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Revista Marítima Brasileira, vol. 121, nº 10-11, outubro-dezembro/2001, pp.

95-103

A AMAZÔNIA, SUA INVASÃO, SEU DESMATAMENTO


E QUEIMADAS

Eles não querem o /l aSSO bem, eles querem os


/laSSaS be/ls.
Padre Antônio Vieira

ROBERTO GAMA E SILVA'


Contra-Alm irante (RRm)

-
SUMÁRIO

A in vasão da Amazônia
Seu des malamenlO
Suas queimadas
O clima am(lzô"ico
As queimadas

A INVASÃO DA AMAZÓNIA Há, todavia, um raciocínio equ ivocado


em relação à invasão da Amazônia.
"
E agora bem visível a preocupação dos
brasileiros com os olhos de cobiça que
se fixam na Amazônia brasileira,justamen-
Até mesmo altas autoridades militares
têm passado a idéia de que uma invasão
armada estaria sendo montada pelo "Impé-
te por ser ela o "paraíso dos recursos natu- rio", a fim de retirar a região da soberania
.
rais" remanescentes no sistema fechado da
espaçonave Terra".
nacional, colocando-a sob outra bandeira
ou internacionalizando-a para uso futuro

-
I N .R.: O autor é natural de M.maus e en trou para a Escola Naval em 1949 sendo promov ido à almirante
Cm 1980. S~rviu na Amazônia entre 1977 e 1978 como Chefe da Seção do Serviço Nacional de
Informações (SNI) para !\ Amazôn ia Ocidental e de março de 1980 a jane iro de 1984 como
Presidente do Grupo Executivo para a Região do Ba ixo Amazonas e, como tal, membro ad lI oe do
Conse lho de Segurança Nacional. no governo Figueiredo.

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do pequeno grupo de Estados fiadores da pim , a titular da Província Bauxitífera do
Pax Borealis, Trombetas, as chaminés alcalinas-ultrabá-
Ledo engano! sicas de Maicuru e Maraconaí, depósitos
A invasão da Amazôniajá está em fase gigantes de anatásio.' tudo isso escorre-
bem adiantada, à mesma medida que se pro- gou das mãos nacionais devido à aliena-
cessa a conquista do Brasil , pela ocupa- ção da Companh ia Vale do Rio Doce,
ção do seu compartimento econômico. A invasão teve seqüência com a multi-
Em outras palavras, a nossa Amazônia plicação das empresas de mineração inter-
já está sendo ocupada sem o emprego de nacionais em atividade na região, depois
um único so ldado in vasor e sem que seja que o texto constitucional' foi alterado,
disparado um só tiro! para permitir que qualquer aventureiro de
A primeira cabeça-de-praia dessa nova fora obtivesse li cença para exp lorar o
in vasão, uma reiteração ~~~~~~~~~~~~~~~~~ subsolo pátrio, cm 1995
da Históri a, foi estabe- o no governo Fe rn ando
lecida em Manaus, com A invasão da Amazônia já Henrique',
a implantação da Zona está em fase bem Também as empre-
Franca,' medida bem- sas madeireiras do su-

intencionada , todav ia adiantada, na mesma deste da Asia "baixa-
distorcida na sua execu- ram" na região, para re-
medida em que se processa petir no Novo Mundo
ção pelo fato de se ter
transformado num por- a conquista do Brasil, pela a façanha que realiza-
to seguro para a proli- ocupação do seu ram no outro lado do
feração de montadoras planeta: derrubada pre-
multinacionais, compartimento econômico datória das made iras
Em seqüência, alas- nobres da floresta tro-
trou-se a influência ali enígena na região picai úmida,
com a privatização da Compan hia Vale do Como se não bastassem tantos intru-
Rio Doce - CVRD,' que passou para as sos, para lá convergiram enxames das in-
mãos de controladores que nem Deus sabe desejáveis organ izações não-governamen-
as origens, mas estrangeiros com toda a tais, as ONGs, na verdade braços "parago-
cel1eza, vernamentais" dos Estados desenvolvidos,
Com esse ato irresponsável, mais de 500 infiltrados nos países subdesenvolvid os
mil hectares' de áreas superficiais de ser- para tolher a sua marcha em direção ao pro-
vidão escaparam da propriedade de brasi- gresso e para inocular o vírus da secessão
leiros e, no subsolo respectivo, um fabulo- nos seus habitantes insatisfeitos,
so tesou ro mineral teve o mesmo destino. Em março de 200 l, mais um grande pas-
A polimineralizada Província Mineral de so para o domínio total da região foi dado,
Carajás, a Província Bauxitífera do Rio Ca- tendo como protagonista a multinaci onal

