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do Brasil Cc WA YD Bautista Vidal SEM ENERGIA DA BIOMASSA NAO TEM SOLUGAO, Este indignado ¢ comovente livro de J. W. Bautista Vidal, 0 Gentista gé- nio inventor do Prodlcoo!, contém um roreiro bioenergético, um Projeto Na- cional visando a descolonizar 0 Brasil da injustiga, da misériae da suibmissio. Nés somos amaior nagio cropical do planeta ea energia da biomassa € fruto doencontro amoros0, fecundo, do sol cam agua, o sol democratic brasileiro. Conhecedor das _realidades cenergéticas mundiais (pés-graduado em flsca nuclear nos EUA), © galaico- Daiano Bautista Vidal conhece em pro- fundidade 0 assunto cnergeia, para usar a palavra prepa. Belo cinulo este: A Reconguasia ilo Brasil, Nao ha outro jeito de reconquisté-lo. Um livo apotcdtice a favor dos trépicas contra a moeda “forte” como falso stin- bolo die riqueza. Sem energia nao hé vida, O perdieoestd acabando no mun- do inteiro. Nao dura além de trinta anos, enquanto a biomassa é energia Jimpa, renovivel ¢ permanente. Entio [por que niko fazer uso exrensivo dela, ‘eiando milhdes de empregos para 0 nosso povo? ‘Neste livzo iluminado pela huze pela gua, o programa polition da reonquis- ta do Pais recusa 0 suicicio do bindmio ppetadico-mocda sem lastro: a simbiose grana, O dizbo dolar, 0 falso di- niheiro “papel pintado”. © cassino fie nanceito, O cimbio rabo preso, A coo nomia de cemaitério, eunuca. Qualqner pesson entende 0 que estd escrito nes- tas pdginas: a critica cientifica ¢ cicsmistficadora do “Plano Real”, 2 ar- madilha perversa montada i fora para se apropmiar dos ticos recursos naturais do Brasil, leitor card sabendo que apenas 0 dendé da Amazdnia_ ou 0 babagu do Maranhao valem cada um urna Ardbia Saudita para sempre. ‘Tam- bém, que a crise contemporitiea mun- dial é reflexo direto da decadéncia da Givilizagao do petrdleo. E nds temos mandioca, mamona, canadeagticar ¢ as mais portentosas florestas da’ Terra, Livraria Panorama Romanceiro ‘SEBO -LIVROS RAROS- LIVROS Novos —#2 Ange — Ro José Clemente, 68 Cenieo Niteréi ~ RU = CEP 24020-105, 421) 2719-6827 1 2719-1116 elveariapanorema.com br Papanorama@gmal com.br | ‘ ' . . { J. W. Bautista Vidal A Reconquista do Brasil ©J. W Bautista Vidal, 1997 Diagramagio: Luiz Oliveira Capa: Rogério Costa Produgio Editorial: Marcelo Castelo de Carvalho CATALOGAGAO NA FONTE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO B3552R Bautista Vidal, J. W. (José Walter). A Reconquista do Brasil / J. W. Bautista Vidal. - Rio de Janeiro: Espago ¢ Tempo, 1997. 220 p. 16 ; 23 om. ISBN 85-85114-96-7. Bibliografia: p. 217-218. 1 Politica econdmica. 2. Brasil - Polftica econdmica. 3. Brasil - Condigbes eoondmicas. I. Titulo. CDD-338.981 COLECGAOBRASILHOJE Conselho Editorial Roberto Gnatalli, Bertha Koitfmann Becker, Joel Rufino dos Santos, Paulo Becker. Direitos de Publicagao em Lingua Portuguesa: EDITORA ESPACO E. TEMPO LTDA. ‘TeVFax: (021) 262-2669 Rua Santa Cristina, 18 - Santa Teresa - CEP 20241-250 Rua Antunes Maciel, 131 - parte (depdsito) - CEP 20940-010 Rio de Janeiro Dedico este livro a um grupo excepcional de brasileiros, pela com- peténcia, profunda visto nacional ¢ crenga no futuro. Eles compar- tilharam sempre com o autor da luta pelas idéias deste livro, que visam a construgio de bases sdlidas para uma mpotedticn ¢ perma- nentn civilizacao soliddria dos trépicos. Sto eles: Anténio Carlos de Andrada Serpa, Marcello Guimaries de Mello, Paulo Vieira Belotti, Sebastiao Simoes Filho, Sérgio de Salvo Brito ¢ Severo Fagundes Gomes. Agradecimentos Agradecemos a Nelson Werneck Sodré, que nos honrou acei- tando prefaciar este livro. Nada € poss{vel construir de perma- nente que no esteja no bojo da histéria comum, por isso, nin- gu¢m melhor que nosso melhor historiador vivo para alimen- tar o debate que este livro tem a pretensao de provocar. Agra- decemos também a Carmem Puig pela critica ao contetido, con- tribuigées sobre a forma e, em particular, 20 prezado amigo que, comungando dos mesmos ideais para com 0 nosso Brasil, pediu para nfo ser citado, ¢ ainda aqueles que, de modo andni- mo, contribufram em um sem-mimero de encontros que vi- mos realizando em varios pontos do pais ¢ que representaram amplo espectro da populagao brasileira. Destacamos ¢ agrade- cemos, em especial, ao destemido ¢ fundamentado propugna- dor das id¢ias sintctizadas neste livro, 0 socidlogo e homem de pensamento comprometido com o Brasil, Gilberto Felisberto Vasconcellos. As falhas que restaram sao da estrita responsa- bilidade do autor. Prefacio de Nelson Werneck Sodré.... Indice Apresentacao de Gilberto Felisberto Vasconcellos .. Inwodu¢io: Bases para Salvar a Vide . Capitulo I-A Armadilha ... i PRN D 11 12. 13. 14. 15. Perda da moeda nacional ¢ sua substituigio pelo délar: arbitrio c monopélio Globalizacio, competitividade e desestatizagio Desemprego estrutural, indice de produtividade ou de genocidio? Antagonismo genocida entre o capital financeiro e a vida O homem massa Inverséo entre fins ¢ meios. Modelos de crescimento econémico dependente A ideologia neoliberal ¢ o “Consenso de Washington”. A Trilateral Sistema de moeda falsa As “novas tébuas da Ici”, a “terceira onda” ea armadilha Os quatro niveis de corrupgio . Os insandveis e eternos déficits piiblicos. A oitava economia do mundo. Corporativismo nundial Os centros de poder antinacional. As teorias econdmicas O “livre mercado”, a esquadra britinica ¢ a divida extema A decadéncia britfnica, o confronto japonés ¢ as solugées de equilfbrio. O exemplo americano O caso brasileiro, O catecismo ecandmico externa A agricultura industrializeda, loucura energética 5 16. “Os limites do crescimento”. A desastrosa dependéncia mineral dos blocos hegeménicos 17. Esquizofrenia estrutural 18. Desregulamentacio financeira: artigo 192 da Constimigio. O arbitrio 19. Fraude monetéria c ditadura financeira 20. Controle monolitico da mfdia: a opinigo piblica, a vontade ¢ o poder nacionais 21. Descalabro financeito, impunidade generalizada ¢ tropa de ocupagio Capitulo II -A Crise... 101 1. Aviltamento das exportagées © abertura indiscriminada as importagdcs. A questao energética mundial e as potencialidades de conflito 2. Petrdleo, commodity neoliberal ou questao militar? A déhdele do sistema bancdrio privado. Quem esta segurando o délar? 3. Manipulagio dos pregos do petrélea 4, Nova “ordem” mundial ou emergéncia de conflitos? Porencial de luta armada pelo controle de patriménios naturais estratégicos. Para onde caminha o Brasil? 5. A Quarta Guerra Mundial Capitulo TIT - Os Conceitos sai « 123: 1. Papel da energia na origem, evolugéo ¢ decadéncia das civilizagbes. Inadequacio tedrica c pratica das teorias econémicas & realidade dos povos. ‘A servidio do poder” 2, Teorias econdmicas como falso instrumento de andlise ¢ de orientacio da produgio 3. Energia, elemento essencial 4 vida, & produgo ¢ ao poder. Sociedade como mercado ¢ homem come consumidor 4. Patriménios energéticos cssenciais 4 sobrevivencia das sociedades. Crise energética inexordvel dos paises hegemnicos 5. O fim da “cra do petréleo” e do acervo tecnolégico decorrente. Falsa andlise de custo dos combustfveis Capitulo TV - Os Trépices 141 1. Formas energéticas, bases para deslumbrante arsenal de invengdes. Fim da crise do petréleo? Mercado de petroddlares, maior assalto jamais realizado Capitulo V - Bases para uma Estratégia O Sol, fonte “eterna” ¢ ilimitada de energia: reator a fusio ¢ nuclear. ‘A competigao genética dos trdpicos. Civilizagio dos hidratos de carbono Crescimento dependente como antitese do desenvolvimento. Novo modelo de ocupagio territorial ¢ novo valor estratégico para a terra. CAmbio na estrumra que leva ao poder em Ambito mundial 1 7, Capitulo V1 - Estratégia ante o poder .. Papel crucial do Brasil no futuro da humanidade. Neoliberalismo, processo intervencionista de natureza colonial ¢ de efeito genocida Alma nacional e Auto-Estima Pensadores ¢ idedlogos da causa nacional. Vorazes aves de rapina nas finangas ¢ na midia. Bretton Woods e 0 modelo dependente. Saber