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TA

ING
000

Cornell University Library

The Herbert H. Smith Collection

OF BOOKS ON SOUTH AMERICA

PURCHASED FROM THE

Sage Endowment Fund

1896

of C
0.00

O D
Cornell University Library
F 2586.P41
A regiao occidental da provincia do Par

3 1924 020 342 881 olin

DATE DUE

JUN 11 1985

Interlibrary Loan RIG

8 GAYLORD PRINTEDIN U.S.A


F

2586

PHI
7

A REGIÃO OCCIDENTAL

DA PROVINCIA DO PARÁ.

RESENHAS ESTATISTICAS DAS COMARCAS DE OBIDOS E SANTAREM

APPRESENTADAS A S. EXC. O SR.

CONSELHEIRO JOSÉ BENTO DA CUNHA FIGUEIREDO

PRESIDENTE DA PROVINCIA
POR

D. S. FERREIRA PENN
PEN

E PUBLICADAS POR ORDEM DO GOVERNO.

PARÁ-1869

Typographia do Diario de Belem


A.9
317
0

565
857
7
Illm . e Gxm. Seur.

Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exc . o Relatorio junto


contendo os dados estatisticos que pude colher referentes ás co-
marcas de Obidos e Santarem, em cumprimento da recommenda-
ção que recebi do Exm . Sr. Vice-Almirante J. R. de Lamare,
antecessor de V. Exc.

Eu desejei fazer acompanhar este Relatorio de um esboço de


mappa das localidades por mim percorridas, mas não me foi isso.
possivel agora; não perco, todavia, a esperança de em occasião
opportuna apresentar a V. Exc. este trabalho accessorio . (+)
Com quanto em consequencia dos justos motivos, que verbal-
mente expendi a V. Exc. , só hoje me fosse permittido fazer en-
trega do Relatorio, cumpre-me declarar que o conclui em 26 de
Setembro ultimo, ficando por conseguinte terminados desde esse
dia todos os trabalhos a meu cargo .
Com este motivo tenho a honra de apresentar a V. Exc. os
sentimentos de meu profundo respeito e subida consideração á
pessoa de V. Exc. a quem Deus Guarde.
A S. Exc. o sr. Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo ,
Presidente da Provincia do Pará.

D. S. Ferreira Penna.
Belem , 30 de Novembro de 1868.

(*) O mappa a que este documento se refere acha- se já em poder de S.


Exc. o Sr. Conselheiro Presidente da Provincia . Esta nossa declaração
foi autorisada pelo autor do Relatorio.
Os Editores.
REPERTORIO DAS MATERIAS

PRIMEIRA PARTE

INTRODUCÇÃO
Motivos que deram logar a este trabalho. - Itinerario
em resumo . - Reflexões diversas.. Pag. 7
I
DE OBIDOS A FARO
Obidos, seu aspecto , posição , clima, salubridade e po-
pulação ; estado de sua industria em geral. — Cacoal
imperial. - Extincta colonia militar. - Recordações
historicas. -Viagem a Faro ..... Pag. 15

DE FARO A MARACA- UASSÚ


Villa de Faro : sua situação e salubridade. - Industria
do municipio. - Projecto de transferencia da Villa
e navegação a vapor. -Recordações historicas.-
Regresso . Travessia do Amazonas . - Extincta fre-
guezia de Juruty . Pag. 34
III
DE MARACA-UASSÚ A ALENQUER PELO LAGO GRANDE
Maracá-uassú : situação e estado desta nova povoação .
-Transferencia da freguezia do Juruty : episodio
curioso. -Lago Grande das campinas ; aspectos di-
versos.. Pag. 49
IV
DE ALENQUER A SANTAREM
Alenquer ; sua situação, industria e commercio . - Re-
cordações historicas.-Lagos e rio Curuá . -Extinc-
to logar de Arcozello ... Pag. 57

SANTAREM
Aspecto, situação e estado da cidade .-Resenhas civis ,
ecclesiasticas e militares.-Defeito na sua divisão
ecclesiastica . -Industria, navegação e commercio-
Recordações historicas .. Pag. 67
VI
DE SANTAREM A VILLA FRANCA POR ALTER DO CHÃO
Situação e estado de Alter do Chão ; recordações his-
toricas ... Pag. 96
Villa Franca phenomeno de espelhagem ; estado da
villa ; sua transferencia não realisada ; o seu muni-
cipio. Pesqueiro real . . . Pag . 97
Municipio de Itaituba : noticia geral das povoações do
Tapajós ... Pag. 110
VII
MONTE-ALEGRE
Visita a Monte-Alegre : o porto e a povoação . -Panora-
ma esplendido . - Estado actual da villa .-- Condições
locaes e caracter dos habitantes . -Montanhas , rios
e lagos .-Industria e commercio Pag . 118

2
SEGU PARTE

GEOGRAPHIA E ASPECTO DA REGIÃO


Territorio e limites. -Montanhas, planicie littoral . —
Os Paranamirins . - Pequeno estuario do Amazonas Pag. 135

RIO TAPAJÓS
Fontes d'este rio . -Itinerario de sua descida : curso ,

extensão, saltos , baixios e outros accidentes do rio Pag. 143


Rios Arapium , Arapichuna e Bahia de Villa Franca : o
primeiro é um rio consideravel ; o 2.º percorre a
peninsula (e não ilha) do seu nome . — Navegação a
vapor impossivel no curso médio e superior do Ta-
pajós ... Pag. 167
III
RIO TROMBETAS
Idéa geral do seu curso- Exploração no curso inferior.
-Ricos productos das suas florestas- Os Indigenas Pag. 171
IV
RIO JAMUNDÁ
Fabula das Amazonas : sua habitação e seus costumes
descriptos pelo Padre Acunha. —Idéa geral do curso
do rio, e a sua verdadeira foz. - Não é affluente di-
recto do Amazonas . · Pag. 177

