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Copyright © 2021 A. C.

Nunes

Capa: LA Design
Diagramação: Amanda Nunes
Revisão: Amanda Nunes
Revisão final: Isadora Duarte
Imagens do miolo: Freepik

Todos os direitos reservados.

_____________________________________________
Deliciosa Rendição

1. Romance.
2. Literatura Brasileira.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
___________________________________________
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610. De Fevereiro de 1998 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Esta é uma obra de ficção e toda e qualquer semelhança com pessoas ou situações reais terá sido
mera coincidência.
Olá. Antes de mais nada, gostaria de agradecer por estar com esse livro em mãos. Espero
que aprecie a leitura. Antes de prosseguir, é importante que você saiba que Deliciosa Rendição é o
segundo livro da duologia Obcecado e Rendido e o quarto — e último — livro do universo da
família Massari que começou com os patriarcas Arthur e Louise. É necessário ler os volumes
anteriores? Não. Aconselho a ler os volumes anteriores? Sim, principalmente os dos irmãos.
A leitura na ordem não é necessária nem obrigatória, e o conselho de começar pelas histórias
anteriores é simplesmente para evitar pequenos spoilers caso você deseje conhecer os outros
membros dessa família. Os spoilers aqui contidos não são de grande relevância, mas podem diminuir
a experiência da leitura dos livros dos irmãos do protagonista, Mattia e Paola, como, por exemplo, o
que aconteceu com o primogênito da família que ficou traumatizado depois de um acidente em uma
das escaladas com o caçula. Aqui, já não é mais segredo, mas em Três Vezes Pai, o suspense perdura
um pouco mais.
Caso deseje conhecer essa família desde o início, a ordem é: Operação Bebê a Bordo
(Louise e Arthur, pais do Filippo), Três Vezes Pai (Mattia e Lauren), Deliciosa Obsessão (Paola e
Liam) e, por fim, Deliciosa Rendição. Os links para os três primeiros livros dos Massari estão no
final deste e-book.

Que você tenha uma ótima leitura!


NOTA DA AUTORA
SUMÁRIO
SINOPSE
PLAYLIST
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
EPÍLOGO
LIVRO 1 – DELICIOSA OBSESSÃO
OUTROS MASSARI
REDES SOCIAIS
Filippo Massari sempre teve três únicas grandes certezas na vida. A que ele não sabe ficar
sem mulher, a que não sabe ficar apenas com uma mulher e que um dia vai escalar o Monte Everest.
O mulherengo convicto e divertido está confiante de que jamais vai se render a alguém e que não
existe a menor chance de se apaixonar. Nunca.
Ao perder uma aposta para o melhor amigo, Filippo precisa passar os próximos trinta dias
com apenas uma garota. Ele pode escolher quem quiser, desde que cumpra o único requisito de não
se encontrar ou transar com mais ninguém.
Bianca Paiva jurou a si mesma que nunca mais se prenderia a homens que trocam mais de
mulher do que de camisa. Com experiências ruins no passado, ela quer distância de caras como
Massari. Apesar disso, ela aceita ser a garota com quem ele vai passar um mês — afinal, ela também
precisa da ajuda dele para espantar um pretendente indesejado — e está confiante de que no primeiro
sinal de velhos hábitos vai cair fora.
Então, os dois estão certos que não vão se envolver mais do que deveriam. Entre momentos
divertidos, quentes e muita confusão, eles se rendem deliciosamente pouco a pouco, quase sem nem
perceber, enquanto tentam lidar com os novos sentimentos que estão nascendo e com os reflexos do
passado que Bianca carrega interferindo no rápido relacionamento deles.
Ouça a playlist da história. Basta abrir o aplicativo e escanear o code abaixo. Você
também pode tirar print da tela e abrir a imagem ao selecionar “escolher das fotos”.

Se preferir, clique aqui


Meu irmão mais velho cruza os braços na frente do tórax e ergue uma sobrancelha
inquisidora.
— Pode confiar em mim, Mattia. — Coloco uma mão no peito, teatralmente indignado de sua
desconfiança. — Acha que não sou capaz de cuidar dos meus sobrinhos?
— Capaz você é. — Ele faz um gesto de cabeça em positivo, os quadris encostados na mesa
do seu consultório no hospital. Vim pentelhá-lo no trabalho porque é difícil nossos horários
coincidirem. — Eu tenho medo do que se passa nessa sua cabeça aí. A última vez que quis ficar com
um dos meus filhos, toda sua intenção era flertar com uma mulher.
Dou de ombros porque não é mentira. Para meu azar, ele não deixou. De qualquer maneira, eu
usei outros artifícios e levei a mulher para a minha cama da mesma forma.
— Dessa vez, juro que só quero passar um tempo com os trigêmeos. Na terça, vou sair em
expedição e não tenho previsão de quando volto para cá. Vai, Matt, me deixa passar o domingo à
noite com os pequenos.
Eu preferia que fosse durante o dia, mas ele tem planos de sair com a namorada e os filhos.
Mattia suspira e revira os olhos.
— Lauren e eu vamos sair no domingo à noite, depois do piquenique com as crianças, e a
Bianca vai cuidar deles para nós. Não pode ser no sábado ou na segunda?
Semicerro os olhos tentando me recordar quem é Bianca. Leva só um segundo para ligar o
nome à pessoa. Eu a conheci umas duas semanas atrás, mais ou menos, no aniversário de um ano dos
trigêmeos, e ela é a melhor amiga da namorada do meu irmão. Trocamos apenas cumprimentos, mas
não nego que me interessei. Eu me interesso pela maioria das mulheres que conheço e durmo com a
maioria das mulheres por quem me interesso. Teria flertado com ela se não fosse o momento
inapropriado e porque ela ficou grudada em Lauren por todo tempo que conseguiu.
— Não — respondo sua pergunta, por fim. — No sábado, já tenho planos. — Quero dizer que
vou tentar arrastar meu melhor amigo para a farra porque ele está de coração partido, mas deixo para
lá. É uma história longa demais e não pertence só a mim. — E na segunda, vou ficar o dia todo me
preparando para a viagem na terça. Precisa ser no domingo.
— Bom, se não se importar, pode ficar com a Bianca. É bom que vocês dividem o trabalho.
São três crianças pequenas, Filippo. Não é fácil.
Considero a opção e aceno.
— Por mim, tudo bem.
Mattia aponta para a saída.
— Ótimo. Me deixa trabalhar agora.
Eu deixo seu consultório e sigo com minha motocicleta até a sede do Aventura Selvagem. Há
nove anos, abri a empresa no ramo de esportes radicais com apoio do Mattia, que foi quem me
inseriu nessa vida, para começo de conversa. Ele é três anos mais velho do que eu e sempre me
espelhei nele. Quando Mattia começou a praticar esportes, aos dez anos, eu o segui. Aos dezoito, ele
começou a se preparar para desportes perigosos e se apaixonou perdidamente por escaladas. Eu só
tinha quinze anos e jurei que seria seu companheiro. E foi assim que aconteceu. Aos dezessete, eu
sabia que não faria nenhuma faculdade como ele — que já cursava medicina com pretensões para
pediatria — e como minha irmã mais nova, que desde cedo já tinha objetivos para odontologia. Eu só
queria viver de esportes radicais.
Por muitos anos, Mattia foi meu companheiro nas nossas aventuras. Ele, apaixonado por
escaladas em rochas; eu, o maior fã de alpinismo e montanhas altas. Se tiver temperaturas negativas,
é melhor ainda. Assim que completei vinte anos, decidi que abriria uma empresa no ramo e uniria o
útil ao agradável: ia fazer o que eu amava e ganhar dinheiro com isso. Desde então no mercado, o
Aventura Selvagem vem ganhando destaque aos poucos. Com apenas quatro anos de existência, levei
meus primeiros clientes para escaladas fora do país e tivemos êxito ao conquistarmos o topo do
Aconcágua sem quaisquer imprevistos. Nosso foco maior é escalada e alpinismo, mas oferecemos
pacotes para outros esportes radicais: paraquedismo, rapel, rafting, bungee jumping etc.
Meu maior sonho — além de conquistar o Everest — era que Mattia conquistasse o Everest
comigo. Por causa de um incidente, quase três anos atrás, durante uma das nossas escaladas —
incidente esse no qual quase morri, aliás —, meu irmão mais velho ficou traumatizado e resolveu
parar com a vida perigosa. Tentei convencê-lo a voltar, mas ele nunca se sentiu preparado para isso.
Agora que reencontrou Lauren e conheceu os filhos que até então não sabia que tinha, ele tem mais
motivos para não voltar a escalar do que para voltar. De qualquer maneira, eu o convenci a uma
última aventura para nos despedirmos da vida radical. Ele me pediu um ano para se preparar e estou
ansioso por isso.
Passo parte do dia na sede da empresa terminando de organizar o cronograma das próximas
expedições e pacotes com clientes. Por volta de três da tarde, deixo todo o restante sob os cuidados
da minha equipe e rumo até o escritório onde Liam trabalha. Dou duas batidas leves na porta que está
aberta. Meu melhor amigo ergue os olhos na minha direção e não diz uma palavra quando invado seu
espaço. Ele é assim. Pouco demonstra emoção, os olhos sempre frios e impassíveis. Durante umas
semanas, notei que ele estava um pouco diferente, talvez mais… feliz. Descobri um tempo depois que
tinha uma “garota especial”, como ele mesmo disse, mas não soube quem era. Só fui descobrir o
motivo de tanto mistério menos de uma semana atrás.
— Vou fazer uma viagem dentro de cinco dias para uma expedição — digo, sentando-me em
uma das poltronas frente à sua mesa. Ele volta seus olhos para uns papéis que está trabalhando, deve
ser contrato nupcial, pedido de partilha de guarda de filhos ou algum divórcio, e continua quieto. —
Nós dois vamos sair no sábado à noite. — Gesticulo de mim para ele. — Eu te arrastaria para
alguma boate lotada de mulher para que pudesse se enfiar no meio das pernas de uma delas, mas
como sei que detesta esse tipo de lugar e a última coisa que quer agora é se envolver com uma
garota, vamos a um lugar mais calmo. Deixo você escolher.
Liam segue quieto, os olhos atentos em seja lá no que esteja trabalhando. Nunca foi fácil
arrastá-lo para locais abarrotados de gente, mas sempre consegui. É difícil ver qualquer emoção ou
sentimento por trás do casco que ele criou em torno de si, e mesmo que agora esteja tentando
esconder o que de fato está sentindo, ele é meu melhor amigo. É como meu segundo irmão mais
velho. Conheço esse homem do avesso.
— Você está lidando com isso tudo se entupindo de trabalho, não é?
— Sempre estou entupido de trabalho, Filippo.
— Então o gato não comeu sua língua — brinco e vejo um sorriso muito curto e muito rápido
surgir nele, toda a indicação de que achou graça no que disse.
— Não, não comeu. — Liam me encara agora e suspira. — Não estou com cabeça para farra,
Lipo. Desculpa.
— Não desculpo, não. Vou ficar uns dias fora da cidade a trabalho. O mínimo que tem de
fazer por mim é ir se divertir comigo.
— A última coisa que vai fazer se me levar com você para qualquer canto que seja é se
divertir. Não estou numa boa semana e sabe disso melhor do que ninguém. Não quero atrapalhar sua
noitada com meu mau humor de quem está sofrendo por uma mulher. Então… faça um favor a si
mesmo e não me leve para lugar algum.
— Ei, você é meu melhor amigo! — protesto, encarando-o seriamente. — É meu dever te
colocar para cima nos seus piores momentos. Não seria a primeira vez que te levo para farra porque
não está em uma boa semana. Nem a primeira vez que te levo para a farra porque está sofrendo por
causa de uma mulher. Está de coração partido por causa da minha irmã, e agora, mais do que nunca,
me sinto na obrigação moral de tentar te animar um pouco. Vai, Liam! Por favor.
Liam aperta a ponte do nariz e suspira, dando-se por vencido.
— Não estou com qualquer saco para boate ou afins.
— Sessão de cinema no meu apartamento, o que acha?
Ele sorri muito pouco, é até um sorriso triste, e acena.
— Perfeito. Eu escolho os filmes — decreto.
Contorno sua mesa e o abraço, deixando um beijo na sua bochecha em seguida. Quero dizer
que ele vai se recuperar da merda que minha irmã fez na sua vida, mas engulo minhas palavras ao
invés disso porque tenho a impressão de que nada do que eu diga vai ser suficiente para Liam.

As crianças ficam todas eufóricas dentro do cercado no centro da sala assim que chego na
casa de Mattia. O que posso fazer se sou o melhor tio do mundo e esses pequenos me adoram? Eu
tiro um dos módulos do cercadinho no ambiente e liberto os pequenos terroristas que vêm a passos
bobos na minha direção.
— Ah, não me diga que já estão os três andando sem qualquer apoio! — exclamo, agachando-
me para recebê-los em um abraço apertado.
Mattia aparece logo atrás de mim e para ao meu lado.
— A Lavínia e o Gabe deram os primeiros passos sozinhos hoje à tarde, durante o
piquenique. Arthur já tem uns dias que consegue andar sem se apoiar.
Pego os três nos meus braços e me levanto como se não pesassem nada. Vantagens de ser um
alpinista e escalador: muita força nos braços. Olho para meu irmão, que olha para os filhos com todo
orgulho do mundo. Ele dá um passo à frente e acaricia o rostinho de cada um deles com todo amor.
— Vai mesmo ficar bem com eles, Lipo? — pergunta e se direciona para mim.
— Não vou estar sozinho, lembra? Mesmo se fosse ficar. — Balanço os três nos meus braços
animadamente. — Nós quatro nos daríamos muito bem, não é? Sabem onde o papai guarda os
chocolates para comermos tudo assim que ele e a mamãe saírem?
Matt me dá um murro no braço.
— Nada de chocolate. Nada de doce. Aliás, tudo o que eles precisam e podem comer está na
geladeira separado em porções. A Lauren também fez uma lista…
Explodo em uma risada exagerada que faz meus sobrinhos rirem comigo. Coloco-os no chão e
os incentivo a irem explorar o cômodo, ficando de olho neles.
— Não se preocupa, Matt. Já sei que você é todo preocupado com a alimentação dos
pestinhas. Não vou dar nada que não queira que eu dê pra eles. — Mattia assente com um sorriso
leve no rosto e logo precisamos nos adiantar e tirar os pequenos de lugares perigosos.
Lauren aparece um minuto depois, descendo as escadas, e está muito bonita para a noite de
domingo deles. Meu irmão fica todo idiota ao ver a namorada e isso me deixa muito feliz. Nos
últimos quase três anos, desde o acidente, meu irmão passou por uma fase difícil que deixou todo
mundo preocupado. Ele está bem agora que tem a namorada e os filhos na sua vida. Voltou para a
terapia, tem sorrido mais e está claramente apaixonado de novo. Isso é bom. Isso é muito bom.
— A Bianca já está chegando — Lauren anuncia logo depois de me cumprimentar. — Podem
nos ligar se precisarem de qualquer coisa.
Balanço a cabeça em negativo com firmeza.
— Nem pensar. É a noite de vocês. O mundo pode estar acabando, não vamos interromper.
Lauren ri e concorda. Ela me passa mais algumas instruções básicas para ficar com as
crianças até sua amiga chegar. Somos apresentados mais uma vez, e a garota diz que se lembra de
mim da festa dos trigêmeos duas semanas atrás. Os pequenos também gostam dela pelo jeito como
ficam alegrinhos e correm na sua direção assim que a veem. Abro um sorriso pequeno ao vê-la
interagir com os meninos. É uma mulher bonita. Talvez uns vinte e cinco, vinte e seis anos, cabelos e
olhos castanhos, baixinha, não deve ter mais que um metro e sessenta.
— Melhor irmos — Mattia chama a namorada.
— Se divirtam — Bianca deseja.
Os trigêmeos não choram nem fazem escândalo quando os pais se despedem e ficam
entretidos comigo, com Bianca e com alguns brinquedos no centro da sala.
— Você é mesmo alpinista? — ela pergunta, um minuto depois que meu irmão e a namorada
deixam a casa. — Lauren me falou um pouco de você.
Estou sentado sob minhas pernas, segurando um tubarão de pelúcia e batendo o nariz do
brinquedo no nariz de Gabriel quando recebo essa pergunta. Ela está a poucos centímetros de mim,
os olhos atentos nos outros dois em pé e dançando ao ritmo da música infantil que passa na televisão.
— Me dedico mais ao alpinismo, mas gosto de todo tipo de esporte radical — respondo, com
um sorriso. — Então, você e a Lauren andaram falando de mim, hein? — Balanço as sobrancelhas de
forma sugestiva, e a garota revira os olhos.
— Convencido você, não é? Não falamos nesse sentido. A Lauren me explicou sobre o
Mattia, o trauma dele e tudo mais. Inevitavelmente, me contou que você vive de aventuras também.
Você não tem medo?
Bato o nariz do tubarão no nariz de Gabriel mais uma vez e ele ri. Sorrio com o menino,
contagiado pela sua alegria e descobrindo que cada dia que passa, amo esses pivetinhos cada vez
mais. Peso por um instante sua pergunta, sem chegar a uma resposta satisfatória.
— Não sei. Gosto da adrenalina, da sensação de perigo, do sentimento de vencer meus
próprios limites. Não sinto medo quando decido por uma aventura, mas já senti em situações mais
específicas, naquele momento em que me deparo com um cenário perigoso.
Bianca não diz mais nada e o assunto morre. Conversamos muito pouco durante a próxima
uma hora e meia. Aproveito bem o momento com meus sobrinhos porque vou demorar uns dias para
vê-los. Nós nos divertimos bastante com brincadeiras e gargalhadas. Perto do horário de os três irem
dormir, Bianca fica encarregada de preparar os berços e mamadeiras, e eu tenho a missão de vigiá-
los. Ao finalmente estarem dormindo, nós vamos para a cozinha e eu peço uma pizza para comermos.
Bianca está distraída no celular e eu me pego olhando-a mais do que deveria. Ela é bonita e
não vou esconder meu interesse. Nunca escondo meu interesse. O máximo que vou levar é um “não”.
Ela parece notar que está sendo observada e ergue os olhos na minha direção.
— O que foi?
— Nada, só estou te olhando. Gosto de apreciar coisas bonitas. — Balanço as sobrancelhas,
e ela ri um pouquinho, movendo a cabeça de um lado a outro. — A menos que esteja se sentindo
intimidada, aí eu paro.
— Está tudo bem. Pode continuar olhando, é o máximo que vai ter de mim.
Recosto-me na cadeira e cruzo os braços, curioso com sua sentença.
— Não faço seu tipo?
Bianca me avalia de cima em baixo, como se ponderando.
— Até faz. O problema é que evito homens do seu tipinho.
A palavra tipinho vem acompanhada de um leve tom de desdém, o que me deixa ainda mais
interessado na conversa.
— O meu tipinho? E de que tipinho eu faço parte? — Debruço-me sobre a mesa e a encaro
esperando uma resposta. Bianca se levanta do seu lugar e pega água na geladeira. Enquanto se serve
de um copo, responde:
— Ah, você sabe. Não para com mulher alguma, cantadas bregas, hétero top que não sabe
receber um não. — Ela volta para seu lugar sorvendo um gole da água gelada, seus olhos estão em
mim com toda convicção do mundo do que acabou de me dizer. Bianca acabou de me estereotipar.
— Você só acertou uma coisa sobre mim, a que não paro com mulher alguma. Gosto de ser
livre, não vejo porque isso é um problema. Em todo o mais que supôs sobre minha ​pessoa — faço
uma reverência exagerada — você está redondamente enganada. Minhas cantadas são as melhores e
você me ofende quando me chama de hétero top. — Tremo o corpo propositalmente. — Viu, só? Me
dá até um tremelique ser confundido com um cara desse tipo.
Bianca prende uma risada e bebe o resto da sua água.
— Isso é o que todo hétero top diz — rebate.
Levo a mão ao peito, em um falso sentimento de indignação. Por fim, concordo que esteja
com a razão. Todo cara babaca insiste em dizer que não é babaca, que é diferente dos outros, o
desconstruidão que mais tarde se revela um grandessíssimo idiota.
— Com o que você trabalha? — Mudo de assunto porque não vou mesmo ficar aqui tentando
convencê-la de que não sou um babaca de marca maior.
Bianca franze o cenho, como se perdida um pouco com o rumo da conversa, afasta o copo
para se debruçar sobre a mesa e me olha nos olhos com atenção.
— Tenho um bar temático.
Ergo as sobrancelhas, surpreso com sua resposta.
— Bar temático? Me deixa adivinhar. — Bianca sorri um pouco e mantém os olhos em mim
enquanto tamborilo minha bochecha, pensando. — Você tem o bar da Barbie. Todo rosa, do chão ao
teto, inclusive os drinques que serve. Acertei?
A mulher ri e balança a cabeça em negativo.
— Por que você acha que meu bar é com o tema de uma boneca?
— Porque você é uma garota e garotas gostam de boneca.
Bianca revira os olhos.
— Que sexista você.
Bato a mão na mesa e aponto o indicador na sua direção.
— É ruim quando você é estereotipada, né?
Ela gargalha gostoso e eu a acompanho por um instante.
— Tudo bem, me pegou nessa. Desculpe se fiz mal juízo sem nem te conhecer direito.
Nesse momento, nossa pizza chega e vou receber o entregador. Quando retorno com a pizza,
Bianca arrumou a mesa esticando uma toalha, colocou o refrigerante bem no meio, os pratos e
talheres. Apoio as caixas ao lado da garrafa e a encaro enquanto ela dobra com delicadeza duas
folhas de papel-toalha e as distribui perto dos pratos.
— Pra que isso tudo? — pergunto. — É um encontro romântico e não estou sabendo?
Ela me olha prendendo outra risada e não faço qualquer questão de esconder que rio das
minhas próprias baboseiras.
— Sou uma pessoa muito visual para tudo. Gosto que o ambiente esteja bem ajeitadinho nas
refeições. Me dá mais prazer e satisfação na hora de comer.
Pisco duas vezes e me sento no meu lugar, tirando a tampa da caixa.
— Está me dizendo que você fica mais satisfeita ao comer em um ambiente visualmente
organizado? — pergunto e tiro uma fatia da pizza, colocando-a no meu prato.
— É algo que aprendi com um nutricionista. Por algumas semanas, eu até fiz algumas
experiências e constatei que me satisfaço com mais facilidade. Consequentemente como menos
quando a comida no prato é bonita, assim como o ambiente em que estou comendo — explica,
retirando uma fatia para si. — Então, sim, eu gosto de esticar a toalha, arrumar a louça e essas
coisas.
— Que bacana — comento. — Me conta mais sobre isso.
Bianca está levando um pedaço da pizza à boca quando para e me olha criteriosamente. Não
sei o que foi que disse de errado para me encarar como se eu não fosse desse mundo, mas a
expressão boba no seu rosto dura só um segundo até engatarmos em uma conversa fácil sobre tipos
de comedores. Ela me explica o que aprendeu com seu nutricionista, por que começou o tratamento
— passou a comer por emoção depois de terminar um namoro —, e todo tipo de informação
interessante que adquiriu durante o tratamento.
Quando menos espero, estamos serpenteando pelas minhas aventuras com alpinismo e
escalada. Bianca está apoiada nos cotovelos, atenta na minha narrativa, e noto que passamos muito
tempo conversando em volta da mesa e já está bem tarde. Eu me levanto e recolho a louça suja,
colocando-a na cuba da pia para lavar. Enquanto ensaboo, e ela seca, mudo o rumo do assunto de
novo:
— Ainda não me disse qual o tema do seu bar.
— Hard rock.
Viro-me na sua direção, gostando da resposta.
— Me passa o endereço que eu vou lá conhecer e levar o Liam junto.
Bianca explica onde fica e não preciso de muito para saber como chegar. Enquanto seca a
pouca louça que sujamos, conta sobre a idealização do bar, que surgiu em parceria com o irmão mais
velho, os dois muito fãs do gênero. Ela fala da decoração, do cardápio e da playlist e eu fico muito
ouriçado para ir.
— Assim que voltar da minha expedição, vai ser o primeiro lugar para qual vou.
— Vai ser muito bem recebido.
Em comum acordo, vamos até o quarto dos pequenos espiar se está tudo bem. Os três dormem
feito uns anjinhos, e apenas Arthur se descobriu porque esse menino dorme de bunda arrebitada, o
que acho muito engraçado. Jogo de volta a manta sobre ele e deixo um beijinho no seu rosto.
— A melhor coisa que aconteceu a essas crianças foi Mattia ser o pai delas, sabia? — Bianca
comenta ao lado do berço de Lavínia. — Foi uma confusão danada essa história, mas no final o que
importa é que eles têm um pai de verdade agora. Bruno era um babaca idiota e as vezes que me
segurei para não o procurar e dar na cara dele foram muitas.
Suspiro e aceno em positivo, pensando em tudo o que aconteceu nos últimos dois meses.
Mattia ainda estava mal, vivendo o próprio luto, quando descobriu sobre os filhos — frutos de uma
relação de uma única noite. No meio disso tudo, descobrimos que o homem que acreditava ser pai
dos pequenos era casado com a minha irmã caçula.
— Eu também me segurei muito para não o procurar e arrebentá-lo na porrada — murmuro,
meus olhos ainda presos em Arthur, o pequeno que leva o nome do meu pai. — Aquele miserável fez
minha irmã sofrer e merecia tanto uma surra. Paola quem me convenceu que não valia a pena.
Bianca fica em silêncio e eu procuro por seus olhos. Ela está me encarando de uma forma
diferente que não sei explicar. Deve ter sido algo que disse sobre Paola.
— Como ela está, falando nisso? Sua irmã. Mattia comentou algo sobre divórcio e é tudo que
eu sei.
— Está bem. — Indico a saída e ela me acompanha para fora do quarto. Encosto a porta com
cuidado e voltamos a passos lentos para a sala. — O Bruno não foi capaz de apagar o brilho dela,
embora… — Faço uma pausa pensando no Liam e no modo como ela o magoou ao se envolver com
meu melhor amigo, mas sei que não o fez de propósito.
— Embora…?
— Ela cometeu alguns erros. — É tudo que digo.
Bianca não insiste no assunto e terminamos o percurso para o andar debaixo. Estou indo até a
televisão para procurar algo nos canais abertos ou nas plataformas streaming enquanto espero Mattia
e Lauren chegarem quando sinto um aperto no meu pulso. Eu me viro para Bianca parada à minha
frente, mordendo a pontinha do lábio inferior.
— Eu te julguei mal — diz e coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha. — Achei que você
era outro idiota que não sabe manter o pau dentro das calças.
— Mas eu não sei manter o pau dentro das calças — rebato, e ela dá uma risada. — Isso não
significa que eu não saiba ouvir um não, Bianca. Eu sei. Aliás, algo que aprendi muito com meus pais
é sobre consentimento. Se me interesso por uma garota e ela não quer nada comigo, eu não faço
drama. Só parto para outra. Mulher é o que não falta nesse mundo. Não assedio, não intimido. Passei
essa impressão pra você? De ser um cara escroto?
Ela parece considerar dizer sim.
— É o estereótipo — explica. — Já lidei com alguns do seu tipo. — Cruzo os braços e a olho
seriamente. — Quero dizer… — segura uma risadinha. — Já lidei com alguns héteros tops
mulherengos e não foi a melhor experiência. Você me parece só mulherengo mesmo.
— Sou e não nego. Se te consola, não saio por aí magoando as garotas com que eu saio. Sou
muito transparente com todas elas.
Bianca assente devagar, os olhos descendo vagarosamente para os meus lábios.
— Isso parece bom — sussurra, e não sei se está falando da minha boca ou sobre eu ser
transparente com as garotas com quem durmo.
— Quer experimentar? — sussurro de volta, supondo que se refere aos meus lábios.
Seus olhos sobem aos meus no mesmo instante, arregalados como se pega no flagra. Dou um
passo na sua direção e Bianca recua, encostando contra a parede mais próxima. Meu corpo quase
prensa o seu e a respiração dela fica um pouco irregular. Ela está intimidada de um jeito bom. É a
tensão sexual que, de repente, está entre nós.
— Estou doido para te beijar desde que te conheci — falo baixinho, colocando um braço
acima da sua cabeça.
Noto seu peito subir e descer em uma respiração forte. Bianca empina o nariz e sussurra:
— Beija.
— Beija. — A palavra se desenrola da minha boca e, um segundo depois, ele está me
atacando.
Seu corpo quente prensa o meu contra a parede, os lábios firmes em mim, uma mão
contornando minha cintura, a outra descendo até minha bunda, devagar, como se pedindo permissão.
Não me oponho ao seu toque e ele continua o caminho até estar apertando minha carne. Agarro sua
nuca e o trago mais para perto de mim, odiando que o cheiro desse homem me deixe tão acesa.
Droga, eu mal o conheço.
Estou necessitada, é a única explicação para estar me atarracando com praticamente um
desconhecido. Se ele não fosse cunhado da minha melhor amiga, com toda certeza não estaria dando
uns amassos nele sem ao menos conhecê-lo direito.
— Pode continuar olhando, é o máximo que vai ter de mim — repete minhas palavras ao se
afastar um pouco, um sorriso convencido cortando o rosto bonito. Reviro os olhos e aperto mais a
gola da sua jaqueta.
— Você provou que não é um babaca idiota. Eu acho — respondo, fixando meus olhos na sua
boca de novo. — Ainda não tenho muita certeza.
— Não sou um babaca idiota — diz e dedilha minha lombar com carinho. — E ainda beijo
bem. — Quero chamá-lo de convencido, mas fico quieta. Filippo desvia os olhos para meu decote e
passa o indicador sem pressa no meu colo. — Sabe, eu sou muito bom em muitas coisas. Bom filho,
bom amigo, bom irmão, um bom alpinista, um bom tio. — Ergue os olhos para mim agora e sorri. —
Bom amante.
Sorrio um pouquinho e desvio os olhos mais uma vez para seus lábios. Malditamente
convencido.
— Não tenho muita certeza sobre esse último.
— Quer tirar a dúvida? — pergunta, com um sussurro que me desestrutura por completo.
Tanto que mal me vejo respondendo:
— Quero.
Filippo me esmaga em outro beijo, suas mãos percorrendo minha pele desesperadamente,
prensando meu corpo com força, tomando minha boca em um beijo sôfrego. Eu estou ficando sem ar e
preciso de um instante, mas quando penso em me afastar e respirar um pouco, ele aperta minhas
coxas e me impulsiona, fazendo minhas pernas contornarem sua cintura. Sua boca desce pelo meu
pescoço e acerta uma área que me deixa excitada quase que no mesmo instante.
— Você tem camisinha? — pergunto, afundando meus dedos no seu cabelo bem arrumado.
Ele levanta os olhos para mim, sorriso cínico. Ainda me prensando contra o concreto, Filippo
enfia a mão no bolso traseiro da calça e me mostra o preservativo.
— Ando prevenido.
Sem me dar tempo de qualquer resposta, ele torna a me beijar, suculento, devasso, forte.
— Com preliminares ou sem preliminares? — rouqueja, ao passar a língua no lóbulo da
minha orelha. — Com preliminares, sofá. Arranco sua roupa e te chupo gostoso. — Suspiro, tentada
a aceitar a primeira opção, mas sei que é arriscado demais. Não quero ser pega no flagra. — Sem
preliminares, banheiro. Te deixo excitada só nos amassos e te fodo em seguida.
Nos próximos segundos que avalio suas duas opções, Filippo distribui beijos úmidos no meu
colo e pescoço.
— Segunda opção. Mais seguro em todos os aspectos.
No instante da minha resposta, ele me desencosta da parede e caminha comigo atarracada no
seu colo em direção ao banheiro. Ele abre a porta com um chute leve e a fecha da mesma maneira.
Sou posta contra a bancada da pia, sua boca quase nunca saindo da minha. Filippo se encaixa melhor
entre minhas pernas e invade minha saia, subindo seu toque até a borda da minha calcinha.
Gemo baixinho contra sua boca quando ele envereda um dedo para dentro da peça delicada.
Filippo brinca por um momento com meus lábios vaginais antes de puxar a calcinha até meus
calcanhares. Ele se afasta o suficiente para abrir o zíper da calça e se revestir com o látex, então,
está de volta a mim.
— Como você quer? — pergunta, acariciando minha boceta outra vez, os olhos nos meus, sua
boca muito perto da minha. — Em cima da bancada ou que eu te coma por trás?
Engulo em seco, dividida entre as duas opções. As duas parecem boas e não sei qual
escolher. Quase nunca escolho quando estou com um cara, ele, na maioria das vezes, quem escolhe as
posições, quase sempre sem me consultar antes.
— De costas.
Filippo me puxa da bancada imediatamente e me vira de costas. Ele me abraça por trás,
provocando-me com sua ereção, e nossos olhos se encontram pelo reflexo do espelho. Com
delicadeza, chuta meus calcanhares para separá-los mais e me encurva contra a bancada, mantendo
meu rosto erguido para o nosso reflexo ao puxar de leve meus cabelos. A pegada é firme, potente e
sensual, sem me machucar. Ele se esfrega em mim por mais um segundo antes de me penetrar,
tomando-me devagar. Sinto-o me preencher e fico deliciada em como ele me alarga e me toma
gostoso.
Filippo não tem pressa. Começa lento e fundo, um vai e vem, um entra e sai preguiçoso e ao
mesmo tempo intenso que arrancam de mim gemidos despudorados. Trinta segundos de sexo e ele já
provou que, sim, é um bom amante. Prendo o lábio inferior entre os dentes ao sentir sua mão no meu
clitóris conforme se arremete para dentro de mim, aumentando o ritmo gradualmente. Estou tentando
controlar minha respiração e os gemidos, mas está cada vez mais impossível.
Esse desgraçado é tão gostoso.
— Está bom assim? — sussurra no meu ouvido, pressionando com um pouco mais de força
meu clitóris. — O modo como toco na sua boceta?
Suspiro e aceno em positivo. Levo minha mão à sua e o direciono melhor para onde o quero
sentir e como o quero sentir. Filippo entende com facilidade como me agradar e aplica o que
aprendeu com precisão. Fecho os olhos e me concentro para gozar quando uma batida forte na porta e
uma voz potente ressoa pela madeira:
— Filippo!
É o Mattia!
— Porra! — Filippo exclama e sai de dentro de mim imediatamente.
Eu me viro, toda estabanada, pego minha calcinha e a subo pelas pernas, ajeitando a roupa no
meu corpo em seguida e não sabendo como vou encarar Lauren e Mattia do outro lado depois desse
flagra enquanto Filippo descarta a camisinha, sobe as calças e passa o cinto de volta.
— Ah, mas não é possível! — Ouço o irmão dele resmungando.
Filippo não tem qualquer preocupação de me encarar antes de abrir a porta, ele não tem
qualquer preocupação de arrumar os cabelos ou limpar o meu batom no seu rosto. Tudo bem, talvez
nem seja necessário, uma vez que está bem claro o que estávamos fazendo aqui. Mas, ainda assim!
Ele nem me deu tempo de me preparar psicologicamente para esse momento.
— Vou ter que interditar esse banheiro quando estiverem por aqui? Não bastasse a Paola,
agora você também? — Mattia acusa, e noto que Filippo fica um pouco sem entender, balançando a
cabeça de um lado a outro.
— Espera. A Paola…?
— Não muda de assunto — Mattia diz e aponta para mim e para o irmão. — Vocês dois…
Isso lá é lugar para suas sacanagens?!
Lauren se aproxima, como se quisesse amenizar para nosso lado.
— As crianças deram trabalho?
— Foram um amor — Filippo responde. — Juro que os colocamos para dormir cedo.
— E você se aproveitou, não é, seu ordinário? — Mattia acusa, o que arranca uma risada
esganiçada do Filippo. — Olha, dá o fora daqui antes que eu aperte o seu pescoço!
Nós nos apressamos até a saída, e Lauren nos acompanha.
— Vou chamar um carro pra te levar pra casa, Bia — Lauren diz, entregando minha bolsa que
estava no sofá. — Está muito tarde e sei que vai preferir dormir na sua cama.
Estou para aceitar a oferta quando Filippo se intromete.
— Posso te levar se quiser. Tenho um capacete sobrando no baú da moto. Te deixo em casa
em segurança, e podemos até terminar o que começamos. — Ele balança as sobrancelhas e coloca um
sorriso safado no rosto. — O Mattia é um empata-foda. Eu estava quase gozando.
Lauren solta uma risadinha e olha para mim, uma pergunta silenciosa se vou aceitar a oferta
de Filippo ou não.
— Vou aceitar a carona. Só a carona — enfatizo antes que ele venha com gracinhas para cima
de mim.
— Cuida bem dela, Filippo — Lauren alerta.
Ele faz uma reverência exagerada e sorri.
— Vou deixá-la em segurança em sua humilde residência.
Eu monto na garupa de sua moto e o abraço na cintura. Filippo costura as ruas da cidade e
gosto da sensação que isso me proporciona. Dez minutos depois, graças às ruas vazias, ele está
estacionando no portão da minha casa. Entrego o capacete de volta para ele, que o pendura no braço.
Filippo retira o seu para se despedir de mim, mas parece um pouco pensativo.
— O que foi? — pergunto, curiosa.
— Estou pensando no que Mattia disse. “Não bastasse a Paola…”. — Enrugo o cenho sem
entender exatamente por que ele está pensando nisso agora. — Deu a entender que ele também a
flagrou transando no banheiro dele. Mas a única pessoa que eu sei que ela estava saindo é o Liam,
meu melhor amigo.
— E qual o problema?
Os olhos claros de Filippo se direcionam para mim nesse momento.
— Eu só soube disso há poucos dias. Os dois estavam se pegando pelas minhas costas. —
Ele suspira pesadamente e balança a cabeça de um lado a outro. — Mas se o Mattia flagrou os dois
em algum momento no banheiro dele, e vou chutar que foi no aniversário dos meus sobrinhos,
significa que sabia e não me contou nada.
Tem um tom de decepção na voz dele.
— Talvez ela tenha pedido segredo ou algo assim.
Filippo acena com um suspiro longo e me olha em seguida, o humor no seu rosto mudando de
forma drástica.
— Não quer mesmo terminar o que começamos?
Mordo o lábio inferior, pensando se o levo para dentro de casa ou não.
— Não. — Indico minha casa atrás de mim. — Meu irmão mais velho mora comigo. Vamos
evitar outro flagra desagradável.
— Tudo bem — concorda, colocando o capacete de volta. Ele acelera a moto e se vira para
mim. — Se um dia quiser experimentar de novo e saber como é gozar comigo, sabe como me achar.
— Ele indica a casa atrás e baixa a viseira. — Entra. Quero ter certeza de que vai estar em
segurança.
Despeço-me dele e entro em casa. Pela janela da sala, aceno um tchau, e só então Filippo
arranca com a moto e vai embora.

— Chegou com alguém ontem à noite.


Eu me viro na sua direção. Leandro está carregando um engradado de cerveja para dentro do
estoque do bar enquanto eu confiro algumas notas fiscais dos fornecedores e avalio o que vamos
precisar para a semana.
— Irmão do Mattia. Ele foi dividir o trabalho comigo ontem com os pequenos porque queria
passar algum tempo com os sobrinhos antes de sair da cidade a trabalho. Me ofereceu uma carona na
hora de virmos embora.
Leandro murmura apenas um “hum” ao empilhar as caixas. Ele nunca foi do tipo irmão mais
velho superprotetor, mas passou a desconfiar dos caras de quem me aproximo depois do Danilo fazer
estrago na minha vida. Então, ele sempre está me vigiando para ter certeza de que não vou parar no
fundo do poço de novo por causa de um homem. O que é completamente desnecessário porque não
vou. Minha autoestima e amor-próprio estão em dia. Não vou me envolver com outro babaca, ou se
me envolver, não vou deixá-lo me manipular mais.
— Ele é um cara bacana, Leandro. E só foi uma carona.
— Eu sei quem ele é, Bianca. Filippo Massari. Playboyzinho famoso na cidade. O cara não
presta, troca mais de mulher do que de roupa. — Leandro se vira para mim e bate uma palma na outra
para limpá-las do pó das caixas. — É bom ficar longe dele. A semelhança com Danilo é bem grande.
Pra ele não foi só uma carona. Não duvido nada que ele te cante em algum momento e queira te levar
pra cama dele.
Suspiro e deixo as notas de lado, quase querendo defender Filippo, dizer que ele não é como
Danilo. Mas mantenho minhas palavras para mim porque não sei se ele não é como meu ex-
namorado. Eu mal o conheço, não posso julgá-lo só porque ele fez o mínimo por mim por algumas
poucas horas.
— Leandro, eu sei me cuidar. Não precisa ficar me rondando o tempo inteiro.
Deveria acrescentar que é tarde demais para me aconselhar a não chegar perto de Filippo,
mas deixo para lá. Foi só uma vez e não pretendo repetir mais. Posso até estar com autoestima e
amor-próprio em dia, mas não confio no meu coração que se apaixona com facilidade. Não vou me
arriscar me envolver com ele e ficar gamada justamente em um mulherengo descompromissado. Por
isso, não existe a menor possibilidade de dormir com Filippo Massari de novo. Meu irmão me olha
com atenção por um segundo e assente.
— Só me preocupo com você.
— Sei disso, Le. Fica tranquilo que eu nunca vou chegar perto do Filippo. — De novo.
Meu irmão me dá um sorriso de satisfação e volta ao seu trabalho, agora trocando as garrafas
vazias pelas cheias nos engradados. Eu volto a conferir as notas fiscais. A semana só está
começando.

O solo de guitarra de Sweet Child O’Mine ressoa pelo sistema de som do bar. A casa está
cheia hoje, mais do que o comum, mesmo para finais de semana, e estou trabalhando feito uma
condenada. Leandro é responsável por comandar a equipe de barmen e garçons, e eu fiquei com a
responsabilidade de administrar a cozinha e todo o restante dos funcionários. Só hoje já tive que
tomar conta do caixa, do atendimento delivery, fiquei uma meia hora no lugar da hostess, ajudei na
cozinha e retirei pedidos.
Cantando o refrão da música, agora estou recolhendo as garrafas vazias nas mesas do salão
para levar para o estoque. Olho ao redor, feliz com o lugar lotado. O Bar do Rock foi pensado com
muito carinho por mim e por Leandro desde que tínhamos quatorze e dezesseis anos respectivamente.
Fazíamos planos de abrirmos algo na temática, apaixonados pelo gênero por influência do nosso pai,
fã assíduo do estilo musical e instrumentista talentoso.
Começamos a juntar dinheiro cedo para realizarmos esse sonho, que se concretizou há quatro
anos e amo, amo demais esse lugar de paredes pretas adornadas com quadros de bandas de rock de
todas as gerações, mesas com cardápios em que os drinques e pratos têm nomes de termos musicais e
ícones do rock n’ roll. Todo o design do lugar remete à música, hard rock, heavy metal e classic rock.
Termino de juntar as garrafas e vou até o bar, onde tem mais delas para juntar, e coloco tudo em uma
caixa que comporta vinte e quatro cascos.
— Precisa de ajuda para levar para o estoque? — Leandro pergunta, balançando a
coqueteleira.
— Dou conta — respondo, erguendo a garrafeira.
O estoque é um pouco longe do balcão principal, e, por isso, alguns passos depois, a caixa
começa a ficar pesada demais. Deveria ter aceitado a ajuda do meu irmão. Quando chego ao
depósito, a porta está apenas encostada. Dou um chute forte demais para abri-la e, no instante
seguinte, ouço um grito alto e dolorido e um estralo da madeira batendo contra osso. Solto
imediatamente o engradado e adentro o local, encontrando uma figura caída no chão, mãos no rosto,
remexendo-se de um lado a outro. Aciono o interruptor perto da porta e me deparo com Filippo ali,
estirado no solo e resmungando de dor. Corro até ele e me agacho para ajudá-lo.
— Filippo, meu Deus, você está bem?
Com minha ajuda, ele se senta no chão, as mãos ainda no rosto.
— Se com “bem” você quer dizer quase cego e com um nariz arrebentado, estou ótimo.
Puxo sua mão para ver o estrago e aparentemente, ele está bem. O osso não está torto nem
nada, mas sei que fraturas nessa região costumam ter outros sintomas além da deformidade.
— Pode me dizer o que estava fazendo aqui?
Ele aperta os olhos várias vezes até conseguir focar em mim. Enquanto se recupera, dou uma
avaliada no lugar tentando desvendar o mistério. Sei que Filippo estava fora da cidade. Ele viajou a
trabalho por umas boas quatro ou cinco semanas e não o vi desde aquela noite na casa do Mattia.
Não sei quando voltou e por que estava no meu estoque. De repente, parece que o mistério se resolve
sozinho. Olho novamente para esse cretino mulherengo e, muito brava, pergunto:
— Estava trepando no meu estoque, Filippo?!
— Por que você insiste em querer me levar para socializar?
Liam se vira na minha direção e para no meio do seu closet, suspirando pesadamente, a cara
de tédio para mim conforme faço uma avaliação completa do seu look. Ele está elegante com uma
jaqueta com franjas, camisa de banda de rock, calça jeans e coturnos pretos. Bem a caráter para
irmos ao bar temático da Bianca.
— Porque adoro ver sua cara de mau humorado em um ambiente que detesta — respondo e
me aproximo dele, ajeitando a gola da sua jaqueta de couro. Ao erguer os olhos na sua direção, ele
está bem sério. — Mentira, Liam. É porque se dependesse de você, só faríamos programas de
velhos. Você tem oitenta anos desde os dezoito, é impressionante.
— Odeio aglomeração, só isso. E você, mais uma vez, está me arrastando para um lugar
cheio de gente.
— É, mas toca rock. Adoramos rock, lembra?
Liam revira os olhos.
— Estou bonito pelo menos?
Dou um passo atrás e abro um sorriso.
— A mulherada vai cair matando. Me promete que vai transar hoje.
Meu melhor amigo desvia os olhos e passa por mim, saindo do closet. Eu o sigo, entendendo
sua chateação, e decido não insistir no assunto. Liam termina de ajeitar umas coisas no apartamento,
alimenta seu labrador e garante que ele vai ficar bem durante as próximas horas. Só então podemos
partir. No meu carro, atrás do volante, eu tomo o cuidado na hora de perguntar:
— Você e Paola…?
— Estamos dando um tempo — responde rápido demais. É nítido que ele não quer falar
sobre sua relação mal resolvida com minha irmã. — Precisamos ficar longe um do outro. Ela
principalmente. Paola precisa entender o que quer, o que sente. Não sei se um dia vamos nos
entender, mas… precisamos disso por enquanto.
Assinto e volto minha atenção para a estrada à nossa frente.
— Espero que se resolvam, Liam.
— Espera?
Movo a cabeça que sim.
— Tive meus motivos para não querer que ficassem juntos, mas andei refletindo no que me
disse semanas atrás. — Eu o olho rapidamente. — Estava a dois mil metros de altitude pensando em
vocês dois. — Liam abre um sorriso sucinto e desvia os olhos para a janela do passageiro. — Então,
espero mesmo que a Paola coloque a cabeça no lugar e possa te oferecer mais do que estava
oferecendo.
Liam suspira e assente.
Não toco mais no assunto e fazemos o percurso até o bar conversando sobre minha última
expedição. Só tem três dias que voltei para a cidade, mas como Liam estava ocupado demais
trabalhando, não pude vê-lo antes.
Pouco tempo depois, chegamos ao local, que está bem cheio, e agradeço por ter reservado
uma mesa com antecedência. A fachada é toda preta, há um deque de tablado na frente com mesas,
todas ocupadas, uma televisão suspensa no alto da entrada exibindo um show de rock e a música
ressoa por todo o ambiente. Deixo o carro em um estacionamento pago logo ao lado do bar. Lá
dentro, a decoração me deixa surpreso e animado. Existe outra televisão transmitindo o mesmo que a
de fora, mesas com sofás de canto, jukebox em algumas delas, que deve ser meramente ilustrativa.
No cardápio, que as hostess nos entrega ao nos encaminhar para nossas mesas, as bebidas têm nomes
de músicas, os lanches levam nomes de bandas ou cantores famosos, doces e salgados são nomeados
com termos musicais.
— Esse lugar é incrível — Liam comenta e observa tudo ao redor com atenção, cantarolando
a música que ressoa e tocando uma bateria imaginária. — Lotado de gente, mas incrível.
Rio um pouco e me penduro no seu ombro.
— Não se pode ter tudo na vida, não é?
Assim que nos acomodamos em nossos lugares, um garçom logo vem retirar nossos pedidos.
Gosto que até os funcionários são bem caracterizados: calças pretas e camisas de banda de rock.
Para trabalhar aqui deve ser requisito essencial gostar do gênero.
— Imagino como foi a seleção dos funcionários — comento com Liam, assim que o rapaz se
fasta para repassar nosso pedido. — “Em que ano a Kings of Leon foi formada?”, “Qual é a música
considerada hino do rock n’roll?”, “Na sua opinião, qual a melhor banda de rock do mundo e por
quê?”, “Já assistiu Escola de Rock?”.
Liam dá uma risadinha e move a cabeça de um lado a outro. Engatamos em uma conversa
sobre o local ao esperarmos por nossos pedidos chegarem. Fico feliz que ele se anime um pouco
porque meu melhor amigo estava precisando.
— Sabe se a Paola está bem? — Liam pergunta, muito de repente, e desvio minha atenção de
uma garçonete gostosa que está servindo yakissoba na outra mesa com hashis que lembram baquetas
de bateria.
Entendo exatamente a que ele se refere. Eu não estava na cidade quando isso aconteceu, ela
nem mesmo tinha contado para a família, e sei que essa perda, apesar de todas as circunstâncias, foi
algo que a deixou muito abalada. O próprio Liam ficou abalado.
— Eu a vi assim que voltei e me parece estar tudo bem. — Liam acena uma única vez. — Foi
muito legal da sua parte ficar do lado da Lola por uns dias até tudo passar, mesmo precisando ficar
um tempo longe dela.
Ele desvia os olhos para um canto qualquer e finge que o assunto não o incomoda.
— Eu também precisava de alguém do meu lado. Foi uma perda que nós dois sofremos.
— A família toda perdeu, Liam.
Ele me dá um sorriso quase sem vida e nesse instante nossa comida chega. O rumo da
conversa muda novamente, envolvendo assuntos mais descontraídos e risadas altas — ao menos
minhas risadas altas — porque não é do feitio de Liam, no máximo, um sorriso mais amplo.
Enquanto conversamos, eu não tiro os olhos da garçonete gostosa. O flerte é retribuído porque ela
também me envia olhares bem sugestivos.
— Precisam de alguma coisa? — ela pergunta ao se aproximar da minha mesa depois de
chamá-la.
— Quero outo refrigerante, por favor. — Procuro pelo meu amigo. — E você, Liam?
— Uma porção de fritas, por gentileza.
A menina assente e anota nosso pedido, retirando-se em seguida. Quando retorna, ela entrega
as fritas do meu amigo primeiro, depois vem até mim, inclina-se ligeiramente e coloca a lata de
refrigerante na minha frente. Um toque rápido na minha coxa me faz olhar para baixo. Pego o pedaço
de guardanapo que ela me entrega com a comanda e encaro o recado assim que se vai.
“Estoque atrás do bar, segunda porta à direita, em dez minutos.”
— Depois que sair daqui ou antes? — Ergo os olhos para Liam diante sua pergunta. Ele
aponta para mim com o queixo. — Ela te chamou pra transar depois daqui ou antes?
— Em dez minutos.
Liam joga outra batata na boca e mastiga.
— Você é impossível, Filippo.
Rio e dou de ombros, servindo um pouco do refri no meu copo. Dado os dez minutos, eu saio
até o estoque, tomando o cuidado de não esbarrar em qualquer outro funcionário. Encontro o lugar
com facilidade e a porta se abre antes mesmo que eu tenha tempo de raciocinar. Sou puxado para
dentro e invadido por uma boca macia e suculenta. A madeira bate contra o batente e só leva dois
minutos até eu estar dentro da garota, prensando-a contra a parede da porta, suas pernas em torno dos
meus quadris, nós dois no escuro. Terminamos rápido — podemos ser flagrados, e ela tirou só trinta
minutos de descanso —, então não me esforço para segurar o orgasmo e a ajudo a ter o dela.
— Eu tenho que ir — a menina diz, colocando a calça enquanto eu descarto a camisinha em
um lixo logo ao lado. — Esse bar está uma loucura hoje, e ainda quero comer algo antes de voltar ao
meu turno.
Fecho a braguilha do jeans e aceno.
— Tudo bem. Vai lá… — Semicerro os olhos para o nome bordado na sua camisa. —
Sabrina.
Meu telefone apita dentro do bolso da minha calça e confiro a mensagem que chega. Uma das
garotas com quem eu saio precisando de consolo. Digito uma resposta, combinando de vê-la mais de
madrugada, e guardo o celular de volta no bolso. Quando estou para sair do estoque e voltar para
minha mesa, a porta se abre muito de repente, com uma violência exagerada, e me acerta bem no
meio do nariz.
A pancada me derruba no chão, e a dor que serpenteia por todo meu rosto e crânio é
alucinante. Bianca logo vem ao meu socorro, perguntando se estou bem e o que estou fazendo aqui.
Ainda estou aturdido pela dor e, duas coisas: um, não tenho quaisquer condições de raciocinar e
responder adequadamente sua pergunta; dois, uso isso como pretexto para encontrar alguma resposta
além de “estava trepando com uma das suas funcionárias”, mas a garota não parece idiota e supõe
com facilidade.
— Estava trepando no meu estoque, Filippo?! — Pisco forte algumas vezes, tentando
focalizar o ambiente, e sinto uma mão sua nas minhas costas, ajudando-me a permanecer sentado. —
Filippo!
— Tem um homem com o nariz arrebentado aqui, pelo amor de Deus — reclamo. Tiro a mão
do rosto e noto que começou a sangrar. — Pode me ajudar, Bianca?
Ela sai do meu lado e some pela porta que entrou, os passos firmes e raivosos. Faço algum
esforço para me levantar, mas a dor me deixa zonzo, até parece que tenho labirintite, e por isso
decido ficar quietinho aqui. Aquela garota não vai deixar de me ajudar, não é?
Bianca não seria capaz.
Para meu alívio, ela volta um tempo depois com uma porção de papel para ajudar a estancar
o sangramento e um saco de gelo para o inchaço. Liam veio junto e pergunta, com um ar preocupado,
o que aconteceu. Coloco um rolinho nas narinas e seguro o gelo no nariz enquanto meu melhor amigo
me levanta.
— Seu amigo estava usando meu estoque de quarto de motel — Bianca diz, ajudando Liam a
me carregar para fora do lugar. — Eu vim trazer umas garrafas, abri a porta com um chute e esse
idiota estava atrás. Foi isso o que aconteceu.
Eles me levam até meu carro e Liam me acomoda no banco do passageiro.
— Precisa ir a um hospital — meu amigo diz, avaliando-me com cuidado. — Vou pagar a
conta e já te levo.
Liam gira nos calcanhares e volta para o bar. Bianca fica aqui comigo. Ela tira o papel das
minhas narinas e troca por outro. Meus olhos encontram os seus, sua mão delicadamente me ajudando
a estancar o sangue.
— Vai me dizer com quem estava transando no meu estoque ou não?
— E deixar uma garota desempregada? Não mesmo.
Ela dá um tapa de leve no meu ombro e ri.
— Foi com uma das minhas funcionárias, Filippo?!
Rio um pouco, mas a o riso se transforma em resmungo de dor. O assunto morre, e não
demora para meu melhor amigo estar de volta. Nós nos despedimos de Bianca, e sou levado até a
emergência do hospital. Sou atendido rapidamente — vantagens de um hospital particular — e logo
estou no consultório sendo avaliado. O médico de plantão faz um exame de tato para verificar se o
nariz está quebrado e constata que não. O sangramento vai parar e ele me receita um remédio para
aliviar a dor.
Quarenta minutos mais tarde, estou em casa. Liam me ajuda a me acomodar no sofá e liga a
televisão por qualquer motivo que seja.
— Não são nem onze da noite direito — reclama, sentado de frente para mim. — Eu estava
curtindo o bar, Filippo.
Tento rir, mas o incômodo no nariz não me permite.
— Eu que tomo uma pancada e você que está agindo estranho. — Estico o corpo no estofado,
mantendo o nariz para cima, e fecho os olhos por um instante. — Podemos voltar lá no próximo final
de semana.
— Nem fodendo.
Um sorriso nasce em mim e movo a cabeça de um lado a outro. Liam vai voltar comigo, sim,
querendo ou não.
— Tudo isso porque não sabe manter o pau dentro das calças — diz, sentando-se ao meu lado
e colocando minhas pernas sobre as suas. Sinto seus dedos longos no meu nariz, como se estivesse
avaliando o ferimento, mas não abro meus olhos. — Ainda está doendo?
— Pra caralho. Está até latejando.
— Vou passar a noite aqui, só por precaução.
Assinto e fico quietinho no meu lugar, de repente sentindo muito sono. Não tenho muita
consciência depois disso.
Liam volta da minha cozinha carregando uma tigela com batatas chips e copos de refrigerante.
Eu tentei convencê-lo a voltarmos ao bar da Bianca, mas ele bateu o pé e nada no mundo o fez mudar
de ideia. Então, aqui estamos no meu apartamento, oito da noite, depois de seis dias desde o episódio
da portada no meio do meu nariz, prestes a assistir uma disputa de futebol. Vai ser épico porque é o
meu time contra o dele em uma partida mata-mata.
— Podíamos estar assistindo o campeonato no bar da Bianca — reclamo, quando ele se senta
do meu lado e apoia a tigela sobre meu colo. — Eu dei uma olhada nas redes sociais do Bar do Rock
essa semana e eles transmitem as partidas em dias de jogos decisivos.
— E correr o risco de você me deixar sozinho para ir trepar com a garçonete de novo? Não,
obrigado.
Faço uma careta de quem está ofendido.
— Me julga tão mal, Liam. É uma disputa clássica e decisiva na qual, claramente, seu time
vai perder de lavada para o meu. Acha mesmo que eu perderia isso por uma trepada?
— Acho.
Rio e jogo uma chips nele.
— Diz como se eu não conseguisse controlar meus instintos sexuais.
— Você não consegue. É um fato. Quase arrebentou o nariz no sábado passado porque não
podia esperar para transar com aquela garçonete em outro lugar.
Levo uma batata à boca e suspiro.
— Você está errado.
Liam ergue uma sobrancelha e me encara seriamente.
— Estou, é? Então me prove.
— Como assim?
Meu melhor amigo se ajeita no sofá e também pega uma batata da tigela.
— Vamos fazer uma aposta. Se seu time perder para o meu, vai ter que sair com uma única
garota por um mês inteiro. Só com uma. Nada de encontros, sexuais ou não, com qualquer outra
mulher.
Encaro meu amigo como se ele não pertencesse a esse mundo.
— Por que eu faria uma coisa horrível dessas?
Liam dá de ombros.
— Pra provar seu ponto de que você é capaz de controlar seus “instintos sexuais”. — Faz
aspas com os dedos. — Se ceder e sair com outra mulher, então, eu provo meu ponto de que você é
incapaz disso.
— Bobagem — desdenho e me inclino sobre a mesa de centro para pegar meu copo de
refrigerante. — Posso muito bem mentir pra você. — Bebo um gole da minha Coca-Cola e devolvo o
copo ao seu lugar.
— Pode, mas de qualquer forma, eu vou estar certo.
Reflito um segundo sobre sua proposta.
— Tudo bem, mas e se seu time perder?
— Escolha algo para eu cumprir.
Assinto vagarosamente.
— Se seu time perder, vai sair com alguma garota. Vai transar com ela por pelo menos uma
semana. Vai me acompanhar às boates e vai se divertir por ao menos quatro fins de semana.
Liam revira os olhos, mas estica a mão para mim.
— Fechado.