o que fazer Possibilidades de convulsdo social. “Estados Regionais”. Reagées ao neoliberalismo. Destruiggo de 200 anos de avangos sociais. Furor competitivo. Davos, capital mundial dos diktats neoliberais DébAcle do sistema financeiro internacional. Nova era de barbiric. ‘A energia renovavel c limpa dos trépicos: ariete das transformacées. Subserviéncia do Congresso Nacional. Castragio do humanismo. Inguictagio no coracao do liberalismo. “Ponto de néo-retorno” Subs(dio a0 petrdleo: falsa economia de mercado. Amazonas, drca de conflito potencial. Dimenso do desastre por vir. Brasil, “Terra de ninguém” no campo econdmico. Intemscionalizagéo da Companhia Vale do Rio Doce: crime penal militar Relatdrio Newfarmer & Miiller do Senado dos BUA. Corporacdes estrangeiras ameagam a soberania nacional. A revisio ¢ a zeforma constitucionais. Resgate do Estado de Direito, Traidores nao so confidveis Adesio ao Tratado de Nao-Proliferagio de Armas Nuclcares. « TOL 1 Papel do Brasil no futuro do poder mundial. O Grupo dos 8 grandes do Meio Ambiente (E-8). Pleno emprego ¢ soberania. A estabilidade monetéria eo desastre por vir Economia forte ¢ mercado interno. O mito da competitividade entre nagées. O “Monkey's business” das exportag6es. Jogo antinacional dos parimetros financeiros. Mudanga das vias de transferéncia de riqueza. Deficit crescente na balanga comercial. Embuste do Plano Real # 3. Como resgatar a moeda nacional. O caos financeiro e as erfticas de Georges Soros. “Os sete patetas”. Nacionalizacio das finangas. ‘Superconsume ¢ genocidio inconseqiiente 4, Moeda nacional forte e poder de negociagZo internacional. Frouxo Cédigo de Mincragio, nidbio, chips, quartzo e prego dos minérios 5. Desenvolvimento versus crescimento econdmico. Satanizagao dos paises “em desenvolvimento”. Efeito estufa, chuva dcida e rejeitos radiatives 6. Biomassa, tinica e definitiva safda para o efeito estufa. O Sol, reator a fusdo nuclear dos trépicos. Necessidade de limpar a atmosfera de mitiltiplos venenos que a contaminam Bibliogratia “Aos Traidores, a Forca” Barbosa Lima Sobvinho, doze dias antes de completar um século de existéncia. Preficio Nelson Werneck Sodré te livro é mais um servigo prestado pelo mestre J.W.Bautista Vidal 20 povo brasileiro. Ele analisa a paisagem mundial em que esta inscrido o caso do Brasil e define com precisao essa conturbada paisagem ¢ 0 ‘nosso caso especifico. Comega, no ensaio bésico que é o capitulo “A Armadi- tha”, a extrair da confisao a que os sofismas relegaram © problema essencial. A premissa dessa andlise é que 0 mundo atual, depois da chamada Guer- ra Fria, tornou-se dominio do capital financeiro. Desde que esse capital ¢s- tabeleceu a submissio das mocdas nacionais ao délar, conseqiientemente ficou firmado o predominio do pais emissor e seus limites pela expansao transnacional desse capital com base no délar. Daf a restrigao crescente do poder de competigdo das empresas dos pafses ditos periféricos. Assim, por uma espécie de mdgica, a moeda passa “de apenas simbolo e instrumento intermedidrio das trocas internacionais” & categoria de medida de todas as coisas. E evidente que cssa magica importava em prejuizo para os palses periféricos, no desejo de seus povos para alcangar o bem-estar, 0 pleno em- prego ¢, particularmente, a capacidade de decidir seu proprio destino. ‘A submissao ao novo centro tinico de poder se define, desde entio, na “Ancora” do délar. Nao por acaso, mas por submissdo a uma norma especffi- ca, inerente ao sistema mundial agora instaurado, as moedas dos pafses peri- féricos, pela agdo de scus cconomistas alienados, passam a ser estabelecidas de acordo com a “Ancora” do délar. Isto é, um dos simbolos mais significati- vos da soberania, 2 moeda nacional, deixa de existir para que, de um lado, a dominasio se estabeleca ¢, de outro, a submissio se instaure, surja ¢ se ex- panda toda uma idcologia que comega pela accitacdo da fatalidade dessa sub- missao, fora da qual ¢ impossivel existir uma economia sdélida. Trata-se de uma das mais deslavadas chantagens que o mundo jé co- nheceu. Embora assim proclamada, enquanto fatalidade, por alguns da- queles que a aceitaram, isto é, que se submeteram a tal hegemonia - forma com que pretendem justificar a submissao que assumiram, en- quanto dirigentes. Na verdade, nao existe fatalidade alguma nesse pro- cesso de submissdo em escala internacional. A idcologia, paralelamente, foi gerando conceitos novos, que vivem ape- nas da repeti¢go ¢ da accitacdo ¢ do conformismo resultantes de dominacao incontestada, como, para mencionar sé um exemplo, o famigerado “Custo 1 J. W. Bassista Vidal Brasil”, com que se embala ¢ se ornamenta outra chantagem que nao resis- te a uma anilise isenta, Em grande escala, isto ¢, no nivel bésico, surgem outras formas de chanta- gem. Como a das privatizagées, apontadas como safda salvadora para situa- Gécs cuja mazela nao se abaliza nem se explica. Trata-se, segundo o apregoa- do, de “fazer caixa” ¢, para isso, realizar 0 desmonte da “espinha dorsal de nossa estrutura produtiva”, conforme bem situa o autor. No caso, a chanta- gem nio resiste a simples constatagdo mumérica: desde 1991, privatizamos, no Brasil, 44 empresas, gerando, nessa operagao, 13 bilhées de reais — 10,4 deles em moedas podres —, com uma sobra aproveitdvel de 2,6 bilhdes de reais. Ora, com 0 chamado “Plano Real”, de julho de 94, a divida interna bruta do governo dobrou, ou seja, ficou 404,52% maior do que todo o di- nheiro contido nas privatizacdes. Delas, para cimulo, nem um centavo foi destinado a investimento. Outra chantagem em voga nestes tempos de confusao propositada de valores, inclusive estendida 20 campo semantic, tem sido a do “desem- prego estrutural”, Como € sabido, tal forma de mazela moderna a época que estamos vi- vendo resulta, macroscopicamente, na diferenga estabelecida em decorrén- cia dos avangos tecnolégicos. A medida que o trabalho humano € substi- tufdo pelas méquinas, surge essa espécie de desemprego denominado solertemente de “estrutural”. Com essa palavra magica pretendem os justificadores das mazclas res- saltar a impostura do cardter de fatalidade do processo. Ora, néo é aqui lugar para eselarecer que o fendmeno merece anélise mais profunda e nao explica nem justifica, por si sé, 0 desemprego que, hoje, apavora os paises mais desenvolvidos ¢ mais ricos. Mas © que inte- ressa € mostrar que 0 nosso desemprego, essa triste e amarga decorréncia da politica de submisséo ditada pelo neoliberalismo, nada tem a ver com 0 famigerado, malsinado e enganoso “desemprego estrutural”. O desemprego que vem afligindo camadas cada vez maiores de traba- thadores no Brasil decorre do chamado Plano Real, ¢ somente dele, nada tendo a ver com o fenémeno ocorrido nas dreas desenvolvidas. Nem 0 nosso desenvolvimento tecnoldgico realmente atingiu o nivel a que che- gou naquelas reas. Sao coisas especificamente distintas, confundi-las ¢ mais uma chantagem do neoliberalismo, aqui adotado como panacéia. Na verdade, como bem esclarece Bautista Vidal, o modelo tecnoldgico dependente, dé ao exterior, aos centros dominantes que ditam a politica, © poder de definir a nossa estrutura produtora. Perdemos 0 controle do nosso préprio desenvolvimento. Como sabem até os Chicago-boys, 0 de- 12 A Reconquista do Brosit semprego no Brasil esta ligado & administragao dos fatores de produgio. Os seres humanos ndo sio substitutiveis, descartéveis, como querem fa- zer crer os partidérios do neoliberalismo. Se fosse como cles pregam ¢ aceitam, estarfamos relegados a0 nivel da barbérie, quando os meios as- sumem o papel de fins E preciso considerar sempre que a tecnologia ¢ ura meio ¢ nio um fim, e, assim, é perfeitamente possivel qualificar como “atrasada” uma tecnologia, quando cla nao serve & sociedade a que se destina, ou, confor- me define com lapidar clareza 0 autor deste precioso livro, a “tecnologia deve ser julgada quando inserida nas circunstancias em que opera”. Ela esté gravemente comprometida num mercado controlado por um nume- ro reduzido de