2 N.R.: A Superintendência da Zona Franca de Manaus foi cri ada pelo Decreto·Lei 288 de 28 de
fe vereiro de 1967 no governo do General Castelo Branco.
3 N.R.: A CVRD roi privatizada no primeiro semestre de 1997 .
4 N.R.: As exp lorações minerais são pontuais; a área é um indicador secundário.
5 N.R.: Anatásio é um dos 3 minérios do titânio.
6 N .R.: A Emenda Constitucional nl! 19. de 15 de agosto de 1995. (primeira do governo Fernando
Hen riqu e) alterou o art. 171 da Constituição.

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BHP, mineradora registrada na Austrália. se acha em poder de forasteiros, o mesmo
Com a aq ui sição de 60% das ações ordiná- acontecendo com a rica região em torno da
nas da Companh ia Auxil iar de Empresas Serra dos Carajás e toda a bacia do Rio
de Mi neração - Caemi, empresa Capim, no sudeste do Pará.
Contro ladora do gru po formado pelo co- Regrediu. destarle. o Brasil a uma épo-
nhecido, "representante" de grupos estran- ca em que a Amazônia era de tal forma co-
geiros, o fa lec ido Augusto Trajano de Aze- mandada por estrangeiros. que mereceu
vedo Antunes, a BHP passou a deter não citação especial no livro Tlle Eartil alld
só os depós itos de minério de ferro das the State, escrito pelo eminente
Minerações Brasileiras ~~~~~~~~~~~~~~~~ geopolítico norte-ame-
Reunidas-
.. MBR,loca- - ricano Derwent
"zados em Min as Ge- O núcleo central da Whittlesey, em agosto
rais e responsáveis por América do Sul é formado, de 1939. No trecho em
5% das reservas naci- que descreve os rios
ona is, mas, ta mbé m, na maior parte, pela bacia como "avenidas de pe-
tOdo o patrimônio es- de um único rio. Na sua netração", Whittlesey
tocado na Amazônia comparou as bacias do
pelo mesmo "cidadão quase totalidade esse Congo e do Amazonas,
do mundo". Fazem par- núcleo é, do ponto de vista para chegar à seguinte
te desses bens amazô- conclusão: "0 núcleo
nlcOs, nada menos do Político, território central da América do
qUe o Projeto Jari, re- brasileiro, embora sua Sul é formado, na mai-
Passa do ao G rup o exploração esteja a cargo or parte, pela bacia de
Antun es por interfe- um único rio, Na sua
rência direta do senhor de europeus. A distinção quase totalidade esse
Golbery do Couto e Sil- legal entre a bacia do núcleo é, do ponto de
va, enquanto Chefe da C d A vista político, território
Casa Civil do Govern o ongo e a o mazonas brasileiro, embora sua
Figueiredo, em 1983, não chega a mascarar a exploração esteja a car-
nele incl uídas as impor- sua similaridade go de europeus. A dis-
tan tes rese rvas de tinção legal entre a ba-
bauxita refratári a e de geopolítica cia do Congo (colônia
ca ul im d is pos tas às deum Estado europeu)
rnargens do Ri o Jari , além do que sobrou e a do Amazonas (parte de uma soberan ia
da Indústria e Comércio de Minérios S.A. sul -a mericana) não chega a mascarar a sua
- Icomi, empresa que exauriu prematu ra- similari dade geopolítica",
rnente os depós itos de manganês da Serra Acontece que o geopolít ico norte-a me-
do Navi o, Amapá, e mais as pl antações per- ricano estava mes mo certo, quando publi-
tence ntes à Co mpanhi a de De nd ê do cou o seu traba lho há 63 anos atrás!
Arnapá S,A. - Codepa e a fl oresta homo- Posso ratificar o que foi escrito, porque
gênea de Pinll s caribea pla ntada pela testemunhei o final da dominação européia
Arnapá Celulose - AmeeI. na cidade de Manaus, onde nasci.
Como é fác il constatar, exa minando um Até o início dos anos 40, as maiores
rnapa regional, a margem esquerda do Rio autoridades no Amazonas eram os geren-
Arnazonas, do Amapá ao Ri o Trombetasjá tes do London Bank, da Amazon River