Estaciono a moto no meio-fio e desligo o motor. A rua está relativamente vazia porque são
dez da manhã de uma segunda-feira calma. O bairro turístico da cidade só costuma estar cheio de
gente aos finais de semana. Desmonto da motocicleta e penduro o capacete no braço ao subir os três
degraus do deque de tablado e adentrar o bar. Um famoso riff ressoa baixinho das caixas de som, as
cadeiras estão viradas sobre as mesas e tem um homem de costas para mim, lavando copos no bar.
Chamo sua atenção com um bom-dia, e ele se vira, seu semblante de poucos amigos na minha
direção. O rapaz, que deve ter minha idade mais ou menos, joga-me um olhar avaliativo.
— Não estamos abertos.
— Sei que não. Estou procurando a Bianca.
Minha sentença parece despertar a curiosidade dele.
— O que quer com minha irmã?
“Conversar com ela e pedir desculpas por eu ter transado no seu estoque”.
— Assunto pessoal.
O homem assente, o olhar ainda muito criterioso sobre mim, e grita pela irmã. Bianca aparece
um instante depois e não demora a me ver aqui. Os dois trocam algumas palavras e só então ela vem
até mim.
— Oi.
Sorrio um pouco.
— Podemos conversar lá fora?
Ela concorda e me acompanha até minha moto. Eu me encosto no banco depois de pendurar o
capacete no retrovisor e Bianca fica de frente para mim, os braços cruzados, esperando-me dizer o
que quero.
— Vim me desculpar com você — digo, por fim. — Pela semana passada. Não deveria ter
trepado com uma funcionária do bar no seu estoque.
— Espero que não volte a acontecer.
— Aqui no seu bar, não.
Bianca ri um pouco e balança a cabeça em negativo. Ela pergunta quais as impressões que
tive do lugar pelo pouco tempo que fiquei, e faço os elogios que seu estabelecimento merece.
— Ei, Bianca! — alguém interrompe nossa conversa.
Um homem engravatado se aproxima com rapidez pela calçada, acenando para Bianca, que
imediatamente muda de postura. Parece incomodada e tensa, o que me deixa um pouco em alerta.
— Oi, Benício — cumprimenta-o de volta, sem muita vontade, e o sorriso no rosto é
claramente forçado. Quando ele se aproxima para deixar um beijo no rosto dela, noto que Bianca não
é a maior fã desse cara. — O Leandro está lá dentro. Só entrar e falar com ele, está bem?
— Claro, claro — diz e coloca as mãos nos bolsos da calça social. Ele não faz qualquer
questão de se virar na minha direção e me cumprimentar, sua atenção toda na garota porque está
bastante óbvio que tem uma queda por ela. Uma cachoeira inteira. — Antes, queria saber se está tudo
certo com os preparativos dos drinques para a festa de trinta anos da imobiliária que fechamos com
você semanas atrás.
Bianca move a cabeça para cima e para baixo, ainda parecendo sem jeito com a aproximação
inapropriada dele.
— Está tudo certo, Benício. Montei uma equipe que vai atender os seus convidados como
eles merecem. Não tem que se preocupar com nada.
— Isso é ótimo! Por favor, não se esqueça de comparecer, está bem? Você também foi
convidada e espero te ver lá. — O tal Benício retira um convite de dentro do bolso interno do paletó
e entrega para Bianca. — Podem levar um acompanhante, você e o Leandro. Se não se importar,
posso ser seu par.
Bianca pisca duas vezes e entreabre os lábios, vindo na minha direção muito de repente. Ela
engancha um braço no meu e não tira os olhos de Benício.
— Eu aceitaria, mas… vou levar meu namorado.
Eu me desequilibro da moto, quase virando por cima do banco para o outro lado, e Bianca me
ajuda a ficar equilibrado, perguntando-me se está tudo bem. Olho para ela, olhos arregalados em uma
exigência silenciosa para essa loucura toda.
— Não sabia que estava namorando — Benício diz, o tom cuidadoso.
Nem eu! Ainda mais comigo!
Os olhos de Bianca me imploram para que eu não estrague toda sua farsa, seja lá porque está
inventando essa história toda. Se não está a fim do cara, não é mais fácil só dizer… não?
— Começamos há pouco tempo, não é, Filippo?
Engulo em seco, ainda aturdido com essa história. Só consigo murmurar um “aham” e colocar
no rosto um sorriso mais falso que político em época de campanha.
— Quanto tempo? — o cara insiste, e agora acho que começo a entender por que Bianca está
fingindo que é minha namorada. Homem que não sabe ouvir não.
Dizemos ao mesmo tempo:
— Um mês.
— Duas semanas.
Benício cruza o braço e olha de mim para Bianca.
— Um mês e duas semanas — Bianca improvisa ao pigarrear.
Entro no papel do personagem e contorno sua cintura.
— Garotas. — Abro um sorriso suave e beijo o rosto dela. — Não deixam passar um dia
sequer.
O cara concorda, não parecendo muito convencido da nossa farsa.
— Certo… — murmura, semicerrando os olhos para nós. — Então, espero vocês na festa.
Vou pegar o dinheiro do aluguel do ponto com o Leandro. Se me dão…
Bianca dá um pulo do seu lugar e bloqueia o caminho do cara, ficando branca como se tivesse
visto um fantasma. Acho que está preocupada em Benício mencionar algo com seu irmão e sermos
desmentidos.
— Eu vou buscar lá pra você. Está uma bagunça porque é dia de faxina, sabe? Fica aqui, eu
já volto.
Antes que o rapaz tenha qualquer tempo para dar uma resposta, Bianca já virou nos
calcanhares e está correndo lá para dentro. Benício fica de costas para mim por todo tempo, até
minha “namorada” voltar com um envelope. Ele agradece e os dois se despedem. Assim que o
boyzinho engravatado vira a esquina, ela suspira completamente aliviada.
— Por que não poderia acompanhar o cara nessa festa? — pergunto e cruzo os braços. Ela se
senta no meio-fio e ergue os olhos na minha direção.
— Benício não larga do meu pé. Faz meses que flerta comigo e tenta alguma coisa. Já cansei
de dizer não. Inventar que somos namorados foi minha tentativa desesperada. Ao que parece, homem
só respeita uma mulher se ela está com outro homem.
— Infelizmente, não posso nem defender minha espécie.
Bianca ri e se levanta, batendo a poeira da bunda.
— O que vai dizer para ele quando aparecer sozinha? — questiono, curioso em saber como
vai se safar dessa. Bianca não pode manter a farsa para sempre.
— Não vou aparecer sozinha. Você vai comigo e vai fingir que é meu namorado.
Solto uma gargalhada alta e balanço a cabeça em negativo.
— Deveria ser humorista. Se daria muito bem.
— Me deve uma por ter trepado no meu estoque. Ou aceita ou conto ao Leandro da sua
safadeza. Ele já não vai muito com a sua cara…
— Por que ele não vai com a minha cara? — Levo as mãos ao peito, dramático. — Sou um
amor de pessoa.
— Quem não te conhece, que te compre, Filippo. Mas o aviso é verdadeiro. Ou aceita meu
convite, ou conto para o Leandro. Ele não vai ficar nada feliz. — Bianca se balança nas pontas dos
pés, para frente e para trás.
— Convite? Isso é ameaça! Chantagem! Coerção! Imposiç…
— Podemos transar depois da festa.
— Topo.
Bianca ri e me dá um murro forte no ombro.
— Você não vale nada, Filippo! — Rio com ela e dou de ombros. — Você me acompanha ou
não? Não quero mesmo ter que lidar com o Benício a noite inteira.
Pondero seu pendido e uma ideia surge na minha mente.
— Se eu te ajudar, você me ajuda com uma coisa?
— Com o quê?
— Perdi uma aposta e preciso pagá-la. Tenho que sair com uma única garota por um mês
inteiro. Sinta-se privilegiada por ter a honra de me ter por trinta dias seguidos.
— Não vou sair com você por um mês, Filippo.
Assinto e pego meu capacete.
— Boa sorte para driblar o Benício.
Bianca bufa e bate o pé.
— Está bem! Saio com você por um mês, mas tem que ir comigo nessa festa.
— Por que simplesmente não vai à festa?
— Meu bar ficou responsável por servir as bebidas e já montei uma equipe para isso, mas
quero estar por perto para qualquer imprevisto, sabe? — Ela suspira e desvia os olhos rapidamente.
— É bom eu ir porque assim evito que o Benício tente me prejudicar de alguma forma junto ao seu
Garcia por eu não corresponder às investidas dele.
Balanço a cabeça em positivo, compreendendo seus motivos.
— Acha que ele seria capaz disso?
Ela dá de ombros.
— Eu não duvidaria. Além do mais, nossa farsa pode me ajudar a afastar o Benício de uma
vez por todas. Então, você vai comigo?
Suspiro e aceito acompanhá-la. Trocamos números de telefones para combinarmos o horário
que vou buscá-la, coloco o capacete e monto na moto, girando a chave na ignição.
— Vejo você em breve, namorada.
— Que assunto pessoal o playboyzinho tinha para tratar com você? — Leandro pergunta
assim que volto par ao bar.
Ele ainda está atrás do balcão na área das bebidas, lavando alguns copos e taças. Paro ao seu
lado e recolho alguns cascos vazios de vodca e uísque. Não respondo nada pelos próximos dez ou
quinze segundos, procurando uma resposta para seu questionamento que não envolva eu contar o
verdadeiro motivo de Filippo ter vindo me procurar — pedir desculpas por ter transado com uma
das nossas funcionárias no estoque. Apesar da confusão, Leandro estava bastante ocupado na ocasião
e não presenciou nada aquele dia.
— Talvez tenha uma coisa que não te contei. — Suspiro e coloco os vidros em uma caixa de
papelão para descarte adequado. Meu irmão se vira para mim e apoia uma taça cheia de sabão na
pia. — Naquele domingo em que fui ficar com os trigêmeos da Lauren, rolou um lance entre nós dois.
Leandro bufa e pega outra taça para ensaboar, a cabeça movendo-se de um lado a outro. Sei
que ele não gosta do Filippo por julgá-lo precipitadamente e por se preocupar comigo.
— Foi um lance rápido, Leandro. Não tem que se preocupar.
— A coisa toda com Danilo também não começou como um “lance rápido”? — aponta
desgostoso, ensaboando uma terceira taça.
— O Filippo não é o Danilo. — Não faço ideia de por que estou aqui defendendo um homem
que claramente não conheço a índole, mas que estou colocando toda a minha confiança, baseando-me
apenas no fato de ele ser irmão de Mattia, que já provou que tem caráter. — Nós conversamos, e ele
parece mesmo ser um cara legal.
Leandro enxagua as mãos e as seca em um pano de prato que carrega no ombro. Apoiando o
quadril na pia, ele me olha seriamente. Presumo que meu irmão, mais uma vez, vai argumentar que
“Danilo também parecia um cara legal”, ao invés disso, o que sai dos seus lábios me pega de
surpresa:
— Estou sendo superprotetor demais, não é? — Leandro dificilmente admite que está errado,
exagerando ou me sufocando com excesso de cuidado e proteção. — Você é uma mulher adulta, deve
saber o que está fazendo. Sua experiência com aquele cretino do Danilo deve ser o suficiente para
não se deixar cair em qualquer papinho medíocre desse Filippo.
Assinto devagar.
— Estou vacinada, Leandro. Ao mínimo sinal que Filippo vai me magoar, eu caio fora. —
Cruzo o mediano sobre o indicador. — Palavra de escoteira.
Leandro ri e volta para sua tarefa.
— Você nunca foi escoteira, Bianca. — Rimos juntos. — Então, vocês tiveram um lance, e
ele veio aqui por quê…?
Junto outros cascos vazios espalhados por todo o bar e improviso:
— Veio me convidar para sairmos “adequadamente”, nas palavras dele. — Hollywood está
perdendo. — Trocamos uns amassos no sofá do irmão dele e só — minto porque não existe a menor
possibilidade de eu dizer que transei com Filippo no banheiro da casa de Mattia e que quase fomos
flagrados.
— Não quero os detalhes — resmunga e engulo uma risadinha. Leandro me olha de novo,
agora enxaguando as taças, e suspira. — Se divirta, se previna e me prometa que se ele te fizer
qualquer mal, vai me contar. Será um prazer entortar o nariz arrebitado dele.
Vou na sua direção e me penduro no seu ombro ao deixar um beijo suave no seu rosto.
— Prometo.
— É sério, Bi. Fique atenta aos sinais, está bem? Não quero ver você de coração partido de
novo.
— Pode deixar comigo. — Dou um tapa nas suas costas e volto para o meu trabalho. —
Aliás, nós vamos à festa da imobiliária na sexta-feira. Filippo vai ser meu repelente.
— Benício continua insistindo em sair com você?
Suspiro pesado.
— Continua.
Meu celular vibra sobre a penteadeira e me desconcentro da maquiagem para espiar a
notificação. É uma mensagem de Filippo. Não dá para ler tudo só pela notificação, então tenho que
abri-la.
“Estou te esperando na sua sala. Ou você vem agora ou não terá mais um namorado de
mentira, pelo jeito que ele me olha. É sério, Bianca, estou com medo de ficar sozinho com Leandro.
Ele morde?”
Com um sorriso no rosto, respondo:
“Se não provocar, ele é inofensivo. Já estou indo.”
Termino minha maquiagem e confiro se estou bem. Ondulei os cabelos, prendi uma parte, fiz
um esfumado dourado e coloquei um batom vinho. Calço os saltos — a única coisa para completar o
look — e sigo para a sala. No umbral de acesso ao cômodo, eu noto a tensão entre Leandro e
Filippo. Meu namorado de mentira está sentado em um dos sofás, devidamente engravatado com um
terno azul, que o deixa gostoso demais, e meu irmão mais velho está em outro, olhos criteriosos e
observadores, quase como se fosse mesmo atacar nossa ilustre visita com um golpe inesperado.
— Estou pronta — anuncio, terminando de adentrar o local.
Filippo se vira na minha direção e seus olhos congelam em mim de um modo que faz meu
estômago dar cambalhotas. Por algum motivo, eu me sinto a mulher mais incrível do mundo.
— Caramba — Filippo murmura, ainda no seu lugar. — Você está… linda.
Amacio o vestido preto no meu corpo e sorrio um pouco em um agradecimento silencioso. A
peça bate um pouco abaixo dos meus joelhos, é justo, com uma fenda discreta no lado esquerdo e
decote ombro a ombro que deixa meu colo à mostra.
— Você também está muito elegante.
Filippo se levanta do seu lugar, a expressão de quem ficou com o ego nas alturas, e ajusta o
terno no corpo atlético. Gostoso demais. Pena que é sinônimo de problema, e dos grandes. Ele se
vira para o sofá e pega algo, entregando-me em seguida.
— Está brincando comigo, não é? — pergunto, incrédula, olhando para o capacete. Filippo
não vai me levar à droga da festa de motocicleta, vai?
— A menos que queira ir andando.
Não tem qualquer deboche ou brincadeira na sua resposta. Ele realmente acha que é aceitável
me levar na garupa da sua moto para uma ocasião como a de hoje à noite. Filippo segue com o
capacete esticado na minha direção e eu inspiro fundo, evocando um mantra para não perder a
paciência com esse cretino. Pego o capacete, decidida que não vou discutir com ele sobre nosso
meio de transporte, e me viro para Leandro.
— Você não vai mesmo à festa? Nem mais tarde?
Ele balança a cabeça em negativo.
— É sexta-feira, Bianca. O bar está lotado. Preciso estar lá para comandar a equipe. Se
divirta sem se preocupar comigo, está bem? — Seus olhos vão por cima dos meus ombros e
completa: — Acho bom cuidar bem da minha irmã.
Filippo vem para o meu lado, seu braço contornando minha cintura.
— Ela não vai ter companhia melhor.
Leandro só solta um “hum” e assente. Nós nos despedimos e seguimos caminho. A
motocicleta de Filippo está estacionada no meio-fio e não evito em dar uma olhada na sua bunda
quando ele caminha na frente ao mesmo tempo em que coloca seu capacete. Ao montar na moto, diz:
— Sobe na garupa, gata. — A voz e a postura são uma imitação do que brincamos semanas
atrás do “hétero top”.
— Filippo, sinceramente, olha bem pra mim. — Indico minhas vestimentas. — Em que mundo
você achou que seria uma boa ideia vir me buscar de moto? — reclamo, encaixando com delicadeza
o capacete na minha cabeça.
— É meu fetiche — ele diz assim que me apoio no seu ombro para conseguir me sentar na
garupa. — Levar uma garota bonita de salto e vestido na minha motocicleta.
Dou um beliscão na sua coluna e ele ri, uma risada gostosa. Do pouco que o conheço, já deu
para notar que Filippo é um cara alto astral e bem-humorado.
Eu abraço sua cintura e encosto meu tórax nas suas costas, apertando-o para me sentir segura.
Filippo acelera os motores e corta as ruas noturnas do bairro. Apesar da loucura que é, eu gosto da
sensação de estar na sua garupa, de apertar sua cintura e sentir a brisa gelada. Minutos depois,
chegamos onde a festa está acontecendo: a casa de luxo do seu Garcia no bairro nobre da cidade.
Filippo estaciona no pátio extenso e desmonta da moto, ajudando-me a descer em seguida.
Uma vez na sala principal, onde todos os convidados estão recepcionados, nós caminhamos
devagar por entre as pessoas, observando a comemoração, meu braço estrategicamente enroscado no
de Filippo. O anfitrião da festa — Arnaldo Garcia — está cumprimentando alguns convidados ao
lado de Benício que não demora em nos ver. Ele diz algumas palavras para o patrão, que logo se vira
para nós. Despedindo-se do casal com quem estava conversando, ele vem na nossa direção, seu fiel
escudeiro acompanhando-o.
— Bianca! Que felicidade poder te receber. — Garcia me toma em um abraço rápido. — Seu
irmão não veio?
— Alguém precisava tomar conta do bar.
— Entendo perfeitamente. Deve saber que nem sempre eu fui bem de vida. Já deixei de ir em
festas porque alguém precisava trabalhar.
— É claro que ela sabe — Benício intervém na conversa, o tom bem-humorado. — Todo
mundo conhece a sua trajetória, seu Garcia.
O que não é nenhuma mentira. Hoje, Arnaldo tem quase metade dos prédios do centro
turístico da cidade, mas conta que antes disso trabalhou muito como empregado. O homem nunca
perdeu sua essência e mesmo nadando no dinheiro com aluguéis e outras rentabilidades, continua
simples e simpático. Ele tem amizade com todos os locatários e não é alguém que se acha no topo do
mundo.
— Não me canso da minha história. — Arnaldo aponta para mim. — E um dia espero que
conquiste com seu bar tudo o que eu conquistei. E você é… — pergunta, virando-se para meu
acompanhante.
— Filippo Massari. — Eles trocam um aperto rápido de mão e eu noto certo desprezo em
Benício enquanto o patrão conversa com meu namorado de mentira.
— É filho do Arthur, do Conecta Mídia, certo? — Filippo assente com um grande sorriso. —
Já fiz algumas campanhas com a empresa do seu pai. Vocês dois — Garcia aponta de mim para o
homem ao meu lado — estão juntos?
— Juntos e shallow now — Filippo brinca, o que arranca um sorriso carismático do nosso
anfitrião. — Não tem muito tempo. Pouco mais de um mês. — O desgraçado soa muito convencido,
ainda mais quando contorna minha cintura e me traz mais para perto dele.
Estou quase acreditando que somos mesmo namorados.
— Curioso que não vi vocês dois juntos no último mês — Benício se intromete, ainda
desconfiado da nossa farsa.
— É porque logo quando começamos a namorar, eu tive de ficar fora da cidade em uma
expedição no sul do país.
— Que tipo de expedição? — Garcia mostra interesse.
— Tenho uma empresa de aventuras, e, no último mês, acompanhei alguns clientes em
escaladas no Rio Grande do Sul. Fizemos um circuito por alguns pontos do estado. Por isso, estive
ausente, mas liguei para minha namorada todos os dias. — Ele lança um olhar rápido ao Benício que
segue com cara de bunda.
— Que interessante! — Garcia exclama e engata em uma conversa sobre a empresa do
Filippo, que ele conta com muito amor e carinho.
Benício e eu apenas acompanhamos os dois conversarem pelos próximos cinco minutos. Até
que o anfitrião é chamado para recepcionar outros convidados e se retira, deixando seu gerente
conosco, que nos encaminha para uma das mesas. Ele diz para nos sentirmos à vontade e chama
alguém para nos servir aperitivos e bebidas. Está bem claro que faz tudo a contragosto.
— Sujeitinho intragável — Filippo reclama assim que Benício se retira e morde uma
bruschetta de tomate.
Limpo os lábios depois de engolir meu petisco e concordo.
— Inofensivo, mas insistente demais.
— No seu lugar, eu já teria perdido as estribeiras com ele.
Abro um sorriso acanhado porque meu problema é não saber ser incisiva. Leandro já disse
que preciso me impor, parar de ter medo de dizer um “não” bem categórico, mas eu não consigo.
Guardo para mim toda a frustração e raiva que fico com essa insistência toda, incapaz de ser grossa
com quem quer que seja. Isso com frequência foi um problema no meu relacionamento com Danilo,
sempre manipulada com facilidade por não saber dizer não para certas ocasiões — uma delas,
acabou envolvendo sexo e fetiches que só pratiquei porque meu namorado queria. Da forma mais
dura, aprendi que preciso negar e me impor, colocar minhas vontades e escolhas acima das dos
outros. Ainda assim, em algumas vezes, sou completamente inapta para negar qualquer coisa a
qualquer ser humano que seja. Ter aceitado sair com Filippo por um mês explica essa minha
inaptidão com precisão.
— Achei que ignorar fosse o suficiente — digo e dou de ombros, porque é verdade. — Não
pensei que Benício fosse ser tão obstinado.
— O comportamento dele deixou de ser persistência e passou a ser inconveniência, Bianca.
— Filippo se inclina sobre a minha mesa, chegando mais perto do meu rosto e sussurra: — Viu como
ele me olhou? Quando arranjar um namorado de verdade, vai ter problemas com ele.
Ajeito os cabelos e procuro Benício por entre as pessoas. Encontro-o sem muita dificuldade
perto da porta de entrada, e ele está olhando para cá, mas rapidamente finge que não foi flagrado.
— Vamos mudar de assunto — decreto, voltando-me para Filippo. — Me conta que história é
essa de aposta.

Eu queria que Filippo não fosse uma boa companhia, mas ele é. Não tive a oportunidade de
constatar isso no domingo em que tivemos um contato melhor na casa de Mattia porque era outra
ocasião. Hoje à noite, contudo, o rapaz se mostrou uma pessoa ainda mais divertida e atenciosa. Ele
dá a impressão de ser um cara megalomaníaco e egocêntrico, mas, na verdade, por baixo das
camadas de sorriso cínicos e frases de duplo sentido, tem um homem cheio de carisma.
Depois de alguns aperitivos, conversas e alguns toques ensaiados para mostrarmos que
estamos namorando, sou convidada para uma caminhada no jardim atrás da mansão. Ele segura uma
taça de champanhe, eu seguro outra e caminhamos lentamente pelo calçamento do quintal arborizado
rindo de um comentário inadequado de Filippo sobre a barriga de um senhorzinho que estava na
festa. Certeza que eu e ele vamos de mãozinhas dadas para o inferno via tobofogo.
— Seu irmão é muito ciumento? — pergunta de repente, mudando de assunto assim que nos
recuperamos do ataque de risos. Viro-me na sua direção e sinto um sopro gostoso de brisa noturna
contra meu rosto.
— “Se tornou” seria o mais correto. Leandro nunca foi do tipo que possessivo e ciumento em
relação aos meus namorados.
— Me deixa adivinhar: isso mudou quando algum idiota te magoou?
Eu suspiro e assinto, voltando-me para frente.
— Ele jurou que ia mudar — digo com um sussurro e o olho muito rápido. — Danilo se
parece com você.
Filippo franze o cenho.
— Duvido que alguém no mundo seja tão bonito quanto eu.
Rio e o empurro com os ombros.
— Não fisicamente. Ele também trocava mais de mulher do que de roupa.
— Ah. — É tudo que diz, o tom um pouco chateado.
— No começo, não era nada sério. Nos víamos de vez em quando, transávamos, e cada um
seguia sua vida. Eu não exigia exclusividade dele, ele não exigia exclusividade de mim. E foi um
acordo que funcionou pra nós dois por um tempo. Um dia, o Danilo me disse que estava apaixonado,
que não queria saber mais de nenhuma mulher e me pediu em namoro.
A pausa que faço deixa claro que ele mentiu. Nos primeiros meses, acredito, sim, que fui a
única na vida dele e não faço ideia de quanto tempo sua fidelidade durou. Nós ficamos apenas dois
anos juntos, e por pelo menos um ano e meio fui manipulada de um jeito quase imperceptível.
— Isso explica por que o Leandro parecia prestes a comer meu fígado.
Sorrio um pouquinho e concordo.
— Em certos aspectos, você é como o Danilo. Ele só estava preocupado, Filippo.
— Entendo. Entendo mesmo. Se lembra que também tenho uma irmã que foi magoada por um
idiota qualquer? — Nós desviamos o percurso, saindo do calçamento e caminhando pelo gramado
bem aparado até uma árvore. Filippo encosta contra o tronco e bebe um gole do seu champanhe. —
Diferente do Leandro, eu sempre fui ciumento com a Paola, sim. — Abro um sorriso e olho para o
champanhe na minha taça. — Só queria protegê-la de caras como Danilo. E veja bem, Bianca, eu não
sou ele.
— Disse o mesmo para o Leandro.
— Eu não vou dizer que nunca magoei uma garota com quem saí, porque magoei, mas nunca
foi proposital. Uma ou outra se apegava demais, preferia ser franco e não nos vermos mais. É claro
que isso magoava. Nunca joguei com nenhuma delas, nunca fiz promessas de amor ou de mudança.
Não sou homem de uma mulher só, não sou de me apaixonar. Se um dia eu, improvavelmente, entrar
em um relacionamento, a partir do momento que não bastar estar só com uma garota, com toda certeza
não vou trair. Nesse aspecto, mamãe me criou muito bem.
Eu deveria acreditar nas suas palavras? Minha experiência diz que não, mas eu acredito. Uma
dor acerta meu coração por estar dando tantos créditos a Filippo sem ao menos conhecê-lo e tento me
apegar mais ao que o diferencia do meu ex-namorado do que ao que o assemelha. Danilo se gabava
demais sobre sair com outras garotas, de dormir com elas, fazia comentários que, hoje eu sei que são
nojentos e inadequados ao expor a intimidade que tiveram juntos. Tudo girava em torno dele e de
como era incrível na cama.
Filippo faz uma piada ou outra sobre ser um amante excepcional, às vezes tem um ego que me
impressiona e também é convencido, mas tudo isso em uma medida que o diferencia demais de
Danilo. Do pouco que interagi com ele, em nenhum momento o centro das atenções foi sua vida, suas
conquistas, ou seu pau majestoso. Eu me senti acolhida e ouvida com Filippo como não tinha me
sentido há muito tempo com alguém.
— Se você não é homem de uma mulher só, como pretende pagar a aposta? — pergunto com
alguma graça. Eu topei essa loucura de sairmos por um mês e entramos em acordo que não é
exclusivo, talvez nem role sexo, só beijos e encontros. Hoje marca o início desse período.
Ele dá de ombros.
— O Liam sabe que posso não pagar, mas já diria minha avó “Deus está vendo.” — Balanço
a cabeça em negativo e abro um sorriso. — Não vou ficar em paz com a minha consciência se eu ao
menos não tentar.
— E se você não conseguir?
Outra vez, ele não se importa.
— Vou admitir que Liam estava certo, apenas.
— Em relação a quê?
— Que não sei controlar meus instintos sexuais. — Entreabro os lábios para respondê-lo,
mas ele se apressa e diz: — Não é como se eu fosse sair por aí agarrando meio mundo no meio da
rua. Liam só quer provar que sou incapaz de resistir a um rabo de saia não importa a ocasião.
— Ué, mas isso está bem óbvio.
Ele gargalha de um jeito delicioso e toma um gole do seu champanhe.
— Bom, vou pagar a aposta pra provar agora pra você também que eu sou capaz de me
controlar, sim. Ora essa, vocês estão achando que eu sou algum animal irracional, é?
Assinto vigorosamente, e Filippo vem até mim, dando-me um beliscão na costela. Tento fugir
dos seus dedos, mas ele é mais rápido e mais forte e consegue me prender com facilidade. As taças
nas nossas mãos caem no gramado enquanto eu rio alto por conta das cócegas. Quando ele para, nós
trocamos um olhar que faz meu estômago apertar. Para quebrar o clima esquisito, as batidas de um
remix lento de In the End ressoam pelo sistema de som instalado no jardim. Sem que eu espere,
Filippo me puxa pelas mãos e me segura pela cintura.
— O que está fazendo? — pergunto, embora a resposta seja bastante óbvia.
— Te tirando para uma dança — responde com um sussurro, seus olhos presos nos meus.
Apoio uma mão no seu ombro e deixo seus movimentos lentos me conduzirem.
— Você mentiu pra mim — pontuo, sem cessar nosso contato visual.
Suas sobrancelhas vincam, o que indica que está confuso.
— Quando menti pra você?
I tried so hard and got so far
But in the end, it doesn't even matter
I had to fall to lose it all
But in the end, it doesn't even matter

— Me disse que era bom em tudo que fazia. Você dança muito mal, se quer saber.
Filippo gargalha do seu jeito gostoso e aperta mais os dedos na minha cintura.
— Algum defeito eu tinha que ter. — Rimos juntos por um instante. — Talvez exista meia
dúzia de coisas em que sou péssimo — admite, um sorriso iluminando todo seu rosto. Seus olhos se
desviam de mim por um segundo, por cima dos meus ombros, e quando estão de volta, ele sussurra:
— Eu acho que deveríamos nos beijar. Agora.
Pisco duas vezes, as batidas do remix acompanhando o compasso do meu coração e o
movimento do meu corpo grudado no dele.
— Te beijar?
— Benício está caminhando para cá. — Filippo dá de ombros ao mesmo tempo em que um
brilho malicioso surge nas suas íris claras. — Pouco demonstramos afeto um para o outro lá dentro.
— Giro por baixo do seu braço e colido contra peito suavemente ao voltar. — Ele não parecia muito
convencido do nosso namoro. Acho que para convencê-lo de vez, devíamos mesmo nos beijar.
— Você não está se aproveitando disso, está?
— Nem um pouquinho. — Seu tom, contudo, me diz o completo oposto.
É um cretino mesmo.
Sem pensar muito, eu simplesmente me inclino na sua direção e o beijo. Nossos corpos não
param de se mexer ao ritmo lento do remix, e nossas bocas acompanham o mesmo compasso. Sua
boca na minha é firme, macia e úmida. O aroma da sua pele — uma mistura de notas de madeira e
uísque do perfume que usa — faz minhas pernas amolecerem.
Sem que eu perceba, já estou entregue.
Encerro nosso beijo com um selinho suave e Bianca se afasta com um sorriso encabulado.
Não queria ter de admitir que estou ligeiramente deslocado e sem graça com o momento, sem saber
muito bem o que dizer (em todos os anos nessa indústria vital, é a primeira vez que isso me
acontece), mas não sou orgulhoso a esse ponto. Eu estou deslocado e sem saber o que dizer dessa
situação. Para minha sorte — ou para o meu azar —, Benício se aproxima de nós, as mãos nos
bolsos, o sorriso falso no rosto.
— Desculpem interromper o momento do casal. — Ele nos aborda, e o tom é claramente um
deboche. Abraço a cintura de Bianca e a aperto contra meu corpo, uma parte de mim odiando que eu
esteja me comportando como se ela fosse minha, marcando território, a outra parte me aconselhando
a não me preocupar com isso. — Seu Garcia vai encerrar a festa com um pronunciamento e quer
todos os convidados reunidos.
— Já estamos indo, obrigado.
Ele assente e se vira para sair. Quando está longe o suficiente, eu me viro para Bianca e
sussurro:
— Se eu aparecer morto e esquartejado, já temos um suspeito.
Ela ri e aperta meu braço, a cabeça apoiada meu ombro.
— Que tal uma foto? — sugiro e pego o telefone do bolso. — Um registro por encontro pra
provar pro Liam que sou um cara comprometido quando quero.
— Tudo bem.
Bianca apoia as duas mãos nos meus ombros e eu aperto sua cintura com uma das mãos; com
a outra, bato a foto. Ela pede para ver se ficou boa e gosta do que vê.
— Me manda depois.
Esquecendo as taças jogadas no gramado, voltamos para o salão, Bianca enroscada nos meus
braços e eu estranhamente amando nosso contato. Lá dentro, o velho Garcia faz seu discurso,
agradece a presença de todos depois de contar a trajetória de trinta anos de sua imobiliária e encerra
a festa sob salva de palmas. Deixamos o local assim que as pessoas se dispersam. Umas vão embora,
outras vão cumprimentar o anfitrião. Na saída, pego nossos capacetes e seguimos até minha moto.
— Está com frio? — Tiro meu paletó e a ajudo a vestir a peça.
— Obrigada — agradece com um sussurro.
Bianca aperta bem minha cintura ao montar na garupa e sorrio ao sentir seus braços em torno
do meu corpo. Corto as ruas noturnas da cidade gostando da sensação do vento contra meu rosto e do
calor dela em mim sem um motivo que eu possa explicar ou compreender. Meia hora depois, estou
estacionando na frente da sua casa. Ela desmonta da moto e me entrega o meu paletó e o capacete
logo depois que retiro o meu.
— Preciso te agradecer por ter sido meu repelente essa noite. Me salvou de ter que aturar o
Benício.
Ainda na moto, depois de vestir o blazer, eu faço uma reverência.
— Sempre que precisar, senhorita.
Ela vem até mim e deixa um beijo no meu rosto em sinal de despedida.
— Ocupada amanhã?
— É sábado, a casa fica lotada. Vou trabalhar até de madrugada, mas estarei livre até por
volta de quatro da tarde. Por quê?
— Para nosso segundo encontro de trinta. — Ela ri baixinho e move a cabeça de um lado a
outro. — O que posso fazer se sou um cara comprometido?
— Onde pretende me levar?
Sorrio misteriosamente.
— É surpresa. Posso te pegar às nove?
Ela arregala os olhos e depois franze o cenho, como se fazendo uma conta mental de quanto
tempo tem de sono daqui até lá.
— Nove da manhã? — Suspira, mas por fim, cede. — Tudo bem.
— Roupas confortáveis e tênis. Me encarrego de todo resto. — Visto meu capacete de volta,
engancho o dela no meu braço esquerdo e nos despedimos. Espero que ela entre e feche a porta para
só então eu partir.
No dia seguinte, antes de ir buscar Bianca, eu dou um pulo no apartamento de Liam. Toco a
campainha uma única vez — nosso código para ele saber que estou chegando — e insiro a senha da
sua fechadura eletrônica. Mal abro a porta e Zacky, o labrador de estimação do meu melhor amigo,
vem de alguma parte do apartamento em alta velocidade, suas patas derrapando no piso. O cãozinho
pula em mim, todo animado e pedindo por carinho. Afago suas orelhas e brinco com ele por um
minuto até Liam surgir, vindo da cozinha. Ele está com cara de quem acordou não faz muito tempo,
calça de pijama, sem camisa, cabelo desgrenhado, descalço e uma caneca preta nos dedos.
— Veio me dizer que durante a festa deu uma escapada e comeu outra garota? — Não faz
muito tempo que contei que ia sair com Bianca e que ela é a escolhida para eu passar os trinta dias
mais longos da minha vida.
Reviro os olhos e ignoro seu comentário idiota.
— Não olhei nem para os lados se você quer saber.
Liam expressa surpresa e toma um gole do seu café — dá para saber por causa do
apartamento infestado pelo aroma da cafeína.
— Foi só o primeiro dia. Ainda temos outros pela frente. Duvido muito que resista ficar com
uma mulher só — alega e dá de ombros. — Mais cedo ou mais tarde, vou provar minha tese.
— Tem café? — Mudo de assunto e passo por ele, indo até sua cozinha. Sirvo-me de uma
dose da bebida recém-preparada e abro um dos seus armários em busca dos chocolates caros que eu
sei que ele tem. Pego uma barra de uma marca suíça e me apoio na ilha no centro da cozinha.
— Pode comer, fique à vontade — Liam resmunga, e eu gargalho. Abro a embalagem e
destaco dois-quintos da barra. Ofereço um-quinto para ele e fico com o outro. — Por que está aqui
justamente em um sábado… — confere o relógio na parede perto da geladeira — oito e quinze da
manhã? — Em seguida, ele morde um pedaço do seu doce.
Dou uma mordida na minha porção de chocolate e bebo um gole do café. Está sem açúcar,
porque é como Liam toma, mas o doce do chocolate ajuda a amenizar o amargor.
— Só vim atazanar mesmo — provoco e vejo o indício de um sorriso surgir nele. — E contar
que estou indo para meu segundo encontro com a Bianca. Te mantenho informado.
— Como foi a festa? — pergunta e vira outra dose de cafeína.
Conversamos sobre isso por uns dez minutos até que eu preciso ir ou vou me atrasar.
— Vai mesmo trabalhar o sábado inteiro? — indago quando Liam me acompanha até a porta.
— Se quiser, pode vir comigo e com a Bianca. Não é nenhum encontro romântico, sabe? Não vai
ficar segurando vela. Não pode continuar se entupindo de trabalho para superar a Paola, Liam.
— Vou trabalhar porque preciso, Filippo, não porque quero esquecer sua irmã. — Ele está
mentindo muito mal, mas decido não contestar. — Além do mais, não vou trabalhar o sábado todo. À
tarde, vou levar Zacky para passear.
Depois disso, nós nos despedimos e eu garanto que vou encher seu celular de fotos minhas
com Bianca durante nosso passeio. Ele diz que é desnecessário, mas eu faço questão. Liam começou
essa guerra, agora vai me aturar.

Leandro vai chamar a irmã para mim e eu fico no meio da sua sala, esperando. Regulo as
alças da grande mochila nas minhas costas e troco o peso das pernas, reorganizando o discurso
novamente. Uma vez de volta, sou informado:
— Ela está terminando de se arrumar. Pediu cinco minutos.
— Certo.
Ele procura pelas horas no relógio e suspira.
— Preciso ir para o bar. ​ — Ergue os olhos na minha direção. — Mas vou esperar vocês pra
sairmos juntos.
Prendo uma risadinha e assinto.
— Como quiser. Aproveito pra conversar com você, se não se importar. — Já que ele não vai
me oferecer o sofá, eu tiro minha mochila e me sento sem convite mesmo. Ele cruza os braços e
aparenta não gostar nada, nada do meu atrevimento. — A Bianca me contou a história dela com o ex-
namorado.
— Então entende por que não gosto de você e muito menos dessa história de saírem mais que
o necessário. Ela ter te usado de repelente ontem, tudo bem, compreendi. Mas hoje? Nem sei para
onde está levando minha irmã.
— É uma trilha — respondo de imediato. — Uma trilha que leva ao topo do Pico de Santa
Mônica. É um acesso completamente seguro e ela vai ter uma vista panorâmica a uns trezentos metros
de altura.
As sobrancelhas de Leandro ficam mais expressivas.
— Se isso era para me deixar menos preocupado em relação a você, não deu certo. — Abro
um sorriso pequeno e movo a cabeça de um lado a outro. — Está falando em levar minha irmã para o
meio do nada, por uma trilha que leva a uma rocha de trezentos metros de altura. Eu deveria te
expulsar daqui agora mesmo.
— Você sabe que eu também tenho uma irmã caçula, não sabe? Ela está em processo de
divórcio depois que descobriu que o marido chegou a ter uma vida dupla. Eu só não quebrei a cara
do filho da puta porque ela me impediu, mas confesso que todo dia fico tentado em ir até a casa dele
e dar a surra que ele merece.
— Onde quer chegar com isso tudo, Filippo?
— Eu entendo que esteja preocupado com a Bianca, preocupado que eu seja um cretino idiota
que vai magoá-la.
— E quer que eu confie em você?
Pondero seu questionamento.
— Quero que me dê a chance de conquistar sua confiança. E, principalmente, quero que pare
de me olhar como se fosse almoçar meu fígado com especiarias.
Ele segura o riso e parece ficar mais relaxado. Leandro está para dizer alguma coisa quando
a irmã aparece vestindo tênis, camisa regata e short de moletom. Ela nota um pouco da tensão entre
nós e pergunta o que há.
— Nada ​— Leandro responde e vai até ela, dando-lhe um beijo na testa. — Filippo só estava
tentando me convencer que é um cara decente.
— Você não acreditou, não é?!
— Ei! — protesto.
Nós três rimos por um instante.
— Divirtam-se — Leandro deseja. Ao se virar para mim, aponta na minha direção e
completa: — Se pisar na bola com a Bianca, vai ser a primeira e última vez.
Depois do seu aviso-barra-ameaça, seguimos até meu carro estacionado no meio-fio. Bianca
quer saber aonde vamos para que eu precise de uma mochila tão grande. Conto sobre nosso circuito e
que na mochila tem tudo que possamos precisar: água, lanches, repelentes, protetor solar, kit de
primeiros socorros. Bianca não parece muito feliz com nosso programa dado ao modo como bufa
enquanto atravessa o cinto de segurança.
— Qual é o problema? — pergunto, acionando a seta e saindo com o carro.
— Sou preguiçosa — reclama. — Vai me levar por uma trilha de… quantos quilômetros?
— Deve ter uns quatro ou cinco, ida e volta.
Ela geme de frustração de novo e dou um murro leve no seu ombro.
— Vai ser divertido, garanto.
A viagem até o ponto turístico dura cerca de quarenta minutos. Deixo o carro em um
restaurante pouco antes do início da trilha, redistribuo o peso da minha mochila em uma segunda que
eu trouxe e entrego para Bianca. Nós nos preparamos para a caminhada — passamos protetores e
repelentes, comemos um lanche leve e nos hidratamos um pouco — e só então começamos a trilha.
O percurso até o topo do complexo rochoso, chamado de Pico de Santa Mônica, é cercado
pela mata local e é bem-sinalizado com placas para que os turistas e visitantes não se percam. A
dificuldade maior é o ganho de elevação, que aumenta conforme avançamos. Bianca resmunga um
pouco pelos primeiros minutos de caminhada, e eu só faço rir, mas logo começa a aproveitar o clima
gostoso que nos envolve, a paisagem ao nosso redor e se encanta com alguns animais que cruzam
nosso caminho.
— Não é a primeira vez que vem aqui, é? — Bianca pergunta.
Ao me virar na sua direção — estou alguns passos à frente —, ela está se desviando de uma
pequena depressão no terreno.
— Não, não é. Já fiz essa trilha um monte de vezes, a maioria delas com clientes do Aventura
Selvagem. Na primeira vez que fiz o percurso, estava me preparando para escalar a rocha pela face
norte. Eu tinha dezessete anos, e Mattia estava me acompanhando. Dois meses depois, fiz minha
primeira escalada esportiva.
Sem perceber, eu sorrio com a lembrança. Eu me recordo do frio da barriga que senti aos
dias que antecederam nossa aventura, todo o meu preparo por semanas, tantas delas nas horas vagas
do meu irmão, que à época já estava cursando medicina. Depois, o frio na barriga do Dia D, quando
escalamos o complexo.
— Você realmente ama se aventurar, não é, Filippo?
Bianca agora me alcançou e, apoiando a mão no meu ombro, me faz parar um instante para
recuperarmos o fôlego e bebermos um pouco de água.
— Na mesma intensidade que você ama o seu bar.
Continuamos o trajeto conforme conto como surgiu minha vontade de ser alpinista e
escalador, de ganhar dinheiro com isso. Muito teve influência do meu irmão mais velho, mas
enquanto para ele era só um hobby, um modo de superar seus limites, se conectar com a natureza e
ser uma via de bem-estar mental, para mim, era muito mais que isso. Eu comecei a levar mais a sério,
mais do que um passatempo, e hoje é como eu ganho a vida.
Alguns quilômetros, horas e muitas fotos depois, vencemos a trilha. A mata ao nosso redor
começa a se dissipar e a elevação diminui. Um instante depois, estamos no alto da rocha, a trezentos
metros de altura. Bianca abre um sorriso enorme, maravilhada com a paisagem que se estende na
frente dos nossos olhos. Uma brisa deliciosa sopra aqui no alto e nos refresca do calor. Enquanto ela
contempla a paisagem, retiro nossas garrafinhas de água e sorvo um gole bastante longo. Ela vem até
mim e pega a sua, também se hidratando.
— Esse lugar é lindo — diz, os olhos correndo para o vale lá embaixo. — O sacrifício da
trilha vale muito a pena.
Aproximo-me dela e fico ao seu lado, minha mão sem querer esbarrando na sua, e também
contemplo a paisagem. Já vim ao topo pela trilha um milhão de vezes, já a escalei quase a mesma
quantidade, mas a sensação de estar aqui no alto, de poder apreciar a natureza por todos os lados, é
sempre única e incrível.
Encontramos um local para descansarmos antes da descida, aproveitamos o momento para
forrar o estômago com o restante do lanche e um chocolate para cada, que estava em um pequeno
cooler para não derreter.
— Quantas garotas você já trouxe aqui? — questiona e bate uma mão na outra para limpá-las
do farelo do pão. — É um encontro bem diferente preciso admitir.
Rio um pouco e desembalo meu chocolate, dando uma mordida em seguida. Deixo o caramelo
que faz parte do recheio derreter na minha língua antes de engolir e responder:
— Você é a primeira.
Ela me encara seriamente.
— Mentira.
— É verdade — reafirmo, com um sorriso encabulado. — Que mulherengo de araque, não é?
— Ela ri e me empurra com os ombros. — Eu nunca fiquei com uma garota por tempo suficiente para
levá-la a uma trilha ou ao menos sugerir esse tipo de programa. Mesmo quando eu saía com uma que
eu conhecia nas expedições, só escalávamos juntos, não era nem de longe um encontro.
— Qual foi o maior período que já ficou com uma única mulher, Filippo?
Franzo o cenho, pensando na sua pergunta.
— Não sei. Talvez… algumas horas?
Bianca ri e volta o olhar para a vista daqui de cima.
— Estou me sentindo lisonjeada por ser a primeira garota que você traz para uma trilha. —
Seus olhos se voltam para mim e estão ligeiramente sérios. — Se não tivesse que ter de provar ao
Liam que sabe, sim, manter o pau dentro das calças, eu teria esse privilégio?
— Provavelmente não — admito. — Talvez eu apenas teria te procurado para terminamos o
que começamos no banheiro do Mattia e só. No máximo, ia manter contato para quando você
quisesse um sexo gostoso, safado e sem compromisso. — Giro o dedo no ar, indicando o nosso
redor. — Isso aqui não ia acontecer. Ontem à noite não ia acontecer.
— Você trepa e vai embora — aponta, mas sem qualquer mágoa, raiva ou julgamento. É só
uma constatação.
— Na grande maioria das vezes. E sempre deixo muito bem claro que sou tipo que trepo e
vou embora. Todas dormem comigo sabendo disso, sabendo que não vai ter encontro romântico ou
qualquer coisa assim.
— Um canalha honesto e sincero — brinca. — Você deve ser o único da sua espécie.
Eu me levanto e a puxo pelos punhos. Bianca resiste um pouco, diz que está cansada e se
depender dela, vou ter que carregá-la nas costas morro abaixo, mas consigo fazê-la se pôr de pé.
Seguro sua mão e, com certo cuidado, levo-a até próximo da borda da rocha.
— Pelo amor de Deus, Filippo! — protesta. — Eu sou muito nova para morrer.
Rio e a seguro pela cintura, mantendo-a a uma distância segura da borda mais perigosa,
delimitada por uma corda vermelha.
— Aproveite a vista e o vento contra seu rosto, Bianca. E vamos bater uma foto em um ângulo
magnífico — digo, já retirando o telefone do bolso da minha bermuda e preparando a câmera.
Posiciono a lente de um modo que fique enquadrado todo o vale atrás de nós e bato a fotografia.
— Também vou querer essa — pede assim que nos afastamos das proximidades da borda. —
Ficou muito boa. Não esquece de me mandar. Estou esperando a de ontem ainda.
Sorrio e garanto que vou enviar para ela assim que obtivermos sinal, da mesma maneira que
vou enviar todas as fotos que tiramos no percurso para Liam. Na caminhada de volta, batemos muitas
outras fotografias e me sinto completamente contagiado pela alegria de Bianca. Ela ficou feliz pelo
nosso pequeno passeio — apesar de ter relutado e reclamado no começo — e isso me dá uma
sensação gostosa de felicidade. Não me lembro de algum dia ter sentido uma alegria igual quando
estava com uma garota.
Por que isso mexe tanto comigo?
Deixo Bianca na porta da sua casa por volta de quatro e meia da tarde. Depois que
terminamos a trilha, fomos até um restaurante nas redondezas e almoçamos bem, finalizando o dia
com sorvete na casquinha e uma caminhada leve até o carro.
— Não sei como vou conseguir trabalhar das seis às duas da manhã — ela reclama,
desprendendo o cinto. — Sua trilha me deixou exausta.
— Prometo que deixo você descansar amanhã.
Ela ri baixinho e dá um tapa no meu ombro.
— Quando vejo você de novo? — pergunta.
O questionamento pesa no meu estômago de um jeito estranho. Não ouvi essa frase com muita
frequência nos últimos vinte e nove anos. Eu não mantenho frequência com uma mesma mulher. No
máximo, três encontros, porque depois disso elas começam a se apegar demais. Às vezes, uma ou
outra com quem já fiquei me procura para uma safadeza, mas nada que ultrapasse duas vezes no mês,
nada que seja constante demais, e na maioria das vezes, elas só querem isso mesmo: uma safadeza.
Bianca e eu já nos vimos três vezes — contando o domingo em que trepamos no banheiro do
meu irmão —, e em qualquer outra ocasião, eu daria por encerrado nossos encontros. Mas acontece
que com ela foi diferente demais. Tirando a primeira vez, os outros dois não envolveram sexo, então
estou na dúvida se entra para minha conta ou não porque nunca me encontrei com uma garota sem ter
feito sexo com ela. De qualquer forma, preciso continuar a vê-la para pagar a aposta com Liam.
Restam vinte e oito dias.
— Te mando uma mensagem. Preciso dar uma olhada na minha agenda. Sei que na semana que
vem estou cheio de trabalho. Muito turista na cidade querendo um guia para os pontos de aventura
nas redondezas.
Ela assente e se inclina para deixar um beijo no meu rosto. Eu me viro um pouquinho, o
suficiente para sua boca encontrar o canto da minha. Bianca se assusta com o movimento inesperado
e recua um centímetro, ficando longe de mim só por um segundo. Nosso beijo é calmo, devagar, bem
molhado e de língua. Gostoso pra caralho.
— Até mais, Filippo — sussurra, os lábios muito perto dos meus.
— Até. — Suspiro devagar quando ela deixa o carro e fecha a porta. Acompanho-a entrar em
casa. Ajeito meu pau que ficou duro dentro das calças só com o beijo dela e me praguejo por ter
aceitado essa idiotice do meu melhor amigo.
Preciso de um esforço muito grande para não procurar por uma garota que resolveria meu
problema.
Droga, Liam.

“Eu já entendi que passou o sábado com a Bianca, não precisa me encher mais de imagens,
Filippo”.
Rio da mensagem de Liam e seleciono as últimas trinta fotos que tirei com Bianca para enviar
para ele.
“Faço questão que veja uma por uma”, escrevo assim que envio as fotos. “Você começou,
agora me aguenta”.
— Tire os pés da mesinha de centro, Filippo — mamãe me adverte, vindo da cozinha.
É domingo e, como de costume, a família inteira se reúne para o almoço — um hábito que
meu pai faz questão de manter. Mattia está na escala noturna, então hoje a família está toda completa:
os três filhos e os três netos. Papai está radiante porque nas últimas semanas foi difícil de reunir todo
mundo. Minha mãe pega meus pés e os apoia no chão quando não a obedeço. Eu me ajeito no sofá e
encaro seu olhar reprovador.
— Falo cinquenta vezes para não colocar o pezinho na mesa de centro, mas você escuta?
— Escuto, só não obedeço. — Dona Louise tira o pano de prato de cima dos ombros e me
bate com ele. — Ai, mãe!
— Engraçadinho e com as mesmas manias do seu pai. Eu passo o dia mandando que ele tire
os pés da droga da mesinha de centro.
Levo a mão aos lábios, sufocando uma risada maior. Eu cresci vendo minha mãe implicar
com meu pai por causa disso. Chegava a ser divertido porque muitas vezes papai fazia de propósito,
só para irritá-la.
— O almoço está pronto. Vou servir na churrasqueira, não demore.
Assinto e assim que ela se vira para sair, apoio os pés na mesa de centro. Sem sequer se virar
para mim, minha mãe adverte em alto e bom som:
— Filippo, os pés!
Gargalho e a obedeço, mantendo os pés longe da sua preciosa mesa. Confiro a resposta de
Liam em relação às minhas trinta últimas imagens, e ele mandou apenas um emoji de carinha
descontente, bem rabugento igual a ele. Em resposta, envio um chorando de rir e depois um “Te vejo
mais à tarde pra assistirmos a partida das quartas de final?” e fecho o aplicativo. Caio diretamente na
galeria de fotos, lotada de imagens da trilha e de Bianca. Pego-me fixando os olhos em uma em
específico, tirada na ida. Ela encontrou um esquilo e estava alimentando-o. Agachada no meio da
trilha com um sorriso enorme, as mãos estendidas e o bichinho se aproximando dela, desconfiado.
Fico muito tempo aqui, preso no sorriso de Bianca, na felicidade que emana da sua postura, até
passar para as próximas — sequência da anterior — que mostram o pequeno animal comendo na mão
dela.
Vou passando as imagens distraidamente, sentindo meu coração bater diferente com cada uma
delas, em especial, com as que tiramos juntos. Sem pensar muito bem por qual motivo, eu escolho a
do alto da pedra — a que tiramos perto da borda — e posto nas minhas redes sociais sem qualquer
legenda. Procuro pelo perfil da Bianca e a marco em seguida.
— Filippo, o almoço! — mamãe me chama de novo, e eu corro para fora.
No jardim, todos já estão reunidos em torno da mesa. Meu pai em uma ponta, Mattia e a
namorada Lauren à direita, intercalados pelos trigêmeos, mamãe na outra ponta, e Paola à esquerda.
Já tem um prato para mim no meu lugar, mamãe com toda certeza montou, então só me acomodo. Meu
telefone me notifica de uma mensagem e confiro a resposta de Liam. “No seu apartamento ou no
meu?”.
— É o Liam? — ao meu lado, Paola pergunta cuidadosamente e espia minhas mensagens. —
Ele está bem?
— Ele diz que sim, mas sei que tem sofrido por sua causa.
Paola suspira e desvia o olhar. Não queria ter criado essa tensão em torno da mesa, mas foi
ela quem perguntou! O que eu deveria dizer? Que ele está bem e até se apaixonou por uma mulher
que pode retribuir os sentimentos dele?
— Mudando de assunto — papai intervém para quebrar o clima —, encontrei com Arnaldo
Garcia no supermercado mais cedo hoje, quando fui comprar os ingredientes do almoço, e veja, ele
me disse uma coisa engraçada. — Lá vem. — Que conheceu sua namorada na sexta à noite.
Mattia, de frente para mim, tosse como se tivesse se engasgado com um pedaço do seu bife
Wellington, e eu não sei se ele está sendo sarcástico ou se de fato ficou surpreso demais com a
informação que se engasgou de verdade. Minha mãe me envia um olhar enviesado, e Paola exclama
um “Que namorada?!”.
— Eu disse que você não tinha uma namorada, não até onde eu estava sabendo, mas o homem
insistiu e tudo mais. Está namorando há mais de um mês, inclusive. Por que nenhum de nós aqui está
sabendo disso?
— Não é um namoro — trato de explicar. — A Bianca…
— Bianca? — Lauren se intromete pela primeira vez. — Minha melhor amiga?
Então, de repente, eu vejo que preciso explicar com detalhes o que minha família não tinha
necessidade de saber. Não vou mesmo falar que levei uma portada no meio das fuças porque estava
comendo uma garçonete do bar da Bianca e que por causa disso fui servir de namorado de mentira na
festa do seu Garcia.
— A própria. Olha, depois daquele domingo que fiquei com os três… — Mattia resmunga
algo sobre minha safadeza no seu banheiro, mas ignoro — nós mantivemos contato e a Bianca acabou
me pedindo um dia desses para que eu a acompanhasse à festa do seu Garcia pra servir de repelente.
Um tal de Benício não larga do pé dela. Por isso, inventamos essa história de namorados.
— Olha só — Paola diz e eu me viro na sua direção, que aponta para os pelinhos do próprio
braço. — Fico até arrepiada com o tropo de namoro de mentira.
Minha mãe e Lauren riem, mas eu franzo o cenho, sem entender direito. Procuro por Mattia e
meu pai, para ver se eu sou o único lerdo aqui, e pelas expressões deles, sou mesmo.
— O que isso significa?
— Ai, Filippo! Precisa ler um pouco mais de romance. Tropo de namoro de mentira…
quando, na ficção, dois personagens fingem um relacionamento e se apaixonam no final!
— Está insinuando que vou me apaixonar pela Bianca? — Bato a mão na mesa, espantando o
mau agouro. — Está doida, Paola? Isso nunca vai acontecer comigo.
— Não aprendeu nada com essa família, Filippo? — Mattia intervém. — Todo mundo ao
redor dessa mesa tem uma história digna de um bom livro de romance. A mamãe com o papai, eu com
a Lauren. — Ele pega na mão da namorada só por um segundo porque depois precisa impedir que o
pequeno Gabriel jogue arroz para todo lado. — A Paola com o Liam, apesar de eles não terem se
entendido. Ainda.
Minha irmã suspira e o sorrisinho debochado que tinha até então simplesmente desaparece.
Pimenta nos olhos dos outros é refresco, né, palhaça?
— Em breve, você — Mattia completa.
Solto uma risada esganiçada e balanço a cabeça de um lado a outro.
— Essa gente inventa cada coisa — digo, mantendo o bom humor.
Ninguém diz mais nada em relação a isso, mas os sorrisinhos neles, aqueles que me dizem
que estão prontos para pagar para ver, me perseguem por todo o restante do almoço.
Eu me acomodo em uma das banquetas no balcão do bar e procuro por ela entre os
funcionários. Bianca está atarefada com uma coqueteleira, batendo algum drinque enquanto conversa
com outra funcionária, e demora a me notar aqui. Surpresa atinge seus olhos castanhos no instante em
que me vê, um sorriso logo aparecendo no seu rosto.
Ela acena rapidamente para mim e passa a coqueteleira para a funcionária, dando uma última
instrução e apontando para algum canto do bar antes de vir até mim.
— Estou na dúvida se veio até aqui por minha causa ou se porque gostou do bar — ela diz,
debruçando-se sobre o balcão e falando um pouco mais alto para que eu possa ouvir por cima de um
solo de bateria que ressoa no ambiente.
Abro um sorriso de lado e também me inclino na sua direção.
— Talvez eu tenha vindo pelos dois motivos.
Bianca sorri e me entrega o cardápio de bebidas. Passo os olhos pelas opções e um em
especial me chama a atenção. Highway to Hell. Confiro os ingredientes e entendo o porquê do nome.
— Quero um desses — digo, apontando para o nome do drinque. Ela assente e se retira por
um instante para buscar tudo o que precisa para a bebida.
Durante o intervalo que está ausente, sinto alguém se aproximar de mim. Ao me virar para o
lado, deparo-me com uma morena espetacular. Alta, saia de couro curta, cropped preto que tem um
decote bastante generoso, cabelos longos e lisos, maquiagem pesada.
— Posso me sentar ao seu lado?
— Fique à vontade.
— Sozinho ou acompanhado?
Entreabro os lábios, sem saber o que responder. A resposta é bastante óbvia, porque eu estou
sozinho, mas tecnicamente, estou acompanhado, embora minha companhia esteja do outro lado do
balcão preparando as bebidas. Pensando nela, eu procuro por Bianca, que está estática no meio do
corredor do bar segurando uma garrafa de vodca numa mão e a forminha de gelo na outra, olhando
para cá. Ela parece notar que está nos encarando e volta a se movimentar. Apoia tudo no balcão e
começa a preparar meu drinque.
— Sozinho — respondo, por fim, e me viro para a morena. — Sem qualquer interesse sexual,
entretanto. — O que é uma mentira porque em qualquer outro momento da minha vida só levaria dez
minutos para eu estar no estoque do lugar fodendo essa garota, mesmo com o risco de levar outra
portada na cara.
A morena ri um pouco e desvia os olhos para quem vem atendê-la. Leandro. Ele me manda
um olhar nada gentil antes de anotar o pedido da cliente.
— Você não gosta de morenas? — questiona assim que Leandro se retira para preparar sua
bebida. — Talvez eu não seja o seu tipo?
Eu nem sei se tenho um tipo de mulher porque já saí com um monte delas sem me prender a
um padrão.
— Talvez eu esteja comprometido — respondo.
O que não é uma mentira. Estou comprometido comigo mesmo a provar ao Liam que sua tese
está errada.
— Sua namorada ficou em casa? — A morena apoia o braço direito no balcão em uma
posição deliberada que me dá uma visão melhor do seu par de seios. Tentação dos infernos.
— Sou comprometido com Deus. — Seguro uma risada maior ao notar a expressão de
espanto no rosto dela. — Voto de castidade, sabe? Nada de sexo antes do casamento.
Eu quero rir da minha própria idiotice, mas me seguro ao máximo para não estragar toda a
brincadeira.
— Então você é virgem?
— Não. Já fui do mundo, mas me converti há uns anos. Agora, estou comprometido com a
minha causa.
— Uma pena — ela se lamenta e não diz mais nada pelos próximos dois minutos até Leandro
vir com seu pedido, um Hi-Fi que eles nomearam de He’s a Woman, She’s a man. Ela toma o copo
em mãos e me deixa sem dizer qualquer palavra.
— O que foi que disse para ela? — Leandro pergunta, o olhar sério sobre mim. — Nunca vi
uma garota sair de perto de um homem tão rápido.
Bianca se aproxima no momento que o irmão se retira para ir atender outros clientes e coloca
o drinque na minha frente sobre um descansa-copo. Noto que ela parece um pouco estranha e isso me
deixa confuso. Ela está assim por causa da morena?
— Que fiz voto de castidade.
Leandro ri um pouco e move a cabeça de um lado a outro. Não deixo de reparar que o olhar
de Bianca suaviza logo depois dessas minhas palavras.
— Algo para acompanhar a bebida? — pergunta
— Por enquanto, não.
— Dispensou mesmo aquela garota?
Dou de ombros.
— Dispensei.
Uma sobrancelha dela sobe e ela cruza os braços.
— Admita que foi a coisa mais difícil que fez na vida.
Rio um pouquinho e beberico meu drinque. Deixo a bebida explodir na minha língua e as
sinapses do meu cérebro distinguirem os sabores.
— Você diz como se eu nunca tivesse dispensado uma mulher na vida.
— E já dispensou?
Levo as mãos ao peito, um gesto teatral de que estou ofendido com sua pergunta.
— Claro que já!
Ela assente e precisa se retirar para atender outros clientes. Eu fico por aqui, curtindo a
música, vendo-a trabalhar e observando ao redor. Vez ou outra, Bianca vem trocar algumas palavras
comigo. Numa dessas vezes, sua pergunta me pega um pouco desprevenido:
— Por que decidiu vir aqui hoje?
Eu não tenho resposta. Vi Bianca ontem e quando ela me perguntou se nos veríamos de novo,
disse que não tinha muita certeza por causa do trabalho. Mas aqui estou eu. Passei o domingo com
minha família, mas à noite, vim para cá. Vim vê-la. É estranho admitir isso. É estranho até constatar
esse tipo de coisa. Talvez até de uma forma inconsciente, eu senti essa necessidade dela. Não estou
fazendo nada além de tomar meu drinque e observá-la, mas estranhamente, isso parece suficiente
para mim.
— Só… gostei do bar. — Improviso uma resposta qualquer. — Convidei o Liam, mas ele
está injuriado comigo e com você. Te contei que enviei todas as fotos que tiramos ontem para ele?
Bianca explode em uma gargalhada deliciosa enquanto ensaboa alguns copos em uma das
cubas que tem perto do balcão.
— Tiramos umas cem fotos, Filippo!
Rio e concordo.
— Ele disse que não quer ver nossa cara por uma semana inteira.
Bianca precisa se ausentar de novo e eu continuo aqui, administrando a verdade que me
acerta assim que ela vira as costas. Eu vim porque quis vê-la. Quando retorna, muitos minutos depois
porque ficou muito atarefada, eu digo:
— Nos próximos dias, vou estar cheio de trabalho, principalmente nos finais de semana.
Depois, estarei mais sossegado. Topa mais uma aventura comigo?
— Vai me dizer para onde pretende me levar?
Movo a cabeça de um lado a outro.
— Tudo o que posso dizer é que envolve trilha e mato de novo.
Ela dá uma risadinha e concorda.
— Tudo bem. — Um cliente grita por ela do outro lado do balcão. — Me liga quando tiver
uma data. Se puder, me avise com alguma antecedência pra eu conseguir estar livre no dia.
— Combinado.