oligopélios globais que administram os pregos. Abrimos mio, recente ¢ amargamente, do controle dos bens que a na- tureza nos dotou, com a “Lei das Patentcs®, celebrada como vitéria em- polgante da parte dos que a impuseram ¢ vio dela usuffuir, mas que foi gravissimo atentado aos nossos interesses. E justamente em casos como o dessa lei que se constata o papel importante do Estado - essa vitima do neoliberalismo - no seu dever de zelar pelos interesses do povo. Escravos de uma das formas mais ostensivas ¢ antigas de hegemonia do capital financeiro que fez, do délar moeda universal, a do endividamento externo, vamos carregando o pesado énus do famigerado “servigo da divi- da®, que é a forma que assumia, de velhos tempos, a nossa contribuigio ao desenvolvimento das areas hegemédnicas, em detrimento da nossa pré- pria acumulacao € do conseqiiente desenvolvimento. Para definir com clareza o papel supremo de hegemonia financeira inter- nacional, Bautista Vidal menciona dados realmente escandalosos: as rela- Ges mundiais de intercdmbio de bens foram, em 1994, de 3,7 trilhdes de délares, enquanto as transacées financciras, no mesmo perfodo, sem des- contar as usuais repetigdes, atingiram 250 trilhes de délares desligados em grande parte da circulacdo real de riqueza. Uma disparidade assim gi- gantesca acarreta, no fim de contas, a perda de sentido de sua prépria natu- reza. E, como diz bem Bautista Vidal, um tenémeno cm que “a moeda falsa destrdi a consisténcia dos valores reais Ele assinala também um dos tragos mais nefastos do neoliberalismo e dessa hegemonia financeira de um centro tinico: a desestima pela propria moeda ¢ a submissio, como remédio milagroso, ao délar como uma espécie de salvagio. E por isso inclusive que estamos assistindo, no Brasil, ao quadro imposto pela esséncia do Plano Real. Ele paga a estabilizagio mo- netdria — apresentada como uma proeza — com a exaustio da capacidade interna de investir, a destruigdo da industria nacional e até da agricultura. 13 © pals é embalado, com freqiiéncia, com ondas de falso moralismo, em que os pequenos roubos sao erigidos em problemas de importancia cnorme, enquanto as formas “legais” de debilitar © poder de investir ¢ de desenvolver ficam esquecidas, abafadas pelos pequenos escAndalos que escondem os gran- des ¢ fundamentais, aqueles que efctivamente afetam a esséncia politica ¢ a estrutura material do pais. O capitulo “A Crise”, neste livro, por isso mesmo, traca um quadro tencbroso do que se passa entre nds. ‘A definigo de energia dé a medida do rigor cientifico do autor: “E tudo aquilo capaz de produzir trabalho. Estd na origem de todas as transforma- Ges € movimentos de fundo fisico. Néo se cria nem se destréi, apenas trans- forma-se de uma em outra forma ¢ sempre provém da natureza.” Conse- giicntemente, a definiggo de tecnologia aparece em sua plenitude: “Instru- mental intelectual € fisico que permite o uso das fontes energéticas da natu- reza para o beneficio ou aumento de poder do homem e das civilizagoes; ou seja, a tecnologia desenvolve-se sempre tendo em vista determinadas for- mas de energia.” Claro que, para o cientista que vé assim os fenémenos fundamentais da vida humana ¢ particularmente da vida em sociedade, o valor das teorias econémicas, em especial de teorias como aquelas geradas pelo ncoliberalismo, é muito reduzido, O aff de considerd-las como de nivel relevante esconde, na verdade, a necessidade de sonegar 0 conhecimento da realidade e em particular, a realidade nacional. O nosso caso, 0 caso do Brasil, merece, por isso mesmo, de Bautista Vidal, algumas linhas definitivas: “Todas as polfticas ditas econdmicas, desde 1979, cxacerbadas pelo neoliberalismo, visam a impedir a amplia~ ¢0 do mercado interno, bem como o uso crescente € a valorizacio de nossos abundantes recursos naturais estratégicos.” E a tarefa gigantesca ¢ exasperada de destrui¢io do que possuimos de nacional em nds ¢ a accita- gd0 de uma submissdo que relega a tiltimo plano o interesse do povo, ¢, no fim de contas, desmontando 0 nosso patriménio ¢ destruindo o que temos de melhor e mais caracterizadamente nosso, importa cm negacao da patria ¢ dos valores que a definem. Neste livro fundamental, o cientista, que conhece como poucos 0 que pos- suimos de melhor ¢ por isso tem confianga absoluta na nossa capacidade de construir um grande pais, compartilha os scus conhecimentos especializados com o rigor de uma andlise politica de que estamos tio carentes nestes dias tenebrosos em que o Brasil é vitima da mais insana traigZo da parte de seus governantes. Nao falta, por isso mesmo, no livro, a capacidade de indignagio propria de quem nao quer abdicar da condigdo de brasileiro. Este ¢ 0 melhor de seus titulos. Haverd algo de mais alto? Rio de Janeiro, maio de 1996 14 Apresentaciio Gilberto Felisberto Vasconcelos A verdadeira realidade brasileira € a da energia contida na natureza tropical, enquanto a falsidade simbdlica ¢ o dinheiro, envolvido na alicnacdo dos pacotes tecnolégicos externos. Depois da década perdida dos anos 80, o Brasil entrou de gaiato no mimetismo colonial cnergético do petrdleo ¢ das usinas nucleares. Sem diivida estarfamos bem representados esteticamente com a alegoria dos recursos naturais, ao invés de nos ludibriarmos com o falso simbolo da “moeda forte”. O cientista J.W. Bautista Vidal, fisico ¢ engenheiro, colo- cou em varios ensaios o divércio entre a natureza e a economia, divércio esse, que no final do século XX é a esséncia da alienacao existencial na sociedade brasileira. © homem brasileiro é um alienado energético por exceléncia, que lembra o homem-massa de Ortega y Gasset; ele ¢ incapaz de viver seu espago € seu tempo, permanecendo portanto desterrado em sua prépria terra c, sob o influxo televisivo, cada vez mais bogal. NZo hé ninguém no Brasil, seja marajé ou ferrado, que nfo tenha passado pela condi¢ao alienada de sua propria energia. Embora tenha seu nome vinculado ao da energia da biomassa — 0 en- contro sempre renovavel do Sol com a 4gua —, Bautista Vidal contou-me em Brasilia que se sentira constrangido, em sua juventude de pés-graduado no exterior, pelo fato do carvéo mineral ser escasso e de baixa qualidade entre nds, como se em tal caréncia estivesse a maldita fatalidade de nosso atraso civilizatério. Este fato reflete a pérfida ideologia colonialista de ori- gem anglo-saxOnica que arruina a auto-estima e reduz a alta potencialidade dos tépicos, umidos ¢ ensolarados, muito ricos em formas renovdveis ¢ limpas de energia e felizmente pobres em formas nao-renovaveis ¢ alta- mente contaminantes, como ¢ 0 caso do carvao mineral. A relagao esquizofrénica do homem colonizado com o seu meio ambien- te natural é produto do amélgama de fatores locais (ignorincia da popu- lagdo ¢ dos intelectuais) com fatores internacionais ¢ politicos, principal- mente a divulgacao medidtica da armadilha montada pelos pafses ditos ricos do hemisfério norte, que usaram e abusaram da energia antiga em vias de extinguir-se: 0 petrdlea. A crise contemporanea mundial é um epifendmeno da decadéncia da civilizacio do petrdleo, a exemplo da tiltima guerra videofinanceira do Golfo: a disputa pelo que restou da energia do 1s = J. We Bautista Vidal passado, No final da década dos 80, Bautista Vidal alertou para o perigo do Brasil, que detém a energia do futuro (2 biomassa tropical), vir a ser 0 préximo Oriente Médio, regiio conflagrada desde 1973, hoje sob ocupa- 40 militar dos EUA. Com a ascencao de FHC ao poder em meados dos anos 90 nao foi necessério dar sequer um tiro para entregar o imenso patriménio biolgico, base da energia renovivel, ao controle externo, por meio da lei das patentes. Ora, quem dispde ¢ controla a energia dispde do poder. Portanto, 0 objetivo dos paises hegemdnicos ¢ apossar-se da ener- gia do futuro, pelo controle do potencial de biomassa tropical, de modo que o “Plano Real” de FHC deve ser compreendido em fungdo da jogada energética: a barganha entre a estabilizagdo da moeda ¢ a internacionalizagao de recursos naturais estratégicos. Em 