestido numa roupagem abstrata universalizante. A afirmagio de Marx e Engels traz.A tona, além da questao do nacionalismo, os outros dois pontos nodais: o false mento retdrico © a ética abs: trata. Esses componentes se articulam em toda a discussio do iluminismo efeuada pelos alemies. Discussiio que, enfatiz ‘mais uma vez, nao fluia da pratica da sociedade alema: a0 con trario, vinha de fora, de temas importados. Kofler aponta bem essa questao ao dizet que a ilustragao alema foi reflexiva, distanciamento do real que ela introduz em suas consider: Nas palavras desse autor: “No pensamento dos intelectuais ale mies a cigneia da natureza se transforma no contrario do que fo! pai ce ingleses da Ilustrago — a base para a transformagao da realidade; converte-se em assunto puramente filos6fico ¢ estético. O racionalismo alemiio do século XVIII tem nada de original nem de revolucionério, repousa em fer mentos romanticos. Os melhores espiritos tendem a yoltar as cos- tas para a realidade ou bem dissolvé-la de modo idealista me diante a especulagio abstrata’ Esse universalismo retérico, esse cardter falseador da esséncia do discurso e essa ténica abstrata, ao tratar as questdes, mani festam-se com uma elareza impar naqueles autores que explici tamente se contrapdem ao idedrio da filosofia iluminista. Tais oposiedes concentram-se prioritariamente na escola ron alemd do final do séeulo XVIII, Para muitos comentatistas, ori ginar-se-la nesses autores 0 nacionalismo autoritario que domi naria o pais a partir da segunda metade do século passado. Sey ferth, por exemplo, diz: “As raizes desse nacionalismo estio con tidas na obra de alguns autores do romantismo alemao, nao tanto pelo fato de 08 ideslogos franc rem sido realmente nacionalistas, mas porque seu Marx, K. Engels, F. — La idetogia nana, Grialvo, Barcelona movimento literdrio foi marcado por uma bu comunidade folk” medieval — ou seja, no passado legendirio do Sacro Império Romano-Germanico — e pela valorizagio da pai sagem, dos costumes ¢ da lingua alema”. Segundo ainda essa autora, os mais eminentes representantes dessa glorificagdo do passado teriam sido: os irmaos Schlegel, Grimm, Novalis, Herder, Fichte e Schelling e, com excegao de Fichte, os outros nao teriam dado uma conotagao politica as suas formulagdes. Entretanto, R. Romano mostra outra faceta desses autores rominticos: os elementos autoritérios contidos em seus discursos; por exemplo, naturalizagao apologética da guerra efetuada por Novalis ¢ Schlegel, ou em seus discursos de endeusamento do “Principe”. Esse pensament. expresses no movimento “Sturm und Drang”, possuia, comd observa Kofler, um papel ideolégico fundamental em seu antiilu minismo, o de explicitar uma tentativa de “dir aristocracia, que, como foi visto na pritica, dominava a soci dade alema, Os temas levantados por esse movimento permane ‘ceram como uma via de discussAo em toda a evolugo posterior do pensamento alemao: a valorizacao da comunidade como unidade fundamental da andlise social, a busea de uma apreensao total zadora, entre outras. No plano eminentemente politico, esses autores buscaram argumentar no sentido da desqualificagao da democracia, erigindo a hierarquia religiosa como modelo maximo de gestdo da sociedade."Nesse particular, a figura de Herder me: rece destaque por sua singular modalidade de “idealismo teologi- zante"! Esse autor que, como sera visto, aparece como um dos influenciadores dos primeiros gedgrafos, desenvolveu 0 conceito central de “espirito do povo"’e definiu com clareza a idéia da uni: dade nacional apoiada na identidade lingUfstica. Assim, a Stica pioneiros romanticos era a da