— Tem certeza que está preparado para isso? — pergunto ao Mattia, que está parado de
frente para o paredão de escalada e olhando para cima.
No terreno da sede do Aventura Selvagem, tenho um amplo espaço fechado que é uma zona
dedicada a escalada indoor[1]. Conto com uma equipe que auxilia os visitantes sem experiência com o
esporte e há todos os aparatos e suporte para a prática. É quarta-feira e o local deveria estar aberto
aos visitantes, mas fechei a agenda por causa do meu irmão mais velho. Há pouco mais de dois
meses, eu pedi que ele fizesse uma última escalada comigo para nos despedirmos da nossa vida
radical, uma vez que ele não pretende retornar para o montanhismo ou afins. Mattia me pediu um ano
para entrar em forma de novo e, principalmente, para se preparar o psicológico.
Depois do incidente na Serra da Mantiqueira, ele tentou retornar aos poucos com o esporte,
optando pela escalada indoor. No primeiro dia, nessa mesma parede, meu irmão teve um ataque de
pânico. Foi horrível vê-lo desesperado, suspenso a cinco metros do chão pelas cordas (que eu insisti
que ele usasse, mesmo sendo experiente) e pedindo para descê-lo. Desde então, Mattia não se
arriscou mais no esporte.
Há dois meses, ele começou a se preparar para o Matterhorn — a montanha que nos
propusemos para a escalada de despedida. Meu irmão não deixou as atividades físicas de lado, por
isso o treinamento dele foi relativamente mais fácil. Procuramos fazer treinos mais específicos para
o momento: corridas em cidades de maior altitude para facilitar a aclimatação e melhorar o
cardiovascular, treinos para resistência, corrida e caminhada em trilhas e montanhas, musculação e
ciclismo.
Depois desses dias todos treinando, Mattia quis tentar a escalada indoor para melhorar outros
pontos na resistência que ele perdeu no esporte por conta desses quase três anos que está sem
praticar. Então, aqui estamos. Para que fosse mais confortável e fácil para ele, fechei o local para
visitas por algumas horas.
— Não muito — ele responde com sinceridade e volta sua atenção à corda que o prende.
Para sua segurança, decidimos que ele precisa escalar equipado. Se por acaso cair, vai estar seguro.
— Doutor Fagundes começou o tratamento nesse aspecto logo na primeira consulta depois que
prometi essa última escalada — ele menciona o psicólogo que vem tratando o trauma dele e eu
assinto, esperando-o terminar de dizer. — Na sessão de ontem, ele me aconselhou a tentar enfrentar
meus medos.
Mattia inspira fundo, confere o freio no mosquetão e se vira para mim.
— Vai ter um instrutor aqui embaixo segurando a outra ponta da sua corda conforme você
escala, e eu vou estar logo ao lado. Não tem com o que se preocupar, mas se sentir qualquer medo ou
ansiedade, te descemos na mesma hora.
Chamo um dos instrutores que fica à disposição do Mattia, que precisa de um minuto inteiro
antes de apoiar a mão em um dos módulos e começar a escalada. Ele vai mais devagar que o comum,
mesmo para amadores, e eu sou paciente em seguir seus passos lentos, distante em alguns bons
metros e sem qualquer equipamento. Meu irmão sempre pensa muito bem antes de partir para o
próximo módulo, não sei se escolhendo qual melhor agarra ou se precisando de um tempo.
Estamos a uns cinco metros de altura quando Mattia simplesmente para. Noto que ele fecha os
olhos e sua respiração fica mais acelerada, a expressão dolorida e de pavor estampado em cada
centímetro do seu rosto. Ele está tendo uma crise de pânico. Chamo por ele e tento acalmá-lo.
— Quero descer, Filippo — pede, a voz amedrontada.
— Tudo bem. Vai com calma. — Observo qual a melhor agarra para eu me apoiar e chegar
mais perto dele. — Eu vou até você. Respira fundo e olha pra parede, não tira os olhos da parede,
Mattia. Esquece que está escalando, pensa nos seus filhos e em tudo de bom que trouxeram para sua
vida. Pensa na festa de aniversário deles, foi um dia incrível, não foi? Eles ficaram tão felizes.
Encontro as melhores agarras e vou ao seu encontro, movendo-me lateralmente até vencer a
distância que nos separa e alcançá-lo. Grito para o instrutor que meu irmão vai descer.
— Pode se soltar das agarras que o Humberto vai auxiliar sua descida. — Ele assente, agora
um pouco mais calmo, parecendo ter sua própria técnica para controlar o pânico.
O instrutor solta devagar os freios do mosquetão até que Mattia já está no solo, retirando o
equipamento, e eu começo a regressar. No momento em que estou a uns dois metros de altura, estico
os braços para um módulo mais abaixo e minha mão já o está alcançando quando ouço me chamarem:
— Oi, Filippo!
Sem qualquer motivo plausível ou que eu seja capaz de explicar, erro a agarra que era meu
objetivo no exato instante em que compreendo que é a voz de Bianca e simplesmente despenco daqui
de cima.
Eu me assusto quando vejo o borrão que Filippo se torna ao despencar da parede de
escalada. Um dos funcionários do local e Mattia, que estava se livrando da corda e do equipamento,
correm ao socorro dele. Tudo isso acontece dentro de um ou dois segundos, e assim que meu cérebro
entende a gravidade do que aconteceu, eu também corro na sua direção.
— Ai meu Deus! Você está bem?
Ele fica estirado no chão por alguns segundos, resmungando alguma coisa, e o irmão mais
velho começa os primeiros-socorros: verifica possíveis fraturas, cortes ou lesões — e tudo que
encontra é um joelho ralado —, pergunta o nome dele para saber seu nível de consciência e de
resposta ao chamado, enquanto o funcionário disca para a ambulância.
— Estou inteiro — ele diz, tentando se levantar, mas Mattia o faz ficar no lugar. Filippo
suspira e permanece deitado, os olhos para cima. — Que exagero, eu estou bem.
— Você bateu a cabeça — o irmão pontua. — E foi uma queda relativamente alta. Tem que ir
pro hospital.
Ficamos conversando com ele pelos próximos minutos para mantê-lo consciente até o socorro
chegar. Mattia quer entender como foi que ele conseguiu errar a agarra — Filippo é muito experiente
para ter cometido um erro bobo desses —, mas o rapaz não sabe explicar por quê.
— Acho que calculei errado a distância — justifica.
Quando os paramédicos chegam, ele é imobilizado e eu o acompanho na ambulância. Mattia
segue logo atrás com o próprio carro. No hospital, ele tem o atendimento necessário, faz os exames
que precisa e fica em observação por algum tempo até constatarmos que está tudo bem.
— Você ficou aqui esse tempo todo? — Filippo pergunta, deitado na cama de hospital. —
Tem umas duas horas que estou nesse lugar insuportável. — Ele suspira, vendo o irmão mais velho ir
avisar os pais do seu incidente e que ele não corre qualquer perigo.
— Fiquei — admito. — Queria ter certeza de que estava bem e por quê… tenho a impressão
de que fui eu que causei sua queda. Cheguei gritando seu nome. Você se assustou, não foi?
— Eu não tenho ideia do que aconteceu com meu cérebro pra eu ter errado a agarra e caído
— ele admite, com um sorriso torto. — Mas não vou mentir que ouvir sua voz não tenha sido um
fator importante.
Dou um tapinha de leve no seu peito. Depois, resvalo lentamente o indicador pelo peitoral
bem definido.
— Eu fui te procurar porque fiquei pensando numa coisa esses dias todos desde que esteve no
bar. — Ergo os olhos na sua direção e sorrio um pouquinho, gostando do brilho malicioso que
atravessa suas íris claras. Acho que ele já compreendeu o motivo de ter ido procurá-lo. — Podemos
terminar o que começamos no banheiro do seu irmão?
— Desde que não seja no meu lavabo. — Mattia surge na porta, aparentemente tendo
finalizado a ligação que fez aos pais. — Façam o que bem entenderem.
— Não vai ser no seu banheiro, prometo — garanto, um pouco encabulada.
— Está se sentindo bem? — Mattia pergunta, colocando-se do outro lado da cama. — O
médico logo vem te dar alta.
— Estou bem, Matt. Não se preocupa. Quero saber de você. Teve uma crise de pânico a cinco
metros de altura.
Olho para Mattia, surpresa com a informação. Lauren comentou que ele está fazendo
tratamento por conta do trauma do incidente deles uns anos atrás, mas não sabia que ele tinha
episódios de ataques de pânico.
— Achei que estava pronto — diz com um sussurro, os olhos para baixo. — Talvez demore
um pouco mais para conseguir.
— Leve o tempo que for, Matt. — Filippo segura a mão do irmão e faz um carinho fraterno
nele. Mattia sorri um pouco e assente. — Tentamos de novo dentro de uns meses. Até lá, continuamos
com o treinamento físico.
O médico de plantão aparece um instante depois e dá alta ao Filippo. Mattia nos deixa no
apartamento dele e, assim que vai embora, ele prepara dois sanduíches para nós. Observo sua
cozinha com cuidado enquanto ele monta os pães, nem parecendo que caiu de uma altura
considerável poucas horas atrás.
— Não está com dor? — pergunto, sentada à mesa redonda na sua cozinha.
Ele vem até mim com dois pratos e coloca uma na minha frente.
— O joelho esquerdo está dolorido, e as costas também. Nada com que eu não esteja
acostumado. — Um sorriso bonito ilumina seu rosto quando se senta perto de mim. — Um dia de
descanso e estarei novinho em folha.
Dou uma mordida no meu sanduíche e não evito me contagiar pelo bom humor dele.
— Estou mesmo preocupado com o Mattia — menciona depois de dar uma mordida no seu
pão. Ergo os olhos para ele, atenta ao que está me dizendo. — Sei lá, tenho medo de regredirmos
depois de hoje. Meu irmão sempre carregou parte da culpa do acidente na Serra da Mantiqueira.
— Mas ele não teve culpa alguma, não é? — sussurro, lembrando-me do pouco que Lauren
me contou.
Filippo abana a cabeça em negativo.
— Nenhuma. Foi uma falha no equipamento. Ele perdeu a namorada e eu fiquei internado por
uns dias. — Com um suspiro, limpa os dedos em um guardanapo de papel que está sobre a mesa. —
Temo que ter visto me acidentar hoje complique o tratamento ou que ele desista de escalarmos juntos
pela última vez.
Pelo seu tom de voz, sei que sua preocupação vai muito além de não ter sua escalada de
despedida. Ele suspira e dá outra mordida no sanduíche.
— Vou tentar não pensar negativo e me concentrar em outra coisa. — Filippo balança as
sobrancelhas na minha direção. — Então, você quer terminar o que começamos?
Nesse momento, eu simplesmente deveria retirar o que disse e voltar atrás. A verdade é que
nem sei onde estava com minha cabeça quando fui procurá-lo para lhe dizer isso. Uma mensagem ou
uma ligação resolveria, e até tentei, mas apagava a mensagem antes de enviá-la ou encerrava a
ligação antes e completar. Assim que tive uma dose de coragem súbita, chamei um carro por
aplicativo e rumei para a sede do Aventura Selvagem que eu consegui o endereço na internet. Foi o
modo que encontrei para não voltar atrás. Uma vez frente a frente com Filippo, eu teria que dizer por
que fui procurá-lo.
Eu não sei por que fiquei tão indecisa, tão dividida entre querer e não querer terminar o que
começamos, mas foi difícil admitir que parte da minha decisão se deu porque senti alguma coisa em
ver aquela garota no bar flertar com ele. Filippo a dispensou, o que me deu uma sensação de alívio
estúpida.
— Pra você ver o ponto que chega a minha carência e necessidade de gozar. — Filippo ri,
amassa o guardanapo e joga na minha direção. — Pretendia te ver amanhã à noite, mas não sei como
vai estar depois de hoje.
Ele faz um gesto de desdém com a mão. Eu termino meu sanduíche e limpo os dedos com meu
pedaço de guardanapo.
— Vou estar bem. A queda não foi nada de mais.
— Ainda assim, acho melhor você descansar e estar cem por cento recuperado. Domingo à
noite está bom pra você?
Ele pensa um pouco e assente. Eu me levanto, pronta para ir embora, e pergunto se vai ficar
bem.
— Mattia ligou pra minha mãe e ela já deve estar chegando se bem conheço a dona Louise.
Assinto e sorrio, deixando um beijo no seu rosto de despedida.

Filippo me recebe no seu apartamento usando uma calça jeans e só de avental. Eu não sabia
que precisava vê-lo só de avental até vê-lo só de avental. O sorriso costumeiro está ali, iluminando
todo seu rosto e sendo capaz de alegrar até a pessoa mais rabugenta da face da Terra.
— Entra — diz, secando a mão em um pano de prato sobre seus ombros ao me dar espaço. —
Estou terminando o jantar.
Eu o acompanho até sua cozinha, esperando ver a maior desordem, mas me surpreendo
quando tudo está em seu devido lugar. A mesa está posta, tem um rock antigo soando de uma caixinha
de som sobre a bancada da pia, e as panelas no fogão não estão sujas nas laterais.
— Eu não esperava por um jantar — comento e coloco minha bolsa em uma das cadeiras.
Sinto-me um pouco deslocada com o momento. O combinado era só uma transa. Nem sei por
que não combinamos de nos encontrarmos em algum motel, nem sei por que não o questionei sobre o
motivo de não irmos a um motel. Apenas concordei em encontrá-lo aqui.
Filippo coloca na palma da mão o que está cozinhando e experimenta. Estala os lábios, exibe
uma expressão pensativa e gesticula com as mãos como se estivesse em um reality show de culinária
e ele fosse um jurado experiente.
— Hum. — Inspira fundo e faz o “gesto italiano” com as mãos. ​— Perfetto!
Rio um pouquinho e me aproximo para ver o que está preparando. Estrogonofe de carne.
Filippo me oferece um pouco do creme e aceito de bom-grado, constatando que está muito gostoso
mesmo.
— Você cozinha bem ou é o único prato que sabe fazer?
Ele gargalha e desliga o fogo.
— Nem um nem outro. Me encaixo perfeitamente no “dá pro gasto”.
Filippo pega dois pratos no armário acima da pia e começa a montá-los com delicadeza:
arroz de um lado em um montinho bem ajeitado, estrogonofe do outro, batata palha no cantinho que
sobra. Enquanto emprata, eu sirvo o vinho nas taças que já estão sobre a mesa.
— Eu não costumo fazer isso — ele comenta, aproximando-se com os pratos e os apoiando
na mesa. — Nem pense que é um jantar ou um encontro romântico. Não é. Só achei que seria muito
deselegante te receber e não oferecer algo para comer. Além do mais, precisamos de energia pra
mais tarde. — Ele solta uma piscadela e se senta.
Movo a cabeça de um lado a outro e me sento à sua frente, aliviada que não seja um encontro,
mas ainda tem uma vozinha no fundo da minha cabeça insistindo em questionar por que simplesmente
não fomos a um motel, um lugar nada pessoal. Decido afastar essas perguntas da minha cabeça e
aproveitar a comida, o bom vinho e a conversa bem-humorada de Filippo. Ele me conta como foi o
restante da sua semana depois da queda — tirou a quinta-feira para descansar, mas no final de
semana, auxiliou e guiou muitos turistas em pontos turísticos da cidade e nas redondezas.
— Hoje voltei ao Pico de Santa Mônica — comenta depois de beber um gole do seu vinho.
— Dessa vez, fui escalar mesmo. Estava acompanhando uns escaladores novatos. Voltamos pela
trilha e… — Ele dá um sorriso encabulado e isso me diverte. Desde quando Filippo fica
envergonhado? — Lembrei de nós dois. — Ele ri, e eu rio junto sem saber muito bem o motivo. —
Liam me bloqueou por três dias porque eu ainda estava enviando fotos pra ele, algumas que achei
perdidas.
Um sentimento diferente assalta meu peito nesse momento, envolvendo tudo o que Filippo me
disse. Ele se lembrou da nossa trilha no outro dia, e se encontrou algumas fotos perdidas é por que
talvez… estivesse olhando as fotografias que batemos? Isso simplesmente pode não significar muito
coisa, mas tem o fato de que postou nas suas redes sociais uma foto de nós dois juntos. Assim que
recebi a notificação de que fui marcada em uma publicação — e logo depois, seguida por
@filippomassari —, não perdi tempo e fui conferir seu perfil e o segui de volta. A maçante maioria
de suas fotos era dele em ocasiões sociais com amigos, das suas aventuras, exercitando-se, imagens
do Aventura Selvagem ou das paisagens por onde é que estivesse passando, muitas delas em viagens
internacionais. Encontrei algumas fotos com garotas, mas o contexto e a legenda davam a entender
que eram só mais uma cliente da sua empresa.
Não achei sequer uma que fosse parecida com a nossa, que desse a entender que ele com
frequência compartilha suas aventuras amorosas. Não estou colocando uma importância
desnecessária ou significado maior nisso, mas não consigo parar de pensar em por que ele postou
aquela nossa imagem quando não é do seu costume.
— Você vai fazer o Liam pegar birra de mim, e eu mal o conheço!
Terminamos o jantar com uma atmosfera divertida e conversas descontraídas. Eu quero juntar
a louça e levar tudo para a pia, mas Filippo me puxa para seu peito e desliza uma mão atrevida pelo
meu corpo, o sorriso sacana brilhando na sua boca.
— Pronta pra gozar gostoso no meu pau?
Um calor repentino sobe por todo meu corpo, não tenho muita certeza se pelo seu toque
perigoso subindo pela parte interna da minha coxa despida por causa do short jeans ou se pela sua
promessa.
— Você é quem vai gozar gostoso em mim — sussurro, já me aproximando da sua boca.
Filippo me afasta, contudo.
— Vou tomar um banho. Me espera na minha cama e se prepara pra mim.
Ele aperta minha mão na sua e me encaminha até seu quarto. Não existe qualquer cerimônia
quando arranca a pouca roupa na minha frente, deixando a calça e o avental em um canto qualquer do
ambiente. Filippo se vira para mim com sorriso canalha e convencido porque sabe que minha atenção
está na cueca box apertadinha, no seu quadril marcando a ereção.
— Não demoro. Fique à vontade.
Filippo some para o banheiro e por um minuto inteiro, eu apenas fico no meio do seu quarto,
observando ao redor e me perguntando o que diabos estou fazendo. Depois, inspiro fundo e caminho
até um espelho comprido e olho para meu reflexo. Tiro minhas roupas aos poucos, revelando uma
lingerie vermelha e simples. Engatinho na sua cama e me deito deixando os joelhos separados e
dobrados. Meu coração parece um carro de corrida e não estou nem um pouco confortável aqui
sozinha, na sua cama, esperando-o. Fecho os olhos e tento relaxar, fingir que Filippo e eu temos
intimidade o suficiente, pensar em coisas eróticas e me acariciar devagar para preparar o clima.
Suspiro, frustrada. Ele quem deveria estar aqui me preparando, me deixando confortável, ele
quem deveria ter tirado minha roupa, não o contrário. Começo a achar que foi uma péssima ideia. Ele
nem deve ser tão bom assim. A experiência rápida que tivemos pode ter me enganado porque eu
estava muito a fim de sexo.
Eu me levanto e pego meu short, sentindo-me estúpida por ter vindo. Estou abotoando a peça
quando Filippo surge, uma toalha enrolada na cintura. Ele me olha com atenção e se aproxima.
— Mudou de ideia? — Seus dedos se entrelaçam nos meus e seus olhos me inspecionam com
suavidade. — Foi algo que fiz de errado?
— Não fez nada de errado. — Faço um gesto em negativo. — Só não estava me sentindo
muito confortável.
Filippo assente, os olhos ainda em mim.
— Continuamos ou paramos?
— E se eu quiser parar? — sussurro, procurando seus lábios.
Ele franze o cenho.
— Por que está me fazendo essa pergunta? É como se… estivesse me pedindo permissão ou
querendo saber minha opinião. Você quer ou não, Bianca? — Sua voz sai um pouco mais rígida que o
normal e isso faz um senso de alerta soar em mim. Não gosto do seu tom. — Porque se não quiser, me
fala pra eu me vestir e não congelar de frio.
Parece que um peso sai de cima dos meus ombros. Filippo só quer ter certeza de que tem todo
o meu consentimento, não um jogo de manipulação em que ele me convence a me deitar com ele.
— Eu quero — respondo, por fim, enroscando o dedo na sua toalha. — E prefiro que você
arranque minha roupa.
Toda sua resposta é me puxar ainda mais para perto de si, meu corpo chocando-se contra seu
tórax duro. Escorrego minha palma pelo seu abdômen trincado e meio úmido e sua boca invade a
minha em um beijo lento e sexy. Seus lábios se desviam para meu colo enquanto as mãos vão para
minhas costas à procura do fecho do sutiã. Quando estou livre da peça, sua língua rodeia meus
mamilos em uma combinação deliciosa de chupadas e massagens.
Jogo a cabeça para trás, ficando úmida lá embaixo só com esse carinho. Eu ainda tenho
dúvidas se Filippo é bom de cama, mas se eu tivesse de fazer uma aposta agora, eu diria que sim, ele
é bom. Ele sabe qual a pressão deve colocar nos bicos intumescidos, sabe intervalar chupada e
pequenas mordidas, e sabe combinar sua boca nos meus peitos e uma mão no vão das minhas pernas,
primeiro acariciando-me por cima do jeans; depois, invadindo-me por dentro da calcinha. Seus olhos
se erguem na direção dos meus e aquele sorriso convencido está estampado no seu rosto no momento
em que o seu dedo indicador desliza para dentro de mim e ele constata que estou excitada.
— Com preliminares ou sem preliminares? — Sua voz rouca me desestabiliza por um
segundo inteiro que mal consigo responder. Ele vai mais fundo em mim com seu indicador e dá uma
mordiscada gostosa no meu mamilo esquerdo. — Chupo sua boceta antes ou me enterro em você logo
de uma vez?
Suspiro e me agarro aos seus braços fortes, sentindo todo meu corpo entrar em combustão
quando ele toca meu clitóris em um aperto certeiro. Um gemido baixo escapa de mim e rebolo contra
seus dedos, precisando de mais.
— Com preliminares — peço, mas soa como uma súplica.
Com um movimento brusco e sensual, ele me joga na cama. Seus dedos logo estão enrocados
no meu short, que ele consegue baixar sem abrir os botões. Filippo me puxa mais para a beira da
cama, se ajoelha e coloca minhas pernas nos seus ombros. Seus olhos encontram os meus e vejo
despontar um sorriso cínico antes de ele enfiar o rosto entre minhas coxas. Sua língua maravilhosa
me dá um choque delicioso no clitóris e me deixa ainda mais molhada. Definitivamente, ele é bom.
Não tenho mais qualquer dúvida.
Ele é dedicado e suculento, e sua boca se move bem devagar em minha boceta, ora sugando,
ora a língua passando para cima e para baixo ou rodopiando no meu ponto sensível, ora com
chupadas intensas e profundas. Estou em êxtase quando Filippo me puxa para um beijo, passando
para mim meu próprio gosto.
— Gostosa — sussurra contra meus lábios, massageando um dos meus seios. — Estou até
salivando. O gosto da sua boceta é uma delícia, Bianca. — Ele me beija de novo, mais forte e rude
agora, deitando-se sobre meu corpo.
Abraço sua cintura com as pernas e esfrego meus quadris na sua ereção potente. Sorrio e
aperto os olhos, extasiada com o gemido rouco que escapa dele. Item de fetiches femininos: homem
gemendo. Filippo me deixa por um instante, o suficiente apenas para pegar um pacote de camisinha
na mesa de cabeceira e deslizar o látex pelo pênis. Eu me ajeito melhor na cama para recepcioná-lo e
separo as pernas. Sua boca está na minha quando menos espero, e seu pau me alarga deliciosamente
devagar. Gemo nos seus lábios e mergulho meus dedos nos seus cabelos. Filippo se move para frente
e para trás, primeiro lento, depois aumentando o ritmo. Em certo momento, a cabeceira da cama está
batendo com toda força na parede, nós dois nem um pouco preocupados que o vizinho possa estar
ouvindo.
— Me dá de quatro — ele pede, acertando um ponto fundo em mim e pescando meu lábio
inferior com uma mordida leve.
Antes que eu possa lhe dar uma resposta, Filippo me beija de novo, sua boca afundando na
minha, sedenta. Retribuo na mesma medida, tão ávida por ele quanto. Assinto e, desesperada para
que me coma na posição que me pediu, desenrolo as pernas do seu quadril para me virar na cama.
Calculo errado o quanto preciso erguer a perna para passá-la para o outro lado e, sem querer, acerto
um chute no seu rosto, forte o bastante para lançá-lo para fora da cama.
Toda a magia, de repente, acaba.
— Filippo! — exclamo, engatinhando até a beira do colchão. Ele está caído no chão, a mão
no maxilar enquanto resmunga de dor. — Como você está?
Ele ergue os olhos para mim, a mão ainda no rosto, e sua expressão é de pura incredulidade.
— É séria essa pergunta? Você acabou de me dar um chute no meio da cara! Só a portada no
nariz não estava de bom tamanho, não?
Eu não quero rir, não mesmo, porque acabei de machucá-lo e o momento não é apropriado.
Mas eu não consigo me segurar. Não quando ele está estirado no chão, seu pênis agora apenas
semiereto, e seu resmungo ao recordar da portada no nariz é muito engraçado. Então, eu caio na
gargalhada. Rio de juntar lágrimas nos olhos. Ele faz cara de ultrajado por um momento, mas depois
começa a rir comigo. Jogo-me na cama, de costas, e continuo gargalhando sem parar, tanto que minha
barriga chega a doer. Filippo se deita do meu lado ainda me acompanhando na risada, e ficamos
rindo juntos da situação por muitos minutos.
— Espera, eu te ajudo — digo para Paola e me adianto na sua direção.
Ela estacionou o carro no meio-fio de frente à casa dos meus pais e está tentando tirar uma
caixa do porta-malas que parece muito pesada, levando em consideração todo o esforço que está
fazendo.
É sexta-feira, final de tarde, e vim para jantar com minha família. A danada aproveitou que
Mattia pôde vir e pediu um favor para ele, que tem mais habilidades com ferramentas do que eu.
— Obrigada — agradece com um sorriso, baixando a porta assim que a caixa está nos meus
braços. — Leva pro meu quarto, por favor?
Carrego a pesada caixa até lá, onde Mattia está trepado em uma escada, marcando na parede
o local em que uma nova prateleira vai ficar. Não faz muito tempo que Paola se instalou no antigo
quarto e vai ficar aqui até o divórcio sair definitivamente, até que ela possa voltar para casa ou
comprar outra com sua parte na venda do imóvel. Apoio a caixa no chão e dou uma espiada no
conteúdo. Livros e mais livros de todo tipo. Confiro alguns títulos e separo alguns que me
interessam.
— Eu não empresto meus livros — minha irmã diz assim que adentra o cômodo. Ela traz um
notebook nas mãos, que logo vai para a mesa de cabeceira. Seus olhos espiam os títulos que separei.
— Ainda mais os meus favoritos.
— Ah, não seja tão egoísta. Vou cuidar muito bem deles.
— Lola, aqui está bom? — Mattia pergunta, chamando atenção dela, e aponta para a
marcação que fez na parede. — Foi o melhor lugar que encontrei no pouco espaço que resta.
— Está ótimo, Matt.
— Tudo bem, vou pegar a furadeira e parafusadeira do papai.
Mattia deixa o quarto, e eu continuo em um embate com Paola sobre os títulos que quero
pegar emprestado e escolho mais três ou quatro. É difícil convencê-la e só consigo com alguma
chantagem. No fundo da caixa de livros, de repente, eu encontro um pen drive. Nele, tem um pequeno
papel grudado e escrito “Momentos” na caligrafia da Paola.
— O que tem tanto aqui?
— Eu não faço ideia.
Meu irmão mais velho volta nesse momento com as ferramentas que foi buscar, e Paola liga o
notebook para verificarmos o conteúdo. O barulho da furadeira preenche o quarto por uns dois
minutos, tempo que Mattia leva para furar a parede, e depois, enquanto ele está parafuseando as mão-
francesas, podemos, por fim, abrir as imagens do pen drive. Todos os arquivos estão organizados em
pastas — é claro que estão, uma vez que se trata de Paola —, e ela clica na que diz “Aniversário do
Lipo – 15 anos”. Na primeira imagem, estamos nós três agarrados um no outro, Mattia com uma long
neck na mão porque na época já era maior de idade e com um sorriso que denuncia embriaguez.
— Matt já tinha bebido todas e mais uma nesse momento — brinco, e Paola ri. Meu irmão
mais velho se vira na nossa direção, no alto da escada, e nos interroga apenas com um olhar.
Paola vira o notebook na sua direção para que possa ver a foto em questão. Ele ri e abana a
cabeça, fazendo algum comentário sobre aquela noite que ele contrabandeou bebida alcoólica para
minha festa e depois levou uma dura dos meus pais. Vamos passando as fotos e fazendo comentários.
Mattia até desiste da prateleira e se senta na cama conosco, deixando Paola no meio, para olhar as
fotografias com a gente. As imagens acabam, e minha irmã clica na pasta “Aleatórias”, e o nome não
poderia ser melhor. Tem foto de momentos nada específicos, como uma minha em que estou estendido
no sofá comendo batatas fritas e tomando refrigerante enquanto assistia um desenho infantil na
televisão.
— Você tinha dezesseis anos nessa ocasião — Paola pontua, rindo da minha cara.
— Se você quer saber, assisto esses desenhos até hoje. Minha alma de criança nunca morreu.
Paola passa as próximas, e Mattia faz algum comentário engraçadinho aqui ou ali dependendo
da imagem. De repente, Lola fica um pouco mais tensa quando a imagem em questão é uma do Liam.
Ele está sentado na mesa redonda que havia na cozinha, cheio de livros, ajudando minha irmã com o
dever da escola. Meus pais o tinham chamado para ajudar nós dois com Matemática e História.
Nessa foto, acho que não tinha mais do que um mês que ele estava dando as aulas de reforço e
lembro que eu já tinha me apegado demais ao cara mais velho. Eu e ele fizemos amizade muito
rápido, acho que porque sentia falta do Mattia — morando em outra cidade por causa dos estudos.
— Lembra que ele nos dava aula e com o dinheiro ajudava a custear a faculdade de Direito?
— Paola pergunta, um sorrisinho de orgulho surgindo nela, os olhos ainda fixos na tela do
computador. — Deus, ele sempre foi tão sério. Eu tinha medo dele no começo — relembra e eu rio,
abanando a cabeça.
— Lembro. Carinha de malvado, mas um amor de pessoa por dentro.
Minha irmã vai passando as imagens e, a partir daí, a frequência com que Liam aparece nos
momentos em família aumenta. Aniversários, almoços de domingo, Ano-Novo, Natal. Em uma das
últimas em que tiramos, ele tinha vinte anos e foi pouco antes de se mudar para outra cidade, de
abandonar a vida que o sufocava e ir atrás dos seus sonhos. Dessa vez, era aniversário da Paola de
dezesseis anos, ele estava em uma cadeira, meio estirado, uma garrafa nos lábios, os olhos cinzas e
mal-humorados na direção da câmera que o fotografava, mostrando o dedo do meio para o fotógrafo
— que eu não faço ideia de quem era no momento porque eu estava sentado no colo dele, exibindo o
símbolo de “paz e amor” com os dedos e mostrando um sorriso enorme.
Mattia escolhe uma das pastas agora — Natal de dez anos atrás — e nos divertimos com as
fotografias: troca de presentes no amigo secreto com alguns trotes, capturas de risadas e expressões
engraçadas, flagras de tombos ou momentos constrangedores. Nessa época, Liam tinha acabado de
voltar para a cidade, depois de dois anos fora, e sei que foi naquele momento que ele se apaixonou
pela Paola. Escolhemos outra pasta, agora a do Ano-Novo de seis anos atrás, e a primeira imagem é
logo do Mattia com a Natália. Nós procuramos por sua reação, e é claro que a fotografia e as
lembranças mexem um pouco com ele. A falecida namorada passa a estar na maioria dos momentos
em família agora, assim como meu melhor amigo.
— Foi meu primeiro Ano-Novo com a Naty — menciona, a voz mais baixa que o comum. —
Entramos em um acordo na época. Natal com a família dela, Ano-Novo com a minha.
Um sorriso carinhoso estampa seu rosto e Mattia suspira em seguida. Ele se levanta um
instante depois, sem dizer mais nada, e volta ao seu trabalho de colocar a prateleira para Paola. Um
clima triste paira sobre o quarto por um momento, mas ele pede para que a gente não se preocupe,
que a gente continue se divertindo. Minha irmã troca de pasta e seleciona uma que ela esqueceu de
nomear — está apenas como “Nova Pasta” — e, ao abrir, descobrimos que são fotografias amadoras
da festa do seu casamento. Agora, é a vez dela de ficar abatida. Ainda assim, ela vai passando as
fotos que mostram um dos momentos em que ela esteve mais feliz.
— Sabe de uma coisa? — Paola sussurra, o olhar fixo em uma foto em que está quase todo
mundo junto, exceto Liam e Naty, que nessa época já tinha falecido. — Foi difícil convidar o Liam
pro meu casamento. — Ela se vira na minha direção com um sorriso triste. — Eu sabia que ele era
apaixonado por mim e que o convite ia ser um golpe para ele. Mas eu não podia simplesmente não o
convidar. Ia soar grosseiro demais.
Assinto e, de repente, sinto um aperto no coração diferente, um sentimento estranho que não
sei explicar.
— Nunca contei pra ninguém, mas fiquei esperando Liam aparecer no casamento e na festa o
tempo inteiro. Ele era importante para mim, sabe? Era meu amigo também e eu tinha alguma
consideração. Parecia muito egoísta da minha parte desejar que ele estivesse presente, mas desejei.
— Entendo o lado dele em não ter ido, Paola.
— Eu também entendo. — Paola olha para a foto mais uma vez. Estamos eu, Mattia (um
pouco abatido por motivos óbvios), meus pais, os pais de Bruno, Paola e o então marido dela. Ela
ergue os olhos para nosso irmão mais velho que agora está terminando de colocar a segunda mão-
francesa na parede. — Da mesma forma que entendo por que Mattia só ficou meia hora na festa e
depois foi embora.
Nosso irmão mais velho fica um pouco tenso no lugar, dá para notar pelas suas omoplatas
tensionadas, mas só dura um segundo. Logo, ele está relaxado de novo, o que demonstra que tem
aprendido a lidar com seu luto. Paola continua passando as fotos, dessa vez mudando para outra
pasta. Eu me distraio o suficiente e não dou mais atenção às imagens porque algo me ocorre.
Fui completamente injusto com Liam.
— Ei, vocês três. ​— O rosto de Lauren surge na porta, interrompendo nosso momento. — O
jantar já vai ser servido.
— Cinco minutos — Mattia garante. — Estou terminando aqui. — A namorada assente,
retirando-se em seguida.
Meu irmão mais velho termina o serviço, apoiando a tábua da prateleira na dupla de mão-
francesa antes de fixá-la com os parafusos.
— Por que mesmo você não vai estar aqui no domingo? — Paola pergunta, retirando o pen
drive depois de desligar o notebook.
— Vou passar o final de semana acampando. Só volto na segunda à noite. Foi por esse motivo
que quis reunir vocês hoje.
— Clientes do Aventura Selvagem? — Mattia questiona, agora parafusando a tábua na mão-
francesa.
— Não. Vou levar a Bianca.
Paola se vira para mim, Mattia faz o mesmo simultaneamente, quase se desequilibrando de
cima da escada.
— É a mesma Bianca daquele dia ou já é outra? — a caçula indaga.
— A mesma.
Meus irmãos trocam um olhar estranho. Um momento depois, Paola coloca a mão na minha
testa, como se testando minha temperatura.
— Você está se sentindo bem? Está com febre?
Rio e dou um tapa leve nela.
— Eu estou bem.
— Certeza? — Há incredulidade no tom de voz do mais velho. — Nunca vi você sair com
uma mesma garota mais do que um par de vezes, ainda mais sem envolver sexo. — Ele desce os
degraus, tendo terminado o serviço, e me olha com atenção. — A menos que pretenda transar mesmo
assim.
— Não é o foco — esclareço.
— Mattia, os sintomas são sérios. Ele precisa de um médico — Paola brinca com um sorriso
cínico.
— Não é nada disso que estão pensando — digo e apresso em me explicar a situação. — Só
por isso estamos saindo esses dias. Não é nada sério, não estou apaixonado, apenas focado em
provar ao Liam que sou muito capaz de manter meu zíper no lugar.
— Ou seja, abaixado — Paola zomba.
Mattia solta uma risada gostosa, uma que há muito tempo eu não ouvia dele, e isso me faz rir
com esses dois bocós.

Como de costume, toco a campainha do apartamento de Liam e, alguns segundos depois,


insiro a senha na fechadura eletrônica. Ao abrir a porta, ele está no sofá, brincando animadamente
com Zacky, um sorriso enorme no seu rosto que pouco vejo nele. O cachorro deixa o dono e vem
correndo na minha direção assim que me vê, pulando em mim com a língua para fora e abanando o
rabo.
— Sexta, dez da noite, e você aqui? — Liam debocha, ajeitando-se no seu lugar. — Está
mesmo empenhado em me provar seu ponto. — Sento-me ao seu lado, e o labrador fica à minha
direita, brincando de morder minhas mãos. — Quando esse mês acabar, você vai se parecer com um
bêbado tendo recaída ou com alguém que ficou semanas em dieta restritiva.
Rio um pouco e o empurro com os ombros.
— Temo que aconteça isso aí mesmo. No trigésimo primeiro dia, vou comer a primeira garota
que passar na minha frente.
Ele ri baixinho e um momento de silêncio paira sobre nós.
— Não tinha planos de vir para cá hoje — menciono, e seus olhos se voltam para mim. —
Queria dormir cedo para estar bem descansado para a trilha amanhã e para o acampamento, mas
minha consciência não me deixou em paz por todo o jantar na casa dos meus pais.
Liam franze o cenho, confuso.
— Do que está falando?
Inspiro fundo e baixo os olhos para o cãozinho ainda brincando comigo. Lembro quando Liam
o adotou — imediatamente um dia depois do casamento da Paola — e tenho a impressão de que foi
seu modo de tentar converter um amor pelo outro.
— Fui injusto com você ao te pedir para ficar longe da minha irmã. — Ele está abrindo a
boca para rebater, mas não deixo. — Você sabe que tive meus motivos, e na minha cabeça doida,
parecia um pedido razoável.
— Por que está trazendo esse assunto agora?
— Não queria que vocês se magoassem, nem que eu tivesse de tomar partido de algum lado.
Nisso, eu não me dei conta que ser apaixonado pela minha irmã e não poder se aproximar dela te
magoava da mesma forma. Não me dei conta de que a ver em outros relacionamentos te magoava do
mesmo jeito.
— Filippo, está tudo bem — ele tenta me acalentar.
— Eu só me dei conta disso hoje mais cedo quando encontramos umas fotos amadoras da
festa de casamento da Paola. Você não foi por motivos óbvios e lembrei que fiquei um tempo na
festa, surrupiei umas comidas e fui te fazer companhia. Você ainda morava naquele apartamento de
trinta metros quadrados.
Engulo em seco, sentindo minha voz ficar um pouco fraca e embargada. Não entendo como
pude ser tão insensível e egoísta a esse ponto.
— Nunca parei pra pensar em como você se sentiu ao receber o convite das mãos da Lola,
nunca pensei em como teve que lidar com o namoro, o noivado e o casamento da minha irmã. Fui
egoísta demais, Liam. Um péssimo amigo. Me desculpa. Me desculpa mesmo.
Ele me toma em um abraço apertado e eu suspiro alto, tentando conter a vontade de chorar.
Deus, que imbecil eu fui.
— Não tem que se preocupar com isso, Lipo — meu amigo diz, ao desfazer nosso abraço. —
Sei que teve boas intenções e por muito tempo achei mesmo que o melhor era não me envolver com a
Paola.
— A culpa disso tudo é minha. Todos esses anos… — Afundo no sofá, sentindo-me
derrotado. — Você teria sido muito melhor do que o cretino do Bruno se eu tivesse te dado um voto
de confiança. — Bato a mão na minha testa diversas vezes enquanto me martirizo: — Burro, burro,
burro!
— Esquece o assunto, Filippo — exaspera. — Eu não guardo mágoas de você por conta
disso. — Um sorriso pequeno e sincero surge nele. — Fiz minhas próprias escolhas também. Não
teve culpa sozinho nessa história toda. — Ele se levanta e abre um pequeno sorriso. — Escolhe um
filme. Vou fazer pipoca.
Ele está chegando à cozinha quando o chamo.
— Amo você, Liam.
Ele sorri e me mostra o dedo do meio.
— Também amo você. Escolha um filme decente, por favor.
A Bianca explode em uma gargalhada alta assim que abre a porta para mim no sábado de
manhã.
— Filippo, o que isso significa? — pergunta, apontando na minha direção. Com a mão
fechada, bato contra o capacete de futebol americano na minha cabeça.
— Vim prevenido. Minha experiência diz que você é sinônimo de perigo. Meu maxilar e meu
nariz agradecem a proteção.
Ela se dobra sobre seus joelhos e ri ainda mais. Isso, por algum motivo, me contagia de uma
maneira completamente nova. Pensei que ficar só com Bianca por esses dias fosse ser um sacrifício,
mas a verdade é que estou adorando o tempo que estamos passando juntos. Retiro o capacete e entro
assim que ela me dá passagem, pedindo para eu esperar cinco minutos enquanto confere se pegou
tudo o que vamos precisar para o final de semana. Eu a orientei sobre o que levar e mantive o
mistério da nossa aventura. Todas os seus pertences estão sobre o sofá da sala, e Bianca confere pelo
menos mais duas vezes antes de erguer os olhos para mim e acenar.
— Podemos ir. Só vou me despedir do Leandro.
Assinto, aperto o ajuste da alça da mochila cargueira nas minhas costas e amarro o capacete a
ela. Bianca retorna um instante depois e ajeita sua própria mochila nas costas. Chamo um carro que
nos leva até a estação rodoviária e, de lá, tomamos um ônibus para nosso destino. Desembarcamos
pouco mais de três horas depois e chamamos outro carro que nos leva até o Colina, um parque
ambiental muito procurado por conta das diversas atrações que oferece — das mais suaves até as
mais radicais.
Paramos em uma pequena lanchonete logo no começo para forrarmos o estômago, e só neste
momento conto para Bianca quais são nossos planos. A trilha até o ponto onde quero levá-la tem uns
dez quilômetros. Ela quase cospe o café que está tomando e eu me divirto com sua reação.
— Do sedentarismo a uma trilha de dez quilômetros — ela comenta, limpando os lábios com
o guardanapo de papel. — Você quer me matar. É isso ou está tentando se vingar das vezes que te
nocauteei.
Dou uma mordida no meu sanduíche e mudamos de assunto. Assim que descansamos da
comida, começamos a trilha com uma caminhada leve, aproveitando o dia e a paisagem ao nosso
redor. Apesar da distância, o nível de dificuldade do percurso é mediano, sem muitos obstáculos a
serem vencidos. Vamos chegar antes de anoitecer e ainda nos sobra um tempinho para montarmos as
barracas.
— Fiquei com uma coisa na cabeça por esses dias — comento. Bianca está agachada no meio
do mato, olhos na câmera do celular, toda sua concentração em tirar uma foto bacana de um riacho
que corta o caminho.
— Em quê? — questiona e se vira assim que termina de bater as fotos. Ela estica o celular na
minha direção, um pedido implícito para que tire uma dela. Enquadro-a na câmera enquanto Bianca
faz uma pose e bato a fotografia.
— Domingo passado, te perguntei se você queria continuar ou parar e me respondeu “e se eu
quiser parar?”. — Ela assente e entrego seu celular de volta. Retomamos a caminhada e completo
minha frase: — Tive a impressão de que estava pedindo permissão, tentando barganhar ou colocando
minha vontade acima da sua. Se você não queria, tinha que me dizer, entende? “Eu não quero”, com
todas as letras.
Bianca suspira e agarra as alças da sua mochila, o olhar ficando um pouco vago de repente.
— Reflexos do meu relacionamento com Danilo. Ele não sabia receber não para qualquer
coisa, até para sexo. Se eu dissesse que não queria, ele me dizia um monte de merda, perguntava se
eu tinha outro, se não o amava mais, às vezes dizia que não valia a pena estar comigo e que se eu
continuasse negando, ele ia procurar na rua.
Não digo nada porque simplesmente não sei o que dizer.
— Não foi assim sempre, sabe? — Ela continua seu relato, afastando algumas folhas na trilha
para abrir caminho. — No começo, era muito mais… sutil, eu acho. Ele me manipulava de uma forma
que eu não percebia. E começava exatamente assim. “Você quer parar ou continuar?”, e se eu
dissesse “quero parar”, ele dava um jeito e me fazia ceder. Com o tempo, essa violência foi ficando
mais escancarada, ao ponto de ele afirmar que ia trepar com outra.
— Acho que entendo por que é tão difícil pra você se livrar de alguns medos, por que é tão
difícil dizer não ou ser mais incisiva sobre suas vontades. E se eu tenho certa semelhança com esse
Danilo— dou de ombros, não me sentindo ofendido com nada disto —, faz sentido que fique receosa.
— Não fica chateado, não é nada pessoal.
— Eu sei. — Olho para ela e lhe dou um sorriso compreensivo. Toco no seu ombro e digo:
— Quem chegar por último é a mulher do padre! — Disparo na sua frente nesse momento a toda
velocidade agora que a trilha está mais aberta e plana.
— Filippo! — Bianca exclama e corre atrás de mim.
Perco o ritmo da corrida porque começo a gargalhar sem qualquer motivo aparente, e isso a
ajuda a me alcançar. Ela me puxa pela mochila cargueira com força e eu me desequilibro, desabando
no chão. Não sem trazê-la comigo. Bianca cai sobre meu peito, nós dois ainda rindo, e gosto de como
Bianca cai sobre meu peito, nós dois ainda rindo, e gosto de como nos olhamos e de como nossas
bocas estão próximas uma da outra.. As risadas vão sumindo conforme nos encaramos, e meu
coração dá uma batida diferente nesse momento.
Recebo um beijo suave e calmo. Eu retribuo, tratando de ignorar meus batimentos cardíacos
acelerados porque alguma coisa lá no fundo me diz que não estou assim por causa da pequena
corrida.

