Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/281840243
CITATIONS READS
0 7,164
2 authors:
All content following this page was uploaded by Josue Eduardo Maia Franca on 17 September 2015.
Resumo
A atividade de exploração e produção de petróleo offshore, atualmente, é uma das mais importantes atividades
produtivas da sociedade. Construir um poço submarino e elevar o petróleo até uma plataforma, por si só, já apresenta
uma série de riscos. Associado a esta atividade, quando o petróleo chega ao topside da plataforma, há uma série de
operações que preparam este petróleo e gás para a exportação para terra ou navios, o que envolve equipamentos e
processos que empregam altas temperaturas, altas pressões e produtos químicos extremamente reativos. Compreender a
dinâmica dos fatores que afetam a interação do ser humano com todos estes sistemas complexos offshore é fundamental,
pois a perda de controle destes sistemas pode causar acidentes graves, resultando em lesões aos trabalhadores, danos ao
meio ambiente, perdas de produção e crises geopolíticas. Acidentes como os das plataformas Piper Alpha, no Mar do
Norte (1988), P-36, na Bacia de Campos (2001) e Deepwater Horizon, no Golfo do México (2010) mostram que as
consequências de um evento desta natureza são trágicas e todos os esforços devem ser direcionados para evitar sua
recorrência. Por isso, sob a ótica da atual evolução tecnológica, é fundamental considerar na gestão de riscos das plantas
industriais offshore a compreensão da influência dos fatores humanos.
Abstract
The exploration and production activity of an offshore oil platform, nowadays, is one of the most productive activities of
human society. To drill a subsea well and raise the crude oil to a platform, by itself, presents a series of risks. Associated
with this activity, when the crude oil reaches the topside of the platform, there are a number of operations that prepare
the oil and gas to be exported to land or an oil tanker, which involves equipment and process that take high
temperatures, high pressure and extremely chemicals reactive. Understanding the dynamics of the factors that affect the
interaction of human beings with all these offshore complex systems is critical, because the loss of control of these
systems can cause serious accidents, resulting in injuries to workers, environmental damage, loss of production and
geopolitical crises. Accidents such as Piper Alpha platform, in North Sea (1988), P -36 platform, in Campos Basin
(2001) and Deepwater Horizon platform, in Gulf of Mexico (2010), shows that the consequences of such an event are
tragic and all efforts should be targeted to prevent its recurrence. Therefore, from the perspective of current
technological developments, it is essential to consider in the risk management of offshore industrial plants the
comprehension of the human factors influence.
1. Introdução
Historicamente, um grande marco da relação de interação do homem com os sistemas complexos foi a Segunda
Guerra Mundial. Neste período, diversos acidentes ocorreram com aviões de combate, devido ao seu complexo painel
de controle, frente a um despreparado piloto. Esta complexidade foi introduzida com o intuito de vencer a guerra através
da tecnologia, o que de fato aconteceu. No entanto, não foi percebido à época que esta tecnologia dependia
intensamente da ação do ser humano, que não acompanhou, seja por falta de preparo formal ou não, a mesma evolução
______________________________
1
Mestrando, Engenheiro Eletricista e de Segurança do Trabalho – PEA-UFRJ / PETROBRAS
2
DSc, Engenheiro Eletrônico, Pesquisador – PEA-UFRJ / IEN-CNEN
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
do sistema com que ele interagia. A partir de então, a humanidade experimentou uma evolução tecnológica
extraordinária, sobretudo no que diz respeito aos ambientes e processos de trabalho. Apesar de toda esta evolução
acontecer e de iniciarem as pesquisas sobre a relação de interação entre o ser humano e os sistemas complexos, há ainda
muitos eventos indesejáveis acontecendo, cuja maior contribuição está na falha ou ausência desta interação. Ademais,
junto com a evolução tecnológica do trabalho, houve também a evolução dos riscos do ambiente de trabalho, onde os
processos de produção apresentam pressões, temperaturas e vazões cada vez maiores, controladas por sistemas cada vez
mais complexos.
