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4 VISAO, SOM E FURIA Marshall McLuhan [Na sua recente vista 4 América, Roy Campbell evelou que ‘quando Dylan Thomas descobriu que poi ler poesiano rio, tal des- cobertatransformou sua poesia, methorando-a. Thomas descobriu uma nova dimensio na sua linguagem quando estabeleceu uma tela ‘ionovacom 0 pablico. [Ate Gutenberg, a publicagdo postica significava a Ieitura ov 0 ‘ant dos préprios posmas para uma pequena platéia. Quando a poe sia comegou a existir fundumentalmente na péginaimpressa, no sé- ‘culo XVI, ocorrev essa estranha mistura de visio e som, mais tarde ‘conhecida como “poesia metafisica” que tem tanto em comum com a poesia modems, ‘Accolonizagio americana comegou quando a tnica cultura a0 leance dt maioria dos homens era ado io impresso, Aculturacuro- péia era entio, como agora, tanto uma questio de misica, pinturs, ‘sculturae comunicagio quantode literatura, Tantoassimqueatéo dia {de hoje norte-americanos associam principalmenteaculturacomos livros. Mas, paradoxalmente,€ na América do Norte que os novos meios da visa0 edo som obtiveram maior impacto popula, Seri preci samente em decorténcia do fato de estabelecermos a mais ampla separ ragao entre cultura e 08 noss0s novos meios que nos tornamos ncaa 225 de encatar 05 novos meios como cultura séia? Sera que quatro 153 séculos de cultura deliv nos hipnotizaram numa tal conceniragao sabre o conte dos liveose das novos meios que no podemos reco nhecer que a propria forma de qualquer meio de comunicago € tio Jmponante quanto qualquer coisa que ele transmita? ‘Arlanda talver a nica parte do mundo da lingua inglesa onde ‘a tradigio oral da cultura persistu foremente, a despeito da pagina impressa, Ea Irlanda nos deu Wilde, Shaw, Yeats, Synge e Joyce em recentes anos — todos eles mestres da magia da palava falada. Um fazendeito da Ballynooley que regressava para a Inlanda da América disse para o seu vizinho: "Durante és anos no encontrei um s6 Ihomem que fosse capa de cantar uma alada, uanto mais se levantar cefazec uma” ‘Apaigina impressa constitu em si mesma uma forms altamente especializada e especializada) de comunicagio. Em 1500 dC. era revolucionéria, Erasmo foitalvezo primeiroacompreenderofato de {que a revolugio ita ocorersobretudo na sola de aula. Fe dedicou-se Apreparasio de compéndiose organizagiode gindsios. Olivroimpres- 0 de repente liquidou com 2 mil anos de cultura manuserita Criou 0 ‘estudante solitirio. Estabeleceu 0 predominio da inerpretagao parti- cular sobre o debate pblico, Estabeleceu o divércio entre a “itera ‘ea vida", Criou uma cultura altamente abstrata porque ele mesmo ‘erauma forma mecenizadade cultura. Hojeem dia, quando ocompén- dio dev lugar ao projeto de aula e3 sala de aula como oficina de taba tho socal ediscussio de grupo, torna-se mais fil para n6s examinar ‘oquesucediaem 1500. Sabemos hoje que a mudanga para o visual de tum lado, iso 6, para a fotografia © paraos meios uditvos derioe equipamento de alto-Talantes de outro,criou uma ambiéncia totale te nova par o processo educacional. ‘Andee Malraux popularizou recentemente a nogo da revolusao daantedenossotempono seu Le musée imaginaire. Seutema &0 de que ‘ivro de imagens pode abranger hoje em dia um mbito maior de ante ‘doque qualquer museu. Trazendo parauma esfera portatil um tal ambi- to dearte, contudo, ele chegou a modar a visio da pintura por parte Jo Dintor. Nao se trata novamente, de uma simples questo de mensagem, ‘imagem ou conteido. Olivo de imagens como um museu imaginsrio ‘adguiri para oanista um novo significado téenico, exatamente como para pespectador acomunicacdo pictéicasignificou um desvio cons ‘eravel, porém,inconsciente, de suas maneeas de pensar e sent Is 4 muito nos acostumamos & nogo de que as crengas de wma pessoa propiciam-he forma ecoriexisténcia. Eas forecem moldu- ras is janelas, plas quai se visualiza aexisténca. Estamos menos acostumados i nogio de que as formas de uma ambigncia reenologica ‘constituem também janelas-idias. Cada forma (ispositivo ou mets pole), cada situagao planed realizada pela inteligencia factiva do hhomem é uma janela que evela ou deforma a reaidede. Atualmente, {quando o poder tecnolégico tomou conta do ambiente global a fim de ser manipulado como o material da arte, a natuteza desapareceu ‘como natureza-poesi, FE aeficscia da sla de aula promaveu o deci- nioda cultura deliveo. Assim