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Steam-ship Compa ny, da Manaus Há duas causas principais para a veicu-
Tranways and Light Company, da Manaus lação dessas informações imprecisas: a ig-
Harboure da Booth Line. Além desses "d ig- norância generali zada, que ainda persiste,
nitários", mandavam na região os donos em relação à maior região natural do país e
das firmas aviadoras' de borracha, todos o indisfarçável interesse dos estrangeiros
eles europeus. que sobre ela paira, pois desejam eles
Foi o Presidente Getúlio Vargas que "na- mantê-Ia intocável, para uso futuro dos
cionalizou" a Amazônia, aproveitando a seus incomparáveis recursos naturais .
brecha que a Segunda Guerra Mundial Inexplicável, no caso, é o fato de órgãos
proporcIOnOU. governamentais, que deveriam ser compe-
No presente, os brasileiros realmente tentes, contribuírem notavelmente para a
dispostos a defender a região não se de- fundamentação dessas denúncias de fé
vem iludir, armando es- púnica, na medida em
quemas defensivos , que insistem eles em
contra a incursão de E de todo improvável o disseminar informa-
tropas vindas das regi- ções sobre a chamada
ões de onde sopra o
emprego de forças Amazônia Legal, na
Bóreas. E de todo im- militares estrangeiras na verdade um mero artifí-
provável o emprego de Amazônia brasileira, cio político para ampli-
forças militares estran- ação da área submeti-
gei ras na Amazônia simplesmente porque a da ao regime de incen-
brasileira, simplesmen- região está sendo tivos fiscais, mas que
te porque a região está ultrapassa, de muito, os
sendo dominada sem
dominada sem que se faça limites da verdadeira
que se faça necessária necessária tal intervenção Amazônia ' Esta, na
tal intervenção. realidade, é a grande
Se querem, de fato, defender a região, unidade paisagística natural, caracterizada
mantendo-a sob nossa dominação, asses- por domínio morfoclimático e fitogeográ-
tem as baterias sob re os oligarcas- fico bem definido, segundo padrões típi-
entregu istas, inconciente ou interesseira- cos de relevo, clima, drenagem, solos e
mente "convictos" dos beneficios da vegetação.
privatização e de globali zação. A região natural, que se pode clamar de
"Amazôni a Verdadeira", mede, em núme-
SEU DESMATAMENTO ros redondos, 4 milhôes de quilômetros
quadrados, enquanto a Amazônia Legal,
Ciclicamente, todavia sem freqüência com os seus 5,1 milhões de quilômetros
determinada, pipocam na mídia notícias quadrados, engloba 60% da superfície do
alarmantes sobre o desmatamento preda- Brasil.
tório e as queimadas crimin osas na Ama- A Amazônia Legal, além de conter o do-
zônia brasileira. mínio característico da "Amazônia Verda-

7 N.R.: Firmas comerciais possuidoras de armazéns gerais e de regalõcs (embl.lTCaçÕes u molor típicas du
Amazônia) que adquiriam dos caboclos produtores as telas de borracha (pequenos volumes de latex
defumado) nos beiradOes ' c as revendia para O mercado nacional e internacional.
8 N .R.: Veja Amol.ónit, Brasileira. do mesmo autor, na RMB l U: trim./2000 - p. 89 .