Compreendendo esta evolução tecnológica do trabalho dentro do segmento de óleo e gás, percebe-se que o
processo de trabalho em si – procurar petróleo, analisar sua viabilidade técnica e de mercado, para depois o produzir –
manteve-se o mesmo desde 1859, quando o Coronel Edwin L. Drake (Yergin, 2008) perfurou o primeiro poço de
petróleo da História da Humanidade. No entanto, as técnicas, o risco e os impactos desta atividade evoluíram
sobremaneira, resultando nos modernos sistemas complexos de produção offshore. O gerenciamento de riscos das atuais
plataformas de petróleo envolvem processos de produção em modernas e complexas malhas de controle, que lidam com
parâmetros de processos extremamente críticos, exigindo que os operadores tenham uma resposta cognitiva e de
percepção cada vez maiores. Estudar e compreender esta interação entre o homem (operador) e os sistemas complexos
(plataforma de petróleo offshore) é necessário para promover um adequado e abrangente gerenciamento de riscos, pois
diante das inerentes pressões geopolíticas do segmento de óleo e gás, acidentes graves podem inviabilizar a
continuidade de uma empresa ou, até mesmo, causar uma crise econômica em um país.
2. Fatores Humanos
Segundo Gordon (1996), entende-se como fatores humanos o estudo científico, no ambiente de trabalho, da
interação entre fatores organizacionais, de grupo e individuais. Neste contexto, fatores organizacionais dizem respeito às
políticas e regras, formais ou não, da empresa; fatores de grupo correspondem à cultura organizacional do ambiente de
trabalho e; por fim, fatores individuais dizem respeito à percepção de risco inerente a cada indivíduo. De acordo com
alguns especialistas, sob a ótica da gestão de riscos de sistemas complexos, somente a falha deste último – fatores
individuais – é o que se pode efetivamente caracterizar como uma falha humana. Por sua vez, Delmotte (2003), define
que fatores humanos são todos aqueles elementos de um sistema complexo que possuem direta relação com aspectos
relativos ao ser humano, interagindo entre si ou com outros elementos distintos deste sistema. Apesar da abordagem
segmentada apresentada por Gordon (1996), tanto este autor quanto Delmotte (2003), compartilham da mesma
perspectiva de que o estudo de fatores humanos deve contemplar as interações entre o trabalhador e todos aqueles
elementos, do ambiente laboral, relacionados ao ser humano.
De acordo com as estatísticas apresentadas por Kariuki e Lowe (2007), mais de 80% dos acidentes que
ocorrem em indústrias químicas e petroquímicas possuem a falha humana como um dos fatores causadores deste evento
indesejável. Para corroborar esta afirmação, analisam grandes acidentes que estão dentro destas estatísticas como, por
exemplo, o da plataforma Piper Alpha, no Mar do Norte, em 1988. Este acidente causou a fatalidade de 167
trabalhadores e a perda total desta unidade offshore. Este desastre é um exemplo importante de como fatores humanos e
organizacionais podem causar acidentes de dimensões catastróficas. Após este acidente, o Governo Britânico instaurou
uma comissão de investigação, sob a liderança de Lord Cullen, membro do Parlamento Britânico. Como resultado das
conclusões desde inquérito, em 1990, foi elaborado o documento The Public Inquiry into the Piper Alpha Disaster,
também conhecido como Relatório Cullen (Matsen, 2011). Este relatório trouxe consigo diversas contribuições para a
gestão de riscos offshore, inclusive identificando falhas relativas aos fatores humanos.
Com base nos ensinamentos trazidos por estes e outros acidentes, Governos e organismos reguladores mundiais
deste segmento industrial desenvolveram normas, textos técnicos e boas práticas que contribuem para a gestão de riscos
offshore. No Brasil, a ANP publicou em 2007 a Resolução ANP nº 43 que institui uma série de obrigações legais para o
desenvolvimento de atividade de exploração e produção de petróleo offshore, incluindo em seus anexos o “Regulamento
Técnico do Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional das Instalações Marítimas de Perfuração e Produção
de Petróleo e Gás Natural”, também conhecido como Regulamento SGSO da ANP, cujo principal objetivo é:
“...estabelecer requisitos e diretrizes para implementação e operação de um Sistema de Gerenciamento da Segurança
Operacional (SGSO), visando a segurança operacional das instalações marítimas de perfuração e produção de
petróleo e gás natural, com o objetivo de proteger a vida humana e o meio ambiente, através da adoção de 17 práticas
de gestão.”