1997, Bautista Vidal escreve 0 ensaio A Reconquista do Brasil, tendo como pano de fundo © fato, hoje claro, da sua servidao aos paises hegeménicos ter aumentado em fungao das alucinadas privatizagGes feagaceanas. Em seus livros anteriores encontramos a andlise do equivocado mode- lo de desenvolvimento cconémico dependente, implantado no Brasil des- de metade dos anos 50, cuja responsabilidade caberia ao governo JK, que fez da Autolatina o demiurgo do progresso ¢ da modernidade. De JK a FHC continuamos com a mesma politica petrolifera do automével, que resulta desse modelo dependente, culminando com as florestas queima- das pelo délar: convém nfo esquecer que o uso alucinado do carvio mine- ral e do petrdleo nos paises ricos vem provocando 0 temido efeito estufa € a chuva dcida. A tomada de consciéncia do valor universal da energia da biomassa por Bautista Vidal ndo é apenas um acontecimento de liberagdo gnosiolégica dele como cientista e fisico que se descoloniza, mas sim alguma coisa a mais: um marco no modo de interpretar a cultura brasileira. Va ld a com- paragao: Bautista Vidal € 0 Gilberto Freyre do trépico como realidade dinamica, tendo a energia como motor. Ou seja, com Bautista Vidal a tropicologia de Gilberto Freyre ganha o fundamento cientifico da fisica. Estou de acordo, porém o trabalho cientifico de Bautista Vidal est4 alicergado em projeto politico definido para a sociedade brasileira, o que nunca foi o caso da tropicologia do meu xaré de Apipucos. Minha tendén- cia é a de privilegiar hoje a totalidade energética. Contudo isso nfo quer dizer que Bautista Vidal e Gilberto Freyre estejam culturalmente separa- dos um do outro, talvez até eu diria que Bautista Vidal ¢ 0 Gilberto Freyre galego, em transe, radical, indignado, apoplético, puto com o cancer da servidao neocolonial financeira que poderd inviabilizar o Brasil como na- cdo, esfacelada por vinte ou trinta multinacionais. A Reconquista do Brasit A saudavel radicalidade politica de Bautista Vidal vai além da tropicologia socioldgica porque, ele toca fundo no tétem genocida, dinheiro, desmistificando a chamada ciéncia econémica ¢ 0 falacioso conceito de desenvolvimento, mero crescimento econdmico, fato esse que, de resto, por si sé, mereceria tirar Celso Furtado de seu siléncio scpulcral. Quanto 4 alienagdo energética em que se vé enredada a disciplina da economia politica no Brasil, observando as grandezas fisicas da natureza e do cosmos, Bautista Vidal opera a hicida clivagem entre a moeda — papel pintado — e a riqueza dos recursos natu- rais, procedendo & engenhosa € irrefutdvel inverséo: “nds, nao eles, temos a riqueza real”, Bautista Vidal escreveu isto antes de FHC cunhar a moeda com 0 nome de “real”, 0 que sem chivida clevou absurdamente a taxa anfibolégica da palavra “real”, junto com a impostura do cambio rabo preso ¢ 0 novo-“new”-papel pintado. E a histéria que mostra a Bautista Vidal o fundamento da critica ao dinheiro, critica essa que foi abandonada pelos mar- xistas brasileiros, os quais se concentraram na leitura de Marx anti-Estado, que ¢ 0 berco académico tanto do PT como do PSDB paulistas. Atento a0 fendmeno do fetichismo da mercadoria na fase do capital videofinancciro, Bautista Vidal denuncia que o délar virou papel pintado depois que o tratado de Bretton Woods foi ativado ¢ 0 padrao-ouro tornou-se nostalgia. Resulta daf sua posiggo nacionalista: a maquina financeira (com a tecnologia estran- geita) € 0 principal adversdrio da emancipacio do povo brasileiro. A critica & politica energética — 0 mimetismo da importagao de energia & a base vital para desmistificar 0 sistema fraudulento do Banco Central. Em outras palavras, o délar internacional ou a energia nacional, shar is the question, como se o movimento financeiro estivesse refratério 4 manifesta- 40 da vida - vida intensa dos trdpicos. Em termos politicos, isso significa a dissolugio do Brasil como sociedade organizada. Esse raciocinio ¢ retoma- do em A Reconquista do Brasil, livro escrito durante a abertura dos portos feagaceanos 4s empresas privadas transnacionais ¢ as estatais estrangeiras, em que 0 divércio entre recursos naturais ¢ sistema monetério atinge 0 paroxismo da loucura, sem esquecer no entanto que a Nova Republica, ini- ciada com José Sarncy, foi mais entreguista do que o perfodo militar. De Id pata c4 estamos vivendo a democracia desnacionalizada, em que 0 abstrato valor de troca reina de modo absoluto: 4 moeda “real” nao precisa ser real, nem nossa, © que leva tudo o que € nacional ao desastre. Assim, desmoralisa- s¢ a representagio popular, base da legitimidade do proceso demoeritico. A critica de Bautista Vidal ao Plano Rreal de FHC tem como pressu- posto a ditadura do sistema financeiro internacional, em que os demais fatores de produgo nao mais contam na determinagao da riqueza; ou seja, a moeda, ente abstrato, falsamente simbélico, passou a ser a medi- 17 J. W. Bauvisea Vidal da de todas as coisas. Passou a ser fim de si mesma, Nao depende nem simboliza nada. E auto-suficiente. A moeda pela moeda virou falso capi- tal produtivo. Na verdade, desvinculou-se da realidade fisica ¢ dos obje- tivos-fins dos povos. Bautista Vidal pde 0 dedo na farsa ideolégica da moeda real, criada por “decreto-lei” — medida proviséria: somente na aparéncia é que o objetivo do “real” foi acabar com a inflacéo. A esséncia porém é outra: ela reside na estratégia da nova ordem mundial, em que a caréncia de recur: sos naturais nos paises hegemédnicos contrasta com a cxisténcia entre nds de imensos patriménios vegetais ¢ minerais, tanto que atualmente o riquissimo subsolo brasileiro, num mundo hegeménico depauperado, de- les desprovido, somente pré-forma pertence 4 Unido, por fraco preceito constitucional que ninguém respeita. Assim, em troca da estabilizacao monetéria, com poder financeiro de comando externo, entregamos a ri- queza fisica do territério a outrem, de modo que nos tornamos escravos de corporagdes apatrides e de paises estrangeiros. A “venda” da Vale do Rio Doce ao narcotréfico é a prova, segundo Bautista Vidal, de que FHC, a dona Maria a Louca da globalizacao, esta entregando o pais a aventurei- ros € escroques internacionais, contemplando, como Collor de Mello, 0 sonho de importados da classe média. Em A Reconquista do Brasil, a abordagem nacionalista de Bautista Vidal nos oferece o prisma da totalidade — em contraponto a globalidade esfaceladora —, conectando a energia, a midia ¢ a moeda. O Plano Real ¢ a nossa Guerra das Malvinas, ressaltando contudo, o fato de que a ocupa- ¢40 do poder nacional pela moeda alicnante dispensou a guerra ¢ 0 exérci- to, que ficou sem funcao. Bautista Vidal denomina de “armadilha” esse plano monetério de Itamar-FHC-EMI, montado para que os paises “ti- cos” apropriem-se do arsenal energético dos trépicos. Ele néo discorre sobre essas questées como amador ou diletante. Na verdade, as fontes fosseis de energia estéo praticamente exauridas nos paises hegemdnicos ¢ préximas 2o fim de uma era, a do petroleo, no restante. Os EUA neste século “torraram” a cnergia causa de seu esplendor, jé decadente por isso mesmo. A caréncia é ainda maior entre os curopeus ¢ 0 Japao. Assim, 0 mundo dito rico, situado em regides temperadas ¢ frias do planeta, vive os Uiltimos estertores da era do petrdleo, o qual serviu-lhe como suporte es- sencial para o poder. Atualmente esse combustivel aproxima-se da cxaustéo, nao importa precisamente quando, pois © veredito estd feito na coneretitude da realidade © o que ainda resta exige complicados controles militares. O carvéo mineral, por outro lado, esté a exigir drdsticas medidas de redugio de uso, devido ao temido efeito estufa, de claras conseqiiéncias jé efetiva- 18 A Reconquista do Brasil das. E assim, diante desse quadro, que nasce a diabdlica estratégia do neocolonialismo de explorar, sem contemplagio, a troco de nada, e jogan- do no lixo a Histéria, os recursos naturais estratégicos das regides intertropicais. Desde a crise do petrdleo de 1973, Bautista Vidal tem enfatizado a ne- cessidade de