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Me deixa em pz! Eu yao agquento mais! Chacina mata doze meninos em quatro horas. Trés por hora, um a cada vinte minutos. Vidas abatidas para que as familias sintam na carne a vinganga policial. Kaike Augusto, jovem negro e gay é encontrado morto em uma das ruas mais moyimentadas de Sao Paulo: dentes arrancados, rosto desfigurado, sinais de tortura por todo o corpo e uma barra de ferro enfiada na coxa. A familia, os amigos, 0 pessoal da quebrada, todos leem a crénica e se perguntam de que adianta repetir a narrativa do crime, repisar a dor. A resposta é que recontar nao deixa esquecer e fazé-lo sem sensacionalismo evoca a desmesurada falta de valor marcada a ferro na existéncia de alguns seres humanos. Lembra que eles foram humanos, um dia. Nao permite que sejam soterrados na vala comum dos negros para os quais se naturaliza a morte tragica. No caso de Kaike Augusto, em especial, é preciso lembrar um milhao de vezes, para demarcar a impossibilidade de que uma morte assim (por traumatismo craniano e intracraniano) seja registrada como suicidio no boletim de ocorréncia. E piada racista e homofébica contra a vida de um garoto de 16 anos e daqueles que se importam com ele. Jovens negros, maiormente heterossexuais, sio mortos quando estéo na quebrada, nos bares, nas ruas, em casa. Sao torturados quando vao aos shoppings em grupo e acusados pela esquerda festiva € pelos culturalistas de buscarem o consumo, quando deveriam buscar a cultura. Aléooooo... eles nao tém dinheiro para consumir (cultura, inclusive), sé 0 desejo e, como subproduto de sua presenga nas casas de torrar dinheiro. O capital os estereotipa, porque alega que meninas 23 le jovens fazem iros de boné e ‘ g ‘a sofreu dor melhor com quem estudou em boas escolas; nunc te; que ganha carro de presente quando passa NO vestibular; que hippie de butique; que recebe um apartamentinho quando se casa, como facilitador de inicio de vida; que brinca de mochileiro na Europa e atravessa todas as fronteiras porque tem dupla nacionalidade. Para quem nada tem, ao contrario, direito ao consumo (ainda que na fantasia ostentatdria) é item basico de cidadania. Para 0 pessoal da classe média é mais facil ser confortavelmente anticapitalista. Para quem nao tem posses a herdar, lastro familiar no momento de trocar de carro, de manter-se por anos dedicado As leituras da pés- graduacdo, nem qualquer tipo de apoio financeiro para pequenos & grandes momentos de upgrade, resta amargar os efeitos do capitalism° selvagem e sobreviver como pode. . a oa fovea a 1s iC Orolezinho é uma possibilidade. utras 6 4 ab. Outas intervencées culturais na quebrada, 0 tros tém na comunicacao digital a form; i ‘ ; ‘a de ascensao social que permit marcar um rolezinho e migrar de “f, ‘ " bovine A Amosinho” digital para “estrelinh@ de shopping” por um dia, enquanto conti Pi de ntinuam alimentando o sonho se tornar astros qu um constr6i Bionidase coisa © shopping inteiro. Enfim, cada cidadania Bs % Pl sua propria histdria. 4 partir dos recursos garimpados e

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