como Erasmo viaa sala de aula como 0 novo palco para drama da imprensa, verificamoshojeque asituacio novaque se oferecejgualmente aosjovense velhoséasaladeaula sem paredes. Todo oambiente urbano tornou-se aeressivamente pedagési- co, Todos tudo tfm uma mensagem a declarar, um fi que liga Essa éaépocadetransigdodaera comercial quando eraaprodu- ‘oe disirbuigio de uilidades que absorvia 0 engenho dos homens. Passamos hoje daprodugio de mereadorias empacotadasparaoempa- ‘cotamento da informacio. Anteriormente,invadiamos os mercados ‘estrangeiros com utlidades. Hoje invadimos culturasinteiras com ‘informa acondicionada, diversi e idgias. Em vista do aleance glo- bulinstantineo dos novos meios de visio som, até mesmo o jomal € vvagaroso. Entretanco, a imprensa sobrepujou olivro no século XIX, porque o livro chegava tarde demais.Apigina do joral no era um :meraampliagio da piginado io. Fra, como cinema, umanovafor- made arte coletiva Parareconsiderarum pouco desse caminho, sera Iembrar que em Fedro, Patio objetou que o aparecimento recente da escriairia, revolucionar a cultu para por. Alegou que ela ira trazer a reminis- ‘Encino lugar do pensamentoe aprendizado mecsnico ao invés da sialtia verdadeira da indagagio viva da verdade mediate odiseu soeaconversagio. Fora como. ele houvesseprevstoabiblioteca de ‘Alexandria eas infindaveis exegeses sobre anteriores exegeses dos ‘comentadoresegramstics. Dir-sc-ia que agrande vinude dacscritaopoderdedetero veloz processo do pensamento ara &contemplagloe anlise constants. A escrita& tradugdo do audivel para o visual. Em larga medida consti- tui a especializacio do pensamento, No entanto,aescrita no papiroe Iss no pergaminho promoveu uma nganizayaomuito diferente de hibitos ‘ments dos duels que esta igados mpresso e aos livros. Em ‘primero lugar, a leitua silenciosa era desconhecida a surgimento das superficies macadamizadas e aerodindmicas da pigina impress ‘ve permitiam a passagem veloz do olho apenas. Em segundo, di- culdade de acess0 aos manuseritos obrigou os estudantesa memorizar tanto quanto possivel tudo o que liam, Iso levou a enciclopedismo, ‘como também ater pronta para consumo em discurso oral a erudigio total de cada um, ‘Acrianga na eyeoa durante a Idade Média inha primero def zor suas prprias cas ds textos, por meio doditad. Em seguida ‘ha de compilar sua propria gramatica dciondro eantologia. O apa recimento de uma grande quantidade de textos impressos baratos © ‘miformes modificou tudoisso. Amecanizagio daescrita pela compo- sig de tipos nveis ampliou rapidamenteo Ambito da leituradispo- nivel e do mesmo modo reduziu velozmente ohibito do discuso ora como método de sprendizado, Durante o século XVI. entretanto, per sist um grau de equilfvio entre © aprendizado orale escrito, que associamos com o especial grau de exceléncia do drama, do sermao e dda poesiaclizabetanos CContrariamente, grande parte da viva exuberdncia da producio falada seria americana no século XX & resultado do desvio da cul turadelivoparas comunicacdo oral Essadiregio ndo-iterdriadafala fo observada em grav bem menor na Inglaterra ena Europa durante o ‘mesmo periodo. Oridio em particular estimulow oretorno a discussio fem grup seletoe, em mesa-redonda, Mas a imprensa e a fotografia auxiliaram também o movimento espontine em diego 3 adogio Uo seminirio e da discussao em aula como processo de aprendizado, 3 medida que desaiaramo monopélio do ive, "Acima de tado, os hibitos da comunidade dos negécios de exigie aconferéneiae adiscussio como meio ripido de estabelecer um discet- ‘mento uanto ao método processo nos diverss ramos especiliza- dos dos negicios — estimularam sem divida a nova confianga na fala ‘como um meiode descobersa.E sugestivo. por exemplo, teem os fis- ‘cos afmicos descoberto que somente pelo conatodirioe face a face thes foi possvellevar cabo suas tarefas durante a vera passada, 156 Ha muito vigoao traismo de que as moificagBes na cultura saterialocasonam vriagbes nos padres da cltrainteira. Aesra- a antiga tornou posive execitoe impéros e destrui as cidade tstados solada da Grecia. Mas estrada dependiaem primeirolugar dla cscrita, Por deri do comando imperial de grandes extensbes de tera esta a palaraesrita, em forma facilmenttansprtvel. NO séeulo XIX, os jormas, especialmente depois do telégrato,pagaram fovas ears anspor mais pido por era e ma. Aimprensa alteou as formas de governo, 0 