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Amazônia seria uma terra sem gente para uma gente sem terra. A
alto rio Xingu. Junto aos rios Amazonas e Solimões há, por exemplo,
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De meados do século XVI DC ao início do século XVII DC,
conflitos pela posse dos recursos naturais da região são cada vez
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longínquo ano de 2030. Todos esses problemas mostram que o Estado
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baseadas na caça, pesca e coleta. Em segundo lugar, é também
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considere a influência das populações humanas, do mesmo modo que
natureza.
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trabalhando na região. Por Amazônia, entende-se aqui a chamada
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encerrou há “apenas” 6.000.000 de anos, o que é muito pouco quando
rios que ali se originam. Por outro lado, como conseqüência de sua
os rios amazônicos que nascem nos Andes são conhecidos como “de
que os Andes. Como conseqüência, esses rios não trazem uma carga
sedimentar rica em nutrientes, o que faz com que não fertilizem suas
clássica tipologia, tais rios são conhecidos como “de águas claras” e
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águas pretas como o rio Negro, são normalmente os mais pobres em
chuvas e na variação dos níveis dos rios, visível em pelo menos duas
que a pesca é mais produtiva, uma vez que o menor volume de água
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tornando sua captura mais difícil. Essa é, no entanto, a época de
dos Andes, que são uma formação recente, a bacia Amazônica está
ocorre por causa de uma eficiente reciclagem que permite que boa
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caídos – seja decomposta e reabsorvida com a ajuda de micorrizas -
fungos que vivem nas raízes das plantas. A eficiente reciclagem faz
preferidos por grupos que vivem da caça, pesca e coleta vive na copa
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imprevisível mobilidade, o que também dificulta sua caça. O padrão de
populações humanas que áreas de terra firme. Tal fator pode explicar
terra firme.
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diferentes tamanhos, distribuídos, grosso modo, de oeste para leste. O
uma região onde há uma forte influência das variações diárias das
do Sul. Foi ali também que floresceu uma das civilizações pré-coloniais
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Da breve discussão aqui apresentada, depreende-se que existe
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divertimento -, mas também uma verdadeira biblioteca de referências,
uma grande sociodiversidade, que pode, por exemplo, ser aferida pela
línguas diferentes que tem uma origem comum. Isso é claro, por
germânicas.
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Na Bacia Amazônia, por sua vez, são faladas línguas de pelo
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espécies animais, na precipitação, na fertilidade do solo, na química
11.000 anos atrás, mas é possível que seja ainda mais antiga. Datas
Alegre terem sido feitos em uma gruta não quer dizer que os primeiros
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erosão e de outras intempéries. Nesses últimos tipos de sítio, as
atual Estado do Mato Grosso, uma outra gruta, conhecida como Lapa
de 12.000 anos AC. Esse sítio foi escavado na década de setenta por
as camadas arqueológicas, faz com que essa data seja tomada com
confirmá-las.
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de animais de grande porte, mas sim pescadores, coletores e também
parecer óbvia, uma vez que há, de qualquer modo, poucas espécies de
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que já tem mais de um século. Atualmente, esse debate passa por
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situação, a maioria desses artefatos foi encontrada fora de contexto,
que se determine sua idade com precisão. Por outro lado, em outros
AC, mas nenhum artefato inteiro. Já no sítio a céu aberto Dona Stella,
bacia Amazônica. A ponta do sítio Dona Stella tem cerca de 6x4 cm. A
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matéria prima utilizada foi um tipo de sílex incomum na região do
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Ao redor de 10.000 e 8.000 AC, na transição entre as épocas
ficou até 100 m abaixo dos níveis atuais. No caso do rio Amazonas, o
recuo do nível do mar fez com que sua foz há 18.000 anos ficasse num
BP ATÉ O PRESENTE
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Amazônia, de 11.000 AC em diante, os registros indicam aumento da
parecem indicar que, na Amazônia, o clima foi mais seco entre 6.000
também possível que o nível médio dos rios tenha diminuído como
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de base de alguns sítios conhecidos como sambaquis, datados ao
nível médio do rio Xingu deveria estar mais baixo que atual no início
anterior, de 4.000 AC a 700 AC, o lago era bem mais raso do que
floresta tropical.
casos, a partir de cerca de 3.000 anos BP. Tal processo deve estar
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antigos, ocupados antes de 6.000 AC, que sobre os sítios ocupados
da produção cerâmica:
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lista é grande e será aqui parcialmente repetida em ordem alfabética:
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processo de seleção que privilegiou ao longo do tempo as variedades
que hoje em dia isso mudou. Basta, por exemplo, ver as fortunas
de espécies transgênicas.
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afirmar que muitas populações do mundo subdesenvolvido
algumas áreas são classificadas como centros, isto é, locais onde esses
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ocorrência, em áreas específicas, de espécies selvagens, isto é, não
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práticas agrícolas e os próprios padrões de mobilidade das sociedades
agricultura “de coivara”, “de toco” ou “de corte e queima”. Esse tipo
“sujeira” ou “desorganização”.