INDUSTRIA AGRICOLA
( 0 Cacáo )
Ligeiras reflexões sobre a agricultura na provincia e
sua influencia sobre os costumes. - Processo da cul-
tura e preparo do cacão no Amazonas . - Producções
e valor d'este genero. -Contrariedades que as vezes
estorvam ao seu desenvolvimento .. Pag. 182

3
VI

GUARANÁ
Processo de cultura do guaraná e do seu preparo no Ta-
pajós . -Noticia sobre a patria e utilidade d'esta plan-
ta e do seu valor e exportação . Pag. 201

VII

INDUSTRIA FLORESTARIA
(Castanhas do Pará)
Noticia geral sobre a planta que produz as castanhas ;
valor commercial e exportação dos seus fructos ... Pag. 208

VIII

LEITE OU SUCCO DA MAÇARANDUBA


Factos provando a vantagem da introducção d'este ge-
nero no commercio de exportação . E' o melhor
succedaneo da gutta-percha . — Abundancia, no Bra-
zil, da planta que produz esse succo ou leite vege-
tal que substitue tambem ao leite de vacca. -A
Flora Paraensis.. Pag. 213

IX
EXPORTAÇÃO DE MADEIRAS RESERVADAS
Conveniencia de franquear a sua extracção das terras
publicas. - Pessima conducta das autoridades encar-
regadas de sua conservação . -A liberdade da ex-
tracção moderada por um regulamento florestario .
-Exportação de madeiras nos 20 annos ultimos .. Pag. 221

A INSTRUCÇÃO NA PROVINCIA
Falta de instrucção no interior da provincia- Defeito da
da legislação provincial --Necessidade de ensino livre Pag. 226

4
XI
O FORTE DE OBIDOS
Situação do Forte ; sua posição astronomica e sua alti-
tude. -Amplitude e fundo do rio defronte do Forte .
-As fortificações por incompletas não tem impor-
tancia militar .. Pag. 232
XII
LIMITES COM A PROVINCIA DO AMAZONAS
Os actuaes limites pelo rio Jamundá são falsos. -Erro
geographico que lhes deo origem.- Necessidade de
se designar outros , e de crear-se uma nova provin-
cia entre as do Pará e Amazonas . Pag. 237
XIII
A INUNDAÇÃO DE 1859
O Amazonas e sua marcha ascensional ; prenuncio do
hinverno . Lentidão do rio em 1859 ; inundação
subita e geral das campinas ; terror e tristeza dos
animaes ; destruição do gado - Retrocesso das aguas .
--O tigre e reptis ferozes que perseguem os ani-
maes domesticos • • Pag. 246
XIV
POPULAÇÃO
Numero approximado dos habitantes das duas comar-
cas.-A população maior condensa- se fora das mar-
gens do Amazonas ; erro de certos viajantes a este
respeito . - Vantagens e necessidade d'uma estatisti-
ca no duplo interesse administrativo e humanitario Pag. 246
Advertencia .. Pag. 249
Notas addicionaes .. Pag. 253
10

5
CONSIDERAÇÕES GERAES

A collecção de factos estatisticos, que venho exhibir, relativos


ás duas comarcas occidentaes da provincia do Pará, é o resultano
dos trabalhos a que procedi ultimamente, em virtude de recom-
mendações da presidencia, sob a administração de S. Exc . o Sr.
Vice-almirante Joaquim Raymundo de Lamare.
Achava-me em Obidos desempenhando uma commissão reserva-
da do governo provincial quando recebi da presidencia instrucções ,
recommendando-me que, sem prejuizo d'aquella commissão, pro-
curasse conhecer e estudasse o estado e condições das localidades
por onde tivesse de transitar, colligindo todos os dados estatisticos
que interessassem á administração .
Para satisfazer a esta nova exigencia, pareceo-me indispensavel
ampliar muito mais o campo das minhas degressões , pois que se-
ria extremamente incompleto qualquer trabalho que não compre-
hendesse, ao menos, os pontos principaes d'aquella região .
A estação era mui desfavoravel á execução d'esta incumbencia
que, por sua natureza, tornava indispensaveis algumas viagens .
O inverno ia effectivamente já muito adiantado, as chuvas eram
continuas, os ventos raros , as planicies em geral allagadas , e innu-
meraveis chusmas de insectos importunos, fugindo dos campos
8

inundados, invadiam as casas durante a noute, perturbando , d'um


modo insoffrivel, as poucas horas de repouso de que o viajante
podia dispor.
Não obstante, porém, a má estação, feito o meu programma ,
tratei de executal-o. Aluguei uma pequena galeota com as acom-
modações apenas indispensaveis para viveres e para uma diminu-
ta bagagem ; mas faltavam remeiros, e tal falta é o maior obstaculo
com que tem de lutar quem emprehende uma viagem pelo inte-
rior da provincia, principalmente para logares longinquos e quasi
desertos, onde os recursos são nenhuns ou incertos.
Tentei de balde contractar os remeiros necessarios para a mi-
nha canôa, dirigindo-me ora á pescadores, ora a outros individuos
sem occupação regular, embora fortes e sadios. Todos, uns apoz
outros, respondiam-me invariavelmente por estas palavras : - <« Não
posso, patrão ! »
Nem-um d'elles explicava a rasão desta recusa, -humilde , fria ,
mas inflexivel e capaz de impacientar e desesperar a um homem
que não conhecesse os habitos e a indifferença d'esses individuos
para o dinheiro.
Entretanto, si o subdelegado de policia ou si o seu comman-
dante, (sendo elle guarda nacional) lhe ordenar que pegue o remo
e salte para a canôa , não resta a menor duvida de que o homem,
que a todas as offertas e promessas respondia- não posso— , es-
tará a bordo a hora da partida, vencendo ou não qualquer jornal !
Tal é o viver do descendente do indio ! tal o poderio absoluto
que sobre elle exerce a autoridade no interior da provincia !
Prevenindo , assim, d'este costume á futuros viajantes, devo de-
clarar que não recorri áquelle expediente para obter a tripulação
precisa ; cheguei ao mesmo fim por outros meios , graças à bene-
volencia e bons officios de alguns cavalheiros da cidade que con-
seguiram por mim tudo que me era necessario para a viagem.
9

