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Fatores Humanos e Gestão de Riscos Offshore

Conference Paper · September 2014

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2 authors:

Josue Eduardo Maia Franca Isaac J. A. L. Santos


Linnaeus University Comissão Nacional Energia Nuclear, Brazil
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IBP2159_14
FATORES HUMANOS E GESTÃO DE RISCOS OFFSHORE
Josué E. M. França 1, Isaac A. J. L. dos Santos 2

Copyright 2014, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP


Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014, realizado no período de 15 a
18 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento,
seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelo(s) autor(es). Os organizadores não irão traduzir ou corrigir
os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor(es) que este Trabalho Técnico seja
publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014.

Resumo
A atividade de exploração e produção de petróleo offshore, atualmente, é uma das mais importantes atividades
produtivas da sociedade. Construir um poço submarino e elevar o petróleo até uma plataforma, por si só, já apresenta
uma série de riscos. Associado a esta atividade, quando o petróleo chega ao topside da plataforma, há uma série de
operações que preparam este petróleo e gás para a exportação para terra ou navios, o que envolve equipamentos e
processos que empregam altas temperaturas, altas pressões e produtos químicos extremamente reativos. Compreender a
dinâmica dos fatores que afetam a interação do ser humano com todos estes sistemas complexos offshore é fundamental,
pois a perda de controle destes sistemas pode causar acidentes graves, resultando em lesões aos trabalhadores, danos ao
meio ambiente, perdas de produção e crises geopolíticas. Acidentes como os das plataformas Piper Alpha, no Mar do
Norte (1988), P-36, na Bacia de Campos (2001) e Deepwater Horizon, no Golfo do México (2010) mostram que as
consequências de um evento desta natureza são trágicas e todos os esforços devem ser direcionados para evitar sua
recorrência. Por isso, sob a ótica da atual evolução tecnológica, é fundamental considerar na gestão de riscos das plantas
industriais offshore a compreensão da influência dos fatores humanos.

Abstract
The exploration and production activity of an offshore oil platform, nowadays, is one of the most productive activities of
human society. To drill a subsea well and raise the crude oil to a platform, by itself, presents a series of risks. Associated
with this activity, when the crude oil reaches the topside of the platform, there are a number of operations that prepare
the oil and gas to be exported to land or an oil tanker, which involves equipment and process that take high
temperatures, high pressure and extremely chemicals reactive. Understanding the dynamics of the factors that affect the
interaction of human beings with all these offshore complex systems is critical, because the loss of control of these
systems can cause serious accidents, resulting in injuries to workers, environmental damage, loss of production and
geopolitical crises. Accidents such as Piper Alpha platform, in North Sea (1988), P -36 platform, in Campos Basin
(2001) and Deepwater Horizon platform, in Gulf of Mexico (2010), shows that the consequences of such an event are
tragic and all efforts should be targeted to prevent its recurrence. Therefore, from the perspective of current
technological developments, it is essential to consider in the risk management of offshore industrial plants the
comprehension of the human factors influence.

1. Introdução
Historicamente, um grande marco da relação de interação do homem com os sistemas complexos foi a Segunda
Guerra Mundial. Neste período, diversos acidentes ocorreram com aviões de combate, devido ao seu complexo painel
de controle, frente a um despreparado piloto. Esta complexidade foi introduzida com o intuito de vencer a guerra através
da tecnologia, o que de fato aconteceu. No entanto, não foi percebido à época que esta tecnologia dependia
intensamente da ação do ser humano, que não acompanhou, seja por falta de preparo formal ou não, a mesma evolução
______________________________
1
Mestrando, Engenheiro Eletricista e de Segurança do Trabalho – PEA-UFRJ / PETROBRAS
2
DSc, Engenheiro Eletrônico, Pesquisador – PEA-UFRJ / IEN-CNEN
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do sistema com que ele interagia. A partir de então, a humanidade experimentou uma evolução tecnológica
extraordinária, sobretudo no que diz respeito aos ambientes e processos de trabalho. Apesar de toda esta evolução
acontecer e de iniciarem as pesquisas sobre a relação de interação entre o ser humano e os sistemas complexos, há ainda
muitos eventos indesejáveis acontecendo, cuja maior contribuição está na falha ou ausência desta interação. Ademais,
junto com a evolução tecnológica do trabalho, houve também a evolução dos riscos do ambiente de trabalho, onde os
processos de produção apresentam pressões, temperaturas e vazões cada vez maiores, controladas por sistemas cada vez
mais complexos.
Compreendendo esta evolução tecnológica do trabalho dentro do segmento de óleo e gás, percebe-se que o
processo de trabalho em si – procurar petróleo, analisar sua viabilidade técnica e de mercado, para depois o produzir –
manteve-se o mesmo desde 1859, quando o Coronel Edwin L. Drake (Yergin, 2008) perfurou o primeiro poço de
petróleo da História da Humanidade. No entanto, as técnicas, o risco e os impactos desta atividade evoluíram
sobremaneira, resultando nos modernos sistemas complexos de produção offshore. O gerenciamento de riscos das atuais
plataformas de petróleo envolvem processos de produção em modernas e complexas malhas de controle, que lidam com
parâmetros de processos extremamente críticos, exigindo que os operadores tenham uma resposta cognitiva e de
percepção cada vez maiores. Estudar e compreender esta interação entre o homem (operador) e os sistemas complexos
(plataforma de petróleo offshore) é necessário para promover um adequado e abrangente gerenciamento de riscos, pois
diante das inerentes pressões geopolíticas do segmento de óleo e gás, acidentes graves podem inviabilizar a
continuidade de uma empresa ou, até mesmo, causar uma crise econômica em um país.