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facilita a abertura de áreas mais amplas. Com machados de pedra
provável que o tempo de vida útil das roças tenha sido maior que o
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verificado atualmente, o que provavelmente envolveria um cuidado
vegetação secundária.
do Sul, não se sabe ainda quando esse processo se iniciou. Para seu
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plantas selvagens são intencionalmente modificadas até o surgimento
domesticadas.
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vistas de uma outra maneira. A idéia de regressão implica em retorno
oscilação estrutural.
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economias plenamente agrícolas. Como explicar a longa duração desse
partes do planeta, fica cada vez mais claro um padrão que correlaciona a
Arawak tinham uma ampla distribuição que tinha como limites as ilhas
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Bahamas, no Caribe, a região do Pantanal mato-grossense, o sopé dos
menos ampla, mas também grande, e incluía uma área que tinha como
outras línguas.
milênio DC, na bacia do alto Xingu. Além do mais, grupos Arawak são
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domesticação da mandioca tenha sido a região do alto Madeira, onde
problema?
passa pelo baixo rio Xingu e chega à chamada “zona do Salgado”, que é,
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Brasil, os sambaquis mais conhecidos e estudados são os do litoral sul e
mais recentes, com datas recuando a cerca de 4.000 anos AC, obtidas no
Guarani.
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em Belém, realizaram pesquisas com sambaquis do Salgado no final
3.500 anos AC. Essas cerâmicas, conhecidas como Mina, estão entre
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identificou, nos anos 80, cerâmicas com datas remontando à quase
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atlântico da Colômbia, próximo à cidade de Cartagena. Nessa hipótese,
ter decoração incisa, mas, como são pouco conhecidas, os padrões não
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Tradicionalmente, arqueólogos associam o início da produção
uma vez que as datas mais antigas, ao redor de 5.000 AC e 3.500 AC,
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aparentemente abandonada após um início precoce. Se correta essa
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arqueológicos. Esse processo pode ser inferido, por exemplo, pela
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principalmente ao aumento da pluviosidade e a conseqüente expansão
Amazônia.
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família Arawak, o surgimento de grandes aldeias anelares no Brasil
Pantanal.
prestígio muito maior à caça, embora essa não seja a atividade mais
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distintos, situados em extremidades opostas da bacia: a ilha de Marajó
cerca de 4.000 anos de idade. Nas áreas adjacentes aos rios Solimões
e Amazonas, tais tipos de solo - que são bastante férteis e têm uma
terra preta são procuradas por agricultores por causa de seu potencial
de cultivo, mas pouca gente sabe que esses solos foram formados
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estabilidade. Escavações realizadas na Amazônia central indicam que
as terras pretas mais antigas nessa área datam do século VII DC, ou
seja, elas têm cerca de 1.400 anos de idade. Tais solos mantêm, no
outras palavras, a expectativa seria que solos com essa idade seriam
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300 metros de largura. É provável, portanto, que tenha sido uma
período de ocupação.
Segundo eles, a retirada dos fragmentos faz com que o solo seque
mais rápido, ficando mais seco e até rachado durante a estiagem. Isso
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ocorre porque a presença de toneladas de fragmentos de cerâmica
INSERIR FIGURA
pretas podem ter até 4.000 anos de idade, em outras partes da bacia
2.000 atrás. Sendo assim, é também a partir dessa época que surgem,
exemplo, os sítios mais antigos com terras pretas datam do século VII
às vezes a mais de 100 cm, datados em até 2.300 anos de idade, com
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Amazonas, Solimões e alguns de seus afluentes, datados em cerca de
uma duração de pelo menos 3.000 anos. Cerâmicas Pocó têm uma
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Manacapuru, datadas entre os séculos VII e IX DC; ocupações com
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Marajoara torna-as bastante cobiçadas, sendo, sem sombra de dúvida,
uma história mais que centenária de pesquisas, não existe ainda uma
que enquadra sua duração do século IV ao século XIV DC, portanto por
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atrairam a atenção de naturalistas pioneiros, como Charles Hartt e
por Curt Nimuendajú e Heloisa Alberto Torres, mas foi nas décadas de
mata atlântica teriam sido áreas secundárias, para onde algumas, mas
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haveriam difundido (VER FIGURA). Tal perspectiva explicaria, por
grupos oriundos dos Andes que para lá emigraram, mas que não
do período.
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Quando Meggers e Evans realizaram suas pesquisas na ilha de
indicaram que tal hipótese não se sustenta, uma vez que a fase
profundidade cronológica.
laranja ou negro sobre uma base branca. Do mesmo modo que na fase
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essas cerâmicas recebem diferentes denominações regionais, a partir
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na Amazônia central, próximo a Manaus, é comum a ocorrência de
pintada em branco, que têm uma flange em sua parte mesial, que
POLÍCROMA
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afluentes, desde a foz até os contrafortes dos Andes. Tal padrão indica
1542, narra como - em um local situado entre as bocas dos rios Negro
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e Urubu, próximo à cidade de Manaus – avistaram “uma aldeia
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Parintins, a oeste. Nesses locais encontram-se sítios com cerâmicas
século XIII DC, embora esses sítios não tenham cerâmicas incisas e
ponteadas.