Em quanto estes arranjos se não concluiam, aprovetei o tempo


de que dispunha para adiantar os trabalhos, percorrendo toda a
povoação, estudando as suas condições actuaes e consultando o ar-
chivo municipal afim de obter alguns esclarecimentos que me
guiassem no estudo sobre os primeiros estabelecimentos do logar .
Procedi a iguaes diligencias, durante a viagem, em outras lo-
calidades das duas comarcas, reconhecendo com pezar que os ar-
chivos municipaes são extremamente pobres de documentos que
interessem á historia, porque os mais antigos foram subtrahidos
ou queimados durante o dominio da rebellião de 1835 .
As minhas digressões deviam dirigir-se em primeiro logar á
villa de Fáro, povoação isolada no extremo oeste da provincia, e
nunca descripta, nem conhecida na geographia do nosso paiz sinão
nominalmente e de um modo inexacto.

Dous caminhos se me indicava para ir ter aquella villa : O pri-


meiro e o mais curto era seguir de Obidos, Amazonas acima , á al-
cançar o Paramirim do Bom Jardim pelo qual subiria a encontrar o
do Caldeirão, descendo por este até o Jamundá que vai ter a Fáro .
O segundo caminho era entrar e subir um pouco pelo Trom
betas até a foz do Jamundá ( chamado alli Igarapé Sapucuá ) su-
bindo-se depois por este até aquella villa.
Embora mais longo e extremamente enfadonho, preferi este
ultimo caminho, não só porque por elle me approximava mais
das fazendas de creação, existentes entre os lagos Sapucuá, Ma-
ryapixy e Algodoal, mas tambem porque, desejando reconhecer ,
ainda que por um ligeiro exame, o ponto da margem do Ama-
zonas onde as cartas collocam a foz do Jamundá, convinha acom-
panhar este rio em grande extenão do seu curso inferior para me-
lhor comprehender o que havia de exacto n'essas cartas.
Promptos os arranjos , larguei de Obidos nos ultimos dias de
Março, fazendo o seguinte itinerario :
-10-

Visita á extincta colonia militar de Obidos .


Entrada no Trombetas e subida d'este rio até a cofluencia do
Jamundá.
Jamundá acima até a boca do Lago Sapucuá e degressões por
este em toda a extensão .
Jamundá até acima da villa de Fåro .
Descida pelo mesmo rio até o logar do Repartimento e exame
de diversos lagos proximos ás margens .
Subida do ponto do Repartimento contra a forte correnteza do
Paranamirim do Caldeirão até sahir no Amazonas, e travessia

d'este rio para o Paranamirim do Juruty.


Paranamirim do Balaio até a nova freguezia de Maracá-uassú e
Amazonas abaixo até a entrada do furo Curumucury.
Visita ao lago d'este nome e regresso ao Amazonas.
Paranamirim do Carapanim e de Muiratuba e regresso a Obidos-

De Obidos , Amazonas acima até o Paranamirim do Carapanim .
Entrada pelo furo Irateua atravez d'uma vasta floresta e sahida
nas campinas do Lago Grande, passando successivamente pelos pe-
quenos lagos Irateua, Boca e Porta, e sahindo no Igarapé das Fa-
zendas. Visita ao lago do Salé e regresso ao Igarapé das Fazendas ..
Descida por este até proximo a sua foz no Lago Grande e de-
gressão no Poção Grande..
Travessia pelas campinas alagadas até a extremidade occidental
do Lago Grande , e descida por este, até a sua foz no Amazonas .
Visita a villa de Alenquer e degressão poelos rios e lagos do
Curuá, Botos e Macurá até a povoação nova do Curuá .
Regresso do Curuá ; travessia por campinas alagadas para o
extenso lago do Tostão , d'onde se sahe ao Amazonas pelo furo do
Suisso.
Visita a varios cacoaes no igarapé e ilha Arapiry e regresso ao
Amazonas.
Amazonas abaixo, passando-se pelas barreiras do Tapară e por
entre as ilhas do mesmo nome, até a sua junção com o braço
meridional ; subida até a cidade de Santarem .
Visita a Alter do Chão e Villa Franca.
Subida pelo rio Arapium e exame da enceada entre Villa Francal
e a peninsula Arapichuna.
Visita ao rio d'este ultimo nome e regresso a Santarem .
De Santarem a Monte-Alegre .
Degressões pelo rio Curupatuba, Lago Grande de Monte-Alegre
e rio Maycurú até o Cavado , canal artificial que communica o
Maycurú com o rio Paytuma.
Descida por este ultimo , travessia atravez das campinas alaga-
das, passando-se junto à Ponta de terras elevadas onde está um
nucleo de povoação, chamada Cuçarú.
Entrada e subida pelo rio Ereré, e visita á povoação junto a
serra d'este nome.

Regresso pelo Ereré e travessia pela campina alagada até o


Curupatuba, e por este até o porto de Monte-Alegre.

N'este itinerario gastei 52 dias de viagem contiuua , desde mi-


nha partida de Obidos, não comprehendendo n'esse numero os dias
de demora em Obidos, Santarem e Monte-Alegre, navegando das
5 112 da manhã até ás 4 ou 6 da tarde , interrompendo a viagem
somente o tempo necessario á refeição e só descançando a tripula-
ção depois da chegada ao pouzo , onde eu aproveitava o resto da tar-
de para coordenar as notas incessantemente tomadas durante o dia.
Avaliei em 842 milhas a distancia por mim percorrida .
Não preciso expor aqui as privações , fadigas e mesmo perigos
que me acompanharam e que, como o sabem os homens experi-
mentados , são quasi inevitavelmente inherentes ás viagens feitas
em canoas por logares, pela maior parte, tam pouco frequentados,
12