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deira", ainda inclui parcela considerável do vegetação arbórea, o que equivale a di zer
domínio dos cerrados do Brasil Central, que que o homem , para ocupar os espaços onde
compõem a paisagem natural do Mato Gros- vive, removeu mais de 60% das florestas
so ao sul do paralelo de IÜ"S. e mais três primitivas. ,
quartas partes da superfície do Tocantins, Na Europa e na Asia, onde a ocupação
Onde também imperam os cerrados, além de humana é mai s antiga, mais de 70% das
tOda a área definida como Zona dos Cocais, áreas florestadas foram substituídas para
Uma Outra unidade paisagística que marca a usos múltiplos e usos institucionai s (cida-
transição entre a floresta tropical úmida do des, vilas, estradas, aeroportos etc.).
Norte e a caatinga do Nordeste. No Brasi l mesmo, a soberba Mata Atlân-
A verdadeira Amazônia, se m os tica, que recobria 1,3 milhões de quilôme- I
I
penduricalhos que lhe agregaram os políti- tros quadrados da faixa litorânea, desde o
cos, é, na verdade, a região natural mai s Rio Grande do Norte até Santa Catarina,
bem conservada da Terra, ao contrário do está hoje reduzida a menos de 100 mil qui-
que por aí propagam os ignorantes e os lômetros quadrados, cerca de 8% da dimen-
mal-intencionados, neste último grupo in- são original.
cluídas as maléficas ONGs. Enquanto isso, devido à excentricidade
Senão vejamos. regional e ao desafio da floresta tropical
Estimam os especiali stas que a área flo- úmida, os sete tipos de vegetação natural
resta do planeta era da ordem de 85 mi- existentes na "Amazônia Verdadeira" só
lhões de qui lômetros quadrados, corres- foram desfigurados, pela ação antrópica,
pondentes a 65 % da superfície habitável em cerca de 8% da sua totalidade, sendo
da Terra. Hoje, não restam senão 32 milhões que quase metade do total foi alterado para
de quilômetros quadrados recobertos com fins institucionai s.

No momento, a ocupação espacial da nossa Amazônia é a seguinte:

TIPO DE OCUPAÇÃO / SUPERFÍCIE OCUPADA (Km') % DO TOTAL

VEGETAÇÃO NATURAL 3.648.000 90, 12

RIOS E LAGOS 80.000 1,98

USOS INSTITUCIONAIS 150.000 ,


3,70

USOS MÚLTIPLOS 170.000 4,20

TOTAIS 4.048.000 100,00

Releva acrescentar que, no tocante às áre- de metros cúbicos de madeiras nobres


as recobertas por vegetação arbórea, a Hiléia, (hardwoods), dos quais 28 bilhões em
Instalada em 3,2 milhões de quilômetros qua- ciasjá cotadas comercialmente, avaliadas es-
drados, ainda mantém intocados 40 bilhões taticamente em cerca de I trilhão de dólares.