nagioe nao a do Estado, € a questo da unidade nacional nao se convertia diretamente num projeto politico. Tal explicitagao s6 vai ocorrer quando a invasio hapoleduica acirra os animos nacionalistas, principalmente apés, a derrota de Jena. Fichte, segundo Seyferth, seria o autor que mais claramente realiza essa passagem, ao colocar diretamente a ‘do moral” da © Seyleeth, G. — Nacionalismo ¢ identidade étnca, F. C. C., Florian polis, 1982, p. 13 © Romano, R. — Conservadorismo roméntico. Origem do totaicarismo, Braslense, So Pavlo, 1981, pp. 67 € 9. “X" Koller, L.—Mistoriey aleetica, Amorrorts, Buenos Aires, 1974, p. s4 problematica do Estado. Segundo a autora, esse filésofo inaugura ade como intermedisiria entre 0 individuo e 0 stado, ¢ chega mesmo a formular originariamente o conceito de ‘espago vital”” (que sera retomado pela discussio geografica do nal do século XIX). A dominagio francesa, entretanto, no apenas explicita politi- camente o nacionalismo dos romanticos, mas, como foi mencio- nado, também suscita esse sentimento nos proprios circulos li . como visto, possufam uma ténue fundamentagdo. Tal ia ser bem ilustrada como itinerério politico-tedrico de Hegel, que ainda permanece com um juizo positive de Napo leo mesmo com a dominago, mas para assumir, mais ta idéia da Prissia como condutora ‘oi observado, esse liberalismo no recuperava as posturas mais avangadas do iluminismo (o materialismo principalmente), antes dilufa 0 ideario politico no idealismo, tornando seus postulados, muitas vezes, meramente retdricos. Hobsbawn fala do "mode ado liberalismo alemao”, afirmando: “os lugares-comuns lib erialismo ou empirismo filoséfico, Newton, anilises cart sianas, ete. — desagradavam muito & maior parte dos pensadores alemies; a0 contrério, o misticismo, o simbolismo e as vastas ge neralizagdes sobre os conjuntos organics os atraiam visivel mente, talvez por uma reagio nacionalista contra a cultura fran: cesa predominante no século XVIII, que intensificava o teuto- nismo do pensamento alemao”. Esse liberalismo moderado r tia, sem divida, a apontada debilidade da propria burguesia na Alemanha, incapaz de articular um projeto nacional. De todo modo, as transformagées impetradas no periodo napolednico dao um alento aos horizontes liberais, pois, mesmo na Prussia, centro nevralgico também do pensamento alemio, ocorrem reformas modernizantes que, mesmo muito ténues, estimulam sua dis- ussio. E este um periodo de intenso debate, poder-se-ia dizer 0 pice da “Filosofia clissica alema, que gera um ambiente inte- lectual capaz de propiciar claborac3es magistrais, como a obra de Hegel, Schelling, Schopenhauer, e Feuerbach, entre outros. Mais uma vez a discussto se faz muito além do propiciado pela real dade social alema, descolada das questdes postas na pritica so- cial. O estimulo das transformagies modernizantes resultou ‘numa resposta teGrica que alarga o fosso entre pensamento € rea 3 destinos alemaes.® Como + Ver Konder, L. — Hegel ea praxis, em Temar de Cigncias Humanas 6, LECH, Sto Paulo, 1979 lidade. Falando dess: fod, Marx ironiza a “‘revolugo sem igual da Alemanha” que teria ocorrido ‘no dominio do pensa mento puro’ Cabe, antes de prossegu na andlise da evolugio do pensa mento alemao, apresentar algiimas consideragdes a respeito dat formulacdes geradas nesse perfodo (primeira m XIX). Seria desnecessério enfatizar a importncia ¢ 0 dessa produgao no cenério entretanto, poderia levantar a idéia de um possivel paradoxo com oi apresentado até aqui sobre a debilidade do ilumin do liberalismo alemio. Se o pensamento filo: numa linha continua evolutiva, seria, de fato, um pai fade do séeulo