e em uma estação em que falham todos os recursos e elementos


favoraveis, ao mesmo tempo que a cada passo se tem de lutar
com mil tropeços e contrariedades que se accummulam no cami-
nho que se trilha.
Uma unica compensação acoroçôa o viajante em taes condições :
é a maior facilidade que encontra de poder apreciar pausadamen-
te os paineis da natureza e o desenvolvimento de suas forças na
estructura e nas modificações infinitamente variadas dos entes orga-
nisados, particularmente dos que pertencem aos dominios da Flora.
E' isto sem duvida uma bella compensação, ou , para exprimir
melhor o meu pensamento, uma suave consolação ; mas é tam in-
soffrivel o isolamento em que o homem se sente collocado nessas
solidões , e a somma de incommodos é tam avultada, que pode elle
considerar o termo da viagem como um dos dias mais felizes de
sua vida.
Quando cheguei a Santarem a tripulação estava estenuada : dons
remeiros haviam adoecido e a minha saude se achava bastante de-
teriorada. Estas circumstancias obrigaram-me a abandonar um dos
pontos importantes do meu programma : a subida do rio Tapajós
até as suas cachoeiras inferiores.

Fiz regressar a Obidos a tripulação e segui para a capital para


procurar restabelecer-me, voltando pouco tempo depois ao Ama-
zonas para concluir os meus trabalhos no districto de Monte-Alegre.

Eu havia redigido o meu relatorio englobando no assumpto


principal outros que lhe são estranhos . Dou-lhe nova organisação
dividindo-o em duas partes : a 1.ª comprehende simplesmente o
a
que é propriamente do dominio da estatistica ; a 2.ª é como um
appendice contendo o desenvolvimento de alguns dos artigos in-
dicados na primeira parte .
Assim, por exemplo , inclui n'ella uma noticia quasi completa
- -13--

sobre o curso do Tapajós e outra incompleta sobre o Trombetas


e Jamundá ; resenhas sobre o processo da cultura do cacão e do
guaraná e sobre o succo leitoso da maçaranduba, succedaneo da
Gutta-percha ; uma observação sobre os limites das provincias do
Pará e Amazonas entre si, e assim outros assumptos que foram
igualmente destacados da 1.ª parte.
Não faltarão lacunas e provavelmente uma ou outra apreciação
ou observação inexacta n'este trabalho ; direi mesmo que é impos-

sivel não havel-as . Mas fiz o que pude e , creio poder dizel-o , fiz
mais do que me permittiam os recursos à minha disposição .
Agora o que convém é que outros corrijam o que está feito e
continuem o que tenho iniciado .

D. S. FERREIRA PENNA.
I.

DE OBIDOS A FARO .

Summario.-OBIDOS , SEU ASPECTO, POSIÇÃO , CLIMA , SALUBRI-


DADE E POPULAÇÃO ; ESTADO DE SUA INDUSTRIA
EM GERAL. - CACOAL IMPERIAL.-EXTINCTA Co-
LONIA MILITAR . - RECORDAÇÕES HISTORICAS .
VIAGEM A FARO.

Quando , depois de deixar-se Santarem e as barreiras de Pari-


catuba, navega-se para o poente até alem da ponta Sul da peque-
na ilha do Amador, quasi encostada á ilha grande dos Printes , a
que Tardy de Montravel deu em 1844 o nome de Boulonnaise e
a commissão de limites em 1864 o de Mamaurú, avista-se uma
linha de collinas de pouca altura , em cuja extremidade meridional
começam a apparecer grande numero de casas que branquejam ao
longe por entre as ramagens de mangueiras, larangeiras e outras
arvores fructiferas que na provincia formam o mais bello ornato
das povoações .
Essas casas são as da cidade de Obidos que se extende desde
a margem do Amazonas, por um terreno bastante inclinado , até
quasi ao alto de um pequeno monte que a domina.
O primeiro edificio que se distingue de longe, é o Forte cons-
truido sobre uma especie de promontorio que, avançando em semi-
circulo para dentro do rio , dá logar, do lado oriental, a uma peque-
na enceada ou remanso que é o unico porto da cidade.
A posição do Forte é 1° 55' 23 " de Lat . S. e 12°
21 ' 24 " de long. O. ( Rio de Janeiro )
O aspecto da cidade é, como já ficou indicado apprasivel e mui
pictoresco .
— 16 —

A sua situação sobre a face oriental da collina e os ventos quasi


constantes que vindos de E. modificam os effeitos da sua elevada
temperatura, a qual, todavia , guarda a média entre 28º e 30° , dão-
The condições vantajosas de salubridade, de que nas margens do
Amazonas não se encontra outro exemplo sinão em Monte-Alegre .
Em geral, a excepção das febres intermittentes e as vezes dyar-
rhéas, não prevalecem outras molestias que, como na maior parte
das povoações do Amazonas, affligem a população .
Obidos compõe-se de 151 predios habitados , estando 2 em cons-
trucção e 6 em ruinas ; são dispostos em 2 praças e 9 ruas que se
cortam em angulo recto quasi todas, sendo em geral estreitas e
não calçadas .
Seus edificios publicos são poucos e constam dos seguintes :
A igreja matriz , inaugurada em 1827 , tendo por orago Santa
Anna ; è um bom templo , embora construido sem gosto . Acha-se
em bom estado, e o vigario tem conservado com decencia e zelo
os seus ornamentos e alfaias .

A capella de Bom Jesus, no alto da praça do mesmo nome. Não


está acabada e não tarda a desabar . Chegou quasi a concluir-se ,
tendo sido feita á custa de uma subscripção dos moradores no anno
de 1855 em cumprimento de promessa que fizera o povo 20 annos
antes por occasião da devastação dos cabanos . Informaram-me que
já esteve coberta, mas que tiraram-lhe toda a telha e madeirame
que foi applicada em proveito particular .
O cemiterio é um campo . . . . não está cercado . Este facto sur-
prendeu-me, porque reconheço em Obidos uma cidade bastante
adiantada em civilisação , havendo alli não só bons catholicos e excel-
lentes paes de familia, mas muitos homens intelligentes e instruidos .
E' lamentavel que a irmandade , sob cuja administração está o
cemiterio, o tenha deixado converter- se em pasto ! Pena é que a ca_
mara municipal não tenha procurado cumprir n'estas circumstancias
― 17-

a disposição do artigo do seu regimento que a obriga a cuidar dos


cemiterios.
A casa da camara e a cadêa não tem importancia alguma. A
primeira conserva-se, a segunda não offerece segurança, nem mes-
mo é uma prisão com acommodações convenientes .
O forte de Obidos é o principal estabelecimento da cidade. Já
dei uma idéa de sua posição e em outra parte o descreverei mais
minuciosamente. E' actualmente commandado por um Coronel
reformado do exercito .