2. Fatores Humanos
Segundo Gordon (1996), entende-se como fatores humanos o estudo científico, no ambiente de trabalho, da
interação entre fatores organizacionais, de grupo e individuais. Neste contexto, fatores organizacionais dizem respeito às
políticas e regras, formais ou não, da empresa; fatores de grupo correspondem à cultura organizacional do ambiente de
trabalho e; por fim, fatores individuais dizem respeito à percepção de risco inerente a cada indivíduo. De acordo com
alguns especialistas, sob a ótica da gestão de riscos de sistemas complexos, somente a falha deste último – fatores
individuais – é o que se pode efetivamente caracterizar como uma falha humana. Por sua vez, Delmotte (2003), define
que fatores humanos são todos aqueles elementos de um sistema complexo que possuem direta relação com aspectos
relativos ao ser humano, interagindo entre si ou com outros elementos distintos deste sistema. Apesar da abordagem
segmentada apresentada por Gordon (1996), tanto este autor quanto Delmotte (2003), compartilham da mesma
perspectiva de que o estudo de fatores humanos deve contemplar as interações entre o trabalhador e todos aqueles
elementos, do ambiente laboral, relacionados ao ser humano.

2.1. A Evolução dos Fatores Humanos


O termo fatores humanos foi, durante muito tempo, um sinônimo de ergonomia, o que é compreensível, pois
ambas as disciplinas envolvem assuntos multidisciplinares, tais como engenharia, psicologia, administração, medicina
etc e também buscam compreender a interação do ser humano com os elementos tecnológicos dos seus ambientes de
trabalho e vivência. No entanto, apesar desta semelhança e de historicamente a ergonomia anteceder aos fatores
humanos, o desenvolvimento destas disciplinas seguiram linhas diferentes. Os fatores humanos buscam compreender a
interação (como um todo) do ser humano com os processos e as tecnologias dos sistemas (sobretudo os sistemas
complexos), enquanto que a ergonomia busca uma abordagem mais compartimentalizada, adotando três conceitos
distintos de ergonomia: física (ou antropométrica), cognitiva e organizacional. Complementando esta abordagem, há
também a ergonomia de concepção, que consiste na aplicação de todos os conceitos de ergonomia na etapa de projeto
de um sistema ou instalação.
Em uma abordagem mais atual, sob a ótica do gerenciamento de riscos de sistemas complexos offshore, Ponte
Jr (2014) define fatores humanos como um tema multidisciplinar que comtempla vários ramos do conhecimento
científico e tecnológico, tais como engenharia, psicologia, biomecânica, antropometria, física, comunicação, sociologia,
além de estar intimamente relacionado com a cultura de segurança de uma organização. Analisando esta definição,
percebe-se que muitos assuntos que outrora eram domínio exclusivo da ergonomia, hoje são estudados integradamente
entre fatores humanos e ergonomia, buscando uma sinergia das contribuições destas disciplinas na busca de um
entendimento mais completo e coerente da interação do homem com os modernos sistemas sociotécnicos complexos.
Segundo Carvalho e Vidal (2008), sistemas sociotécnicos complexos são aqueles onde as atividades de trabalho não
ocorrem isoladas, ou seja, os trabalhadores interagem entre si e com a tecnologia dos processos e equipamentos, em um
ambiente de trabalho permeado pelas regras e cultura da organização. Ou seja, de forma geral, pode-se afirmar que tanto
a ergonomia, quanto os fatores humanos buscam entender as questões cognitivas, organizacionais e psicofisiológicas
que afetam o desempenho do ser humano quando este interage com sistemas, processos e artefatos tecnológicos.