um projeto nacional ancorado na energia da biomassa tropical. Caso contrdrio, os paises hegeménicos, que carecem de modo bésico de energia, procurariam minimizar o Estado nacional, com 0 objetivo de se apossarem com mais facilidade de nossos cruciais patrimdnios vegetais ¢ minerais, inclusive pelo controle real da Amazé6nia. O vaticfnio de Bautista Vidal deve ser encarado com seriedade: depois do colapso da Unido Sovié- tica, a dispura entre EUA e Japao passa pelo Brasil. Kissinger nao disse, pensando no Brasil, que nao poderia aparecer um outro Japdo ao sul do equador? A partir do plano do “governo mundial” de submeter as moedas de 80 paises & “cstabilizacdo” — ou seja, substitui-las pelo délar — é que se impée a estratégia de apropriacio dos patriménios estratégicos brasileiros, cxigindo também o desmonte do Estado nacional, das estruturas de bem- estar social, dos sindicaros, das universidades, da produgao tecnolégica, a0 mesmo tempo em que a grande midia provoca 2 demolicSo da auto-estima ¢ da vontade nacionais, além da sinistra perspectiva de desmembramento do territério nacional. Cumpre acrescentar que até mesmo uma parcela da imprensa entra nesse pacote da globalizacio, cuja meta é acabar com aquela outra parcela que tenha compromissos nacionais. A globalizagio neocolonial é menos aliada da imprensa do que da televiséo, embora nao seja tarefa ficil convencer essa imprensa a engajar-se na batalha da soberania nacional ¢ da felicidade popular. Vale a pena citar a coincidéncia posta em relevo por Nelson Werneck Sodré cm sua classica Histdria da Imprensa no Brasil: nas- cemos no século XVI, junto com a imprensa no mundo. A tese de Nelson Werneck Sodré é que a grande imprensa no tem vocasio herdica de inde- pendéncia nacional. Q entreguismo sempre foi a tonica politica da impren-. sa sob 0 comando capitalista do monopdlio financeiro. Assim, o desafio estd posto: como romper o cerco da midia ¢ persuadir a opinio publica para a importancia da biomassa energética? A Reconquista do Brasil é um livro que deve ser lido com uma perspec- tiva humanista pela contemporaneidade mundial, pois traz novas luzes 4 compreensao do fendmeno da supléncia do trabalho produtivo, tomando como referencial a particularidade do caso brasileiro, em que a estabiliza- co feagaceana da moeda nao consegue extrair riqueza da natureza nem produzir bens € servigos para beneficio dos brasilciros. A desqualificagio do trabalho, de que 0 desemprego € um dos sintomas, corresponde ao 19 J. W. Bautista Vidal primado do valor de troca especulative ou, no dizer de Bautista Vidal, “o antagonismo genocida entre o capital ¢ a vida”: 0 reinado absoluto do capital-dinheiro. A esbérnia financeira. A cconomia cassino. A dissipagao do valor de uso. A economia de cemitério. O bem conhecido circulo vicio- s0 improdutivo e eunuco do dinheiro. A abordagem original ¢ inovadora de Bautista Vidal reside na énfase do vinculo indissohivel entre a questao da soberania nacional ¢ 0 controle dos patrimdnios energético e mineral, mas néo apenas como achado tedrico, pois a experéncia vitoriosa e estra gulada do Prodicool (1974-1979) lhe permitiu vivenciar na pratica a ten- tativa de castragéo da biomassa energética pelo poder hegeménico mun- dial, na realidade o verdadciro castrador, em conluio com servis agentes nativos, a Soligarquia dos pardais”, de que falava Severo Gomes. O nivel de concretude que atinge (para nao dizer o primor didético) a critica radical de Bautista Vidal ao fetichismo do dinheiro resulta da clivagem entre energia ¢ teorias econdmicas, ou a recusa de mentalizar a questao energética dentro do aparato técnico da economia, a exemplo de capital, prego, juro, cambio etc... Esse curioso vetor fisiocrata no enfoque de Bautista Vidal lembra algo de pré-socratico (a terra ¢ a matureza sur- gem em primeiro plano) e chega 2 ponto de estabclecer uma relagéo antinémica entre 2 energia como grandeza fisica ¢ a abstragio da moeda. Decorre daf sua ética vital, consubstanciada em ataques veementes ao “pa- pel pintado”, & mistificagdo do “investimento”, 3 pseudo-estabilidade mo- netéria (que destréi a capacidade de produzir), a0 uso descontrolado do dinheiro especulativo ¢ de pacotes tecnoldgicos externos. Ba entrega de nosso destino ao alienigena. Convenhamos: a vida — ¢ a nossa vida con- creta, como nagio e como pessoa — ¢ mais importante do que a moeda. Isso quer dizer que, a0 ndo ter o numerério monetério qualquer relag4o com a realidade fisica e com os objetivos-fins da sociedade, e ao represen- tar assim mesmo o valor dos valores, est4 se estabelecendo um sinistro proceso que nao pode levar a bom termo, nem é suportado por bom propésito. Que o diga o poder supremo do narcotréfico. © humanismo de Bautista Vidal nfo o leva aos caminhos do devaneio; 20 contririo, sua teflexdo toca fundo na realidade contemporanea, a0 con- ceber a voga do neoliberalismo como expressio ideolégica do esgotamento cnergético do chamado Primeiro Mundo, na realidad condenado & deca- déncia: a fartura do petrdleo, razo de ser de scu apogeu, jd era. Triste do pais que descobrir grandes reservas de petrdleo ¢ ndo dispuser de portento- so poder nuclear, como o México, a Libia, o Iraque, 0 Iré e a Nigétia, por exemplo. Diante desse quadro dramatico, ele chama a atengéo para a evi- déncia cotidiana dos trdpicos: nossa imensa ¢ “eterna” fonte de encrgia, 20 A Reconguissa do Brasil centro ¢ dinamo do sistema césmico ao qual pertencemos, ¢ o Sol. O reator a fusdo nuclear em plena operacdo supre para sempre as regides intertropicais com soberbas quantidades de energia limpa. O Sol ¢ também a origem primeira de todos os combustiveis fosseis, em processo de desuso. A viagem de Bautista Vidal é de natureza politica, ou, caso se prefira, geopolitica: 0 mundo hegeménico quer impedir que exploremos 2 ener- gia limpa ¢ renovavel dos trdpicos, o que € um ardil para impedir que 0 século XXI seja o século do Brasil. Acontece todavia, que sem soberania (voltemos 4 tese fundamental de Bautista Vidal) continuaremos vitimas da manipulagdo internacional dos pregos de tudo que produzimos. Mes- mo que seja de crucial importancia para os demais; nao hd mais as tradi- cionais “vantagens comparativas” que suportaram nos tiltimos dois sécu- Jos as teorias econdmicas, assim como estamos impedidos de possuir uma moeda forte, ancorada em lastro energético tropical ¢ nos minerais estra- tégicos insubstituiveis, em vez do uso do “papel pintado”, ilegitimo e de- lingiiente, controlado por especuladores e méfias internacionais. O cientista Bautista Vidal teve em sua vida a sorte de cruzar com Severo Gomes, homem culto e sensivel aos danos da exploragao colonial a que vem sendo submetido o Brasil ao longo da sua histéria. Desse encontro e das circunstancias do embargo do petrdleo, em 1973, resultou a praxis teenolégica da biomassa, 0 Prodlcool, apenas a ponta de um imenso iceberg, vitorioso no inicio e logo freado por aquelas forsas que nao querem ver o Brasil ganhar 2 auto-suficiencia energética € transformar-se, no s¢culo XXI, na grande potén- cia cnergética do plancta. E facil constatar-se porém, que pelas garras do poder neocolonial, para levar avante programa dessa natureza, nem tudo se- rao flores. O leitor poder imaginar a anguistia desse cicntista patriota diante do irracionalismo dos tltimos governos em matéria de politica energ¢tica. Somente com 0 apoio de toda a populacio € poss{vel levar avante tal progra- ma. A m(dia eletronica, todavia, dominada pelo poder do dinheiro internaci- onal, rejeita a possibilidade da consolidagao do bem-estar ¢ do poder nacio- nais tendo por base a grande riqueza concreta, de valor universal, ¢ nao se empenha em esclarecer a opinizo publica quanto aos beneficios da descolonizagio energética, Severo Gomes é assim relembrado por Bautista Vidal, que lhe dedica, junto com outras importantes figuras, este livro. Seve- ro — lembrem-se — foi quem, como ministro da Industria ¢ do Comércio do Brasil, proferiu a frase ontolégica acerca da famosa escola econdmica monetatista: “Entre as Escolas de Chicago, a que menos matou ainda foi a de ‘Al Capone.” Relembremos ainda uma outra frase de outro grande patriota, general de Exército Antonio Carlos de Andrada Serpa, também homenagea- do por Bautista Vidal: “Tudo que fizerem contra 0 nosso Brasil nds reverte- remos. Apenas uma coisa nao pode acontecer: parar de nascer brasileiros”. a Introduciio Bases para Salvar a Vida E livro € 0 ultimo de uma série de quatro, formando uma tetralogia sobre as questdes brasileiras de nosso tempo, em que 0 primeiro deles, De Estado Servil a Nagao Soberana —- Civilizagdo Solidérin dos Tripicos, foi Prémio Casa Grande ¢ Senzala 1987/88 de incerpretacao da cultura brasileira. Em conjunto, eles procuram analisar o Brasil contemporineo em sua realidade sdcio-politica, cultural ¢ histérica, ou seja, em seu proceso civilizatério mais recente. A abrangéncia ¢ nao convencional ¢ procura fugir das versdes impostas pelas tradicionais visGes setoriais, que impli- cam uso de paradigmas limitantes ¢, por isso, deformadores do conheci- mento. Neles séo procurados como referéncias de andlise, os parimetros que relacionam diretamente a realidade com o poder que permite a sustenta- go das nacées soberanas. Do mesino modo, eles buscam afastar-se da- quelas andlises que véem a produgéo de bens ¢ servigos pelo viés das cha- madas teorias ccondmicas que, bascadas na varidvel monetdria, desviam a atengio da realidade para a abstragdo de uma falsa simbologia que serve a seus controladores e est4 levando o mundo ao desastre. Ademais, o controle monopolista sobre a emissao da moeda de refe- réncia internacional conduz a escandaloso sistema que serve a determina- dos grupos, corporagées ¢ paises. Eles procuram também apresentar consistente argumentacao de con- testagdo explicita 4 validez dessas teorias, especialmente quanto ao modo como elas vém sendo usadas no Brasil e em pafses com histérias recentes semelhantes. Ao mesmo tempo buscam valorizar as varidveis retiradas do mundo concreto, fisico e social, que fundamentam a produgao de ri- queza, 0 bem-estar do homem ¢ 0 leg{timo poder, essencial & sobreviveén- cia ¢ 4 garantia de mamutengio da dignidade das nagécs. Essas varidveis sao aquclas que derivam das questées energética, tecnoldgica, cultural, histdrica, ambiental e humana: enfim, da politica. Politica de poder nacional, em confronto com 0 artificialismo dos instru- mentos abstratos que tém por base exclusiva as finangas, estas controla- das por “méfias” internacionais ¢ por aqueles instrumentos que derivam da ldgica dessas teorias, de inconsistentes fundamentos. 23 J. W. Bautista Vidal © enfoque geral da tetralogia esté assim em oposigao ao artificialismo delingiiente desses instrumentos de natureza abstrata, de base exclusiva- mente financeira, e que derivam dessa Iégica mistificadora. Ademais, procuram evidenciar a falsa estrutura de valores resultante dessas teorias que impera no jogo de poder internacional, em adigao as inconsisténcias de scus fundamentos com o mundo concreto ¢ com a ética, ¢ que estd levando, de modo evidente, o mundo ao desastre. Procurou-se estabelecer neles bases s6lidas para uma verdadeira teoria do desenvolvimento, nao sendo no entanto uma nova teoria, posto que as que tomaram esse nome fundamentam-se na falsa varidvel monetdria. A moeda, que deveria ser apenas simbolo de entes concretos, essenci- ais 4 produgao e util instrumento de troca, transformou-se em fim de si mesma, de emisséo monopolista arbitraria ¢ base de politicas adrede equivocadas, que favorecem grupos mundiais predominantes, o que estd levando 4 miséria ¢ ao desespero povos ¢ nagocs. A inconsisténcia das chamadas teorias do desenvolvimento resulta do fato de que suas estruturas ldgicas, bases conceituais ¢ varidveis sio as mesmas que conformam e¢ definem as chamadas teorias econémicas, na realidade apenas financeiras. De fato, tudo se passa como se clas fosscm ainda legitimas. Na essén- cia todas tém como varidvel bdsica a moeda — naturalmente a mocda de referéncia internacional —, como era de se prever, tendo em vista a fal- sa concepsdo de simbolizar todas as riquezas. Hoje, além dessa falsa simbologia, desde Bretton Woods, continua o absurdo do monopélio arbitrério de emissio.. Esse arb{trio de emissio, comprovado desde 1971, e mantida a tirania do monopélio, criou um monstro de mil cabegas, que tudo devora, em todas as partes onde, por traigéo, medo ou vergonha, nao existam condi- es ou vontade politica de rejeigao ou mesmo de defesa. Assim, essa dindmica mundial impede qualquer possibilidade de com- peticao local, o que vem destruindo as nag6es ¢ seus respectivos povos que se submetem a esse sistema, especialmente apds a imposigdo da ge- neralizada doutrina da globalizacao. Para suportar este estado de coisas, foi imposto 4 execrag3o 0 naciona- lismo, com 0 objetivo de impedir a criagdo de condigdes de defesa; ou seja, essa atitude visa a facilitar 0 massacre que esse sistema impde sobre povos © nac6es desprevenidas. Essas ages fazem-se mais intensas e destruidoras naqueles paises que dispdem de grandes patriménios naturais ¢ que ndo participam do co- 24 A Reconquista do Brasit mando compartido da esbérnia financeira mundial, e que, por isso ¢ por motivos que veremos adiante, so as principais vitimas. As estruturas conceituais das ditas tcorias econémicas excluem as rela- g6es formais entre as atividades de produgio ¢ os principais elementos naturais ¢ as dindmicas que a sustentam, em especial, a crucial componen- te energética, que cstd na origem de tudo, e © processo tecnoldgico. Estes retinem caracteristicas especiais, profundamente distintas daquelas que essas teorias denominam fatores de produgao. Nessas teorias a energia ¢ a tecnologia, que formam a base ¢ garantem a estruturagao € a operacio das atividades produtivas, entram, de modo indiscriminado, na vala comum dos fatores, nao caracterizando disting6es essenciais dos demais ¢, portanto, impossibilitando anélises de situagéo que as envolvam. Essa a razdo por que os economistas que conduzem 0 main stream das idéias modernas da economia mundial, néo conseguiram prever, nem mes- mo avaliar a irreversfvel crise energética que o mundo vive desde 1973, © que teve inicio com 0 embargo do petrdleo pela OPEP. O que disseram © fizeram entao seus principais luminares foi um “horror”. Nos capitulos VIII @ XII de nosso livro De Estado Servil a Nagao Soberuna e no capitulo IV de Soberania e Dignidade, Raizes de Sobrevivéncia, de titulo “Poder Energético dos Trépicos - Futuro do Prodlcoo!”, detalhamos esse contexto ¢ algumas das barbaridades que entéo foram por cles perpetradas. Em 1980, nos BUA, tivemos a oportunidade de aprofundar essas ques- tdes com alguns dos mais importantes entre esses cconomistas, o que permitiu consolidar alguns aspectos desta anélise. Nada se transforma ou se move no universo fisico sem a participac’o de energia. Assim, é impossivel cogitar-se de discutir qualquer desenvol- vimento ou transformacdo ness universo sem levar em conta, de modo estrutural ¢ conccitual, o papel da cnergia. Outro sintoma dessa inconsisténcia ¢ a falta de tracamento nessas tco- rias da questéo tecnoldgica, Na realidade, sé recentemente foi por clas considerada, embora apenas como varidvel exégena. Por mais que Schumpeter procurasse realgar sua importancia, essa questo até hoje ndo foi por clas cntendida nem conccituada de modo adequado. E, como é necessdrio, ainda nao passou a formar parte estrutural de suas formula- ges légicas. Na realidade, a questo tecnolégica nao desempenha na estrutura pro- dutiva 0 papel de uma varidvel, pois conforma as caracteristicas de um processo, que define uma “cquagao de produsio”, intervindo de modo direto na dindmica da produgéo. Ela estabelece a participacao dos fatores, 25 J. We Bawsista Vided a forma de produgéo ¢ as op¢Ges fisicas € politicas de uma vasta gama de interesses, potencialidades ¢ caracteristicas. A auséncia dessa essencial conceituagio levou economistas do Terceiro Mundo, em particular da conhecida escola da Cepal, a