Neste documento, na Prática de Gestão Nº 4: Ambiente de Trabalho e Fatores Humanos, verifica-se a
preocupação da ANP quanto aos fatores humanos em todas as etapas da atividade produção de petróleo offshore,
inclusive já contextualizando as questões organizacionais e suas inter-relações, quando aborda o “Ambiente de
Trabalho”. Fica evidente que, além de considerar a alocação de fatores humanos nas atividades de exploração e
produção offshore que já estão em operação no Brasil, esta Prática também considera a alocação de fatores humanos na
etapa de projeto, onde é possível o desenvolvimento de sistemas mais seguros e eficientes sem que se façam alterações
críticas em estruturas de aço, mas sim no desenho de projeto, produzindo uma unidade de produção offshore mais
segura e adequada aos trabalhadores que executarão suas atividades a bordo desta embarcação.
Diante de publicações como o Relatório Cullen e o Regulamento SGSO da ANP, é notado que a gestão de
riscos de plantas industriais que operam em alto-mar é algo crítico. Por isso, compreender a influência dos diversos
fatores que afetam a segurança dos ambientes de trabalho offshore é fundamental, não só para promover a segurança e
saúde de todos os trabalhadores, mas também para impedir situações catastróficas, tais como, por exemplo, o acidente
da plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010, apresentado na Figura 1. Este acidente resultou na
trágica fatalidade de 11 pessoas e, segundo o Governo norte americano, um derramamento total de 4.9 milhões de barris
de petróleo, causando também diversas oscilações no preço do petróleo à época, evidenciando o papel estratégico e
geopolítico desta commodity (Bea, 2011).
3
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
navios petroleiros convertidos para unidades de produção, sendo sua estabilidade garantida por uma série de sistemas de
controle dinâmico. No convés desta embarcação (topside), são instaladas plantas de processo para separar e tratar os
fluidos produzidos pelos poços. Depois de separado da água e do gás, o óleo produzido é armazenado nos tanques do
próprio navio, para então ser transferido para terra através de navios aliviadores ou oleodutos. Por sua vez, o gás é
expedido através de navios de LGN ou gasodutos, sendo que grande parte deste combustível é utilizado na própria
plataforma para a geração de energia e elevação artificial de petróleo, chamada de gas-lifiting.
As plataformas FPSO são o típico sistema complexo offshore em que a gestão de riscos deve contemplar em
suas análises questões relativas aos fatores humanos, pois a moderna tecnologia empregada nesta embarcação exige
muito da capacidade cognitiva dos trabalhadores que interagem com seus sistemas. Além disso, por se tratar de um
navio petroleiro adaptado para ser uma plataforma offshore, as plantas de produção, processos e utilidades apresentam
espaços físicos diminutos e compactos, o que trazem importantes questões ergonômicas à discussão. Ou seja, neste tipo
de plataforma, a gestão de riscos deve considerar uma abordagem mais sistêmica, não apenas analisando os riscos
inerentes aos equipamentos e processos, mas também em relação à organização e aos fatores que influenciam na
interação do ser humano com os dispositivos tecnológicos, abrindo oportunidade de compreensão da falha humana.
5
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
antes das legislações brasileiras, já havia a regulamentação desta atividade no país, proporcionada por uma série de
entidades e leis que regiam esta atividade no Mundo. Além disso, por se tratar de alto-mar, há exigências internacionais
cabíveis a toda e qualquer atividade que ocorra neste ambiente. A seguir, de forma sintetizada, são apresentadas algumas
entidades, códigos e normas exigidos internacionalmente para desempenhar a atividade de exploração e produção de
petróleo em alto-mar.
• Regulamentações IMO (International Maritime Organization): normas e recomendações de segurança das
operações marítimas em geral.
• SOLAS (Convention for the Safety of Life at Sea) e suas emendas em vigor: diretrizes de segurança da vida
humana no mar.