A população da cidade foi por mim avaliada em 1,120 habitan-


tes ; mas segundo o arrolamento posteriormente feito pelo collector
das rendas provinciaes em virtude da lei n. 520, o numero de
habitantes desceu a 965 , divididos do modo seguinte :
Masculinos ... 436 | Brazileiros ... 897 | Livres ...... 703
Femininos .... 529 | Estrangeiros .. 68 Escravos . ....
. 262

A população do municipio não é bem conhecida ; vive dispersa


por tam grande extensão de territorio, como acontece em todas
as mais comarcas da provincia, que é quasi impossivel poder ser
enumerada com acerto. Creio que não ficarei muito longe da exac--
tidão , dando a todo o municipio 10,000 habitantes .
Em uma relação official, organisada por ordem da policia, o
total da população municipal não chegou a 6,000 ; mas este do-
cumento é uma boa prova do que acabei de dizer : é quasi im-
possivel obter- se uma enumeração exacta da população .
A instrucção publica da cidade está circumscripta a duas escolas
de primeiras letras . Em 1867 a do sexo masculino foi frequentada
por 69 alumnos e a do feminino por 36. No 1.º trimestre do cor-
rente anno tem sido frequentada a 1.ª por 54 e a 2.ª por 30 .
Escola particular ha somente uma.
Houve em Obidos um collegio de S. Luiz Gonzaga, especie de
seminario, instituido pelo Rvd . Bispo do Pará, o finado D. José
-18-

Affonso de Moraes Torres ; este util estabelecimento, por motivos


que me não souberam ou não quizerom dizer, deixou de existir.
No seu predio funcciona hoje a escola primaria de meninos .
No interior da cidade existem as seguintes casas de commercio :
2 lojas de fazendas, 25 ditas e tavernas conjunctas , 5 tavernas que
vendem fructas e 2 drogarias.

Tem as seguintes officinas e casas industriaes : 3 padarias, 2 açou-


gues, 1 quitanda , 1 bilhar, 1 loja de sapateiro, 1 dita de ourives, 6
ditas de alfaiates, 2 ditas de ferreiros , 1 dita de marcineiro, 1 dita
de tamanqueiro e 1 olaria.
Fóra da cidade, ha 14 casas de commercio em que se vende
conjunctamente seccos e molhados, comestiveis, joias, etc.
Obidos tem uma typographia que em fins de 1867 e principios
de 1868 deu á luz um periodico com o titulo muito seductor de
Industrial, que promettia ser de bastante utilidade; mas seus fun-
dadores ou redactores não souberam manter-se firmes no terreno

que com tanta nobreza escolheram : deixaram esse terreno, passa-


ram-se para o da politica com o seu periodico que pouco depois
desappareceu por falta de assignantes.
O seu porto, talvez o mais importante do commercio do Ama-
zonas, é mui frequentado de canoas e barcos de vela ; é escala dos
vapores da 1.ª linha da Companhia do Amazonas que n'elle tocam
quatro vezes por mez nas suas viagens redondas, e ponto terminal
d'uma linha mensal de navegação da mesma companhia contracta-
da ultimamente com a Provincia.

Trinta canôas, chamadas de regatões, além de outras menores ,


estão em giro continuo pelos rios e lagos , empregando- se no tra-
fico dos generos do municipio e dos de alguns districtos visinhos ,
ou navegando entre o seu porto e o de Belem .
Os obidenses são activos e em geral laboriosos ; não despresam ,
antes aproveitam todos os productos naturaes que encontram, mas
- 19

applicam-se principalmente à cultura do cacão e à creação de gado .


Habituados á trabalhos d'esta ordem, elles distinguem-se por
sua affeição muito pronunciada ao solo natal . São bons brazileiros
e bons paraenses, porque o Brazil é sua patria e o Pará sua pro-
vincia ; mas são ainda melhores obidenses.
Os agricultores reputam como uma fortuna o facto de se não
haver até hoje descoberto bons siringaes no municipio, porque,
dizem elles com rasão, uma tal descoberta importaria o mesmo que
um golpe mortal dado á industria agricola , a qual ficaria desde logo
privada dos poucos braços que ainda lhe restam .
A cultura do cacão é a industria favorita e quasi exclusiva dos
lavradores de Obidos , e creio que nem-um outro municipio do Ama-
zonas possue tam grande numero de plantações d'este genero .
As margens dos Paranamirins e as do Amazonas , desde os li-
mites da provincia até muito abaixo de Obidos, são , com poucos
intervallos , extensas linhas de cacáoaes .

A producção tem sido sempre animadora e é raro haver um anno ,


como o presente, em que a sua colheta tenha sido mesquinha.
A exportação do cacão de Obidos para Belem no anno findo su-
bio a 66,405 arrobas e 29 libras .

O café não é exportado ; sua producção só chega para o consum-


mo. E' cultivado em quasi todos os sitios e em muitos produz em
quantidade animadora . As plantações, porém , são muito limitadas,
preferindo-se a cultura do cacão por ser mais facil.
O tabaco é cultivado ainda em escala menor do que o café . A
maior quantidade e a melhor qualidade que apparece no mercado
de Obidos, é proveniente dos rocambos do rio Trombetas.
O algodão produz perfeitamente bem em toda a parte e , como
o café, ha em todos os sitios pequenas plantações que não dão pro-
ductos em quantidade sufficiente ás necessidades dos moradores.
Milho, feijão e arroz acham poucos cultivadores e esses mes-
mos não plantam senão em quantidades insignificantes .
20-

Carás, batatas e inhames, alimentos tam sadios e agradaveis ,


não são conhecidos no municipio.
O guaraná figurou tambem na exportação com 26 libras.
Este producto é procedente do districto de Juruty, onde os des-
cendentes dos Mundurucús introduziram a sua cultura.
A mandioca é geralmente cultivada no municipio e , todavia, sua
producção não é sufficiente para o fabrico da farinha necessaria aos
habitantes, que muitas vezes mandam compral-a em Belem.
Na ordem dos productos naturaes e extractivos, o municipio
conta muitos de subido valor .