2.2. Os Fatores Humanos na Indústria de Petróleo Offshore


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De acordo com as estatísticas apresentadas por Kariuki e Lowe (2007), mais de 80% dos acidentes que
ocorrem em indústrias químicas e petroquímicas possuem a falha humana como um dos fatores causadores deste evento
indesejável. Para corroborar esta afirmação, analisam grandes acidentes que estão dentro destas estatísticas como, por
exemplo, o da plataforma Piper Alpha, no Mar do Norte, em 1988. Este acidente causou a fatalidade de 167
trabalhadores e a perda total desta unidade offshore. Este desastre é um exemplo importante de como fatores humanos e
organizacionais podem causar acidentes de dimensões catastróficas. Após este acidente, o Governo Britânico instaurou
uma comissão de investigação, sob a liderança de Lord Cullen, membro do Parlamento Britânico. Como resultado das
conclusões desde inquérito, em 1990, foi elaborado o documento The Public Inquiry into the Piper Alpha Disaster,
também conhecido como Relatório Cullen (Matsen, 2011). Este relatório trouxe consigo diversas contribuições para a
gestão de riscos offshore, inclusive identificando falhas relativas aos fatores humanos.
Com base nos ensinamentos trazidos por estes e outros acidentes, Governos e organismos reguladores mundiais
deste segmento industrial desenvolveram normas, textos técnicos e boas práticas que contribuem para a gestão de riscos
offshore. No Brasil, a ANP publicou em 2007 a Resolução ANP nº 43 que institui uma série de obrigações legais para o
desenvolvimento de atividade de exploração e produção de petróleo offshore, incluindo em seus anexos o “Regulamento
Técnico do Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional das Instalações Marítimas de Perfuração e Produção
de Petróleo e Gás Natural”, também conhecido como Regulamento SGSO da ANP, cujo principal objetivo é:
“...estabelecer requisitos e diretrizes para implementação e operação de um Sistema de Gerenciamento da Segurança
Operacional (SGSO), visando a segurança operacional das instalações marítimas de perfuração e produção de
petróleo e gás natural, com o objetivo de proteger a vida humana e o meio ambiente, através da adoção de 17 práticas
de gestão.”
Neste documento, na Prática de Gestão Nº 4: Ambiente de Trabalho e Fatores Humanos, verifica-se a
preocupação da ANP quanto aos fatores humanos em todas as etapas da atividade produção de petróleo offshore,
inclusive já contextualizando as questões organizacionais e suas inter-relações, quando aborda o “Ambiente de
Trabalho”. Fica evidente que, além de considerar a alocação de fatores humanos nas atividades de exploração e
produção offshore que já estão em operação no Brasil, esta Prática também considera a alocação de fatores humanos na
etapa de projeto, onde é possível o desenvolvimento de sistemas mais seguros e eficientes sem que se façam alterações
críticas em estruturas de aço, mas sim no desenho de projeto, produzindo uma unidade de produção offshore mais
segura e adequada aos trabalhadores que executarão suas atividades a bordo desta embarcação.
Diante de publicações como o Relatório Cullen e o Regulamento SGSO da ANP, é notado que a gestão de
riscos de plantas industriais que operam em alto-mar é algo crítico. Por isso, compreender a influência dos diversos
fatores que afetam a segurança dos ambientes de trabalho offshore é fundamental, não só para promover a segurança e
saúde de todos os trabalhadores, mas também para impedir situações catastróficas, tais como, por exemplo, o acidente
da plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010, apresentado na Figura 1. Este acidente resultou na
trágica fatalidade de 11 pessoas e, segundo o Governo norte americano, um derramamento total de 4.9 milhões de barris
de petróleo, causando também diversas oscilações no preço do petróleo à época, evidenciando o papel estratégico e
geopolítico desta commodity (Bea, 2011).

Figura 1 – Acidente da Plataforma Deepwater Horizon, Abril de 2010.


Fonte: Final Report on the Investigation of the Macondo Well Blowout (2011).

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2. Sistemas Complexos Offshore


O segmento industrial do petróleo, que engloba toda a cadeia produtiva de petróleo e seus derivados, apresenta
desde a sua gênese uma série de riscos inerentes à atividade. Por muitos anos, investir nesta indústria significava jogar
com a sorte e, até hoje, alguns especialistas ainda afirmam que continua da mesma forma (Shah, 2011). Para se entender
mais adequadamente os riscos inerentes desta atividade, é necessário compreender como cada segmento funciona, suas
características principais e peculiares. De acordo com Figueiredo (2012), a indústria de petróleo pode ser dividida em
três grandes segmentos distintos: o upstream, envolvendo as fases de exploração e produção; o midstream, que abrange
os navios-tanque, oleodutos e demais equipamentos utilizados para transportar o óleo e o gás da área de produção para
os terminais e refinarias; e o downstream, que consiste nas atividades de refino (para a obtenção de derivados),
comercialização e distribuição para os consumidores destes derivados.
Para se contextualizar melhor a gestão de riscos de cada um destes segmentos, propõe-se uma superficial
análise de riscos de um mesmo cenário de vazamento para o segmento de upstream e para o segmento de downstream.
No upstream (atividades de E&P), a contenção de um vazamento de petróleo é extremamente crítica, sobretudo no que
diz respeito à produção offshore. Já no segmento de downstream (refinaria), a contenção de um vazamento de petróleo é
mais controlada, uma vez que os tanques de armazenamento possuem diques projetados para conter o produto vazado,
que depois será reprocessado pela própria refinaria. Além disso, o vazamento em uma refinaria, em tese, ficará restrito
ao perímetro desta unidade, enquanto que um vazamento em uma plataforma offshore afeta diretamente uma grande área
onde está localizada, causando, a depender do volume vazado, consequências ambientais, sociais, econômicas e
geopolíticas gravíssimas.

2.1. A Indústria de Petróleo Offshore no Mundo


Tradicionalmente, as atividades de exploração e produção de um país começam em terra, para depois
gradativamente migrarem para o mar, tal como aconteceu nos EUA, Rússia e Brasil. Segundo Yergin (2008), as
atividades de exploração e produção de petróleo offshore, começaram no início do século XX, nos EUA, na região do
Golfo do México. Nesta mesma época, na região do Mar Cáspio, onde atualmente é o Azerbaijão, Levine (2008) afirma
que também surgiram iniciativas de produção fora da costa, mas em escala bem menor do que a do Golfo do México.
Para acontecer esta migração da terra para o mar, em ambos os casos foi utilizada a mesma iniciativa: adaptação das
técnicas e equipamentos da produção em terra para a nova produção no mar. Ou seja, os riscos que a atividade de E&P
apresentava em terra, depois desta migração, foram acrescidos dos riscos inerentes a qualquer atividade marítima: as
mudanças climáticas bruscas, o risco de afundamento, o risco de afogamento, a mudança das marés, as grandes ondas
etc. De forma resumida, pode-se concluir que, além dos riscos da própria produção de petróleo em si, a gestão de riscos
de sistemas complexos offshore deve contemplar, também, todos aqueles riscos inerentes a qualquer atividade industrial
em alto-mar.