ignificado a historia da F jonados basta para se inteirar disso. Tal relev € sso, porém, 0 que ocorre, pois o pensamento es, que sb a dial lindar. Assim, a debilidade (o cardter ret wanga por mea ica consegue des rico) do pensamento foi o seu trunfo. O descolamento da realidade permitiv Marx, diz igualmente 0 a Dia dros contradit6r alema conhecé-1a melhor. P. Arantes, seguindo a andlise que “o descompasso da miséria alema condei pensamento, nisto fiel ao duplo presente que ac frdua tarefa de acertar o passo com as col am aquém e além-fronteira", Dessa inadeq} versio”; as colocages liber Iética, om seja, idéias que 0 gundo e 0 das idéias” agiu como “forga de sub- is formais, ao serem postas como re- torica, revelaram aqui o que realmente eram: aparéncias, forma, Assim, “o duplo presente em que se comprime © anacronismo alemao faz as vezes de filtro”, a fraseologia possibilitando a twansparéncia, Arantes eonelui que, pe assumir-se como 0 que efetivamente €, ‘a fraseologia especulativa a explicativa”. Hobsbawn, sem tal profundidade analitica, também aponta essa relagio, ao afirmar: “Por outra parte, desde o principio, sua posigdo & margem da zona de impe- ‘critica da retérica”, a0 ganha em foi ‘tuoso avango liberal-burgués, e talvez sua completa incapaci para participar dele, fez os pensadores alemaes muito mais cons- cientes de seus limites ¢ contradigdes".* Dessa maneira, sio jadas pelo ambiente intelectual cago para o afloram essas condigbes especiais viv alemao que propiciam uma e to, em 4 Arantes, P. E. — Ob. cit, pp. 26, 31, 27 « 33, respectivamente ¢ Hobsbawn, E. — Las revoluciones burgvesas. ob 445, Ver amber Arantes, P.E. — O partido da inelignela (notas sobre a /deologla Alem), en 9, Brasiiense, Sto Pav 56 seu seio, do proprio pensamento marxista, Este, insere-se numa tradigdo radical bem sedimentada na Rendinia e na Vestfalia (que se reforga no perfodo napoleénico), movimento este que na ver dade também se fila & filosofia classica, notadamente @ obra de Hegel. As formulagdes desse filésofo vio sofrer, na gerago ime diatamente posterior, duas leituras distintas, ambas elegendo-o como o seu inspirador. O pensamento de Marx forma-se no inte- rior de uma dessas correntes — 0 hegelianismo de “esquerda", e ‘salto de qualidade’ Mas, voltando ao eixo da exposigio, deve-se apontar que curso efetuado pelo pensamento alemao, percurso nao linear e hio unitério, fo interpretacao de Kofier, aquele entre 0 Jealismo subjetivista” € 0 “idealismo objetivo”, cujo saldo mais significativo foi a possibilidade de romper com o prineipal limite do primeito: “a rendineia — se bem que nfo confessada — & cog noscibilidade do mundo exterior”. Entretanto, tal avanco nfo implicou rizagio da filosofia alema, uma aproximagao com uma temitiea mais terrena. Ao contrario, conforme se estre tava na pratica o espago politico dos sujeitos sociais mais a ccados (entre eles, os proprios liberais moderados), o pensamento anguarda mergulhava num debate cada vez mais abstrat ponto de a tematica central dos “i ens hey fitica de Marx vai incidir com radicalidade até mesmo sobre alguns autores, como Feuerbach, q 14 se colocavam numa posigdo gnosiolégica materialista (0 tiva abstrata implicava vn jimento com a persp : es da vanguarda (cujas formulagdes refuta Alema), Marx diz: “A ne +r perguntar pela relagao entre je da Alemanha”.