O peixe (pirarucú) de que se faz uzo geral na provincia como


a principal base da alimentação do povo, apezar dos estragos que
The fazem os pescadores semi-selvagem que o não sabem aprovei-
tar, ainda existe em abundancia nos lagos .
A exportação em 1867 foi de 16,367 arrobas e 16 libras.
A castanha abunda em varios logares de terra firme e nos valles
de montanhas . E' o Trombetas que fornece a maior parte da que
chega ao porto de Obidos .
A exportação de 1867 foi de 10,466 alqueires.
De oleo de cupahyba foram exportadas 160 canadas.
Este producto se encontra em numerosos logares do municipio,
mas a maior quantidade exportada é procedente do Trombetas .
A exportação da salsa no mesmo anno foi de 154 arrobos e
16 libras. Provém tambem, pela maior parte, das terras altas do
Trombetas.
O cumarú apenas figura na exportação de 1867 com 30 libras .
Além dos artigos mencionados , exportou-se tambem uma por-
ção de toros de cedro e de falcas de itaúba .
No genero de madeiras , Obidos é um dos mais ricos municipios ,
e o Trombetas só por si póde fornecer toda a madeira de que o
Estado precise para as suas construcções durante longos annos .
21

Entre os productos da industria extractiva , figuram na exportação


1,267 arrobas de gomma elastica. Não sendo semelhante genero
abundante ou existente no municipio , é licito pensar que nos mani-
festos de cargas d'onde colhi os dados que acabo de exhibir, houve
algum equivoco ; deu-se provavelmente como procedente de Obidos
o que devia ser classificado na exportação de Santarem , ou de ou-
tros pontos que enviam aquelle genero ao mercado da capital .

A criação de gado vaccum é , depois da cultura do cacão , a indus-


tria mais geral do municipio ; mas é exercida por tantas pessoas , em
relação ao numero dos habitantes , que se pode consideral- a como
ainda em experiencias. Nem-um dos principacs fazendeiros conta
mais de 1,500 cabeças d'esta especie de criação.
No municipio ha 40 fazendeiros com 10,600 cabeças de gado ,
inclusive a producção que é calculada na proporção de 25 % -
Os campos ao SO. do Lago Sapucuá , os de Mary-apixy e os do
Lago Grande, são os que contém maior quantidade de gado, por
serem tambem os melhores pastos do municipio .

A especie , si não é de raça superior a da ilha de Marajó , tem-


se pelo menos conservado sem degenerar-se, e em geral é igual
ao melhor gado que fazendeiros zelosos e intelligentes criam na-
quella ilha.

Este ramo da industria rural é sem duvida muito vantajoso ; mis


nos districtos de Obidos, como nos de Fáro, Alenquer, Santarem ,
Villa Franca e Monte-Alegre , tem sido muito contrariado no seu
progresso por numerosas causas, entre as quaes se deve contar em
primeiro logar, as grandes cheias do Amazonas que dão em resultado
a inundação total dos pastos , morrendo afogados centenares de ani-
maes que não se teve o cuidado ou tempo de retirar para as ter.
ras firmes .

A grande cheia de 1859 produzio tam grandes estragos no


22-

gado que fazendeiros , que então possuiam 5 a 6,000 rezes , não


contaram, depois d'ella, senão 100 a 300. Foi, dizem os habi-
tantes , um verdadeiro diluvio que cahio sobre os campos de cria -
ção . Muitos criadores abandonaram a industria, persistindo n'ella
o maior numero, mas sempre com o temor da reproducção da-
quella calamidade.
A venda do gado em pé para fóra do districto é diminuta. O
valor de um boi em boas condições é de 30 $ a 40$ . Os fazen-
deiros , porém , preferem carnear o gado, e é em forma de carne
secca ou de moura que fazem a principal exportação .
O producto d'esta industria em 1867 deu na exportação :
Carne de moura e secca 5,810 arrobas ; sebo 412 ditas ; cou-
ros 1,700.

Aos ossos, chifres e unhas das rezes não se dá valor algum no


municipio, porque não ha fabricas onde possam ser utilisados .

A criação de cavallos está ainda circumscripta ás necessidades


do costeio das fazendas . Em algumas d'estas, onde ha producção
´em maior escala, vão outros criadores supprir-se dos que lhes são
necessarios . Os cavallos de Obidos são estimados em Belem, por
seu porte, figura , conformação e robustez , sendo n'isto iguaes,
pelo menos, aos de Santarem e Monte-Alegre .
A especie muar não é conhecida nos campos de criação .
O gado miudo não se propaga facilmente nas fazendas , porque
è perseguido pelo Jaguara até dentro dos curraes e pelo Jacaré,
Sucurijú e outras feras .