• LSA Code (Life-Saving Appliances): normas de segurança para atividades em embarcações.
• FSS Code (International Code for Fire Safety Systems): normas de prevenção e combate a incêndio em alto-
mar.
• MODU CODE (Code for the Construction and Equipment of Mobile Offshore Drilling Units): padrões
mínimos de segurança operacional para as plataformas de perfuração em alto-mar.
• MARPOL (International Convention for the Prevention of Maritime Oil Pollution from Ships):
regulamentação de prevenção da poluição do mar.
• COLREG (International Conference on Revision of the International regulations for Preventing Collisions at
Sea): recomendações de segurança para prevenir abalroamento de embarcações no mar.
Agregando mais segurança e garantindo o cumprimento das leis exigidas pelas publicações e entidades
anteriormente apresentadas, as empresas que atuam no seguimento de óleo e gás offshore no Brasil, de forma geral,
também desenvolvem normas e recomendações internas, de aplicação somente no âmbito da empresa que as criou, mas
podendo também ser exigida a terceiros, em situações em que as cláusulas contratuais assim o permitam.
3.2. Fatores que Influenciam o Desempenho do Ser Humano em Sistemas Complexos Offshore
Tomando como base o processo de trabalho de um operador da área de produção de uma plataforma FPSO,
percebe-se que os fatores que podem afetar seu desempenho começam muito antes do seu embarque. O embarque e o
desembarque são momentos de passagem que demarcam, para o trabalhador offshore, despedidas e recomeços, tanto em
6
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
casa quanto no trabalho (Leite, 2006). Muito tempo antes do embarque, ainda em casa, o trabalhador poderá sofrer de
uma síndrome chamada TPE, Tensão Pré-Embarque, onde seu estado emocional fica alterado para um estado que oscila
entre a atenção máxima de estar prestes a ingressar em um ambiente de alto risco, e a melancolia de estar prestes a ficar
15 dias longe do convívio de pessoas queridas e da família (Leite, 2006). Tudo isso caracteriza os fatores internos
apresentados por Swain e Guttmann (1983), pois dizem respeito à percepção individual e ao estado emocional de cada
um dos trabalhadores que embarcam em uma plataforma.
Pouco tempo depois de deixar o convívio familiar, este mesmo operador, na maioria dos casos, embarca em um
helicóptero que o leva a plataforma FPSO. Ou seja, além dos riscos inerentes ao trabalho offshore, este operador estará
exposto aos riscos da aviação, o que pode ocasionar alto desgaste mental e psíquico, causados pelo medo de acidentes,
pelas condições climáticas adversas, ou pela incerteza da ocorrência do voo. Associado a isto, se este operador morar
longe do aeroporto que embarca para a plataforma, ele também vivenciará todas as tensões do percurso (em terra ou
não) de sua casa até este aeroporto (Leite, 2006). Ou seja, mesmo antes do embarque efetivo na plataforma, o operador
fica exposto a fatores estressores que influenciam no seu desempenho.
A partir do momento em que ingressa na plataforma, este operador da área de produção já começa a interagir
com todos os sistemas complexos que compõem esta planta industrial, o que inclui não somente seu posto de trabalho
do sistema de produção, mas também os sistemas de ancoragem e posicionamento, de utilidades, de prevenção e
combate a incêndio, de escape e abandono, de processamento, de armazenagem (tanques da FPSO), de exportação de
gás e óleo, bem como as áreas de manutenção e inspeção. E por se tratar de um regime de trabalho confinado, há
também as questões relativas à convivência a bordo nas áreas comuns, nos camarotes e nas áreas de lazer. Neste
momento, percebe-se que o operador está completamente imerso na relação homem X sistema (máquina), interagindo
com o espaço físico de todos os ambientes da embarcação, com as demandas físicas exigidas pelas tarefas que executa,
com as demandas cognitivas que os artefatos tecnológicos exigem, e com os elementos psicossociais da cultura
organizacional (Hancock e Marras, 2014). A Figura 3 representa graficamente toda esta interação, que irá refletir
diretamente na percepção do operador na interpretação das tarefas, no seu comportamento e, posteriormente, na
execução da atividade.