* compasso entre o pensamento ¢ a reali ial se mpo em que, no plano pré io avanga seu dominio politico, acumulando vitérias 10 Congreso de Viena, e na repressao aos movimentos democr4- 1830 ¢ 1848. Nesse processo, as regides mais avancadas Flan na Sagrada Familia © na Ideolog nihum desses filbsofos ocorreu sequ a filosofia alema econdmica e politicamente vio sendo subjugadas-na érbite da Pris + liberal acaba por se cindir: uma vertente capitu- lando abertamente, outta radicalizando-se, acabando por lada e neutralizada politicamente (apés 1848, os Iideres mais, eminentes do pensamento radical alemio estio todos no exilio) Pode-se denominar esse proceso, como o faz Seyferth, de “fa- Jéncia do pensamento liberal alemao”’, cujas causas podem ser creditadas & debilidade de sua sustentagio nas condicdes sociais, concretas vivenciadas no pais ¢, dentro desta, a incapacidade da débil burguesia e a inadequagio do projeto liberal naquele con jexto. De toda forma, vivencia-se, apés 1848, um pleno dominio do pensamento conservador e do projeto autoritério, Marx, esere vendo na propria época, diz: "Sim, a histGria da Alemanha gaba se de um movimento pelo qual nao passou nenhum povo do fir- mamento histérico, © nem passara depois dela. Nés, alemaes, compartilhamos das restauragdes das nagies modernas sem que tenhamos participado de suas revolugdes”, e concluiu que, por isso, essa situacao combina “os defeitos civilizados do mundo dos Estados modernos, cujas vantagens nao possuimos, com os de feitos barbaros do ‘Ancien Régime’ que possuimos em sua totali dade’ Esse avango da restauragao (que, na verdade, aqui nunea ha- via perdido 0 poder) na Alemanha, em meados do século pas. dé uma total capitulagao da burguesia frente a seus estandartes histéricos de luta. Essa classe abre mao de qualquer tentativa de diregio moral da sociedade, entregando seus destinos ao comando da aristocracia. Para se ter idéia do efeito de tal recuo no plano ideoldgico, basta dizer que até mesmo as postulagdes classicas do pensamento liberal sobre 0 “ natural” so abandonadas; isso aparece claramente, por exem plo, nas colocagies de Halter, um idedlogo desse periodo, que diz: "O Estado nao se funda no direito, e sim na forea”.** Esse recuo politico da burguesia, além de jogar a “pa de eal” sobre qualquer pretensio do liberalismo, vem acompanhado de uma ampla “atrofia ideol6gica”, que chega a atingir a consciéncia das massas, gerando, segundo Kofler, 0 caldo de cultura da “onda chauvinista” posterior. A burguesia passa a expressar elevados sado, faz-se acompanh: ireito © Marx, K, — Ghitica de filsofia do Direito de Hegel In cit, pp. 3¢ 10, No preticio da primeira edigho de O capital, Mars fala: “Somos stormentados pelos vivos e também pelos morias". Ob. ci. livo I, vol I, p. 5. “# Citado por Kofler, L. — Contribuicdn a la historia de la sociedad bur bs cits p. a2. ost, ob. sentimentos para com o Estado ¢ a Patria, um novo alento nacio: nalista vem a tona, com uma roupagem claramente autoritéria, E nesse periodo que ocorre a expansio dos tragos prussianos: a adoragao servit da ordem, o culto do sentimento do dever, a mili tatizagdo das entidades sociais, etc. Na avaliagio de Lukacs, esse momento, além de “campo de batalha para os interesses imperialistas”, a Alemanha se torna também “polo de atragtio das ideologias reaciondrias”.“” O romantismo reacionério vai ser retomado, assim como a leitura conservadora da obra de Hege! Nessa vai ser buscada principalmente a discussio sobre o Estado, ilustrando j4 0 que sera também uma ténica do pensamento do periodo: a sujeigdo da Sociedade ao Estado, navandlise da his toria. Enquanto 0 nacionalismo do inicio do século pensava na “uniiio dos alemaes", o ideal nacionalista em pauta propunha claramente a constituigdo de um “Estado Nacional” A dominancia das teses conservadoras, além de reeuperar al- guns nédulos do pensamento autoritério alem&o anterior, vem agora