Do suino não ha criação sinão em escala imperceptivel. Subsis-


te entre o povo o prejuizo de origem hebraica e musulmada de
que a carne de porco é muito perniciosa á saude , esquecendo- se
assim que a boa ou má qualidade d'ella depende só e simples-
mente do alimento com que se cria e se engorda esse animal .
23

N'uma região em que a base da alimentação do povo é o peixe.


salgado e a farinha, tendo entre os succedaneos a carne de animaes
silvestres (inclusive a anta) o vinho do assahy e da bacaba , causa
surpreza aquelle escrupalo para uma carne que em outros paizes.
é apreciada como um alimento innocente e muito estimado .
RENDAS PUBLICAS . -Devo dar uma idéa do estado das repartições
por onde se arrecadam rendas publicas .
CORREIO . Esta repartição não tem casa especial ; funcciona na
do respectivo agente, à cuja actividade e zelo intelligente se deve
attribuir o augmento sensivel que se nota nas rendas d'esta pro-
cedencia, como o demonstra o quadro seguinte :

Exercicio de 1865 a 1866 .... 340$180


1866 a 1867 .. 431 $380
1867 a 1868 ... 549$890

CAMARA MUNICIPAL.-Não tenho observação alguma a fazer a


respeita d'esta camara, que, como todas as camaras do paiz , não
tem uma organisação que faça d'ellas uma instituição util aos in-
teresses dos habitantes; é, como todas, o orgão politico dos mu-
nicipes, sobre os quaes, em compensação, faz pezar muitos impos-
tos! Os defeitos da sua organisação são conhecidos em todo o paiz ,
e não ha agora opportunidade de discutir isto, mas sim de saber
o estado das rendas da camara de Obidos.
Dou aqui um quadro da sua receita e despeza nos quatro an-
nos decorridos de 1864 a 1867 .

ANNO. RECEITA. DESPEZA. SALDO ..

1964 2 :7613076-2: 7118451— 40$625


1865-8:772 $017—7 : 963$060— 808$957
1866- 6 :080 $686—5 : 891 $ 543— 129$ 142
1867-11 :2273498-9 : 3813690-1 :8555800
1.º trimestre de 1868 7 : 0913469-2: 9733183-4 : 118 $ 286
24 we

D'este quadro se vê que a camara tem sido zelosa na distribui-


ção de sua receita. O procurador da camara, assim como outras
pessoas de boa supposição em Obidos, informaram-me que o aug-
mento notavel da renda municipal é , em boa parte , devido ao es-
tabelecimento da agencia da companhia do Amazonas n'aquella
cidade em principios de 1867, pois que o Agente com o zelo
com que desempenha seu cargo, auxilia a fiscalisação dos impos-
tos no acto do embarque, dando-se a não pequeno trabalho na con-
ferencia das cargas despachadas e embarcadas.

COLLECTORIA PROVINCIAL . —AS collectorias da provincia e parti-


cularmente as do Amazonas, com rarissima excepção, não davam
até o anno de 1848 , vantagem alguma á fazenda em vista do seu
pouco rendimento , ou, para melhor dizer, em vista da falta de zelo
e exactidão da parte dos arrecadadores . Umas eram administradas
e outras arrematadas ; mas em qualquer dos casos o negocio era
sempre peor para a fazenda do que para os seus procuradores:
As cousas andavam neste caminho quando o conselheiro Jero-
nymo Coelho tomou as redeas da administração . Este homem,
administrador pratico que tudo via, de tudo cuidava com aquelle
grande zelo e robusta intelligencia que lhe valeram o justo titulo
de primeiro administrador do Pará, e a merecida estima de todos
os homens de bem, reconheceu desde logo a necessidade de reor-
ganisar as collectorias e tratou de collocal-as em condições mais
uteis ao interesse da fazenda.

Não poude isso se fazer de prompto , mas ficou- se conhecendo


a necessidade da reforma que mais tarde se realisou e depois da
qual melhorou consideravelmente a arrecadação .
A COLLECTORIA de Obidos marcha regularmente e sem outro em-
baraço além da difficuldade de arrecadar-se os impostos em lo-
gares remotos, onde é facil illudir-se ás diligencias dos collectores.
As rendas arrecadadas vão em augmento como se pode avaliar
pelas dos annos seguintes tomadas ao acaso :
25

1847 a 1848 ... 1 : 211 $970


1848 a 1849 .. 2:295$000
1851 2:6385420
1852 • • 1 :681 $905
1853 1 : 880$412
1867 · 6 :593$812
O augmento da renda em 1867 sobre a de 1851 , que foi a
mais avultada das constantes do quadro acima, importou em
3:955$392.
Não é um augmento animador, mas indica progresso ainda que
lento.
A collectoria das rendas geraes, no exercicio de 1866 a 1867
arrecadou a quantia de 7 : 2685417.

Obidos é a cabeça d'uma nova comarca creada em 1867 pela


lei provincial n. 9 comprehendendo em sua circumscripção ju-
diciaria o seu municipio e o de Faro .
N'esta cidade tem sua residencia o juiz de direito da comarca,
e o juiz municipal que accummula as attribuições do dos orphãos .
O conselho do jurados, e a camara municipal reunem-se re-
gularmente nas épocas marcadas .
O jury tem em geral pouco a fazer por não haver muitos cri-
mes a julgar .
Força publica . - Em Obidos ha um batalhão de guardas na-
cionaes do serviço activo e uma secção de companhia do da re-
scrva.
O batalhão acha-se organisado do modo seguinte :
Estado-maior, -com 1 official superior que é o tenente- coronel
commandante e 4 subalternos.
Estado menor- com 3 officiaes inferiores .
Companhias 4 , com 16 officiaes, sendo 4 capitães e 12 subal-
ternos.
Agentes de ordens - 48 cabos e 8 cornetas e tambores .
26

Guardas 1,089 .
Todo o pessoal- 1,185 .
Todos os guardas e officiaes estão fardados e uniformisados .
Pertencem ao commando superior de Santarem .
A secção de companhia de reserva compõe-se de
2 Tenentes.
1 Alferes.
4 Inferiores.
6 Cabos.
1 Corneta.
303 Guardas.
Ao todo 320.