Está entardecendo quando, por fim, terminamos a trilha, que nos trouxe até uma área aberta
com cachoeira. Bianca praticamente desmonta assim que chegamos, exausta, e fica ali, estirada e de
braços abertos sobre a grama verde. Eu me deito ao seu lado e descansamos por uma meia hora antes
de começarmos a descarregar nossos pertences e nos prepararmos para acampar.
— Temos um pequeno problema — digo, desprendendo da mochila o que será nosso abrigo.
Ela levanta os olhos na minha direção e para com sua tarefa de organizar utensílios sobre uma
pequena mesa dobrável. — Dos mesmos criadores de “só temos uma cama”, vem aí “só temos uma
barraca.”
Bianca ri e fica séria um instante depois.
— Está brincando, né?
Movo a cabeça de um lado a outro.
— Não. Só temos mesmo uma barraca. Eu estava confiante que tinha uma reserva em casa e
acabei por não conferir o estado dela com alguma antecedência.
A garota me olha por um segundo inteiro, parecendo um pouco irritada, mas dá de ombros em
seguida e volta com sua tarefa. Enquanto monto a barraca, Bianca organiza nossos pertences e nos
prepara um sanduíche de frango com suco de laranja em canecas de alumínio. Chegamos a tempo de
contemplar o pôr do sol e fazemos isso enquanto damos um mergulho para tirar o suor e a poeira da
trilha. Assim que anoitece, acendemos uma fogueira e assamos alguns marshmallows contado
histórias de terror. Depois de comermos, ficamos deitados um do lado do outro, admirando o céu
estrelado.
— Consegue ver? — Bianca diz, apontando para o céu. Sigo sua orientação e aceno.
— Ursa Maior — reconheço a constelação.
Ela me olha com um sorriso suave por um segundo antes de voltar a inspecionar o céu. Seu
dedo se ergue para outra direção.
— E aquela?
Semicerro os olhos e observo com cuidado.
— Órion?
Ela assente vigorosamente. E, sem que eu espere, começa a derramar informações
astronômicas que me deixam um pouco perplexo e com nó na cabeça. Começa falando da origem
mitológica do nome Órion, passa para informações sobre as estrelas que formam a constelação, e
então está me contando sobre nebulosas, distâncias em anos-luz e buracos negros. Não é nada com
aprofundamento, apenas informações resumidas, mas que me surpreendem mesmo assim.
— Você está me assustando — ela diz e pisca duas vezes. — Está com um olhar meio
psicopata na minha direção. — Rio baixinho e balanço a cabeça em negativo.
— Só estou impressionado com sua inteligência. Eu consigo reconhecer algumas das
principais constelações: Órion, Andrômeda, Ursa Maior, Ursa Menor e Cruzeiro do Sul e só.
Confesso que não entendi mais da metade do que me disse.
Bianca ri um pouco e volta seu olhar para o céu.
— Sempre fui curiosa e tudo que sei é só conhecimento inútil acumulado e superficial.
Agorinha falei sobre buracos negros, mas tudo muito resumido, entende? Eles ainda me dão nó no
cérebro.
Fecho os olhos curtindo a brisa suave que acerta meu rosto, e exibo um sorriso pequeno,
gostando da conversa tão… aleatória.
— Posso te dizer que a palavra salário vem de “sal” porque esse mineral era usado na Roma
Antiga como pagamento para os soldados e te dar um resumo sobre esse período da História, mas é
tudo o que eu sei.
— Sabe mais do que eu. — Abro um sorrisinho cínico e completo: — Confesso que isso me
deixou mais atraído por você. Tem até um nome pra esse tipo de atração, não tem? Não lembro agora.
Sapo… Sapa… Sapi…? — Minhas tentativas a fazem gargalhar.
— Sapiofilia.
Aponto na sua direção.
— Inteligente!
— Você também é inteligente — menciona, tornando os olhos para o céu estrelado.
— Eu sou burro feito uma porta. — Bianca ri alto de novo, o que me faz rir junto. — Venho
de uma família com avós engenheiros, pais formados em Publicidade, um irmão pediatra, uma irmã
dentista, melhor amigo advogado. Na escola, eu não sabia desenhar, fazer cálculos, nem conjugar
verbos. Sou a vergonha da profission. Eu só era bom em educação física e em qualquer esporte.
— Inteligência não se refere apenas a saber fazer cálculos ou entender os quatro porquês do
apocalipse. — Eu me viro na sua direção, atento ao que está me dizendo. — Existem vários tipos de
inteligência. Você pode ter dificuldade com matemática básica, mas conhece as melhores técnicas
para escalar com segurança. Pode não entender direito como funcionam as leis da física, mas sabe se
localizar pelas estrelas e acender uma fogueira com dois gravetos.
Rio baixo e aceno.
— Uma vez, conheci um mecânico que ele sabia escrever apenas o próprio nome, mas tinha
um conhecimento sobre carros que deixava qualquer um de queixo caído. Você tem suas próprias
habilidades e conhecimentos, que não são poucos, convenhamos. — Ela sorri daquela maneira que
mexe comigo sem que eu entenda por quê. — Isso também te faz inteligente.
— Acha mesmo?
Ela assente.
— Pra você ter uma ideia, ainda não entendi a diferença de altura, altitude e elevação que
você tanto fala quando conta sobre suas aventuras.
— Altitude é a distância vertical de um objeto em relação ao nível do mar, elevação é a
distância vertical de um lugar em relação ao nível do mar, e altura é a distância vertical da base ao
topo de um objeto. O Pico de Santa Mônica, por exemplo, tem quase dois mil metros de elevação e
altitude e trezentos metros de altura.
— Viu só? Inteligente.
Rio um pouquinho e ficamos um instante em silêncio antes de eu aproximar meu rosto do dela,
devagar, deixando-a prever minhas intenções e tomar a decisão se quer ou não que eu a beije. Bianca
não recua e não me impede quando toco sua boca com a minha de forma suave, sem tirar meus olhos
dos dela. Nossos lábios se conectam em um beijo delicado e ganha intensidade aos poucos. Até que a
estou devorando, completamente desesperado. Giro meu corpo por sobre o dela e aprofundo nosso
beijo, explorando cada centímetro da sua boca enquanto minha mão percorre seu corpo quente.
— Estou te devendo uma gozada — sussurro e deixo uma mordida leve no seu queixo.
Escorrego minha boca mais para baixo, alcançando o vale dos seus seios, e ergo os olhos na sua
direção. — Ficarei mais do que satisfeito em ter você gozando na minha língua.
Bianca suspira e se remexe sob meu corpo, pálpebras apertadas, dedos afundados nos meus
cabelos.
— Filippo…
É tudo que diz, e eu tomo isso como sinal verde para prosseguir. Dou alguma atenção ao seu
par de seios ao retirá-los de dentro da camisa regata. Enquanto minha língua faz o trabalho nos seus
mamilos intumescidos, minha mão esquerda desce pelo seu corpo em direção a sua boceta, que
preenche toda a minha mão quando, por fim, eu a alcanço. Gemo contra seus peitos ao sentir sua pele
e a leve umidade. Vou ficar muito feliz em deixá-la escorregadia.
Volto para sua boca e a beijo firme no instante em que dois dedos acertam seu clitóris
levemente e o circulam. Uma sensação de prazer e satisfação atinge meu corpo enquanto ela contorce
os quadris na minha direção, procurando por mais do meu toque. Aplico a pressão certa no seu feixe
de nervos e isso a faz entreabrir os lábios e curvar o corpo um pouco para trás. É toda a minha
perdição essa imagem. Não consigo fazer nada além de observar suas expressões e me deliciar com
seus gemidos baixos e entrecortados. Sinto todo meu corpo estremecer quando ela reage ao
aproximar minha boca e sussurrar:
— Vou te foder com meus dedos.
Meu dedo médio e anelar deslizam para dentro de sua boceta e eu a tomo em outro beijo rude.
Com a mão livre, pressiono de leve seu pescoço esguio, mantenho a firmeza dos meus lábios nos
seus e aumento as investidas dos meus dedos nela. Sua estatura toda sacode sob minhas investidas,
como um prelúdio de que está prestes a gozar. Eu estou tão excitado e duro, de uma maneira que não
reconheço.
Puxo meus dedos para fora e os levo aos meus lábios, meus olhos nos dela enquanto saboreio
seu gosto almíscar. O peito dela sobe e desce em uma respiração ofegante, o rosto em uma expressão
deliciosa de prazer. Volto a fodê-la com os dedos o suficiente para seu gosto impregnar em mim outra
vez e logo em seguida, direciono-os para sua boca. Um gemido obsceno escapa dela e me endurece
além do que eu achei que seria capaz. Beijo sua boca e depois, desço até seu sexo, abaixando o
short cinza com a calcinha.
— Arreganha essas pernas pra eu chupar gostoso a sua boceta — ordeno, separando suas
coxas com um único movimento.
Antes que ela possa esperar, minha boca se choca contra seu canal encharcado. Mantenho
suas pernas bem abertas e para cima, em uma posição devassa e excitante que a deixa muito exposta
para mim. Eu me lambuzo no seu sexo, afundando os lábios nela, chupando, sugando e lambendo com
toda dedicação. Os suspiros de prazer dela aumentam e se tornam mais altos, da mesma maneira que
meu pau fica cada vez mais duro, pronto a explodir. Droga, sou capaz de ejacular sem qualquer outro
estímulo. No momento em que ela agarra meus cabelos com as duas mãos e afunda meu rosto na sua
boceta quente e molhada, pedindo por mais, eu realmente quase gozo. Ajoelho-me na sua frente e
ergo mais suas pernas, o suficiente para o joelho quase tocar seu queixo. A posição me dá uma visão
privilegiada do seu rosto e das suas expressões de prazer.
Deixo um tapa no seu clitóris, e sua reação estremece toda a minha estrutura. Minhas bolas
endurecem e meu coração dispara, o desejo de me enfiar em sua boceta agora mesmo explodindo
com toda força dentro de mim. Aproximo-me dos seus lábios, mantendo a posição, e sussurro uma
promessa:
— Eu ainda vou te comer assim, toda arreganhada.
— Ah-ah… — ela choraminga, o quadril se movimentando um pouco debaixo do meu, os
lábios procurando-me com desespero.
— Nessa posição, você vai sentir meu pau estocando fundo em você — murmuro e passo a
língua em um ponto abaixo do seu lóbulo da orelha. — Eu não vou ser delicado quando estiver te
comendo assim.
A respiração dela acelera mais.
— É uma promessa?
— É uma promessa.
— Eu vou cobrar.
Sorrio contra seu pescoço e deslizo os lábios de volta até seu sexo pulsante. Enfio minha
língua no seu clitóris e na sua entrada lisa, combinando as lambidas com meus dedos. Leva só mais
um instante para ela estar gozando na minha boca. Seu gosto é uma delícia e eu tomo cada gota do seu
gozo para mim. Acalmo seu corpo com mais algumas lambidas suaves, até ela recuperar a
respiração. Deito-me ao seu lado e a beijo devagar, chupando seu lábio inferior.
— Preciso retribuir — ela sussurra, sua mão enveredando por dentro do meu short tactel. Eu
a paro antes que alcance meu membro.
— Quer retribuir por vontade própria ou está se sentindo na obrigação de retribuir?
Noto que a pergunta a pega desprevenida. Mesmo no escuro, o ambiente iluminado apenas
pela fogueira não muito distante de nós e pela lua cheia no céu, consigo ver seus olhos castanhos em
dúvida.
— Eu… estou um pouco cansada — admite.
Assinto e lhe dou um último beijo. Ao me levantar, corro até a barraca, pego papel higiênico
e entrego para que ela possa se limpar. Enquanto isso, estico os edredons, deixo lanternas por perto e
jogo areia na fogueira. Bianca engatinha para dentro da barraca e se deita ao meu lado, seu rosto se
encaixando no meu tórax de um modo que me traz um sentimento novo. Sorrio para mim mesmo, beijo
seus cabelos úmidos e apago a lanterna.
A claridade do dia e o som da queda da cachoeira me despertam na manhã de domingo. O
calor do corpo de Filippo muito próximo ao meu, dado ao aperto da barraca, me dá uma sensação de
aconchego que eu não deveria estar sentido ao lado desse mulherengo. Viro-me devagar e escondo o
rosto no seu peito, inspirando o seu cheiro que se mistura ao aroma natural ao nosso redor.
Enfio a mão por dentro da sua camisa branca e sorrio contra sua pele ao sentir a temperatura
gostosa e os gominhos do seu abdômen. Vou enveredando a mão mais para cima, bem devagar, até
chegar aos seus mamilos. Filippo não reage a nenhuma das minhas investidas, imerso demais no seu
sono para isso. Desço meu toque até uma área mais perigosa, parando imediatamente no elástico da
sua bermuda. Roço sem pressa o indicador na sua cintura, na linha pouco acima do cós. Nesse
momento, ele inspira fundo e um sorriso safado surge no seu rosto.
— Total liberdade para ir mais para baixo se quiser — murmura, a voz ainda carregada de
sono.
Dou um tapa suave no seu tórax e rio baixinho. Saio do seu lado, engatinhando em direção a
entrada da barraca. Puxo o zíper, ouvindo Filippo resmungar alguma coisa e sentindo-o se remexer.
Ao olhar para trás, ele se debruçou e escondeu o rosto debaixo do travesseiro.
— Vai ser um dia bonito — comento e engatinho para fora. Despreguiço-me e alongando o
corpo, aprecio os raios do sol contra meu rosto.
— Tem noção das horas? — pergunta de lá de dentro.
Olho para o céu e, pela posição do sol, não deve ser mais do que sete da manhã.
— Talvez umas sete. — Volto para a barraca e agarro o celular que trouxe apenas para tirar
fotos, uma vez que não tem sinal e eu só trouxe um carregador portátil com capacidade para uma
única carga. — Seis e quarenta e dois para ser mais exata. Não vai se levantar para aproveitar bem o
dia? — debocho.
— Não confio em pessoas que dizem isso — ele brinca, sua voz saindo abafada por conta do
rosto ainda escondido debaixo do travesseiro. — Mas hoje vou abrir uma exceção. Sete em ponto,
prometo.
Abano a cabeça e volto lá para fora, alegando que vou preparar um café. Reviro a bolsa do
Filippo atrás do café solúvel e de água mineral. Enquanto a água esquenta no fogareiro, desmonto a
pequena mesa e os banquinhos. Ajeitando-os em uma área ao lado da barraca, preparo dois
sanduíches de pasta de amendoim. Às sete em ponto, o café já está servido nas canecas de alumínio e
Filippo aparece.
— Quais os planos pra hoje? — pergunto, entregando uma xícara de café para ele.
Filippo agarra a xícara e se senta no banquinho, dando uma mordida no pão. Sento-me de
frente para ele e também começo a comer.
— Tem uma queda d’água não muito longe daqui. Dois ou três quilômetros. Topa mais uma
trilha? É uma queda maior que essa
Dou de ombros e aceno.
— Pra quem já está no inferno, que abrace o diabo, não é o que dizem?
Depois de comermos, organizamos a barraca, juntamos o lixo, trocamos de roupa para a
caminhada e separamos mais alguns mantimentos e utensílios que vamos precisar. Filippo garantiu
que existem bicas de água potável por todo o caminho até a queda, então precisamos levar apenas
uma garrafinha que poderá ser reabastecida conforme necessidade. Por volta de nove da manhã,
depois de nos protegermos com filtro solar e repelentes, deixamos o acampamento e começamos a
trilha. O acesso é um pouco mais difícil do que os dez quilômetros que fizemos, muito mato,
depressões, riachos e morro. Filippo, entretanto, torna o percurso muito divertido conversando sobre
suas aventuras, situações engraçadas com clientes e piadinhas inconvenientes. Fazemos algumas
pausas para descansar e tirar foto da paisagem e de nós dois, que ele mesmo faz questão de bater. No
caminho, passamos por um posto de informação, uma sede de escoteiros, ponto de encontro, placas
de identificações e mapas da região, inclusive onde estamos, guarita da Guarda Florestal e uma
cabana singela com uma cadeira de balanço na varanda.
Um quilometro depois dessa cabana e por volta de onze e meia da manhã, chegamos à queda
d’água. O lugar tem uma mata fechada ao redor e está deserta, sem qualquer outro visitante por perto.
Descarrego o pouco do que trouxemos sobre o gramado enquanto Filippo desaparece e só surge de
novo em uma plataforma de madeira logo ao lado da cachoeira, a uns sete metros de altura.
— O que você está fazendo, seu maluco?
— Vou dar um mergulho — grita de volta, dando alguns passos para trás como se fosse tomar
impulso.
— Você o quê? Perdeu o juízo, Filippo? Pode acabar se machucando! Desce daí agora!
Ele ri e nega com a cabeça.
— É seguro. Conheço esse lugar como a palma da minha mão.
— Filippo, escuta, você não pode…
Mas então, ele já está correndo e saltando na vertical, os braços abraçando as pernas que se
soltam no momento em que ele mergulha. Filippo afunda e emerge um instante depois, passando a
mão nos cabelos.
— Sua mãe não pariu um filho, pariu um teste cardíaco.
Ele gargalha, nada até a margem e se estica no gramado, apreciando o calor do sol em seu
corpo e rosto. Deito do seu lado e fecho os olhos, gostando do momento de silêncio entre nós, um
silêncio quebrado apenas pelas risadas e conversas altas que o vento traz dos turistas que estão
passando pela trilha em direção a outro local do parque.
— Era isso que você queria? — pergunto com um sussurro e viro a cabeça para observá-lo.
Sem abrir os olhos, ele vinca a testa, confuso com minha pergunta. Explico: — Me converter para o
lado aventureiro da força.
Uma risadinha baixa e gostosa escapa dele.
— Consegui?
— Já planejo visitar pontos assim na nossa cidade. Estou gostando da experiência de estar
em contato com a natureza, apesar de nosso banheiro ser uma moita.
Filippo prende o riso e, por fim, abre os olhos, que logo estão nos meus.
— Ainda temos mais alguns dias juntos. Meus avós tem uma casa de campo. Contato com a
natureza e o conforto de ter um vaso sanitário decente. Topa?
Arrasto meu corpo mais para perto do seu, gostando de sentir a umidade da sua pele contra a
minha, quente e suada.
— Topo, mas tem que ser no último final de semana. Se eu pedir folga ao Leandro logo nesse
próximo, é capaz de ele me deserdar.
Filippo deixa um beijinho no meu rosto e direciona o rosto para cima de novo, curtindo o sol.
Ficamos uma meia hora apenas deitados no gramado até que procuramos uma sombra para comermos
alguma coisa. No cooler, ele trouxe arroz já cozido e porcionado em saquinhos, frango enlatado, uma
porção de alface e tomate já picados e armazenados em dois potinhos descartáveis, e um cacho de
uva para a sobremesa. Comemos sob a sombra de uma árvore, mantendo uma conversa divertida e
planejando algo para quando anoitecer. Ele pretende acender a fogueira, se entupir de marshmallows
e contar histórias de terror. Como ontem.
Alimentados e descansados, Filippo quer fazer uma caminhada leve por uma trilha amena que
desemboca em uma clareira. Deixamos nossos pertences escondidos no meio do mato e vamos fazer
a caminhada, que dura cerca de meia hora. Por conta do calor, ao voltarmos, estamos suados e
fedidos.
— Um mergulho sem roupa? — ele oferece, já arrancando a camisa e a bermuda.
— Você é completamente, maluco, já te disse isso?
Ele dá de ombros e arranca a cueca, colocando-a junto com o montinho de roupa na margem
do rio.
— Você vem ou não?
— E se alguém aparecer, Filippo? — questiono, dando passos na sua direção.
— É longe o suficiente — argumenta. — O pessoal prefere ficar nos acampamentos mais no
início do parque. São ao menos treze quilômetros até aqui, Bianca. Dificilmente vão aparecer. E se
aparecer, a gente veste a roupa e vai embora. Simples.
Suspiro e, por alguma força da natureza, eu cedo. Arranco toda a minha roupa — tênis,
bermuda, regata e roupas íntimas — dobro tudo em um montinho, deixando o top e a calcinha
escondidos, e coloco as peças ao lado das de Filippo. Ele corre para dar um mergulho — a visão da
sua bunda branca é engraçada e me faz rir — e eu prefiro entrar na água com mais cuidado.
Ele estica sua mão, oferecendo-me ajuda, e eu, muito inocente, aceito. Mal sinto meus pés
afundando na areia molhada quando sou puxada com toda força, quase me desequilibrando, não fosse
ele me amparar. Filippo ri exageradamente e no momento que vou xingá-lo, sua boca se cola à minha.
Seu beijo é firme, mas também suave, e isso me desarma a ponto de me esquecer das minhas injúrias.
— Você sabe nadar? — pergunta contra meus lábios.
— Sei.
— Ótimo.
Ele nos encaminha mais para o meio do rio, a correnteza fraca ajudando nos movimentos, até
que a água bate no meu queixo e um pouco abaixo dos mamilos dele, devido a nossa diferença de
altura.
— O que vamos…?
Minha pergunta é interrompida assim que ele me dá um puxão brusco para o lado. Meus pés
perdem contato com a areia submersa e levo só um segundo para entender que afundamos. Ele me
segura pelas mãos, mantendo-nos debaixo d’água, e quando consigo olhar para sua cara cretina, dá
para notar o deboche e alegria no seu rosto. Volto para a superfície tomando fôlego, e ele vem em
seguida.
— Seu idiota! — Jogo água em Filippo, que ri e joga água em mim.
— Mais um mergulho?
Dessa vez, ele espera pelo meu consentimento antes de imergirmos mais uma vez. Nadamos
até alcançarmos o fundo do rio, cerca de quatro ou cinco metros de profundidade. Retornamos juntos,
segurando um na mão do outro, e Filippo tem um sorriso gostoso ao emergir. Sem que ele espere, eu
o beijo como se fosse nosso último minuto juntos. Exijo seus lábios e suas mãos em torno da minha
cintura, ele retribui, dedicado e atencioso. Quando Filippo está completamente rendido, eu o pego
desprevenido e forço sua cabeça para baixo d’água. O homem se rebate enquanto tento mantê-lo
submerso e consigo, por fim, montar nos seus ombros. Ele ergue o tronco com toda força e me lança
na água. Mergulho com um gritinho e um riso escandaloso. Mal retorno para a superfície e ele me
afunda de novo. Brincamos assim por muito tempo, trocando risadas e beijos entre um mergulho e
outro.
Eu não sei em que momento nossas brincadeiras e beijos rápidos se transformaram em uma
troca intensa e ofegante de beijos e apertos, mas é assim que estamos nesse momento. Não demora
nada para que eu esteja excitada, assim como ele. Sua boca úmida se desvia da minha, alcançando a
curva do meu pescoço e o meu colo. Sua mão atrevida escorrega para além da minha cintura,
provocando meu clitóris.
— Você assim está sendo uma tentação, Bianca — ele murmura e aperta mais meu corpo no
seu, esfregando a ereção em mim. Sua boca escorrega sedutoramente pela minha pele do pescoço e
eu fecho os olhos ao jogar a cabeça para trás, excitada com seu carinho quente. — Quero tanto
mergulhar na sua boceta aqui e agora.
Engulo em seco e afundo minhas unhas na carne dos seus bíceps. Seria imprudente demais
confiar nele e transar sem proteção? Eu não deveria, não deveria mesmo, mas estou tão inclinada…
— Eu sei — respondo, por fim. — Também estou doida para ter seu pau fundo na minha
boceta. — Encontro seus olhos claros e noto quando ele aperta o maxilar, suas pupilas dilatando. —
Ainda me deve uma gozada. A de ontem não foi suficiente. Quero gozar com você estocando forte em
mim.
Ele agarra firme meus cabelos molhados e leva meus lábios para perto dos seus. Sua testa
encosta na minha e sinto sua respiração descompassada.
— Você testa todos os meus limites. Droga, Bianca. Droga. — Ele respira fundo e me beija
forte antes de puxar minha cabeça para trás e morder meu queixo. — Quer dar o fora daqui pra
treparmos? Só tem camisinha na barraca.
Sua boca provocante continua trilhando um caminho sedutor entre meu queixo e pescoço, e
toda essa provocação é suficiente para que eu leve alguns segundos para tomar uma decisão
irresponsável:
— Podemos fazer sem. Só agora.
Filippo me faz encontrar seus olhos.
— Quer mesmo isso?
Suspiro e aceno em positivo, procurando pelo seu quadril.
— Posso confiar em você. — Não é uma pergunta. Por algum motivo, eu sei que posso
confiar em Filippo. — Eu quero. Só essa vez.
Como resposta, ele me beija e me impulsiona para seu colo. Minhas pernas logo rodeiam sua
cintura, e eu imploro para que ele pule as preliminares. Em um instante, seu pau está deslizando para
dentro de minha boceta e a sensação de tê-lo dentro de mim, da água nos rodeando, da brisa fresca e
dos sons da natureza ao nosso redor é incrível, uma experiência única e deliciosa.
É tão fácil me render a Filippo Massari, ao seu toque, beijos, ao modo como mexe os quadris
de encontro ao meu, a forma como aperta meu corpo ao dele, como se quisesse me fundir a sua pele,
manter-me presa ou simplesmente… me ter por perto. Ele estoca fundo e devagar, em um ritmo
gostoso e intenso. Meus gemidos se juntam aos dele que são roucos e baixos, sua boca muito perto da
minha, nossas testas encostadas, uma na outra.
Durante esse nosso pequeno momento de safadeza, nada mais existe ao nosso redor. Só existe
nós dois, nossos corpos e o prazer que um proporciona ao outro. Criamos uma bolha e mergulhamos
nela, nada mais importando a nossa volta. A temperatura da água inexiste, o vento refrescante, o
aroma de flores e grama, o som da cachoeira logo atrás de nós… Nada disso importa porque temos
um ao outro.
— Preciso gozar — ele sussurra na minha boca, a voz estrangulada de quem foi privado de
um merecido orgasmo por tempo demais. Sua mão me pega pela nunca, firme e potente. — Mas antes,
vou fazer sua boceta contrair e chorar.
— Filippo… — choramingo, excitada com seu palavreado.
— Mela meu pau, Bianca — incentiva e mordisca o lóbulo da minha orelha.
Meu corpo dá um solavanco e eu me agarro com mais força nos seus braços.
— Goza dentro de mim — peço, pescando seu lábio inferior. Resvalo a boca até sua orelha e
sussurro: — Enche minha boceta de porra pra eu melar seu pau.
Um gemido muito excitante vem do fundo da garganta de Filippo que faz minha vagina
contrair de prazer. Jogo meu corpo um pouco para trás, e ele me sustenta com seus braços fortes, os
quadris mais firmes contra os meus. Ele anuncia que está gozando e é nesse momento que eu me
liberto. Um suspiro trêmulo sai de entre meus lábios no instante em que o orgasmo atravessa todo
meu corpo.
Filippo me traz de volta e me beija, os braços apertando meus seios contra seu tórax duro.
Aos poucos, vamos regulando nossa respiração, recuperando os batimentos cardíacos. Ele quase não
desgruda da minha boca, dando-me espaço por alguns segundos, apenas para eu respirar. O tempo
parece parar enquanto reestabelecemos nosso fôlego e gosto do momento de carinho e beijos
inocentes entre nós logo depois de uma indecência bem-feita.
Desenrolo minhas pernas da sua cintura e afundo os pés na areia, deixando um último beijo
no canto dos lábios dele antes de mergulhar. Ele fica na superfície e eu aproveito alguns segundos
submersa para lavar meu corpo e meus pensamentos. Quando retorno, Filippo está olhando de um
lado a outro, parecendo preocupado.
— O que foi? — questiono, nadando até ele.
— Nossas roupas. Cadê nossas roupas, Bianca?!
— Você está brincando comigo, não é? — Nem noto que minha voz sai alta e esganiçada.
Bato os braços com mais força até alcançá-lo em um ponto em que a água ainda está pouco acima dos
meus seios.
Ele se vira para mim de uma forma brusca, uma seriedade no rosto que eu nunca vi nele.
— E eu lá ia brincar com uma coisa dessas?
— Vindo de você… — Olho por cima do seu ombro para o local em que deixamos nossas
roupas empilhadas e daqui, alguns metros da margem, não vejo nada ali. Procuro melhor ao redor,
considerando que talvez esteja enganada sobre onde de fato deixamos nossos pertences.
— Estou falando sério dessa vez. Alguém roubou nossas roupas!
É mais forte do que eu quando começo a rir. Não. Isso não pode estar acontecendo comigo!
Filippo me olha como se eu não pertencesse a esse mundo e pergunta qual é a graça.
— Estou rindo de nervoso! — alego e minha risada se transforma em algo histérico e de
desespero. — O que nós vamos fazer? Estamos muito longe do acampamento, Filippo.
— Diz como se eu não soubesse. — Ele está de costas para mim, a cabeça ainda girando de
um lado a outro, como se procurando pelos responsáveis por essa brincadeira de muito mal gosto.
Sua voz sai mais ácida e rígida do que é do seu costume.
— O que nós vamos fazer? — repito a pergunta, minha voz agora muito mais histérica.
— Eu… eu não sei!
Filippo passa as mãos pelos cabelos molhados e se vira na minha direção. Ele respira fundo,
trata de se acalmar e fica em silêncio por alguns segundos, refletindo. De repente, ele nada até a
margem onde estavam nossas roupas e agarra os dois celulares, a única coisa que deixaram para trás
— seja lá quem nos roubou.
— Não tem sinal — bufa ao conferir as duas telas, e depois atira os aparelhos no gramado
outra vez.
— É claro que não tem!
Ele volta para mim, o queixo batendo não sei se de frio ou se de nervoso.
— Não temos muita escolha a não ser ir até o posto de guarda ou a sede dos escoteiros pedir
ajuda.
— Sem roupa?! — esganiço. — Estão há quilômetros de distância, Filippo. Podemos topar
com visitantes a qualquer momento!
— Melhor ainda! Pedimos ajuda.
— Você quer que eu caminhe uns dois quilômetros por uma trilha difícil até o posto de guarda
mais próximo completamente SEM ROUPA? Você deve estar doido se acha que vou fazer isso!
— Não precisa ir. Fica aqui e eu vou.
Balanço a cabeça em negativo.
— Não quero ficar sozinha.
Filippo suspira pesadamente e passa a mão pelo rosto.
— Tem a cabana cerca de um quilômetro daqui. A trilha é mais amena e é mais perto. Se
dermos sorte, podemos encontrar alguém lá. Pode ser uma repartição administrativa do parque ou
algo assim. É nossa única escolha, Bianca.
Fecho os olhos e tento não odiar toda a droga desse final de semana só por causa de um único
maldito contratempo.
— Vamos logo — digo, saindo da água.
Trespasso o braço direito contra meus seios para escondê-los e, com a mão esquerda,
escondo minha vagina. Filippo me acompanha, ambas as mãos na frente do pênis. Encaixo nossos
celulares no meu braço na frente do tórax da melhor forma que consigo e caminhamos de volta à
trilha.
De repente, escuto uma risadinha dele.
— Deus, que situação — exclama.
Rio um pouco e suspiro.
Que situação.
É o quilômetro mais longo e difícil de toda a minha vida. A trilha tem cascalhos e gravetos
que dificultam a caminhada, ainda mais na nossa situação — completamente sem roupa e descalços
— e a mata ao redor machuca nossa pele nua. Não sei se somos azarados demais ou sortudos
demais, mas a questão é que, por enquanto, ainda não topamos com nenhum desavisado. É o momento
mais constrangedor de toda a minha vida. Nem quando minha mãe entrou no meu quarto sem aviso —
porque achou que eu não estava em casa — e me pegou transando com uma garota aos dezesseis
anos, eu me senti tão envergonhado como agora, nessa circunstância decadente de caminhar numa
trilha com ambas as mãos na frente do pau.
— Será que é carma? Ai! — Bianca resmunga e dá um saltinho em um pé só por ter pisado
em um graveto. — Em outra vida, cuspi na cruz, com toda certeza. Não existe outra explicação para o
Universo estar me castigando desse jeito.
Continuo caminhando atrás dela sem dizer qualquer palavra. Reconheço alguns pontos na
trilha — bandeirinhas vermelhas deixadas por alguém para marcar o caminho — e fico aliviado de
que estejamos perto da cabana com a cadeira de balanço da varanda. Torço para ter alguém que
possa nos ajudar.
— Tudo bem — ela segue tagarelando —, podemos tirar algo de bom dessa situação toda,
não podemos? Algum ensinamento proveitoso, ver o lado positivo das coisas. — Um silêncio rápido
até ela dizer: — Estou pensando no lado bom disso tudo. Espera aí, logo eu encontro.
Abro um sorriso pequeno e inclino a cabeça um pouco para o lado.
— Estou tendo uma visão maravilhosa do seu traseiro nu. Conta como o “lado positivo” disso
tudo?
Eu mal vejo quando ela vem até mim e belisca minha costela.
— Ai!
— Palhaço!
Bianca aperta mais os braços contra os seios, fuzila-me com os olhos e volta a caminhar na
minha frente.
— Se é carma ou não, eu não sei — respondo tardiamente, olhando com cuidado onde piso.
— Mas essa onda de azar só começou depois que te conheci.
Ela para a caminhada e se vira para mim de novo.
— Do que você está falando?
Mantenho uma mão escondendo meu pênis e ergo a outra, enumerando com os dedos enquanto
digo:
— Primeiro, foi o flagra no banheiro do Mattia. Depois, você me deu uma portada no nariz.
Logo em seguida, caí da parede de escalada quando ouvi sua voz; não demorou muito e levei um
chute na cara. Agora, roubaram nossas roupas e estamos nessa situação humilhante. É claro que é
você que está atraindo essa má sorte toda.
Sem tirar o braço da frente dos seios, Bianca ergue o dedo do meio para mim. Girando nos
calcanhares, a mulher segue caminho irritada com que eu disse. Mas não menti!
— Não fica assim, Bianca. — Caminho logo atrás e tento acalentá-la. — Um banho de sal
grosso deve ser o suficiente.
— Vai se foder, Filippo!
Rio um pouco, adorando ver Bianca irritada. Cerca de um minuto depois, a mata da trilha vai
se abrindo e à nossa esquerda, a cabana surge, localizada em uma clareira. A cadeira de balanço
continua ali, agora movendo-se levemente para frente e para trás por causa do vento suave que sopra
na região.
— Você acha que pode ter alguém? — ela pergunta, olhos fixos na direção do casebre.
É um lugarzinho bem conservado que transmite paz, aconchego e tranquilidade. Observo
melhor o local e assinto. Com uma das mãos, aponto para a parede lateral à nossa esquerda.
— Tem uma janela que parece aberta. Está vendo a cortina balançando? — Ela afirma e nós
nos aproximamos mais. — A janela frontal está fechada, mas a cortina também parece nova ou
conservada. Pode ter alguém, sim.
Uma vez mais perto, consigo ver que tem uma pequena chaminé de fogão a lenha na lateral à
minha direita. Uma fina fumaça é a indicação de que tem gente no local. Subimos com cuidado no
alpendre, e a madeira range sob nossos pés. Há uma tela na porta de entrada, que está fechada. Puxo
a porta-mosquiteiro e bato de leve o punho na de madeira.
— Boa tarde! — chamo alto. — Tem alguém aí? Precisamos de ajuda!
Dou um passo atrás, e o mecanismo na tela faz com que ela volte para o lugar. Mantenho
ambas as mãos na frente do corpo, e Bianca parece impaciente ao meu lado, na mesma posição de
sempre para esconder a parte íntima e os seios.
— Acho que não tem ninguém — ela choraminga.
— Espere. — Lá dentro, ouço o assoalho gemendo, passos lentos e arrastados soando quase
imperceptivelmente. — Tem alguém vindo.
Faço minha melhor cara de quem precisa desesperadamente de ajuda e espero a porta de
madeira se abrir. Quando as dobradiças rangem para dentro, topo com uma senhorinha usando calças
cinzas de moletom, uma camisa de botões e xale de crochê sobre os ombros. Ela deve ter uns setenta
e tantos anos, talvez oitenta, e seus olhos azuis se esbugalham, assustados, ao me verem do outro lado
da tela.
— Misericórdia! — exclama.
Antes que eu tenha tempo de explicar a situação, a senhora já bateu a porta na minha cara,
resmungando alguma coisa sobre “Mas que pouca vergonha!”. A voz fininha dela vai sumindo pela
casa adentro… “Esses jovens de hoje em dia, pura libertinagem!”
— Por favor, senhora — praticamente suplico —, não é nada do que a senhora está pensando!
Precisamos de ajuda!
Procuro por Bianca, ainda estática e emudecida. Ela morde o lábio inferior com força e treme
um pouco. Dou um passo na sua direção, querendo abraçá-la, mas contenho o ímpeto de tirar a mão
da frente da virilha.
— Olha, vai ficar tudo bem, ok? Vou convencer a velhinha a nos prestar ajuda. Arrumar uma
toalha, um telefone, quem sabe até umas roupas?
Ela começa a balançar a perna esquerda sem parar.
— Duvido muito, Filippo. Viu como ela nos deu as costas? Provavelmente vai chamar a
polícia pra nós dois e seremos presos por atentado ao pudor!
— Bom, pelo menos vão nos arrumar uma roupa. — Bianca me olha como se quisesse comer
meu fígado e suspira. — Não pensa assim, certo? Mesmo que ela chame a segurança do parque ou a
polícia, vamos poder explicar tudo e conseguir ajuda.
— Eu não sei, não, Lipo.
Estou abrindo a boca para dizer algo em resposta quando a primeira investida me acerta no
ombro esquerdo, seguido de uma voz fininha exclamando “Tarado!”. Em um primeiro momento, nem
sei de onde veio o golpe e levo um segundo para entender que é a senhorinha me surrando com uma
vassoura. A segunda investida acerta o outro ombro e só então reajo e me afasto dela.
— Tarado! Indecente! — ela xinga e me persegue, tacando a vassoura sem dó nas minhas
costas.
Fujo dela, afastando-me da varanda com o corpo inclinado e os braços protegendo a cabeça,
mas ela é obstinada e rápida demais para uma senhora da idade dela e segue me agredindo e
xingando.
— Senhora, me deixa explicar! — peço, e ela me acerta outra vassourada.
Ouço a voz de Bianca vindo de algum lugar dizendo que não é nada disso que ela está
pensando. A senhora não dá ouvidos a nenhum de nós e continua me batendo. Eu me afasto cada vez
mais e dou a volta na cabana com a velha no meu encalço. Se eu achei que nosso azar não poderia
piorar, estava redondamente enganado. A situação fica ainda mais humilhante. Um homem de vinte e
nove anos sendo surrado por uma velha. Pelo amor de Deus!
— Roubaram as nossas roupas! — consigo gritar. — Só viemos pedir ajuda!
Eu espero pelo próximo golpe de vassoura, mas então, nada acontece. Com uma mão ainda na
virilha, o outro braço protegendo a cabeça, eu arrisco dar uma olhada para trás. A vassoura está
erguida, a poucos centímetros de mim.
— Estávamos nadando na cachoeira aqui perto — Bianca grita ainda do alpendre. — E aí
percebemos que roubaram todas as nossas vestimentas. Viemos pedir ajuda.
— Estavam nadando sem roupa?
— Sim — respondo.
— Pouca vergonha! — E então desce outra vassourada em mim.
— Ai! — reclamo. — Pode parar, por favor, de me bater, senhora? Não apanhei assim nem
da minha mãe!
A senhora baixa a guarda, por fim, e eu endireito a postura, as mãos cruzadas na frente das
minhas partes.
— Olha, só queremos umas toalhas pra nos cobrirmos, talvez usar um telefone e ligar para a
segurança do parque e explicar nossa situação. Juro que não queremos fazer mal à senhora.
A velhinha me avalia criteriosamente, seus cabelos brancos curtos e ralos movimentando-se a
favor do vento suave. Ela ergue a vassoura de novo e eu levanto as duas mãos de forma instintiva
para me proteger. Demoro um instante para entender o que fiz e volto a tampar meu sexo.
— Que saúde, hein, meu filho?
Como é?
Eu faço menção de me erguer, mas ela me ameaça de novo com a vassoura e eu recuo.
— Se tentarem alguma coisa — adverte —, não penso duas vezes em te descer o cacete,
ouviu?
Assinto vigorosamente, e a velhinha abaixa a vassoura.
— Como vocês se chamam? — pergunta e me indica o caminho para voltar à cabana.
— Filippo e Bianca. Somos de Santa Mônica.
— Sou Sebastiana, mas todo mundo aqui me chama de Vovó Tiana. — Ela sobe o alpendre
com alguma dificuldade, apoiada ao corrimão que ladeia os três degraus da varanda, o que me deixa
intrigado. Para me esporrar com o cabo da vassoura ela me parecia muito bem e nada frágil. —
Vocês estão com sorte hoje.
— Sorte… — Bianca esganiça e eu envio um olhar de advertência para ela. Não queremos
provocar a velha.
Vovó Tiana parece não dar importância ao comentário ácido dela e continua dizendo:
— Tenho dois netos mais ou menos da idade de vocês. — Ela abre a porta-mosquiteiro e a
mantém aberta, virando-se na nossa direção. — Eles vêm me visitar de vez em quando e por isso
deixam uma meia dúzia de roupas aqui. Vou pegar umas peças pra vocês. Entrem, entrem. — E
movimenta as mãos.
Nós hesitamos por alguns segundos e trocamos um olhar tenso.
— Querem ajuda ou não?
Bianca suspira e vai na frente, receosa. Eu a sigo em seguida, passando pela senhorinha e
sentindo um sorrisinho nela.
— Você tem um belo de um traseiro, rapaz — a vovó comenta como se estivesse falando dos
meus olhos claros. Bianca ri baixinho e eu quase me engasgo com minha própria saliva. Meu rosto
queima e eu só quero fugir para as colinas.
— Depois, eu é que sou o tarado.
Paramos no meio da sala da cabana, sentindo um aroma gostoso de café e jasmim. A
decoração é bem típica de velhinhos: adornos de crochês nos sofás e mesinhas, um quadro de um
Jesus europeizado na parede e um cantinho para um santo que eu acredito ser Santo Expedito, mas
não tenho muita certeza. Há um radinho a pilha conectado em uma estação católica, as ondas
transmitindo um sermão bíblico.
— Eu sou uma senhora de setenta e oito anos, viúva há vinte. Faz tempo que não vejo um
homem bonito e cheio de saúde assim, que nem ocê. — A velhinha olha para Bianca e dá um
sorrisinho confidente. — Com todo respeito, viu?
Ela balança a cabeça em negativo.
— Filippo não é meu namorado. Somos só… amigos.
Vovó Tiana pisca duas vezes e se vira para mim. Antes que eu espere, recebo outra
vassourada.
— Pouca vergonha!
— Meu Deus! Por que estou apanhando agora, posso saber?!
— Amigos. Eu não nadava pelada com meus amigos, não! Que geração mais depravada!
A velha deixa a vassoura em um canto qualquer e sai resmungando… “Pouca vergonha! Devo
ter roupas limpas. Essa geração…” Assim que ela some, eu pego a vassoura e a taco para o lado de
fora. Bianca ainda acha motivos para rir da minha cara.
— Não é você que está apanhando com essa coisa!
Tiana retorna dois minutos depois e nos entrega os pares de roupa. Ela indica o banheiro no
fim do corredor e, por fim, podemos nos vestir. Para Bianca, ela entregou um vestido florido e uma
bermuda para usar por baixo. A mim foi entregue uma calça jeans que fica um pouco apertada demais
na cintura e uma camisa polo preta. O zíper ainda enrosca nos meus pelos pubianos e eu tenho que
fingir que não está me incomodando.
Ao sairmos do banheiro, a velhinha nos chama para a cozinha. Ela arrumou uma mesa de
apenas dois lugares com todo esmero, servindo café, biscoitos, bolo e pão.
— Sentam e comam. Estão com fome?
— Não queremos incomodar — alego.
— Pior que incomodar é fazer desfeita — Tiana insiste. — Sentem e comam. Não tenho
telefone aqui, mas tenho um radiocomunicador para emergência e essas coisas. Vou pegar pra vocês
se comunicarem com a base da Guarda.
Ela deixa a cozinha a passos arrastados e eu resolvo não contrariar a velha. Capaz de ela me
dar mais vassouradas. Por isso, sento-me a mesa e me sirvo com uma xícara de café e alguns
biscoitos. Bianca faz o mesmo e comemos por um ou dois minutos em silêncio até Tiana voltar com o
radiocomunicador.
Consigo contato com a base da Guarda Florestal e conto tudo desde o início. O homem que
me atende — um guarda chamado Laurentino — diz que vai registrar minha reclamação com a
segurança e administração do parque e que eu devo ir até a sede da empresa de segurança para
formalizar a queixa. Não sei se isso vai dar em alguma coisa. Quem roubou nossas roupas, por pura
brincadeira de mal gosto, com toda certeza, nunca será descoberto. De qualquer maneira, vou fazer o
que ele me pediu assim que deixarmos o parque.
— Tudo resolvido? — a senhorinha pergunta quando lhe entrego o radiocomunicador.
— Sim, sim. Muito obrigado pela ajuda. — Eu me levanto do meu lugar e aliso as mãos nas
coxas. — Nosso acampamento não está muito distante daqui. Vamos colocar nossas próprias roupas e
venho devolver as dos seus netos.
Tiana move a mão no ar, dispensando meu gesto.
— Não precisa. Meus netos não vão dar falta.
— Mas faço questão — insisto, e vovó Tiana não me contraria mais.
Espero Bianca terminar de comer para voltarmos ao acampamento. A velhinha quer que a
gente fique mais um pouco e lhe faça companhia, mas logo vai começar a escurecer e temos mesmo
que ir, principalmente porque a caminhada até lá vai demorar mais por estarmos descalços — a
senhorinha não tinha um par de chinelos sobrando para nos arranjar.
— Muito obrigada pela ajuda, de verdade — Bianca agradece mais uma vez.
— Tirando as vassouradas que me deu, é claro.
A velhinha ri com a mão na boca acompanhada por Bianca. Nós nos despedimos dela,
agradecemos mais uma vez pela ajuda e pelo café e caminhamos de volta ao acampamento. Quando
chegamos — muito tempo depois, cansados e cheios de dores nos pés — é um alívio enorme.
Deitamos um ao lado do outro dentro da barraca e ficamos longos minutos descansando da nossa
aventura.
— Sem chance de eu voltar lá hoje entregar essas roupas — digo com um sussurro. — Deus,
estou exausto.
Bianca ri baixinho e encaixa a cabeça no meu tórax. Tiramos um cochilo e acordamos quando
já está escuro. Nós nos arriscamos em um banho rápido no rio e vestimos nossas próprias roupas.
Acendo uma fogueira e assamos marshmallows enquanto rimos do nosso dia. Ela gargalha de juntar
lágrimas nos olhos e é estranha a sensação de felicidade que eu sinto só de vê-la… sorrindo e feliz.
No dia seguinte, dormimos até mais tarde, acordando por volta de oito da manhã. Como
prometido, retornamos até a cabana da Vovó Tiana para devolver as roupas que pegamos
emprestadas. Ela nos faz ficar para o almoço, embora mal sejam onze horas. Com medo de levar
mais vassourada (mas também com alguma fome), aceitamos numa boa. Perto de uma da tarde,
decidimos que é hora de voltarmos para o acampamento. Ainda precisamos organizar nossa partida e
queremos fazer a trilha de volta com a luz do dia a nosso favor.
Prontos para a partida — depois de desmontar barraca, limpar nossa bagunça e juntar nosso
lixo —, fazemos o percurso de volta com planos de voltarmos em breve. Bianca gostou do lugar e da
experiência. Está quase anoitecendo quando vencemos os dez quilômetros. Uma vez de volta à
civilização, chamo um carro que nos leva até a rodoviária da cidade. Enquanto esperamos pelo nosso
ônibus, comemos alguma coisa. A viagem de volta é tranquila, e Bianca acaba adormecendo na sua
poltrona. Sem notar, ela encosta sua cabeça no meu ombro, e eu não faço qualquer objeção a isso.
Chego a… gostar do seu contato.
Ao desembarcamos, é bem tarde da noite e pedimos outro carro de aplicativo para nos deixar
em casa. Bianca está animada falando do nosso fim de semana, de como gostou demais apesar de
tudo.
— Será que dá tempo de eu correr comprar uma água? — pergunta e aponta para um bar
ainda aberto a uns cinquenta metros de distância. — Estou morrendo de sede e a nossa deve estar
quente e velha.
— Dá sim. Corre lá.
Um minuto depois, nosso veículo chega. Acomodo todos nossos pertences no porta-malas
enquanto a espero.
— Você está acompanhado? — o motorista pergunta, ajudando-me com minhas tranqueiras.
— Estou, sim. Ela foi comprar uma água e já vem.
Ele assente e baixa a porta, voltando para seu lugar enquanto eu a espero. Bianca demora
mais uns quatro minutos até aparecer com uma garrafinha de água gelada. Ela me oferece um gole,
mas dispenso. Bianca entra primeiro, falando alguma coisa sobre como o atendente no bar foi meio
grosseiro, e eu entro em seguida, batendo a porta. O carro sai um instante depois, a garota ainda
reclamando de como foi mal atendida.
— Quer que eu volte lá e dê uma coça no atendente? — brinco, e ela dá uma risadinha baixa,
dispensando minha oferta.
— Falou o homem que apanhou de vassoura.
Eu rio e belisco sua costela. Chego bem perto do seu ouvido e sussurro:
— Você tentou ver o lado bom de toda aquela confusão. — Mordisco seu lóbulo da orelha e
sinto quando ela fica tensa no lugar, seu corpo respondendo ao meu toque e provocação. — Eu te
comi gostoso, esse é o lado bom.
— Seu safado — ela murmura de volta, mordendo de leve meu lábio inferior.
Bianca se afasta de mim e se ajeita no banco. Eu fico comportado ao seu lado, minha mão
suavemente na sua coxa.
— Bianca? — o homem a chama, olhando para ela pelo retrovisor central. — É você mesmo?
O rosto dela, antes alegre, agora muda para uma expressão de desgosto. Corrijo minha
postura, como um sinal de alerta, e olho para o motorista pelo mesmo reflexo. Seus olhos escuros
encontram os meus com rapidez antes de voltarem sua atenção para a estrada.
— Faz tempo que não te vejo — ele mantém a conversa. — Como você está?
— Estava bem até um segundo atrás. Se eu soubesse que você que viria nos buscar, teria
cancelado a corrida, Danilo.
Danilo.
É quase automático e inconsciente de minha parte passar o braço por cima do ombro de
Bianca. Danilo olha para nós mais uma vez e assente devagar.
— Vejo que ainda guarda mágoas.
Ela solta uma risada histérica e cruza os braços na frente do tórax, sem dizer mais qualquer
palavra. Um silêncio tenso preenche o carro e eu procuro por sua reação o tempo inteiro, preocupado
em como esse homem pode ser uma influência ruim para Bianca.
— Então… — Danilo quebra o silêncio um momento depois. — Serão dois destinos? Deixo
você primeiro — diz, olhando para mim — e depois a Bianca? Mora no mesmo endereço ainda,
querida?
Travo o maxilar, não gostando do “querida” no final de sua frase, não gostando da insinuação
no seu tom de voz. Só por cima do meu cadáver eu permitiria que Bianca ficasse sozinha com esse
cretino no carro dele.
— Um destino apenas — digo em reposta, antes que ela possa abrir a boca. Pela sua
expressão de raiva, sei que ia mandá-lo à merda. — Tudo bem pra você, amor? — Viro-me para
Bianca e a olho com carinho, sentindo que o desgraçado está nos observando. — Está tarde e você
está cansada. Dorme lá em casa hoje.
— Eu não sei. — Ela aparece realmente hesitante em aceitar meu convite. — Não tenho um
par de roupa limpa.
Eu dou de ombros e ofereço um sorriso sacana.
— Gosto de você nua.
Ela dá um tapa em mim e ri.
— Filippo!
— É sério — reafirmo e a olho com mais firmeza para que entenda que não estou oferecendo
apenas para que se livre do ex-namorado idiota. Eu quero mesmo que ela passe uma noite comigo. —
Dorme lá em casa. Tenho uma máquina de lavar e uma secadora que vão resolver seu problema.
Ela suspira e assente.
— Tudo bem.
Viro-me para Danilo.
— Um destino apenas para mim e para minha namorada — reafirmo, e a última parte é
claramente uma provocação.
Meio a contragosto, ele assente sem dizer qualquer outra palavra. Bianca e eu fazemos o
restante do percurso combinando sobre o final de semana em que vamos para a casa de campo dos
meus avós paternos. Eu sei que Danilo está ouvindo com atenção a nossa conversa e vez ou outra
envia um olhar rápido pelo retrovisor. Não sei por que fico com tanta necessidade de marcar
território, mas é o que faço por todo tempo em que estamos dentro do carro. Beijos aqui e ali,
carinhos no rosto, na perna, sussurros safados no ouvido dela.
Quando chegamos ao nosso destino e descarregamos nossas bagagens, pago a corrida no
cartão de débito notando o mau humor repentino de Danilo. Ele mal se despede de nós e assim que
vira a esquina, Bianca resmunga:
— Babaca idiota. Vou chamar outro carro.
— Por quê? — pergunto, franzindo as sobrancelhas.
— Pra eu ir embora, ué. — Ela puxa o telefone do bolso traseiro da calça.
— Eu pedi para passar essa noite comigo, Bianca.
Ela ergue os olhos na minha direção, um pouco surpresa.
— Estava falando sério? Tipo, não era só uma forma de provocar aquele idiota ou de não me
deixar sozinha com ele no carro?
Movo a cabeça em negativo.
— Não. Eu falei sério. Dorme comigo hoje. — Olho no meu relógio de pulso e noto que está
beirando uma da manhã. — Está muito tarde e não vou permitir que vá embora em um carro de
aplicativo. Nem fodendo.
Ela me dá um sorriso pequeno, os dentes mordiscando a parte de dentro do lábio inferior.
— Não vou incomodar?
Dou um passo na sua direção e abraço a sua cintura.
— Ontem me disseram que pior que incomodar é fazer desfeita.
Ela ri e assente.
— Eu fico — murmura, os olhos nos meus.
Inclino-me na sua direção e a beijo.
Por algum motivo, eu sinto que esse beijo é diferente de todos os outros.
Todas as nossas bagagens ficam no meio da sala, descarregadas de qualquer maneira, e
Filippo nos arrasta para um banho quente de banheira. Três dias sem um banho decente e, Deus do
céu, como senti falta.
— Adorei o contato com a natureza — comento e esfrego suavemente a área abaixo dos meus
seios, os braços dele em volta da minha cintura —, mas não troco um chuveiro quentinho por uma
cachoeira por nada nesse mundo. — Sinto seu sorriso sacana na curva do meu pescoço e um beijo
leve em um pontinho atrás da minha orelha.
— Tem que ir para o bar amanhã?
Sua pergunta vem acompanhada de um deslizar gostoso da sua mão pelo vale dos meus
peitos. É um carinho diferente, gostoso, quase… amoroso, e a sensação, por conta disso, é nova para
mim. O contato dura apenas um instante. Filippo toma a bucha da minha mão e passa a esfregar meus
ombros.
— Tenho, sim. Preciso chegar às duas. Por quê?
— Fica aqui até ter que ir trabalhar?
Eu me viro para ele, o tanto quanto consigo, e o encaro seriamente.
— Tudo bem, estou ficando com medo.
Filippo ri e me vira para frente outra vez, tornando a esfregar meus ombros.
— Não estou me apegando — esclarece muito calmamente. — Lembra que não posso sair
com outra garota? Além do mais…
— Espera. — Eu giro na sua direção de novo, não me importando em esconder o desagrado
que sua frase me causou. Eu não vou servir de estepe para ninguém se é isso que ele está pensando!
— Só quer que eu fique por esse motivo? Porque não pode sair por aí fodendo a primeira que se
oferecer pra você?
— O quê?
Eu me levanto tão rápido — espirrando água para todo lado — que quase não me dou conta.
Enrolo-me em um roupão e saio da banheira ignorando o seu “Bianca, espera!”. Corro para o quarto,
decidida a vestir minhas roupas e ir embora, não importa que horas sejam. Eu mal passo pelo umbral
da porta quando Filippo agarra meu pulso.
— Você sabe, não é? — Seu tom é cuidadoso, até um pouco confuso, como se eu estivesse
agindo feito uma doida. — Foi o combinado, Bianca. Desde o início, eu te disse que ficaria só com
você por um mês.
Uma pontada estranha acerta minha têmpora e eu prendo a respiração por um segundo. Livro-
me da sua pegada e passo a mão nos meus cabelos molhados, não sabendo se ele tem razão ou se só
está tentando levar vantagem e me fazer passar por maluca.
— Eu me expressei mal — Filippo explica, o tom ameno, expressão suave. — Te pedi para
ficar, você achou que eu poderia estar me apegando, então expliquei que não é apego, é porque temos
esse mês juntos, então… — Ele suspira e aperta a ponte do nariz. — Entende o que quero dizer,
Bianca? Acho que estou me complicando mais ainda. De qualquer maneira, te pedi pra ficar comigo
porque gosto da sua companhia.
De repente, eu me sinto muito patética. É claro que é só isso. Foi o combinado, e sempre
estive ciente dessa nossa relação. Outra pontada na minha cabeça me atinge e eu já não sei mais no
que pensar. Não gosto desse sentimento de que estou errada, a sensação de culpa e de que estou
afetada demais, exagerando em tudo. Eu me sentia exatamente assim com Danilo.
— Me desculpe — Filippo pede e toca no meu queixo, erguendo meu olhar para o seu. — Foi
bem idiota da minha parte o que eu disse. Está certa em se sentir ofendida. — Pisco duas vezes
porque não esperava que ele me desse razão. — Te pedi para ficar porque eu quero que você fique.
Assinto devagar, seus olhos amenos nos meus, transmitindo uma sensação de tranquilidade
que me acalma.
— Eu fico — respondo com um sussurro.
Filippo sorri — aquele seu sorriso fácil, gostoso, até… inocente —, se inclina na minha
direção e me dá um beijo leve. Depois disso, nós nos aprontamos para dormir. Ele veste só uma
cueca box preta, e eu visto uma camisa preta dele. Caio na sua cama, sentindo o cansaço massacrar
meu corpo, e ele logo está me abraçando pela cintura, o rosto encostado no meu ombro.
Só leva um segundo para eu pegar no sono.
Desperto porque não sinto Filippo ao meu lado. O relógio de parede — feito em um disco de
vinil que traz a silhueta de um alpinista em ação — mal marca nove da manhã. Pelo horário que
fomos dormir, eu esperava que ele não acordasse antes das onze. Levanto-me com alguma
dificuldade e me arrasto até o banheiro. Lavo o rosto, encontro uma pasta de dente e a uso para fazer
um bochecho. Vago pelo apartamento dele até encontrá-lo na cozinha, de bermuda e regata, os
cabelos ligeiramente molhados, vindo do fogão com uma frigideira. Ele vira o conteúdo dela, que me
parece ser panqueca, em um prato sobre a mesa.
— Panqueca de chocolate e banana — diz, arrastando o prato frente a uma das cadeiras. —
Mattia sempre fazia pra mim quando éramos crianças. É uma delícia.
Sento-me e dou uma garfada generosa na panqueca macia. Na boca, sua textura agrada, o
sabor é muito bom e a massa derrete.
— Hum… Hum!
Ele sorri e come um pouco da sua porção.
— Muito bom, não é?
Conversamos durante a refeição, ele me contando da sua próxima viagem nesse final de
semana com clientes da empresa. Ao terminarmos de comer, vamos para a sala namorar de forma
indecente no sofá. Os lábios dele nos meus são firmes e ávidos, as mãos passeando pelo meu corpo
até alcançar minha intimidade nua. Abraço sua cintura com as pernas e me esfrego nele, precisando
demais que ele apenas me satisfaça. Filippo abre alguns botões da sua camisa em mim, o suficiente
apenas para ter acesso aos meus seios e chupá-los. Ele faz um trabalho incrível nos meus bicos
intumescidos, mordiscando, chupando, massageando, sugando e deixando bem úmidos. Sua boca vai
descendo devagar pelo caminho de pele que encontra até chegar à minha boceta.
Seus olhos se erguem para mim e um sorriso sacana desponta dos lábios bonitos. Prendo a
respiração ao antecipar o choque bom que vai atingir meu clitóris quando ele me chupar e a solto
lentamente assim que isso de fato acontece. Ele me suga com força, apertando os dedos nas minhas
coxas. Cravo minhas unhas no estofado, arqueio as costas para trás, quase encontrando meu orgasmo,
e é então que a vejo chegando com uma torta nas mãos.
— Ai meu Deus! — nós duas dizemos ao mesmo tempo.
Numa fração de segundos, deslizo para cima no sofá, fugindo dos lábios dele, assustada pelo
flagra. Com esse movimento, eu dobro um joelho, que acerta o queixo de Filippo. Enquanto dona
Louise se vira de costas muito rapidamente, envergonhada pela cena que acabou de ver, o filho rola
para o lado e resmunga de dor, a mão no local em que o acertei. Tento ao máximo ficar atrás dele,
mas não preciso de muito. Ela se prontifica e corre até a cozinha.
— Filippo, é a sua mãe! Meu Deus, que vergonha!
Os olhos dele estão marejados quando me encara.
— Chutou meu queixo — reclama, com um pouco dificuldade porque tenta pronunciar as
palavras sem tocar a línguas nos dentes. — Puta que pariu, Bianca. Até o final desse mês, você ainda
me mata.
Dou um pontapé no braço dele.
— Escutou o que eu te disse? A sua mãe entrou no apartamento e viu você me chupando!
— Cortei a língua, está vendo? — Aponta para o corte que sangra um pouquinho, sendo toda
a sua preocupação no momento. — Acho que minhas papilas degustativas estão comprometidas.
Bufo e me levanto, correndo para o quarto dele. Reviro seu closet em busca de algo para
vestir já que sua promessa de lavar e secar minhas roupas na sua secadora não foi cumprida.
Encontro uma cueca que fica um pouco larga, mas nada que um nó lateral não resolva, e uma calça de
moletom com cordinhas que uso para regular a cintura. Fecho os botões da camisa e ajeito meus
cabelos. Ele aparece um instante depois, com a cara mais deslavada do mundo.
— Dona Louise já foi embora? Só saio daqui se me disser que sim.
Ele ri um pouquinho e abana a cabeça em negativo.
— Ela queria ir, mas pedi para ficar. — Pisco algumas vezes para assimilar o que me disse
enquanto caminha para o banheiro. Ele pediu para ela ficar?! — Eu me esqueci que a mamãe ia vir
aqui hoje. — Sua voz soa um pouco abafada por causa da distância. Ao aparecer no limiar mais uma
vez, está escovando os dentes. Ele afasta a escova da boca e diz da melhor maneira que consegue: —
Veio me trazer uma torta de frutas, receita da minha avó. Pedi para ela fazer pra mim dia desses.
Bateu uma saudade da minha vó, mesmo que a torta não seja exatamente…
— Filippo!
Ele volta para o banheiro e reaparece enxugando o rosto em uma toalha.
— Está tudo bem, Bianca. Vamos lá, você come um pedaço de torta e…
— Deve estar com um parafuso a menos se acha que vou encarar sua mãe depois de ela ter
visto…
Ele me puxa pelos punhos, praticamente me arrastando pelos corredores até a cozinha,
dizendo que não foi nada demais e que dona Louise vai fingir que não viu e nem ouviu nada. Eu quero
matar esse filho de uma boa mãe, mas recomponho minha postura assim que a vejo arrumando a mesa
com a torta. Ela olha para nós dois e nos dá um sorriso acolhedor.
— Não é como a dona Elisa fazia — comenta, apontando para a torta ao pegar uma espátula;
depois, corta um pedaço. — Mas aprendi com muito amor e carinho para fazer para os meninos.
Filippo é quem mais pede. — Ela tira uma fatia da iguaria, coloca no pratinho e coloca na frente do
filho, já sentado na mesa para comer. Dona Louise tira outro pedaço e entrega para mim, indicando o
lugar ao lado de Filippo para que eu me sente.
Muito sem graça, eu me sento e agradeço com um sorriso fraco pelo pedaço da torta.
— O Filippo tem falado de você — dona Louise comenta despretensiosamente, agora tirando
um pouco da torta para si mesma.
— Mãe!
— Ele tem falado…?
Filippo balança a cabeça de um lado a outro e suspira.
— Não dê ouvidos para minha mãe. Ela está exagerando. Eu falei uma ou duas vezes apenas e
foi só para explicar por que estamos nos vendo tanto.
— Ah.
Louise leva o garfo à boca com um pedaço da torta e segura uma risadinha sugestiva.
— De qualquer maneira, já que estão saindo por esses dias, deveria levá-la em casa, Lipo.
Que tal no domingo para um almoço com a família?
Balanço a cabeça em negativo o mais forte que consigo ao passo que Filippo faz o mesmo,
emitindo um “Mãe, não inventa”. Ela insiste, contudo, argumentando que será apenas um almoço
simples e que não o vão atormentar com qualquer ideia boba sobre namoro.
— Ela vai apenas como uma amiga. Vocês são amigos acima de tudo, não são? Mesmo que
amigos com benefícios, vocês são amigos. Ponto.
Filippo olha para mim, parecendo considerar o pedido.
— Somos, é claro que somos — ele responde, por fim, e afasta o prato com metade do seu
pedaço sobrando. — Mas nunca levei amigas coloridas para um almoço em família, por que eu faria
isso agora?
Louise dá um tapinha no braço do filho.
— Não seja indelicado, Filippo! E você nunca levou porque nunca saiu com uma garota por
tempo suficiente para isso. Além disso, a Bianca é amiga da Lauren, então, está tudo entre família. —
Seus olhos me encaram, suaves e maternos. — Não precisa aceitar se não estiver confortável, mas
saiba que vamos ficar felizes em te receber.
Eu nem sei o que responder frente a sua oferta. Não é vergonha porque faz pouco tempo que
ela flagrou seu filho fazendo sexo oral em mim e agora está me convidando para um almoço de
família. Apenas… me sinto acolhida. Não era só com Danilo que minha relação era ruim. A mãe dele
e eu não tínhamos uma boa convivência porque ela não gostava de mim, não aceitava nosso
relacionamento e vivia dizendo que eu não era boa para seu filho.
Suspiro e lhe dou um sorriso sincero, esforçando-me para não ficar comparando os dois o
tempo inteiro ou permitindo que minhas antigas experiências reflitam tanto assim nas minhas relações
atuais. Filippo toca na minha mão e eu encontro os seus olhos.
— Vou adorar se você for — sussurra. — Achei que não estava confortável com o convite,
por isso eu achei melhor, sabe, pedir para mamãe parar de te azucrinar. — Assinto e expando um
pouco mais meu sorriso.
— Tudo bem. Podemos marcar um domingo. Só não consigo nesse porque vou trabalhar.
Dona Louise abre um sorriso satisfeito e se levanta.
— Só vim trazer a torta para o Lipo, agora tenho mesmo que ir. Até porque sei que vocês dois
têm coisas mais interessantes pra fazer.
— Mãe! — Filippo exclama, rindo alto, e eu escondo o rosto entre as mãos.
Pelas frestas dos dedos, vejo Dona Louise com um sorriso sugestivo enquanto deixa um beijo
rápido no rosto do filho.
— Se divirtam e se projetam! — exige quando já está chegando à sala.
Só tiro as mãos da frente do rosto ao ouvir a porta de entrada ser fechada e tenho certeza de
que a mãe dele já foi embora.
— Como eu já te disse uma vez — ele comenta, apoiando o cotovelo na mesa e me enviando
um olhar malicioso —, você é azarada e está atraindo azar para mim também. Essas coisas só
acontecem quando você está por perto.
Eu gargalho e dou um murro no seu ombro.

— Não me contou como foi seu final de semana com o playboyzinho — Leandro implica,
parando ao meu lado com uma coqueteleira em mãos.
Eu me concentro no drinque de limão sem álcool que estou finalizando e faço um esforço para
não lhe dar os detalhes vergonhosos da viagem. Desnecessário meu irmão saber a situação
humilhante a qual fomos expostos.
— Não contei mesmo, mal te vi desde que cheguei — respondo, malcriada. Ele ri um pouco e
me empurra com os ombros. Ergo os olhos para o bar, mais lotado que o normal para uma terça perto
de fecharmos, mas nada que eu não dê conta. — Foi uma boa viagem.
Entretanto, meu irmão não está mais aqui quando digo isso. Ele já foi para o outro lado do bar
e está fazendo manobras com a coqueteleira antes de servir o drinque para o cliente engravatado.
Finalizo o meu, coloco um limão na borda do copo e entrego para o garçom. Lavo as mãos na água
corrente, cantarolo o rock que ressoa do sistema de som e organizo o meu espaço. Sinto alguém se
aproximar do balcão e levanto os olhos para atendê-lo. Prendo a respiração ao topar com os olhos
escuros dele.
— Muita audácia da sua parte, hein, Danilo?
Ele abre um sorriso idiota e se ajeita na banqueta.
— Eu só vim a um bom bar. — Pega o menu de bebidas, confere as opções e completa: —
Para me divertir um pouco. — Seus olhos se erguem para mim. — Matar a saudade de pessoas
especiais.
Estou prestes a mandá-lo se foder quando meu irmão aparece do meu lado, a cara de quem
vai pular o balcão e acertar o olho desse cretino.
— Está tudo bem, Bia?
— Está, sim — garanto. — Eu me resolvo aqui, Le. Atende o balcão pra mim, tá?
Meio a contragosto, ele assente e se afasta. Danilo continua na mesma posição de antes, sem
nem ter se afetado, e vira o menu para mim.
— Me prepara um desses.
Staiway to Heaven.
— Vai embora, Danilo — digo, sem qualquer paciência com esse homem. — Não é possível
que depois de tudo que fez, ainda tem a cara de pau de aparecer aqui.
— Só quero um drinque, Bianca — responde e solta um suspiro longo em seguida. — Não
acha que está exagerando? Criando caso à toa e fazendo tempestade em um copo d’água? Como
sempre.
Suas palavras me acertam como se fossem balas de uma arma potente. Sei que eu espere, as
lembranças da nossa relação voltam com toda força, e eu me vejo aqui de novo, com esse sentimento
de culpa, de que estou errada, de que estou mesmo exagerando, e ele é quem está certo. O tempo
inteiro que estávamos juntos ouvia “você está sendo exagerada”, “está criando caso”, “está sendo
dramática ou paranoica”, “isso é coisa da sua cabeça”, “está procurando pelo em ovo.” Inspiro fundo
e engulo em seco, decidida que não vou me deixar ser afetada por esse homem. Repasso seu pedido a
um barman da equipe que atende no outro extremo do balcão porque me recuso a preparar o drinque
de Danilo. Na pior das hipóteses, sou capaz de botar veneno. Um toque do meu celular desvia meu
foco e não evito um sorriso ao notar uma mensagem de Filippo.
“Depois que sair daí, quer vir aqui em casa assistir um filme da Barbie?”, logo abaixo, ele
envia um emoji de carinha safada. Não vale nada mesmo. Respondo sem perceber que tenho um
enorme sorriso e que pareço uma idiota apaixonada.
“Só se eu escolher qual deles.”
“Você quem manda, boneca.”
“Saio às onze.”
Filippo visualiza e manda um “joinha”, o que me faz rir sem eu saber exatamente o motivo.
Guardo o telefone no bolso e só então me lembro do cretino logo à minha frente.
— Então… cadê seu namorado? — Danilo se debruça sobre o balcão e me encara como
quem não quer nada, como se fôssemos apenas amigos de longa-data colocando a conversa em dia.
— Ele está em casa. — Forço um sorriso e começo a secar alguns copos e taças que estão
escorrendo. — Filippo sabe que não precisa me vigiar o tempo inteiro porque trabalho em um bar ou
me sufocar com isso, entende? — alfineto porque esse era o comportamento de Danilo.
— É isso mesmo ou Filippo que não se importa o suficiente? — Endireito minha postura, não
gostando da insinuação que acabou de fazer. — Sabe, eu estive dando uma olhada nas suas redes
sociais hoje, acabei encontrando uma foto de vocês e, consequentemente o perfil dele. Fui dar uma
olhada.
Solto uma risada sem humor.
— E você acha isso bonito ou normal? Ficar vasculhando minhas redes sociais e a do meu
namorado?
Danilo franze o cenho.
— Como sempre, exagerando. Eu só estava dando uma olhada. Nada de mais. — Ele se ajeita
no seu banco assim que a bebida chega. Depois de dar um pequeno gole e limpar os lábios com um
guardanapo de papel, continua: — Seu namoro é recente, não é? Porque não vi muitas fotos de vocês
juntos. Para um casal que me pareceu tão apaixonado…
— Isso não é da sua conta. Termina a droga do seu drinque e vai embora. Não precisa nem
pagar se não quiser.
Danilo finge que não me ouviu, o indicador brincando com a borda da sua taça.
— Eu fiquei curioso com esse Filippo e fui pesquisar mais sobre ele. Bem de vida, tem uma
empresa de esportes radicais, os pais são donos de uma empresa muito renomada no ramo de
multimídia. O que mais me deixou curioso, contudo — ele ergue os olhos para mim e um sorrisinho
maldoso desponta na sua boca —, é que ele é um verdadeiro filhinho de papai que não para com
nenhuma mulher. Justamente o tipo de homem que você me disse uma vez com quem nunca mais ia se
envolver.
Preciso fazer um esforço muito grande para manter minhas mãos e pernas firmes. Eu não vou
me deixar ser abalada por esse idiota presunçoso. Não vou.
— Quanto tempo até Filippo se cansar de você e te trocar por outra garota? Por experiência
própria, sabe que é da nossa natureza.
Reviro os olhos, enojada desse discurso idiota e machista.
— Fez o mesmo comigo. Me trocou por outra garota porque, segundo sua cabecinha cheia de
vento, é da natureza do homem. Então, por que a preocupação que meu atual namorado aja igual? —
Danilo dá de ombros e força um sorriso.
— Eu não me preocupo, mas você deveria.
— Também não me preocupo. Sabe, Danilo, o que mais me magoa em uma traição não é o
envolvimento sexual ou amoroso com outra pessoa, mas as mentiras e a quebra de confiança. Você
poderia ter me dito que queria terminar porque não sabe ficar com uma mulher só, mas preferiu
mentir. É claro. Era bom manipular a idiota aqui aos seus desejos e caprichos, não é? E é isso que te
diferencia do Filippo. Se ele se cansar de mim, se ele se cansar do nosso relacionamento ou de estar
só comigo, tenho certeza de que vai ser franco, vai me contar e vai preferir terminar a me magoar, me
traindo com metade da cidade.
Eu digo todas essas palavras com tanta firmeza — como se de fato eu e Filippo fôssemos
namorados, como se eu confiasse nele nesse nível — que quase acabo acreditando nessa mentira
deslavada.
Sequer dou tempo para esse cretino me responder, viro-lhe as costas e o deixo para trás.
Troco de posição com o barman da ponta e fico a próxima meia hora ou quarenta minutos trabalhando
nessa parte e ignorando o babaca que não para de olhar para mim. Quando falta cerca de meia hora
para fecharmos, eu o avisto chegando. Filippo caminha na direção do balcão, os olhos observando ao
redor como se procurasse alguém, e logo nota Danilo sentado ligeiramente de perfil em uma das
banquetas. Ele semicerra as pálpebras, talvez querendo ter certeza, e começa a se aproximar. Corro
para onde meu ex-namorado está e o alcanço ao mesmo tempo que Filippo, que tem uma ligeira
carranca ao confirmar suas suspeitas.
— Oi, Lipo! Não esperava que viesse.
Filippo crava as íris claras em Danilo por segundos longos demais em uma briga silenciosa,
só com essa troca de olhares. Quase dá para sentir a testosterona dos dois escapando pelos poros da
pele. Muito calmamente, desabotoando uma casa do blazer, Filippo se vira para mim e sorri,
sentando-se em uma baqueta ao lado de Danilo.
— Quis fazer uma surpresa e garantir que vai pro meu apartamento depois daqui, para
assistirmos ao filme da Barbie, sabe? — comenta e balança as sobrancelhas.
Eu fico um pouco vermelha com sua indiscrição e ignoro a risada sarcástica do Danilo.
Filippo também o ignora e pede um drinque. Enquanto preparo sua bebida, fico de olho nele e no meu
ex-namorado. A tensão dá para ser sentida daqui e tenho medo de que eles acabem saindo no soco
por qualquer motivo que seja. Se acontecer e o cretino começar a apanhar, não vou interferir.
Leandro aparece do meu lado e pergunta qual é a dos dois e eu só dou de ombros, contando para ele
que Danilo quem foi nos pegar ontem à noite e que Lipo e eu inventamos a história de namorados de
novo para… Pisco duas vezes ao analisar que não precisávamos fingir nada daquela vez, mas
Filippo quis encenar mesmo assim. Será que só estava tentando fazer ciúme no Danilo?
— Enfim, Danilo acha que Filippo e eu estamos namorando. Não estraga a farsa, está bem?
— finalizo e afasto qualquer outro tipo de questionamento da minha cabeça. Meu irmão concorda,
fica atento aos dois enquanto atende os últimos clientes antes de fecharmos, e eu levo o drinque para
meu namorado de mentira.
— Você foi incomodada, Bianca? — Filippo pergunta, os olhos muito fixos em mim, a voz
séria como quase nunca é, e beberica seu drinque.
Dou uma olhada rápida em Danilo e faço um gesto negativo.
— Não. Certas pessoas não me incomodam mais, nem se quisessem. Estou bem, Lipo.
Danilo se levanta em seguida, sua terceira ou quarta bebida ainda pela metade, tira uma nota
alta do bolso e o deixa sob a taça, saindo do bar em seguida. Filippo acompanha cada passo do outro
como uma águia de rapina. Ao se virar para mim, reclama:
— O que ele veio fazer aqui?
— Apenas perturbar.
— Poderia ter me falado, eu teria vindo antes.
Sorrio um pouco, achando fofo por algum motivo. Debruço-me sobre o balcão e toco no
dorso de sua mão com veias salientes.
— Não posso te usar o tempo todo como repelente.
— Pode sim, eu deixo.
Rio um pouco e baixo os olhos para meu toque na sua mão, algo diferente se remexendo
dentro de mim. Afasto-me abruptamente, como se eu tivesse tomado uma carga elétrica.
— O expediente já vai acabar e preciso organizar algumas coisas aqui antes de fecharmos.
Ele assente e vira mais um gole da sua bebida.
— Tudo bem. Eu espero.
Decido que vou começar pelo estoque e me afasto. Antes de desaparecer, eu me viro para trás
e o procuro ali, sentado na banqueta, o olhar para baixo conferindo alguma coisa no celular. Ele
parece notar que está sendo observado e ergue os olhos para mim. Um sorriso bonito ilumina seu
rosto e me envia um beijo.
Sorrio de volta e ignoro uma batida errática do meu coração.
— Eu ainda acho que você deveria ter me ligado — reclamo, ao abrir a porta do meu
apartamento, e dou passagem para Bianca. — Ia colocar aquele sujeitinho no lugar dele com todo
prazer. Ele teve muita cara de pau de ir te perturbar, não acha?
Ela avança sala a dentro, sem qualquer cerimônia, e para no meio do ambiente, enquanto eu
continuo reclamando sobre Danilo ter ido até o bar só para infernizar e fazer ceninha. No caminho
para cá, Bianca contou que ele a procurou apenas uma vez desde que terminaram. Qualquer idiota
pode concluir que ele só apareceu no bar por ter nos visto juntos.
— Não precisa marcar território o tempo inteiro, Filippo — responde com uma pitada de
irritação que me deixa em alerta. Tudo bem, acho que ela não é uma princesa em perigo precisando
de um príncipe encantado em um cavalo branco para resgatá-la do alto da torre.— Sei me virar bem
e lidar com aquele idiota.
Assinto e decido não falar mais nada sobre isso, impressionado comigo mesmo de que eu
tenha sentido essa necessidade de escorraçar com o sujeito. Convenço-me que não há qualquer
significado ou motivo maior por trás desse meu sentimento súbito, que eu teria feito o mesmo por
qualquer outra garota, e deixo o assunto morrer.
— O que foi? — questiono, curioso que ela continue parada no meio da minha sala,
observando ao redor.
Antes de ir buscá-la, eu deixei tudo preparado para nossa noite. O catálogo de filmes da
Barbie pula da tela da tevê, fiz pipoca, coloquei batatas chips em um recipiente de vidro, deixei
barras de chocolate ao alcance de um braço, o refrigerante está trincado de gelado, e estiquei
cobertores e almofadas no sofá. Lentamente, Bianca se vira na minha direção. Pisca uma vez. Duas
vezes. Depois, três vezes.
— Vamos mesmo assistir um filme da Barbie?
Inclino a cabeça um pouco para o lado.
— Vamos, ué. Foi pra isso que te chamei aqui. O que pensou que faríamos, sua depravada?!
Bianca ri alto e tira a mochila das costas, deixando-a em um cantinho.
— Achei que era só uma das suas gracinhas e que quisesse mesmo transar.
— Se eu quisesse transar, eu teria enviado: “Depois que sair daí, quer vir aqui em casa
transar?” — respondo e me aproximo dela, apoiando minhas mãos na sua cintura.
Ela sorri e está para dizer algo, mas grudo nossas bocas, sedento por um beijo que ela me
negou até aqui. Eu a sinto se derreter nos meus braços e suspirar. Antes que avancemos além do que
devemos, eu a afasto de mim.
— Escolha o título com sabedoria, hein?
Ela ri, e pela primeira vez desde que começamos a sair, parece que sua risada é tudo para
mim. Bianca pega o controle e vai passando pelos títulos do catálogo. Eu me acomodo no meu lugar
no sofá com algumas guloseimas. A garota não demora a fazer sua escolha, que me agrada bastante.
— Um clássico — brinco.
Ela se senta do meu lado e deixo o recipiente de chips no meio.
— Um marmanjo na sua idade que gosta de filmes da Barbie — provoca, jogando uma batata
na boca.
O longa ainda está na abertura, então temos alguns poucos segundos para conversarmos.
— Meus irmãos sempre detestaram quando éramos crianças, mas é claro que eu obrigava
todo mundo a maratonar cada título, dos mais antigos aos lançamentos. — Bianca me olha com
atenção, a expressão de quem está imaginando Paola e Mattia emburrados ao meu lado e se
divertindo com isso. — Eu obriguei o Liam a assistir A Princesa e a Plebeia comigo.
— Ele realmente assistiu? — Sua pergunta é estridente e escandalosa, acompanhada por sua
risada exagerada.
Rio junto e aceno com vigor.
— Meu amigo não teve escolha. Eu estava doente, e ele me devia um favor. Foi divertido e
até acho que ele gostou se você quer saber.
Bianca dá um tapa na minha coxa, ainda gargalhando, e seu contato parece despertar alguma
coisa dentro de mim. Desvio o foco disso assim que os primeiros takes do filme começam. Corro
para apagar a luz e, uma vez ao seu lado, Bianca apoia a cabeça no meu ombro. Sem entender o
motivo, lembro o que Mattia me disse um tempo atrás.
“Todo mundo ao redor dessa mesa tem uma história digna de um bom livro de romance. A
mamãe com o papai, eu com a Lauren. A Paola com o Liam. Em breve, você.”
Viro-me para Bianca, concentrada no filme à sua frente e levando batatinhas à boca, sem
notar minha atenção nela. Ela é bonita, inteligente, divertida, e quando não está atentando contra a
minha integridade física, gosto do tempo que passamos juntos. Penso nessas pouco mais de duas
semanas, desde que começamos a nos envolver e chego à conclusão de que não senti falta de estar
com outra mulher. Não foi nenhum sacrifício me manter apenas com Bianca, mesmo que dê para
contar nos dedos as vezes que transamos, ou as vezes que eu gozei com ela — total de uma. É
engraçado constatar que isso não me afeta, nem é o fim do mundo para mim.
Todos sempre me julgam como o cara que não sabe manter o zíper no lugar, que fode qualquer
ser humano que tenha uma vagina no vão das pernas, e tudo bem, porque dei motivos para esses
julgamentos. O que estou vivendo com Bianca nunca me permiti viver com nenhuma outra mulher,
exatamente porque achava inconcebível a ideia de ficar preso, de não ter a liberdade de sair com
outras garotas. Eu achava que não conseguiria, que seria impossível para mim; por isso, eu apenas
transava com elas, sem nenhum tipo de encontro divertido ou caseiro antes, durante ou depois de
nosso envolvimento. Poucas garotas continuaram minhas amigas após minha faixa de segurança de
três encontros. E cada uma delas nunca soube o que era vir para meu apartamento assistir qualquer
tipo de filme.
Eu pensava que seria um sacrifício, a coisa mais difícil de toda a minha vida, mas a verdade
é que ficar apenas com Bianca tem sido prazeroso da mesma forma. Temos um relacionamento
bacana que não se prende só ao sexo e para mim, isso é novidade. Não sei se eu teria me sentido
igual com outra mulher se tivesse me dado a chance de viver isso, mas o fato é que com essa garota
aqui no meu sofá, tenho gostado da experiência.
Liam estava errado, afinal.
Sorrio um pouquinho, pego uma chips e volto minha atenção ao filme.

