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CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU PROJETOS DE LETRAMENTO NA EDUCACAO INFANTIL' ‘Angela B. KLEIMAN Universidade Estadual de Campinas Resumo ‘A antecipacio obrigatérla do inicio da educacao basica a ctiancas de sels anos é preacupacio dos pals, professores © oulras pessoas interessadas, as quals vee perigo de as crlancas abandonarem prematuramente suas brincadeiras € os ambientes informals de aprendizagem em razao da aprendizagem formal nas salas de aula tradicionats. Neste trabalho mostramos a falacia, associada a0 dogma de aue a alfabetizacao comeca apenas na sala de aula na primeira série, Apresentamos, também, varios exemplos de projetos de letramento envohvendo a comunidade. a familia e a escola, desenvolides nos trés segmentos da Educacao Infantil no sistema de Educagao Municipal. Palavras Chave: projetos de letramento, Educagao Infant LITERACY PROJECTS IN EARLY EDUCATION Abstract ‘The offer of basic education to six year old children that advances the beginning of iteracy programs in Brazil by one year, recently made abligatory by law, worries many parents, teachers and other interested parties, who see in such anticipation the danger of making children abandon all too soon their games and informal learning settings in favor of formal learning in traditional classrooms. This paper shows that its a fallacy to believe that Iieracy starts with the formal teaching of the alphabet in first grade, and presents several examples of literacy projects involving the community, family and schoo! settings, carried out during sesments | to Il of Early Education offered by the city school system: |, for 3 month bables to 2year old toddlers, Il, for children between 2 and 3 years of age, and Il, for children from 3 to 6 years old. Key Words: literacy projects, Early Education. PROYECTOS DE ALFABETIZACION/LETRAMENTO EN LA EDUCACION INFANTIL Resumen {a obligacion legal de la anticipacion, por un aio, del inicio de la educacion para nifios con seis aos preocupa a los padres, profesores y otfos interesacios, que ven el peligro de que los ninos abandonen prematuramente sus Juegos y ottos amblentes informales de aprendizale para ‘empezar el aprendizaje formal en las salas de aulas tradicionales, En este trabajo mostramos la falacia asociada al dogma de que la alfabelizacion empieza apenas en la sla de aula en la primera serie. Presentamos tambien varios elemplos de proyectos de alfabetizacion/letramento. tenvolviendo la comunidad, la Familia y la escuela desarrollados en los tres segmentos | Ill de la Educacion Infantil en el sistema de educacion municipal Palabras clave: Educaci6n Infantil, proyectos, lecto-escritura * agradego as professoras de Educagio infant, alunas da dlscpina Letramento: Teonla © Priticas, do Cutso de Fspectlizatdo Linguagem, Priticas Discushas @ Cianca, do IEL, UNICAMP, polos exemplos de trabalho que estio reallzando, alguns dos quasdscuto neste ensao, outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU 1.0 C40 DE Nove ANOS NA EDUCAGAO INFANTE A ampllacao do Ensino Fundamental (Let 11.274/2006), antecipando a escolaridade obrigatéria para ‘riangas de sels anos, repercute em todo sistema educacional, mais notadamente na Educagao Infantil, ‘cujos estudiosos e praticantes assinalam para um novo ‘perigo’ ediucacional, a saber, ‘a escolarizacao’ desse ‘segmento devido a antecipacao da Introducao da crianca ao ensino sistematico da lingua escrita. Em outras palavras, a introducao a alfabetizacao, Recentemente, um Jornal de circulacao nacional’ destacava um estudo feito por tes pesqulsadoras ‘que apontavam justamente para essa conclusdo; 0 novo modelo educacional restringitia a atiidade Iidica da ‘rianca e aumentaria, desde mais cedo, 0 foco na alfabetizacao, Ressaltava a reportagem que “Pesquisas em iferentes estados mostram que nessas escolas [as que adotaram 0 ensino fundamental de nove anos) os alunos de sels anos perderam parte considerdvel do tempo destinado a brincadeiras e atividades ao ar lve. ‘Agora ficam debrugados sobre livros, exercicios e até provas”. ssa sombria predicao implica que ficar debrucado sobre Ihros, exerciclos ¢ provas é perfeltamente ‘aceltavel para a crianca de sete anos. Isso era ratificado, na reportagem, pelas palavras de uma psicéloga, mae de uma crianca recémalfabetizada, que lamentava 0 fato de seu fllho ter perdido um ano da infancia: “com seis anos, ele tina dever de casa todos os dias, fazia provas /.../ no comeco ele se queixou muito de ‘que nao brincava mas acabou se acostumando. Hoje percebo que meu filho S6 teve cinco anos de Infancia, Ele perdeu um ano de ser crianca.” As afirmacoes da reportagem estao baseadas em diversas falécias, prOprias de uma concepgao bastante limitada da educacao e do ensino, da crianca e da sua inserca0 no mundo socal 1.1 FALAGAT: LETRAMENTO € UM MODELO DE ALFABETZAGAO. Afirmacdes como as da reportagem jomalistica em foco se baselam na fakicia de que a unica forma de circulacto da crianca pequena pelo mundo letrado acontece por melo do ensino sistematico da lingua cescla, Ou seja, que essa Insercao sempre envohe a alfabetizacao. Isso ¢ falso, como 0s Estudos do Letramento yém