associada com alguns novos tragos ideolégicos originérios da situagdo de plena vigéncia da ordenagio capitalista da vida econémica. O extraordinério crescimento da atividade industrial nna 2 metade do século XIX, vai dar um vigor significativo a esses tragos. A ordem econdmica capitalista consolidada demanda uuma contrapartida superestrutural que afirme a ordenag2o exis. tente, que veicule uma visao de positividade do real, enfim, con cepcdes afirmativas que legitimem o quadro vigente. O “idea lismo transcendental” e 0 “‘romantismo elissico”, por sua pré pria tonica abstrata, nao propiciam tais qualidades. Dai o aflora mento de novos elementos ideol6gicos, dentre eles uma posi gnosiolégica materialista. Porém, como aponta Kofler, trata-se de um materialismo bastante peculiar, pragmitico, uilitarista apologético da técnica ¢ da ciéncia. Um materialismo de acen tuada tendéncia naturalista e empirista, que possui pontos de forte paralelismo com o positivismo francés. De acordo com Ko fler, 0 afloramento dessa posigao vincular-se-ia com “o fato de que a concepcao rigida, dogmatica — quer dizer, mecanicista da historia — absolve o alemao da responsabilidade ativa, democré tica, justifica 0 automatismo buroeratico, que entende a historia como se ela transcorresse segundo uma ‘legalidade natural’ indi pendente da vontade” © Lukes, G. — Realist aemanes del siglo XIX, ob. cit p10 59 acio, principalmente, na Filosofia da Natureza que, além d possuir uma tradigio de debate na Ale havia vonheci ma grande impulsao pelo incrivel de nento das cigncia naturais nessa época. No passado, a le debate sobre a Jo por uma f alureza havia-se pau! ica especulati abstrata (em Goethe, Schiller e Schelling, por exemplo). Ag dade" da Historia Natural. Ocorre, assim, algo q\ mum maioria das correntes filos6fieas desse periodo, e que encontra n debate filosdfico dos resultados das ciéneias, Hobsbawn ot que as cigneias sociais traziam questdes inoportunas para os al € que: “Pelo contrario, a historia natural era simpatic jcorreu na Ale: deira e incorruptivel natureza manha, onde o liberalismo classico e 1 ideologia cien: fica rival da classica, a filosofia natural, ganhou répida popu Je". Essa filosofia da Nature vinha em so o de toda uma argumentacdo ideologica que nao se furtava, antes priorizava, o debate das questdes.socia propicia ‘uma interpretagio naturalizante da historia humana, que se juava inteiramente aos interesses dc fico dominante A concepgio natiralista da histéria, como foi apontado, elimi a possibilidade de agio ativa dos homens, sua colocagae como sujeito da socied ai moldé-los tai como deveriam ser siiditos naturalmente” bem dotados, sem se oporem jonismo latente do Estado alemao, € justi entes e fatalistas, s edoexpan dos acontecimentos, Também 0 do mento onde a Geografia estari no centro das da difusio como intrinse 2 a natureza dos Estados. O natura ‘especificidad ast risticas “naturais” das racas, T que o cientificismo domina todo o ambiente cultural europeu. Deve-se lembrar que a Alemanha contava com todo um aparato de transmissao do conhec 9 bom éxito de uma ampla difusio desse projeto ideoldgico ra ilustrar, a Alemanha possuia dezessete mil universi da neia havia levado a uma tarios em 1870, contra dez mil da Franga; além disso, a idi lingGifstica e de sua impor preocupago com a educacio priméria, que fazia com que as ta xas de analfabetismo fossem aqui das mais baixas da E Cabe aqui fazer um paréntese pai {electual alemao e 0 pape Gramsci aponta a “supremacia politico-intelectual dos junkers larizador explicativo dessa questo: “Eles como 0 elemento sini que detinbar mais ‘produtiva’ di