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Então, dispõem os brasileiros, na Ama- Fica ainda bem patente que os brasi lei-
zônia que lhes pertence, de uma fabu losa ros responsáveis deve m promover um re-
"caderneta de poupança", que por mais que torno às escolas para os cidadãos, aqui
seja usada. todavia de forma racional, man- nascidos, que não conhecem o núcleo prin-
ter-se-á sempre com o mesmo valor, graças cipal do seu próprio País. Evidente que tal
aos mecanismos da regeneração natural ou, providência pressupõe inclusive, talvez, o
mesmo, do replantio de quadras afetadas. afastamento de maus brasileiros que vêm
In teressante. também, assinalar que as ocupando cargos púb licos responsáveis
duas maiores agressões às florestas primi- pela área.
tivas da Amazônia foram perpetradas por Finalmente, os esclarecimentos acima
empresas estrange iras. não submetidas ao devem disparar um sinal de alerta contra
,
necessário con trole do poder púb lico, de- os pmses que esgotaram os seus recursos
vido à ausência de fis- naturais, pela expan-
cal ização ou compe- são dos se us ecúme-
tênc ia dos responsá-
A verdadeira Amazônia, nos até os últimos limi-
veis por ta l mister. Os tes, e agora, tentam, de
infratores foram os res- sem os penduricalhos que todas as maneiras, se
ponsáveis pelos em- lhe agregaram os políticos, apropriar dos bens
preendimentos da existentes em outras
Ford, no Rio Tapajós, e é, na verdade, a região áreas, fora da sua esfe-
do Grupo Ludwig, no natural mais bem ra de soberania.
Rio Jari. Este último, Repito, ad nau-
conservada da Terra, ao
por sinal, devastou 100 seam, por oportu nas,
mil hectares de flores- contrário do que por aí as palavras do Padre
tas, com alto grau de propagam os ignorantes e Antônio Vie ir a aos
concentração de casta- tamoios, com relação
nheiras (Bertholletia os mal-intencionados, neste aos in vasores france-
Excelsa). espécie tão último grupo incluídas as ses: "eles não querem
preciosa que, por deter- o nosso bem, eles que-
maléficas ONGs
minação legal, não se rem os nossos bens".
pode abater!
No momento. inspiram preocupações o SUAS QUEIMADAS
retorno do antigo Projeto Jari para mãos
desvi ncu ladas da comunhão nacional e a o clima amazôllico
invasão sile nciosa das madeireiras
registradas no Extremo Ori ente, todavia Paradoxalmente, antes de abordar o tema
cont roladas por empresas dos países in- propriamente dito, faz-se necessário verifi-
dustria lizados, que daq uela região se reti- car o que se passa com a hidrologia regional.
raram deixando um rastro de devastação A Amazôni a, em primeiro lugar, não ad-
nas flores tas tropicais onde atuaram. mite generalizações, pe lo espaço avantaja-
Fica assi m bem demonstrado, pela frie- do que apresenta, quase oito vezes maior
za dos números, que as notícias alarman- do que a superfície da França, e pela posi-
tes de devastação da vegetação natural da ção que ocupa, secionada que é pela Zona
Amazônia brasileira não correspondem à de Convergência lntertropical, o eq uador
realidade. cli mático.

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Os Ventos predominantes, na região, são O exame da hidrologia ao longo dos pa-
os do quadrante leste, resultantes da com- ralelos é o que apresenta maiores diferen-
posição dos alíseos de nordeste e de su- ciações, não só devido à divisão do espa-
deste. que sopram sempre ao norte e ao ço físico pela Zona de Convergê ncia
sul, respectivamente, da Zona de Conver- Intertropical, mas também como resultado
gência Intertropical. A esses ventos deve- da existência de barreiras geomorfológicas,
se a penetração profunda do vapor de água, bem ao norte, atuando no sentido de modi-
gerado pelo Atlântico, até o coração da ficar o regime de chuvas a barlavento.
Amazônia. A umidade do mar, entretanto, Em Roraima (com o primeiro "a" aberto,
s6 alimenta cerca de 60% da precipitação por favor), a barreira do Planalto das
regional. O restante, 40%. fica por conta da Guianas, mais particularmente do monte
evapotranspi ração superficial, mormente Roraima. provocou a formação dos Ca m-
aq uela oriunda das áreas florestadas. Essa pos gerais do Ri o Branco. devido a instala-
relação biunívoca entre o clima e a floresta ção local de um clima termoxeroquimênico
é o "calcanhar de Aquiles" da Amazônia. atenuado (c lassificação de Bagnouls e
A distribuição da precipitação regional, Gaussen), com intervalos de até quatro
todavia, não é homogê- ~~~~~~~~~~~~~~~~ meses secos entre no-
nea, Como raciocinam vembro e fevereiro. O
os "genera lizantes", na A Hiléia, ainda mantém período chuvoso, entre
realidade desconhe - intocados 40 bilhões de março e outubro, apre-
cedores dos sorti légi- se nta um pico de
Os amazônicos. metros cúbicos de pluviosidade emjulho.
Longitudin almente, madeiras nobres Mais para o oeste,
ao longo do eixo da em Iauaretê, o máximo
bacia hidrogrática, há
(hardwoods), dos quais 28
de pluviosidade é tam-
Um progressivo au- bilhões em essências já bém em julho, todavia
mento dos índices cotadas comercialmente, os índices de todos os
plUviométricos de les- demais meses ultrapas-
te para oeste, inclusive avaliadas estaticamente em sa o equivalente a 2.000
naqueles vigentes nos cerca de 1 trilhão de milímetros anuais. Ali-
períOdos de esti agem, ás, tal é o padrão
e urna redução sensível
dólares
pluviométrico de todo
no número de dias bio- o alto Rio Negro.
logicamente secos. Além disso, nota-se um Ao s ul da Zona de Cqnvergência
:ecuo progressivo, na mesma direção, dos Intertropical inverte-se o quadro, inclusi-
Intervalos de estiagem, uma vez que em ve em relação aos índices pluviométricos I
Belém a época mai s seca coincide com o dos meses de estiagem. Jacareacanga, no
mês de outubro, enquanto que em Manaus Tapajós, apresenta de três a quatro meses
retrOce de para julho e agosto e e m secos, co m o mínimo de precipitação em
'fabatinga, limite oc idental da Amazônia agosto. Porto Velho, no Madeira, tem o
brasileira, fica compreendida entre junho e mesmo intervalo de estiagem, embora com
Julho. Até Manaus, outrossim, há registros o mínimo de precipitação em julho. Já em
de dias biologicamente secos, no máximo Cruzeiro do Sul, no Juruá. o intervalo de
20 por ano, mas, de lá para o limite oeste, estiagem situa-se entre junho e setembro,
cessam tais ocorrências. todavia sem seca biológica. Na outra bor-