Durante todo seu embarque, este operador interage com fatores que influenciarão em sua percepção e, por
conseguinte, decisões e atitudes. As falhas de desempenho do ser humano, ou seja, as falhas humanas, que possam
ocorrer neste contexto poderão vir a serem causas de eventos indesejáveis e, por isso, identificar estes erros e
desenvolver soluções de prevenção ou mitigação deverá ser considerado nas iniciativas de gestão de riscos.
7
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
Segundo Hollnagel (2004) uma falha ou alteração no desempenho do trabalhador não deve ser entendida como
uma falha humana, mas sim como ajustes e adaptações executadas com o objetivo de lidar com a complexidade e
demandas dos sistemas. Ou seja, os operadores que estão efetivamente interagindo com os artefatos tecnológicos na sala
de controle ou na planta industrial, precisam realizar intencionalmente alterações em seu desempenho para responder
adequadamente às exigências de interação destes sistemas sociotécnicos complexos. Complementando, Hollnagel
(2004) observa que estas alterações no desempenho se tornam necessárias em muitas situações para que os objetivos dos
processos de trabalho sejam atendidos, porém, em alguns casos, tais falhas podem levar à ocorrência de consequências
indesejáveis. É necessário, portanto, monitorar o desempenho de forma a diferenciar os fatores humanos que afetam o
desempenho daqueles que induzem ao erro. Os fatores que afetam somente o desempenho devem ser analisados para
identificar se algo deve ser alterado nos procedimentos, ambiente de trabalho, capacitação dos trabalhadores ou
programas de gestão. Por outro lado, os fatores que induzem ao erro devem ser identificados, entendidos e tratados
adequadamente, de modo que não venham a se tornar causas de eventos indesejáveis.
Em uma abordagem mais técnica, Ponte Jr (2014) apresenta a falha humana como inevitável, tal qual
terremotos, furacões, tempestades etc e, da mesma forma que a engenharia desenvolve recursos de segurança para
gerenciar os riscos destes eventos da natureza, ela também deve fazer o mesmo para os riscos decorrentes do erro de
pessoas em seus ambientes de trabalho. Segundo este autor, cabe aos engenheiros reconhecerem nos sistemas complexos
a possibilidades de falhas humanas, e então desenvolver meios técnicos que reduzam suas consequências, pois tratar os
fatores humanos relacionados a um determinado ambiente é também reduzir o potencial de indução ao erro.
Avaliando integradamente os estudos de Hollnagel (2004) e Ponte Jr (2014), percebe-se que a engenharia tem
um papel fundamental no desenvolvimento de sistemas que contemplem estratégias de proteção às falhas humanas. No
entanto, é importante ressaltar que estas estratégias devem sempre buscar uma análise abrangente dos fatores humanos,
sob a perspectiva de uma equipe multidisciplinar, que forneça subsídios das dimensões técnicas e humanas.
Sistemas sociotécnicos complexos, como uma plataforma FPSO, possuem diversos ambientes de indução ao
erro que podem causar deslizes ou lapsos de atenção e, por isso, a gestão de riscos deve buscar elementos de proteção e
ferramentas de análise compatíveis com a demanda cognitiva dos artefatos tecnológicos que compõem este sistema.
Assim como Kletz (2009), para a análise de acidentes, Reason (1997) também adota uma metodologia de
classificação da falha humana, categorizando os erros em três tipos: falhas de habilidade, falhas no cumprimento de
regras e falhas de conhecimento. No entanto, apesar de Reason (1997) adotar esta categorização, sua concepção de erro
é mais abrangente do que a de Kletz (2009), similar à proposta por Hollnagel (2004), pois analisa o desempenho
humano sob uma perspectiva psicológica e organizacional, qualificando o erro como uma falha de gestão da
organização, em seus vários níveis, e não somente como uma falha do indivíduo, criando um conceito chamado de
acidente organizacional. Reason (1997) afirma que os acidentes organizacionais são eventos que acontecem devido à
combinação de dois elementos: 1) condições latentes oriundas da gestão, da cultura e dos ambientes da organização e 2)
falhas ativas, que são os erros propriamente ditos, cometidos pelos trabalhadores. Sendo assim, somente quando há
falhas nas barreiras de proteção destes elementos, que efetivamente um acidente irá ocorrer. Estas falhas nas barreiras de
proteção são “buracos”, dando origem à chamada “Teoria do Queijo Suíço”, como pode ser visto na Figura 4.