telégrafoterminou com a diploma tia seersta, Quando os acontecimentosno Egito ou na Réssia, em Londres, Pars ou Nova York eram conhecidos imedatamente em todaaparte,oprazo pa as nepociagdes secrets foi reduridoahoras «minutos. Eas grandes populages dos paises do mondo, alrtadase éemocionadas pela imprensa, puderam coafrontr-se unas com 8 joutas no mesmo instante, pra uma explicagio definitiva, "Aimprensa fomentara desde o inicio o nacionalismo porque os idiomas verndevles coms grandes massa de pablic leitoreram mas rendosas para ciores comercais do que o latin. imprensafomen tara esse nacionalismo ao poto méximo. one ele se mantém. Mas fowgrafiteo cinema asim como amsica apintura Si intemaco nas quanto ao seu poder de atragao.O poder das imagens de saltarem por sobre frontcrasnacionaise preconceitosé bem conhecido, para o tem ou para oma. “Aese mesmo respeto, merece coment especial um aspecto dampens O conte dos jonas, suas mensagenseinformagbes, ‘romoveram sem cessaronacionalismo Masa formad piginadojoe tal époderosamente intercultural e internacional. A mensagem nie expresea de uma colegio de novos tpicos de das spats do mun- do que o mundo de hoje ¢umatnia cidade. Toda gueraé verre Vil Todo sofriment € nosso, Potato, a despeito da ina politica do tempo ou do liga simples formato da imprensaexerce uma mesma presso. Uma acitagao bsica deste faoassinalase no erescente €nfraquccimento dos patos politica em toda pate ‘Do pono de vista do formato, a mprensa como um corte tans ‘ens dirio do globo costiut um espelo dos instruments tecnol6- loos de comunicago. Eo liveo popular doo grande poemacole- tivo, a diversio universal de nossa era. Como fal modifi ences postions por seu tro fol modifica pelos novos meios do cinema, 137 rigioc televiso, Estes limos representam revolugées na comunica- ‘lo to radicais como. prdpria imprensa, Constituem de fato,"migi- ‘cos balodes abrindo-sediante da espuma de mares perigosos”, no ‘quaispoucos dentre nds seaventuraramem pensamento, arte ou vivén ‘ia. Se Erasmo foioprimeiroaavaliareexploraraimprensacomouma orga nova na arte ena educaso, James Joyce também o foi, quanto 2 _uslizagio do jomal, do rio, do cinema e da televisio para» monta- ‘gem do seu drama “verbivocovisual” em Finnegans Wake. Em compa: ragdo.com Joyce, Pound e Eliot so timidos partidos dolivro como forma de are. Contudo, a maioria das dificuldades encontradas pelas ‘pessoas comunsnapoesiade Pound Eliot desaparece se aencararmos ‘camo um eine-jornal histérico de pessoas, mites idéiase aconteci- ‘mentos, com a correspondent tila sonora, Joyce tha uma fé muito ‘maior nalinguagem ena ealidade do que Pound ou Eliot. Por contras- te, estes emprestaram @ sua linguagem ereaidade o tratamento gl ‘mouroso de Hollywood, Joyce esté mais préximo de um filme de De Sica, com sua percep das foimas#iquezas das cenase situngdes Entretanto,olitor que recorre a Pound, Eliot tamibém a Joyce ‘como exploradores dos aspectoscinemticos da linguagem chegaré a uma apreciagao muito mais rapidamente do que aquele que tents inconseientementedecifé-losredurindooseuusodosnovosmeiosde ‘comunicago as formas linearesabstatas da pigina do livro. (fat bésico que se deve ter em mente quanta cimera de cine- mae ao projetoréa sua semethanga com 0 processo do conhecimento hhumano. A fonte verdadeira do seu poder mégico etransformador € encontrada ai, A cimera enrola num carretel 0 mundo exterior. Con- segue-0 por meio de répidas fotografia estticas.O projetordesenro laesse caretel como umaespécie de tapete magico que transportains- tantaneamenteoespectador para qualquer parte do mundo, cimera ‘gravaeanalisa 0 mundo luz do dia com intensidade maior do que & humana, em rao do Angulo de 45 graus do seu olho. O projetorreve- Igesse mundo luz do dia sobre uma tela escura, onde ele se tornaum ‘mundo de sonhos. ‘A maravilhosa semethanga em tudo isso com o conhecimento hhumanoestende-se até 0 seguite ponto: no conecimento temos de {nerorizar o mundo exterior. Temos de reciar no melo de noss0s sen- {idos efaculdades internas 0 drama da existénca, Isso € trabalho do 138 logos poietikos oitelecto agente Pla fala proferimos tal drama, ana logamente rcriado deniro dens. Na fala produzimos ou poetamos 0 ‘mundo no sentido.em que s poss dizer que o filme papagueia omun- do, Dessa forma, as inguagensconstituem as maiores de todas as obras

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