2.2. A Indústria de Petróleo Offshore no Brasil


A produção de petróleo em alto mar no Brasil começou em 1969, na Bacia de Sergipe, campo petrolífero de
Guaricema, situado a uma lâmina d’água de aproximadamente 30m de profundidade. Com o desenvolvimento deste
segmento industrial no Brasil, outras regiões petrolíferas foram sendo descobertas, iniciando em 1975 a produção dos
campos de Ubarana e Agulha, no litoral do Rio Grande do Norte. Pouco tempo depois, em 1977, iniciou-se a produção
do Campo de Enchova, na região da Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro (Morais, 2013). Desde este
momento, até os dias de hoje, esta é maior província petrolífera do Brasil e, de acordo com a ANP, em números atuais,
esta região é responsável por quase 80% da produção de óleo e gás no país.
De acordo com Thomas (2004), as primeiras unidades de perfuração marítimas eram simplesmente sondas
terrestres montadas sobre uma estrutura metálica fixa para perfurar em águas rasas. Eram empregadas as mesmas
técnicas utilizadas em terra, que funcionaram com sucesso por algum tempo. No entanto, a necessidade de perfurar em
águas mais profundas fez surgir novos tipos de equipamentos e técnicas especiais orientadas especificamente à
perfuração em alto-mar. A gestão de riscos da atividade de E&P, que até 1969 estavam limitadas os riscos desta
atividade em terra, passou a comtemplar, também, todos aqueles riscos inerentes a qualquer atividade industrial em alto-
mar do Brasil.
Atualmente, existem diversos tipos de plataformas offshore, cada uma projetadas de acordo com as
necessidades de exploração e produção das diversas províncias petrolíferas do Brasil e do Mundo. O emprego de cada
um destes tipos fica condicionado à lâmina d’água, condições de mar, relevo do fundo do mar, disponibilidade de apoio
logístico e, principalmente, a relação custo benefício. Os tipos de plataformas offshore mais utilizadas atualmente são:
plataformas fixas, plataformas auto-eleváveis, plataformas submersíveis, plataformas Tension Leg e plataformas FPSO
(Floating, Production, Storage and Offloading) (Thomas 2004).
As plataformas FPSO desempenham um papel estratégico na produção de petróleo no Brasil, uma vez que este
tipo de unidade é a mais empregada nos poços de produção em águas profundas, ultra-profundas e na província
petrolífera do Pré-sal (Figueiredo, 2012). Este tipo de plataforma, representada pela Figura 2, na maioria dos casos, são
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navios petroleiros convertidos para unidades de produção, sendo sua estabilidade garantida por uma série de sistemas de
controle dinâmico. No convés desta embarcação (topside), são instaladas plantas de processo para separar e tratar os
fluidos produzidos pelos poços. Depois de separado da água e do gás, o óleo produzido é armazenado nos tanques do
próprio navio, para então ser transferido para terra através de navios aliviadores ou oleodutos. Por sua vez, o gás é
expedido através de navios de LGN ou gasodutos, sendo que grande parte deste combustível é utilizado na própria
plataforma para a geração de energia e elevação artificial de petróleo, chamada de gas-lifiting.

Figura 2 – Plataforma FPSO Cidade de Angra dos Reis, Bacia de Santos.


Fonte: www.mme.gov.br, acesso em Abril/2014.

As plataformas FPSO são o típico sistema complexo offshore em que a gestão de riscos deve contemplar em
suas análises questões relativas aos fatores humanos, pois a moderna tecnologia empregada nesta embarcação exige
muito da capacidade cognitiva dos trabalhadores que interagem com seus sistemas. Além disso, por se tratar de um
navio petroleiro adaptado para ser uma plataforma offshore, as plantas de produção, processos e utilidades apresentam
espaços físicos diminutos e compactos, o que trazem importantes questões ergonômicas à discussão. Ou seja, neste tipo
de plataforma, a gestão de riscos deve considerar uma abordagem mais sistêmica, não apenas analisando os riscos
inerentes aos equipamentos e processos, mas também em relação à organização e aos fatores que influenciam na
interação do ser humano com os dispositivos tecnológicos, abrindo oportunidade de compreensão da falha humana.