Quando a animação chega ao fim, nós limpamos nossa pequena bagunça. Ela fica encarregada
de lavar a pouca louça, e eu tenho a missão de organizar a sala — levar cobertas e travesseiros para
meu quarto, jogar as embalagens vazias no lixo e varrer o tapete. Bianca está terminando de secar a
pia, eu me aproximo e apoio as mãos na sua cintura, esfregando de leve minha pélvis em sua bunda e
roçando o nariz no ponto atrás da sua orelha. Ouço-a suspira e se empinar mais na minha direção.
— Não era você que não queria transar hoje?
— Eu sempre quero transar — respondo e deixo um beijo suave e provocante na sua nuca. —
O foco hoje era o filme, e como já assistimos… Você tem que levantar cedo para ir ao bar amanhã?
— Afundo meus dedos na sua cintura e me esfrego um pouco mais nela, colocando mais pressão.
— Não. Durante a semana costumo entrar às duas.
— Então talvez você aceite que eu te coma naquela posição que prometi no sábado, se
recorda?
Ela não responde nada de imediato, apenas geme baixinho conforme me esfrego na sua bunda
gostosa. Levo uma mão ao seu queixo e a puxo para trás, buscando sua boca da melhor forma que a
posição permite.
— Me fala o que você quer, Bianca — sussurro, deslizando a língua entre a parte detrás da
orelha e da nuca.
Sua respiração acelera e ela ofega antes de gemer:
— Me come, Filippo.
Eu a giro na minha direção e tomo sua boca em um beijo rude e forte. Seus braços demoram
apenas um segundo para estar em volta do meu pescoço, e suas pernas, abraçando meus quadris. Eu a
levo de volta à sala e a coloco no meu sofá. Ávido, não quero esperar mais nenhum segundo, por isso
não faço qualquer cerimônia de puxar sua camisa cambraia pela cabeça. Dou uma rápida atenção aos
seus seios antes de deslizar meus lábios pela sua barriga, até alcançar a virilha. Puxo seu short jeans
para baixo e encho minha mão com sua boceta. O carinho — um vai e vem leve por cima do tecido
branco — é suficiente para arrancar dela suspiros e gemidos de prazer.
— Espere aqui — sussurro e corro até meu closet. Retorno um minuto depois com duas
gravatas e camisinhas. Ela me olha com curiosidade. — Seus punhos. — Bianca os estica para mim,
curiosa. Enrolo a gravata vermelha em torno deles para deixá-los unidos na frente do seu corpo e dou
um nó forte para finalizar.
A garota ergue uma sobrancelha.
— Não tinha ideia de que você curtia esse tipo de coisa.
— Você pode me amarrar uma hora se quiser — respondo e direciono a gravata preta até seus
olhos.
— Filippo… — sussurra assim que a venda obstrui sua visão.
— Não é nada excepcional. — Ajusto a peça para vendá-la bem. — Nada extravagante. É só
pra você curtir a experiência do sexo de um jeito… diferente. Se não quiser, partimos pro sexo
tradicional. — Há um instante de silêncio antes de ela suspirar e assentir devagar.
— Tudo bem.
— Pode me pedir para parar quando quiser caso não esteja gostando ou se sentindo
desconfortável — digo, ao me sentar no sofá. Trago-a para meu colo e a deixo de barriga para baixo
e de bunda empinada.
Acaricio suas nádegas e escorrego meus dedos até sua entrada. Bianca suspira e toma uma
grande respiração em seguida.
— Eu… não tenho como me tocar assim, amarrada — reclama com um suspiro agoniado. Sua
bunda se remexe e eu dou um tapa nela.
— É essa a ideia. — Esfrego meu indicador nela, o tecido ainda nos separando do contato
direto. — Só eu vou tocar nessa boceta hoje — sussurro, meus lábios próximos ao seu ouvido.
Em resposta, ela geme baixinho e se empina mais para mim. Coloco sua calcinha de lado e a
provoco usando as duas mãos. A direita está por baixo da sua cintura e entre suas pernas, o dedo do
meio e o indicador deslizando devagar para frente e para trás entre seus lábios grossos; a esquerda
está posicionada por cima de suas nádegas, e uso polegar para massagear a entrada do seu canal já
ligeiramente lubrificado. Entre um tapa e outro na sua bunda, aumento a pressão dos meus dedos nas
áreas erógenas de seu sexo e não demora nada até que esteja muito molhada.
— Vou te fazer gozar três vezes hoje — murmuro e mordisco a pontinha da sua orelha. —
Uma com meus dedos, outra com minha boca, e a última com meu pau socando sua boceta.
Ela geme e suspira, o rosto enterrado no sofá, e remexe os quadris contra meus dedos ainda a
estimulando.
— É uma promessa? — pergunta, a voz entrecortada.
— É uma promessa. — Ao responder, subo meu polegar que está melado até alcançar sua
bunda, e Bianca contrai os músculos em resposta. — Relaxa.
Ela atende meu pedido e, devagar, rodeio o polegar ali, lubrificando-o com os fluidos de sua
boceta, a minha mão por baixo da sua cintura ainda se revezando em esfregar seus lábios vaginais e
estimulando o clitóris. Estou duro dentro da minha calça, quase a ponto de explodir, mas sem
qualquer pretensão de parar com o que estou fazendo. É bom estar dentro dela, como é igualmente
bom brincar com seu juízo assim. Seu traseiro está bem lubrificado quando faço uma pressão certeira
com o polegar. Bianca não reclama mais, então, aos poucos, com cuidado e paciência, eu a penetro
por trás. Com calma para que se acostume ao meu toque, movo o dedo dentro dela. É dessa forma
que ela goza a primeira vez, com um gemido alto e o corpo se debatendo em cima do meu: dois
dedos em sua boceta e um no traseiro.
Faço um carinho suave na sua bunda enquanto a espero recuperar as energias e delicio-me
com seu cansaço, a respiração ofegante e os pequenos espasmos de prazer. Assim que se recupera,
uns cinco minutos mais tarde, eu a coloco de joelhos no sofá, fazendo-a apoiar os punhos amarrados
no encosto e deixar o rosto em cima deles.
— Segundo round? — sussurro às suas costas e deslizo meu indicador pela sua coluna
vertebral. Antes de obter uma resposta de sua parte, eu afasto sua bunda e enfio o rosto entre suas
pernas.
O gemido dela é um som pervertido e gostoso, e o modo como empurra o quadril de encontro
à minha boca me deixa ainda mais duro. Seguro-a firme no lugar para conseguir manter minha língua
em sua boceta e faço meu trabalho.
— Vire-se — ordeno, algum tempo depois.
Bianca se deita de barriga para cima, na beira do sofá, e eu me ajoelho à sua frente, jogando
suas pernas nos meus ombros. Com os pulsos amarrados, ela tenta empurrar meu rosto na sua
direção, o que causa uma sensação gostosa em mim, um pulsar delicioso no meu pau. Movimento
minha língua por sua extensão, de baixo para cima, e a ondulo no seu clitóris inchado. Repito o
movimento por algumas vezes antes de usar a boca para cobri-la por inteira e chupá-la como se fosse
uma fruta suculenta.
— Filippo… — Bianca choraminga e rebola contra meus lábios. — Eu… eu vou gozar de
novo. — O aviso vem acompanhado de um gemido obsceno e de espasmos no corpo. Ela está
tentando se soltar, mas fiz um bom nó e não vai conseguir fácil.
Tiro suas pernas de cima dos meus ombros e as abro bem, mantendo-as assim para que eu
possa intensificar o sexo oral nela. Com mais um ou dois minutos, ela se desfaz na minha boca
gemendo gostoso e posso sentir quando seu canal fica mais lubrificado. Acalmo seu corpo e a espero
se recuperar lambendo lentamente sua boceta. Assim que sua respiração se recupera um pouco, eu me
sento no sofá e a trago para meu colo. Beijos seus lábios devagar, tentado tirar a venda para poder
encarar seus olhos castanhos. Desamarro o nó e jogo a gravata no meio da sala.
— Quero olhar pra você enquanto te como. — Bianca me dá um sorriso cansado e pervertido.
Acaricio sua nunca e a tomo em mais um beijo lento, prestando mais atenção no sabor e na textura da
sua boca. — Ainda quer ou prefere parar?
— Você me prometeu três orgasmos.
Sorrio contra seus lábios e, com um movimento, rápido, troco de posição, deixando-a por
baixo. Tiro minha roupa, coloco uma camisinha e volto para ela, encaixando meu pau em sua entrada.
Ergo bem suas pernas, na posição que prometi que a comeria, e roço meus lábios. Coloco seus
punhos acima de sua cabeça e lhe dou um beijo suave em seguida.
— Me solta — ela pede com um sussurro quase engasgado. — Quero tocar você.
— Não — respondo e a penetro devagar.
Bianca geme e procura pelos meus lábios.
— Lipo, por favor…
Dou uma estocada funda e potente o bastante para dar um tranco no seu corpo pequeno.
— Não.
Ela implora mais uma vez para que eu a solte, e mais uma vez, eu nego seu pedido,
mergulhando em sua boceta com força que a faz gemer gostoso. Dito um ritmo forte e rápido para
dentro dela, extasiado com seu aperto e calor ao meu redor. Nossos gemidos se misturam e a
necessidade de beijá-la me toma de um jeito tão insano que eu a beijo sem qualquer delicadeza,
exigindo seus lábios, marcando-a com a barba, mordendo seu lábio inchado. Eu a deito no lado mais
comprido do sofá e me ajoelho entre suas pernas, seus punhos unidos vão para cima de sua cabeça,
uma perna fica em torno da minha cintura e a direita é apoiada no meu ombro esquerdo. Abraço sua
coxa direita com os dois braços e me arremeto com toda força em sua boceta escorregadia.
O som do atrito das nossas peles se mistura à confusão de suspiros e gemidos que somos
agora e isso me deixa cada vez mais excitado, cada vez mais obstinado a fodê-la a toda potência, a
marcá-la de um modo como nunca desejei marcar alguém. Eu quero que Bianca nunca me esqueça,
que nunca esqueça o que posso fazer com seu corpo, com sua mente, como sou capaz de fazê-la gozar
várias vezes e de formas diferentes. Eu a quero tão marcada pelo nosso sexo que jamais encontre um
homem que me supere e que, por causa disso, ela volte para mim toda vez.
Toda maldita vez.
— Porra, Bianca!
Não reconheço a intensidade do som que escapa da minha garganta e trato de afastar todos os
pensamentos da minha cabeça. Não quero entender esse desejo súbito, então me concentro no corpo
dela que está suado e na minha missão de fazê-la gozar pela terceira vez. Eu me inclino sobre ela e a
beijo de novo, aquela necessidade de sentir sua boca que me acomete de uma maneira que não
procuro compreender.
— Sua boceta é tão gostosa… — sussurro e meto mais fundo, com mais vigor. — Droga… —
Suspiro e fecho os olhos, odiando-me por admitir em voz alta: — Estou viciado em você. Não quero
perder o que temos, não quero perder o que temos…
Quando ergo as pálpebras de novo, ela está me olhando de volta com um brilho de deleite e
surpresa. Para quebrar nosso contato visual, finalmente aceito soltar seus punhos. Assim que o faço,
ela enlaça minha nuca e me puxa para um beijo desesperado. Suas mãos livres exploram o que
alcançam do meu corpo, e cada toque dela é minha total perdição, é meu pedaço de paraíso, é meu
pecado que me leva ao céu e ao inferno.
Como posso estar tão rendido por essa garota?
— Me faz gozar, Filippo — ela pede, e eu abro os olhos que nem notei que tinha fechado.
Bianca está pendurada no meu pescoço para encontrar o apoio que precisa para subir e descer o
quadril de encontro ao meu. — Me faz gozar de novo, por favor. Por favor! — Eu me concentro
nesses movimentos e… porcaria, é delicioso demais.
Toda minha resposta e levantar suas pernas e empurrá-las em direção ao seu queixo até que
seu quadril esteja ligeiramente suspenso.
— Prometi que te faria gozar assim, toda arreganhada pra mim. — Ela geme meu nome de
novo e aperta os olhos, o que me faz ficar ainda mais duro dentro dela. — E eu cumpro minhas
promessas.
Escorrego minha mão até seu pescoço fino, aplico um pouco de pressão e bato meus quadris
com força nela, mantendo um ritmo intenso e constante. Bianca dá um último grito e sei que goza
porque reconheço seus sinais: os lábios entreabertos, os gemidos entrecortados, os espasmos no
corpo, as pernas que tremem, a boceta ainda mais úmida. Solto seu pescoço e apoio as duas mãos no
estofado, procurando o apoio que preciso para encontrar meu próprio orgasmo. Gozo dentro dela um
instante depois, em um jato de sêmen potente e libertador.
Ofegante por causa da sensação de alívio, eu caio por cima do seu corpo e escondo o rosto na
curva do pescoço dela. Nossos batimentos cardíacos batem em ritmos desordenados, e consigo sentir
o coração dela contra o meu. Por alguns segundos, ficamos assim, descansando e recuperando as
energias. É estranho gostar desse contato, do calor da sua pele suada na minha. É estranho gostar de
estar com ela e pensar que gosto de estar com ela mesmo quando não estamos transando.
— Estou exausta, Filippo.
Sorrio contra seu pescoço e inspiro fundo seu cheio de pós-foda. Gosto disso. Afasto-me e
saio de cima dela. Tiro a camisinha, amarro a ponta, deixo-a em um canto e puxo Bianca pelos
punhos.
— Vem, vamos tomar um banho antes de dormirmos.
Ela me acompanha, preguiçosa, e resmunga:
— Garanta que eu não durma debaixo d’água.
— Eu tenho uma proposta pra você — Filippo diz no dia seguinte, pela manhã, e arrasta
uma caneca de café na minha direção.
Enrosco os dedos na alça da caneca e me acomodo no meu lugar à sua mesa na cozinha. Ele
volta até a pia e pega seu próprio café e um prato com pão de queijo antes de se sentar à minha
frente.
— Eu não vou fazer outra trilha de dez quilômetros nem se me pagar.
Filippo ri balançando a cabeça de um lado a outro e rouba um pão de queijo.
— Nosso mês está acabando — aponta. Assinto e assopro minha bebida antes de beber um
gole pequeno. — Temos pouco mais de uma semana, certo? — Concordo de novo e pego um
pãozinho do prato. — Acho que deveria passar o resto desses dias aqui comigo.
O pão de queijo para a meio caminho da minha boca e eu quase deixo o café despencar das
minhas mãos. Abaixo a caneca vagarosamente e pisco algumas vezes, perguntando-me se entendi
direito. Ele quer… que eu more aqui por pouco mais de uma semana?
— Eu sei que parece um pedido estranho…
— Vindo de você, é mais do que estranho.
Filippo não diz nada por um segundo, apenas baixa os olhos e fica concentrado no pedaço de
pão de queijo mordido em suas mãos. Então, como se voltasse ao mundo real, ele inspira fundo,
estufa o peito, ergue os olhos e enfia todo o resto do pãozinho na boca. Depois de engolir com a
ajuda de um gole de café, ele continua:
— Gosto da sua companhia, gosto do nosso sexo. Só quero aproveitar bem, sabe?
Não me parece uma justificativa muito razoável. Filippo está dizendo como se nunca mais
fôssemos nos ver quando nosso mês juntos acabar. Se depois disso ele quiser continuar me vendo,
por mim está tudo bem, eu vou continuar querendo o ver. Vai ser bom ter uma ou duas noites de sexo
e aí cada um segue sua vida. Não entendo por que está se comportando como se um de nós fosse
desaparecer no dia seguinte ao fim disso tudo.
— Estando aqui é mais fácil pra nós dois. — Ele dá de ombros. — Mas tudo bem se não
quiser.
Bebo mais do meu café e mordo outro pão de queijo. Ao engolir, parece que a comida desce
com esforço, machucando a traqueia.
— Preciso pensar. Te dou uma resposta hoje, depois que assistirmos outro filme da Barbie, o
que acha?
Os olhos dele se iluminam junto ao sorriso grande.
Diante disso, eu pergunto a mim mesma: existe alguma forma de dizer não a esse homem?

Lauren me aperta em um abraço sufocante quando atende a porta. Parece que faz uma década
desde a última vez que nos vimos pessoalmente e sinto uma saudade imensa dela. Retribuo seu
abraço, apertando-a contra mim o tanto quanto posso.
— Quem é vivo sempre aparece, não é? — ela brinca, dando-me passagem para entrar e
indicando o caminho até a cozinha.
Lá, o almoço está pronto e posto. Mais cedo, pouco depois do pedido estranho do Filippo,
ela me enviou uma mensagem me convidando para almoçarmos juntas no seu intervalo.
— Olha quem fala — respondo, ao me acomodar em um lugar à mesa. — Você que está
trabalhando o dia todo, e à noite tem os pestinhas para cuidar e um namorado bonito para dar
atenção. — Observo ao redor, só agora me dando conta que a casa está silenciosa e limpa. —
Falando neles, onde estão?
Lauren passa um prato para mim e começo a me servir da comida sobre a mesa enquanto ela
responde:
— Mattia está de folga do hospital hoje. Aproveitou para levá-los para passear. — Ela se
senta de frente para mim e tempera sua salada. — Seu Arthur foi junto, então… estou esperançosa
que os três voltem bem cansados e durmam a noite toda sem interrupções.
— Vai ter festinha, né?
Lauren ri e balança a cabeça em positivo.
— Se o Matt não estiver tão cansado quanto os filhos, sim. — Seguro uma risadinha e
concordo. — Soube que tem saído com o Filippo — comenta, levando um pedaço de tomate-cereja à
boca. — Como está sendo?
Com as pontas do garfo, brinco com a minha comida por um segundo antes de tirar um pedaço
da torta de frango.
— O Filippo é um cara bacana. Divertido, um pouco convencido demais… É uma boa
companhia e acima de tudo, ele é bem cristalino, sabe? Não existe meias-palavras com ele, ou
joguinhos. Ainda assim, não consigo me livrar dessa sensação de que ele uma hora ou outra vai se
comportar como o Danilo.
Lauren me oferece olhar compreensivo e estica sua mão até a minha, em um carinho
reconfortante.
— Desde o idiota do Bruno, sabe que não ponho mais as mãos no fogo por ninguém. Estou
nessa família há menos de cinco meses, só que sinto que todos eles são pessoas boas demais, Bia. O
Filippo pode ter muitos defeitos, pode trocar mais de mulher do que de roupa, mas não acho que ele
se comportaria como o Danilo se comportou. É capaz de dona Louise dar uma coça nele se um dia
magoar uma garota de propósito.
Rio baixinho e aceno, recordando-me da cena constrangedora com a mãe dele. Fico vermelha
só de lembrar e então me dou conta de que não contei nada dessas coisas para Lauren: a mãe dele nos
surpreendendo em um momento íntimo, nossas roupas roubadas e a situação humilhante, o Danilo
indo no bar provocar, as vezes que machuquei Filippo sem querer. Como se eu não fosse uma
péssima amiga por não ter contado nada disso para ela, eu conto agora. Cada momento. Dos mais
bobinhos — como termos assistido filmes da Barbie — até os mais vergonhosos. Minha melhor
amiga ri gostoso, o que conforta meu coração de algum jeito. É bom vê-la sorrindo. Até Mattia
reaparecer, eu apenas vi uma mãe exausta, desempregada, tendo de lidar sozinha com três crianças
pequenas e um ex-noivo idiota. É maravilhoso ver que o brilho nos seus olhos voltou e que ela está
feliz agora.
Claro, ela ainda tem as marcas de exaustão que uma mãe com três crianças, um namorado e
um trabalho fora carrega, mas isso o próprio Mattia também tem. E olha que ele só conhece esses
pequenos há poucos meses.
— Não está chateada por que não te contei antes? — pergunto e afasto meu prato, agora
vazio.
Com um sorriso no rosto, Lauren faz um gesto negativo.
— Claro que não, Bianca. Somos amigas, mas cada uma ainda tem sua vida, lembra? Eu
também não te contei uma porção de coisas que aconteceram nessas últimas semanas.
— Pois trate de me deixar muito bem informada.
Lauren me conta as novidades no trabalho, os planos que ela e Mattia têm feito de casar, a
novidade que os pequenos vão para a escolinha no próximo semestre. A felicidade está estampada no
seu rosto, brilhando nos olhos castanhos, e isso me deixa muito feliz por ela.
Ao terminarmos de almoçar, eu a ajudo a tirar a louça.
— Você está gostando de passar esse tempo com o Filippo? — Ela retoma o assunto,
parecendo investigar se existe qualquer coisa entre nós além de sexo casual. — Queria que me
contasse os detalhes. Todos eles.
Rio e empilho a louça dentro da sua cuba. Ela não me poupou dos detalhes de quando saiu
com Mattia pela primeira vez, e eu aqui não contei para ela nem como foi o sexo com Filippo. Se
bem que a nossa primeira vez foi interrompida, então nem tinha muito o que contar.
— Estou gostando tanto que até vou morar com ele.
Lauren se engasga com um pedaço de banana que está comendo, e eu rio da sua reação.
— Que história é essa?!
— É só por uns dias. Lipo me chamou pra ficar com ele durante essa nossa última semana. —
Dou de ombros e me viro para começar a lavar a louça. — Ainda não disse pra ele que topo, mas
vou aceitar.
— Começa assim e logo se muda definitivamente pra lá — zomba com um sorrisinho
malicioso.
Movo a cabeça em negativo.
— Filippo não é de se apaixonar, você sabe disso. Além do mais, eu tenho o juízo no lugar.
Não me envolveria seriamente com um cara como ele.
Tenho a impressão de que uma tensão diferente cresce entre nós duas de uma maneira muito
súbita. Não quero ficar aqui caluniando o pobre-coitado do Filippo, um alguém que Lauren tem
afeição, mas não posso fazer nada se é verdade.
— Não confio em homens como ele — adiciono para que entenda minhas motivações. — Já
tive experiência suficiente com o último mulherengo com quem namorei.
Lauren não diz nada por um ou dois segundos — deve estar pensando na melhor forma de
defender o cunhado — e já estou desistindo de obter uma resposta de sua parte quando ela vem até
mim e me afasta da pia.
— Esquece essa louça — diz e me entrega um pano para secar as mãos. — Sei que vai
parecer que estou defendendo o Filippo, mas não se trata dele, Bianca. Se trata de você. Entendo que
seu relacionamento com Danilo foi uma droga, que ele te fez mal, mas… não pode deixar que isso
interfira exageradamente na sua vida, no seu presente e no seu futuro.
— Estou sendo cuidadosa, Lauren. Apenas isso.
Ela faz um gesto de cabeça em positivo.
— Está mais que certa em tomar cuidado. O que mais existe por aí é um Danilo da vida. Mas
existe diferença entre ser cuidadosa com quem você se relaciona e estar traumatizada a ponto de não
confiar em quem merece sua confiança.
— Aprendi que nenhum homem merece minha confiança. Nenhum. Uma hora ou outra, um
babaca idiota vai cruzar meu caminho e vai me magoar. Não aprendeu nada com o Bruno, Lauren?
Não era ele que parecia o homem perfeito, e, de repente, você descobriu que ele era casado?
— E se eu tivesse deixado que essa minha experiência ruim com Bruno determinasse que
todos os homens não prestam, eu não estaria com Mattia agora. — Lauren pega nas minhas mãos e as
aperta com firmeza. — Escuta, Bia. Não estou dizendo que deve entregar seu coração nas mãos de
qualquer um. É importante que sinta medo e desconfie porque é isso que vai te proteger. Mas também
é importante reconhecer quando alguém vale a pena e não deixar que suas experiências ruins
espantem um cara bacana. Você entende o que estou dizendo?
Entendo, mas não sei como faço isso. Não tenho ideia de como avaliar quem merece minha
confiança e quem não merece, não sei como faço para não permitir que minhas inseguranças se
tornem um problema.
Como resposta, eu apenas sorrio e termino de lavar a louça.

Leandro cruza os braços na frente do tórax, encostado ao batente da porta do meu quarto, e
me olha criteriosamente. Não faz cinco minutos que contei do pedido maluco do Filippo e que eu,
ainda mais maluca, aceitei. Meu irmão mais velho não está muito confiante nessa ideia de “morarmos
juntos” por uns dias, mas garanti que nada vai sair dos trilhos.
Eu espero pelo menos.
— Acho que está se envolvendo demais com esse Filippo — ele argumenta em um tom
rabugento.
Eu coloco os últimos pares de roupa que separei para passar esses dias no apartamento dele
e fecho minha pequena mala. Vou levar para o bar porque de lá vou direto ao encontro de Filippo.
— Eu não sei a quem dar ouvidos — digo, pensando alto. Eu me dou conta disso um segundo
depois e suspiro. Não era pra ter falado isso alto.
Leandro franze o cenho, sem entender o que eu disse, e eu abano a mão para que ignore o que
acabei de falar. Mas é verdade. De um lado, meu irmão preocupado que eu me envolva demais com
Filippo e acabe me magoando; do outro lado, Lauren insinuando que se eu e ele começássemos um
namoro, Filippo não seria capaz de me magoar. E no meio desses dois, eu estou dividida, em um
impasse, sem confiar o suficiente em Filippo a ponto de me entregar com facilidade, mas também
querendo manter esses encontros porque não acho que eu vá me deixar levar por ele.
Eu sei, confuso demais.
— Achei que já tivesse superado isso. — Contorno o assunto e coloco a mala em pé no chão.
— Você e Filippo não tiveram uma conversa sobre isso uma vez? Você mesmo me contou logo
depois.
— Ele disse que tem uma irmã caçula, que entende o sentimento de proteção e toda aquela
ladainha, mas… ainda assim, Bianca. Você não é a irmã dele. Filippo não tem qualquer motivo para
se importar de verdade.
— Lipo tem sido bacana até agora. — Passo por Leandro em direção sala, arrastando a mala
comigo. — Já disse que ao menor sinal de que ele vai ser um idiota, eu caio fora. Até o momento, ele
foi bem incrível se quer saber.
Leandro suspira e vem me auxiliar, tomando a mala pesada da minha mão.
— Vocês têm estoque de camisinha no apartamento dele? — pergunta.
— Ele sempre anda prevenido — respondo com um tom de deboche e me penduro no seu
ombro.
Meu irmão sorri, abana a cabeça em negativo e pega a chave do seu carro.
— Vamos logo para o bar. A senhorita está atrasada.

Deposito minha escova de dentes ao lado da dele e a olho com atenção fingindo que estar
morando com Filippo há cinco dias não é estranho. Porque não é, certo? É por tempo limitado essa
“convivência”, que tem se resumido a algumas poucas horas do dia e da noite. Eu não tenho uma
rotina de horário comercial, ele não tem uma rotina de horário comercial, então do pouco que nos
resta, passamos o tempo transando, assistindo filmes — cinquenta por cento deles, da Barbie — e
comendo.
Agora, Filippo está no quarto tagarelando sobre os clientes de ontem que ele levou para um
rapel em um ponto turístico de uma cidade a cinquenta quilômetros daqui, e eu estou terminando de
me arrumar para sairmos. Ele trabalhou muito todo o final de semana, como eu também — aquele bar
lotou de uma maneira que me deixou surpresa, cansada, feliz e com alguns reais a mais na conta
bancária —, e eu quase não o vi por esses dias. Foi um pouco desconfortável ficar no apartamento
dele na sua ausência, mas eu me acostumei com o passar dos dias, principalmente porque Filippo,
aos poucos, foi me deixando mais aconchegada.
Encho a mão em concha e lavo bem o rosto antes de preparar minha pele para a maquiagem.
Abro minha necessaire e espalho os produtos por cima da sua bancada. Lá do quarto, Filippo ri de
algo que acabou de dizer sobre um cliente desajuizado da semana passada que queria uma escalada
livre — ou seja, sem equipamentos de segurança — sem a experiência necessária, o que me arranca
um sorriso. Sua voz vem se aproximando até ele estar aqui. Tenho que dar um passinho para o lado
para lhe dar algum espaço.
— Você deve arrumar cada cliente mais maluco que você…
— Eu não sou maluco — ele responde, conferindo sua imagem no espelho. Passa a mão na
barba rala antes de pegar um potinho de pomada capilar, esfregar um pouco nas mãos e começar a
ajeitar os cabelos. — Sou muito bem ajuizado e responsável com minhas aventuras. É a minha vida
em jogo, a vida dos meus clientes. — Ele me olha pelo reflexo, um traço de seriedade cruzando suas
íris que quase não vejo nele. — Existe uma diferença bem grande entre me arriscar tomando todos os
cuidados e ser um completo idiota irresponsável e inexperiente que acha que sabe o que está fazendo.
Aceno, jogando um olhar rápido para Filippo concentrado em arrumar seu cabelo, e passo a
base pelo meu rosto. Um instante de silêncio paira acima de nós dois e, só por um segundo, nossa
imagem um ao lado do outro — eu me maquiando, e ele arrumando os cabelos — mexe com todas as
partes do meu corpo. Parece algo tão corriqueiro, trivial… algo a que eu me habituaria com
facilidade. Para afastar os pensamentos bobos da minha cabeça, digo:
— A seleção natural normalmente cuida desse tipo de idiota.
Filippo ri.
— Eu tenho muitos anos de experiência e não cheguei até aqui pulando etapas e ignorando
recomendações. Ainda existem muitas limitações que preciso superar para alcançar meus objetivos,
mas respeito meu tempo, meu corpo e minhas capacidades. Pode parecer que não, mas eu amo a
minha vida. — O traço de humor típico dele retorna nessa última frase, o que me faz rir junto.
— Como você age nesses casos em que o cliente teima com você?
— Minha vontade mesmo é de dar uns tapas, mas eu sou apenas firme nas minhas decisões:
ou o cliente acata minhas ordens ou eu não os guio mais. Sempre funciona.
Eu daria tudo para ver esse lado do Filippo, todo mandão. Ele tem cara de que não sabe ser
firme nem com um cachorrinho.
Lipo termina de se arrumar e dá um passo atrás, avaliando sua aparência. O cabelo ficou bem
arrumado, a camisa branca com a gola desarrumada, as mangas arregaçadas até os cotovelos lhe dão
um charme peculiar e a calça jeans preta apertadinha realça sua bunda. Demoro a notar que eu o
estou olhando sem parar pelo nosso reflexo e só me dou conta disso quando Filippo sorri e passa por
mim, deixando um tapa forte na minha bunda.
— Termina de passar o reboco na cara pra irmos logo.
Rio e tento acertá-lo com um tapa, mas ele já está longe, gargalhando alto.
Levo mais algum tempo para fazer a maquiagem e só me dou por satisfeita quando a imagem
de frente para mim me agrada. Esfumei bem os olhos, delineei as pálpebras, passei um batom vinho e
fiz algumas ondas no meu cabelo. Feito isso, estou pronta para colocar uma saia de couro de cintura
alta e uma blusinha cinza de veludo cotelê e decote V profundo. Um scarpin preto completa o look e
estou pronta. Saio para o quarto, meu coração batendo mais rápido sem que eu entenda exatamente o
porquê, e Filippo, digitando algo no telefone, se vira para mim. Seus olhos ganham tamanho assim
que ele me vê, o celular quase caindo da sua mão. Pigarreio e ajusto a saia no meu corpo, um pouco
deslocada com toda sua atenção em mim. Ele colocou uma jaqueta preta por cima da camisa branca,
bem ar de motoqueiro, o que o deixa ainda mais lindo.
— Já podemos ir.
— Ainda não — ele diz, baixo e sério. Filippo dá um passo na minha direção e me observa
atentamente. — Me deixa contemplar um pouco mais dessa deusa na minha frente.
Meu rosto queima e eu dou um tapa no seu ombro. Ele ri um pouquinho e se aproxima de mim,
seus lábios roçando os meus bem devagar. Minha sorte é que o batom é de ultra-fixação, então não
corremos risco. Sua mão na minha cintura me faz um carinho gostoso, os olhos em mim. Ele me beija
devagar, um beijo molhado e gostoso que dura apenas dois segundos.
— Podemos ir agora.
Assinto, meio baratinada por causa desse momento, seguro na sua mão e o acompanho. Na
sala, Filippo agarra dois capacetes e eu quero matar esse homem por conta disso.
— Você não aprende nunca — reclamo no elevador enquanto descemos até a garagem do seu
prédio.
Filippo me dá um sorriso cínico e contorna minha cintura com um braço.
— Você não sabe o quanto fica gostosa numa saia sentada na minha moto. — Ele resvala a
ponta do nariz na área atrás da minha orelha, provocante e devasso, e sinto um sorrisinho contra
minha pele. — Acabei de descobrir que quero você de saia sentada no meu pau.
Aperto as coxas e mordo o lábio inferior tentando controlar todo o desejo que esse homem
fez surgir em mim com seu palavreado e carinho.
— Filippo… — reclamo e minha voz sai entrecortada. Ele continua passando a ponta do
nariz em mim, devagar e sensual. — Não fica me provocando ou não penso duas vezes em abrir
minhas pernas pra você aqui mesmo. — Afasto-o delicadamente e aponto com o queixo a câmera de
segurança num canto do elevador. — Não quer virar um astro do pornô, quer?
Ele ri baixinho e se encosta no fundo da caixa metálica, ficando comportado até chegarmos ao
térreo.

Filippo aperta seus dedos em torno dos meus ao caminharmos pela calçada de um famoso
bairro de restaurantes chiques. Ele me trouxe para jantar fora e achei mesmo que nosso destino ia ser
uma casa noturna ou barzinho, mas fui surpreendida por um jantar sofisticado. Estamos voltando para
casa agora e estranhamente gosto da sua mão na minha, da brisa fria contra minha pele, da sua jaqueta
jogada sobre meus ombros que ele cedeu ao notar que eu estava batendo o queixo de frio.
Filippo é um fofo.
Não vale o arroz que come, mas é um fofo.
— Você dirige? — pergunta.
— Dirijo carro. Até tirei minha habilitação para moto, mas depois de passar na prova prática
nunca mais montei em uma.
— Quer voltar dirigindo a minha?
Paro de caminhar imediatamente e o encaro, assustada.
— É outra de suas piadas, não é?
Ele me estica seu capacete e nega.
— Não.
— Filippo, seja franco comigo. Sua bateria de exames está em dia? Você foi aprovado no
psicotécnico? — Ele ri e eu quero dar na cara dele. — É uma pergunta séria! Você não deve regular
muito bem das ideias para me propor algo desse tipo.
Filippo agarra minha cintura e voltamos a caminhar pela calçada até o estacionamento onde
está sua moto.
— É sério. Você topa? Eu te ajudo. Não tem segredo, sabe disso.
— Já tem anos que tirei minha habilitação para moto e nunca mais montei em uma.
¿Comprende?
Ele me puxa pelos punhos, sem me dar nenhuma atenção, e responde:
— Bobagem. Andar de moto é como andar de bicicleta. Sabe andar de bicicleta, não sabe?
— Você quer matar nós dois. É isso.
Eu não protesto mais até chegarmos ao estacionamento, confiante de que é só brincadeira da
parte dele e que Filippo vai desistir dessa ideia maluca. Spoiler: ele não desiste da ideia maluca.
Olho para o capacete esticado na minha direção e tento ignorar meu coração doido dentro do peito e
o tremor que sinto por todo meu organismo. Filippo é completamente sem noção. Alguém interna esse
homem.
— Eu não sei, Lipo.
— É tarde da noite, não tem muito trânsito nem pessoas na rua que você pode atropelar. —
Mostro o dedo do meio para ele, que cai numa risada gostosa. — Não vai montar nessa moto e sair a
cem quilômetros por hora, Bianca. Vamos devagarinho. Eu vou estar bem encaixado atrás de você, te
conduzindo. — Filippo balança as sobrancelhas daquele seu jeito malicioso e não demoro nada a
entender o motivo de ele querer tanto que eu volte dirigindo.
— Eu nem estou com roupa adequada. E esses saltos vão me atrapalhar, tenho certeza. Se eu
cair dessa moto e ficar toda ralada, juro que te mato.
— Anda, Bianca, monta nessa moto!
Bufo e tomo o capacete das suas mãos com raiva, encaixando-o em seguida na minha cabeça.
Filippo me dá algumas instruções básicas da sua motocicleta: freio, embreagem e marcha. Ele me
auxilia a subir na moto antes de se posicionar logo atrás de mim, seu corpo grande e quente bem
colado ao meu. Suas mãos fortes contornam as minhas no guidão e eu prendo a respiração por um
segundo, meus olhos fixos nas veias salientes do dorso da sua mão.
Um tesão para mim.
— Tudo bem — ele sussurra ao pé do meu ouvido e gira a chave na ignição. O motor ronca,
potente, e reverbera por todo o estacionamento. — Aperte a embreagem, passe a primeira e vai a
soltando devagar ao mesmo que você acelera. É o mesmo esquema do carro, a única diferença é que
a embreagem está na sua mão, e a marcha, nos pés. Toque no pedal até a posição mais baixa e terá a
primeira. Um toque acima disso, segunda marcha. Quanto mais para cima, maior a marcha. Para
reduzir, você toca para baixo. Entendeu?
— Entendi — assinto e inspiro fundo. — Não pretendo sair da primeira.
Uma risadinha gostosa dele me acerta e sou obrigada a acompanhá-lo.
Suas mãos envolvem as minhas com mais firmeza no volante.
— Relaxa, Bianca. — Eu faço o que ele pede. — Engate a primeira. — Obedeço dando
toques leves no pedal até sentir o nível mais baixo. — Solte a embreagem devagar, acelere um pouco
e erga o pé quando estiver confiante.
É como dirigir um carro.
De duas rodas.
Solto a embreagem devagar, acelero bem pouquinho, e a moto começa a sair do
estacionamento em velocidade reduzida, meus pés ainda levemente no chão, dando-me a segurança e
estabilidade que preciso.
— Ei, certeza que nunca mais montou em uma moto? — Filippo questiona, seus dedos firmes
mais apertados em torno dos meus.
Não o respondo, concentrada no caminho à minha frente. Ele me instrui a acelerar um pouco
mais e eu o faço. O motor protesta, obrigando-me a dar um toque para cima e aumentar a marcha para
segunda.
— Eu consegui! — digo assim que tomamos as ruas do bairro. Mantenho-me na faixa da
direita a uma velocidade baixa e aprecio o vento contra meu rosto. — Filippo, eu consegui!
— Estamos vivos e sem nenhum arranhão — fala um pouco mais alto. — É um bom começo!
Abro um sorriso enorme, pouco me importando com sua gracinha, e continuo apenas
dirigindo, gostando da sensação que vem junto com esse momento. Não apenas o fato de eu ter
conseguido dirigir uma motocicleta sem nos matar ou ferir inocentes, mas também porque Filippo
está comigo. Eu demoro a notar que suas mãos não estão mais nas minhas, e sim na minha cintura, em
um abraço carinhoso, protetor e que transmite confiança.
Fazemos o caminho de volta assim e gosto mais do que deveria admitir de cada instante, dos
seus braços em torno da minha cintura, ou da sua voz ao pé do meu ouvido uma vez ou outra. O
sentimento de felicidade e aconchego me acompanha por todo o caminho e nada é o bastante para
arrancar isso de mim. Nem mesmo motoristas apressadinhos que passam por nós buzinando — aos
quais Filippo responde dando um tchauzinho ou mostrando o dedo do meio — são capazes de
estragar esse momento ou acabar com meu humor. Não quando ele está logo atrás de mim, causando-
me sorrisos com um comentário ou outro, incentivando-me ou dizendo que estou fazendo um bom
trabalho. Por vezes, ele me ajuda na condução em curvas mais fechadas, mas, no geral, eu me saio
muito bem até chegarmos ao seu prédio. Desengato a moto e a desligo uma vez que estamos na
garagem. Ele desmonta primeiro e estou prestes a fazer o mesmo, mas ele me impede.
— O que está fazendo? — questiono
Filippo baixa o pezinho da moto e retira o capacete, pendurando-o em um dos retrovisores.
Ele vem até mim, tira o meu capacete e pendura no outro retrovisor. Quero repetir minha pergunta,
entretanto, ele mina qualquer oportunidade minha ao me tomar em um beijo forte. Lipo se agarra em
mim, quase me sufocando, desesperado, e sem pensar muito, eu estou retribuindo.
— Me deixa te foder em cima da minha moto — pede, ao afastar seus lábios dos meus. Pisco
duas vezes, assimilando seu pedido. Outra vez, mal tenho tempo de lhe conceder uma resposta. —
Empina essa boceta pra mim, Bianca, e me deixa te comer gostoso aqui e agora.
— Ah-ah, Filippo… — sussurro, sentindo um aperto delicioso no vão das minhas pernas.
— Quer dar a boceta pra mim? — pergunta, puxando-me pela nuca, seus lábios muito perto
dos meus. — Não vamos fazer se não quiser, mas preciso de uma resposta mais clara e precisa, mais
do que só gemer meu nome.
Aperto os olhos com força e suspiro, procurando me lembrar como é que se fala. Eu quero.
Não sabia que precisava loucamente transar em cima da sua moto até ele sugerir isso.
— Não tem que fazer pra me agradar, ouviu? — Seu toque lascivo é substituído por um
carinho protetor na minha nuca, o que me faz abrir os olhos.
Não quero estragar o momento pensando no babaca do Danilo que nunca teve essa
preocupação. Ele sugeria fantasias e se eu desse a entender que não queria, ele me manipulava de
todo jeito até conseguir. Porque ele não pensava no que era bom para mim, pensava só no próprio
prazer.
Não Filippo…
Ele não está fazendo mais que sua obrigação, e me questiono por que eu ainda não sou capaz
de confiar nele como eu gostaria sendo que já me provou que é digno da minha confiança.
— Bianca… — Ele se afasta, e seu toque me faz uma falta imensa. — Se você não…
— Eu quero — interrompo-o, até um pouco desesperada. Estico um braço na sua direção e o
trago para mim de novo, buscando seus lábios como uma bêbada em abstinência. — Quero muito.
Um instante depois, Filippo já está montado atrás de mim de novo, inclinando meu corpo e
empinando minha bunda. Deito sobre o tanque da moto, completamente rendida, e deixo que ele faça
o que bem entender comigo. Suspiro com um carinho suave que ele faz na minha perna e vem subindo
até alcançar a altura da saia e subi-la junto. As primeiras fileiras de lâmpadas se apagam, uma vez
que não há qualquer movimento por perto, ficando acesas apenas as que estão sobre nós dois e
mergulhando todo o restante da garagem em escuridão total. O silêncio é intenso, quebrado apenas
pela minha respiração ofegante que se mistura à de Filippo logo atrás de mim, subindo ainda mais
minha saia.
Seu indicador enrosca na parte inferior da minha calcinha e a puxa para baixo. Ao soltar logo
em seguida, o tecido estala contra minha intimidade causando-me um choque delicioso. Ele repete o
processo mais duas vezes, a outra mão amaciando minha coxa esquerda, e depois a coloca de lado,
escorregando o indicador por entre meus lábios vaginais. Eu já estou quente e muito receptiva, pronta
para ele. Com uma mão, ele leva meu quadril na sua direção e logo sinto sua ereção roçando a minha
entrada. Sua mão emaranha nos meus fios soltos, os dedos se fechando com força na minha nuca, e,
aos poucos, eu o sinto me invadir lentamente.
Mordo minha mão para abafar o gemido que ia escapar de mim, e Filippo começa um vai e
vem mais forte e intenso, tanto quanto nossa posição permite sem que a gente se desequilibre da
moto. Aperto os olhos e tento me controlar para que as sensações que permeiam meu corpo não se
transformem em um som indecoroso. Suspiro baixinho, adorando sentir a combinação do couro do
assento esfregando meu clitóris, dos dedos dele em volta da minha nuca com a pressão certa, da outra
mão intervalando um carinho no meu traseiro ou tapas na minha bunda e do seu pau magnífico me
comendo.
— Me diz se está gostando — ele pede e solta um tapa estalado em mim que, com toda
certeza, vai deixar uma marca vermelha na minha pele. Filippo se inclina sobre as minhas costas e
sinto sua respiração quente ao pé do meu ouvido. Ele mordisca a pontinha da minha orelha e
sussurra: — Está gostoso ser fodida assim, Bianca?
— E-está… muito gostoso — respondo, mas quase não sou capaz disso, arrebatada demais
para dizer algo coerente.
Filippo se afasta e apoia as duas mãos na minha bunda, encontrando certo apoio nelas para
me foder mais fundo e mais duro. Um instante depois, ele me deixa e eu fico muito frustrada, sentindo
sua falta, querendo-o de volta dentro de mim. Penso em protestar no momento em que sua língua me
acerta. Fecho os olhos com mais força, precisando de mais concentração para não gemer alto porque
a acústica da garagem vai reverberar meus gemidos de forma potencializada. Ele me lambe inteira, a
língua rodopiando minha entrada e subindo até meu traseiro, detendo-se ali por um minuto de tortura.
Uma palma cheia substitui sua língua em uma carícia suave. O toque sobe de volta ao meu
ânus e tenho a impressão de que ele está lubrificando essa região com a umidade de minha boceta.
Antes que eu tenha tempo de pedir para que ele volte a me comer, Filippo já o está fazendo, seu pau
deslizando com toda facilidade, ao passo que seu polegar enrosca no meu traseiro e me penetra. Ele
move o dedo dentro de mim devagar, o ritmo do seu quadril ligeiramente mais rápido, e a
combinação me deixa alucinada.
— Você gosta? — ele pergunta. Sua voz baixou uma oitava e está mais grave que o normal.
— Gosta que eu te foda nos dois buracos?
Entreabro os lábios, mas nada sai por um segundo ou dois.
— Gosto — respondo, cheia de dificuldade. — Preferia seu pau no lugar do dedo.
Sinto-o ficar mais duro dentro de mim, seu corpo mais rígido de encontro ao meu.
— Agora?
— Agora — confirmo. — Eu quero, Lipo. Me come por trás, por favor.
— Isso, implora pra eu comer seu cu. — Um tapa forte acerta minha bunda no instante em que
ele deixa minha boceta, seguido de um apertão que faz seus dedos afundarem na minha carne. —
Porra, eu estava doido pra que me deixasse foder esse seu traseiro.
Filippo pincela o pau na minha boceta antes de me penetrar mais um pouco e subir até minha
bunda, aplicando a pressão necessária aos poucos, até eu conseguir recepcioná-lo por completo.
Seguro-me ao guidão da moto com toda força e, quando ele começa a entrar e sair, tento não gemer
muito alto.
— Mais forte — peço e me inclino mais na sua direção. — Me come mais forte.
O gemido dele chega até mim — um som grave e entrecortado — e me contraio inteira de
tesão. Filippo afunda os dedos na minha bunda e atende meu pedido, estocando mais fundo e mais
forte. Nada mais que três ou quatro enfiadas e eu estou girando, pronta para gozar alucinadamente.
Não existe qualquer condição de eu aguentar mais, não quando ele é bom comendo meu traseiro e
meu clitóris continua se esfregando no couro da sua moto.
— Filippo… eu não aguento mais. Eu vou gozar.
Nesse momento, ele enfia a mão direta por baixo do meu corpo e toda a sua palma cobre
minha boceta.
— Goza — incentiva e então esfrega meu clitóris. — Quero sentir sua boceta pingando de
prazer por eu estar metendo no seu traseiro.
— Continua — peço, desesperada. — Com tudo, continua com tudo.
Ele me come com mais força, a pressão dos dedos no meu feixe de nervos aumenta, e ele me
diz mais obscenidades.
— Goza me dando esse rabo apertado e gostoso. — Ele investe uma estocada profunda que
me deixa insana e tonta. — Goza pra mim, Bianca. Goza que eu vou encher seu cu de porra.
Leva só mais um instante e estou me desfazendo com um gemido incontrolável, que reverbera
alto pelo local. Não me importo com mais nada no momento que meu organismo descarrega todos os
hormônios necessários. Meu corpo fica mais leve quase instantaneamente, e meus braços caem ao
lado do tanque da moto. Exausta, bem comida e feliz. Filippo vem logo em seguida e goza dentro de
mim com uma sequência de gemidos graves entrecortados. Ele finaliza com um tapa na minha bunda e
cai por cima das minhas costas, sua respiração descompassada, o coração acelerado que eu sinto
bater contra minhas coluna.
Sinto um beijinho suave na minha nuca antes de ele me deixar. Filippo sobe a cueca e a calça
e me ajuda descer da moto. Coloco tudo no lugar, sentindo meus fluidos ainda escorrendo pelas
minhas pernas. Filippo dá um passo na minha direção, pega meu rosto com as duas mãos e deixa um
beijo profundo em mim. Demoro a notar que uma mão sua escorrega por entre minhas coxas,
percorrendo lentamente até minha calcinha.
— Filippo…
— Shh… — sussurra e desliza dois dedos para dentro de mim. Eles ficam ali só por dois
segundos e vão direto para os seus lábios. — Eu amo o seu sabor, Bianca. Não sabe o quanto.
Sem perceber, eu me encaixo melhor no seu abraço e me escoro no seu peito duro, gostando
da sensação de aconchego que, de repente, ele me proporciona.
— Eu ainda não sei como é seu sabor — reclamo contra seu peito, que treme ao rir por um
instante. — Posso te chupar da próxima vez?
— Vou colocar até as bolas.
Fecho os olhos, sorrio contra sua pele e me agarro à sua camisa branca, ignorando os sinais
de que posso estar apaixonada por Filippo.
Em uma pequena sala do Aventura Selvagem, que eu uso para algumas reuniões rápidas,
estou distraído o suficiente para não dar a atenção necessária à minha gerente. Com as mãos
escondidas debaixo da mesa, digito rapidamente uma mensagem para Bianca.
— Filippo, você está me ouvindo? — Thamires pergunta, um olhar severo sobre mim. — Isso
aqui é importante. — Bate o indicador sobre as folhas na mesa.
Eu ajeito a postura na cadeira e coloco meu celular de lado.
— Desculpe. O que estava dizendo?
Ela arrasta um maço de folhas na minha direção.
— Aí está a relação da quantidade de cilindros de oxigênio que vai precisar para a
expedição no Monte Elbrus para a alta-temporada. — Ela desliza outro maço pela mesa. — Este é o
orçamento para as compras do oxigênio auxiliar. Consultei quatro empresas diferentes. — Ela arrasta
mais um maço. — E essa é a relação dos clientes que compraram o roteiro. Preciso que confira tudo
com atenção e me dê um retorno se está tudo certo e com qual empresa vai comprar os cilindros para
prosseguirmos com o cronograma dentro do prazo. Preciso disso até amanhã.
Assinto e folheio rapidamente cada um dos documentos.
— Em relação à hospedagem, está tudo certo? Na última temporada, tivemos um problema
com o hotel parceiro e te disse que íamos trocar.
— Foi uma das primeiras coisas que resolvemos do cronograma. Pode ficar tranquilo que
temos uma boa hospedagem e valores acessíveis.
Thamires me deixa por dentro de outras questões burocráticas e administrativas da empresa:
um novo instrutor para a escalada indoor que precisa ser contratado, equipamentos que precisam ser
repostos, valores de expedições que precisam ser reajustados. Ela também me deixa a par da minha
agenda para os próximos oito meses e os circuitos que terei de cobrir — do Monte Elbrus a rapeis no
interior do país —, contratação de guias extras para suprir a demanda da temporada de trekking que
se aproxima e uma reunião com o pessoal do Conecta Mídia para uma nova campanha, agora que
incluímos um novo destino nacional ao nosso roteiro.
— Você se importa em ficar lá na escalada indoor hoje? Ainda estamos sem um instrutor —
ela pede, recolhendo suas cópias dos documentos que me entregou. Eu assinto e me levanto, pronto a
ir vestir algo mais adequado para ficar no paredão. — Ah, já estava me esquecendo. Tenho uma
novidade. Uma que há bastante tempo você está interessado.
— O quê?
— Temos cinco clientes interessados em escalar o Monte Everest com o Aventura Selvagem.
— Mentira! — grito, não acreditando. A montanha mais alta do mundo sempre foi meu sonho
de consumo no alpinismo, e eu tenho me preparado há muito tempo por isso: o físico, o psicológico e
o financeiro, uma vez que não é nada barato conseguir uma licença para escalá-lo.
Corro até Thamires e a abraço apertado. A mulher ri e me estapeia, pedindo-me para colocá-
la no chão.
— Calma, Filippo. Não vá com muita sede ao pote. Eles disseram que fecham pacote
conosco se tiver ao menos três guias que tenham muita experiência com a montanha, de preferência
pelo lado Sul.
— Vamos providenciar. Nem que a gente precise fechar por intermédio de parceria com outra
empresa do ramo, me ouviu bem? Tenho alguns contatos de alpinistas gringos, vou ver o que consigo
arranjar.
Ela sorri e abana em positivo.
— Encontre esses guias o mais rápido possível para que a gente consiga licença para dentro
de duas temporadas no máximo. O governo nepalês tem limitado as expedições para evitar
congestionamentos perto do cume.
— Começo a resolver isso ainda hoje — garanto e a abraço de novo. — Monte Everest,
hein?
— Está mais ansioso por você, não é?
— Claro que estou! Será que a Bianca vai gostar de saber?
— Quem é Bianca?
Pisco duas vezes, dando-me conta de que falei demais. Balanço a cabeça em negativo.
— Só uma garota aí. Vou me trocar para ficar lá no paredão.
Eu deixo a sala rapidamente e caminho até o banheiro no meu escritório. Ao tirar o jeans,
visto uma bermuda preta e tênis confortáveis. Quero contar a novidade a Bianca, mas fico na dúvida
se faço isso hoje de madrugada — que é quando vamos nos ver para seguirmos viagem até a casa de
campo — ou se conto logo de uma vez por mensagem. Decido que posso enviar um texto e depois lhe
dou mais detalhes assim que estivermos juntos. Abro o aplicativo e tem uma mensagem dela em
resposta a que enviei minutos atrás e uma sequência exagerada de emojis rindo.
Vinco as sobrancelhas sem entender nada. Do que diabos ela está falando? Será que bateu
com a cabeça e endoidou de vez? Será que mandou para a pessoa errada? Confiro a mensagem que
mandei e arregalo os olhos. Maldito corretor. Maldito corretor!
“Estou doido pra ver você sentando no meu pai o domingo todo.”
“Eu até aceitaria, mesmo ele sendo bem mais velho, porque é um coroa ajeitado e bonito, mas
é casado. Sem chances. Além disso, não acha que é um fetiche meio estranho?”
“É SENTANDO NO MEU PAU, BIANCA. NO MEU PAU!”, mando tudo em caixa-alta mesmo para denotar
o desespero que estou sentindo agora. A resposta dela não demora nada para chegar e é uma carreira
quase infinitas da letra “k” em maiúsculo. Imagino-a se dobrando de rir dessa maldita mensagem e
isso faz meu estômago se revirar de uma maneira diferente. Eu até demoro a notar que estou sorrindo
feito um idiota ao imaginar os olhos dela apertados, o sorriso no rosto, a gargalhada espontânea.
Ela envia uma mensagem de voz dessa vez, e o som da sua risada mexe com todas as partes
boas do meu corpo. Não entendo nada direito porque ela não sabe se fala ou se ri, até que consegue
se recompor para tornar a comunicação possível:
— Eu ri tanto, Filippo. Tô até passando mal de dor na barriga. — Eu rio por causa da
risada dela. — Você vai lá no bar me pegar depois do expediente?
Respondo em texto:
“Vou sim. Chego antes pra tomar umas biritas e te ver trabalhando. Cê fica uma delícia
balançando a coqueteleira ou esmagando os ingredientes com o pilão. Já se imaginou preparando
algo assim pra mim só de calcinha e sutiã?” — e uma carinha safada.
“Você tem umas fantasias estranhas, eu hein. Lingerie preta tá bom pra você?”
“Eu estava brincando! Mas se quiser, eu quero. Tenho que ir, Bianca. Falo com você mais
tarde. Se cuida”.
Vinte minutos depois, já estou auxiliando um casal de crianças em uma das paredes de nível
mais fácil. Equipadas com toda segurança, elas se divertem escalando a superfície, procurando as
melhores agarras para segurar e apoiar o pé. Logo embaixo, eu dou todo o incentivo de que precisam.
Elas alcançam o topo — não muito alto por motivos óbvios — e a descida é feita pela corda. Das
crianças, vou auxiliar outros escaladores, jovens, adultos, homens e mulheres. O expediente está
quase acabando e restam alguns últimos clientes quando eu o noto. Ele está terminando de descer de
um dos paredões de dificuldade mediana e por algum motivo, fico irritado. Meu estômago revira e
mal vejo que caminho na sua direção com os pulsos cerrados.
Deveria deixar para lá. Ele não me viu e não há qualquer motivo para eu arrumar encrenca
com Danilo, mas não sai da minha cabeça que ele veio aqui atrás de confusão, veio para me
provocar. Trato de manter meus nervosos no lugar assim que me aproximo e um instrutor o está
ajudando a tirar o equipamento de segurança agora.
— Danilo, não é?
O homem se vira para mim, semblante de surpresa, e me dá um sorriso meio forçado.
— Filippo. Não sabia que trabalhava aqui.
— Não só trabalho como sou o dono. E você sabia, sim. — Cruzo os braços na frente do
tórax e inclino a cabeça um pouco para o lado. Bianca me contou um dia desses que o Danilo andou
olhando nossas redes sociais. — Então, você se interessa por escalada… — Ou só veio aqui pra
tentar me provocar?
Leva um segundo inteiro para eu notar o tom da minha voz, a postura e o sentimento de raiva
e possessão. Corrijo minha postura na mesma hora e tento não pensar em por que estou tão afetado
por causa disso. Faria algum sentido se Bianca e eu fôssemos namorados de verdade, mas não
somos. Não tenho por que dar importância às provocações mesquinhas e infantis de Danilo.
— Meu médico me mandou sair do sedentarismo. Sabe, muito tempo dirigindo carro e pouco
me exercitando. Resolvi experimentar escalada. Gostei. Acho que vou voltar mais vezes.
Dou um passo adiante e peço para o instrutor me deixar sozinho com ele. O rapaz pega todo o
equipamento de segurança e se retira.
— Pode me dizer qual é a sua? — Vou direto ao assunto. — Primeiro no bar, agora aqui. Está
tentando me enciumar ou intimidar a Bianca?
Ele leva a mão ao peito em um gesto teatral de que está ofendido. Ele é um péssimo ator.
— Por que acha que estou fazendo uma coisa dessas? Eu não tenho qualquer motivo para
provocar você ou querer intimidar a Bianca. Sinceramente, quero distância daquela mulher. — Solto
uma risada sem humor e cruzo os braços de novo. É inacreditável. Não parece que ele está querendo
ficar longe da minha garota. — Deveria querer também. Um dia você vai querer distância dela.
Franzo o cenho.
— O que isso quer dizer?
Danilo suspira e me pede um minuto. Ele se retira e volta um instante depois com um celular.
— Olha isso. — Aponta para a tela e clica no play do reprodutor de vídeo.
Está de noite e é um boulevard de bares e restaurantes. Pela decoração ao redor, é perto do
fim do ano. Alguém está gravando um casal discutindo no meio da calçada e só quando a gravação
fica mais próxima, eu me dou conta de quem é. Bianca está visivelmente descontrolada. Ela chora e
grita com Danilo sem se preocupar com as pessoas ao redor. Alguém tenta acalmá-la, e Danilo está
indignado e irritado com o escândalo enquanto diz algo para ela que não dá para ouvir direito.
— A Bianca é louca, descontrolada, ciumenta e possessiva.
Meus olhos não saem do vídeo que ainda roda. Noto que logo atrás dele, há uma mulher com
um vestido preto, decotado, e ela é muito bonita. Bianca aponta na direção dela e agora dá para ouvir
melhor suas palavras, uma vez que quem está gravando está mais perto. Bianca xinga o Danilo de
nomes que não achei que sairiam da sua boca. A mulher logo atrás também é alvo da sua ira e os
adjetivos que recebe não são nada bonitos. Viro o rosto para o lado, enojado. Já vi o suficiente. Ele
pausa o vídeo e guarda o telefone no bolso da bermuda.
— Ela não é assim — defendo-a, dentes trincados.
— No começo, não mesmo. Mas não vai levar muito tempo até começar com as paranoias
dela. Vai te seguir, revirar seu celular, te proibir de falar com suas amigas ou clientes. Vai fazer da
sua vida um inferno, Filippo.
— Ela te pegou com outra mulher, cara. Essa reação é muito compreensível.
Danilo move a cabeça de um lado a outro.
— Nós já tínhamos terminado havia meses quando aconteceu esse surto. Não era uma traição.
Eu não sei o que responder diante esse argumento, mas decido que não vou dar ouvidos ao
Danilo. Bianca me disse que no relacionamento deles, foi muito manipulada. Vai saber o que foi que
aconteceu nesse dia para ela ter reagido assim.
— Escuta o que estou te dizendo e caia fora enquanto ainda há tempo.
— Dispenso o seu conselho.
Eu me afasto dele tentando não pensar na porra daquele vídeo.