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da da Amazônia, no chamado Bico do Pa- tropical úmida é impossível provocar uma
pagaio, onde predomina a noresta tropical queimada".
aberta com palmeiras, o clima já passa a Embora um ax ioma dispense prova, por
apresentar de ci nco a seis meses secos. ser uma premissa óbvia, ainda assi m, para
com o mínimo de precipitação centrado no convencimento dos mais cépticos, pode-
mês de agosto. se esclarecer que tal impossibilidade se
O nível dos rios, dependente da preci- deve à umidade presente. aos intervalos
pitação ao longo dos respectivos cursos, muito curtos de seca biológica. quando os
obedece ao seguinte regime: os anuentes há, e, ai nda, à miriade de igarapés que re-
do ri o principal, vi ndos do norte, têm as cortam as áreas norestadas, atuando como
suas cheias entre junho ~~~~~~~~~~~~~~~~ aceiros, isto é, como
e agosto, enquanto empecilhos à propaga-
que os oriundos do sul Fica assim bem ção do fogo.
• •

atlllgem os seus IlIVelS Aprendida a lição
máximos entre feverei-
demonstrado, pela frieza fundamental, fácil des-
ro e abril. Essa defasa- dos números, que as cobrir a natureza das
gem salutar mantém re- notícias alarmantes de queimadas, nas demais
lativamente estável o tipolog ias vegetais da
vol ume de águas em devastação da vegetação Amazônia e, mesmo,
trânsito no Solimões e natural da Amazônia prever a época bem
no Amazonas, embora aproximada em que elas
brasileira não acontecerão.
ainda persistam as de-
fasagens sazonais no correspondem à realidade O preparo de terre-
nível da calha principal, nos para o planti o de
tanto menores quanto * culturas de ciclo curto
maior a área de capta- Logo que começam a e a limpeza de pastos
ção. No Baixo Amazo- aflorar os primeiros brotos são os dois motivos
nas, quase na foz, as pel os quais os naturais
das culturas plantadas, ou
nutuações limitam-se a da Amazônia, há muito
uma média de cin co do capim renovado, todo o tempo, antes mesmo da
metros, enquanto na dióxido de carbono colon ização européia,
altura de Manaus, com ateiam fogo nas áreas
a redução da área de liberado na queimada é de várzeas e nos cam-
captação, atingem uma absorvido, para compor os pos gerais.
média de dez metros. O momento em que
tecidos das novas plantas
Com esses dados usam tal expediente pri-
bem ancorados na me- mitivo é aquele que,
mória, pode-se, agora, antecedendo o início
tratar da questão das queimadas com mui- da estação chuvosa, propi ciará o plantio e
ta simplicidade. a colheita das culturas, antes que o terreno
seja alagado pela cheia do rio adjacente.
As queimadas No caso de li mpeza de pastos, nos campos
gerais usados para a pecuária, a ocasião
De in ício, é imprescindível que se deco- escolhida é aque la que antecede de pou-
re um axioma: "nos domínios da noresta cos di as o início das chuvas, pois os res-