mostrando nos iltimos quinze anos no pais (KLEIMAN, 1995; TFOUNI, 1995; SOARES, 1998) Fsses estudos focalizam o fenémeno da escrita, nos seus aspectos socials, como um dos fatores de mals Impacto nas sociedades mogemas, Além disso, enfatizam a abrangéncia do fendmeno, que ultrapassa ‘5 limites da modalidade escrita. Nessa perspectiva, sao consideradas atividades letradas aquelas que cenvolvem outros sistemas semidticos, como 0 gestuakcorporal, oul a oralidade e, assim, sa0 consideradas letradas aquelas atividades realizadas pela crianca nao alfabetizada folheando e manuseando um tivro ou. ‘escutando a letura de um conto infantil: ou pelo adulto escutando um programa de radio ou assistindo a uma palestra. Até o proprio estilo de fala de pessoas que leem e escrevem muilo € que, por Isso, adquiem tracos € caractersticas proprias da tessitura da escrita é considerado um estilo letrado de falar, ou uma fala letrada. Do mesmo modo, falar sobre uma histéria que alguém leu, esperar o tumno para falar, responder a uma pergunta retérica tepresentam, todos eles, modos de falar de grupos que Ja cireulam pelas praticas letradas Valortzadas pela socledade. escola impde limites restitvos ao fendmeno do letramento e, certamente, apenas essa limitacao & ‘considerada quando se lamenta a perda de um ano da infancia da crianca, Na verdade, a crianea tem contato ‘com 0 Fendmeno do letramento mutto antes de chegar a escola, No seu dia a dia, esta exposta a uma ampla € variada gama de atividades © textos, que fazem sentido gracas a presenca (onipresenca, diriamos até) da cesctta, Fssa interacao com a escrita pode ser enriquecedora, ou nao, €. por intermédio dela, realiza-se 2 insercao da crianca na cultura do grupo. Nessa perspectiva nao curricular do letramento, a escola poderia ser mais uma instituicao que, junto com a familia, a igieja, 0 comércio, entre outras, proporcionasse ‘oportunidades para a crianca ir conhecendo as diversas funcdes da lingua escrita na sociedade, aproximando- a de textos e de praticas leradas que ampliem suas experiéncias por setem de fato enriquecedores e vallosos. Pode parecer lugar comum dizer que a escola tem funcoes distntas e especiicas quanto ao ensino de valores, Recentemente, liamos a respeito de um projeto em trés escolas de Educacao Infantil" de uma mesma comunidade, 0 qual fora motivado pela obsenacao de que as pequenas criancas nessa comunidade + Falna des, Paulo, domingo & de novembro de 2000, Caderno Cotsano. 2 rratase do projero “Ningueém € ual a ringuém’, de més EME! num baio popular de Campinas, relatado por LOMISARO, Fldva M; FRANCISCO, Ila He TAKAKI Rita de Cassla FF, em reo submetido na dlscpina Letramento: Teoria e Praca, ‘do Curso de Especlalizacao Lnguagem,Prtlcas Discursivase Cilanca, do EL. UNICAMP (28 Semeste de 2009, outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU “1ém contato com adolescents e, assim, multas vezes, querem copiéos ou Imitéos. Temos criancas com brincos, cabelos pintados, mechas, muitos apelides colocadas por elas mesmas, de acordo com 0 fisco, tipo ‘de emprego dos pals, cor e outros” Um dos objetivos do projeto era mostrar as ctiancas que muitos desses comportamentos sao negativos: [Na comuntdade hd muitos caros em gue se atribui a uma caracteritica flsica wn apelido, fais como gordo, narigudo, linguiga, bainho e outros mats: as pichacaes sao algunas dat caracteristcas de rebeldia de jovens, picham em escola, casas e demais esiabelecimentas, Para evtar isso, devemos denionsirar ds eriangas que esses simbolas ou desertos sao mito negatives para a sociedade Em outras palavras, a escola visava, por intermédio do projeto, @ ampliagao € a diversificacao dos valores que as criancas estavam adquirindo no baltto € na familia. Se esse tipo de acao faz parte do trabalho ‘com a crianca na educagao infantil, com maior razao outros valores relaclonados aos letramentos com que @ ‘rianca entra em contato podem ser objeto de projetos escolares. E, multas vezes, ja 0 S40. Talvez nao seja 120 evidente, mas quando 0 educador Ié uma historia do Sact Peteré, pode estar ‘contrapondo valores da escola aos valores da familia, que nao permite, por questoes religiosas, lelturas fantasiosas, Alas, nos casos de riancas cujas famllas usam pouco a escita e, por Isso, aribuemhe funcoes tutitarias apenas (KLEIMAN, 2000), toda vez que Um livro de literatura infantil € lido e, portanto, uma Funcao cestética ou prazerosa esta em destaque, esta havendo uma ampliacao dessas funcdes e valores atribuidos ‘escita pelo grupo familiar. ai uma visao ampliada do letramento — nao como modelo de alfabetizacao — fazer sentido na Educacao Infantil, De modo semelhante as experiéncias em outros espacos em que a escrita crcula, como 0 lar, a igreja, tanto a creche como a escolinha de Educacao Infantil poderiam proporcionar experiénias com atividades letradas: informals @ assistematicas em relacdo ao ensino © aprendizagem do cédigo, porem abjangentes e valiosas em relacdo a exposicao e ao acesso da crianca a diversas fungées socials da lingua cesta 1.2 FAIA: A CRIAMEA VME NLM MUNDO SEM ESCRTA AA segunda facia na qual se assenta 0 tema da reportagem em questao dz respelto ao impacto da cesctta na crianca. Presume'se, na