8
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
Analisando esta Teoria, percebe-se que estes buracos podem ser considerados como falhas no sistema de
gestão, falhas no tratamento dos fatores humanos, falhas de uma cultura organizacional que não preza pela segurança e
falhas na concepção ergonômica dos ambientes de trabalho. E ainda, agregando os conceitos de erros, violações,
inaptidões e lapsos de atenção propostos por Kletz (2009), observa-se que todos estes elementos, isolados ou
combinados, apresentam relevância na compreensão dos fatores humanos que contribuem nas causas dos acidentes.
4. Considerações Finais
O ser humano é o “sistema complexo” mais complexo e subjetivo que existe. Além disso, ele tem a capacidade
plena de conceber, construir e operar outros sistemas tão complexos quanto ele próprio. Compreender e estudar a
interação entre este “sistema complexo ser humano” e os demais sistemas sociotécnicos complexos das plantas
industriais offshore é um desafio à parte para as ciências humanas e tecnológicas.
A gestão de riscos de sistemas complexos offshore deve contemplar questões relativas aos fatores humanos
muito antes do embarque. Se o trabalhador não estiver preparado para o embarque, será necessário desenvolver
estratégias de preparo para este trabalhador. Não se trata simplesmente de classificar um trabalhador como apto ou
inapto. É necessário se apropriar das questões que afetam o desempenho do trabalhador, nas dimensões técnica e
psicológica, contanto com profissionais habilitados – projetistas, médicos, psicólogos, engenheiros – para identificar e
analisar as questões relativas às suas especialidades. Todas as ciências que possam contribuir para o estudo da influência
dos fatores humanos na gestão de riscos de sistemas sociotécnicos complexos devem trabalhar juntas e integradas.
De uma forma geral, as tradicionais técnicas e metodologias de análise de riscos, ainda não possuem uma
dimensão específica para o tratamento dos riscos associados aos fatores humanos, até mesmo porque seu objetivo
precípuo são os processos, sistemas e equipamentos. No entanto, estas técnicas e metodologias têm se tornado o ponto
de partida para novas soluções que contemplam a análise dos fatores humanos na análise de riscos, como é o caso da
Human-HazOp (Human Hazard and Operability Study), H-FMEA (Human Failure Mode and Effects Analysis),
ATHEANA (A Technique for Human Error Analysis), CREAM (Cognitive Reliability and Error Analysis Method). Ou
seja, sob certa medida, a gestão de risco está buscando acompanhar a evolução tecnológica das relações de trabalho,
sobretudo no que se diz respeito aos fatores humanos em sistemas sociotécnicos complexos. No entanto, isto não
significa que estas ferramentas e metodologias sejam suficientes para a análise dos fatores humanos, pois além da
complexidade dos sistemas tecnológicos continuarem evoluindo, cada cenário acidental é um evento ímpar, onde há
sistemas, processos e falhas com características específicas.
Analisando as considerações propostas por Reason (1997), Hollnagel (2004), Kletz (2009), Ponte Jr (2014),
Hancock e Marras (2014), e muitos outros especialistas que se debruçam sobre as questões relativas aos fatores que
afetam o desempenho humano, fica patente que não há uma solução exata para os problemas evidenciados. No entanto,
ao mesmo tempo, claro está que soluções podem ser desenvolvidas, através da compreensão multidisciplinar dos fatores
humanos, da cultura organizacional e todos aqueles elementos que estão presentes nos ambientes de alta tecnologia e
complexidade das plantas industriais offshore. Acidentes como os das plataformas Piper Alpha (1988), P-36 (2001) e
Deepwater Horizon (2010) são eventos trágicos que trouxeram perdas tanto significativas, quanto inestimáveis. Evitar
que tais eventos aconteçam novamente é prioridade absoluta. Por isso, todos os programas e iniciativas de gestão de
riscos de uma plataforma offshore, de forma integrada, devem contemplar a compreensão dos fatores humanos em todas
as suas estratégias, contribuindo, assim, para a segurança da instalação e de todos trabalhadores.