2.3. Normas de Segurança Aplicáveis a Plataformas de Petróleo Offshore no Brasil


No Brasil, o guardião da relação laborativa e da segurança e saúde dos ambientes de trabalho é o MTE –
Ministério do Trabalho e Emprego. A Constituição Federal e a CLT são as legislações que garantem esta guarda de
forma abrangente, e não específica. Para atuar de forma específica, o atual MTE criou em 1978, através da Portaria
3214, as Normas Regulamentadoras, também chamadas de NRs, que versam especificamente sobre as mais diversas
atividades laborativas do Brasil e suas exigências quanto a Segurança e Medicina do Trabalho. Nesta data, foram
publicadas 28 Normas e, com a natural evolução do trabalho no Brasil, foi necessário atualizar algumas destas Normas,
o que vem acontecendo regularmente. Além disso, foi necessário criar novas Normas para regulamentar as relações
trabalhistas que não foram totalmente, ou adequadamente, contempladas pela Portaria 3214 de 1978. Atualmente, há 36
Normas Regulamentadoras publicadas.
Não há dúvida de que todas estas NRs são importantes e adequadas para atividade de produção de petróleo em
alto-mar. No entanto, analisando mais detalhadamente estas normas, percebe-se que o anexo 2 da NR-30, intitulado
“Plataformas e Instalações de Apoio”, publicado em 2010, pode ser classificado como a NR mais relevante deste rol,
pois trata com propriedade assuntos específicos da atividade de exploração e produção de petróleo e gás no subsolo
marinho. Outras normas também abordam exigências de segurança, meio ambiente e saúde, também chamado de SMS,
nos ambientes de trabalho offshore, mas não tão especificamente quanto o anexo II da NR-30. Por exemplo, a norma
NR-33 (Espaço Confinado), que aborda os espaços confinados das indústrias como um todo, incluindo os das
embarcações e plataformas; a norma NR-34 (Indústria da Construção e Reparação Naval), que estabelece os requisitos
de SMS para a construção e reparo de todos os tipos de embarcações, incluindo as plataformas que já estão operando
em alto-mar e as que estão nos estaleiros; e a norma NR-35 (Trabalho em Altura), que estabelece as medidas de
proteção para o trabalho em altura das indústrias em geral, o que inclui todo o segmento offshore.
Além das legislações do MTE, no que diz respeito às atividades realizadas nas águas e costas brasileiras, é
também necessária a observância obrigatória das NORMAMs, que são as normas da Autoridade Marítima Brasileira,
instituídas pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil.
A atividade de produção de petróleo e gás em alto-mar não é uma exclusividade do Brasil e, de fato, as
primeiras perfurações offshore aconteceram bem antes do início das operações brasileiras em alto-mar. Por isso, bem

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antes das legislações brasileiras, já havia a regulamentação desta atividade no país, proporcionada por uma série de
entidades e leis que regiam esta atividade no Mundo. Além disso, por se tratar de alto-mar, há exigências internacionais
cabíveis a toda e qualquer atividade que ocorra neste ambiente. A seguir, de forma sintetizada, são apresentadas algumas
entidades, códigos e normas exigidos internacionalmente para desempenhar a atividade de exploração e produção de
petróleo em alto-mar.
• Regulamentações IMO (International Maritime Organization): normas e recomendações de segurança das
operações marítimas em geral.
• SOLAS (Convention for the Safety of Life at Sea) e suas emendas em vigor: diretrizes de segurança da vida
humana no mar.
• LSA Code (Life-Saving Appliances): normas de segurança para atividades em embarcações.
• FSS Code (International Code for Fire Safety Systems): normas de prevenção e combate a incêndio em alto-
mar.
• MODU CODE (Code for the Construction and Equipment of Mobile Offshore Drilling Units): padrões
mínimos de segurança operacional para as plataformas de perfuração em alto-mar.
• MARPOL (International Convention for the Prevention of Maritime Oil Pollution from Ships):
regulamentação de prevenção da poluição do mar.
• COLREG (International Conference on Revision of the International regulations for Preventing Collisions at
Sea): recomendações de segurança para prevenir abalroamento de embarcações no mar.

Agregando mais segurança e garantindo o cumprimento das leis exigidas pelas publicações e entidades
anteriormente apresentadas, as empresas que atuam no seguimento de óleo e gás offshore no Brasil, de forma geral,
também desenvolvem normas e recomendações internas, de aplicação somente no âmbito da empresa que as criou, mas
podendo também ser exigida a terceiros, em situações em que as cláusulas contratuais assim o permitam.

3. Gestão de Riscos de Sistemas Complexos Offshore


Compreender as interações cognitivas do ser humano e os aspectos organizacionais envolvidos na operação de
um sistema complexo como uma plataforma de petróleo offshore, contribui decisivamente para o gerenciamento dos
riscos e a construção de uma robusta cultura de segurança, o que também irá se refletir na segurança de processos e na
segurança de toda a instalação como um todo. Neste contexto, o erro que um operador venha a cometer não é um ato
isolado de um trabalhador, mas sim a consequência do desvio de desempenho deste, quando influenciado por fatores
gerenciais, organizacionais e da cultura de segurança da empresa (Kariuki e Lowe, 2007).
Portanto, para se desenvolver uma adequada gestão de riscos de um sistema complexo offshore, é necessário
compreender de forma sistêmica tudo aquilo que compõe esta gestão, em que meio ele irá se desenvolver e tudo aquilo
que pode influenciá-la. Neste sentido, foram apresentadas no item 2.3 (Normas de Segurança Aplicáveis a Plataformas
de Petróleo Offshore no Brasil) as regulações que compõem esta gestão, ou seja, qual a “regra do jogo” para se
desenvolver os programas de gestão. Por sua vez, os itens 2.1 (A Indústria de Petróleo Offshore no Mundo) e 2.2 (A
Indústria de Petróleo Offshore no Brasil) apresentaram o ambiente em que esta gestão está inserida. No presente item 3
(Gestão de Riscos de Sistemas Complexos Offshore), serão apresentados os fatores que podem influenciar esta gestão,
que se demonstra na relação entre os equipamentos, processos, cultura e os trabalhadores.