implantar nos princi- pais paises da América ibérica — América hispano-portuguesa — 0 modelo de crescimento econémico dependente. Dependente precisamente da ques- tio teenolégica, como se isto fosse uma vantagem ou um possfvel caminho. Na realidade, deste modo cria-se a dependéncia na propria capacidade de decidir. Evidentemente, este modelo jamais poderia dar certo! Chegou-se até a claborar suposta teoria da dependéncia, tendo um de seus principais proponentes alcangado a Presidéncia da Reptiblica do Brasil. Ao contrério do que se propaga, fruto de seu habitual descompromisso com a realidade nacional ¢ com a verdade, ele vem implantando 0 que cntdo cscreveu, mais como fruto da ideologia dos hegeménicos do que de suas proprias idéias. Nisso, sira coeréncia € inconteste. Somente um absoluto desconhecimento de causa poderia explicar por que paises da América ibérica seguiram cegamente esse roteiro suicida. Do ponto de vista conceitual € politico, 0 desastce que s¢ avizinha tem suas origens na vulnerabilidade criada pela incrivel dependéncia tecnoldgica com que se montaram nossos parques produtivos, na chamada fase desenvolvimentista. Foi essa dependéncia a esséncia do modelo que pre- tendia crescer “cingiienta anos em cinco” Por meio desse modelo, entregou-se a corporagées transnacionais o imenso mercado potencial de substituicdo de importagées desses paises, com o beneficio adicional de amplos privilégios, dando-Lhes 0 assim co- mando do processo de espoliagio do Brasil, a que agora assistimos estarrecidos completar-se. A complexidade ¢ 2 amplitude da anflise da questo tecnoldgica torna impossfvel seu desdobramento nesta introdugao. Detalhado estudo desta questo encontra-se permeando os livros da tetralogia, especialmente nos capitulos II a VII de De Estado Servil de Nagao Soberana; no capitulo IT de Soberania c Dignidade, Ratzes a Sobrevivéncia, de titulo “Poder Neocolonial”, ¢ no capitulo I de O Esfacelamento da Nagao, de titulo “Qua- renta Anos de Paradoxos ¢ Contradigde Para evidenciar a profunda inconsisténcia dessas teorias com a realidade ¢ com 0 processo de desenvolvimento, bastaria considerar que o tempo, com- ponente intrinseco aos fendmenos naturais ¢ as leis do universo fisico ¢ biolé- gico, no constitui varidvel estrutural dessas teorias. Isso significa ignorar a evolugao entrépica do universo ¢ da vida, um dos pilares bésicos da ciéncia. 26 A Reconquista do Brasil Ademais, 0 main stream dessas teorias trata as sociedades como siste- mas continuos, como se elas se comportassem como mdquinas, e no como entes coletivos descontinuos, volitivos, de comportamentos peculiares, de acordo com sua histéria ¢ cultura, muitas vezes imprevisfveis ¢ de evolu- gd0 nao linear. Na realidade, as sociedades so acionadas por poderosas forgas histéri- cas, culturais ¢ espirituais — fruto de suas crencas, religides, costumes € tradigées — que escapam das bisonhas andlises dessas falsas teorias. O chamado neoliberalismo, em pratica inusitada mas de conseqiiéncias infe- lizmente previsiveis, simplesmente passa como um trator por cima dessas forgas. E a barbérie como forma estruturada de promogio da destruigé0 dos povos ¢ da vida. Mesmo quando nao se levam em conta esses parametros essenciais a0 entendimento do desenvolvimento fisico e cultural da vida coletiva dos povos ¢ da sua histéria, cssas teorias restringem 4 tendéncia deformante das suas andlises. Nesse sentido, as correntes monetaristas nao se distin- guem, na esséncia, das correntes estruturalistas, como procuramos deixar claro no capftulo XII (“Economia, Ciéncia ou Biombo de Interesses”) do primeiro livro da tetralogia. Como ultimo de uma série, este livro procura ser conclusivo e sintese dos demais, além de apresentar roteiro para um projeto nacional, que propoe bases para uma cstratégia de desenvolvimento. Isto implica, necessariamen- te, tratar 0 mundo fisico tal como cle é com suas leis ¢ principios gerais, potencialidades ¢ peculiares. Ademais, seria primério, até bisonho, ignorar 0 contexto sécio-politi- co-histérico-cultural-ambiental de um povo que tem em suas circunstan- cias trunfos concretos, quando se trata de promover o desenvolvimento, ou, mais claramente, 0 autodesenvolvimento. Neste caso, em nenhuma hipétese, esse povo abriria mao de seu fan- tastico acervo fisico ¢ cultural, o qual contém no seu bojo séculos de avango, em especial no campo humano — da espécie humana —, em relagdo a certas ragas € povos que sc auto-intitulam avangadas, desen- volvidas, superiores, sem dizer em relagio a que, salvo na faldcia do dinheiro falso e na brutalidade militar. Destacamos também a tolerancia de nosso povo para com outros po- vos, ragas e crengas, fruto de intensa miscigenagéo, acrescida da cultura mediterranea, que nos enriqueceu trazendo o que de mais consolidado a Europa podia oferecer & época, fruto de civilizagées milenares, que colo- nizaram oito vezes a peninsula extrema, em natural convergéncia, aberta 27 J. W. Bausista Vidal pelos desbravadores do além-mar tenebroso, por meio da maior epopéia vivida pelo homem: a descoberta do Novo Mundo. Nao esquecamos ainda nossa natural alegria de viver, que resulta da nossa natureza generosa, nao agressiva, para gozo da qual atrafmos quem queira conosco vir comparti-la. Essa postura acolhedora, porém, ndo vem sendo bem entendida por interesses alienfgenas, que para aqui vém extor- quir nossos ricos patriménios, como se féssemos um poyo de idiotas, sem cardter ou sem qualquer compromisso com os nossos filhos. Esse insensato desrespeito & nossa acolhida ¢ alimentado por geragéo de mal-nascidos, que, tendo aqui tirado certido de nascimento, nao sao brasi- Iejros, mas aproveitadores de nossa ainda ilimitada generosidade ¢ que es- tio levando esta grande nagdo 20 esfacelamento e ruina. Nao excluamos também os omissos ¢ os pusildnimes, os que se comportam como se nada do que aqui ocorre tivesse a ver com eles, como se nao fossem brasileiros, mas marcianos que aqui cafram por acaso. Estes continuam tirando suas vantagens sobre o resultado do esforgo coletivo que aparentemente que- rem ignorar. E, as dolosas conivéncias com 0 atual estado de coisas, resul- tam tao criminosas quanto as agdcs dos traidores explicitos. Qualquer estratégia que vise 20 desenvolvimento nio pode, naturalmen- te, excluir 0 mundo fisico. Sem ele © proceso produtive ¢ impossivel, pois nfo haveria a base concreta que © fundamenta. Isto estabelece como crucial, a participagdo das matérias-primas e da energia nas politicas de produgao ¢, de modo conseqiiente, o valor estratégico delas nessas politicas. Assim, nas circunstancias mundiais, suas abundancias relativas tm peso decisivo. Sob a abstracao do poder monetitio ¢ 0 controle do comércio por gran- des corporacées que formam oligopélios ¢ cartéis, néo raro monopélio de ambito mundial, as matérias-primas e a energia sio submetidas a absur- das desvalorizagdes, como se seu papel fosse desprez{vel, como sao absur- damente despreziveis seus respectivos pregos, manipulados no mercado internacional, Isso corresponde a deformar profundamente as regras m{- nimas de um suposto livre mercado. Na realidade, este conceito somente existe no discurso neoliberal para enganar populag6es caipiras. Podemos assim afirmar que o livre mercado é 0 que menos existe hoje nas relades econdmicas internacionais; a comecar pelo monopdélio mundial das paten- tes, hoje estendide aos produtos farmactuticos, alimentares € 4 prdpria vida. A importancia negativa desta nefasta legislagao levou-nos a dedicar a ela todo o Capftulo I, de titulo “Lei de Patentcs, a Chantagem do Século”, de nosso terceiro livro, O Bxfiacelamento da Nacéo. Estamos reiteradamente referindo-nos ao mundo fisico tal como ele ¢, no qual se localizam os elementos concretos essenciais a todas as ativida- 28 A Reconquista do Brasil des que levam ao bem-estar ¢ a0 poder do homem, sem excluir aqueles que conformam o poder bélico defensivo, persuasério. Sdo eles, em di- mensfo crucial: a energia, a terra, 2 4gua, os minérios, ademais do pré- prio