9
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
5. Referências
ANP, Regulamento Técnico do Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional das Instalações Marítimas de
Perfuração e Produção de Petróleo e Gás Natural, 2007.
BEA, R. Final Report on the Investigation of the Macondo Well Blowout, Deepwater Horizon Study Group, Center for
Catastrophic Risk Management & University of California Berkeley, California, 2011.
CARVALHO, P. V. R., VIDAL, M. C. Ergonomia Cognitiva, raciocínio e decisão no trabalho, Editora Virtul
Científica FAPERJ, Rio de Janeiro, 2008.
CULLEN, Lord W. D. The public inquiry into the Piper Alpha disaster, H.M. Stationery Office, London, 1990.
DELMOTTE, F. A sociotechnical framework for the integration of human and organizational factors in project
management and risk analysis, Virginia Polytechnic Institute and State University, Virginia, 2003.
FIGUEIREDO, M. A face oculta do ouro negro, Editora da UFF, Niterói, 2012.
GORDON, R. P. E. The contribution of human factors to accidents in the offshore oil industry, Reliability Engineering
& System Safety, v. 61, p. 95-108, 1996.
HANCOCK, P. A., MARRAS, W. S. Putting mind and body together: a human-systems approach to the integration of
the physical and cognitive dimesions of task design and operations, Applied Ergonomics, v. 45, p. 55-60, 2014.
HOLLNAGEL, E. Barriers and accident Prevention, Ashgate Publishing Company, London, 2004.
KARIUKI, S. G., LOWE K. Integrating human factors into process hazard analysis, Reliability Engineering & System
Safety, v. 92, p. 1764-1773, 2007.
KLETZ, T. What Went Wrong? Case Histories of Process Plant Disasters and How They Could Have Been Avoided,
Butterworth-Heinemann/IChemE, Oxford, 2009.
LEITE, R. M. S. C. O trabalho nas plataformas marítimas de petróleo na Bacia de Campos, Programa de Pós Gradução
em Serviço Social, UFRJ, 2006.
LEVINE, S. The Oil and the Glory, The pursuit of empire and fortune on the Caspian Sea, Random House, New York,
2007.
MATSEN, B. Death and Oil, A true story of the Piper Alpha disaster on the North Sea, Pantheon Books, New York,
2011.
MORAIS, J. M. Petróleo em Águas Profundas, Uma história tecnológica da Petrobras na exploração e produção
offshore, IPEA, Brasília, 2013.
PONTE Jr, G. P. Gerenciamento de Riscos baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança, Elsevier, Rio de
Janeiro, 2014.
REASON, J. Managing the risks of organisational accidents, Ashgate, Surrey, 1997.
REASON, J. The human contribution, unsafe acts, accidents and heroic recoveries, Ashgate, Surrey, UK, 2008.
SHAH, S. Crude, The story of oil, Seven Stories Press, London, 2011.
THOMAS, J. E. Fundamentos de Engenharia de Petróleo, Interciência, Rio de Janeiro, 2004.
YERGIN, D. The Prize, The Epic Quest for oil, money & power, Free Press, New York, 2008.
Portaria MTB 3214 de 08 de Junho de 1978, Normas Regulamentadoras. Capítulo V, Título II da CLT.
Portaria SIT 34 de 04 de Dezembro de 2002, NR-30 Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário.
Portaria SIT 183 de 11 de Maio de 2010, anexo II da NR-30, Plataformas e instalações de apoio empregadas na
exploração e produção de petróleo e gás do subsolo marinho.
Portaria MTE 202 de 27 de Dezembro 2006, NR-33 Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados.
Portaria MTE 200 de 20 de Janeiro de 2011, NR-34 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da
Construção e Reparação Naval.
Portaria SIT 313 de 23 de Março de 2012, NR-35 Trabalho em Altura.
10