3.1. Fatores que Influenciam o Desempenho do Ser Humano


De acordo com Swain e Guttmann (1983), há diversos fatores que influenciam o desempenho dos trabalhadores
em seu ambiente de trabalho, mas de forma analítica, podem ser divididos em três grandes grupos:
- Fatores internos: inerente a cada indivíduo. Têm relação com as características físicas, conhecimentos, experiência,
motivações e expectativas de cada trabalhador. Por exemplo, estado emocional do trabalhador.
- Fatores externos: todo o ambiente de trabalho em que o indivíduo está inserido. Questões ergonômicas relativas aos
equipamentos e procedimentos de trabalho. Por exemplo, a repetitividade em determinadas tarefas.
- Fatores estressores (psicológicos e fisiológicos): são o resultado de um ambiente de trabalho em que as demandas
exigidas ao operador são maiores que suas capacidades e limitações. Por exemplo, longos períodos de vigilância sem
ocorrências (monotonia).
Segundo os estudos de Schwabe e Wolf (2013), um sistema sociotécnico complexo (e.g. plataforma de petróleo
FPSO), que possua ambientes de trabalho em que há fatores estressores presentes, invariavelmente este será um sistema
potencialmente propício a um acidente com grandes perdas e fatalidades.

3.2. Fatores que Influenciam o Desempenho do Ser Humano em Sistemas Complexos Offshore
Tomando como base o processo de trabalho de um operador da área de produção de uma plataforma FPSO,
percebe-se que os fatores que podem afetar seu desempenho começam muito antes do seu embarque. O embarque e o
desembarque são momentos de passagem que demarcam, para o trabalhador offshore, despedidas e recomeços, tanto em
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casa quanto no trabalho (Leite, 2006). Muito tempo antes do embarque, ainda em casa, o trabalhador poderá sofrer de
uma síndrome chamada TPE, Tensão Pré-Embarque, onde seu estado emocional fica alterado para um estado que oscila
entre a atenção máxima de estar prestes a ingressar em um ambiente de alto risco, e a melancolia de estar prestes a ficar
15 dias longe do convívio de pessoas queridas e da família (Leite, 2006). Tudo isso caracteriza os fatores internos
apresentados por Swain e Guttmann (1983), pois dizem respeito à percepção individual e ao estado emocional de cada
um dos trabalhadores que embarcam em uma plataforma.
Pouco tempo depois de deixar o convívio familiar, este mesmo operador, na maioria dos casos, embarca em um
helicóptero que o leva a plataforma FPSO. Ou seja, além dos riscos inerentes ao trabalho offshore, este operador estará
exposto aos riscos da aviação, o que pode ocasionar alto desgaste mental e psíquico, causados pelo medo de acidentes,
pelas condições climáticas adversas, ou pela incerteza da ocorrência do voo. Associado a isto, se este operador morar
longe do aeroporto que embarca para a plataforma, ele também vivenciará todas as tensões do percurso (em terra ou
não) de sua casa até este aeroporto (Leite, 2006). Ou seja, mesmo antes do embarque efetivo na plataforma, o operador
fica exposto a fatores estressores que influenciam no seu desempenho.
A partir do momento em que ingressa na plataforma, este operador da área de produção já começa a interagir
com todos os sistemas complexos que compõem esta planta industrial, o que inclui não somente seu posto de trabalho
do sistema de produção, mas também os sistemas de ancoragem e posicionamento, de utilidades, de prevenção e
combate a incêndio, de escape e abandono, de processamento, de armazenagem (tanques da FPSO), de exportação de
gás e óleo, bem como as áreas de manutenção e inspeção. E por se tratar de um regime de trabalho confinado, há
também as questões relativas à convivência a bordo nas áreas comuns, nos camarotes e nas áreas de lazer. Neste
momento, percebe-se que o operador está completamente imerso na relação homem X sistema (máquina), interagindo
com o espaço físico de todos os ambientes da embarcação, com as demandas físicas exigidas pelas tarefas que executa,
com as demandas cognitivas que os artefatos tecnológicos exigem, e com os elementos psicossociais da cultura
organizacional (Hancock e Marras, 2014). A Figura 3 representa graficamente toda esta interação, que irá refletir
diretamente na percepção do operador na interpretação das tarefas, no seu comportamento e, posteriormente, na
execução da atividade.

Figura 3 – Elementos que interagem e influenciam na percepção do operador.


Fonte: Hancock e Marras (2014), adaptado.

Durante todo seu embarque, este operador interage com fatores que influenciarão em sua percepção e, por
conseguinte, decisões e atitudes. As falhas de desempenho do ser humano, ou seja, as falhas humanas, que possam
ocorrer neste contexto poderão vir a serem causas de eventos indesejáveis e, por isso, identificar estes erros e
desenvolver soluções de prevenção ou mitigação deverá ser considerado nas iniciativas de gestão de riscos.

3.3. A Compreensão da Falha Humana no Contexto de Fatores Humanos


A falha humana é uma falha no desempenho do ser humano, ou seja, é um erro. O chamado “erro humano”, que
na verdade é a própria definição do erro, é um tema complexo, subjetivo e multidisciplinar. Alguns especialistas, por
exemplo, apresentam uma abordagem mais psicológica, analisando comportamento e questões cognitivas, enquanto que
outros especialistas adotam uma abordagem tecnológica e ambiental. No entanto, apesar desta diferença de abordagem,
há sempre grande integração, pois os fatores humanos englobam todos aqueles fatores que podem induzir o trabalhador
a cometer uma falha humana, sobretudo quando este está inserido em um ambiente de indução ao erro. Por definição,
ambientes de indução ao erro são locais onde há diversos elementos ambientais e organizacionais que influenciam no
desempenho e na percepção cognitiva do trabalhador, de forma que este venha a cometer um erro, tal como apertar uma
tecla ou botão, ler um instrumento, escrever ou digitar um valor numérico, acionar uma válvula etc. Em resumo, pode-se
dizer que fatores humanos são todos aqueles fatores – físicos, ambientais, organizacionais e pessoais – que afetam o
desempenho do trabalhador na sua interação com os sistemas sociotécnicos complexos de seu ambiente de trabalho.