que na Inglaterra. Os junkers prussianos assemelhavam-se a uma com privilégios especiais e com uma forte conseigneia grupo social independente, baseada sobre o fato d um notivel poder econémico sobre a casia sacerdotal-militar, que possui um quase-menopilio das Jade politica, mas que possui, ao mesmo tempo, uma base econdmica propria e nao de pende da liberatidade do grupo econémico dominante”.” Des: maneira, os quadros intelectuais alemaes foram recrutados basi a aristocracia, 0 que implicava lagos bastante estreitos entre o poder ¢ o saber € uma estrutura académica fortement elitizada (Gramsci, citando Weber. alerta para a dificuldade, nese quadro, da formagdo de quadros inteleetuais democritic burgueses). Hobsbawn tados alem fungdes diretivo-organizativas na soc camente fambém aponta essa relagio: “Nos Es- ies ena Rissia, os intelectuais romantico-reacionarios — bastides da reac4o monarquica, tiveram seu papel na politica mnarios civis, redatores de manifestos ¢ programas inclusive como conselheiros pessoais". Esta proximidade, poder sevia dizer pessoal e de classe, entre a vida académica e a gest da politica, possibilitava que a universidade em si ap: como distanciada das questdes priticas. A ela cabia executar seu Papel universalizador do pensamento, sem macular-se com 0s oblemas terrenos e cumprindo uma fungo quase ornamental no que toca a estes. Como foi dito, a idéia da covsio pela lingua ¢ da unidade cul tural dos alemaes, dominante na época da fundagao de varias de suas universidad cariter altamente abstrato das preocupagdes filoséficas, predo do justificavam-nas plenamente. mencion: ‘© Hobsbawn, E.— Las revoluciones burguesas, ob, cit, p. SD € A do capital, ob, cit p. 113 62/3, respectivamente ‘8 Gramsci, A. — Os intelec a orgonizacdo da cultura, Civiliragho 61 minante na primet lo XIX, tem, em tais inst tuigdes, seu locus perieito. Esse distanciamento da instituigao universitiria também é explicativo da possibilidade de nagiio em seu seio (durante os interreg dicais do pensam de Marx e Engels. Tais ebuligdes politicas da universidade aca bavam, pelo distanciamento existente com a pritica real ciedade, recebendo as limitagdes de um microcosmo, neutrali zadas enquanto agdes intramuros (como provam os desdobra mentos dos movimentos da década de 1820-30). Tal clima de afastamento, entretanto, aliado a condigdes materiais de trabalho altamente benéficas, propiciou um desenvolvimento significative da pesquisa basica alema, notadamente no dominio das ciéncias naturais. O crescimento industrial de meados do sfeulo passado vem incentivar ainda mais esse pracesso. Acentua-se retoric mente o cardter distanciado do trabalho académico, ao mesmo tempo que se intensifica a introduglo de temas politicos no fm: bito desses trabalhos.* E nesse processo de transformagio que se enco dade alemi no momento exatamente anterior & unificagZo: uma eqiidistincia formal dos problemas préticos (que nfo impedia sistematicas “eagas As bruxas” entre docentes e discentes), um grande desenvolvimento das cigncias naturais especializadas, uma tradigio ragos romanticos € abs tratos (portadores de um alto potencial irracionalista), uma li: zgayo umbilical com os detentores do poder do Estado (em vias de se explicitar). A hierarquizagio da estrutura universitaria her- dada fazia com que a propria expansio de seus quadros ocorresse sob rigidos mecanismos de controle ¢ cooptagao, E nesse am 3s liberais) de formas ra to critico, con or exemplo, as formulagdes biente que se desenrola o avango da postura ciemtifieista, Cient ficismo que traz em seu bojo 6 projeto de ‘0 aparelho de criaglo e difusto de teses