102 RMB4"f12001
ponsáveis pelas queimadas contam com liberado na queimada é absorvido, para com-
elas para abafar o fogo. por os tecidos das novas plantas.
Em Santarém, por exemplo, local em que Destarte, não há como comparar o pro-
as chuvas recomeçam em setembro e o duto desse tipo de queimada , com o da
Amazonas começa a baixar em julho, é bem queima de combustíveis fósseis, estes há
provável que em agosto o aeroporto fique, muito arquivados no subsolo, portanto
por alguns dias, interditado pela fumaça alijados do ciclo de carbono atmosférico .
das queimadas, ateadas nas várzeas fér- Óbvio está que se o fogo fosse usado
teis do Rio-Mar. para queimar os lenhos das árvores de uma
Nas vizinhanças de Boa Vista, no local floresta, de modo a abrir espaço para usos
em que determinada rede de televisão "es- institucionais ou para usos múltiplos, o pro-
calou" um buritizeiro em chamas como sím- cedimento traria prejuízos para o clima, tan-
bOlo de um "gigantesco incêndio flores- to por diminuição sensível da evapotrans-
tal", bem no meio de uma área de campos pi ração, quanto por aumento na concen-
gerais, de superfíc ie tração de carbono na
Igual a 42 mil quilôme- atmosfera.
tros quadrados, é bem Para solucionar o pro-
provável que "tragédi-
Nos domínios da floresta blema das queimadas na
as" se melhantes ve- tropical úmida é impossível "Amazônia Verdadeira"
nham a se repetir . no provocar uma queimada não basta instalar siste-
mês de abril de cada mas de monitoramento
ano, uma vez que os remoto, nem aumentar a
criadores locais continuarão a limpar os fiscalização, pois nenhum dos dois será ca-
pastos com fogo logo no início do interva- paz de estancar um fato consumado.
lo chuvoso. Desprovidos de capitais e abandonados
Por sinal , deve ser explicado que os à própria sorte, os caboclos não contam com
buritizeiros, palmeiras comuns na Amazô- outros meios para o preparo dos terrenos
nia, sãoendêmicos nos campos do Rio Bran- de onde tirarão a própria subsistência.
co, pois são eles que formam as matas ci liares No entanto, a partir do momento em que
dos igarapés e das lagoas lá existentes. puderem lançar mão de máquinas para subs-
Pergunta-se agora: que grande inconveni- tituir O método tradicional, abandonarão
ente decorre dessas queimadas tradicionais? as famosas queimadas. Que experimentem,
Resposta rápida: nenhum, a não ser a pois, equipar as prefeituras das áreas onde
destruição paulatina da camada húmica dos se pratica a agricultura, com patrulhas agrí-
solos. colas mecanizadas. Tal medida redundará
Pode-se afirmar, então, com a mais abso- em gastos infinitamente menores do que
luta certeza, que esse tipo de queimada não os juros que os brasileiros vêm pagando
aumenta a concentração de dióxido de car- aos países endinheirados.
bono na atmosfera, a não ser momentanea- Trata-se, pois, de problema facilmente
mente. Logo que começam a aflorar os pri- solucionável, mas que demanda um pouco
meiros brotos das culturas plantadas, ou do mais de espírito público, de ética e de
capim renovado, todo o dióxido de carbono brasilidade.

e:;. CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<AREAS> 1Amazônia I; Invasão da Amazônia; Desmatamento; Queimadas;

RM84'T/2001 103

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