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Segundo Hollnagel (2004) uma falha ou alteração no desempenho do trabalhador não deve ser entendida como
uma falha humana, mas sim como ajustes e adaptações executadas com o objetivo de lidar com a complexidade e
demandas dos sistemas. Ou seja, os operadores que estão efetivamente interagindo com os artefatos tecnológicos na sala
de controle ou na planta industrial, precisam realizar intencionalmente alterações em seu desempenho para responder
adequadamente às exigências de interação destes sistemas sociotécnicos complexos. Complementando, Hollnagel
(2004) observa que estas alterações no desempenho se tornam necessárias em muitas situações para que os objetivos dos
processos de trabalho sejam atendidos, porém, em alguns casos, tais falhas podem levar à ocorrência de consequências
indesejáveis. É necessário, portanto, monitorar o desempenho de forma a diferenciar os fatores humanos que afetam o
desempenho daqueles que induzem ao erro. Os fatores que afetam somente o desempenho devem ser analisados para
identificar se algo deve ser alterado nos procedimentos, ambiente de trabalho, capacitação dos trabalhadores ou
programas de gestão. Por outro lado, os fatores que induzem ao erro devem ser identificados, entendidos e tratados
adequadamente, de modo que não venham a se tornar causas de eventos indesejáveis.
Em uma abordagem mais técnica, Ponte Jr (2014) apresenta a falha humana como inevitável, tal qual
terremotos, furacões, tempestades etc e, da mesma forma que a engenharia desenvolve recursos de segurança para
gerenciar os riscos destes eventos da natureza, ela também deve fazer o mesmo para os riscos decorrentes do erro de
pessoas em seus ambientes de trabalho. Segundo este autor, cabe aos engenheiros reconhecerem nos sistemas complexos
a possibilidades de falhas humanas, e então desenvolver meios técnicos que reduzam suas consequências, pois tratar os
fatores humanos relacionados a um determinado ambiente é também reduzir o potencial de indução ao erro.
Avaliando integradamente os estudos de Hollnagel (2004) e Ponte Jr (2014), percebe-se que a engenharia tem
um papel fundamental no desenvolvimento de sistemas que contemplem estratégias de proteção às falhas humanas. No
entanto, é importante ressaltar que estas estratégias devem sempre buscar uma análise abrangente dos fatores humanos,
sob a perspectiva de uma equipe multidisciplinar, que forneça subsídios das dimensões técnicas e humanas.

3.4. A Contribuição dos Fatores Humanos na Análise de Acidentes Offshore


De acordo com Kletz (2009), que apresenta uma abordagem mais técnica sobre as falhas humanas, todos os
eventos indesejáveis, ou seja, acidentes, incidentes e desvios de desempenho, são atribuídos a erros do trabalhador,
independente de sua posição hierárquica ou organizacional. Ou seja, todas as pessoas que fazem parte do ambiente de
trabalho podem cometer erros, de diferentes formas, por diferentes razões. De forma a melhor identificar estas falhas
humanas, sob uma égide mais técnica e de engenharia, Kletz (2009) classifica os erros da seguinte forma:
- Erros (mistakes): estes ocorrem porque alguém não sabe o que fazer. É o erro propriamente dito, ocasionado pela falta
ou inadequação de treinamento, instruções ou métodos de trabalho. Por exemplo, um operador que abre uma válvula de
lastro que deveria ser mantida fechada.
- Violações ou não cumprimentos (violations or noncompliance): estes ocorrem porque alguém decide, deliberadamente
ou não, ignorar as instruções, procedimentos ou boas práticas reconhecidas. Por exemplo, um operador que decide não
seguir o procedimento técnico de amostragem de petróleo que determina a utilização obrigatória de equipamentos de
proteção individual.
- Inaptidões (mismatches): o trabalho está além da capacidade física ou mental da pessoa designada para fazê-lo, ou
ainda, além da capacidade de qualquer pessoa. Por exemplo, um operador que monitora na sala de controle de uma
planta industrial offshore, diversos sistemas diferentes ao mesmo tempo, com diversas telas diferentes, que geram
alarmes diferentes e com níveis de ação também diferentes.
- Deslizes e lapsos de atenção (slips and lapses of attention): estes são inevitáveis ao longo do tempo e, por isso, devem-
se mudar os projetos ou métodos de trabalho como forma de eliminar, ou atenuar, a falha humana. Por exemplo, em um
painel de acionamento de turbo-compressores de gás natural de uma plataforma, utilizar cores diferentes das cores-
padrão ou etiquetas de identificação com informações incompletas.