citada reportagem, que o impacto da esctita que permela o mundo social {a ctianca é nulo, ou seja, que a presenca da escrta nem afeta nem é percebida pela crianca. Isso também é also. Desde cedo, a esctita faz parte do mundo da crianca nos murals, cartazes, outdoors, Ivros de contos, ainda que, no comeco, seja para ela indistinguivel do desento. Ava tentativa de manter esse mundo fora do alcance da crianea apenas uma especie de censura precoce e Invlavel do que ela pode ou deve perceber, prestar atengao, querer entender e, por que ndo, er e escrever. Uma inferéncia decorrente da concepeao nao social, curricular, da escrta € a de que ser letrado Implica uma partcipacao auténoma em diversas situacdes de uso da lingua escrita. A participacao da crianca ‘como observadora em varlados eventos letrados nao exige uma patticipacao auténoma, plena. A ctianca que, no lar, é testemunha dos afazeres sustentados por praticas letradas do adultos — como anotar recados, fazer ‘contas, ler corresponcléncia — esta em processo de letramento, pols esta compartihando, de moda informal, a funcdes dos textos que circulam nas situacdes cotidianas de seu grupo social, a natureza dos suportes que labllizam as praticas letradas e, concomitantemente, esta ouvindo as falas que ocorrem para fazer sentido da situacao: pessoas lendo 0s recados, quetxando-se das contas, comentando cartas. Nesse sentido, ja que @ ‘escita rodela a crianea fora da escola, nao faz sentido inibir sua entrada na sala de aula 1.3 FALACA3: A APRENDIZNGEN NO PODE SER LUDICA NEM PRAZEROSA A terceita falicia por trés de comentarios e reportagens, como 0s citados no inicio deste artigo, diz respelto a natureza da aprendizagem. Pressupde-se, no texto jomalistico, que a aprendizagem é incompativel ‘com 0 jogo e a brincadelra e que a atividade lidica nao pode envolver aprenalizagem, Para psicblogos russos, * be fato, a Insereao dessas praicas letradas & importante, especialmente quando se trata de criangas provenientes de amilas com pouca familariade com as pratcas sodals de uso da esca, pols, nesse caso, a escola passa a set uma ‘agencla de leramento prime, 3 outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU ‘como Leontlev, que se dedicaram ao estudo do papel do jogo e da brincadeira na crianca, 0 aprendiz atribul significados tiferentes aos objetos no seu entomo por intermedi da brincadeira (LEONTIEV, 1994). A finalldade do jogo exige algum tipo de transformacao do objeto, com isso desenvone a imaginacao da ctianca, que passa, por sua vez, a estabelecer novas relacoes com © mundo real, num processo de recriacao © ressigificacao desse mundo. Nessa descricao de brincadeira, encontramos encapsulada uma ‘efinicao possivel do processo de aprendizagem: a brincadeira exige a procura de solucoes dinamicas € imediatas, o planejamento das acbes, ciatvidade na elaboracao de estratégias de resolucdo e a constiucao ‘de uma atituce positiva perante 9s erros, tudo com base no ja aprendio (BRASIL, 1998; CINTRA, 2008), Para toda ciianga, mesmo aquelas que tem sete, olto, ou mals anos, 0 processo de aprendizagem & {acltado no jogo, porque 0 brinquedo pode Funcionar como suibstituto dos objetos reais que fazem parte do ‘seu cotidlano na vida em sociedade. Brincando de “escolinha’, “casinha", “supermercado”, “ser Jardineito* ou “ser doutor” a crianca entra em um mundo de faz de conta no qual poe em pratica o que sabe a respelto das regras e do funcionamento das nstiuicoes socials (e cra e experimenta outa regras, se necessatio) de uma forma ldica. Em outras palavras, no mundo imaginério de faz de conta ela age, experimenta, inventa, de acordo com 0s significados dos objetos. Portanto, os desafos ¢ uificuldades prbprios do processo de alfabetizacao © de aprendizagem do codigo, caso sejam apresentados como desafios lidicos, podem tomar a aprendizagem alrativa, leve, prazerosa, Sim, a aprendizagem sistematica pode ser prazerosa ~ € 0 adulto professor que deve estar clente ‘do processo de sistematizacao, nao a crlanca. Na base de declaracdes como as expressas na reportagem, esté 0 temor relativo aos modos de alfabetizar adotados por grande numero de professores: a cianga sendo alfabetizada @ submetida a “reinamentos' de diversas ordens para se apropriar das letras e das palavtas, processo que, frequentemente, transforma em uma copista eximia. A crianca copista pode coplar em letra legivel e ‘bonita’ techos enormes do quadro negro, mas nem decifra o que copia nem produz seus proprios textos (BOSCO, 2005). F, & claro, esse tipo de atividade, que demanda fica sentada, debrucando-se sobre o papel, torcendo e retorcendo seu corpo para envergar © quadro negro, ela sofre, até mesmo fisicamente. A apreensio relativa & insercto no mundo da escrta mals cedo alimentase de uma cancepcio de ensino como transmissao de contetdos, o que também tem uma base na realidade, Jé que ainda hd multos métodos que sobrevalorizam 0 ensino de questiinculas © fatos, cuja maioria nao € significativa para os alunos, a serem memorizados para as provas €, logo a seguir, esquecidos. 