São duas da manhã de domingo e faz um pouco de frio. Esperei por Bianca no lado de fora do
bar assim que ela começou a fechar e fui informado que ela levaria algum tempo ainda para estar
livre — precisava limpar a cozinha, o salão, conferir o fechamento do caixa, recolher mesas e
cadeiras, essas coisas.
Agora, ela está terminando de trancar as portas do local, acompanhada do irmão e mais três
funcionários. Vou ao seu encontro e noto que ela usa apenas uma calça de couro e uma blusinha preta
de alças. Cumprimento todos eles e recebo Bianca com um beijo suave nos lábios.
— Você leva o pessoal pra casa, né? — pergunta ao Leandro.
O irmão assente e lhe dá um abraço de despedida.
— Aproveitem bem o domingo porque no próximo, sou eu quem vai tirar uma folga e sair
com a minha namorada. E você — aponta para mim — vai ter que vir ajudá-la no bar.
— Leandro!
Ele ri e se afasta até seu carro com os funcionários que vai levar para casa.
— Não liga pro Leandro.
Balanço a cabeça em negativo e tiro meu paletó.
— Aqui. — Estico a peça na sua direção. Ela sorri e agradece, vestindo-o em seguida. —
Não trouxe casaco?
— Saí do seu apartamento bem apressada. Acabei esquecendo. Você trouxe tudo?
Antes de vir para o bar, Bianca deixou arrumado tudo o que vamos precisar para passar o
domingo na casa dos meus avós na minha sala.
— Trouxe, sim. Está no porta-malas.
— Até a bagagem menor? Aquela só tinha sapatos.
Jogo meu braço por cima do seu ombro e confirmo.
— Sim, até a bagagem menor. Podemos ir?
Durante o percurso, eu conto pra Bianca a novidade que recebi mais cedo no Aventura
Selvagem. Ela fica um misto de feliz e animada, mas também parece um pouco preocupada. Pergunta
se os riscos não são muito grandes, se eu não tenho medo, e que já viu alguns filmes baseado em
histórias reais de alpinistas que morreram tentando atacar o cume do Monte Everest.
— O risco não é muito grande?
— O risco existe só de sairmos da cama. — Dou de ombros e olho para ela com um sorriso
convencido. — Quer vir comigo?
Ela se vira para mim devagar e pisca duas vezes.
— Para onde?
— Escalar o Everest.
Bianca solta uma risada alta e move a cabeça em negativo.
— Às vezes acho que você não é normal, Filippo. — Ela ergue o indicador, enumerando: —
Um: sou completamente medrosa. Dois: não tenho nenhum condicionamento físico.
— É só perder o medo e ganhar condicionamento. Se tudo der certo, temos pouco mais de um
ano para te treinar. Não é incomum que alpinistas amadores se aventurem no Everest. Teremos guias
e sherpas — guias locais — para garantir a segurança de todos.
Ela move a cabeça de um lado a outro.
— Não, obrigada.
O assunto morre e conversamos sobre outras coisas. Acabo por perguntar a ela se Danilo
apareceu no bar depois daquela vez, e Bianca garante que não. Curiosa, ela questiona por que o
interesse. Um dar de ombros é toda minha resposta. Decido que não vou contar que ele esteve no
Aventura Selvagem mais cedo, nem que me mostrou um vídeo em que ela estava desequilibrada.
Chegamos à casa de campo dos meus avós por volta de quatro e meia da manhã. As bagagens
ficam todas no porta-malas, vamos direto para meu quarto e dormimos até umas nove horas.
Enquanto ela prepara algo para comermos, eu descarrego nossas malas. Vamos voltar para a cidade
amanhã à tarde, mas ela trouxe roupa para uma semana toda, parece. Coloco nossos pertences na
cômoda de madeira, as dela nas duas primeiras gavetas, as minhas cabendo todas apenas na terceira.
Encosto a gaveta devagar e meus olhos fixam em um retrato meu com Liam. Estávamos em um
restaurante, só nós dois, na noite em que ele passou na prova da OAB. Estava sentado ao seu lado, um
braço sobre seus ombros, ele com a cara rabugenta de sempre — uma ligeira curvatura no canto da
sua boca é todo o indício de que estava feliz por, finalmente, ser um advogado — e eu estava com o
maior sorriso de orgulho do mundo.
— Ele tem cara de bravo. — Bianca surge ao meu lado, fazendo-me dar um salto de susto. —
Na festa de aniversário dos seus sobrinhos, não vi esse homem dar um sorriso. Tinha três bebês fofos
lá, Filippo. Quem consegue resistir a três bebês fofos?
Rio um pouco e coloco o retrato de volta no lugar. Minha avó, antes de falecer, roubou a
moldura da casa dos meus pais e trouxe para cá. No quarto principal existe um de Mattia com a
Natália, e no quarto da Paola tem uma dela com meu melhor amigo também.
— O Liam não é de expressar muito as emoções. É o jeito dele, sabe? Tem essa cara de
rabugento, mas é o homem mais incrível que eu conheço. O coração é mole, pode ter certeza.
Bianca sorri um pouquinho e se apoia no meu ombro.
— O café está pronto.
Eu a acompanho até a cozinha. A mesa está arrumada como ela já disse que gosta. Bule de
café bem no centro, pães de queijo em um prato delicado, conjunto de xícaras que ela deve ter
encontrado revirando os armários. Nós comemos conversando sobre os planos de hoje. Vamos ficar
por aqui durante o dia. Aproveitar o sol, a piscina, dar uma trepada, mas à noite vamos até o centro
da cidade. Ainda estamos decidindo se vamos a um barzinho, restaurante ou balada.
Assim que a digestão está completa, seguimos até a piscina. Eu visto apenas um calção, e
Bianca coloca um biquíni. Ela se senta em uma das cadeiras de praia, entre minhas pernas, enquanto
eu passo protetor nas suas costas.
— Você não me respondeu por que perguntou do Danilo — diz, voz baixa.
Não respondo nada por um tempo, concentrado nas suas costas despidas e em passar
delicadamente o protetor na sua pele. Estou considerando se falo a verdade e se conto do vídeo ou
não. Não sei se vale a pena trazer o assunto para nosso meio agora.
— Ele apareceu no Aventura Selvagem ontem. — Considero que ela precisa saber da visita
desagradável do ex e do vídeo, até porque estou disposto a ouvir a versão dela.
Ela faz menção de se virar, mas a mantenho na mesma posição. Ainda não terminei aqui.
— O que ele foi fazer lá?
Dou de ombros.
— Estava escalando no paredão, mas acho que foi… sei lá… tentar me provocar. — Bianca
prefere o silêncio. Subo minhas mãos até seus ombros, espalhando o creme agora nessa região e
também a massageando. — Danilo me mostrou um vídeo.
— Que vídeo? — Mais uma vez, ela tenta se variar, e eu ainda não deixo.
— Você estava bem alterada, brigava com ele e um com uma garota em um boulevard de
restaurantes. Parecia perto do Natal. — Pausa. Ela continua quieta, mas sinto que sua respiração fica
mais pesada. Dá para notar pelo modo como os músculos das suas costas se movem. — Danilo me
disse que você é descontrolada e paranoica.
— Acreditou nele?
— Claro que não.
Assinto devagar e a viro para mim. Seus olhos marrons fixam nos meus, um pouco abatidos,
temerosos, inseguros.
— Quer me contar sobre o vídeo?
Bianca engole em seco e move a cabeça em positivo.
— No começo do meu namoro, o Danilo era um sonho de homem, mas alguns meses depois,
ele começou a ficar muito estranho, distante, em alerta, entende? Ficava pelos cantos com o celular,
não podia nem me aproximar do telefone dele que ele ficava nervoso. Sequer podia perguntar aonde
ia, onde estava, que ele começava a me acusar de o estar sufocando.
— Você começou a desconfiar.
— Sim. E aí, passei a ter atitudes das quais não me orgulho. Tentava vasculhar o celular dele,
rastreava as corridas que ele fazia, seguia ele nos jogos de futebol, ficava grudada sempre que podia,
marcando território. Eu realmente fiquei paranoica. Um dia, o celular dele estava de bobeira e peguei
umas mensagens.
— Ele estava te traindo, né?
— Eu não tinha muita certeza. As mensagens não eram muito descaradas, mas eram estranhas
e íntimas demais para quem dizia que era só uma amiga. Danilo ficou louco quando mostrei as
mensagens e eu quis saber quem era, por que estavam de papinho. Ouvi cada coisa da boca dele…
— Bianca suspira e baixa os olhos. — Depois, ele voltou atrás, me pediu desculpas e eu desculpei.
Não muito tempo se passou e descobri que ele estava me traindo mesmo.
— Com a garota das mensagens?
— Na ocasião em que descobri, era outra que eu não conhecia. — Um sorriso fraco surge em
seu rosto bonito. — Nós terminamos, e ele me bloqueou em todas as redes sociais. Só que antes de
terminarmos, quando eu estava tentando descobrir se ele me traía ou não, eu tinha um perfil falso com
um user e foto masculinas, então passei a acompanhar as postagens dele por um tempo. Aí, um dia,
ele publicou uma foto com a garota das mensagens e a marcou. Visitei o perfil dela, segui e passei a
interagir por umas semanas, sabe?
— FBI está perdendo. — Ela ri baixinho e me dá um tapa amigável no braço. — O que
aconteceu depois?
— Descobri que ela tinha um perfil secundário, mas era privado. Continuei interagindo no
principal dela por umas semanas antes de seguir o outro e esperar pra ver se ela aceitava a
solicitação ou não. Demorou um ou dois dias, mas ela aceitou. E aí, Lipo… — Não deveria, mas
sorrio um pouquinho, gostando do meu apelido na sua boca. — Encontrei muitas fotos deles juntos
quando Danilo ainda era meu namorado.
— Sinto muito.
— Eu fiquei abalada demais, sabe? Chorei tanto naquele dia. Ele não merecia uma lágrima,
não merecia nem que eu continuasse me importando, mas eu estava chorando de colocar o pulmão
para fora e olhando as redes sociais deles. Até que eles postaram que estavam em um restaurante.
Não pensei duas vezes em ir até lá. Agi por impulso, motivada por raiva, mágoa e meu emocional
abalado. Cheguei no restaurante e…
Coloco dois dedos sobre seus lábios e movo a cabeça de um lado a outro.
— Já ouvi o suficiente e já entendi tudo.
— Não me orgulho do que fiz, Lipo. Sei que agi errado, mas eu estava com o emocional tão
fodido que… é um pouco compreensível, não acha? — Assinto. — Eu não sou a ex maluca, não sou.
— Eu sei que não. — Puxo-a para mim e deixo um beijo delicado na sua boca. Ela sorri e me
empurra contra o encosto da cadeira de praia, montando meus quadris em seguida. — Sexo na
piscina?
Bianca nega.
— Muito sexo na piscina.
Sorrio, maroto, e enrosco o dedo no cordão da calcinha do biquíni, soltando a peça. Em um
segundo, ela está completamente nua da cintura para baixo, esfregando-se em mim enquanto me beija
forte. Desço ambas as mãos pela sua bunda, apalpando-a, e afundo meus dedos em sua carne macia.
Bianca abaixa meu calção, e já estou pronto para ela. Antes que cavalgue em mim, eu me levanto e a
levo até a borda da piscina, deixando-a sentada ali. Afundo na água e fico na altura do seu sexo. Ela
se deita em seus cotovelos e separa mais os joelhos, expondo-se para mim. Segurando em suas
coxas, eu enfio meu rosto entre suas pernas.
Chupo sua boceta com dedicação, minha língua subindo e descendo por todo seu sexo — da
entrada ao clitóris sensível — e me delicio com os sons que minha boca causa nela. Bianca afunda os
dedos nos meus cabelos e empurra meu rosto mais para si. Eu me dedico com afinco — chupo,
lambo, sugo, devoro — até que ela está prestes a gozar, mas não deixo. Puxo-a para dentro da água e
a coloco de costas para mim. Ela imediatamente separa mais as pernas e se inclina na borda da
piscina, deixando o traseiro empinado na minha direção.
Bianca se derrete toda no momento que meu pau enterra em sua boceta, e eu quase vou pelo
mesmo caminho, precisando de um esforço descomunal para manter a sanidade no lugar e não gozar
dentro dela logo na primeira estocada. Seu aperto ao meu redor me deixa desatinado — mais do que
um dia uma mulher foi capaz — e procuro não entender o que é esse poderio dela sobre meu corpo e
mente. Não procuro entender por que com ela tudo parece muito mais intenso, gostoso e suficiente.
Não me lembro de um dia ter ficado tão… arrebatado e encantado por uma garota como tenho me
sentido.
Fecho os olhos e engulo em seco, espantando os pensamentos da cabeça, ainda mais ao me
dar conta que hoje é nosso trigésimo dia juntos. Amanhã, não existe qualquer obrigatoriedade de
minha parte de estar só com ela. E me assusta que, apesar disso, eu não tenho o mínimo de desejo de
acessar minha lista de contatos e procurar outra transa. Por mim, Bianca pode continuar no meu
apartamento, pode continuar na minha cama, em cima de mim, debaixo de mim, gemendo meu nome.
Afundo o dedo na sua cintura e aumento meu rimo para dentro dela — tanto quanto a pressão
da água permite — e me concentro em comer sua boceta gostosa. Bianca tomba a cabeça para trás,
apoiando-a em meu ombro, e aproveito sua posição para pescar seus lábios trêmulos. Nós gememos
e nos beijamos criando uma conexão incrível que, para mim, vai muito além da sexual. É quando um
pensamento permeia a minha mente. Vem rápido, como um clarão de raio em dias chuvosos, mas eu
me nego a aceitar essa conclusão, a admitir que isso seja o motivo de tantas sensações novas e
diferentes que envolvem essa garota. Não. É impossível.
Não posso estar apaixonado.
Posso?
Claro que não.
Aperto os olhos com mais força e a deixo. Bianca suspira, frustrada, e me pede
desesperadamente para continuar. Deito o rosto nas suas costas molhadas e respiro com alguma
dificuldade, reestabelecendo as batidas alucinadas do meu coração. Meus batimentos não estão
disparados apenas por causa do esforço do sexo. Estão disparados também porque…
Droga.
Bianca empina o traseiro na minha direção, esfregando-se em mim, à procura do meu pau, o
objeto de seu desejo.
— Filippo… por favor, por favor! Continua! Não para de me comer, não para de me comer!
Travo meu maxilar, moendo os dentes, e me livro de todos esses pensamentos absurdos. Não
é paixão. É uma atração muito forte, descontrolada e deliciosa, mas não é paixão. Filippo Massari
não se apaixona.
Volto ao mundo real, agora completamente desintoxicado de ideias bobas de estar
apaixonado, e me concentro em dar o melhor orgasmo a essa mulher. Junto seus cabelos úmidos em
uma mão e os repuxo para trás. Ela geme gostoso com a pegada e aperta os olhos, os quadris ainda
rebolando à minha procura.
— Implore.
Ela sequer pensa duas vezes.
— Me fode, por favor. Me fode!
Eu me aproximo do seu ouvido e murmuro:
— Eu quero gozar no seu traseiro de novo e sei que você também quer gozar com meu pau
enterrado no seu cu. — Entre suspiros trêmulos, ela assente. — Então me peça.
— Filippo…
Aumento a pressão nos seus cabelos.
— Me peça, Bianca.
— Come minha bunda! — ela pede, desesperada, e isso é toda a minha perdição, a porra do
meu inferno, o pedido capaz de me deixar com os quatro pneus arriados.
Eu saio de dentro da piscina e a trago junto. Coloco-a sentada sobre os próprios joelhos na
cadeira de praia, e eu fico posicionado para que ela cavalgue ao contrário em mim — meus pés
tocando o chão, um de cada lado da cadeira. Devagar, Bianca desce o traseiro e o encaixa em mim.
Abro bem sua bunda, a lubrifico com os fluidos de sua boceta e só então, aos poucos, faço-a se
sentar. Gememos juntos conforme seu cu engole meu pau, até que ele está todo enterrado nela.
Posiciono minhas mãos na sua cintura e a ajudo a subir e descer, começando lento para que se
acostume. Assim que está receptiva, ela me cavalga forte e rápido, acabando com a porra do meu
juízo.
Até aguento por tempos demais nessa posição com a vista incrível de seu cu apertado subindo
e descendo em mim, o barulho delicioso dos seus gemidos despudorados e altos se misturando aos
meus. É tudo tão… bom demais.
— Não dá mais pra aguentar, Bianca — aviso com um sussurro estrangulado e movo meu
quadril, combinando nossos ritmos. — Eu vou gozar. Goza comigo.
Impulsiono-me contra seu corpo e trocamos nossa posição. Ela fica por baixo, ainda de
costas para mim, pernas arreganhadas, coluna ligeiramente inclinada, e eu me arremeto a toda
potência conforme ela geme me pedindo mais. Um minuto depois, Bianca goza, o corpo entrando em
espasmos violentos, e eu vou logo em seguida, libertando-me com um gemido animalesco. Caio
sobre seu corpo úmido e respiro com dificuldade, exausto e, ao mesmo tempo, aliviado, leve, feliz.
Durante os dez segundos que ficamos nessa posição, recuperando forças e energias, o
pensamento de que estou apaixonado por Bianca retorna. Dessa vez, deixo que me domine.
Não consigo deixar de olhar para Filippo no outro lado do quarto enquanto termino de me
arrumar. Ele está andando para lá e para cá, todo eufórico, digitando no telefone. Acho que está
respondendo um e-mail. Mais cedo, ele comentou comigo que se tudo der certo, vai levar alguns
clientes da sua empresa para escalar o Monte Everest. Acredito que seja sobre isso que esteja
resolvendo agora, mesmo que seja domingo, nove da noite.
Volto minha atenção ao espelho na porta do guarda-roupa e termino de prender meus cabelos.
Tivemos um dia gostoso e agradável. Fizemos mais sexo na piscina, pegamos um sol, assistimos
outro filme da Barbie, preparei um drinque para nós só de lingerie preta, ele fez uma macarronada à
bolonhesa deliciosa, e comemos laranja direto do pé no pomar da propriedade. Agora, os planos
para a noite é irmos a um barzinho com música ao vivo no centro da cidade.
Sorrio ao olhá-lo mais uma vez. Filippo está uma delícia dentro de um calça jeans azul-
escuro, camisa azul e blazer vinho. Seus olhos encontram os meus um segundo depois e ele sorri
daquele jeito que molha calcinhas e faz qualquer uma se derreter.
— Você está pronta? — pergunta, ao voltar sua atenção para o telefone.
— Quase.
Olho novamente para meu reflexo e dou os últimos retoques. Aperto mais o rabo de cavalo,
ajusto a calça jeans preta no corpo, arrumo o decote discreto do cropped de mangas compridas e dou
uma verificada na minha bunda. Para finalizar, retoco o batom e espirro um pouco de perfume no
pescoço.
— Pronta.
Filippo guarda o telefone no bolso interno do paletó e dá dois passos na minha direção, o
olhar atento em mim. Ele me analisa de cima a baixo, como se eu fosse uma peça única de museu.
Não nego que me sinto bem com isso. É bom ter a atenção dele assim.
— Serei obrigado a espantar todos os caras que chegarem perto de você.
Sei que é só uma gracinha boba, mas, de alguma forma, sua sentença faz revirar o meu
estômago de uma maneira diferente. Por que eu gosto da perspectiva que ele tenha ciúmes de mim?
Engulo em seco e forço um sorriso, tentando não pensar nisso agora. Ele não está com ciúme — não
deve nem estar perto de sentir ciúme de mim —, é só o seu modo de me elogiar, certo?
Certo.
— Desde que eu possa espantar as garotas que chegarem perto de você, por mim, tudo bem.
Filippo abre um sorriso maravilhoso e envolve minha cintura, os lábios chegando
perigosamente perto dos meus. Meu coração dispara e a respiração fica irregular com essa
aproximação. Posso sentir o coração dele contra meu peito, batendo calmo e ritmado, tão diferente
do meu. Filippo tem um poderio diferente sobre mim que não sei explicar.
— Não será necessário porque eu mesmo vou dispensá-las. Não vou me importar com
qualquer outra mulher a não ser com você.
Pisco duas vezes, assimilando o que me disse. Achei que fosse uma gracinha dele sobre
espantar os caras que chegarem perto de mim, mas agora, a segurança com o que acabou de afirmar
que pretende dispensar outras mulheres não deixa brechas para eu ponderar que é só uma piadinha.
Não é. Ele está falando sério. É claro que está. Isso não significa nada além de que não vai ser um
escroto comigo. Não somos um casal de namorados, ele não me deve nenhuma satisfação nem
fidelidade, mas Filippo é certo o suficiente para não se esfregar em outra mulher em ocasiões que
estiver comigo.
É apenas isso, certo?
Certo.
— Vamos? — digo, querendo quebrar esse momento estranho entre nós dois. Ele assente com
um sorriso e fecha sua mão na minha. O aperto que exerce nos meus dedos também é diferente.
Parece mais carinhoso do que ele costuma ser.
Cerca de vinte minutos depois, chegamos ao local. Está relativamente cheio, música ao vivo
como o anúncio na rede social prometia, e ambiente aconchegante. Escolhemos uma mesa mais
afastada e pedimos porções de fritas, coxinhas fritas de frango e cerveja. Eu o observo tamborilar os
dedos e cantarolar a música enquanto olha ao redor. Não evito um sorriso pequeno, mexida com sua
beleza de perfil. Sinto um aperto no peito de que hoje seja nosso “último” dia juntos. Não vou negar
se ele me procurar outras vezes, mas estava gostando da ideia de ser a única todas essas semanas.
— Minha mãe ainda quer aquele almoço de domingo — Filippo comenta, voltando-se para
mim. Isso espanta meus pensamentos da cabeça e paro de pensar bobeira. Não tenho por que me
preocupar que ele saia com outras garotas. — Podemos marcar para daqui duas semanas? Sei que no
próximo domingo você está de castigo.
Molho o lábio inferior, ponderando. Já tem uns dias que ela fez o convite, e o fez porque “já
que estão saindo por esses dias, deveria levá-la em casa”. Mas em duas semanas nós não estaremos
mais “saindo por esses dias”. Eu já pensava que era meio inadequado me reunir com a família dele
sendo apenas a amiga colorida para pagar uma aposta, agora que eu nem sei se vai querer continuar
me vendo, acho ainda mais inadequado. O que os pais dele vão pensar de mim?
— Ah, eu não sei, Lipo. É mesmo uma boa ideia?
— Ué, e por que não seria?
— Porque você nunca levou uma garota para um almoço de família e eu vou ser a primeira,
ainda que a gente não tenha nada sério? Não parece um bom motivo para eu não ir?
— A minha mãe que convidou e meu pai está de acordo. Eles me cobraram por isso ontem de
novo, Bia. — Meu coração dá um salto diferente quando me chama pelo apelido. Não me lembro se
no último mês ele me chamou assim. — E você vai só como amiga, lembra? Eles não vão criar um
evento em torno disso. Eu prometo.
— Quer mesmo que eu me reúna com sua família, sendo que todos eles sabem que passei as
últimas semanas dando pra você igual uma vagabunda?
Filippo ri exageradamente, chamando atenção de todos os clientes ao nosso redor. Eu me
junto a ele, contagiada demais pela sua risada para resistir. Ele leva alguns segundos para se
recuperar da crise de risos, e eu me pego aproveitando cada pequeno instante para contemplar seu
sorriso e os olhos que chegam a lacrimejar.
— Boba — diz, finalmente, e nesse instante a garçonete traz nossa cerveja e uma taça de água
que eu pedi. Ele agradece a menina e assim que ela se retira, completa: — Não tem que se preocupar
com nada. Todo mundo lá em casa é muito tranquilo. A última coisa que minha família vai fazer será
te julgar por estar só dormindo comigo ou te azucrinar pra que a gente se case.
Suspiro e bebo um pouco da minha água, ainda na dúvida.
— A sua última sogra era difícil de lidar? — Filippo pergunta, virando um pouco da sua
cerveja na tulipa.
— Ela não gostava de mim — digo e dou de ombros. — Por causa do bar. Vivia dizendo que
não era ambiente pra uma mulher, que eu não me portava como uma mulher de verdade. — Reviro os
olhos e direciono meu olhar para o cantor. Ele está sentado em um banco alto e toca um violão. — E
quando ela descobriu que eu não era virgem e não perdi a virgindade com o filho dela? Só faltou me
chamar de meretriz.
— Que bobagem. Mas ela não se importava que o Danilo não fosse virgem, não é?
Balanço a cabeça em negativo.
— “Ele é homem”, era a justificativa dela para tudo. Absolutamente tudo. Até quando ele me
traiu, ela veio com esse discurso idiota e ainda colocou a culpa em mim por não me comportar como
uma “mulher pra casar”. Então, claro que ele ia procurar outra, né? Além disso, Danilo deixava que
ela interferisse demais no nosso namoro.
— A minha mãe é um anjo, Bianca. Pode ter certeza de que ela não vai te destratar por
qualquer motivo que seja, nem ficar se metendo no nosso relacionamento. Pergunta pra Lauren ou pro
ex da Paola se não é verdade. Meus pais sempre tiverem um pé atrás com o Bruno, mas o canalha foi
muito bem tratado lá em casa a vida toda.
Os olhinhos dele ficam na expectativa que eu aceite o convite e isso me desmorona um pouco.
— Mas tudo bem se não quiser. — Lipo dá de ombros e toma um pouco da sua cerveja. —
Aceite se estiver confortável pra isso. Não vou ficar insistindo para fazer algo que não quer. — Ele
pisca e me dá um sorrisinho sacana.
— Vou pensar e te dou uma resposta logo.
Nossos aperitivos chegam em seguida e a noite decorre de forma agradável. Filippo não para
de falar de como está animado com a perspectiva de escalar sua montanha dos sonhos. Eu entendo o
medo da sua família com essas aventuras, entendo mesmo, mas é lindo ver o sorriso nele, é lindo vê-
lo todo animado assim. É nítido que esse homem ama o que faz, por maiores que sejam os riscos, e
não existe qualquer chance de eu desencorajá-lo a perseguir seus sonhos.
Mais tarde, depois de algumas cervejas e fritas, minha bexiga está protestando e eu vou ao
banheiro atender sua reinvindicação. O lugar só tem duas cabines, que estão ocupadas, e há mais três
mulheres conversando e retocando a maquiagem frente ao espelho das pias enquanto esperam para
usarem também. Aguardo minha vez conversando com uma garota que puxa assunto comigo sobre a
música ao vivo.
Uns cinco ou seis minutos depois, eu já estou voltando para o salão principal. Meu coração
erra uma batida ao me aproximar e ver Filippo no balcão mais aos fundos, sentado em uma das
banquetas altas, conversando com outra mulher. Do ângulo que está, consigo ver que há um copo de
caipirinha nas suas mãos, que ele brinca com o canudo, rodando-o no líquido e fazendo o gelo se
chocar contra gelo e no vidro do copo. Perto dela também há um copo de caipirinha, idêntico ao de
Filippo, e não sei quem pagou o drinque para quem. A conversa parece animada, dado ao fato como
os dois riem um para o outro.
Engulo em seco e pisco algumas vezes para afastar o ciúme súbito que ameaça avançar sobre
meu corpo. Filippo é um homem livre. Um homem livre. Não acho correto que esteja flertando com
outra no nosso encontro, por mais que não me deva fidelidade, mas ele continua sendo a porra de um
homem livre. Suspiro forte e coloco minhas pernas em movimentos de novo — nem percebi que tinha
parado no meio do ambiente, meus olhos fixos no casal a poucos metros de mim — e caminho na
direção deles.
— Ah, olha ela aqui — Filippo diz assim que os alcanço. Ele se levanta e contorna minha
cintura, recebendo-me com um beijo suave. — Estava acabando de falar de você.
— Estava?
Filippo balança a cabeça.
— A Denise também é de Santa Mônica. Estava dizendo que ela precisa conhecer o seu bar.
Forço um sorriso e me viro na direção da garota, a tal Denise. Ela se apresenta para mim, e
eu faço o mesmo.
— Vocês se conhecem? — pergunto, alternando o olhar entre os dois.
Filippo move a cabeça em negativa, mas é Denise quem explica:
— Eu cheguei há cinco minutos e o avistei aqui no bar. Achei que estava sozinho e… — Ela
deixa a frase subentendida, e eu assinto. — Eu mal o cumprimentei e Filippo me disse que é
comprometido.
— Vim pegar uma caipirinha pra nós. — Ele me entrega o copo que estava perto dela e abre
aquele sorriso de garoto. Então, afinal, a bebida era para mim. Tomo o copo em mãos e sorvo o
drinque pelo canudo. — Não esquece de ir conhecer o bar da Bia um dia desses.
A menina aperta um sorriso rápido, e nós nos despedimos, voltando para nossa mesa. No
pequeno percurso de volta, eu tento administrar o sentimento de posse e ciúme que me tomou ao vê-
lo junto da garota. Tento administrar o sentimento — não sei bem o que é — de ele a ter dispensado,
como prometeu que dispensaria. Mais uma vez, Filippo não precisava fingir nosso namoro, mas
ele… fingiu. Um “estou acompanhado” bastava. Só que ele preferiu dizer que sou sua namorada.
Ok, não é nada de mais, certo?
Certo.
— Tudo bem? — pergunta, ao se sentar no seu lugar.
— Sim, tudo bem — admito e dou um gole na minha caipirinha.
— Tá.
Filippo não diz mais nada, e eu engulo minha vontade de admitir que senti ciúme dele — ou
qualquer coisa parecida com isso. O incômodo no meu peito desaparece um instante depois,
envolvida na conversa e na alegria dele. A noite, então, termina bem. Chamamos um carro para
voltarmos por causa do álcool e, por volta de duas da manhã, estamos em casa. Tomamos um banho
juntos, e apesar das doses de bebidas alcóolicas, nós dois somos bem resistentes, por isso não tem
ninguém extremamente bêbado aqui. Temos um momento divertido debaixo d’água com sorrisos,
beijos e carinhos trocados.
Agora, deitados na cama do seu quarto, ele faz um afago gostoso nos meus seios, seus braços
em torno dos meus quadris, abraçando-me, o rosto enfiado entre meus cabelos, nossas pernas
enroscadas.
— Quer terminar a noite com uma trepada bem dada? — sussurra ao pé do meu ouvido, uma
mão atrevida descendo por entre minhas pernas.
Suspiro e aperto os olhos, sentindo o cansaço avançar sobre meu corpo.
— Estou morrendo de sono, Filippo.
Ele assente atrás de mim, aperta-me mais contra seu corpo, recolhe a mão atrevida e fica em
silêncio depois de me desejar boa-noite. Eu fico aqui, de olhos abertos contra o escuro, captando os
pequenos sons do ambiente — cigarras que cantam lá foram, a madeira que estrala pela casa, o vento
que assobia — e me esforço muito para não deixar que a paranoia me domine.
Mas eu não consigo.
Não consigo afastar de mim a paranoia e a insegurança. Eu sei que Filippo dispensou aquela
garota, que ele disse que dispensaria qualquer uma que chegasse perto, mas nada me tira da cabeça
que…
Suspiro e me ajeito melhor nos seus braços, engolindo a vontade de chorar. Não posso ficar
pensando que ele só a dispensou porque ainda temos mais um último dia, que precisa ser “fiel” a
mim, que foi passível à minha recusa de sexo um segundo atrás porque a partir de amanhã se uma
garota lhe recusar sexo, logo encontra outra disposta a abrir as pernas para ele.
Não sei por quanto tempo isso fica me atormentando — podem ter se passado dois minutos
como duas horas —, mas chega uma certa altura que eu não aguento mais. Levanto-me do seu lado e
aciono o interruptor perto da porta. Filippo se senta na cama e coça os olhos, confuso.
— O que houve?
— Por que dispensou aquela garota?
Ele esfrega mais os olhos e encontra alguma dificuldade para fixá-los em mim.
— O quê?
Abraço meu próprio corpo, de repente sentindo frio demais.
— Se não tivesse que ficar só comigo, você teria dado corda para ela, não é? Para ela ou pra
qualquer outra que te procurou no último mês.
Filippo parece bem mais desperto agora e me olha de um jeito que não sei decifrar. Não sei
se está bravo, confuso ou me achando uma completa maluca. Talvez tudo isso junto.
— Bianca — ele olha no relógio de pulso —, por que isso agora a essas horas da
madrugada?
— Por que você simplesmente não é franco comigo, Filippo?
Ele suspira, joga as pernas para fora da cama e vem até mim.
— Eu dispensei porque era o combinado.
Assinto.
— Mas se não fosse? E se você pudesse ter ficado com outras meninas nessas semanas todas,
teria ficado?
— Teria. — Sua admissão me machuca mais do que deveria. Meus olhos queimam e me sinto
uma idiota por ter esperado que ele dissesse não, que dissesse que eu estava sendo o suficiente. E eu
nem quero isso de verdade! — Mas, com toda certeza, não ia ficar com outra mulher se nós
estivéssemos em um encontro. — Filippo me pega pelos braços e tenta fazer contato visual comigo,
mas eu não facilito. — É isso que está te atormentando, Bia? Você acha que se eu quisesse ter ficado
com a Denise, eu teria ficado mesmo você estando lá comigo?
Fungo e limpo as lágrimas com as costas das mãos, evitando seus olhos claros.
— Não teria feito isso?
— Claro que não. Meu Deus, Bianca, por que acha que eu seria um escroto dessa maneira?
— Eu não sei. Talvez porque você não me deva fidelidade.
Ele move a cabeça de um lado a outro.
— Não, não devo, mas isso não significa que eu agiria de um jeito tão…baixo. — Seus dedos
se apertam mais em torno do meu braço e ele me leva a olhá-lo. Filippo está sério, como poucas
vezes é, e me sinto tão, mas tão patética. Sei que estou errada, mas não consigo me livrar desse
sentimento idiota. — Por que achou isso de mim, Bianca?
Pestanejo diversas vezes para não desabar na frente dele e tento de todas as formas engolir
minhas palavras para não o irritar, mas é simplesmente impossível. Quando noto, as palavras já estão
escorregando da minha boca:
— Porque você não sabe ficar sem mulher. Porque eu te neguei sexo e você aceitou numa boa
porque amanhã vai ter uma fila de garotas prontas a abrir as pernas pra você.
Filippo se afasta com rapidez, o rosto severo, impassível, os olhos sempre tão divertidos,
agora, carregados de uma expressão austera. — Precisa parar de ver o Danilo em mim. — Um som
abafado sai do fundo da minha garganta assim que ele me diz isso. E só então, só então, me dou conta
de como estou sendo injusta com Filippo. — Todas essas semanas comigo e ainda não percebeu que
eu não sou como ele? Eu não sei… — Move a cabeça em negativo, triste. — Não sei mais o que
fazer pra que confie em mim, Bianca.
Eu me arrebento em lágrimas quase sem notar, tomada pela culpa. Ele tem razão. Deus, ele
tem toda razão. Desde o começo, Filippo foi sincero comigo, foi bom para mim, sem joguinhos,
manipulações ou meias-palavras. Ele não mentiu, não enganou, respeitou minhas vontades, não me
chantageou, não me menosprezou. Esse homem foi simplesmente perfeito. E eu aqui sendo uma
escrota com ele, desconfiando das suas intenções, igualando-o o tempo todo com o cretino do meu
ex-namorado.
— Eu estou exagerando, não é? — digo baixinho, sentindo minhas lágrimas na língua. —
Estou me comportando como o Danilo me retratou: paranoica e descontrolada.
Eu mal vejo quando Lipo vem até mim e me empurra contra a porta fechada do quarto. Seus
lábios encontram os meus, fortes, rudes e desesperados. O sabor de lágrimas e beijo estrala na minha
língua e por qualquer motivo que seja, eu choro mais forte. Filippo se afasta e encosta sua testa na
minha.
— Para com isso, porra — murmura, seus lábios muito rentes aos meus. — Eu odeio que
você se sinta assim comigo. Não quero que se sinta assim comigo. — Ele fecha os olhos, apertando-
os. — O Danilo te fazia se sentir do mesmo jeito e eu não sou ele, Bianca. Não sou.
Agarro sua camisa com força, como se ele estivesse prestes a escapar.
— Você não é. Me perdoa, Lipo.
Ele nega.
— Não tem que se desculpar. Entendo seus sentimentos e suas inseguranças. — Filippo abre
os olhos e acaricia meu rosto suavemente. — Mas não deixe que isso atrapalhe sua vida, Bianca.
Não pode continuar vivendo assim, achando que um cara respeita seus desejos porque no outro dia
alguém vai suprir o que “faltou” — ele faz aspas com os dedos — em você.
Concordo devagar, as lágrimas ainda descendo pelo meu rosto.
— Terapia resolve — ele murmura, um sorrisinho nascendo no seu rosto bonito.
Solto uma risada em meio ao meu choro descontrolado e o abraço forte. Escondo o rosto na
curva do seu pescoço e o aperto contra meu corpo querendo ficar assim com ele para sempre. Seu
cheiro gostoso vai me acalmando aos poucos e, finalmente, eu entendo que Filippo não é o Danilo.
Eles até podem ter uma coisa ou outra em comum, mas são tão diferentes.
— O terapeuta do Mattia é muito bom. — Ele me afasta do seu corpo e me olha com atenção.
— O cretino do Danilo mexeu demais com sua saúde mental, Bianca. Não pode fechar os olhos para
isso e achar que vai se curar das suas feridas sozinha, sem uma ajuda necessária e sem o apoio que
você merece. — Ele pega nas minhas mãos e entrelaça nossos dedos. — Não posso te ajudar porque
não sou um profissional da área e chá de piroca não resolve, por mais fenomenal que a minha seja —
eu rio alto, ainda chorando —, mas… posso ser o apoio que você precisar. Vou estar aqui, entendeu?
Sempre.
Eu o abraço de novo, e as lágrimas retornam com mais força. Não são lágrimas de culpa
dessa vez. Choro porque pela primeira vez em muito tempo, sinto que alguém me acolhe, me respeita,
cuida de mim e me entende.
— Sabe de uma coisa? — Lipo sussurra no meu ouvido e acaricia meus cabelos. — Você me
perguntou se eu teria ficado com outras garotas se eu pudesse e respondi que sim. Fui muito sincero
sobre isso. Mas essa não deveria ter sido a pergunta. A pergunta correta deveria ter sido: se eu
quisesse ficar com outras garotas, eu teria ficado? E a resposta é não. Nos primeiros dias, eu
dispensei as que me procuravam porque tínhamos um combinado. Mas depois, Bianca… eu dispensei
porque quis. Porque você estava bastando pra mim e porque não conseguia desejar mais ninguém
além de você. Amanhã, ao fim do nosso mês juntos, você ainda vai bastar para mim e ainda vou
desejar estar apenas com você.
Eu não sei exatamente como recebo suas palavras, mas trato de deixá-las assentar em meu
sistema e me confortarem de alguma forma.
Trigésimo primeiro dia.
A mensagem de uma das garotas com quem costumo sair brilha na tela do meu celular,
convidando-me para uma noitada no motel. Não foi raro receber esse tipo de convite ao longo dos
últimos trinta dias e para cada vez, eu inventava uma desculpa diferente. “Não estou na cidade”, “já
tenho um compromisso”, “preciso trabalhar”, “estou doente”, “estou com uma garota”. Por sorte,
nenhuma delas fez qualquer questão. Sem dramas, sem choro. Um pulo no sofá me desperta dos meus
pensamentos e quase faz meu telefone cair das minhas mãos. Zacky esfrega a cabeça no meu colo,
clamando por atenção. Afago seus pelos e o beijo, atendendo sua reinvindicação com o carinho que
ele tanto gosta.
— Liam está demorando hoje, não está? — Confiro as horas no meu relógio de pulso, que
marcam pouco depois das sete. — Ele me disse que chegaria no horário — resmungo, ainda
amaciando a pelugem do cachorro. — Ele também te faz promessas e não cumpre, Zacky?
O cachorro late, como se fosse uma afirmativa.
Suspiro e olho para a tela do meu telefone uma última vez. Digito uma resposta, dispensando
a garota. Ainda não sinto qualquer vontade de me encontrar com outra mulher, o que me deixa
ligeiramente assustado. O que eu disse para Bianca ontem foi a coisa mais real e sincera que já saiu
da minha boca. Dessa forma, serei honesto com meus próprios desejos e vontades. Não vou me
encontrar com outra mulher se tudo o que eu quero é sair daqui e ir encontrar Bianca.
Tento ligar para Liam para saber se ele ainda vai demorar a chegar, mas ele não atende.
Exaspero e me levanto do seu sofá. Vou até a cozinha, roubo uma de suas barras de chocolate belga e
me sirvo de uma taça de vinho. Caminho para seu quarto, sem me importar de invadir seu espaço
pessoal, e fico xereteando aqui. Abro gavetas de sua cômoda, ligo a televisão, separo as cortinas da
porta da varanda e contemplo a cidade noturna aqui do alto. Tudo isso sob o olhar atento e julgador
de Zacky. Terminando de comer meu pedaço de chocolate e de tomar o vinho, deixo a taça sobre a
mesinha de cabeira ao lado da cama bem arrumada e rumo para seu closet. Sem nada para fazer
enquanto o espero, eu xereteio nas suas coisas, sabendo que ele vai detestar se chegar e me ver aqui.
Dou de ombros e continuo avaliando seus ternos e sapatos caros. Encontro uma ou outra peça de
roupa feminina que só podem ser da Paola, do tempo que eles ficaram juntos e que ela nunca veio
buscar.
Em um nicho na parte mais alta do closet, encontro uma caixa-organizadora que desperta
minha curiosidade. O conteúdo me faz rir porque eu saí da quinta série, mas a quinta série não saiu
de mim. É um pinto de borracha. Um strap-on para ser mais exato, o que significa que ele tem
algumas tiras que são amarradas na cintura de quem vai usar.
— Quer encontrar um pra você? — A voz de Liam ressoa no closet, assustando-me de leve.
Ergo os olhos na sua direção, e ali está ele, parado perto da porta, dentro de um terno cinza bem
ajustado, a bolsa transversal nos ombros. — Esse é de boa qualidade e não machuca. Ótimo para
quem quer ser iniciado na prática.
Eu rio alto e nego com a cabeça.
— Eu já disse que só vou experimentar pegging com uma das minhas garotas se um dia você
escalar comigo. E tem que ser uma escalada inesquecível.
Eu passei uma vida azucrinando Liam para se aventurar comigo, mas ele nunca aceitou. Até
tentei uma barganha. Eu me rendia e experimentava o fetiche dele com uma das meninas com quem
costumo sair (embora ele nunca tenha me incentivado a nada) e ele escalaria comigo. Meu melhor
amigo jamais aceitou e sei que jamais vai aceitar.
— Sem chances.
Seguro o pênis de borracha na frente do meu quadril e faço movimentos giratórios.
— Já viu um pirocóptero de borracha?
Uma gargalhada sonora e rara vem de Liam, o que me faz rir junto.
— Sabe que usei esse brinquedo com sua irmã, não é?
Devolvo o strap-on imediatamente à sua caixa de origem.
— Eu não precisava saber disso — resmungo e coloco a caixa no lugar.
Liam gira nos calcanhares, e eu o sigo logo em seguida. No seu quarto, ele está sentado na
cama, Zacky empoleirado no colchão, rabo abanando enquanto recebe carinho do dono. Eu estico
meu corpo na cama e coloco minhas pernas sobre as do meu amigo, bem folgado. Com ciúmes, o
cachorro morde meu sapato e tenta me expulsar daqui. Liam não toma qualquer providência e deixa
nós dois resolvermos isso. Por fim, Zacky encontra uma brechinha entre o colo de Liam e meus pés e
enfia o rosto ali, quieto enquanto recebe um afago nas orelhas.
— Trigésimo primeiro dia hoje — comento, olhando para seu forro de gesso, minhas mãos
entrelaçadas atrás da cabeça. — E você estava errado. Passei os últimos trinta dias apenas com a
Bianca.
Ele assente.
— É, eu estava errado. Quem diria, não é? — Há um tom de deboche quase oculto na sua
frase e eu resolvo ignorar. — Como foi?
— Legal.
— Legal?
Suspiro e assinto.
— Não foi difícil. Achei que seria uma prova de resistência quase impossível de cumprir,
mas… foi fácil. Fácil demais.
Liam não diz nada. Uma espiada rápida e o noto cabisbaixo, ainda afagando o cachorro em
seu colo.
— Agora você vai sair daqui e transar com a primeira garota diferente que vir? Ou já fez
isso?
— Não. Não fiz isso e não vou fazer — admito. Meu melhor amigo se vira para mim, olhos
curiosos. — Não tenho a mínima vontade de estar com outra mulher, Liam. Vou sair daqui, vou ligar
para Bianca e vou acabar no meio das coxas dela.
— Você está apaixonado?
— O quê? — Sento-me na cama quase que imediatamente e balanço a cabeça em negativo. —
Não, claro que não, Liam.
— É a primeira vez que você diz que quer estar só com uma garota. Isso me parece paixão.
Dou uma risada seca e movo a cabeça de um lado a outro. Eu cheguei a considerar que estou
apaixonado, mas descartei um minuto depois. Não é paixão. É uma atração muito forte, estou quase
obcecado por aquela garota, é verdade, mas não é paixão. Tenho certeza de que isso uma hora vai
passar.
— Não é.
— Se você diz.
Torno a me deitar na sua cama e a olhar para o teto de gesso.
— Você está com fome? — Liam pergunta.
— Não muito. Comi um-quarto de uma barra do seu chocolate belga e bebi um pouco de
vinho.
— Tenho que voltar a esconder meus chocolates e meu vinho — comenta, rabugento. Abro um
sorriso pequeno e fecho os olhos. — Vou pedir uma pizza. — Liam tira minhas pernas de cima das
dele e deixa o quarto.
Zacky fica aqui comigo, agora aninhado no meu abraço, e eu aproveito o momento de silêncio
para colocar meus pensamentos em ordem. Eu não estou apaixonado.
Não estou.
Eu acho…

Bianca arregala os olhos assim que me vê. Um sorriso maroto nasce em mim e aliso o
uniforme do bar em meu corpo conforme contorno o balcão e vou ao seu encontro. Ela está
terminando de preparar um drinque quando chego e a espero entregar a bebida para o cliente sentado
em uma das banquetas — barba comprida, jaqueta Harley Davidson e cara de mal — antes de
1umprimenta-la.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta e limpa as mãos em um pano de prato.
Olho para meu próprio corpo e gesticulo para mim mesmo, como se apontando o óbvio.
— Vim te ajudar. Não foi o que Leandro me mandou fazer no domingo passado?
Bianca balança a cabeça e sorri.
— Ele só estava brincando.
— Bom, eu já estou aqui. Além disso, estava com saudades. — Faço um biquinho manhoso e
tento roubar um beijo, mas ela não deixa ao limitar meu avanço com um espalmar. — Qual o
problema? Todo mundo sabe que estamos juntos.
Eu a vejo pestanejar seguidas vezes e demoro a notar o que saiu da minha boca. Estamos
juntos. Bom, tecnicamente, estamos mesmo juntos — ou pelo menos estávamos —, por isso não vou
me corrigir dizendo que estamos juntos não tem o significado que ela pensa que tem.
— Mal nos vimemos essa semana — reclamo para quebrar o clima estranho por conta do que
eu disse. Mesmo que algumas roupas e pertences dela ainda estejam no meu apartamento, ela não
dormiu lá nenhum dia desde que nosso mês acabou. — Já disse que estava com saudades?
Um sorriso bonito ilumina seu rosto e ela dá um passo na minha direção, recebendo-me, por
fim, com um beijo suave e rápido. Quero agarrá-la pela cintura e forçar meus lábios nos seus, talvez
arrastá-la para o estoque, prensá-la contra uma parede, envolver suas pernas na minha cintura e me
enfiar gostoso entre suas coxas, mas me contenho porque sei que não é o momento ideal.
— Também estava com saudades — sussurra na minha boca. — Esses dias foram uma
loucura. Chegou muito carregamento de fornecedor, tivemos faxina, problemas com o encanamento da
cozinha…
— Passa a noite comigo depois do expediente?
Ela afirma e me olha melhor.
— O que pretende fazer aqui? Até onde é de meu conhecimento, você não sabe preparar
drinques.
Faço uma reverência exagerada.
— Sou o melhor em tirar pedidos e lavar copos.
Bianca ri, gargalha, daquele jeito que a faz fechar os olhos e é absolutamente tudo para mim.
— Bom, então ao trabalho, senhor Massari. — Ela me estica um bloquinho que pega sobre o
balcão.
Passo as próximas horas anotando e repassando os pedidos da casa. Vez ou outra, dou uma
escapulida para ou roubar uns beijinhos dela, para sentir seu cheiro ou espiá-la atrás do balcão
preparando as bebidas. Mais tarde, quando o salão dá uma acalmada, eu vou lavar os copos. Bianca
para ao meu lado e conversa um pouco comigo, aproveitando o rápido momento de calmaria.
— Ei, você vai almoçar com a minha família no próximo domingo, não vai? A mamãe quer
ter certeza para poder se organizar e escolher o menu.
— Menu? — Bianca arregala os olhos e prende a respiração por um segundo. — Você disse
que sua família não ia criar um evento em torno disso, Lipo.
— E não vão. — Ensaboo a décima tulipa e a coloco ao lado de outras, esperando o enxágue.
— Mas a mamãe quer fazer um almoço especial. É coisa dela, não liga. Ela faz isso toda vez, não
importa a ocasião. Então? Você vai ou não?
Bianca suspira e assente.
— Tudo bem, mas só porque estão insistindo demais.
— Legal — digo, ligeiramente animado. — Agora, só falta convencer o Liam a ir para a
família estar completa. — Inclino-me na sua direção e deixo um beijinho rápido em seus lábios.
Ao me afastar, Bianca me agarra pela nunca e me beija com mais vontade.
E eu ignoro a batida errática que meu coração dá nesse momento.

— Não liga para a minha família escandalosa — digo para Bianca quando a recebo no
portão. Daqui de fora é possível ouvir as conversas altas e risadas boas de todo mundo reunido.
Logicamente a voz de Paola, a mais espalhafatosa dos Massari, sobressai a qualquer outra.
Bianca ri e abana a cabeça em negativo.
— Eu amo uma família barulhenta. — Ela estica uma travessa redonda na minha direção
depois que encosto o portão. — Trouxe pavê porque segundo os meus bons modos, eu deveria
contribuir com algo.
Pego o vidro de suas mãos e deixo um beijo no seu rosto.
— Não tinha que se incomodar.
Eu lidero o caminho até onde minha família está reunida — hoje especialmente na área de
lazer porque meus pais decidiram que o “menu” seria churrasco. Papai é o primeiro a vir
cumprimentar a Bianca, recebendo-a com um abraço exagerado e sorriso enorme. Dispensamos
apresentações porque eles já se conheceram no aniversário dos meus sobrinhos, meses atrás. Seu
Arthur pede para ela ficar à vontade e lhe arranja um lugar na mesa posta. Mattia, na churrasqueira,
acena para ela, e Lauren logo está aqui também, recebendo a amiga com um abraço apertado.
Em dois minutos, Bianca já está acolhida e entrosada na família, sentada em um lugar à mesa
e com Arthur no colo. Todo mundo está fazendo alguma coisa. Papai está na churrasqueira com
Mattia, Lauren termina os acompanhamentos do churrasco, mamãe e Paola estão na cozinha
terminando de temperar o restante da carne. Por um tempo, ajudo meu pai e meu irmão com as carnes
na grelha, até que Lauren deixa Gabriel comigo e Lavínia com o pai porque Paola a chamou para
auxiliá-la com algo na cozinha. Eu me aproveito desse pequeno momento e me refugio na sala onde
posso fazer uma chamada de vídeo para Liam.
Gabriel não para um segundo no meu colo e preciso de algum malabarismo para manter o
telefone frente ao meu rosto e segurá-lo nos meus braços. A chamada toca duas vezes antes de ser
rejeitada. Sento-me no sofá com o pequeno, que agora se distrai com uma almofada, e envio uma
mensagem para Liam.
“Atende.”
Ele responde quase que no mesmo segundo.
“Manda mensagem.”
Rio um pouco. Eu já deveria saber que ele não me atenderia porque meu amigo detesta
ligações. Se ele pudesse resolver tudo por mensagem, ele resolveria. Digito uma resposta:
“Eu quero saber se você está bem. Por mensagem, se você me enviar um ‘eu tô legal’, pode
estar mentindo. Se atender a chamada de vídeo, não vai conseguir mentir pra mim porque eu te
conheço do avesso. São quase quinze anos olhando para essa sua cara de bunda, esqueceu?”
Meu amigo está digitando quando tento outra chamada de vídeo. Dessa vez, ele atende, a
mesma expressão impassível de sempre. Gabriel, antes entretido com a almofada, agora se vira para
a tela do telefone, enfiando o narizinho onde não foi chamado. As duas mãozinhas tentam pegar o
aparelho, que eu tenho de erguer um pouco para impedi-lo do seu objetivo.
— Te colocaram de babá? — Liam brinca em uma das suas raras demonstrações de humor.
Rio e me ajeito no sofá.
— Como você está?
Ele desvia os olhos e faz um instante de silêncio.
— Estou legal.
— Você está mentindo, isso sim. — Meu amigo não diz nada. — Queria que estivesse aqui.
Passei a semana tentando te convencer a vir. A família está toda reunida, Liam, só falta você. Faz um
esforço e vem, por favor?
— Sua irmã está aí.
Suspiro e coloco Gabriel sentado ao meu lado. Encontro um brinquedo qualquer jogado no
meio do tapete e entrego para o pequeno, ficando de olho apenas para que não coloque na boca.
— Não pode evitar a Paola o tempo todo, Liam. Ei, não dizem que tratamento de choque
muitas vezes resolve o problema? É isso que você e minha irmã estão precisando para superarem
essa fase ruim.
Liam exaspera e movimenta a câmera ao caminhar pelo apartamento.
— Estamos dando um tempo, Filippo.
Reviro os olhos e impeço que o pequeno leve o brinquedo sujo à boca. Ele franze as
pequenas sobrancelhas, bravo, e tenta de novo. Mais uma vez, eu o impeço.
— Viu só? Era por isso que eu não queria que vocês se envolvessem — digo, magoado.
Pela câmera, Liam me envia um olhar dolorido, talvez só agora entendendo por que por tanto
tempo eu disse que não era uma boa ideia que ficassem juntos. Meu amigo fecha os olhos e suspira.
— Chego em vinte minutos.
Não tenho tempo para mais nada porque ele encerra a ligação. Abro nossa janela de conversa
e envio: “Seu mal-educado, nem se despediu. Traz o Zacky para entreter os pequenos”. Depois disso,
pego Gabriel no colo, o brinquedo e digo:
— Vamos lavar isso pra que você possa morder o quanto quiser.

Já estamos todos em torno da mesa, prontos para comermos, quando Liam chega junto do seu
cão na coleira. Ele para assim que atravessa a porta e me dá um sorriso, seus olhos inevitavelmente
indo até Paola um instante depois.
— Agora, sim, a família toda está completa — digo e saio do meu lugar para recebê-lo com
um abraço e afagar os pelos do labrador. Atrás de mim, os bebês de Mattia ficam enérgicos por
causa do cachorro. — Chegou bem na hora. Dona Louise acabou de servir o almoço.
— Sente-se, querido — mamãe convida, já pegando um prato do centro da mesa —, vou tirar
a comida pra você.
Os olhos dele estacionam no único lugar vago da mesa — ao lado da minha irmã. Noto
quando ele trava o maxilar e segura a respiração por um segundo. É nesse momento que uma
atmosfera meio esquisita paira sobre todos nós. Lauren é a primeira a se prontificar, levantando-se.
— Senta aqui perto do Mattia, Liam.
Ele move a cabeça em negativo.
— Por favor, não se incomode. Eu me sento ao lado da Paola.
Em seguida, Liam dá uma ordem a Zacky e o solta da coleira. O cachorro o segue até o lugar
vago e se deita ao lado do dono. Liam aperta um sorriso para minha irmã e a cumprimenta. Toda a
resposta de Lola é sorrir de volta. Mamãe coloca um prato feito na frente dele, e eu volto para meu
lugar perto de Bianca. A conversa interrompida por um breve momento com a chegada do meu
melhor amigo é retomada. Mattia e Lauren se revezam para alimentarem os três minis terroristas, meu
pai puxa conversa com meu melhor amigo, Paola se entrosa com Bianca, e eu comento com mamãe
sobre os planos do Aventura Selvagem no Everest — caminhando para que tudo realmente dê certo.
A atmosfera esquisita vai embora e não demora nada para essa família fazer o que faz de
melhor: ser escandalosa. Eu quero rir da cara de desespero de Liam que não é a melhor pessoa do
mundo com esse tipo de interação, mas ele sempre se esforça para se fazer presente. Por mim. Esse
cara merece o mundo.
— Seu irmão não quis vir, Bianca? — mamãe pergunta algum tempo depois.
— Alguém precisava tomar conta do bar.
— Filippo comentou mesmo que você tem um bar temático — meu pai intervém,
disfarçadamente alimentando Zacky com um pedaço de carne. Todo mundo notou, mas meu pai acha
que engana. — Faz tempo que o montou?
— Uns quatro anos.
A conversa vai convergindo pela vida pessoal dela, por assuntos que eu mesmo fui
indelicado de não ter perguntado antes. Os pais de Bianca são divorciados. A mãe se mudou quando
ela tinha vinte anos e foi trabalhar em outra cidade, o pai se casou e também se mudou. Ela vive com
Leandro desde os dezoito, então isso já tem pelo menos oito anos. Eu amo ver que Bianca está bem
mais entrosada agora, conversando animada com meus pais e meus irmãos. Como o prometido,
ninguém faz qualquer insinuação sobre nosso “relacionamento”. Eles a recepcionam como minha
amiga apenas.
Mais tarde, ficamos com os três pestinhas para que meu irmão e a namorada consigam
almoçar decentemente, já que estiveram o tempo todo cuidando dos pequenos e apenas beliscando a
comida. Nós quatro — eu, Bia, Lola e meu melhor amigo — nos sentamos no gramado junto dos
bebês, formando uma roda, e os entretemos com Zacky. Amo ver o sorriso e as gargalhadas dos
pestinhas enquanto se divertem com o labrador.
— Você pensa em filhos? — pergunto para Bianca sem saber muito bem o motivo.
Ela se vira para mim. Lavínia, antes entre suas pernas, escapa para ir até Zacky que dá toda
atenção a Arthur e Gabriel, juntos de Paola.
— Não sei. — Dá de ombros. — Mas acredito que não. Crianças são adoráveis, só que
exigem muitos cuidados. Você pensa?
— Pensei. Queria adotar. — Eu me inclino um pouco para trás e me apoio nos meus
cotovelos, observando Liam olhar para os três rodeando seu cachorro e há algo diferente nas suas
íris cinzas. — Considerei adotar e ser pai solo porque, bem… — Viro-me na sua direção e abro um
sorriso. — Relacionamento sério não é comigo.
— Desistiu da ideia?
— Minha vida maluca jamais permitiria que eu desse o amor e a atenção que uma criança
exige, entende? Pensei melhor e desisti. Prefiro ficar para titio mesmo. Vou mimar os trigêmeos do
Mattia e os filhos da Paola quando ela os tiver, mas meus, não vou ter.
— Ela não morde, Liam.
Ouço a voz da minha irmã e giro na sua direção. Gargalho com vontade ao ver a expressão de
desespero do meu amigo por causa de Lavínia rodeando-o. A garotinha é a mais desinibida dos três e
exige atenção de qualquer um. Agora, ela quer a de Liam, mostrando uma plantinha que deve ter
arrancado do gramado.
— Morde, sim! — rebato, o que arranca uma risada de todos nós, inclusive do rabugento do
meu melhor amigo. Como se a menina fosse um cristal delicado, ele a segura entre suas mãos
grandes, a senta na sua perna esquerda e pega a florzinha que a menina insiste em lhe entregar.
— Então, sobreviveu ao almoço com a minha família?
Bianca sorri e deita a cabeça no meu ombro, em um ato que me pega muito desprevenido, mas
que é curiosamente bom. Beijo seus cabelos e volto meu olhar para Lola e Liam do outro lado,
cuidando dos três. Eu não os quis juntos por um tempo, mas diante essa imagem agora — eles dois
brincando com os meninos e com o cachorro — torço para que superem suas mágoas, se resolvam e
formem uma família grande. Esse sempre foi o sonho da Paola, e sei que Liam sonha o mesmo por
não ter tido nenhum laço familiar e afetivo de verdade.
— Sobrevivi. Seria maluca se dissesse que aceito vir se me convidarem mais vezes?
Procuro por Bianca nesse momento, e sua atenção está toda do outro lado do jardim, onde
meus pais ainda estão acompanhando meu irmão mais velho e a namorada. Os quatro riem de alguma
bobeira que papai falou e a felicidade deles aquece meu coração. Então, eu foco nela, no seu rosto de
perfil, e subitamente, sinto uma vontade de dizer que eu gostaria que ela pertencesse a essa família.
Engulo em seco e abro um sorriso leve. Coloco uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e
deixo um beijo casto no canto da sua boca.
— Vai ser sempre muito bem-vinda.
Ergo os olhos do livro nas minhas mãos, atraída pela risada alta do Filippo. Rodeado pelo
irmão mais velho e pelo melhor amigo, ele termina de preparar os equipamentos de segurança para o
paredão de escalada. Há algum tempo, ele e Mattia têm treinado para escalarem o Matterhorn, o que
incluiu muitas corridas, exercícios de força e aclimatação. Da última vez que o mais velho esteve
aqui, talvez uns quatro meses atrás, ele entrou em pânico. Agora, parece que se sente mais confiante
para o desafio.
Eu vejo Fillipo preparar o irmão enquanto conversam. Liam, ao seu lado, também termina de
se preparar. Filippo comentou comigo que o amigo jamais topou se aventurar pelas rochas e
montanhas geladas, mas que nunca negou a escalada indoor — mil vezes mais segura.
— Eu não disse uma palavra para o Mattia — Lauren, perto de mim, sussurra perto do meu
ouvido —, mas não gosto dessa ideia de ele ir escalar o Matterhorn. Estou com medo, Bia.
— Sei que está.
Por um segundo, penso no que eu mesma sinto em relação a isso. Filippo e eu temos saído
ainda. Já tem semanas que nosso mês acabou, mesmo assim, frequento o apartamento dele pelo menos
três vezes por semana, o que me obriga a ter alguns pertences lá, e da mesma forma, vez ou outra,
Lipo dorme lá em casa — não que meu irmão tenha conhecimento disso. A questão é que, por mais
casual que seja nossa relação, eu me preocupo com esse cara e é inevitável não sentir um aperto no
peito ao pensar que dentro de alguns meses, ele vai se aventurar em uma montanha perigosa, com
riscos enormes de sair machucado. Os riscos existem, mesmo para um alpinista profissional como
Filippo.
— É normal se preocupar — retomo o que estava dizendo —, mas o Mattia mesmo disse que
é a última vez, não disse? — Ela afirma e volta o olhar para o namorado. Lauren veio acompanhá-lo
hoje e diz que não gosta da ideia, mas não a vi o desencorajar nenhuma vez. — Vai dar tudo certo.
Lauren sorri e continua observando o namorado do outro lado, agora já pronto para começar.
Eu me revezo em assisti-los escalando e a ler alguns parágrafos do livro no meu colo. Filippo vai
sem qualquer equipamento de segurança, acostumado ao esporte. Quero ter uma síncope cada vez que
ele alcança uma agarra que estava bem longe simplesmente impulsionando o corpo. Sempre tenho a
impressão de que ele não vai conseguir, mas consegue. Meu momento de maior pânico é quando ele
se concentra para alcançar as agarras de uma parte do paredão que não está no mesmo nível que as
demais. Filippo precisa jogar o corpo um pouco para trás e para cima para que consiga chegar até os
módulos, e meu coração para durante o segundo que ele está no ar. Com força e perfeição, ele se
segura nas agarras, as pernas penduradas ao ar por um rápido momento antes de encontrar o apoio
necessário. Mattia vai mais devagar, analisando com cuidados os módulos e não se arriscando a
qualquer malabarismo como o caçula, e não tem qualquer episódio de pânico por todo o trajeto até o
topo. O Liam é o meio-termo. Equipado com cordas e freios, ele vai mais rápido que Mattia e mais
devagar que o Filippo.
Filippo alcança o topo umas três ou quatro vezes antes de o irmão vencer a altura. Mesmo
daqui debaixo e alguns metros longe do paredão de escalada, dá para ver que os dois irmãos estão
mais que felizes pela conquista do mais velho. Assim que Mattia começa a descer — auxiliado pelas
cordas e freios —, Lauren vai ao seu encontro e o recebe com um beijo e um abraço, o homem ainda
enrolado no equipamento.
Minha amiga, o namorado e Liam vão embora algum tempo depois, após combinarem outro
dia de escalada no paredão. Assim que estamos sozinhos, eu finalmente posso me pendurar no seu
pescoço de Fillipo e beijá-lo. Suas mãos firmes apertam minha cintura e sinto seu sorriso se estender
nos meus lábios.
— A vontade que eu estava de agarrar você — ele murmura, rente à minha boca. — Não
entendi por que não me deu nenhum beijinho até agora. — Ele me olha como um cachorrinho
abandonado.
— Na frente de todo mundo, ficou doido, Filippo?
Ele dá de ombros.
— Não é segredo pra ninguém que a gente sai, Bianca.
Movo a cabeça de um lado a outro e resolvo que não vou discutir com ele. Olho no meu
relógio de pulso e constato que já deve ter escurecido lá fora. Lipo fechou o local para que o irmão
ficasse mais vontade e pudessem ter mais privacidade, e isso já tem horas.
— Queria que fosse lá em casa hoje. Tem um novo filme da Barbie no catálogo da plataforma
de streaming — digo.
O sorriso mais inocente que vi em toda minha vida surge no seu rosto. Eu ainda não me
acostumei com a ideia de que esse marmanjo de homem goste desse tipo de filme. Eu só assisto por
causa dele, porque gosto da sensação de vê-lo tão feliz com algo simples. Nesses últimos meses,
tivemos muitos momentos assim, inclusive com os trigêmeos do Mattia. As crianças adoram os
filminhos, e é claro que Filippo aproveita sempre que pode. Umas semanas atrás, servimos de babá
para Mattia e Lauren terem um momento deles, e não vou negar que amei ficar esparramada no sofá
do apartamento do Filippo com ele e com os três pestinhas entre nós enrolados no cobertor assistindo
Barbie e os Lago dos Cisnes.
— O Leandro vai sair com a namorada — informo.
Nós dois concordamos que não seria bacana meu irmão mais velho saber que ele andou
passando algumas noites na minha cama. Nunca foi problema eu ir até o apartamento do Lipo e
passar algumas noites lá. Leandro nunca reclamou sobre isso, mas ele dificilmente leva a namorada
para pernoitar, sempre com algum discursinho que acha desrespeitoso, então achei melhor não
contrariar as “regras” da casa. Ao menos, não quando ele está lá.
— Tudo bem, eu vou. Mas com uma condição. — Ele sobe o indicador, a expressão séria,
mas eu sei que é ironia. — Escala comigo.
— O quê?
— Escalar. Agora. Nem que você suba dois metros. Eu te ajudo. — Filippo ergue o
equipamento de segurança que o irmão e o amigo estavam usando e que ele ainda não guardou. — Vai
estar segura.
Balanço a cabeça em negativo.
— Nem pensar.
— Por favor? — Lipo junta as mãos na frente do queixo, quase implorando. — Não tem
perigo algum, sabe disso.
Suspiro e olho para o paredão à minha frente. Eu nem sei quantos metros tem aqui, mas é alto.
Muito alto.
— Posso ir só até onde me sentir segura?
— Claro que pode.
Filippo me ajuda a colocar os equipamentos de segurança e me dá algumas instruções para
como ascender o paredão. Ele garante que vai estar logo embaixo, regulando a corda, e que se eu
cair, os freios vão amortecer a queda e eu vou chegar ao solo com segurança. Só de olhar, sempre
achei que era algo fácil de se executar, afinal, é só segurar nas agarras e subir, certo? Errado. Quando
começo a escalar, contudo, noto como o esporte exige muita força, concentração e até raciocínio
lógico. Leva algum tempo até eu ascender uns sete metros, Filippo o tempo todo me incentivando lá
debaixo.
— Tudo bem — digo, ofegante. — Pra mim aqui é o limite, Lipo!
— Se segura aí! Não se solta!
Agarro firme os módulos e faço o que ele me pediu, sem entender o que ele pretende. Parece
uma eternidade devido ao esforço que eu faço para me manter no lugar, mas não deve ser mais do que
um minuto, e então ele está aqui do meu lado. Sem qualquer capacete ou cordas que o prendam.
— Você escalou sete metros em alguns poucos segundos? — pergunto, ligeiramente
indignada. — Faz uns quinze minutos que estou escalando, Filippo!
Ele ri e se inclina na minha direção, deixando um beijo suave nos meus lábios.
— Estou acostumado e essa parede é de nível fácil. — Um sorriso convencido surge nele. —
Vim pessoalmente te parabenizar. Você foi muito bem.
— Fui?
— Foi.
Filippo me dá outro beijo antes de voltar lá para baixo e me ajudar. Eu desço suspensa pelas
cordas e logo estou no solo, ele me ajudando a retirar todos os equipamentos. Assim que estou livre
da parafernalha, ele me abraça por trás, seus braços fortes me contornando com carinho, a ponta do
nariz entre meus fios soltos. O calor entre minhas pernas é quase instantâneo, e fico impressionada
que mesmo depois desse tempo todo, desde que estamos saindo, ele continue despertando todos os
meus desejos.
Não sei me enjoar de Filippo Massari.
— Na semana passada, sonhei que estávamos trepando aqui no paredão.
Não sei se era para soar sexy ou erótico, mas soa mesmo engraçado. Eu rio um pouquinho,
minha barriga até treme, e dá para sentir o sorriso dele na minha nuca.
— Como foi isso? — pergunto, interessada na conversa.
— Você estava com uma perna erguida assim — sussurra e escorrega a mão pela minha coxa,
erguendo-a até que meu pé esteja apoiado em um dos módulos. — Se segurava aqui. — Agora, ergue
minhas mãos em direção as agarras pouco acima da minha cabeça. — E seu quadril estava inclinado
na minha direção assim. — Ele puxa minha cintura de encontro ao seu quadril e abaixa um pouco
minhas costas. — E eu te fodia com força, assim. — Filippo afunda os dedos na minha carne e se
move contra minha bunda.
Um gemido estrangulado escapa da minha garganta, e eu demoro a notar que minha boceta
está ficando úmida.
— Filippo… — Suspiro e encosto o rosto no meu braço, disposta a tornar o sonho dele em
realidade.
Sua língua atrevida resvala pela ponta da minha orelha, e agora consigo sentir sua ereção
potente contra minha coluna. Ele me abraça e pega nos meus seios com as duas mãos, massageando-
os devagar.
— Você gemia e me dava a boceta bem gostoso — murmura, a voz rouca em um tom
completamente indecente. — Eu acordei todo gozado, Bianca.
Eu rio de novo e aperto os olhos. Filippo me acompanha, suas mãos agora subindo por dentro
da minha blusa e alcançando meus mamilos.
— Não vou mentir que quero muito comer você igual no meu sonho. Te prensar contra essa
parede, escorregar meu pau para dentro de você e te foder até sua boceta ficar esfolada.
Aperto os olhos e respiro alto, já sentindo o vão das minhas pernas encharcado.
— Faz isso.
Ouço um grunhido vindo dele e, em segundos, minha calça legging está nos meus joelhos.
Filippo me acaricia na região molhada, alisando meu clitóris e entrada, antes de abaixar o short e se
esfregar em mim.
— Coloque o pé aqui — orienta, ao me direcionar para um módulo da parede pouco acima
do anterior. A posição me deixa muito aberta e muito exposta para ele, o que é completamente
excitante. Um tapa suave acerta minha boceta e me deixa ainda mais excitada, como se fosse
possível. — Continue se segurando aqui. — Filippo fecha suas mãos nas minhas, apoiadas nas
mesmas agarras de antes.
Ele segura na minha cintura e me penetra devagar, tomando-me aos poucos. Eu o recepciono
sem dificuldade, amando como seu pau me alarga e se encaixa deliciosamente em mim, adorando a
pressão que exerce e como eu o aperto. Filippo começa devagar e fundo, saindo quase por completo
antes de voltar com uma estocada firme. Só leva alguns minutos até estar me fodendo com força e
rápido, proporcionando-me o prazer que parece que só ele foi capaz até hoje. É uma sensação suja,
obscena, gostosa, selvagem.
Meus dedos nas agarras se fecham com força, tanto para manter o equilíbrio da posição
quanto para aguentar o que ele está me dando — e é tão bom, é bom demais. Os nossos gemidos se
misturam e ecoam pela acústica do local, sem que nenhum de nós tenha qualquer pudor em gemer
mais baixo. Não tem mais ninguém aqui, de qualquer maneira, por isso não existe nenhuma cerimônia
de nossa parte.
— Mais forte, eu quero gozar — peço, sentindo aquela sensação de urgência e desespero
sempre que estou perto de ter um orgasmo com Filippo.
Ele fecha os dedos nos meus cabelos e me puxa um pouco na sua direção.
— De quatro no chão ou assim mesmo?
Minha respiração falha.
— De quatro.
Filippo me posiciona assim e uso a sua camisa para não machucar minha pele. Ele não se
ajoelha, mas mantém os pés no chão e joelhos flexionados enquanto mete em mim sem qualquer
piedade, uma mão ainda enrolada nos meus cabelos. Nessa posição, eu só levo mais um pequeno
instante para me desmanchar. Meus joelhos fraquejam, e se não fosse por ele me amparar pela
cintura, eu teria despencado no chão. Filippo agarra no meu quadril como se sua vida dependesse
disso e procura pelo seu próprio orgasmo. Ele se move para dentro de mim ao mesmo tempo em que
me puxa na sua direção entre gemidos e respiração ofegante. Mais um minuto e ele explode, seus
dedos me marcando, sua voz grave ecoando por todo o ambiente.
Ele cai no chão ao meu lado, respirando com força, os olhos abertos contra o teto a vinte
metros de altura.
— Foi tão bom quanto no seu sonho? — pergunto, acomodando-me no seu peito quente.
— Foi melhor. Mil vezes melhor. — Um sorriso bobo escapa de Filippo e eu me pego presa
na simplicidade que exala desse ato tão corriqueiro.
Ficamos um tempo aqui contra o chão frio do ginásio de escalada, nus, suados, gozados, sem
dizer qualquer palavra. Eu fecho os olhos, aconchegada no abraço dele, e tento não chegar à
conclusão de que estou mais atraída por esse mulherengo do que deveria.