Sistemas sociotécnicos complexos, como uma plataforma FPSO, possuem diversos ambientes de indução ao
erro que podem causar deslizes ou lapsos de atenção e, por isso, a gestão de riscos deve buscar elementos de proteção e
ferramentas de análise compatíveis com a demanda cognitiva dos artefatos tecnológicos que compõem este sistema.
Assim como Kletz (2009), para a análise de acidentes, Reason (1997) também adota uma metodologia de
classificação da falha humana, categorizando os erros em três tipos: falhas de habilidade, falhas no cumprimento de
regras e falhas de conhecimento. No entanto, apesar de Reason (1997) adotar esta categorização, sua concepção de erro
é mais abrangente do que a de Kletz (2009), similar à proposta por Hollnagel (2004), pois analisa o desempenho
humano sob uma perspectiva psicológica e organizacional, qualificando o erro como uma falha de gestão da
organização, em seus vários níveis, e não somente como uma falha do indivíduo, criando um conceito chamado de
acidente organizacional. Reason (1997) afirma que os acidentes organizacionais são eventos que acontecem devido à
combinação de dois elementos: 1) condições latentes oriundas da gestão, da cultura e dos ambientes da organização e 2)
falhas ativas, que são os erros propriamente ditos, cometidos pelos trabalhadores. Sendo assim, somente quando há
falhas nas barreiras de proteção destes elementos, que efetivamente um acidente irá ocorrer. Estas falhas nas barreiras de
proteção são “buracos”, dando origem à chamada “Teoria do Queijo Suíço”, como pode ser visto na Figura 4.

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Figura 4 – Teoria do Queijo Suíço de James Reason.


Fonte: Reason (1997), adaptado.

Analisando esta Teoria, percebe-se que estes buracos podem ser considerados como falhas no sistema de
gestão, falhas no tratamento dos fatores humanos, falhas de uma cultura organizacional que não preza pela segurança e
falhas na concepção ergonômica dos ambientes de trabalho. E ainda, agregando os conceitos de erros, violações,
inaptidões e lapsos de atenção propostos por Kletz (2009), observa-se que todos estes elementos, isolados ou
combinados, apresentam relevância na compreensão dos fatores humanos que contribuem nas causas dos acidentes.

4. Considerações Finais
O ser humano é o “sistema complexo” mais complexo e subjetivo que existe. Além disso, ele tem a capacidade
plena de conceber, construir e operar outros sistemas tão complexos quanto ele próprio. Compreender e estudar a
interação entre este “sistema complexo ser humano” e os demais sistemas sociotécnicos complexos das plantas
industriais offshore é um desafio à parte para as ciências humanas e tecnológicas.
A gestão de riscos de sistemas complexos offshore deve contemplar questões relativas aos fatores humanos
muito antes do embarque. Se o trabalhador não estiver preparado para o embarque, será necessário desenvolver
estratégias de preparo para este trabalhador. Não se trata simplesmente de classificar um trabalhador como apto ou
inapto. É necessário se apropriar das questões que afetam o desempenho do trabalhador, nas dimensões técnica e
psicológica, contanto com profissionais habilitados – projetistas, médicos, psicólogos, engenheiros – para identificar e
analisar as questões relativas às suas especialidades. Todas as ciências que possam contribuir para o estudo da influência
dos fatores humanos na gestão de riscos de sistemas sociotécnicos complexos devem trabalhar juntas e integradas.
De uma forma geral, as tradicionais técnicas e metodologias de análise de riscos, ainda não possuem uma
dimensão específica para o tratamento dos riscos associados aos fatores humanos, até mesmo porque seu objetivo
precípuo são os processos, sistemas e equipamentos. No entanto, estas técnicas e metodologias têm se tornado o ponto
de partida para novas soluções que contemplam a análise dos fatores humanos na análise de riscos, como é o caso da
Human-HazOp (Human Hazard and Operability Study), H-FMEA (Human Failure Mode and Effects Analysis),
ATHEANA (A Technique for Human Error Analysis), CREAM (Cognitive Reliability and Error Analysis Method). Ou
seja, sob certa medida, a gestão de risco está buscando acompanhar a evolução tecnológica das relações de trabalho,
sobretudo no que se diz respeito aos fatores humanos em sistemas sociotécnicos complexos. No entanto, isto não
significa que estas ferramentas e metodologias sejam suficientes para a análise dos fatores humanos, pois além da
complexidade dos sistemas tecnológicos continuarem evoluindo, cada cenário acidental é um evento ímpar, onde há
sistemas, processos e falhas com características específicas.
Analisando as considerações propostas por Reason (1997), Hollnagel (2004), Kletz (2009), Ponte Jr (2014),
Hancock e Marras (2014), e muitos outros especialistas que se debruçam sobre as questões relativas aos fatores que
afetam o desempenho humano, fica patente que não há uma solução exata para os problemas evidenciados. No entanto,
ao mesmo tempo, claro está que soluções podem ser desenvolvidas, através da compreensão multidisciplinar dos fatores
humanos, da cultura organizacional e todos aqueles elementos que estão presentes nos ambientes de alta tecnologia e
complexidade das plantas industriais offshore. Acidentes como os das plataformas Piper Alpha (1988), P-36 (2001) e
Deepwater Horizon (2010) são eventos trágicos que trouxeram perdas tanto significativas, quanto inestimáveis. Evitar
que tais eventos aconteçam novamente é prioridade absoluta. Por isso, todos os programas e iniciativas de gestão de
riscos de uma plataforma offshore, de forma integrada, devem contemplar a compreensão dos fatores humanos em todas
as suas estratégias, contribuindo, assim, para a segurança da instalação e de todos trabalhadores.

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Portaria SIT 183 de 11 de Maio de 2010, anexo II da NR-30, Plataformas e instalações de apoio empregadas na
exploração e produção de petróleo e gás do subsolo marinho.
Portaria MTE 202 de 27 de Dezembro 2006, NR-33 Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados.
Portaria MTE 200 de 20 de Janeiro de 2011, NR-34 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da
Construção e Reparação Naval.
Portaria SIT 313 de 23 de Março de 2012, NR-35 Trabalho em Altura.

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