2, PRETO DE LERAMENTO 0s desdobramentos de percepcdes fundamentadas numa realidad escolar ainda bastante comum, na qual a norma é a aplicacdo de exercclos e provas macantes, que no fazem sentido para a crianca, S40 ‘compreensivels, porém nao legiimas, quando outras concepcoes da lingua escrita, como a dos Estudos do Letramento, sao adotadas na escola 0 Estudos do Letramento destacam, em contraposicao as atiidades fundamentadas na perspectiva nao social da escita,alividades vinculadas a praticas em que a leitura © 2 escita sao ferramentas para agi socialmente. No Ambito do nosso grupo de pesquisa, propomos que essas praticas podem ser adquiridas por Intermédio e no contexto de projetos de letramento. 0 projeto de letramento se origina de um interesse real na vida dos alunos ¢ sua realizacao envohe (0 uso da escria, Isto €, envolve a letura de textos que, de fato, crculam na sociedad € a producao de textos ‘que serao lidos, em um trabalho coletivo de alunos @ professor, cada um segundo sua capadidade. Assim, © projeto de letramento pode ser consideracio como uma pratica social em que a escita € ulilizada para ating algum outto fim, que val alem da mera aprencizagem formal da escrita,transformando objetivos circulares ‘como “esctever para aprender a escrever" e ‘ler para aptenier a ler” em ler e escrever para compreenider € aprender aquilo que for relevante para o desenvohimento © a realizacao do projeto. Os projetos de letramento requerem um movimento pedagégico que val da pratica socal para o ‘conteddo’ (seja ele uma informacao sobre um tema, uma regta, um estratégia ou procedimento), nunca 0 contratio (KLEIAN, 2000; 2006). 5 Grupo tetramento do Professor, na Base de Pesquisa Lattes do CNP. outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU ‘A Implementacao de um projeto de letramento depende de um professor que, mais do que saber cconteticos, sabe como identificar os interesses das criangas da turma, onde e como procurar dados € Informacoes relevantes para as metas do projeto € como orientar 0 trabalho dos alunos para que eles proprios facam perguntas instigadoras que os motivem a, eles mesmos, coletivamente, —procufar_respostas, desenvolvendo estrategias de aprendizagem e adquirindo saberes ce valor nesse percurso (KLFIMAN, 2000, 2006; TINOCO, 2008), Se 0 ponto de partida de um projeto de letramento € o Interesse do aluno sobre alguma questao ‘que fornecera o tema do projeto, isso garante, por um lado, que a experiéncia do aluno € central e, por outro, ‘que © processo emoherd algum fazer, alguma aco, tal como proposto por John Dewey e pragmaticos ~americanos com o principio de “aprender fazendo” (DEWEY, 1998). ‘Uma exigéncla basica para o projeto ser bem sucedido é que ele se origine de algum interesse da ‘rianca, portanto, que esteja ancorado na sua experiéncia. A dificuldade esta em como determinar quals s30 ‘esses interesses, A obsemvacao dos interesses da crlanca é um bom ponto de partida. Um projeto com criancas na faixa etaria entre trés € sels anos, que abrangeu o plantio de milho, aulas de culinaria, letura de textos ‘iversos (de pintura, textos de histérla, contos) sobre a cultura do mio, iniciouse com a observacao dos ‘gostos literérios da crianga, como relata a professora responsavel: [No infto do amo, a hsiéria da Galinha Rusva fazia muito sucesso entre as ertangas; todos 0s dias na hora da histéria ela estava entre as escolhidas pela twma. Nessa histéria a gzalinha encontra grdos de mitho, planta, rega, colhe, tira patha, debutha, mai no pildo e faz tum delicioso bolo de milho, tudo sozinka, pois seus amigos, o patinho e 0 porguinko £6 querem brincar.* Tambem a obsenacao do que a crianga nao gosta pode ser um ponto de partida, embora nesse caso ‘seja necessario ao educador ficar mais atento para nao perder de vista o aspecto lidico do trabalho. Como ‘exemplo, cliamos 0 projeto “Aprendendo e Viendando bons ndbitas”, que se originou da observacao sobre (0 desperdicio de comida apés 0 lanche, pois as ctiancas, de 3 a4 anos, nao aceitavain comer as verduras € frutas que faziam parte do cardapio escolar. Com base nessa constatacao, foram planejadas atividades de plantio e coleta de alface na horta, elaboracao de bilhetes aos pais para o envio de ingredients, entrexistas ‘com as cozinheitas, preparacao © degustacdo de salada de frutas, elaboracao de graficos e outros registtos ‘que acabaram interessando nao s6 as ctiancas daquela turma, mas despertando a curioskdade de outras turmas. Dentro da mesma categoria de projetos, que nao partem da curiosidade e interesse no tema que a ‘rianca manifesta explictamente, estao aqueles que partem da necessidade de resolver algum problema Imediato que pode afetar 0 bem-estar da crianca na escola. ESSe fol 0 caso do projeto “Uma mao lava a ‘outta, realizado com ctiancas na falxa etaria de 2 anos e melo a ws anos, que visava conscientizé-as sobre a necessidade de manter as maos limpas para evitar perigo de cantaglo com o virus da gripe suina. Em outras situacdes, quando se trata de bebés, por exemplo, © projeto pode contribuir para o letramento da crianca indiretamente, por meio do trabalho com a Comunidade e os adultos que culdam dela. a projeto “Nossas historias — textos e vidas — consttuindo um iivro", participaram as famillas e os monitores ‘das criancas, de sete meses ate um ano e melo, que registravam, em cadernos, algum