— Mais um? — Filippo questiona assim que os créditos do filme começam a subir na tela da
televisão.
Procuro pelas horas no relógio do celular e nego com um mover de cabeça.
— São duas da manhã, Filippo. Se assistirmos o quarto filme na noite, vamos dormir muito
tarde e eu tenho consulta com a Paola no segundo horário. Preciso do meu sono de beleza habitual.
Ele ri baixinho e se levanta do meu lado, caminhando até a televisão e desligando-a. Mordo o
lábio inferior ao observar sua bunda dentro da cueca boxer apertada. Tão gostoso.
— Posso ir à cozinha buscar água? — pergunta e se vira na minha direção. — O Leandro
garantiu que não ia voltar, mas, sei lá, e se ele voltou e nós que não vimos?
Balanço a cabeça em negativo.
— Ele não está, pode ir tranquilo. Traz um copo para mim também.
Filippo assente e se retira. Dois minutos depois, retorna e me entrega um copo vazio.
— Cadê a água, Lipo?
— Ué, você pediu um copo, não disse nada que tinha de ser com água.
Gargalho e dou um murro forte no seu ombro. Ele ri alto e joga seu corpo quente sobre o meu,
roubando um beijo carinhoso. Envolvo minhas pernas ao redor da sua cintura, querendo trazê-lo mais
para perto de mim, e me entrego ao seu carinho de uma maneira nova, completamente diferente,
sentindo que estou ultrapassando meus limites.
— Vou buscar a água pra você.
Ao retornar, dessa vez com a água, Lipo se enfia debaixo dos meus edredons e se aperta
contra mim por causa do pouco espaço da minha cama de solteiro. Eu deixo o copo vazio sobre a
mesa de cabeceira após matar a minha sede e me acomodo de frente para ele. Filippo enrosca nossas
pernas e joga seu braço sobre meus quadris, os olhos fechados.
— Lipo?
— Hum?
Pisco duas vezes e me concentro nos seus traços bonitos sob a luz fraca do abajur.
— Você saiu com outras garotas depois do nosso mês? — pergunto, com certo cuidado.
Desde o meu pequeno surto de insegurança no final do nosso mês, eu tenho aprendido a
administrar melhor minhas emoções, tenho aprendido a parar de pensar que ele está comigo por falta
de opção, que se eu disser não, Filippo vai procurar outra. Às vezes, é difícil não surtar, não ficar
insegura, e tenho pensado seriamente em procurar um terapeuta, como me sugeriu.
Filippo abre os olhos e me olha com atenção.
— Você saiu com outros caras?
Nego, e é verdade. Se me lembro bem, nós passamos muito tempo juntos, o tanto quanto
pudemos. Nosso maior período longe um do outro era quando ele saía em expedição e ficava dias ou
semanas fora. Do contrário, estávamos quase o tempo grudados um no outro, ao menos três ou quatro
vezes na semana.
— Posso ser sincero?
— Deve.
Ele pisca duas vezes e molha o lábio inferior.
— Saí com outras duas, mas nem fizemos sexo. Foi só um chopp no fim do expediente. Sei lá,
Bianca, não tive qualquer vontade de trepar com elas. Eu nem tive vontade de estar no bar com elas,
sabe? — Filippo se vira na cama, ficando de costas, e se atenta ao teto do meu quarto por alguns
segundos. — Eu só queria estar com você.
Não digo nada, deixando o que acabou de me dizer assentar na minha mente. Eu só queria
estar com você. Engulo em seco e decido permanecer em silêncio. Não faz muito tempo que estamos
saindo, isso deve ser só… uma obsessão da parte dele, não? Da nossa parte, porque eu me sinto da
mesma forma em relação a Filippo. Não vou colocar qualquer significado maior nisso porque já saí
com caras em que criei uma certa fixação, mas uma hora ou outra, eu enjoei. Essa minha fixação com
Lipo e a fixação dele em mim logo vai passar, certo?
Certo.
— Acho melhor nós não transarmos mais sem camisinha — comento e, de repente, o medo de
que ele se sinta ofendido me acerta com força. Não é comum fazermos sexo sem proteção. Acontece
vez ou outra, como hoje mais cedo no ginásio. De novo, a maldita comparação com Danilo, que uma
vez surtou porque eu não queria abrir mão do preservativo mesmo quando, na cabeça dele, já
podíamos fazer sem proteção. — É porque como você pode sair com outras garotas e…
— Não tem que se explicar — Filippo me interrompe, mas não há qualquer rudeza na sua
voz. — Você quer usar camisinha o tempo todo daqui para frente, nós vamos usar camisinha o tempo
todo daqui para frente.
— Filippo, não é que eu não confie em você…
Ele se vira para mim e cola seus lábios nos meus.
— Você não precisa se explicar, Bianca. — Lipo bate o indicador na minha têmpora. — Deu
pra entender? Você só quer trepar com preservativo, vamos fazer isso, está bem? Eu não me importo.
Sorrio um pouquinho e assinto. Filippo me puxa contra o seu tórax e eu escondo o rosto na
sua pele. Fecho os olhos e pego no sono sentindo o cheiro maravilhoso desse homem.

Na manhã seguinte, eu acordo animada e decidida que quero começar o dia dando um bom
orgasmo para ele. Filippo ainda está meio sonolento quando eu o abraço por trás e faço um carinho
sugestivo no seu abdômen. Ele se vira para mim, sorriso sacana, e esfrega os quadris nos meus.
— Acesso liberado, senhorita Paiva — brinca, a voz rouca de sono, e pega na minha mão,
direcionando-a ao seu membro duro.
Encontro seu pau quente e gostoso e o masturbo por um tempo, trocando beijos e carinhos
suaves. Ele tenta retribuir o carinho em mim, procura por meu clitóris, mas eu não deixo. Lipo
sempre foi dedicado e atencioso, eu quase nunca lhe faço qualquer agrado e nunca vi esse homem
reclamar por causa disso. Mas agora, eu quero proporcionar prazer, não receber. Eu me acomodo
entre suas pernas, por baixo do cobertor, e puxo sua cueca para baixo. Eu estou direcionando minha
boca para seu membro quando ele me impede.
— Você não tem uma consulta com a Paola daqui a pouco?
— Tenho, mas eu escovo bem os dentes.
Filippo separa os lábios para falar algo mais, mas desiste e apenas assente. Seguro-o pelo
pênis, na base e o chupo com vontade. Vou até o fundo, sugando-o, e volto circundando a cabeça
rosada com a língua. Afundo o dedo nas suas coxas e olho diretamente para ele, que está com a
cabeça jogada para trás contra a cabeceira da cama, gemendo baixinho. Eu o chupo com dedicação
por cinco minutos e fico muito molhada nesse meio-tempo.
— Quer gozar me comendo ou sendo mamado, Lipo? — pergunto, meus olhos nos seus, minha
língua rodeando sua glande.
— Puta que pariu, que pergunta difícil. — Ele suspira e joga a cabeça mais para trás. —
Nunca gozei na sua boca.
— Goza agora. — Eu o sugo com força, masturbando-o junto e acariciando as suas bolas.
O jato de sêmen vem um instante depois, acompanhado de um gemido abafado e rouco. Sinto
seu gosto viscoso e agridoce na minha língua, que desce pela minha garganta. Corro até o banheiro e
escovo bem os dentes. Ao voltar, ele vai se lavar e eu me troco para ir à consulta de rotina com
Paola. Meia hora depois, estamos prontos, e ele me dá uma carona até o consultório. Eu me despeço
com um beijo rápido e ele segue para o Aventura Selvagem.
Paola não demora a me chamar. Ela me cumprimenta com um beijinho no rosto, um abraço e
me encaminha para dentro do consultório. A mulher conversa comigo enquanto se prepara para me
atender: coloca luvas novas, ajusta a máscara no rosto, prepara os instrumentos, e me dá uma solução
bucal para fazer um bochecho.
— Liguei pro Matt ontem — comenta, ajustando a cadeira de atendimento em que eu estou na
altura necessária. — Ele me contou que foi escalar com o Lipo e conseguiu ascender até o topo sem
ter nenhuma crise de pânico.
— Foi mesmo. Precisava ver a felicidade dele e do Lipo.
Paola sorri e arrasta o banquinho na minha direção, pedindo para eu abrir a boca.
— Eu não vi, mas na ligação, ele estava radiante e dava para sentir, sabe? Era uma energia
tão boa. Estou feliz pelo meu irmão.
Eu não consigo responder mais nada agora e deixo Paola fazer o seu trabalho. Ela avalia
meus dentes por um ou dois minutos usando o espelho bucal.
— Seus dentes estão ótimos — comenta. — Só vou recomendar mesmo uma limpeza. — Ela
arrasta o banquinho de novo e pega o instrumento de raspagem, preparando-o. Um instante depois,
ela está de volta. Paola dá uma última olhada na minha boca e comenta: — Você viu o Filippo hoje?
Assinto e murmuro um uhum, embora ache estranha a sua pergunta. Ela me dá um sorriso
pequeno, talvez um pouco malicioso, e começa a limpeza.
— É, dá para perceber.
Não entendo o que ela quis dizer — será que estou com cara de idiota apaixonada? — e não
tenho como questioná-la sobre nada. O processo todo leva uns quinze minutos e logo sou liberada.
Despeço-me dela, que me cobra por outro domingo em família, como se nos últimos meses eu não
tivesse comparecido pelo menos dois domingos por mês. Na sala da recepção, Filippo está me
aguardando. Ele e a irmã trocam um abraço rápido antes de ela voltar para o consultório prepará-lo
para o próximo paciente.
— Achei que tinha de ir para o Aventura Selvagem — digo, caminhando com ele até seu
carro depois de pagar pela consulta na recepção.
— Eu ainda tenho, mas deleguei algumas funções e vim te buscar. Lido com meus
compromissos depois. — Eu noto que ele está diferente, talvez um pouco tenso. — Você vai para
casa, né? Sei que só entra às duas no bar.
Assinto.
— Sim.
— Como foi a consulta?
— Tudo bem. Só fiz a limpeza habitual mesmo. Sua irmã perguntou de você e falou do Mattia.
— O que a Lola perguntou de mim?
Filippo para perto do carro e encosta os quadris na lataria.
— Se eu tinha visto você hoje. Eu disse sim, e ela respondeu com um “É, dá para perceber”.
Fiquei sem entender. Eu pareço apaixonada por você a ponto de ficar estampado na minha cara?
Minha sentença parece afetar um pouco Filippo pelo modo como ele reage: os lábios se
entreabrem e a postura vacila um pouco. Talvez para disfarçar, ele ri e cruza os braços na frente do
tórax, risinho sacana surgindo no seu rosto bonito.
— Você está com cara de quem chupou um pau, Bianca. — Pisco algumas vezes, digerindo o
que me disse. Vendo-me confusa, ele explica: — A Paola notou que você fez sexo oral e deduziu que
foi em mim.
— Ah, meu Deus! — exclamo e demoro a notar que meu rosto queima. — Ela notou? COMO,
FILIPPO?! — esganiço, e esse safado só se faz rir.

— O céu da boca fica com uma coloração específica pelo impacto do pênis e por causa de
bactérias que estão ali e não são da região.
Eu o esmurro, e ele ainda chora de rir.
— Você sabia disso?!
— Você não? Foi por isso que perguntei sobre a consulta da Paola antes de me pagar um
boquete.
Fecho os punhos e bato contra seu tórax. Meu Deus, ele podia ter me avisado!
— Você queria que eu passasse essa vergonha, não é, seu cretino ordinário?
Filippo puxa minha cintura e toma meus lábios em um beijo carinhoso. Eu ainda estou com
raiva porque ele não me avisou sobre isso, mas me derreto nos seus braços com uma facilidade
vergonhosa. Em dois segundos, meu ódio passou e estou suspirando contra sua boca.
— Bianca… — ele me chama, e meu nome na sua boca tem um tom diferente. Parece sério
demais. — Eu acho que estou apaixonado por você.
E, nesse momento, eu travo nos seus braços.
— Apaixonado?
Ele suspira e se afasta de mim, evitando meus olhos. Tenho a impressão de que confessar que
está apaixonado por mim é difícil para ele.
— Não tenho certeza, mas… sei lá, acho que estou — confessa.
— Filippo… — Eu noto minha voz trêmula, um tom mais abaixo, sem saber exatamente como
reagir. Ele também nota que estou mais nervosa que o normal e me acalenta ao fazer um gesto de
desdém com as mãos, balançando a cabeça de um lado a outro.
— Bianca, não precisa reagir como se eu tivesse dito que bati em uma velhinha. —Pisco duas
vezes e aceno em positivo. Lipo dá ombros e completa: — Vamos continuar como estamos, tudo
bem? É só paixão, e não dizem que paixão passa? Eu tenho certeza de que isso não vai durar.
Um sorriso pequeno surge no rosto dele, suave, divertido.
— Tudo bem — concordo e volto para seu abraço.
Ele me aperta, apaixonado, e eu me seguro para não confessar que eu também estou
apaixonada por ele.
— Esse é, definitivamente, o melhor filme da Barbie — Bianca comenta, a cabeça apoiada
no meu tórax, espremida contra mim por causa do aperto da sua cama, assim que os créditos de
Barbie e o Castelo de Diamante começam a subir.
Afasto-a de mim, indignado com sua heresia, e nego com um movimento vigoroso de cabeça.
— Claro que não. A Princesa e a Popstar é o melhor filme da Barbie.
Ela ri e se aconchega mais no meu abraço. Eu me atento no seu sorriso, sentindo meu coração
balançado, e tento de todas as formas ignorar o que venho sentindo esses meses todos. Já tem
algumas semanas que admiti para mim mesmo — e para Bianca — que eu estou apaixonado. A garota
ficou assustada num primeiro momento, mas eu a tranquilizei e garanti que essa paixão boba iria
passar.
Não passou.
Não passou e se transformou em algo mais que eu ainda não tive coragem de falar para ela.
Eu sequer tive coragem de pensar muito sobre isso, não acreditando que, logo eu, fosse capaz de me
envolver com alguém dessa maneira tão intensa, de não desejar estar com mais nenhuma outra garota.
Ainda estou me habituando à ideia, gerindo os sentimentos, aceitando que eu estou mais do que
apaixonado por Bianca. No momento certo, vou fazer a coisa certa.
Depois da minha confissão, mantivemos nossa relação como era antes: só amizade colorida.
Nos primeiros dias depois de ter dito que estava apaixonado, Bianca se afastou meio bruscamente.
Vivia dizendo que estava ocupada e não podia me ver. Eu respeitei seu espaço e desejos, até que ela
apareceu na minha porta certa vez, segurando uma cesta cheia de bobeira para uma maratona de
filmes da Barbie. Então, voltamos a transar com mais frequência. Pelo menos três vezes na semana,
ela dorme no meu apartamento, e uma ou duas, eu venho para cá, ainda às escondidas do Leandro.
— Eu respeito o seu posicionamento, mas é um posicionamento burro — ela murmura contra
meu pescoço. Em resposta, eu lhe dou um beliscão na costela.
Bianca ri e se debate quando começo a fazer cócegas nela. Monto sobre seus quadris para
prendê-la e em um ou dois segundos, nossa brincadeira acaba e estamos nos beijando. Fecho meus
dedos nos seus, apertando-os com carinho, e me seguro para não me precipitar. Nós nos olhamos por
um tempo que parece longo demais, e eu não sou capaz de olhá-la de outra forma a não ser
transbordando que não estou só apaixonado.
Ela nota e parece ficar desconfortável, remexendo-se sob meu corpo. Eu me levanto, afundo
os dedos nos meus cabelos, e fico um pouco sem graça.
— Vou buscar água.
Bianca assente e puxa mais a coberta contra seu corpo.
Sigo até a cozinha na espreita, tentando não fazer muito barulho nem acendendo as luzes. O
irmão dela está aí hoje. Já conhecendo essa cozinha como a palma da minha mão, pego um copo no
armário e encho de água da geladeira. Quando estou fechando a porta, a luz se acende e eu me
assusto com o grito que a garota ruiva parada na entrada dá.
Faço um gesto com as mãos para ela não fazer tanto escândalo, mas leva questão de segundos
até Leandro e Bianca aparecerem.
— Filippo?! — O homem me olha de cima abaixo, e só então me dou conta que não uso nada
além de uma cueca boxer. Ele se vira para a irmã. — Pode me explicar o que diabos ele está fazendo
na minha cozinha?
Bianca e Leandro entram em uma pequena discussão às duas da manhã. Ela argumenta sobre
como ele fazia todo um discurso de não levar a namorada para dormir na casa deles porque achava
desrespeitoso, mas ali está ela, também às escondidas. Os dois levam uns cinco minutos para
entrarem em um acordo e cada um volta para seu quarto. Encosto a porta devagar, ouvindo-a
tagarelar alguma coisa que não dou importância. Eu entendia porque eu tinha de passar as poucas
noites que vinha para cá às escondidas e nunca liguei para isso.
Mas agora, eu ligo.
O Leandro não disse nada, mas vi no seu rosto que ele não gosta dessa situação. Não porque
eu venho dormir na cama da irmã dele, transar com a irmã dele. Deu para notar que ele não gosta de
como nós dois estamos nos relacionando.
Eu me dou conta que também não gosto mais de como estamos nos relacionando. Lá na
cozinha, enquanto os dois discutiam sobre como era inadequado eu estar dormindo aqui quando sou
nada mais que amizade colorida, senti tanta vontade de ser mais que o pau amigo de Bianca. Quis
interferir na conversa e dizer que podíamos mudar a situação, que não me importaria em começar a
frequentar a casa deles sendo o namorado da Bianca.
— Você não me ouviu, não é?
— Hum? — Viro o copo de água de uma única vez e o deixo na mesinha de cabeceira. —
Ouvi, sim.
— Mentiroso. — Ela me puxa pelos punhos, arrastando-me de volta para debaixo das
cobertas. — Não liga pro Leandro. Suas bolas não correm perigo. — Abro um sorriso pequeno e
assinto. — O que foi, Lipo? Ficou estranho de repente.
Eu me deito de costas, encarando o teto do seu quarto.
— Já faz uns dois meses que disse que… estava apaixonado por você e que uma hora isso ia
passar, se lembra? — Viro-me na sua direção para conferir sua resposta.
Bianca está atenta em mim.
— Lembro. Passou?
— Não. — Ela pigarreia e desvia os olhos dos meus. — E nem sei se vai passar.
— Filippo, não quero falar sobre isso.
— Eu gosto de você, Bianca. Gosto demais.
Sem que eu espere, ela se levanta e pega o copo que deixei sobre a mesinha.
— Melhor eu levar para a cozinha — diz, apontando para o objeto. — Não quero correr o
risco de quebrar nem nada, sabe?
Bianca parece nervosa, considerando como enrosca nas palavras. Não respondo nada.
Apenas movo a cabeça em positivo. Ela sai pela porta e demora a voltar. Meu coração fica apertado
no momento que entendo que ela está fugindo de mim, fugindo de ter uma conversa comigo, de ter que
me encarar, de dizer que sente o mesmo, que não pode retribuir ou que ainda não confia em mim o
suficiente por causa do meu histórico com mulheres.
Suspiro e me ajeito na sua cama ao apagar a luz do abajur. Espero-a até escutá-la entrando no
quarto de novo muito tempo depois. Bianca deve achar que estou dormindo e se junta a mim debaixo
dos lençóis. Eu não faço nada para mudar isso.

“Você vem?”
Fixo meus olhos no meu celular esperando por uma resposta de Bianca à mensagem que
acabei de enviar. Eu liguei para ela mais cedo e disse que precisávamos conversar enquanto
jantávamos no meu apartamento. Bia respondeu apenas com um “ok, até mais tarde”, e pode parecer
bobeira minha, mas senti que ela parecia distante, talvez um pouco fria. Agora há pouco, mandei a
foto da mesa posta com a louça, as taças e o vinho — tudo visualmente muito bonito como sei que ela
gosta —, mas ela apenas visualizou e não respondeu. Eu mesmo cozinhei nosso jantar, seguindo umas
receitas que achei na internet, e acho que fiz tudo certinho para esse momento. Eu quero pedi-la em
namoro, dizer que não estou mais só apaixonado, que a amo de verdade, como nunca pensei ser
possível um dia.
Eu me dei conta que meus sentimentos vão além de uma paixão passageira dois dias atrás,
quando disse que gostava demais dela, e Bianca fugiu de mim. Tudo bem, respeitei o espaço dela e o
fato de que eu devo tê-la assustado e não tocamos mais no assunto desde então. Agora, entretanto, eu
quero mais do que só amizade colorida, ser mais do que apenas o cara com quem ela transa três ou
quatro vezes na semana.
Deixo meu telefone de lado e sirvo a segunda dose de vinho. O relógio no mostrador do
celular marca oito da noite. Nós combinamos às sete e meia. Bebo mais um pouco tentando não
pensar que ela vai falhar comigo. Bianca prometeu, então ela vai vir, certo? Errado. E só me dou
conta disso às nove e meia. A garrafa de vinho está pela metade, a comida está fria e minha
mensagem foi ignorada.
Eu nem sei dimensionar a dor que me acerta quando constato que Bianca não vem e está me
evitando. Em um impulso de raiva, eu me levanto bruscamente, pego as chaves da moto e vou até o
bar. É sexta-feira, então fico na esperança idiota de que esteja presa no trabalho. Ao chegar lá, não a
encontro, e uma das funcionárias me informa que ela não vai cobrir o turno hoje. Arrisco ir até sua
casa e quem me atende de primeira é Leandro.
— A Bianca está?
Leandro suspira e indica lá dentro com um mover de cabeça.
— No quarto dela, esquisita. Não quis ir pro bar hoje e não me diz por nada no mundo o que
está acontecendo. Tem a ver com vocês dois? — pergunta, cruzando os braços na frente do tórax.
Baixo os olhos e, com as pontas dos pés, brinco com uma rachadura na calçada.
— Estou apaixonado pela sua irmã. E ela meio que sabe disso, mas está fugindo de mim.
Quero fazer tudo certo com ela, Leandro. Parar de ser só o cara com quem se diverte e ser o
namorado dela, mas… sei lá. Ela ainda tem medo, não é?
Ele suspira e fecha os olhos por um segundo.
— Aquele desgraçado fez um estrago feio. E convenhamos, Filippo, ela tem razão em ter um
pé atrás com você.
— Eu discordo. Tem meses que estamos saindo, Leandro. Sempre fui muito transparente e
sincero com a Bia.
Ele dá um passo para o lado, como que me incentivando a entrar. E eu o faço. Dou duas
batidas na porta do seu quarto antes de entrar e a encontro frente ao guarda-roupa, a cama lotada de
roupa que ela deve estar organizando. Solto uma risada involuntária. Ela preferiu ficar e arrumar a
droga do armário do que ir jantar comigo. Bianca se vira na minha direção e baixa os olhos sem que
eu precise dizer nada. Encosto à porta e permaneço de costas para a madeira.
— Você disse que ia jantar comigo.
— Desculpe.
Movo a cabeça de um lado a outro.
— É tudo o que tem pra me dizer? “Desculpe”?
— Eu sei por que me chamou para o seu apartamento hoje. E, Filippo, a resposta é não. Não
quero nada sério com você. Não justamente com você.
Aperto os lábios em uma linha fina e assinto. Dentro do peito, meu coração se parte de uma
maneira que eu achei que jamais aconteceria.
— Esses meses todos, você soube ouvir um “não” de minha parte. Espero que agora não seja
diferente.
— É claro que não vai ser diferente — retruco, amargurado. Baixo os olhos por um segundo,
reorganizando meus pensamentos e a encaro em seguida. — Eu sei que tem medo, Bianca. Medo de
que eu te diga que nenhuma mulher mais me importa e em pouco tempo, faça o contrário. Eu não sou
o Danilo, mas você continua projetando-o em mim.
Ela suspira e fecha os olhos ao cair sentada na cama. Eu me aproximo devagar e me ponho ao
seu lado.
— Por que não pode dar uma chance pra nós? Bianca, eu realmente am…
— Filippo, não — ela me interrompe, balançando a cabeça e, em um pulo, está longe de mim,
abrindo a porta do quarto. — Eu acho melhor… pararmos por aqui.
Eu me levanto devagar e pisco duas vezes.
— Está terminando comigo?
Bianca nega.
— Você não é nada meu para que eu esteja terminando com você. Mas, sim, estou dando um
basta na nossa amizade colorida. É melhor para nós dois, Lipo.
Engulo em seco, controlo a tristeza que avança sobre mim e concordo. Passo por ela sem
dizer nada; na sala, Leandro quer saber se nos entendemos, eu faço um gesto em negativo apenas e
sigo meu caminho. Monto na motocicleta e fico rodando a cidade por muito tempo, sem qualquer
destino.
Eu demoro a notar que lágrimas tímidas descem pelo meu rosto.

Assim que saio da casa de Bianca, eu me recuso a voltar para meu apartamento — justamente
o lugar que mais tem lembranças dela — e tento ocupar minha cabeça escalando o paredão no
Aventura Selvagem depois de rodar por longos minutos na motocicleta sem destino. Ascendo os
módulos por algum tempo, mas estou distraído e triste demais para que seja seguro escalar tão tarde
da noite, sem equipamentos e sozinho. Então, decido que afogar as mágoas é uma opção melhor e
mais segura. Deixo minha moto na sede da empresa e sigo até a boate mais próxima no táxi. O lugar
está cheio à meia-noite. Por algum tempo, eu fico apenas sentado no balcão do bar da casa noturna,
observando as pessoas ao meu redor. Cheio de raiva, aceito ficar com uma garota. Mal começo a
beijá-la e sinto que não é certo, não com Bianca, mas com meus próprios sentimentos. Eu a afasto de
mim e volto para meu lugar no bar, empurrando as pessoas da minha frente, descontando em que não
tem nada a ver toda a minha frustração.
— Vai pedir algo dessa vez? — o barman pergunta, um pouco irritado. — Se não for
consumir nada, libera o lugar, beleza?
Bufo, irritado, e vago os olhos na prateleira logo atrás dele, recheada de garrafas.
— Vodca. — Opto pelo clássico. Ele coloca um copinho na minha frente e me serve.
Viro a primeira dose e depois da quinta ou sexta, já perdi as contas. Meus olhos pesam, meu
coração dói, e eu só quero me desintoxicar de Bianca, tirá-la do meu organismo, me livrar dela. Rio
alto, em meio à música da boate, do ridículo que é minha situação. Eu nunca me apeguei a nenhuma
mulher, e a primeira que consegue essa proeza não quer saber de mim. Em algum momento, eu pego
meu telefone e disco para Mattia. Eu nem sei se ele vai poder me ajudar, mas, de qualquer maneira,
preciso falar com alguém sobre isso, desabafar, perguntar como faço para superar essa droga.
Meu irmão mais velho demora a atender e, do outro lado da linha, sua voz está sonolenta.
Acho que o acordei. Não sei o que sai da minha boca porque não tenho muita noção do que estou
fazendo, um oferecimento especial de minha bebedeira. Lembro de dizer apenas que estou de coração
partido, bêbado e precisando de companhia.
Algum tempo se passa até que Mattia está do meu lado. Ele tenta entender o que aconteceu e
me convencer a ir com ele, que vai me levar para casa. Mas eu recuso todas as suas sugestões,
insistindo para que se sente e beba comigo. O balcão à minha frente já tem uma carreira de copinhos
de shot vazios e ele não me deixa tomar mais nenhuma dose.
— Não acha que já bebeu demais? — É a voz de Liam ao pé do meu ouvido. Não sei o que
ele está fazendo aqui, não procuro entender, mas tenho quase certeza de que Mattia ligou para ele.
Ótimo. Tudo o que mais precisava agora era do meu melhor amigo, pronto a me dar um sermão ou
dizer que me avisou que um dia eu ia cair de amores por alguém.
— Um homem não pode mais afogar suas mágoas? — questiono, indignado.
— Um homem qualquer pode, mas você é Filippo Massari. Você não sofre por mulher alguma
— Liam argumenta.
Dou uma risada meio descontrolada e suspiro.
— Pelo jeito, perdi minha virgindade nesse quesito.
Ouço Mattia soltar um riso pequeno e o sinto apoiar uma mão no meu ombro.
— Vá pra casa, Filippo — ordena, sua voz abafada pela música alta. — Toma um banho, um
café forte e bem doce pra curar um pouco a bebedeira, dorme umas horinhas. Depois, você liga para
a Bianca e…
Giro sobre o banco rápido demais e enfio o dedo indicador nos lábios dele.
— Não invoque o pequeno demônio! — protesto. Não quero ouvir o nome daquela mulher,
não mesmo! Ela partiu meu pobre coração. Do meu lado, ouço Liam rir da minha desgraça. Eu
jogaria na cara dele que ele também sofreu pela Paola meses atrás, mas prefiro não mexer em suas
feridas. — Como a Lauren pode ser amiga de uma pessoa tão horrível como a Bianca? — pergunto
para Mattia.
— O que a Bianca fez, afinal, que te deixou nesse estado? — Liam indaga.
— Eu estava prestes a me declarar — explico e tento ignorar meu coração apertado ao meu
lembrar do jantar que preparei, das palavras dela. Não justamente com você. Caralho, como isso
doeu em mim. Doeu saber que ela ainda não confia nas minhas intenções, que se eu fosse qualquer
outro cara sem o histórico com mulheres que eu tenho, talvez tivesse uma chance. — Estava a isso
aqui de dizer que a amo, de pedi-la em namoro. — Mostro o quanto me refiro com o dedo indicador
e o polegar separados por bem pouco. — Mas ela me deu um pé na bunda. Simplesmente me
dispensou como se… os últimos meses entre nós não tivessem existido, como se não tivessem sido
nada. Nada.
— Era amizade colorida, Lipo — Mattia me consola.
Nego.
— Eu sei que era, mas ela sabe que eu estou apaixonado. E aí… e aí…— Estralo os dedos.
— Me deu um fora sem pensar duas vezes.
— Talvez tenha sido melhor assim, Filippo — Liam aconselha. — Melhor uma verdade
dolorosa agora do que uma mentira que vai te partir ao meio amanhã.
Fungo e limpo o nariz com o dorso da mão. Ele esteve mal pela minha irmã até meses atrás,
mas agora parece bem. Isso significa que a esqueceu, certo? Talvez ele possa me ajudar.
— Como fez para superar a Paola?
Ele troca um olhar com meu irmão mais velho.
— Não superei.
Solto um gemido doloroso e enfio a cabeça entre os braços, pensando que estou
completamente fodido.
— Vem, Lipo, eu te levo para casa. ​— Liam tenta me levantar da banqueta, mas eu resisto um
pouco mais.
— Não quero ir pra casa. Tem coisas dela lá. Roupa, perfume, maquiagem. — Bufo,
frustrado. — Eu trepei com Bianca em cada maldito metro quadrado daquele apartamento e tudo me
faz lembrar dela. Não quero ir pra casa.
— Eu te levo para o meu apartamento, não tem problema. Mas precisa sair daqui. Não vai
curar dor nenhuma enchendo a bunda de cachaça — meu melhor amigo argumenta.
Eu rio feito um bêbado idiota do que ele me disse, e Matt me acompanha.
— Me deixa só mais um pouquinho aqui — peço, manhoso. — Só mais uma ou vinte doses
para garantir que vou tirá-la do meu sistema.
— Tá, tudo bem — meu irmão mais velho diz severamente, acho que ficando sem paciência
de ter de lidar comigo quando poderia estar em casa com a namorada. — Ou você vai embora com o
Liam agora ou não tem escalada de despedida.
— Não seria capaz de voltar atrás, Mattia. Você me prometeu! — protesto, assustado que ele
desista.
— Não é nem um pouco difícil eu voltar atrás, Filippo. Sabe disso muito bem.
Fico contrariado, resmungo como um garotinho mimado, mas saio do meu lugar. Mattia pede a
conta ao barman e acerta todo meu consumo enquanto me escoro no ombro de Liam, incapaz de me
manter equilibrado. Logo meu irmão ajuda meu melhor amigo, levando-me até o carro de Liam.
— Da próxima vez que me ligar numa sexta-feira de madrugada que estou de folga do
hospital — Mattia diz —, é bom que esteja morrendo. Se for porque está sofrendo por mulher, eu vou
chutar sua bunda até estar curado da sua bebedeira, me ouviu?
Sem saber o motivo, eu solto uma gargalhada triste.

Na manhã de sábado, a bebedeira cobra seu preço. Para minha sorte, eu tenho um melhor
amigo incrível que me arruma aspirinas, café e chocolate belga.
— Não tinha um tapete na sua sala? — pergunto ao me sentar à mesa com minha xícara. Vim
do quarto de Liam para cá praticamente me arrastando nos meus pés e detestando o cheiro que exala
de mim: uma mistura de vodca, suor e vômito azedo.
— Você vomitou em tudo. — Isso explica o cheiro azedo. ​— Mandei para a lavanderia mais
cedo.
Meu rosto esquenta e desvio os olhos para o líquido preto. Jogo o remédio na boca, viro uma
dose de café e depois mordo um pedaço do chocolate.
— Desculpe, Liam. — Massageio as têmporas. — Perturbei você e o Mattia tarde da noite,
dei trabalho. — Suspiro e balanço a cabeça em negativo. — Não deveria ter causado tanto
transtorno.
Ele puxa uma cadeira e se senta ao meu lado com um sorriso compreensivo no rosto.
— Na madrugada do casamento da Paola — ele comenta ao engolir em seco —, eu bebi até
quase entrar em coma alcóolico. Você tinha ficado um pouco na festa, foi lá pro meu apertamento
ficar comigo depois de ter roubado comida da festa. — Abro um sorriso pequeno, contagiado pelo
humor atípico dele e de me recordar da ocasião.
— Até uns três anos atrás, você ainda morava naquela lata de sardinha — brinco, e ele ri
baixinho.
— Eu bebi demais depois que você foi embora. E aí eu te liguei às seis da manhã, vomitando
até minhas tripas, e você veio até mim, ficou comigo, me distraiu, tentou levantar meu astral, foi meu
amigo. — Liam exaspera e apoia a mão no meu ombro. — Não foi trabalho nenhum, Lipo. Irmãos
servem pra isso, certo?
Assinto devagar, sentindo lágrimas nos olhos.
— Então… preso pelas bolas, hein? — comenta.
Dou uma risada sem humor e assinto.
— Praga sua que um dia disse que eu ia me apaixonar.
Ele ri baixinho e não dizemos mais nada um ao outro. Liam sai do meu lado e some
apartamento adentro, retornando algum tempo depois com roupas dele para eu usar. Temos mais ou
menos a mesma altura — ele deve ser uns dez centímetros mais alto do que eu —, por isso a camisa
de banda de rock ​— droga, banda de rock! — e o jeans dele me servem quase perfeitamente. Tomo
um banho, visto as roupas dele, coloco as minhas em uma sacola de supermercado e, uma vez na sala
de novo, ele oferece:
— Quer que eu te leve pra casa?
Abano a cabeça em negativo.
— Eu pego um carro, não se preocupa.
Abraço-o uma última vez antes de sair. No elevador, eu chamo um Uber e decido que não vou
para minha casa. Ainda tem coisas de Bianca lá e a mesa posta do jantar que ela me deu um bolo.
Meia hora mais tarde, eu estou no meu antigo quarto, deitado na minha antiga cama, tentando segurar
as lágrimas para mim. Mamãe aparece não muito tempo depois — quando cheguei, nem ela nem
papai estavam — e me nota aqui, sentando-se aos meus pés.
— Lipo, o que aconteceu?
Eu me arrasto na sua direção e deito a cabeça no seu colo.
— Como faço para esquecer uma garota que eu amo, mãe?
Mamãe me olha com certa compaixão e susto no rosto. Seus lábios se entreabrem e ela afunda
os dedos nos meus cabelos.
— Eu não sei, meu amor.
Fecho os olhos e suspiro. Então, só aprecio o conforto do carinho da minha mãe em mim.
— É aqui que tem um mulherengo de coração partido? — Paola aparece no meu campo de
visão.
É domingo — dois dias desde que levei um pé na bunda de Bianca — e ainda estou na casa
dos meus pais. Minha mãe me mimou durante esse tempo todo: me trouxe comida na cama, fez minhas
receitas favoritas, assistiu filmes da Barbie comigo. Nada do que ela não tenha feito pelo Mattia
quando ele precisou e para Paola quando ela passou — várias vezes — pelo mesmo.
Eu me afasto um pouco na cama e lhe dou espaço para se sentar.
— Vai ficar aí amuadinho o domingo todo, Filippo? O dia está tão bonito lá fora.
— Sem saco para isso — resmungo e escondo o rosto debaixo do travesseiro. — A menos
que você me diga que Bianca está aí e quer me dar uma chance.
Procuro pelos olhos da minha irmã, ligeiramente esperançoso. Ela balança a cabeça em
negativo.
— Não deveria procurá-la e tentar conversar melhor? Eu sei que me disse uma vez que ela é
insegura, que tem medo de você a magoar e… — Lola suspira e acaricia meus cabelos. — Mas você
não pode desistir dela assim, Lipo.
— Eu respeitei todas as vezes que Bia me disse não — argumento. — Não vou virar um cara
chato que fica insistindo numa relação com ela.
— Não é insistir, Filippo. É ter uma conversa decente. Pelo que você contou para a mamãe,
mal pôde conversar com a Bianca, se declarar, pedir uma chance. Acho mesmo que deveriam ter esse
momento.
Não digo nada, apenas volto a enfiar a cabeça debaixo do travesseiro. Um silêncio estranho
paira sobre nós, até que Paola pigarreia e faz um carinho nas minhas costas.
— Tenho uma novidade para te contar.
— Que novidade?
— Liam e eu nos entendemos.
Eu torno a encará-la e encontro alguma hesitação nos seus olhos.
— Você teve o ano inteiro para se apaixonar e sofrer, mas teve de fazer isso justamente
quando eu me entendi com Liam, não é? Não quero esfregar minha felicidade na sua cara, juro que
não.
— Quando vocês se entenderam?
— Paola me procurou hoje. Agora há pouco, na verdade. Só tem algumas horas. — A voz de
Liam ressoa no quarto, às minhas costas. Eu me viro na cama e o encontro encostado no batente da
porta, olhar atento em mim, sério e rabugento como sempre. — Estamos namorando.
Eu me sento imediatamente e trato de colocar um sorriso no rosto. Nem preciso de muito
esforço porque estou mesmo feliz pelos dois.
— Vocês se entenderam, então?
— Sim — eles dizem ao mesmo tempo.
— Já fizeram sexo de reconciliação? — Paola ri, e Liam arregala os olhos. Acho que ele
nunca vai se acostumar com meu jeito inadequado. — Quem penetrou quem?
— Por Deus, Filippo! — meu amigo exclama, e minha irmã ri ainda mais, parando de repente
um segundo depois, como se desse conta do que eu disse só agora.
— Espera. Você sabe que o Liam…?
— Claro que sei, Paola. Que tipo de melhor amigo eu seria se não soubesse? Liam sempre
pôde me contar tudo. Tudo. Pedir conselhos, opinião, desabafar. Só houve dois momentos na vida
que ele escondeu algo de mim. E nas duas vezes, envolveu mulher. Numa delas, era você.
— Tudo bem, mas você não tem que ficar espalhando essas indiscrições por aí, ouviu? —
Paola adverte e eu dou de ombros. Eles sabem que vou ser indiscreto sempre que tiver a
oportunidade. — O papai e a mamãe já estão sabendo. Assim que Mattia chegar com os bebês dele,
eu conto.
Abraço minha irmã, feliz por ela, e olho para meu melhor amigo.
— Vem, Liam.
— Não.
Saio da minha cama e vou até ele, tomando-o em um abraço forte. Ele sempre detestou
contato mais íntimo ou ter seu espaço pessoal invadido, mesmo em se tratando de mim, e eu sempre
adorei atazaná-lo com isso. No final das contas, Liam cede sem resmungar, mas só porque sou eu.
— Que bom que se entenderam, Liam. De verdade. — Chamo Paola e ela se aproxima, então
posso abraçá-los juntos. — Eu tinha medo de Liam arranjar uma garota e parar de se reunir com a
gente para estar com a família dela — comento. — Sabe, festas de final de ano, feriados,
aniversários? Vai estar em todas as reuniões a partir de hoje, não é? — Olho para ele.
— Talvez.
Paola e eu rimos juntos. Uma vez antissocial, sempre antissocial.
— Espero que você e Bianca também se resolvam — Liam deseja e tem uma forte
sinceridade em sua voz.
Eu sorrio e aceno, desejando o mesmo, mas sabendo que, talvez, nunca vá acontecer.

Eu tento me animar com minha família durante o domingo, mas nem mesmo meu velho
consegue levantar meu astral. Então eu os deixo em torno da mesa e me refugio no meu antigo quarto.
Fico aqui por tempos demais, até que mamãe vem me trazer um prato de comida e saber se estou
bem. Não estou, sou sincero sobre isso, mas digo que logo vou superar.
Assim que escurece, começa a chover. As gotas de chuva são pesadas lá fora, e aproveito que
gosto do barulho de chuva para dormir e me afundo nas cobertas. Não consigo pregar os olhos, não
sei se porque ainda é cedo — mal são nove da noite — ou se porque não paro de pensar no que
Paola me disse.
“Não pode desistir dela assim, Lipo”. “Pelo que você contou para a mamãe, mal pôde
conversar com a Bianca, se declarar, pedir uma chance. Acho mesmo que deveriam ter esse
momento”.
Fico muito tempo rolando de um lado a outro, as palavras da minha irmã na minha cabeça. Já
está um pouco tarde quando me levanto, visto uma calça e uma blusa com capuz, agarro meu capacete
e monto na minha moto que Mattia foi buscar para mim hoje mais cedo no Aventura Selvagem. Dirijo
até a casa da Bianca debaixo de chuva, ensaiando tudo o que quero dizer, tudo o que preciso dizer.
Estaciono no meio-fio e penduro o capacete no retrovisor. Aproximo-me do portão baixo e
grito por ela. Encolho-me dentro do moletom molhado e puxo o capuz, como se isso fosse me
proteger da água e do frio. Abraço meu próprio corpo quando a luz da sala acende e dou um passo
atrás. Bianca surge na porta de entrada e me encara, surpresa. Ela usa uma calça de pijama de
unicórnio e um moletom cinza meu, que esqueci na casa dela da última vez em que estive aqui. Tento
não criar qualquer esperança com isso.
Ela vem na minha direção, enfrentando a chuva impiedosa.
— O que está fazendo aqui, Filippo? — pergunta, mas não se atreve a vencer a barreira entre
nós. Eu continuo na calçada, e ela para dentro do portão.
— Eu sei que tem medo que eu te magoe e acho seu medo válido. — Engulo em seco e
suspiro. — Não vou prometer nunca te machucar porque eu sou um ser humano, mas posso prometer
que se acontecer, não vai ser de propósito.
— Filippo, eu não quero ter essa conversa — sussurra e, pode parecer loucura, mas tenho a
impressão de que seus olhos estão marejados.
— Hoje, eu vou desrespeitar a sua vontade porque você vai me ouvir. — Ergo um pouco mais
a voz: — Você tem que me ouvir, Bianca!
Ela parece segurar a respiração e não diz nada. Tomo um pouco mais de ar e de coragem
antes de dizer:
— Você teve uma experiência ruim no passado e agora acha que evitar um relacionamento
comigo vai te salvar de ter seu coração partido. Mas se esqueceu que a sua melhor amiga se
relacionou com um cara que não tem o mesmo histórico que eu e que foi um escroto de marca maior.
— Balanço a cabeça de um lado a outro. — Eu nunca sequer tiver uma atitude minimamente parecida
como a dele, mas você tem medo que eu seja um idiota.
Pisco um par de vezes e inspiro fundo para recuperar o fôlego.
— Você entende o que quero dizer, Bia? As pessoas são muito mais do que estereótipos, eu
sou muito mais do que um estereótipo. Sei que olha para mim, para meu histórico com mulheres, e
acha que minha tendência vai ser te trair e te magoar, mas eu não sou assim. Nunca fui assim. — Dou
uma risada insana. — Eu não tenho uma lista de corações partidos e isso deveria ser um ponto para
você confiar em mim.
— Pode não me trair — argumenta, a voz trêmula não sei se de frio ou se de vontade de
chorar —, mas pode se enjoar de mim, pode se dar conta que de fato não sabe ficar só com uma
mulher, e vai me deixar. Eu não quero outra decepção amorosa, Filippo. Não quero. — Bianca baixa
os olhos por um instante. — Eu também… gosto de você, mais do que deveria, e sei que se me
magoar, vai doer demais.
— Eu sei e confesso que você tem razão. Por mais que eu queira tentar, estou ciente que
nosso relacionamento tem a probabilidade de não durar. Todos os relacionamentos tem essa
probabilidade, Bianca. Todos. Relacionamentos acabam e nós aprendemos a lidar com isso. O seu
problema é pensar demais no passado, temer o futuro e não vivenciar o presente. Está preferindo me
perder, mesmo gostando de mim, a me dar uma chance porque tem medo do futuro.
Ela soluça em meio à chuva e sinto meu coração se partir por mim, por ela, por nós. Dou um
passo à frente e me agarro ao portão baixo de grades.
— Não é culpa sua, eu sei. É um mecanismo de defesa, uma maneira de se proteger e proteger
seu coração. Não vai conseguir superar esse trauma se não tiver a ajuda profissional que te falei e o
apoio que precisa.
Eu demoro a notar que estou chorando timidamente, a água da chuva se misturando às minhas
lágrimas.
— Eu te amo, Bianca. Amo mais do que posso suportar. — Meus dedos se fecham com força
em torno das grades do portão. — Eu não vou insistir. A última coisa que quero é me tornar o cara
chato e inconveniente, mas precisava te dizer isso tudo hoje para que você saiba que vou te esperar.
Vou esperar você confiar em mim e estar pronta para ter um relacionamento sério comigo.
O soluço dela agora é mais alto, e o queixo treme com mais violência.
— Não posso prometer que vou te esperar para sempre porque para sempre é muito tempo e
não pretendo fazer uma promessa que não sei se poderei cumprir. Mas enquanto eu amar você com
toda a força do meu coração, vou te esperar.
Bianca desce os poucos degraus até o portão e envolve suas mãos nas minhas, olhando-me
com tanta dor que isso parte meu coração. Eu não tenho qualquer esperança de que ela vá me dar uma
chance agora. Sei disso pelo modo como me olha. Ela não diz nada, apenas se aproxima de mim, se
ergue um pouco nos pés e deixa um beijo rápido nos meus lábios.
Tem gosto de despedida. De saudade. De espere por mim. Ela se afasta, pisca duas vezes e
então retorna lá para dentro. Eu fico mais algum tempo debaixo de chuva, deixando que a água fria
leve todas as minhas dores embora.
Ela não leva.

— Eu estou animado — digo para meu irmão mais velho, sentado à minha frente na minha
sala do Aventura Selvagem. — Faltam só seis meses, Mattia. Seis meses.
Ele ri um pouco e balança a cabeça em negativo. Matt veio aqui hoje me informar que,
finalmente, está pronto para nossa última escalada juntos. Continua em consulta com o terapeuta, os
episódios de crise de pânico diminuíram, ele consegue escalar o paredão como antes do acidente e
superou seu luto, depois de pouco mais de três anos. Já faz um ano que começamos a treinar sua
mente e seu corpo, e foi esse o tempo que me pediu. Uma vez preparado, nós rumaríamos logo para o
Matterhorn se não fosse a época desfavorável para escalar a montanha. Assim, vamos esperar a
temporada mais oportuna — e mais segura — para nossa aventura, o que é em exatos seis meses.
— Eu estou ansioso — confessa com um suspiro. — Não quero te desapontar, mas sabe que
tem uma chance de eu não conseguir, não é? Meu terapeuta disse que estou preparado, mas só vou
saber mesmo quando estiver frente a frente com aquela montanha.
Para Mattia, não existe só o fator físico na escalada do Matterhorn. Existe o fator psicológico
também, uma vez que a montanha carrega um grande simbolismo para ele.
— Eu sei, e te garanti que a gente volta do ponto que estivermos caso você não consiga
prosseguir. Eu só preciso desse último momento com você, Mattia. Seja como for, por quanto tempo
for.
Ele sorri e acena.
Alguém bate de leve à minha porta, e um dos instrutores do ginásio surge sob o umbral.
— Filippo, tem uma cliente aí fora querendo falar com você.
Franzo as sobrancelhas.
— É alguma garota com quem eu dormi?
— Eu não faço ideia. Só tem oito semanas que te conheço, cara.
— Falando nisso, você saiu com alguma garota nos últimos seis meses, desde que terminou
com a Bianca? — Mattia pergunta, com ar meio debochado.
— Talvez umas cinco ou seis — minto, e meu irmão ri sabendo que é mentira. Se eu saí com
duas garotas para um barzinho qualquer sem nem ter envolvido minhas bolas no meio das pernas
delas foi muito.
— É esse o nome dela — o instrutor diz logo em seguida —, Bianca.
Meu corpo todo fica em alerta e meu coração dispara dentro do peito.
— Eu já estou indo — informo, ele assente e me diz em que paredão ela está me aguardando,
retirando-se em seguida.
Levanto-me do meu lugar e inspiro fundo, tentando não ter muitas esperanças. Nós nos vimos
muito pouco nos últimos meses. Apenas em ocasiões muito específicas, como no aniversário de dois
anos dos trigêmeos ou quando ela apareceu lá no meu apartamento para buscar os pertences dela.
Ando de um lado a outro na minha sala, ordenando meus pensamentos e me preparando para vê-la.
— Vai logo ver o que ela quer com você, Filippo — Mattia incentiva.
— Está bem. Eu não demoro.
— Nem pensar, eu já estou indo embora. Priorize a Bianca
Inspiro fundo uma última vez e sigo até o ginásio de escalada. Eu a encontro sem dificuldade
alguma. O instrutor que foi me chamar a está ajudando a tirar o equipamento de segurança enquanto
conversam. Eu me aproximo devagar, e só leva mais um segundo para ela me notar aqui. Um sorriso
pequeno e acanhado surge nela, que me cumprimenta com um “oi” quase inaudível. O funcionário se
afasta levando consigo todo o equipamento — capacete, joelheiras, cotoveleiras, cordas e freios — e
eu fico sozinho aqui com ela.
Bianca ergue o olhar para o paredão e sorri.
— Decidi que quero escalar. — Seus olhos se voltam para mim. — Não montanhas e rochas,
claro. Uma parede com agarras, equipamentos de segurança e um instrutor bonito e gostoso me
auxiliando me parece um bom esporte.
Cruzo os braços e aperto os lábios na minha tentativa de não rir da sua gracinha. Não estou
bravo com ela. Nunca estive bravo com ela. Meses atrás, ao dizer que entendia que seus receios
eram fruto de um mecanismo de defesa e que não ia culpá-la por isso, eu fui sincero. Seria incapaz de
ficar ressentido com essa garota por causa dos seus traumas.
— Então veio ao lugar certo. Uma pena que o único instrutor bonito e gostoso aqui vive com
a agenda lotada de expedições. — Movo as sobrancelhas para cima e para baixo e me balanço nas
pontas dos pés.
Bianca ri, matando a saudade que eu tinha desse som. Ela dá um passo na minha direção,
deixando-nos separados a uma pequena distância. Tenho medo que essa distância seja o suficiente
para que note como eu respiro de forma irregular por causa dela.
— Faz alguns meses que comecei a fazer terapia — sussurra, os olhos longe dos meus. —
Fiquei pensando no que me disse naquela noite chuvosa, e depois, até o Leandro que no começo não
ia muito com a sua cara, ficou me atazanando, sabe? Sobre eu ter medo de me relacionar e tudo mais.
— Então eu finalmente conquistei o coração dele.
Bianca ri baixinho e acena.
— Ele sente sua falta também, vive dizendo que você seria bom pra mim.
— Não tenho qualquer dúvida disso.
— Você é um convencido.
Dou de ombros e sorrio.
— A Lauren chegou a dizer o mesmo um tempo antes e tornou a me dar outros conselhos
parecidos durante esses meses — ela continua, agora me olhando. — Por fim, entendi que eu não
podia deixar que minhas experiências ruins do passado interferissem na minha vida da maneira que
estava acontecendo. Meu psicólogo me disse que o que eu estava sentindo se chama bloqueio
emocional. E é mesmo um mecanismo de defesa, como você disse.
— Já pode me chamar de Doutor Amor.
Bianca gargalha, apertando os olhos, e isso aquece meu coração. Ela é tão linda sorrindo.
— Ainda tenho muito o que vencer e superar, mas eu… já me sinto preparada para ter um
relacionamento caso ainda esteja me esperando. Eu tenho uma chance com você, Lipo?
Suspiro, aperto meus braços cruzados contra o tórax e movo a cabeça de um lado a outro.
Vejo seus olhos se abaterem e os lábios entreabrir.
— Você tem pelo menos duas dúzias de chances comigo.
Eu mal vejo Bianca avançando na minha direção e me tomando em um abraço apertado. Rio e
recupero o equilíbrio do corpo, retribuindo seu abraço. Aperto-a forte contra mim, enfio o rosto na
curva do seu pescoço e inspiro seu cheiro. Senti tanta falta de Bianca. Do seu aroma, do seu toque,
da sua voz.
— Estou doida para te beijar — diz, afastando-se de mim.
Abro um sorriso pequeno.
— Beija.
Sua boca está na minha um segundo depois, forte, desesperada, cheia de saudade, tudo o que
também estou sentindo.
— Lipo, eu ainda estou no processo — sussurra, colando seus lábios nos meus por um
instante rápido. — Talvez eu ainda tenha alguns momentos de surtos, medos e inseguranças. Tenha
paciência e não desista de mim.
— Está pedindo justamente para mim, um alpinista, para ter paciência e não desistir? Sério?
— Ela ri e me abraça de novo, toda radiante. — Paciência é meu segundo nome, amor. Não desistir é
o terceiro.
Sinto seus braços me esmagarem mais uma vez.
— Eu te amo, Filippo.
Escondo o rosto no seu ombro e aprecio o que me disse, sentindo meu coração leve e feliz.
— Eu te amo, Bianca.