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à sua forma e decoração. Nessas categorias de vasos prevalece a
TAPAJÔNICOS).
INSERIR FIGURA
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básica para os sítios. As poucas datas disponíveis indicam que a
Essa ocupação durou até o século XVII DC, portanto após a chegada
podem ser lidas nos relatos de missionários católicos que com eles
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estatuetas de pedra polida. Essas estatuetas representam seres
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eles eram produzidos em vários locais diferentes. O fato, no entanto, é
MUIRAQUITÃS).
INSERIR FIGURA
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conhecidas desde o século XIX, sendo compostas por urnas funerárias
ameaça a esse patrimônio, uma vez que os sítios têm sido saqueados
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Kumene, localizada no rio Urucauá. As cerâmicas Aristé têm uma
Urucauá. Esse sítio foi escavado por uma equipe de índios Palikur
que o sítio está atualmente coberto pela mata. Sem essa colaboração,
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Negro. Na região do rio Uaupés, na bacia do alto rio Negro, a tradição
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arqueólogos e órgãos públicos de proteção ao patrimônio arqueológico.
desses artefatos. Tal problema não foi ainda resolvido mas, embora
mesmo na ilha de Marajó, que não são hoje ocupadas por grupos
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indígenas numerosos, mas sim por seus descendentes caboclos, estão
explicação mais simples para essa questão é o fato de que muitos dos
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sociedades indígenas da Amazônia pré-colonial estariam seguindo um
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provisório e fadado a ser modificado em um futuro não tão distante, à
alto Purus. Entre outras áreas mal conhecidas há as bacias dos rios
Javari e Juruá, a bacia do rio Branco – que inclui quase todo o Estado
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adequada de ocupação da região. Ao final, espero que tenha ficado
Agradecimentos:
Este livro não poderia ter sido escrito sem a colaboração de
algumas pessoas cujos nomes cito a seguir. Antonio Porro conhecedor
profundo da história colonial da Amazônia, proveu as referências sobre
fortificações contidas nos relatos de Gaspar de Carvajal. Celso Castro,
editor da série, acolheu com interesse a idéia de publicação do livro e
aceitou com elegância o atraso na entrega do manuscrito. A
convivência e o aprendizado constante com os companheiros do
Projeto Amazônia Central têm, ao longo dos anos, renovado o prazer
intelectual e sensorial que é fazer arqueologia na Amazônia. As
colegas da 1ª Superintendência regional do IPHAN, em Manaus -
Patrícia Alves, Bernadete Mafra, Heloísa Helena Martins Araújo e Ana
Lúcia Abrahim - e da COPEDOC-IPHAN, no Rio – Catarina Ferreira da
Silva, pelo apoio institucional constante. Marcos Castro preparou
algumas das figuras com o talento que lhe é costumeiro. O Professor
José Alberto Neves, de Urucurituba, no Amazonas, de quem não tenho
a honra de ser parente, tem sido um exemplo de dedicação
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desinteressada à arqueologia da Amazônia. Carlos Augusto da Silva
tem sido mais que um colega ao longo dos anos: sábio das coisas da
Amazônia, verdadeiro mestre, parceiro de todas as horas e amigo fiel.
Michael Heckenberger, Carlos Fausto, Rui Murrieta, Cristiana Barreto,
Vera Guapindaia, Edithe Pererira, Maura Imázio, Marcos Magalhães,
Manuel Arroyo-Kalin, Bob Bartone, Fernando Costa, Helena Pinto Lima,
Juliana Machado, Inga Thieme, Claide de Paula Moraes e Anne Rapp
Py-Daniel têm sido companheiros na viagem por esse rio caudaloso
que é o fazer arqueologia na Amazônia. Agradeço também à minha
companheira Dainara Toffoli pelo amor constante e pela compreensão
com as costumeiras ausências quando estou no campo.
Este livro é dedicado a James B. Petersen, estupidamente
assassinado no dia 13 de agosto de 2005, quando fazíamos trabalhos
de campo no Amazonas. Durante muitos anos, Jim e eu coordenamos
o Projeto Amazônia Central. Nesse tempo, tive o privilégio de privar de
sua convivência bem-humorada, generosa e sábia. Jim foi sem dúvida
o melhor arqueólogo com quem trabalhei, opinião comum a todos que
com ele também trabalharam, seja no Brasil, no Caribe ou na América
do Norte. Sua morte deixou um vazio na arqueologia de todo o
continente, uma perda parcialmente compensada pelo fato de que sua
presença iluminou muitas vidas, despertou vocações, abriu caminhos,
fertilizou. Hell of a job, Jim !!
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