momento da vida do bebé. Segundo a professora que Idealizou esse projeto’, a maloria dos objetivos concemia A crianca, tals, ‘como confeccionar um livrinho que pudesse ser lido pela crlanca no futuro; registrar um ano da vida da ‘lana e da creche, ou, ainda “alar um texto muftimodal no qual as criangas pequenininhas possam reconhecerse atraves das imagens primeiramente € de leitura de relates quando comegam a entender a mensagem’. Porém, ela elenca, também, objetivas visando a aproximacao dos adultas que tomavam conta da ‘rianga, tal como “estrelfarlacos afetivos entre familia e creche através dos textos", “resgatar com 0s adultos a Tuncao da escrita” “trabalhar com 0 adulto 0 prazer da escrta e da leltura,valorizando um texto construido * VEZALL, Sila H. P, em relaténio submetido na discpina Letamento: Teotla e Pratcas, do Curso de Especialzacae Lunguagem, Pratias Discurshase Clanca, do IEL, UNICAMP (2° Semesre de 2000) Relatado por CHAPARI, Alessandra ST, em relat apresentado na dsciplina Leramento:Teoae Prétcas, do Curso de specilizacao Linguagem,Prticas DIscurshas@ Clanca, do TEL, UNICAMP (2° Semestre de 2008) 5 projeto de COSTA, Celly dos Santos, aprasentado em relatdlo para 2 dscpina Lettamento: Teorlae Praticas, do Curso de Especilzarao Unguagem,Prtias Discurshas @ cnanca, do TEL, UNICAMP (2° Semesite de 2009) * MONARL Vania Ap. 5. D., om relat apresentado na dscpina Letramento: Teoria e Pratcas, do Curso de Especialzacae LUnguasem,Pratias Discurshas e Crlanca, do IEL, UNICAM (2 Semestte de 209) 5 outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU por todos”. Exclusivamente para os funcionérios (educadoras @ monitoras) da creche, ela lista 0 objetivo de “petmitr que através da escrita possamos conhecer mais sobre a ctianca e a familia’ Certamente, as atividades necessarias para a consecucao desse projeto, como customizacao de cada ‘cadesno para que ele ficasse diferenciado; explicacao oral sobre o livro na primeita reuniao com os pals; bilhetes explcativos para os pais; exposicao dos livrinhos; planejamento, com os pais, das alividades de registro de momentos da vida do bebé, sa0 todas situacoes em que 0 papel da escrita passa a ter novas Tungdes para o adulto que, em decorréncia diss, insere-se num processo de fetramento, Cabe lembrar que, toda vez que 0 individuo, mesmo com alto nivel de escolaridade, se depara com uma situacao desconhecida na qual deve ler, escrever, falar sobre algum texto (por exemplo, de um contrato ‘de senicos para o cerimonial de um casamento), ele esta em processo de letramento. Dal ser provavel que a ‘expetiéncia idealzada pela educadora responsivel tena se constituido numa pratica de letramento para os adultos que culdavam dos bebés na familla, geralmente as maes ~ “domésticas, faxineiras, recepcionistas, Manicures, cabeletreitas, monitoras e também algumas desempregadas” -, Inserindoas em uma atlvidade ‘que, certamente, proporcionou a elas uma oportunidade de aprender novas funcdes da lingua escrita © ‘exercer novos papels como agentes de letramento na familia. 3. 0 pRoJETO DE LETRAMENTO.CONO ENO ESTRUTURANTE DAS ATMOADES CURRICULARES Adotar o projeto de letramento como modelo dldatico implica fazer da prética social o elemento cestruturante das atividades curticulares (KLEIMAN, 2006). Nesse sentido, 08 projetos de letramento permitem uma ressignificacao do ensino da lingua escrita(e, mais tarde, do ensino de lingua portuguesa, v. TINOCO, 2008) ao fornecer um modelo didético flexivel que leva em conta os objetivos conteudos do segment ‘educacional — sem fazer deles 0 ponto de partda do trabalho escolar — © que permite que o aprendiz (sela ele crianca, adolescente ou adulto) aprenda fazendo. Em outras palavras,tralase de um modelo para que se aprenda a ler e escrever sem pensar nas dificuldades, mas na melhor estratégia de se apropriar do sistema para chegar aonde se propoe chegar com sua acao. Para tanto, 0 professor precisa ter mais controle do processo, pois ele mantém em mente quais ccontetidos, attudes, comportamentos ja foram abordados quantas vezes, de que modos, se eles ja foram suficientemente focalizados, se prectsam de reforco, e de que tipo, sempre mantendo um registro das atividades da turma. Além disso, ele deve estar disposto, como em todo e qualquer projeto, a conviver com a Incerteza, pols, em funcao do andamento do trabalho, as suas metas podem ser redefinidas no processo. Tinoco (2008, p. 136) enfatiza a acto e a incerteza do projeto quando escreve: “os projetos apontam para 0 futuro, abrem-se para o novo atfavés de acoes projetadas, cujo ponto de partida é a intencao de transformar uma situacao problematica, tomando-a desejada por meio da realizacao ce acbes planificadas”. No projeto do cuitivo do miho, ja citado, Sivia, a educadora responsavel esta bem por dentro dessa ‘concepcao quando escreve “Enguanto © milho crescla, o projeto la tomando forma’. £, de fato, seu relato mostra como uma acao se encadeava com a anterior © sugeria novas acdes, nao planejadas. Vejamos, & ‘Segulr,11é5 momentos em que novos rumos do projeto, Independentes da historia inical da galinha ruiva, S40 delineados. O primeira, 0 plantio de mitho que levaria ao estudo da cultura indigena, € desengatihado