Ela veio preparada para se reconciliar comigo e acabar com o juízo que me resta. Eu tenho
essa conclusão quando Bianca surge no limiar da porta do banheiro do meu quarto com uma lingerie
preta e segurando um kit de amarras. Aperto meu pau, já duro dentro da cueca, e gemo baixo,
excitado com a imagem dela vindo até mim.
— Uma vez, você me disse que eu podia te amarrar se eu quisesse. Eu quero isso agora.
Sorrio e estico meus punhos na sua direção. Bianca engatinha na cama, se senta no meu colo e
me beija por um instante antes de ajeitar as cintas das algemas sob o colchão. Assim que está pronto,
eu me deito de costas, cabeça nos travesseiros, e abro os braços. Ela prende meus punhos,
preocupada se o ajuste está bom e se não me machuca. Depois, prende meus tornozelos.
— Pra finalizar — brinca, ajustando uma venda nos meus olhos.
— Mentira, falta o chicote.
Ela ri e me dá um beliscão no mamilo direito. Reclamo de dor, e ela me beija no lugar do
belisco de forma carinhosa. Sua boca então sobe até meus lábios, suculenta, devagar, sensual. Já
estou ficando sem ar quando ela desliza pelo meu queixo e vai descendo pelo meu corpo conforme
deixa um rastro molhado pela minha pele. Resfolego a cada toque molhado dela em mim, antecipando
o que está por vim. Suas mãos agarram as laterais da minha cueca e a puxam devagar para baixo. Já
notei que sua lentidão é proposital e isso me deixa mais excitado, na expectativa. É torturante toda
essa demora, mas também é bom.
Sua boca chega perigosamente na minha virilha, provocando-me nessa região antes de, de
repente, ela me engolir por completo. Jogo a cabeça para trás e puxo os punhos, mas estou limitado
demais para conseguir me mexer. Uma corrente de prazer passa por todo meu corpo conforme ela
combina o sexo oral com masturbação e carinho nas minhas bolas.
Bom demais.
Excitante demais.
Torturante demais.
Pelos próximos minutos, Bianca brinca com a minha sanidade mental. Ela me chupa gostoso e
me provoca até o limite. Chego perto de gozar uma dúzia de vezes, mas ela não deixa, parando
imediatamente quando nota que estou prestes a ter um orgasmo. Então, eu estou ofegante, coração
disparado, a ponto de explodir. E ela segue me provocando o tempo inteiro, se não com sua boca
incrível, com sua boceta ao cavalgar em mim. Às vezes cavalga rápido demais, segurando na minha
nuca; às vezes provocante, descendo devagar; às vezes rebolando; às vezes de costas.
— Você pode gozar agora, Filippo — ela sussurra na minha boca o que parece uma vida
depois. Bianca ainda está montada nos meus quadris, seu tórax contra o meu, os quadris movendo-se
rápido para cima e para baixo.
No instante da sua ordem, eu esporro dentro dela com um gemido estrangulado. O orgasmo
dura quinze segundos, e são os quinze segundos mais deliciosos da minha vida. Afundo no colchão
depois disso, respirando com dificuldade. Bianca desmonta de cima de mim, tira a venda dos meus
olhos e me desamarra. Com as mãos livres, eu tiro a camisinha, amarro a sua ponta e deixo num
cantinho no chão. Ela se deita sobre meu tórax e cobre nossos corpos com um lençol. Fecho os olhos
e a abraço contra mim, apreciando seu calor, nossas peles suadas, sua presença aqui comigo. Deixo
um beijo nos seus cabelos e me acomodo melhor ao seu lado, sorrindo.
Eu nunca achei que fosse me render a uma garota. Estava certo de que jamais iria me
apaixonar, que não saberia ficar só com uma mulher. E aqui estou eu, não desejando ninguém mais na
minha vida além de Bianca, do seu companheirismo, dos seus sorrisos, dos seus medos e das suas
inseguranças; das nossas discussões sobre qual é o melhor filme da Barbie ou a melhor banda de
rock; das gargalhadas que trocamos, das nossas brincadeiras e dos momentos quentes. Eu amo essa
mulher. Não tenho qualquer dúvida de que estou rendido.
Completamente.
Irremediavelmente.
Deliciosamente rendido.
Eu contenho o ímpeto de sair correndo ao encontro dele assim que Filippo surge com o
irmão na plataforma de desembarque do aeroporto. Os trigêmeos, contudo, têm a liberdade de
dispararem na direção do pai, mortos de saudade dele, apesar de Lauren os advertir por causa da
correria. Confesso que fico com uma invejinha porque eu queria fazer o mesmo e me pendurar no
pescoço do meu namorado e não o soltar nunca mais. Nós ficamos uma semana longe um do outro por
conta dessa pequena expedição.
A família toda veio recepcionar os meninos de volta à casa. Como prometido, Mattia foi fazer
uma última escalada com Filippo antes de se aposentar de vez da sua vida de aventuras. O mais
velho envolve os filhos em um abraço e conversa com eles — um dos pequenos perguntou se ele
trouxe chocolate da Suíça — enquanto eu recebo meu namorado com um beijo. Abraço-o com alguma
força como se pudesse fundi-lo à minha pele. Não é a primeira vez que Filippo fica fora de casa por
dias. Sua empresa está se destacando ainda mais no ramo de esportes radicais, o que fez sua agenda
lotar de três meses para cá. Tem pacotes de expedições esgotados por dois anos. Eu ainda não me
acostumei com toda essa vida maluca dele, não me acostumei com os longos dias que ele passa fora,
mas amo quando ele retorna.
— Não morri por falta de oxigênio escalando o Matterhorn e não pretendo morrer por falta de
oxigênio nos seus lábios, Bianca ​— ele brinca, respirando com dificuldade ao se afastar de mim.
Dou de ombros para sua reclamação e o abraço de novo, feliz com seu retorno. Depois da
recepção, nós seguimos para a casa dos meus sogros, para um jantar de “boas-vindas de volta”. Ao
redor da mesa, os dois contam como foi a escalada. Filippo é o mais animado, para variar, e amo
como os olhos dele brilham ao falar da aventura, de como foi escalar com o irmão — é inegável não
só que Lipo ama o Mattia com todo seu coração, mas como essa despedida era muito importante para
ele. Em algum momento, deixamos a mesa e nos reunimos no sofá. Jogamos conversa fora por um
instante, Filippo insistindo que eu me prepare para o Monte Everest.
— Eu já disse que sou medrosa — reclamo. — Não vou, Filippo. — Balanço a cabeça em
negativo. — Mas nem que me paguem. Eu tenho medo do paredão artificial lá do seu ginásio, imagina
escalar uma montanha altamente perigosa.
Dona Louise dá um beliscão no braço dele.
— Ai, mãe!
— Viu só? Ela tem juízo.
— Falando nisso, depois que nós reatamos, você nunca mais foi escalar. Onde ficou aquilo
de “me parece um bom esporte escalar aqui com um instrutor bonito e gostoso me auxiliando”?
Eu fico vermelha na mesma hora com sua indiscrição. Dou um tapa nele.
— Sou medrosa. — E deixo que isso seja toda a minha explicação.
Ele ri e se aproxima dos meus lábios, dando-me um beijinho inocente. Um segundo mais
tarde, os trigêmeos estão sendo envolvidos pelos pais em um abraço apertado. Eu me distraí o
suficiente com a conversa do Lipo e perdi o que foi que aconteceu ali, mas sorrio para a imagem
deles mesmo assim. Acho tão linda a família que Lauren está formando com o Mattia. Depois de tudo
o que passou na mão daquele idiota do Bruno, ela merece essa felicidade toda.
— Eu vou me casar — Paola diz em voz alta, chamando atenção de todo mundo e
interrompendo o pequeno momento entre minha melhor amiga, os filhos e o noivo. — Vou me casar
com Liam.
Ele aperta os dedos dela, apaixonado, e não demora nada para os dois serem abraçados por
toda a família. Filippo parece o mais feliz com a notícia e fico muito orgulhosa em como ele ama o
melhor amigo.
— Eu quero ser o padrinho — Filippo diz, encerrando o abraço no Liam. — Padrinho de
casamento e dos meus sobrinhos. Já estão fabricando um?
Paola dá um tapa nele.
— Para de ser indiscreto, Filippo!
Ele explode em uma gargalhada e se volta para Liam, que tem um sorriso bem pequeno no
rosto — toda sua demonstração de humor.
— Sempre te considerei um de nós, o irmão que a vida me deu, o integrante que eu pude
escolher. Te amo, Liam, e estou feliz demais por você e pela Lola. Você não tem mais como escapar
do seio dessa família.
Liam sorri e abana a cabeça em negativo. Ele passa um braço por cima do ombro de Paola,
olha para ela por um instante e dá para ver todo seu amor ali, estampado, escancarado.
— Não, não tenho e nem quero escapar dessa família. Eu decidi que quando nos casarmos,
vou adotar o sobrenome da Paola. — Ele se vira para o melhor amigo. — Ser de vez um Massari.
Para a surpresa de todos, Filippo pula no colo do amigo, fazendo-o soltar uma gargalhada
alta e nada frequente. A família inteira se diverte quando Lipo desembesta a falar sobre o casamento,
mais feliz e animado do que Paola e Liam. Sinto meu coração cheio de amor e orgulho. Filippo é uma
das melhores pessoas que conheci na minha vida. Divertido, simples, de uma alegria contagiante, que
torce por todo mundo, bom filho, bom amigo, bom irmão… bom namorado.
Esse homem merece toda sorte e todo o meu amor.

— Eu estou no topo do mundo, Bianca! No topo do mundo! — O grito estridente e animado


de Filippo soa dentro da barraca no acampamento-base no Monte Everest.
São treze da tarde, horário local, e depois de quase dois meses “morando” por aqui — o
mínimo exigido para aclimatar o corpo para enfrentar a montanha de quase nove mil metros de altura
—, e de mais de doze horas de escalada, meu namorado realizou seu maior sonho. Eu vim
acompanhá-lo como apoio moral e fiquei na segurança do acampamento, acompanhando sua escalada
pelo radiocomunicador. Mal dormi desde que ele começou a ascender a montanha junto dos clientes
do Aventura Selvagem, dos alpinistas que ele contratou para a expedição e dos sherpas.
Ele grita mais uma vez e sorrio, contagiada pela felicidade dele, imaginando-o lá em cima
todo feliz pela sua conquista. Filippo chegou ao cume do Everest. Eu converso com ele por uns dois
minutos — quero saber se ocorreu tudo bem, se ele não está machucado, se tem oxigênio auxiliar o
bastante para a descida, como está o clima lá em cima, se ele não está cansado demais — e só então
deixo que a equipe de campo converse com Filippo e oriente a logística para o regresso dele, dos
clientes e dos demais alpinistas. O alívio por ele ter chegado bem dura só enquanto ele está
apreciando o topo, prometendo me trazer algumas fotos de lá. Quando começa a regressar — cerca
de meia hora depois de ter chegado ao cume e respeitando o tempo limite de retorno —, a
preocupação me acerta com toda força porque a descida é tão perigosa quanto a subida.
Doze horas depois, ele está no acampamento base e eu o estou abraçando com toda força,
ignorando que seu corpo todo está gelado, que Lipo está abarrotado de equipamentos e roupas de
escalada na neve, precisando de cobertores e chás quentes. Eu só quero senti-lo e matar a saudade
dele.
Três dias depois, assim que meu namorado está bem recuperado da sua aventura mais
perigosa, nós estamos em um dos hotéis no Tibete, comemorando sua conquista antes de voltarmos
para casa. Filippo está algemado na cama enquanto eu o cavalgo com maestria, sentindo o orgasmo
se formar no meu ventre. Sua cabeça está para trás, os olhos apertados, os lábios entreabertos e ele
gemendo rouco.
— Goze, Lipo. — Permito depois de fazê-lo se segurar muito.
O gemido dele é mais rouco e alto um instante mais tarde, todo o indício que sei que está
gozando. Eu encontro meu próprio ápice logo em seguida e desabo sobre seu tórax definido,
completamente exausta e cansada. Fico aconchegada em cima dele por um tempo, recuperando as
batidas do meu coração e apreciando seu suor e calor.
— Bianca… — ele me chama com um sussurro. Afasto-me o suficiente para olhá-lo. — Vem
morar comigo?
Pisco duas vezes, processando o que acabou de me pedir.
— Morar com você?
— É. — Ele se ajeita na cama da melhor maneira que pode por causa das algemas. Eu saio de
cima dele e pego minha mala sobre a poltrona do quarto onde está guardada a chave do acessório. —
Vir morar comigo, sabe? Dividirmos a cama, a pia do banheiro, o closet e o mais importante: as
despesas da casa.
Gargalho e me sento ao seu lado, revirando a bagagem atrás da chave.
— Só pra isso que quer que eu vá morar com você?
— Já viu o valor da taxa de condomínio daquele apartamento, Bianca? — Dou um beliscão
nele, que gargalha do seu jeito gostoso e contagiante. — Então, você vem ou não?
Paro de revirar a mala e o olho com atenção.
— Com uma condição: o lado esquerdo da cama é meu.
— Eu amo o lado esquerdo da cama — resmunga e faz uma careta por causa das algemas. Eu
volto a procurar as chaves e sentencio:
— É isso ou eu não vou.
Ele ri baixinho e diz:
— O lado esquerdo da cama é seu, mas você passa pano no chão. Deus, eu detesto passar
pano no chão. Pode deixar todas as tarefas domésticas pra mim, Bianca, mas não me pede para
passar pano no chão!
Rio de novo, conhecendo o ódio gratuito que ele tem por essa tarefa doméstica. O sorriso em
mim vai sumindo conforme reviro a mala e não encontro a maldita chave. Ele pede para eu soltá-lo
logo porque os pulsos estão doloridos e eu jogo tudo na cama, agora genuinamente preocupada.
— Cadê as chaves, Bianca?
— Eu… eu não sei. Deveriam estar aqui!
Corro pegar as outras bagagens e reviro uma por uma, mas não encontro as malditas chaves.
Não é possível que eu tenha as esquecido no Brasil, é? Não, não, não. Faz dois meses que as algemas
estão comigo na minha mala e só tivemos a chance de usá-las hoje, uma vez que estávamos no
acampamento, dormindo em barracas e enfrentando um frio cortante. Puxo pela memória se eu
realmente as peguei e as coloquei na bagagem. Eu tenho quase certeza que sim.
Quase…
— Bianca, cadê as chaves?!
Suspiro e o encaro com hesitação.
— Eu acho… que as esqueci no Brasil.
— Você… você o quê?!
Enrolo meu corpo em um roupão e procuro pelas malditas por mais cinco minutos. Reviro
cada peça de roupa, cada reentrância das malas e cada bolso. Confiro as mochilas, necessaire e
carteiras. Nada. Eu ainda estou procurando quando ele começa gargalhar. Viro-me na sua direção e
Filippo está até com os olhos marejados de tanto rir. Qual é a graça, afinal?
— Você é azarada — me acusa e ri de novo. — É claro que esse tipo de coisa tem que
acontecer conosco ou não seríamos nós dois.
Sento-me ao seu lado de novo e não seguro uma risadinha pelo ridículo da situação.
— Pelo menos você não me deu um chute na cara.
— Vou pedir ajuda na recepção do hotel.
Ele baixa o queixo para seu quadril.
— Acho melhor descartar a camisinha e me cobrir antes. Não queremos surpreender os
tibetanos com meus dotes genuinamente brasileiros, não é?
Seguro outra gargalhada e faço o que me pediu. Antes de descer até a recepção do hotel,
Filippo me pede um beijo.
— Amo você, mas se continuar me colocando nesse tipo de situação, eu serei obrigado a te
deixar.
— Não se você continuar algemado — respondo e ele ri. — Amo você, não saia daqui.
— Não pretendo ir a lugar algum.
Na porta, antes de descer, eu olho para trás. Não só para Filippo, mas para tudo que
passamos até aqui, relembrando cada momento que tivemos juntos, os mais quentes, os mais
divertidos, os mais família, os mais difíceis, e me dou conta de que valeu a pena viver todos eles ao
lado de Lipo. Hoje sei que eu teria me arrependido muito se tivesse deixado meu passado ditar todo
o meu presente e meu futuro. Eu teria me arrependido se continuasse com medo e insegurança a ponto
de deixar escapar esse homem incrível.
Demorei a compreender que Filippo seria bom para mim. Criei resistência, tive muito medo,
e por um tempo, preferi estar distante dele e sofrer com isso a me arriscar e colocar meu coração em
jogo, pelo medo de sair magoada. Eu resisti por muito tempo, mas aos poucos, eu fui me rendendo.
Rendendo-me ao seu sorriso fácil, ao jeito safado, às suas risadas escandalosas, ao jeito de menino,
às suas piadinhas e frases maliciosas, à sua sinceridade, às brincadeiras “quinta série”, ao seu lado
aventureiro, às vezes que me obrigou a ver filmes da Barbie, ao seu companheirismo e amizade.
Eu me rendi a Filippo Massari e continuo me rendendo a ele todos os dias. E foi a melhor
decisão que já tomei.
Conheça o primeiro volume da duologia, a história de Poala e Liam. Disponível em:
https://bit.ly/LivroUmDeliciosaObsessão

SINOPSE:
Paola Massari estava magoada. Depois de descobrir que o marido levava uma vida dupla e
que chegou a ter outra companheira, ela está prestes a pedir o divórcio. Antes disso, porém, o
sentimento de se sentir vingada por anos de traição é maior e isso a faz tomar uma atitude precipitada
de procurar Liam, advogado e colega do seu futuro ex-esposo, e propor passar uma única noite com
ele.
Há dez anos, desde que voltou para a cidade, Liam Azevedo cultiva uma paixão platônica por
Paola — irmã caçula do seu melhor amigo —, o que também nunca foi segredo para ninguém. Ao ser
procurado, ele agarra sua chance com ela, mesmo que por apenas algumas poucas horas.
Era para ser uma única noite. Nada mais que uma noite. Mas então Paola continua o
procurando todas as vezes. O que era para ser um caso rápido, se torna uma frequência deliciosa e
obsessiva de encontros quentes às escondidas sem que pensem muito nas consequências que a paixão
explosiva deles pode trazer. Liam está advogando a favor do marido dela no processo de divórcio,
além de ter prometido ao melhor amigo que jamais chegaria perto de sua irmã caçula.
Como se nada disso bastasse, o coração de Liam está em jogo. Enquanto ela não quer nada
mais que sexo casual porque ainda não se sente preparada para outra relação tão já, ele aceita todos
os termos e tenta não criar esperanças com a mulher por quem sempre foi apaixonado.
Dizem que a vingança é um prato que se come frio, mas eu sou impaciente e vou comê-lo
escaldante mesmo.
Ergo os olhos para o edifício à minha frente e inspiro fundo, tomando mais um pouco de
coragem. Eu me identifico na portaria e o funcionário, um senhor simpático que tenho a impressão de
que faz poucos dias que começou a trabalhar aqui, pede um minuto para me anunciar. Aguardo
impacientemente, sentindo meu estômago se revirar, e aperto minha bolsa contra o corpo. Troco o
peso da perna e aliso o vestido preto, perguntando-me se fiz a escolha certa para a ocasião. O
vestido, a lingerie, os saltos, a maquiagem, o cabelo. Não tive muito tempo para me arrumar, então
precisei improvisar e espero que seja o suficiente. O porteiro diz algo ao telefone e depois se volta
para mim, analisando-me de cima a baixo.
Como disse que se chama, senhora?
— Paola Massari.
— Paola Massari. — Repassa a informação ao telefone. — Sim, sozinha. Tudo bem.
O porteiro coloca o aparelho no gancho e me olha.
— O doutor Azevedo liberou sua subida.
Mordo o lábio inferior segurando uma risadinha. “Doutor Azevedo”? Acho que nunca vi
alguém tratá-lo pelo sobrenome. O funcionário abre o portão de entrada para mim e me deseja boa-
noite conforme avanço condomínio adentro. Desejo o mesmo e tomo o elevador até o décimo sexto
andar. Mal me aproximo da sua porta quando ela se abre. O homem surge dentro de um terno muito
bem ajustado, os cabelos castanho-claros perfeitamente no lugar, os olhos cinzas curiosos com minha
presença.
— Doutor Azevedo? — debocho. — Doutor Liam combina melhor com você, na minha
humilde opinião.
Ele se encosta ao batente da porta e abre um sorriso sucinto. Conheço esse homem há muito
tempo e confesso que poucas vezes na vida vi algo além de seriedade no seu rosto malditamente
bonito.
— Só o Cícero me chama de doutor Azevedo. Não me pergunte por quê.
Sorrio e, de repente, fico deslocada e desconfortável. O humor em meu rosto vai esmaecendo.
Eu realmente vim procurá-lo com as intenções que estão permeando minha mente? Vim. O desejo de
desistir está aqui, mas o desejo de me sentir vingada é maior.
— O que está fazendo aqui, Paola? — pergunta, completamente sério.
— Podemos conversar?
Ele me olha por um instante inteiro antes de fazer um gesto subentendido para eu entrar. Seu
apartamento está organizado, tem música baixa tocando em algum lugar e a mesa de jantar está posta.
Fico sem graça ao notar que atrapalhei seu momento.
— Desculpe. Eu posso voltar outra hora.
— Ou você pode ficar e jantar comigo — diz, caminhado até um armário perto da mesa. Ele
retira outro jogo de louça e as distribui frente a que já está ali enquanto pergunta: — Quer beber
alguma coisa?
Movo a cabeça de um lado a outro. Preciso estar completamente sóbria para o que quero
fazer. Se ele aceitar.
— Agradeço e também dispenso o jantar — digo e olho no meu pequeno relógio de pulso. —
Mal são oito da noite. Um advogado importante como você não deveria estar trabalhando ainda?
— Hoje foi uma daquelas raras ocasiões em que consegui deixar o escritório no meu horário.
Ele me deixa um instante sozinha. Quando volta, está segurando uma taça de vinho.
— Sente-se. — Aponta para o sofá logo atrás de mim e se acomoda no outro, ficando à minha
frente. Aceito a oferta e deixo minha bolsa ao meu lado. — Quanto tempo mais vai durar esse
mistério? — Ao perguntar, ele bebe um pouco do seu vinho e apoia a taça em uma mesinha logo ao
lado.
— O Bruno vai te procurar. Em breve. — Liam franze o cenho e cruza as pernas, a cabeça
tombando de lado. — Vou pedir o divórcio.
O entendimento toma o rosto dele um segundo depois: a boca se entreabre, as sobrancelhas
sobem, e ele se inclina ligeiramente na minha direção.
— Divórcio? — repete, como se quisesse confirmar que entendeu direito.
Assinto e meu coração se aperta ao me lembrar do motivo. Não quero chorar por causa
daquele cretino idiota. Eu me segurei bem até aqui, desde que descobri toda a verdade. Mais cedo,
fui forte e me segurei quando Mattia, meu irmão mais velho, me contou tudo. Eu me segurei na frente
dos meus pais e irmãos durante o almoço porque não queria estragar o momento no qual o
primogênito contava a novidade que deixou toda a família radiante. Eu me segurei durante o restante
do dia enquanto atendia meus pacientes na minha clínica odontológica. Agora, entretanto, estou
sentindo que vou desabar a qualquer momento.
Acho que não aguento mais.
Pisco um par de vezes para afastar as lágrimas dos meus olhos. Ergo a cabeça e me concentro
em não chorar. Não na frente do Liam. Não enquanto não chegar em casa e descarregar toda minha
raiva no idiota que por muito tempo chamei de marido. Só depois disso, vou me permitir chorar.
— Ele me traiu — sussurro, ainda olhando para cima. Fico em silêncio por um segundo antes
de continuar: — Fui idiota o suficiente para perdoá-lo porque acreditei na palavra da Lauren de que
tinha sido só uma noite. Fui idiota o suficiente para acreditar no arrependimento dele.
— Me situa, Paola. Lauren é a garota que dormiu com o Bruno? Você falou com ela?
Dou uma risada esganiçada e aperto os olhos, dando-me conta de que Liam não está sabendo
o que aconteceu.
— Há algumas semanas, essa menina me procurou, disse que passou uma noite com o Bruno e
engravidou dele. Trigêmeos. — A expressão de Liam fica mais severa e é toda a indicação de que
está reagindo ao que estou contando. — Lauren me contou que não sabia que ele era casado, ele
pediu para não contar nada, mas ela não achava justo que eu não soubesse.
— E você o perdoou — indica, roçando o indicador nos lábios, os olhos concentrados em
mim.
— Não vou te dar os meus motivos para eu o ter perdoado — respondo, dando de ombros. —
Não vem ao caso agora. Acontece que, hoje, Mattia foi me buscar no consultório para almoçarmos
em família porque ele tinha uma novidade para contar. — Movo a cabeça de um lado a outro, ainda
sendo difícil para mim digerir essa maldita coincidência. — Então, ele comentou da traição do
Bruno. Fiquei surpresa porque não contei para ninguém da minha família. Foi quando me explicou
que conhecia a Lauren, que tinha dormido com ela um ano e meio atrás, os dois se reencontraram no
sábado e ele descobriu que os trigêmeos são na verdade dele.
— Meu Deus, que enredo de novela mexicana — diz, a voz um tom mais baixo.
— Bruno e Lauren tiveram um relacionamento por uns dois anos. — Outra risada sem humor,
outro esforço para não desabar em lágrimas. — Ele a pediu em casamento, acredita? — Liam não
responde. — O desgraçado conseguiu enganar nós duas. Lauren descobriu a farsa no mesmo dia que
conheceu o Mattia e só não me contou a verdade por completa semanas atrás porque quis me poupar
de uma decepção maior.
Relato a história que meu irmão nos contou hoje em volta da mesa, como e onde os dois se
conheceram. Liam ouve atentamente, sua expressão sempre séria, pernas cruzadas, indicador nos
lábios.
— Eu o perdoei a primeira vez porque acreditei no arrependimento dele, acreditei que tinha
sido só uma noite. Um deslize, um erro. Todo mundo comete erros, não é? — Balanço a cabeça de um
lado a outro. — Não sou capaz e nem quero perdoá-lo por ter tido uma vida dupla. Assim que voltar
para casa, vou pedir o divórcio. Como você é amigo do Bruno e trabalha na área familiar, ele vai te
procurar.
Liam semicerra os olhos na minha direção e ajusta a postura no seu lugar. Muito calmamente,
pega a taça de vinho e dá outro gole na bebida.
— Certo. E como isso tudo explica sua visita?
Engulo em seco sentindo o coração disparar. Eu já tinha ponderado que a ideia era
vergonhosa e ridícula o suficiente, ainda assim, vim. Continuo achando a ideia vergonhosa e ridícula
o suficiente, mas não vou voltar atrás. O pior que pode acontecer é Liam não aceitar.
Devagar, eu me levanto do meu lugar, seus olhos cinzas seguindo cada movimento meu. Dou
um passo na sua direção, inspiro fundo, levo a mão as alças do meu vestido e abaixo uma por uma. A
peça cai até minha cintura e fica presa ali. Toda a reação de Liam é se encurvar ligeiramente na
minha direção. Meu peito sobe e desce em uma respiração irregular, meus batimentos cardíacos
acelerados como motor de carro de corrida.
— Eu quero dormir com você — digo em um sussurro.
Liam tomba um pouco a cabeça de lado, observando-me. Ele fica em silêncio por segundos
que acho longos demais. E é nesse momento que começo a me arrepender. Ele e Bruno são amigos e
não sei até onde vai a lealdade dele em relação ao meu marido. Não sei até onde vai a lealdade de
Liam em relação ao meu segundo irmão mais velho, Filippo, porque os dois são melhores amigos há
quase quinze anos.
— Quer que eu seja seu brinquedinho de vingança? — aponta, a voz baixa, rouca, uma pitada
de desagrado parecendo impregnada nas sílabas. Empino o nariz tentando não me deixar abalar nem
sentir vergonha do que estou fazendo. Se ele disser não, recoloco meu vestido, pego o resto da
dignidade que me sobrar e vou embora. — Não.
Havia cinquenta por cento de chances de ele me dar essa resposta, e eu vim aqui
completamente ciente disso. Mesmo assim, sua negativa me impressiona. Liam nunca fez questão de
esconder que tem algum sentimento por mim. Isso nunca foi segredo para ninguém — nem para o meu
futuro ex-marido idiota —, e por esse motivo, sua recusa me pega de surpresa. Eu realmente pensei
que ele fosse aceitar.
— A quem está sendo leal? — pergunto, mantendo-me no meu lugar. Liam se recosta na sua
poltrona, bebe outro gole do seu vinho e apoia a taça na mesma mesinha ao seu lado. Cada
movimento é feito sem desviar os olhos dos meus. — Está sendo leal ao sacana do Bruno ou está
sendo leal ao meu irmão?
— Sempre respeitei seu casamento com Bruno — responde, e a calma que esse homem exala
começa a me irritar. — Teria respeitado seu casamento com Bruno até o final mesmo se você
aparecesse nua na minha frente. Isso — ergue o indicador — se ele tivesse o mínimo de caráter. Pelo
que acabou de me contar aqui, não é algo que esteja sobrando no meu amigo. Então, eu dormiria com
você de qualquer maneira, ainda que quisesse me usar apenas como um brinquedo sexual de
vingança.
Liam troca o cruzar das pernas e mais uma vez se ajeita no seu lugar, como se procurando por
uma posição mais confortável. Ele não tira os olhos de mim, e eu gosto que sua atenção esteja no meu
rosto na maioria do tempo, não no meu busto à mostra, apesar de a intenção quando me despi da
cintura para cima fosse atrai-lo. Contenho uma risada histérica pelo ridículo da situação. Eu, seminua
na frente dele depois de receber uma negativa, tendo uma conversa ainda mais ridícula. Se sua
lealdade não está em Bruno, então está em Filippo. Meu irmão nunca gostou que seus amigos se
envolvessem comigo, e Liam foi leal desde sempre, mesmo nos momentos em que estive solteira.
— Em relação ao seu irmão… — continua, ainda muito sério. — Não deixaria de dormir com
você por causa dele, e isso nada tem a ver com lealdade. Você é uma mulher adulta, eu sou um
homem adulto, e Filippo não pode ter controle sobre nossas vidas.
Pisco duas vezes assimilando o que me disse. Se Filippo nunca foi o problema para Liam se
aproximar de mim quando eu era solteira, por que nunca o fez então?
— O que está me impedindo de sair do meu lugar e te dar o melhor orgasmo da sua vida,
Paola, é não ter certeza do quanto você de fato quer isso. — Penso em protestar, mas ele segue
argumentando: — Você está magoada, com raiva, agindo por impulso. Não preciso que amanheça na
minha cama e se arrependa. Além disso, não vou me aproveitar do seu momento de vulnerabilidade.
Inspiro fundo e termino de tirar meu vestido. Noto quando Liam trava o maxilar, os olhos
descendo até a cinta-liga branca.
— Aprecio sua preocupação. — Passo a peça pelos meus pés e a chuto na sua direção. Ele
agarra o tecido com algum susto no seu rosto e não diz nada. — Estou, sim, com raiva, magoada e
agindo por impulso, mas só vou me arrepender de dormir com você se não me comer como eu
mereço. E não diga que estou vulnerável porque não estou. Eu sei muito bem o que quero e quero que
você me coloque naquela sua mesa de jantar e me foda como sempre desejou.
Ao terminar de falar, sinto meu coração em disparada — mais do que já estava segundos
antes —, mas mantenho minha postura. Tenho certeza do que quero e não posso dar qualquer
demonstração de que não sei o que estou fazendo. Muito devagar, Liam se levanta e se aproxima de
mim. Preciso erguer meus olhos aos seus porque o homem mede ao menos um metro e noventa e isso
é pelo menos vinte centímetros a mais do que eu tenho.
Sua mão forte vai delicadamente até minha nuca, e ele me puxa para seu corpo. Sinto sua
respiração muito mais regulada do que a minha e encaro os olhos sem emoção que ele sempre
carregou consigo.
— Tem certeza do que quer?
Levo minha mão até o vão das suas pernas e sorrio ao sentir que ele já está duro.
— Eu tenho. — Acaricio seu membro em uma tentativa de arrancar qualquer outra reação
desse homem, mas tudo que consigo é mais do mesmo: ele trinca o maxilar, as narinas expandem e as
pupilas dilatam. — Preciso deixar uma coisa muito clara, Liam. Sei que gosta de mim e isso nunca
foi segredo para ninguém. — Ele assente, sua mão na minha nuca em uma carícia sensual, os olhos
nos meus lábios. — Vai ser só uma vez. Apenas essa noite. Não crie esperanças nem expectativas.
Ele me olha, impassível como sempre.
— Só o seu brinquedinho sexual de vingança — diz, mas não há raiva, mágoa ou
desapontamento no seu tom.
— Vou entender se não quiser. Se não for com você, vai ser com outro, isso eu garanto.
Um sorriso mínimo surge nele, que se inclina na minha direção e deixa sua boca muito
próxima da minha.
— E perder a chance de sentir o seu gosto e te foder até você não aguentar mais como eu
sempre quis? — Sua mão livre vai à minha cintura e sou puxada com mais força na sua direção,
chocando-me contra seu tórax firme. — Me use, Paola. Me use como você bem entender.
— Só essa noite, Liam — reforço, erguendo um pouco os pés para vencer a pequena distância
entre nossos lábios. — Só essa noite.
Antes de me beijar, ele sussurra:
— Será o suficiente.
Conheça os livros anteriores da família Massari. Disponíveis na Amazon e Kindle
Unlimited.

Operação Bebê a Bordo | Louise e Arthur


Disponível: https://bit.ly/OBaBDR

SINOPSE
O maior sonho de Louise Ventura sempre foi ser mãe. Fugindo de relacionamentos e
preferindo não conceber um bebê por vias não-convencionais, ela arrisca engravidar de um
desconhecido qualquer cuidadosamente escolhido em um site de relacionamentos, se dedicando à
maternidade solo e ao seu trabalho no ramo de multimídia.
A vida de Arthur Massari sempre foi focada em trabalho, com pretensões ambiciosas de fazer
seu negócio em produção de multimídia crescer cada vez mais. Ao fundir sua empresa com outra, ele
reencontra a garota fogosa com quem dormiu meses antes. Para sua surpresa, ela está grávida. Ter um
filho fora do atual noivado era a última coisa que ele esperava, mas é exatamente o que acontece
quando descobre que o filho é seu. Ele pretende fazer seu papel de pai, mesmo que isso signifique ter
de lidar com uma noiva abusiva e comprometer seu noivado.
Acompanhando o pré-natal, um sentimento de carinho, amor, amizade e cumplicidade nasce
entre os dois e fica cada vez mais impossível resistir a um iminente romance.

CAPÍTULO 01
Louise

Momentos desesperados pedem medidas desesperadas.


Engravidar de um completo estranho que ainda vou conhecer pessoalmente é uma medida
muito desesperada? Talvez. Mas é o que temos para hoje.
Mordo a pontinha do dedo indicador, meus olhos fixos na tela do celular — “Arthur está
digitando…” — enquanto penso na loucura que estou prestes a cometer e o espero responder à minha
mensagem. Eu o escolhi a dedo semanas atrás. Alto, cabelos castanhos e ondulados, barba não muito
cheia, mas também não muito rala, e olhos âmbar. Pelas fotos dele sem camisa do aplicativo de
namoro, mantém a academia em dia. Abençoada seja a sua genética porque é com ele que vou fazer
um filho.
Sempre quis ser mãe, como sempre repeli relacionamentos. Então, uma coisa puxou a outra, e
aqui estou. Perto de entrar na casa dos trinta anos, já com a vida estabilizada, é hora de ter um bebê.
De uma forma um pouco mais tradicional, isso acabaria por exigir que eu tivesse um homem a
tiracolo. A maternidade solo existe mesmo na vida de mulheres casadas, mas se é para ser mãe solo,
prefiro ser sem ter um marmanjo como brinde desagradável.
Eu poderia optar por uma inseminação artificial, mas a probabilidade de uma gestação
gemelar é de quinze por cento contra um por cento de chance por vias naturais. Vou ficar satisfeita e
muito feliz em ter apenas um bebê; por isso, prefiro não arriscar. Além do mais, já tem alguns meses
desde a última vez em que estive com um cara. Vou juntar o útil ao agradável.
“Estou ansioso para te conhecer. Duro só de pensar nas coisas que vamos fazer no motel”.
Sorrio um pouco, digitando uma resposta. Nós temos flertado desde que demos match no app.
Arthur não foi acanhado na nossa primeira troca de mensagens e já começou com baixaria. Não nego,
amei. Ele não fez nada que eu não tenha dado liberdade para fazer e, por isso, ganhou um pontinho
positivo comigo. Durante as semanas em que fomos nos conhecendo até eu me decidir se ele seria ou
não o pai do meu filho, trocamos todo tipo de mensagens. Das mais picantes às mais banais, e de
alguma forma, ele conquistou meu carisma. O homem aparenta ser bacana. Não me falou muito da sua
vida pessoal ou profissional, tudo o que sei é que trabalha em uma empresa importante (em que
cargo, fica o mistério), tem trinta e dois anos e vem de uma família de classe alta. Eu também não
falei muito de mim para ele — ora, se o moço quer fazer suspense, também vou fazer — e comentei
apenas o básico, o que, de qualquer forma, pareceu o suficiente para decidirmos marcar um encontro.
A intenção é só dar uma trepada. Desnecessário saber qualquer coisa além do básico.
“Cê tá muito seguro de si. Vamos ver se é isso tudo”.
“O que ganho se eu for ‘isso tudo’?”.
É impossível não sorrir. Ele não me parece do tipo egocêntrico convencido com mania de
grandeza. Talvez seja muito seguro de si ou é só um cara com um humor contagiante.
“Se quiser, mais encontros”.
Mordo o ponta do dedo indicador, esperando pela sua resposta. Quero garantir que vou
engravidar desse homem. Por isso, planejei minuciosamente que eu o encontre mais algumas vezes
durante meu período fértil. Depois, dou uma pausa até confirmar que engravidei e, confirmado, sumo
do mapa. Não tenho pretensões nenhuma de contar para ele sobre a gravidez.
“Prometo que vou ser um menino bem empenhado, nesse caso. Nem te experimentei, mas já
quero repetir a dose”.
Balanço a cabeça de um lado a outro porque, estranhamente, gosto do humor de Arthur.
Mesmo que ainda não o tenha conhecido frente a frente, ele desperta algo diferente em mim. Eu
envio:
“E se eu não for isso tudo?”
“Não duvido que seja um mulherão da porra na cama e fora dela. Confie no seu potencial. E
que potencial, hein?!”, responde e, junto, manda um print de uma foto minha que ele deve ter achado
no meu álbum de fotos do Facebook. A fotografia em questão tem três anos e eu estava no litoral, ao
pôr do sol, de costas para o fotógrafo e com os braços estendidos.
“Stalkeando minhas redes?”
“Lógico. Uma gata que nem tu e eu não ia te perseguir ciberneticamente?”
“Besta. Vou me arrumar, Arthur. Te vejo em breve. Beijos.”
Deixo o celular de lado e me levanto, correndo para o banheiro tomar um banho. Escolho uma
lingerie sexy, me perfumo mais do que o comum e faço uma maquiagem básica. Confiro se estou com
todos meus pertences — carteira, documentos, dinheiro, celular, carregador e camisinhas.
Camisinhas todas furadas. Comprei meia dúzia delas e violei a embalagem com um alfinete. Ele nem
vai desconfiar.
Como não sou nenhuma irresponsável de furar camisinhas e correr o risco de pegar uma DST,
inventei qualquer desculpa que eu poderia querer sexo oral entre nós, mas que detestava fazer com
preservativos. É como chupar bala com a embalagem. Então, combinamos de fazer exames das
principais IST, incluindo a HPV que merece um exame específico. Ele me mandou os dele dois dias
atrás tudo bonitinho: seu nome completo no exame, a data de que foi feito naquela semana, clínica
conhecida na cidade, carimbo do médico que avaliou os resultados com CRM, que, claro, fui procurar.
Confiro as horas. Quase sete da noite. Preferia que a gente se encontrasse mais tarde, mas
acabou que nós dois temos compromissos. Eu combinei de encontrar umas amigas em um barzinho
não muito longe do motel onde vamos estar (escolhi um logo nas redondezas para não me atrasar
muito), e ele não especificou que compromisso tem, mas disse que tem. Combinamos que vamos ficar
juntos por, no máximo, uma hora. Em uma próxima oportunidade — que garanti que seria amanhã —
vamos nos ver de novo e fazer “direito”. Podíamos ter deixado para o dia seguinte e aproveitarmos
melhor, mas não quero perder o primeiro dia do meu período fértil e também porque essas semanas
todas de flertes e trocas de mensagens safadas mexeram com todos meus hormônios e estou que não
me aguento para dar para ele.
Chamo um Uber e, no trajeto, compartilho minha localização com Arthur por segurança. O
percurso é rápido e, quando chego, ele está me esperando na porta do motel, em um carro esportivo
como indicativo que ele realmente trabalha em uma empresa importante em um cargo alto. Talvez
muito alto. Prendo o ar conforme avanço na sua direção. O homem é tão bonito que deveria ser
pecado capital e crime contra a humanidade. Se Deus fez coisa melhor, guardou só para ele.
Encostado ao Ford Mustang branco, Arthur usa um terno casual azul-royal e sapatos que devem
custar meu salário do mês. O sorriso nele ilumina toda a noite e faz minhas pernas bambearem por
um instante. Bonito, rico, carismático. Se for bom de cama, é capaz de eu me apaixonar.
Mentira. Não vou me apaixonar, não. Por mais bonito, rico, carismático e bom de que cama
ele possa ser. Risca isso da lista porque essas qualidades também são sinônimos de encrenca. Longe
de mim me amarrar a homem que vai me dar dor de cabeça.
— Você é ainda mais linda pessoalmente — Arthur diz, desencostando-se do carro e vindo na
minha direção.
Solto o ar que estava preso até agora e sorrio, um pouco sem jeito com o elogio. Avalio-o dos
pés à cabeça e preciso concordar com a mesma coisa. Ele é ainda mais bonito em carne e osso.
Sequer tenho tempo de retribuir o elogio porque, no instante seguinte, sua mão direita está na minha
cintura e sua boca está vindo para a minha. Ele me puxa com força de encontro ao seu tórax duro —
Deus, e que tórax duro! — e me dá um beijo exigente, cheio de pegada. Fico sem ar conforme me
devora, intenso, lascivo, quente e apaixonante. Se o homem é bom assim apenas com um beijo, vou
ficar devastada na cama. Adoro.
— Acho que já perdemos tempo demais, não acha, Louise? — Meu nome na sua boca faz
minhas coxas apertarem. É sexy e gostoso de ouvir.
Com apenas um aceno, ele me leva para seu Mustang, abre a porta do passageiro e contorna o
veículo. Avançamos motel adentro, e ele resmunga alguma coisa sobre preferir ter ido me buscar.
Dou uma desculpa de que não queria incomodá-lo, mas a verdade é que não quero que saiba meu
endereço. Se ele gostar da fruta, Deus me livre ir me procurar e descobrir que estou grávida. Pode
ser que ele faça como quase seis por cento dos homens brasileiros e não assuma a criança, mas pode
ser daqueles que quer assumir, estar presente, por mais raro que seja. Prefiro me prevenir.
Cinco minutos depois, estamos no quarto. Arthur reservou uma suíte bem luxuosa, com uma
cama redonda bem no meio do ambiente, espelho no teto e banheiro com hidromassagem. Ele entra
primeiro e fecha a porta. Ainda estou observando tudo à minha volta quando o homem me puxa pelo
punho e vem na minha direção. Preparo-me para o impacto da sua boca na minha, que vem como um
tsunami. Arthur é exigente. Ele segura na minha cintura com força, aperta-me e depois começa a
desabotoar minha camisa cambraia.
Não ofereço nenhum tipo de resistência e me entrego. Sou conduzida até a cama, ele vindo
por cima do meu corpo. Seus beijos se espalham por toda minha pele, começando ao pé do ouvido e
descendo até meu colo exposto agora pela camisa aberta. Ergue o olhar para mim quando se depara
com o sutiã de renda e brinca um instante com a peça antes de enfiar o rosto entre meus peitos e
puxá-los para fora, circulando a língua nos meus mamilos endurecidos. Suspiro, gostando do choque
que seus dentes causam nessa parte sensível.
— Vamos mesmo fazer sexo oral? — pergunta, esfregando lentamente sua virilha na minha.
Sinto sua ereção em mim e dou uma olhadinha para baixo. Parece ter um tamanho considerável.
— Eu ponderei e tudo mais, só que…
— Só que…? — Ele me olha, sua boca ainda presa ao meu seio esquerdo.
— Podemos ir com calma? Achei que estivesse confiante o suficiente, mas não me sinto à
vontade ainda para fazermos isso.
— Não deu tempo de deixar a depilação em dia? — sussurra, resvalando o nariz pelo meu
pescoço. — Se for isso, eu não me importo. Não tem que se importar também.
Rio um pouco, impressionada com a falta de filtro desse homem.
— A depilação está em dia, sim. Só não estou preparada como achei que estaria. Mais
especificamente, não me sinto preparada para fazer com você.
Não é mentira. Eu não consigo me sentir bem em receber ou fazer sexo oral com um cara que
não tenho certa intimidade. Arthur é só uma trepada casual que, assim espero, não vai durar mais que
uma semana. Pretendo repetir a dose durante meus dias férteis, mas não vou procurá-lo mais a ponto
de pegarmos intimidade para que possamos nos proporcionar esse tipo de prazer.
— Tudo bem. Quem está perdendo uma linguada deliciosa na boceta não sou eu.
Estapeio seu ombro e gargalho por um momento, sua risada rouca e grave me acompanhando.
Até a risada desse homem é perfeita. Universo, me ajuda aqui, por favor? Manda só um defeitinho.
Um assim, de nada, que eu possa usar como pretexto para não querer mais vê-lo nunca mais. Porque
confesso que está difícil.
— Vamos parar de falar tanto e ir ao que interessa? Por que ainda está vestido, para começo
de conversa? Tira logo essa roupa que eu quero te usar.
Ele dá outra daquela risada gostosa e se ajoelha na cama, passando a se despir. Arthur tem
um aroma gostoso que, convenhamos, não sou capaz de descrever porque sou uma capivara para
perfumes masculinos. Mas é um cheiro forte, inebriante e delicioso. Tem cheiro de perfume
importado e caro — isso sou capaz de reconhecer. Sento-me na cama, apreciando o espetáculo que
se desenrola na minha frente. Primeiro, ele tira o blazer. Depois, sem desfazer nosso contato visual,
ele desabotoa a camisa branca.
— Nesse tanquinho, eu lavava roupa todo dia — brinco, mordendo a pontinha do lábio
inferior.
— O tanquinho não faz nada sem uma boa torneira, não concorda? — devolve, em um tom
que é uma linha tênue entre o bom humor e a malícia.
Maneio a cabeça concordando, ansiosa pela parte mais interessante e esperada desse show
particular. Lentamente, o homem tira a calça. A boxer preta bem colada nos quadris marca sua
ereção. Passo a língua pelos lábios, admirando seus atributos. Ele sorri daquele jeito convencido e
baixa a cueca. Seu pau pula para fora, completamente ereto. Não é nenhum vinte e cinco centímetros
— e Deus me livre que fosse porque gosto de fazer sexo, não de procurar petróleo no meu útero —,
mas tem um tamanho satisfatório. Dezesseis. Dezessete. No máximo, dezoito. Do tamanho que gosto.
É fácil de acomodar e, se um dia acontecer, fácil de engolir.
— Quer sentir o estrago que ele faz, Louise? — Arthur pergunta, envolvendo as mãos em
torno do membro pulsante.
Abro outro sorriso. Que autoestima da porra.
— Você tá fazendo promessas demais, Arthur — sussurro, subindo minha saia e me expondo
para ele. — Não prometa o que não pode cumprir. — Pego minha bolsa sobre a cama, retiro o
primeiro pacotinho de camisinha e jogo nele.
O homem pega no ar e enrola o látex em sua extensão. Ele vem para mim, tomando-me em um
beijo quente, suas mãos voando para o meio das minhas pernas.
— Vai ver que sou homem de palavra. Eu prometo, eu cumpro, Louise.
Derreto-me nesse momento. Derreto-me com seu toque na minha boceta, sua boca no meu
pescoço, e meu nome nos seus lábios. Ele não precisa de muito para me deixar completamente
entregue e excitada. Não sei se é a abstinência ou se ele que é bom demais com sua língua e dedos,
mas a facilidade com que fico molhada é impressionante. Rebolo nos seus dedos, que brincam
comigo e com a minha sanidade. Nem me importo com o sorrisinho convencido que dá enquanto
circula meu clitóris, sabendo que estou totalmente entregue e que ele é completamente incrível.
— Vem sentir o estrago, Louise — diz, ajoelhando na cama e me puxando para si. Ergue
minha perna esquerda até seu ombro e mantém a direita em torno da sua cintura.
Segurando o pau, ele o direciona para minha boceta e me penetra devagar. Agarro nos
lençóis, gostando da sensação que me acomete quando o tenho dentro de mim. O homem mal
começou a me comer e sei que está certo. Ele vai fazer estrago. Arthur se move devagar, mas a
lentidão dura pouco tempo. Em um minuto ou menos, ele está me comendo tão vigorosamente que a
cama sai do lugar.
Arthur promete e cumpre.
O estrago é delicioso.

Pulo do Uber depois de pagar a corrida e caminho para o bar. Minhas amigas já estão aqui,
animadas em uma conversa. Junto-me a elas na mesa, que me recebem com beijos e abraços. Peço
alguns aperitivos e cerveja e, por algum tempo, jogamos conversa fora e conto sobre meu encontro,
poupando-as da parte de que estou tentando engravidar. Laura vai embora cerca de meia hora depois
que chego, precisando ir levar o jantar para o irmão, que ela comprou por ali mesmo. Só nós duas,
Bianca quer saber como andam meus projetos na Conecta, e conto uma coisa ou outra porque não
quero saber de trabalho agora. Não muito tempo depois, ela também precisa ir.
Aceno e me despeço com um beijo. Fico na mesa, terminando minha cerveja e meu aperitivo
sozinha. Confiro meu celular e tem uma mensagem dele.
“Gostou do estrago?”
Rio um pouquinho e respondo:
“Acho que preciso de mais uma demonstração para ter certeza”.
“Seu pedido é uma ordem. Amanhã, às 22h?”
Mordo a pontinha do lábio inferior, meus olhos fixos na sua foto de perfil do aplicativo de
mensagem. Se o filho que fizer em mim tiver um terço dessa beleza vai ser de bom tamanho.
“Amanhã, às 22h., no mesmo motel.”

Três Vezes Pai | Mattia e Lauren


Disponível: https://bit.ly/TVPDR

SINOPSE

Eu estava quebrado.
Após um trauma brusco e doloroso, o homem que fui um dia não conseguia encontrar o
caminho de volta. Até que, em uma noite chuvosa, me deparei com uma desconhecida na estrada que
me ofereceu uma carona. Tão quebrada quanto eu, ela decidiu que uma única noite de sexo casual
sem envolver nomes era uma boa para um coração partido. Apenas uma noite, nada de nomes, apenas
um bilhete de despedida na manhã seguinte que me deixou arrasado.
Eu não poderia prever que aquela ocasião traria três pequenas e adoráveis consequências.
Sei que a garota teve que lidar com elas da melhor maneira que pôde enquanto, aos poucos, curava
seu coração. Foi por acaso que nós nos reencontramos e eu descobri que tínhamos três filhos. Agora,
havia uma razão para eu superar e seguir em frente: três crianças que precisavam de um pai de
verdade e a garota linda da noite chuvosa que eu nunca fui capaz de esquecer.

CAPÍTULO 1
Lauren

A chuva está impiedosa e bate com força contra o para-brisa do meu carro. Os limpadores
trabalham arduamente e, ainda assim, é difícil enxergar a estrada à minha frente. Uma música que não
gosto muito começa no rádio e pulo três faixas até uma que não me faça lembrar dele. Procuro pelas
horas e noto que são dez da noite. Torço para que, a essa altura, ele já tenha ido embora. Torço para
que quando eu chegar em casa, suas coisas já não estejam mais lá. Eu lhe dei algumas horas para que
se mudasse. Rodei por cidades a tarde inteira nesse meio-tempo, convencendo-me de que foi a
melhor decisão.
Claro que foi.
Limpo uma lágrima teimosa que escorrega pelo meu rosto e seguro o volante com mais força.
Não vou chorar por causa dele. Não vale a pena. Inspiro fundo e me concentro na música para afastar
a tristeza que ameaça avançar sobre mim de novo. Aquele homem já teve lágrimas demais de minha
parte. Chega de lágrimas.
Estou atenta à estrada quando vejo uma silhueta se formar sob os faróis do carro. Alguém está
caminhando no acostamento, à minha direita. Aperto os olhos para melhor enxergar e diminuo a
marcha. Conforme me aproximo, reconheço que é um homem. É alto, usa roupas esportivas —
bermuda, regata e tênis — e caminha debaixo de chuva em passos que não são nem apressados nem
lentos demais. A postura um pouco encurvada, entretanto, passa uma impressão de abatimento.
Quase parando, passo ao seu lado. O homem olha através do vidro do passageiro, seus olhos
encontrando os meus. Na pequena fração de segundos em que fazemos contato visual, noto que é
jovem, talvez entre vinte e cinco e trinta anos. E bonito. Freio a cinco metros dele, em uma atitude
impensada, engato a ré e acelero. Paro ao seu lado e abro a porta do passageiro.
— Quer uma carona? — ofereço de forma completamente irresponsável.
Dar carona a um homem desconhecido em uma estrada quase deserta a essas horas da noite?
É praticamente pedir para morrer. Ainda assim, não me importo o suficiente para ter medo ou me
preocupar. Ele não parece perigoso e confio nos meus instintos que sempre foram muito bons.
O rapaz fica imóvel. Os pingos de chuva encharcam seu cabelo loiro escuro e caem sobre
suas pálpebras, as íris fixas em mim por longos segundos. Ele olha melhor ao redor, talvez
ponderando se aceita a oferta, talvez calculando quanto ainda falta para chegar ao seu destino.
— Para onde está indo? — pergunta, piscando diversas vezes para afastar os pingos d’água.
— Santa Mônica. Você está indo para lá também? — Ele assente. — Entra — insisto. — Eu
te dou uma carona.
Ele aceita com um sorriso pequeno. Não pergunto o seu nome, embora fique curiosa em saber
por que estava solitário na estrada. Coloco o carro para andar e dirijo por dois minutos em silêncio.
— Está com frio? — Ao olhar para o rapaz, ele parece perdido enquanto observa o lado de
fora através do vidro. — Devo ter um casaco masculino no banco de trás.
Ele se vira para mim, sem sorriso dessa vez, as íris abatidas, até um pouco sombrias. Não
sinto medo apesar disso. Ele não aparenta ser perigoso. Só… entristecido. Com um movimento
silencioso de cabeça, ele encurva o corpo para trás e encontra o casaco, jogando-o sobre o ombro,
sem de fato vesti-lo.
— Não acha perigoso dar carona a um estranho? — Sua voz é baixa e um pouco rouca. Por
um instante, desvio o olhar para ele e percebo que o rapaz não está me olhando de volta. — Eu posso
ser um maníaco.
Dou de ombros, pego meu celular no bolso da minha calça e, com atenção redobrada, tiro
uma foto dele quando o chamo e ele se vira para mim.
— Mandei sua foto para uma amiga e estou compartilhando minha localização com ela em
tempo real a partir desse momento. — Ele ergue uma sobrancelha, e um sorriso muito pequeno surge
no canto da sua boca. — Vai pensar duas vezes antes de me fazer algum mal.
Guardo o celular de volta depois de mandar um áudio para Bianca avisando que dei uma
carona a um rapaz estranho e que devo chegar à cidade em mais ou menos meia hora.
— E você… não tem medo de andar por aí no acostamento a essas horas da noite? Com essa
chuva e a parca visibilidade não seria difícil ser atropelado.
O rapaz dá de ombros.
— Estou acostumado com o percurso, mas a chuva me pegou desprevenido. Não tinha nada
que eu pudesse fazer a não ser voltar para casa assim mesmo.
Assinto e suspiro ao entender que ele estava correndo.
— De quem é? — pergunta, algum tempo depois. Olho-o de relance e entendo que está
referindo-se ao casaco.
— Do meu ex-noivo. Pode ficar para você. — Com um sorriso, avalio-o rapidamente,
dividindo minha atenção com a direção. — Parece que vai servir perfeitamente.
— Ele não vai querer de volta?
Aperto o volante entre meus dedos.
— Ele nem vai se lembrar desse casaco. Fique pra você porque se não ficar, vou atear fogo.
Vou atear fogo nesse casaco e em todos os pertences dele que ainda estiverem na minha casa, se por
acaso ele não tiver tirado tudo como eu mandei.
Há um pequeno silêncio entre nós.
— Uau. Ele pisou mesmo na bola com você.
Abro um sorriso amargo.
— “Pisar na bola” é eufemismo. Bruno… foi um completo sacana comigo.
— Sinto muito.
Não respondo. Dirijo por mais uns dez minutos, em silêncio, apenas as músicas da minha
playlist preenchendo o carro. Vez ou outra, eu me pego avaliando-o rapidamente. Há algo nele que
me chama a atenção, que me atiça à curiosidade. Há uma aura de mistério que o ronda, disso tenho
certeza, e desejo desvendar tudo o que se passa na sua cabeça. O que ele está sentindo para parecer
tão entristecido? E por que mesmo quero saber disso tudo?
Como se não bastasse, eu me atento à sua aparência. Ele é bonito. Rosto barbado,
sobrancelhas grossas, braços fortes — braços de quem faz muito exercício físico. Não resisto e tento
espiar um pouco o abdômen. A camisa molhada marca um pouco seus músculos e dá para ver os
gominhos salientes.
Suspiro, afastando a ideia maluca da minha cabeça.
Lauren, pelo amor de Deus, ele é um completo estranho.
— Você tem namorada? — Quero saber. Sinto meu coração acelerar levemente porque não
consigo, de nenhuma forma, afastar a ideia que brotou em meus pensamentos.
Você nem o conhece!
Mas eu não sou nenhuma puritana e não seria a primeira vez que faria sexo com um estranho.
O último homem desconhecido com quem transei, dois carnavais atrás, virou meu noivo e minha vida
de ponta cabeça.
Eu posso arriscar. Foda-se. Não precisamos de nomes, só de uma noite. Uma única noite.
Ele não responde nada por segundos que acho longos demais. Não me olha, mas posso ver,
pelo reflexo do vidro da janela do passageiro, que a menção causou um efeito negativo nele.
— Tinha.
— Terminaram há muito tempo?
Outra leva de segundos de silêncio. O rapaz se vira para mim, ajeitando o casaco sobre os
ombros, e bate o queixo de frio.
— Ela morreu. Fez um ano na semana passada. — Engole em seco e pausa por um minuto
inteiro. Um minuto inteiro que eu me praguejo por ter feito essa pergunta, mas também aliviada por
entender a tristeza por trás dos seus olhos. A curiosidade ia me matar se eu não descobrisse. — Foi
minha culpa.
— O que aconteceu? — murmuro, compadecida dele. Dou seta e pego uma saída à direita.
Ele balança a cabeça de um lado a outro.
— Não quero falar disso.
Respeito sua decisão e apenas assinto.
— Por que a pergunta? — Sinto seu olhar atento e analítico sobre mim. — Por que queria
saber se eu tinha uma namorada?
De novo, aperto os dedos com força em volta do volante. Pondero se devo ser sincera ou se
arranjo uma desculpa qualquer. Tenho medo de ofendê-lo com minhas reais intenções. Talvez ainda
ame aquela garota e a ideia de se envolver com uma estranha seja terrível para ele. Ou talvez ainda
ame aquela garota e a ideia de se envolver com uma estranha seja um modo de aliviar a dor. Como é
o meu caso.
— Preciso gozar — digo, sem cerimônias. Ouço quando ele se engasga com a própria saliva,
pego por eu ter sido tão direta. — Passei os últimos dois anos da minha vida em uma relação meia-
boca em que ele não me fazia gozar. Eu gosto de gozar sozinha, sei gozar sozinha, mas
especificamente hoje, necessito de um cara que me faça gozar.
— Ah, meu Deus — ele sussurra. — Eu preocupado com você dando caronas a estranhos por
aí, mas você é que deve ser uma maníaca.
Não controlo uma risada baixinha. Ficamos mais um tempo em silêncio e confiro as horas.
Estamos quase chegando agora. Só mais uns quinze minutos de viagem.
— Faríamos no carro? — Sua pergunta me dá um pequeno susto. Eu me viro na sua direção
por um instante. — Se fôssemos trepar, faríamos no carro?
Pigarreio e olho melhor o entorno, reconhecendo onde estamos.
— Tem um motel não muito longe daqui que frequento.
— Não tenho dinheiro comigo agora. Desculpa.
Inclino-me ligeiramente até o porta-luvas e retiro um cartão de crédito no nome do meu ex-
noivo de lá de dentro e, o estico para o desconhecido. Bruno me emprestou na noite passada, antes de
eu descobrir sua canalhice, para que eu comprasse um lanche quando voltasse do trabalho.
— Nada mais justo, não acha?
Ele ergue as sobrancelhas.
— Ele ficou com você por dois anos e não te fez gozar nenhuma vez. É um preço mais do que
justo a pagar.
— Além do mais, ele foi sacana comigo.
— É, ele foi sacana com você.
Sorrimos um para o outro e, em silêncio, entramos em um consenso.

— Vou tomar um banho antes. Pra me limpar e me aquecer — o estranho diz, assim que
entramos no quarto de motel.
Eu assinto e ele se retira enquanto pego meu celular e faço uma chamada de vídeo para
Bianca. Ela me atende sem demora, querendo saber onde estou e por que diabos resolvi dar carona
para um homem desconhecido.
— Eu não sei. — É toda minha resposta. — Ele estava na chuva, a quinze quilômetros de
casa. Só quis ajudar.
— Lauren, você é completamente doida. O Bruno fodeu de vez com sua mente, sabia? Onde
estão agora?
Dou de ombros, sentando-me na cama. Em um ponto ela tem razão. O Bruno fodeu de vez com
meu psicológico.
— Ele é bonito — digo, olhando rapidamente na direção ao banheiro. — E vamos transar. O
cara prometeu que vai me fazer gozar, algo que não aconteceu nos últimos anos com o Bruno.
— Laudo: maluca — Bianca diz, um tom de indignação e ironia ao mesmo tempo. — É um
homem, Lauren. Acreditou na palavra dele?
— Não custa tentar. Ele pode ser bom. Se não for, paciência.
Um suspiro pesado atravessa a chamada de vídeo.
— Tudo bem, você é adulta e sabe o que faz. Só que eu não vou ficar tranquila enquanto
não chegar. Qual o nome dele? Me manda uma foto dos documentos dele, qualquer coisa assim,
caso seja necessário. Embora eu torça para que não precisemos. — Nisso, ela bate os nós dos
dedos na madeira da mesa.
Mordo o lábio inferior.
— Ele está sem documento. Estava correndo. Não sei o nome dele e não quero saber.
— Lauren… — O tom é de advertência.
— Eu vou ficar bem, Bianca. Estamos em um motel, tem registro dele nas câmeras de
segurança, e, por precaução, eu pedi que deixasse o nome com o recepcionista. Não ouvi porque
fiquei longe. Eu realmente não quero nada dele além de uma noite incrível de sexo. Espero que ao
menos isso seja capaz de me proporcionar.
— Ele pode ter mentido sobre o nome dele.
Abano a cabeça em negativo.
— O recepcionista o procurou nas redes sociais, o adicionou e tudo mais. O funcionário me
garantiu que ele passou o nome verdadeiro. Esse cara não vai me fazer mal. Não se não quiser parar
atrás das grades.
Outro suspiro.
— Me mande mensagens constantemente, tá?
— Pode deixar.
Encerro a ligação, deixo meu celular sobre o aparador perto da porta e caminho até o
banheiro. O estranho ainda está sob o chuveiro e não faço cerimônia de invadir seu espaço. Arranco
minha roupa sob seu olhar analítico, silencioso, e entro no box só de calcinha. Mordo o lábio
inferior, analisando seu corpo. Ele é gostoso. Direciono os olhos para seu pau, já duro.
— Posso? — pergunto, aproximando minha mão do seu membro.
Ele ergue uma sobrancelha.
— Por favor.
Fecho meus dedos em torno da sua ereção e o bombeio devagar. A respiração dele falha um
instante e, quando o olho, seu maxilar está trincado, as pupilas dilatadas, os olhos azuis fixos em
mim. Antes que eu espere, ele me puxa para um beijo rude e profundo. Faço menção de não o tocar
mais, contudo, ele envia um sinal de que não devo parar. Ele me beija indecentemente conforme o
masturbo, deliciando-me com o gemido rouco que escapa da boca dele para a minha. Nesse instante,
eu sei. Eu, simplesmente, sei que a noite vai ser mágica.
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[1]
Na modalidade indoor, a escalada é praticada em um clube ou ginásio, onde existem paredões com agarras artificiais de resina para
simular a superfície de uma rocha natural.

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