legitimadoras da proposta imperial prussiana. Para tanto, mantendo a retérica da objetividade e da neutralidade (préprias do cientificismo), esti mulam-se todos os tragos ideoldgieos presentes que interesse ornar a universidade um cl \queles designios praticos. Nese proceso associa-se pragma tismo © especulacao, cientificismo empirisia e irracionalismo, svadorismo ¢ milenarismo radial, Juntam-se, enfim, tragos 2 som detalhe esta evas2o da responsabilidad social jetoria social de la ciencia, vo. 1, Peninsula, Barcelona, 1973, antagénicos que se articulam na apologia do projeto imperial. Da problematica da unificagao (j4 em supera centrar-se na questdo da expansio e do “espago vital”. A intelec twalidade progressista capitula, encerrando o pensamento nos limites do pragmatismo — aceitago e engajamento no pro: 9 autoritério — ou do subjetivis — manifesto, por exemplo, na alienagao romantica — este denominado com sarcasino por T Mann de “‘intimismo & sombra do poder". Nas palavras de Lu: k a entre a submissio servil ao sistema de Bismarck e unia postura de solitaria e grotesca extravagancia’ Esse processo vivenciado pelo pensame universidade alema — de aproximar-se das questdes priticas e do debate dos temas politicos — vai intensificar-se apés a unificagao nacional, -m 1871. O triunfo da prussianizagio consolida-o. A universi dade alema se torna cada vez mais um aparetho ideol6gico do Es tado, e o intelectual alemio cada vez mais um apologeta. Fer: menta-se aqui o nacionalismo chauvinista, que vir a tona nas décadas seguintes. Para tanto, importam-se e difundem-se as obras dos principais autores reacionarios. Os historiadores deter ministas e autoritirios como Taine e Buckle conhecem ampla di fusdo, A assimilacko das teses racistas foi de intensidade impar na ‘Alemanha do final do século, A transformagio dos conflites fron: em uma “guerra racial”, r tein lizada pelo discurso oficial prussiano, demonstra cabalmente 0 que foi afirmado.* As teses racistas adequavam-se perfeitamente aos prineipios ¢ intengses da “Kulturkampf” (Iuta cultural), a aguerrida politica cultural de Bismarck. Esta propunha-se @ combater o universalismo da Igroja Catélica, destacando ¢ desenvolvendo os tr rater genuinamente alemao". A luta com a Igreja justificava-se pela divisio que mais punha em risco a unidade alema: a e protestantes, os primeiros representados pelos estados do sul (a maior forga de oposigao a Bismarck). A "*Kulturkampf” 30 inicial de pro- pésitos, pois encontrava na realidade social alemi todos os requ sitos necessirios a sua propagagdo. As mencionadas teorizagdes roménticas de idealizagao da “alma alem’” manifestam-se revi- goradas pelos indices do ereseimento econdmico e politico-terri torial. A valorizagiio das “ci catélico extrapolou, entretanto, em muito esse seu cteristicas genuinamente germanicas’ er Marx, K. — La guerre civil en Franco, Progreso, Moscou, 1977 pm 63 havia sido a argamassa ideolégica do processo de uniticagio, & mes ¢ in r dos “clubes de ginis: tais caracteristicas exaltavam os aspectos mais atrasados do qua gan paramilitares, que se propagam social alemao. Nas palavras de Lukacs: “Um obsticulo de q ar de escrever no inicio do sécu! origem ideol6gi 's décadas do século XIX a grande difustio som que tropega a formagao de tradigles de mocriticas na Alemania foi o falseamento, em grandes pro. em O Terceiro Reich veicula ntagio democriticas, exaltand. rofes e cada ver mais acentuado, da hist6s lealizagao e da germanizagao dos aspectos mais retardatarios desenvolvimento da Alemanha; quer dizer, de uma historio ia que acaba por se tornar hege- ia que se dedicava a exaltar