pela visita do jardineiro da escola Sr. Sebastizo: Mas realmente tudo comecou quando o Sr. Sebastiao entrow na sala dizendo que tina tum presente para a turma. Eram grdos de rigo de milho de uma tribo de indies guaramts A eriansas ficaram encantadas, pois além de serem ‘dos indios , eram vermelhos, ‘amarelos, préias, Braeos e rajados. Resolvemos que eram esses 08 gros que querlamas plantar. /./ © segundo momento envolve duas priticas de letramento nao antecipadas, a medicao e 0 uso de tecnologlas para amplificar desenhos. ‘Quando os pés de mitho comecaram a ultrapassar a altwa deles, eles iam até a plantagao ‘para comparar suas medidas. Urilizei uma régua pava medi todas as criancas e os pés de imilio e fzemos comparacées. do aparecerem as primeira: expigas, observet que algumas criangas comesaram a desenhar hosso milharal. Sugeri que eles decenhassem em tvansparénclas para que depois ‘Pudéssemos ampliar esses desenhos através do retroprojetor, construindo wn cendria para nnossas dramatizagées da histéria da galinha ruva/../ outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU © tercelro momento envone a alscussao de um novo tema a parti das dificuldades encontradas em relacdo a uma das atividades planejadas. Quando voltamos as aulas, em agosto, as espigas jd esteram boas para serem colhidas Cothemos ¢ ao retirar a patha das espigas, nosso espanto foi encontrar milhas de vérias cores /./ Ficamos maravilhados. Debulhamos e colocamas no pildo para moé-os ¢ fazer a farina. Depois de algum tempo, percebemos como & dificil essa tarefa e apelanos ao Inquidificador, 0 que vendeu una boa conversa sobre a vida na roca, onde ndo hd energia eletrica eo processo de moer no pildo tem que ir até o ft /./ Uma outra educadora!? relata um projet cujo dinamismo e flexibilidades eam evidentes: iversificavamse focos © interesses © multiplicavamse os temas, 4 medida que 0 ptojeto ia se esenvolvendo: “0 objetivo inicial era o de promover a discussao sobre a importincia de respeitar 0 bringuedo dos anigos, a sua socializagdo ¢ ouvir sugesides sobre quais os bringuedos poderiam ser trazidos para a escola’ Porém, um tema, a biciceta, comecou a ocupar um lugar central nas conversas das criangas, que queriam trazer suas bicicletas para a escola. Uma solucao para 0 problema (criancas sem bicidleta, dficuldade de ‘arregia nos énibus) fol achada e, ai, 0s focos de Interesse comecaram a aumentar. Escreve a educadora responsavel Conforme o assunto “Bicicteta” surgia na roda vérias contibuicdes subprojetos foram aparecendo, ‘Um deles foi a montagem de um painel sobre o tema. Logo tinhamos fotos das criangas com suas “Bikes”, panfletos de lojas e supermercadios com modelos e promogses de bicicletas, ‘pesquisas sobre as primeiras bicicletas e muitos desenhos, recortes, colagens e pinturas Jets petas crancas Um dia levei para nossa roda minha carteirinha de ciclista mirim. Expliquel para at criangas que este era um projeto que exstia em minha cidade quando eu tina a idade deles @ que para possuir este documento, na verdade, esse foi meu primeira documento, era necessrio 0 conhecimento das regras de transite. ‘Mais ua etapa se iniciava. Fizemos um levantamento sobre o que eles sabiam sobre: documentos e regras de trénsitoe registramas em um segwido painel da sala /./ Como esses, ha multos outros moments de revisao de estratéglas (nao de metas), em fungao da ‘caractetistica de todo projeto, que se inicla com uma constatacao, com o ja acontecido, mas tem na incerteza ‘© na multiplicidade de caminhos au abordagens uma das paucas Certezas, 4, PROJETOS DE LETRAMENTO NA EDUCAGAO INFANTILTAMBEM? Os educadores das escolas de Educacdo Infantil com que temos contato, frequentemente, ‘questionam a necessidade de trabalhar com projetos de letramento"” em vez de projets tematicos, justamente pelo receio de 0 projeto se converter numa pratica de alfabetizacao prematuta e, dessa vez, sancionada pela propria escola. Um recelo semethante, pelo temor de perder a espeaificidade, acomete, no ensino fundamental, 0s professores de dlisciplinas como Historia, Geografla, Matematica, quando a escola dota, como exo integrador das atividades escolares, o projeto de lettamento. Como ja vimos na primera ‘secao deste artigo, para 0 pesquisador ou educador que adota a perspectiva dos Estudos do Letramento, a situacao é inversa: insistese no termo letramento para marcar a diferenca das atlvidades de alfabetizacao. E, de fato, com ja tantas propostas que se enquadram na pedagogla de projetos, todas com aistintas terminologias™, € necesséria uma nova denominacao. Ha também outras raz0es por tras da nomenclature ° Projeto Implementado por SCOMPARIN, Katla R, relatado em ensalo apresentado na disciplina Letamento: Teoria € Praticas, do Curso de Fspecaizacdo Lnguagem, Praicas Discursias e Cnanca, do EL, UNICAMP (2° Semestre de 2000), "© proleto de levamento @ uma das possbliades assinaladas nas DIRETRIZES CURRICLIARES PARA © TRABALHO) PEDAGOGICO COM LETURA EESCRITA NA EDUCACAO INFANT Pefertuta de Campinas (2008) "Segundo Tnaco (2008), naIeratura, ha mengdes referents a projetasdidatcas, de Jolibert (1994), projeto de wabalho, de Hemandez (1998); prjetos de conhedmento, de Foucambert (1998) e de Petrenoud (2000); projetos tematic, de Noguelta (2001); projetos pedagoglcos, ce Macedo (2005); projetos ce classe, de Romane (2007), centre outtes que a autora elenca, outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU ‘projetos de letramento’, a qual discutiremos a seguit, que mostram que a questao nao é apenas terminolégica, mas de base, substantiva Em primeiro lugar, € necessario considerar que © termo ‘letramento’ uttrapassou os limites das ‘esferas académicas dle pesquisa, onde se originou e foi integrado a esfera escolar, onde foi ressignificado. O termo ja faz parte do ideario escolar © €, por muitos, equacionado a um modelo de alfabetizacao, como foi apontado anteriormente. Hala vista essa situaca0, a solucao € esclarecer 0 mal entendiddo mediante a ivulgagao de projetos de letramento exemplares nesse segmento, com isso contribuindo para dissoclar 0 letramento — fendmeno do mundo contemporaneo, tecnocratico, urbano, tecnologizado, escrturizado — de uma importante, porém apenas uma, dentre as diversas outtas, priticas de letramento da esfera escolar, a ‘saber a alfabetizagao, Afinal, se a escola vai usar conceitos e nomenclatura losados por pesquisadores para fins de pesquisa, 0 melhor seria uséeos nos sentidos propostos, a fim de evllar makentendides e, assim, ccontribuir para a comunicacao bem sucedida entre professores educadores, por um lado, € pesquisadores Formadores de professores, por outro. Em segundo lugar, o termo nao € proposto para substituir eixos tematicos, em tomno dos quals sao ‘organizadas as atividades da crianca. fle € proposto como eho estruturador curricular para ressignificar a Importancia dos contetidos, que sao ultrapassados ou esquecidos quando sao Irelevantes (e que podem ser retomados e praticados quando sao de vali). As praticas socials, 0s textos que nelas circulam e os géneros ‘que as viabilizam, por outro lado, sao funcionais ao longo da vida. Por exemplo, as percentagens de pessoas ‘com casa propria ou com carras na cidade de Sao Paulo mudam, mas a capacidade de ler graficos com Informacdes desse tipo, sela porque o leltor tem curiosidade em conhecer tals niimeros, sela porque o leltor ‘é um engenhelro de transito planejando as estradas ou construcdes do futuro, servem ao longo da vida toda. E 0 sofisticado texto do gréfico de barras, em um relatério técnico ou em um Jornal, pertence ao mesmo género que 0 texto do grafico na Fig, elaborado pelas criancas do projeto “Aprendendo e vivenciando bons habitos", cujos desenhos com as frutas de sua preferéncia foram utlizados para elaborar as barras, Anda mals, 0 trabalho de Interpretacao desse grafico é essenclalmente semelhante ao trabalho de interpretacao de ‘qualquer grafico de bartas: Fig. 1- Grafico feito pelas criancas apés a degustacao de frutas'* Quando se trata de planejamento escolar, devemos distinguir pelo menos trés momentos no proceso: a longo e médio prazo, além do imediato. Apenas o ultimo diz respeito as atividades nas quai a ‘tianca estara, de fato, engajada. Ha um planejamento de atividades educacionais mais global e de longo prazo, dos professores © gestores escolares, que emvolve a identificacdo das atitudes, conceitos, procedimentos que a ctianca deverd aprender ao fongo do ano e do ciclo, entre eles a percepcao de valores & Ver na 7, cam a wdemuncacao do proj. * Retado 6e Jomal da Turma, agrupamento il EME! Aniota Affonso Ferrera, em relaténo apresentado na dscipina Loamento- Teora e Priticas, do Curso de Espedaizacio Linguagem, Pritlcas Discursvas e Cranca, do TEL, UNICAMP (20, Semestre de 2009), 5 Reulsta CAMMNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, UNITAL: Volume 1, Numero 1, 2009. Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em: wx. una bu/camino CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU funcoes da escrita. HA também 0 planejamento especifico para a turma, a fim de determinar quals os temas, textos, géneros e as priticas socials em que funcionam, que serao abordades. Tudo com base nas ‘experiéncias que a crianca ja teve, nos textos que Ja conhece, nos temas que Ja explorou, nos projetos dos ‘quais participou. E ha, ainda, um planejamento imediato com base na observagao do que as criangas fazem ‘ou nao fazem, temem, gosiam, comentam, no qual sao determinadas as primeiras alividades em que 2 ‘rianca se engajaré, e quals textos serdo usados nessas ativdades. Se, na avallacao do adulto, elas gostam ‘demais de uma historinha, nao lavam as maos, nao comem frutas, 0s pais delas usam pouco a escrita, essas ‘obseniacdes podem dat o impulso nical a0 projeto quinzenal, bimestral, semestral ou anual, como aconteceu ros casos citados como exemplos de projetos na secao anterior. Qualquer que seja 0 foco do projeto escolar, 0 participante estara, necessariamente, vivenclando prdticas letradas alversificagas. No projeto “Uma mao lava a outa’, Ki ctado, as pequenas criancas realizaram clversas atividades envolvendo obsenvacao de fotos, videos e imagens de Jornals, mas mesmo que o projeto tivesse se limitado as ts primelras atividades citadas pela educadora ~ conversa sobre a higiene das maos © ‘sua participacao no contagio de doencas, explicacao sobre como lavar as maos e acao de