homem ¢ sua inteligeéncia, em visio ecoldgico- teliirica que o associa a uma ecosfera inteligente, cuja conceituagao conjunta esté sendo tao neces- sdria 4 sobrevivéncia da espécie humana ¢ 4 presenga da vida no plancta. Contrapée-se no entanto a esse universo concreto, desqualificado em seu valor por uma falsa simbologia monetdria, um mundo artificial de tergiversagdes esquizofrénicas - que nada tem a ver com a realidade fisi- ca, social, cultural, humana e economica, controlada de fora do pafs por usurpadores globais, os quais nos submetem a scus caprichos de ilegiti- mas € desmedidas ambig6es. Para isso impingem-nos a perda da identida- de nacional, da auto-estima ¢ do controle de nossos mais estrat¢égicos ¢ essenciais patriménios. Hé que explicar, porém, a questao basica preliminar: a tirania da grande midia, esctita ¢ falada, que descumpre seus deveres constitucionais ao im- pedir a sociedade de tomar conhecimento da realidade do pais. Deste modo desinformada ¢ manipulada, a sociedade comporta-se como bando de in- sensatos que caminha para o desastre. Repete-se, neste caso aplicado 4 na- gho, a estria de A Crénica da Morte Anunciada, de Gabriel Garcia Marquez. A “Reconquista do Brasil” e aqueles que 0 precederam surgiram assim de uma premente necessidade de tentar superar a brutal desinformagao dos brasilciros sobre as principais questécs de nosso tempo. Desinformagao que atinge amplos setores ¢ camadas da vida nacional, desde sofisticados intelectuais a oficiais superiores das Forgas Armadas; de juizes dos tribu- nais superiores a ministros de Estado e altos funciondrios; de embaixado- res € industriais a produtores rurais; de professores universitérios a Mide- res sindicais; de estudantes a trabalhadores organizados ¢, evidentemen- te, 0 que se costuma chamar de “povéo”, em cujo meio esté a terrivel realidade dos “excluidos”. A existéncia destes qualifica a atual geragio de dirigentes mundiais ¢ locais como uma das mais criminosas que jamais pisou este planeta de infortiinio, além de covardes, por nfo assumirem 0 programado genocfdio que a existéncia dos “excluidos” implica, como o fizeram outros assassi- nos do pasado. O bloqueio monolitico da grande midia sobre informagées necessérias ao entendimento da realidade nacional ¢ mundial, ou seu falscamento por conveniéncia de grupos hegeménicos, impondo 4 populagio versées de- formadas de vids ideolégico de grupos dominantes, ademais de unilateral e antinacional, sem a presenca do contraditério, forma um quadro que 29 i _— J. W. Bautista Vidad impede que a sociedade possa refletir ¢ tomar conhecimento do que estd ocorrendo com o pafs € com © seu povo, ou seja, com a Nacao. Ele € fruto de ages promovidas pelo sistema de poder externo que, na realidade, nos governa, acima das instituigdes. © poder que a midia exerce sobre a. opinigo publica ¢ sabre o subcons- ciente dos individuos deixa todos sem condig6es de reflexio e andlise e¢, como conseqiéncia, afasta a possibilidade de posicionamento da socied: de quanto ao presente ¢, especialmente, quanto ao futuro individual ¢ co- letivo. © esmagamento da soberania nacional como objetivo principal desse conjunto de agdes torna o exercicio da cidadania uma veleidade inatingtvel; ou seja, tendo em vista o papel crucial que a soberania exerce na criagao das condigdes para o exercicio da cidadania, 2 promessa desta sem soberania ¢ resultado de programada e desonesta mistificacio, facil porém de ser incu- tida de modo enganoso no eleitor, que sonha com a cidadania plena. As tentativas de opor-se a essas agdes de controle das mentes sio emudecidas pela natureza implacdvel desse controle, cujo principal ins- trumento para efeitos coletivos ¢ a propria midia. Isso nao seria suficien- te, porém, pata os objetivos de destruigao pretendidos, se esse sistema nfo exercesse forte influéncia sobre as instituigées do Estado, que tém a responsabilidade de preservar os valores permanentes da sociedade, entre as quais aquelas que deveriam cuidar da criagao, manutengio e transfe- réncia do saber ¢ do pensar nacional. O mais grave entre os objetivos desse controle ¢ a ventativa de impedir que se configure uma vontade nacional, tinico meio de contrapor-se ao pro- jeto de destruigao do Brasil. Isso esta sendo conseguido principalmente pela agio da grande midia, escrita ¢ falada, que, paradoxalmente, de outro modo, deveria ser instrumento da sociedade, que, por via da chamada liberdade de imprensa, permitisse a formasao de uma opiniao publica consciente. Para isso, sua independéncia seria essencial, 0 que esté muito longe de aconte- cer: ao contrario, € dificil encontrar qualquer outro setor fundamental 2 uma sociedade dita livre que esteja mais conrrolado pelo mercantil, pelo chamado poder ccondmico, de comando externo, do que os meios de comu- nicacfo de massa no Brasil. A dinamica predominante do processo lembra, modus et rebus, 0 siste- ma que promove o controle das mentes descrito em 1984 por George Orwell; neste caso, porém, distingue-se do poder de Estado tiranico pela natureza’aparentemente light, embora igualmente tiranica do poder exer- cido direta ou indiretamente sobre a grande m(dia pelas finangas nacio- nais ¢ internacionais. 30 A Reconquista do Brasil Jamais tivemos como hoje, tamanha censura, em geral sob a forma de auto-censura. A tao badalada quanto mentirosa liberdade de imprensa depende basicamente da cidadania plena, pela qual os individuos teriam condigGes de defender-se de super-estruturas que dominam ¢ caracteri- zam a modernidade, cm ambito mundial, Tais super-estruturas cram ou- trora controladas pelos Estados-nagdes € hoje estio acima deles, em nome de uma inexistente liberdade de mercado que se transformou em base de uma falsa teologia que visa 4 destruicao dos mais fracos. Na realidade, somente haveria liberdade caso houvesse respeito ao direito de cidadania, hoje anulado principalmente pela acio da midia, tendo por trés dela gi- gantescas corporagdes de Ambito mundial, que agem coordenadamente, agregadas no chamado poder trilateral; seus instrumentos séo essencial- mente de natureza mercantil e financeira, subordinados a idcologias antinacionais ¢ anti-humanas. Por esses meios ¢ impedida a formacéo de opinido publica, esclarecida ¢ consciente, sobre a realidade do pafs; sem esta, fica impossivel a construcao dos alicerces de uma vontade nacional que, por sua vez, daria legitimidade ao processo politico € permitiria reu- nir Os meios necessdrios 4 formaga4o do poder nacional. Na auséncia deste € nas atuais circunstancias, estamos sujeitos a fécil manipulagdo externa, que nos transforma em sociedade 4 deriva, sem autogoverno ¢ sem rumo. Essa situagio tornou-se possivel pelo dominio que o sistema finan- ceiro internacional tem sobre a vida nacional, mantendo absoluto con- trole sobre os meios de comunicagao de massa, sobre 0 proceso clei- toral ¢, conseqiientemente, sobre o Estado brasileiro. Esse sistema tem como instrumento principal a moeda de referéncia internacional que na realidade fez, desaparecer a moeda nacional, “repre- senta-” ¢ substitui todas as riquezas dos povos sem delas depender, nem dos seus patriménios fisicos ¢ culturais. Com esse poderoso e fraudulento instrumento, o sistema funciona como uma forma de governo mundial, tendo por fundamento o arbftrio, em dindmica avassaladora imposta pelo poder artificial do dinheiro, como se ele representasse mais ainda que a moeda que 0 sustenta, e com risco de levar o mundo 2 débacle antes do que se pensa, em colapso mais grave € abrangente do que 0 ocorrido em 1929. Entéo havia alguma poupanga verdadeira, ¢ 0 mundo nio estava envolvido cm irremediével perigo de colapso energético. Séo imimeros os exemplos histéricos que atestam os trégicos resulta- dos das grandes fraudes monetdrias anteriores, algumas delas relatadas no segundo capitulo de nosso livro O Esfacelamento da Napdo. Procuta- mos deste modo descrever a fraude em marcha em “A Armadilha”, pri meiro capitulo deste livro. 31 ae

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