como 0 mais glorioso e 0 que final do século passa methor se enquadrava com a alma alema, aquilo que constitu Aos autores que niio.se enquadram nesta vertente restou pou precisamente o cardter mi ado da trajetéria do. pais spago de ago. M. Lawy defende a idéia de que estes refu- Assim, a “Kulturkampf” integra-se como veiculo privilegiado giaram-se n alismo 0"; sdo suas as pa dessa ermanista, que tem na wniversidade um javras: Se o fendmeno da ‘intelligentsia’ anticapitalista € mais mntros de difusio. Glorifica-se a comunidade, endeusa-se o Es: 1 menos universal na Europa na passagem do século, é na Ale tado, concebe-se a histéria como uma luta entre as nagdes (nat manha que ele se manifesta com uma acuidade particular. Pt que precisamente na Alemanha? Uma das razdes &, sem duivida, ralizando a e, em meio a esse universo ideol6gico, erixe a" e seu “destino manifesto radigdo anticapitalista romantica fortemente enraizada entre se o mito joridade aria buscando encobrir a situagdo real de atraso politico com uma s intelectuais alemaes a partir do comeyo do século XIX’ aura mitica das “qualidades intrinsecas a0 espirito do povo ale Segundo ainda este autor, Schopenhauer ¢ Nietzsche foram os mao”. Aqui, racismo, nacionalismo, romantismo ¢ misticismo se uunem sob o trago conum do irracionalismo. Autores como Dith eapitalismo critico do final, e ring e Treitschke pontificam na universidade, produzindo libelos o anticapitalista’’. A produgflo de Nietzsche, segundo ele, con de exaltagao da guerra e do Estado autoritario, num diseurso ao ie ‘dupla visio”, fornecendo elementos para o pensa mesmo tempo romfntico e cientificista pena elencar al mento critico ¢ 0 conservador. Liwy nao deixa de mencionar que guns trechos deste tltimo autor; com a palavra Treitschke: “O al postura anticapitalista nao se opunita & ideologia dominante do que nao é capaz de formar e manter uma organizagio antes fornecia-Ihe munigio como, por exemplo, ao debater @ opo- na de suas atividades civilizadoras mere rer", “Al sigdo cultura-civilizagto, Na verdade, para ele, o anticapitalismo tocracia & uma lei da natureza (...) cada sociedade, por sua natu iginar-se-ia do “traumatismo dos mandarins aeadémicos ale reza real, produz uma aristocracia (...), As masses permanecem macs” (como jé visto uma q sta) frente ao ““desenvoly sempre as massas. Nao ha cultura sem os seus servos". “A mo: mento industrial que 06 desaioja”. Assim, este é um movimento narquia € natural (...) e faz um apelo a0 populai basicamente aca no “espitito de resignagdo” sua (...) aidéia de uma patria unida esta incor nés, na principal resu que se espelhou com clareza na nascente wel Imperador (...). Este homem é a Alemanha: Sociologia alema: no pessimismo de F. Ténnies e no ceticismo de niko existe contradigao nisto”. “O judatsm M. Weber, pelas mascaras de diferentes nacionalidades, ¢ ama influéncia sigtio assumida pela social-democracia na guerra de 1914 ‘0 hipécrita povo inglés, com a Biblia. num: ilustra exemplarmente 0 alcance atingide pelo nacionalismo das maos eum cachimbo de épio na outra, no possui qualidades chauvinista e agressive no pensamento alemao do inicio do século redentoras. Os ingleses tm um espirito comercial, um amor a0 XX, pois a sujeigdo a ele por parte da direeao dos sociais- Jinheiro que matou qualquer sentimento de honra, ou qual distingdio entre o que é certo ¢ errado”. Os tragos apontados apa ecem aqui com uma clareza meridiana. Também poderia ser Lowy, M. — ara uma sociologia dos intelectuais revoluionéria lembrado o historiador F. L. Jahn, o formulador da tese da supe:

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