lavar as mags — 0 projeto ainda seria um projeto de letramento, pois parte de premissas saberes sustentados pelas Ciencias Médicas, sobre 0 contagio de doengas através de Vitus. fm terceiro lugar, a denominacao ‘projetos de letramento’ destaca a centralidade do letramento no processo educacional, 0 letramento de criancas e adolescentes — entendido como o conjunto de praticas socials nas quals a escita tem um papel relevante no processo de interpretacdo e compreensao dos textos ‘orals ou escritos que nelas circulam — é, ou deveria ser, meta de todo trabalho escolar, qualquer que seja 0 nivel educacional Dai ser concebivel, e viavel, pensar em projetos de letramento na Educacao Infanti os exemplos encionados propiiam a crculacao mais sistematizada de préticas de letramento, nao a sistematizacao da alfabetizacao, que é uma meta totalmente diferente. Da perspectiva da cianca, ela se engaja em atividades ‘que ihe Interessam, com resultados sattsfatorios, do ponto de vista Itiico, estético, afetivo, cognitivo, Hinguisticodiscursivo. Ela produz petecas © bonecos, delicase com pralos gostosos, brinca e faz das personagens de livros seus amigos. Aprende formas de registrar essas experiéniias e, por isso, 0 desenho © & ‘esta esta0 presentes em praticamente todas essas atwvidades, porém nunca como objetivos destas, a serem Focalizados, sistematizados, testados, mas como meios, estratégias para entender o mundo. Ao patticpar dos trabalhos da turma, a ctianca aprende, no processo, como a lingua escrita funciona, ‘quando e onde a escrita & mais adequada do que a fala na comunicarao, quais 0s prazeres da leltura de livros, tudo segundo sua capacidade. O adulto propicia as oportunidades, as crianeas as tomam ou nao, 0 adulto insiste, dependendo de sua avallacao da situacao, das saberes da crianca, dos seus abjetivas didatico edadégicos. O seguinte relato™, sobre o projeto Mercadinho da Girafa, que surgiu ‘por conta dos trabalhos de reciclagemy da escola mostra bem esse movimento: Neste mercadinho as eriangas brincam de fazer compras, escrevem a lista em retalhos de ‘Papel que encontram. fazem pedidos por teiefone, ‘brigam ‘para decidir quem ser o catxa, quem ind ‘embalar’ as compras ¢, neste ponto, vale relatar que tivemos uma séria ‘discussdo" sobre a unlizagdo (ou ndo e por que nao) de sacolas pldsticas. ../ Por lenquanto tenko levacio panfletos de propaganda de supermercados deixado @ mostra, otras vezes pergunto 0 preco de aigo, mas ainda nao sentiram falta disso. Porém, dia desis presenciel uma erianga perguntardo ao ‘caixa’ se ele cobria oferta’ Por iltimo, porém nao menos importante, a articulacao do trabalho escolar em tomo de projetos de letramento confete organicidade © unidade ao conjunto de atividades a serem realizadas durante © ano ‘escolar, facitando 0 trabalho colaborativo e em equipe do pessoal da escola. Com o projeto, é possivel ‘rabalhar letramentos, rever a relacao entre educadores, crlancas € Comunidade; organizar 0 tempo e 0 ‘espaco escolar, de modo a garantir que a construcaa de saberes sobre a esctita, que servirao a essas criancas 20 longo de suas vidas, ocupe lugar central nas atividades curriculares e sela meta de todas os que trabalham na escola. Ha pouco em comum quando um professor traballa com a elaboracao de Jomal e outro com a higiene das maos, mas os dois projetos tém muito em comum quando analisados enquanto projetos de letramento, sob o prisma da insercao da ctianca na cultura escita, valotizada em sociedade, Podemos ser otimistas € pensar no impacto que uma gestao escolar que valoriza 0 letramento jé no Inicio do proceso educacional pode ter nos ciclos posteriores. A julgar pelos projetos de Educacao Infantil, ‘que aqui foram apresentados e levando em consideracdo os temores de pesquisadores, pals e alguns profissionais da area. na reportagem do Jornal, vemos, nos projetos de letramento, uma chance real de que a * LOPES, sidnelaF.Proposta Pedagdglca Mercado da Giafa, em relatério apresontado na cscplina Letamento Te Praticas, do Curso de Especiatzacao linguager,PralcasDiscursivas e Granca, do EL, UNICAMP (2° Semestre de 2009) outst CANUNHOS EM LINGLISTICA APLICADA, LNITAL. Volume 1, Numero 1, 2009, Angela KIEIMAN, Prafetos de leramento na educacio infantil p. 110. Disponivel em yw. unau bucaminhosla CCAMINHOS EM LINGUISTICA APLICADA Universidade de Taubaté- UNITAU brincadelra e 0 prazer do ‘aprender fazendo’ comecem na Educacao Infantile continuem pela vida escolar afore. A adocao de projetos dle letramento na Educacao Infantil pode nao somente contribuir para a reflexao sobre 0 enfoque global, integrado ao proceso educacional, como podem servir de modelo didatico para ‘qualquer escola que esteja pronta para sair de sua “zona de conforto’, ou seja, que esteja disposta a fazer iferente, rompendo com o engessamento do modelo tradicional de ensino~aprendizagem. Raserencas BOSCO, Z. R.A crlanca na linguagem a fala, 0 desenho e a escrta, Campinas: CEFIEL da Unlcamp/MEC, Colegao Linguagem e letramento em foco, 64 p. 2005, BRASIL. Ministério de educacao. Referencil Curricular Nacional para a Educacio tnfantit Brasilia: MEC/SEF, 1998, PREFEITURA DE CAMPINAS. 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