A somma total do pessoal alistado no serviço activo e de reser-


va é pois de 1,505 .
Do serviço activo acham-se actualmente destacados 72 praças
que fazem a guarnição do Forte, sendo commandados por um ca-
pitão .
Para o serviço da guerra actual com o Paraguay, Obidos e seu
municipio tem dado o seguinte contingente :
Guardas nacionaes designados . • 57
Voluntarios .. 42
Recrutas .. 22

Total . . . . . . . 121

Territorio.- Este municipio como todos os mais da provincia,


a excepção de alguns da Ilha de Marajó, não tem limites conhe-
cidos e precisos , nem mesmo com os districtos visinhos .
Fóra das margens do Amazonas e da parte d'alguns rios nota-
veis, ou da bocca d'alguns lagos e igarapés, tudo mais é completa-
mente desconhecido; nem mesmo o regatão corajoso e atrevido
tem penetrado muito longe, pois que suas excursões acabam onde
começa o deserto .
27 -

E' pois impossivel determinar a superficie do territorio , como


o tem pretendido fazer alguns geographos sem um conhecimento
mais avançado do que o que hoje temos d'esta e de outras partes
da provincia.
Para não me arriscar a commetter erros que, mais do que a
mesma ignorancia, podem ser prejudiciaes à aquelles que nas
escolas começam a apprender as cousas do paiz, prefiro guardar
completo silencio sobre este assumpto. Não quero introduzir
notas falsas na circulação dos estudos scientificos .

CACOAL IMPERIAL . -Antes de deixar Obidos , devo fazer men-


ção de uma propriedade que o Estado possue n'este municipio .
Refiro-me ao cacoal que existe junto a margem direita do Ama-
zonas, muito abaixo da cidade.

Esta propriedade constante de um extenso terreno com plan-


tações de cacão e com uma pequena casa coberta de palha, tem
passado por diversas phazes .
Tendo ao principio pertencido a um particular , passou , não sei
porque modo, a fazer parte dos bens d'uma aldea de indios admi-
nistrada pelos Regulares da companhia de Jesus , o que é o mes-
mo que dizer, —o cacoal pertencia aos jesuitas , que com os bra-
ços indios d'elles colhiam abundantes fructos .

Publicado o celebre alvará de 7 de junho de 1755 que tirou


aos mesmos jesuitas a administração temporal dos indios das aldeas
regias , e expedido o alvará de 17 de agosto de 1758 que creou
o directorio para as mesmas aldeas , o cacoal real passou a fazer
parte dos bens do commum e, como tal, administrado pelo res-
pectivo directorio .
Tendo , porém, a carta regia de 12 de maio de 1798 abolido
os directorios das aldeas , o cacoal foi encorporado aos proprios da
real fazenda.
D'essa época até a independencia e ainda até o anno de 1830 ,
deu-se ao cacoal um administrador pago pelo thesouro publico,
- 28

devendo o administrador residir em villa Franca para melhor


poder inspeccionar o estabelecimento, cujo producto era então
vendido em hasta publica .
Em 1831 extinguio -se o logar de administrador, e desde o anno
seguinte começou -se a pôr em pratica o systema de arrematação
dos fructos ou productos do cacoal . E' o systema que ainda hoje
se segue.

Depois de tantas vecissitudes porque tem passado o cacoal , res .


ta ainda dizer a ultima palavra a respeito do modo de tirar -se
d'elle o melhor proveito possivel . Em minha opinião essa ultime
palavra é deixar-se o Estado de querer passar por competidor dos
agricultores : é vender-se o cacoal a quem mais der, mesmo por-
que o governo do Estado tem, como proprietario, dado exuberan-
tes provas de que é pessimo administrador.
A prova do acerto da minha opinião está no decrescimento cons-
tante do estabelecimento .

O cacoal que dura ha mais de um seculo, nunca foi replanta-


do, nem melhorado ; pelo contrario, tem perdido uma decima par-
te do que era chegou a ter mais de 40,000 pés de cacaoeiros e
hoje não excede talvez de 4,000 .
Os unicos documentos que tenho a respeito do valor das arre-
matações das colhetas do cacoal são os que se referem aos 2 trien-
nios seguintes :
Triennio de julho de 1862 a junho de 1861 : importancia da
arrematação 1 : 100 000 , correspondendo a 366 $666 em cada
anno.
Triennio de julho de 1866 a junho de 1867 : importancia da
arrematação 1 : 700 000, que corresponde a 566 666 por anno.
RECORDAÇÕES HISTORICAS. -A cidade de Obidos teve uma origem
toda militar; diria melhor, a sua existencia é devida ao facto de
passar o Amazonas todo ali por um estreito canal .
Quando em 1697 o Capitão General Antonio d'Albuquerque
29

Coelho de Carvalho subio até o Rio-Negro com o fim de inspecio-


nar e regular a administração no Sertão da capitania , chegando a
aquelle estreito achou a situação tam vantajosa para uma fortifica-
ção que immediatamente mandou ao superintendente das fortifi-
cações , Manoel da Motta e Siqueira que, em vez do forte que es-
te devia construir no Ituki, « fosse fabrical -o em outra paragem
(diz o general em sua carta ao Rei) acima do Tapajós , no Rio das
Amazonas, da parte do norte, onde estreita de qualidade que
qualquer peça alcança a outra parte, e fica pouco distante da bocca.
do rio das Trombetas. >>

Manoel da Motta não se fez demorar n'esta deligencia e applicou


toda a sua actividade na construcção do forte .
Para esta obra, como era costume , foram chamados os indios
que residiam mais perto e estes deviam ser os que habitavam no
logar oujunto ao Lago que alli existe .
O nome de Pauchys dado a esses indios que desde então for-
maram alli uma aldea, parece uma corrupção de Epaua-uchy ou
Epauchy, a palavra -epaua , significando lago.
Formada a aldea, a custa da fortaleza, deu-se aos Indios Pau-
chys dous missionarios capuchos da ordem da Piedade , foi crescen-
do a povoação não só com os recursos da fortaleza , mas com a
addição de novas familias indigenas que para alli se mandava.
O forte subsistio mais de um seculo . D'elle porém já não exis-
tia senão o logar quando em 1854 se tratou de construir outro
que é o actual.
Em 1758 , a aldea dos Pauchys, quando menos esperava,
foi elevada á cathegoria de Villa com o nome de Obidos pelo Ca-
pitão General F. X. de Mendonça Furtado que foi em pessoa ins-
talal-a com a solemnidade possivel .
Pouco tempo depois, sabendo que a villa não apresentava in-
dicios de progresso por falta de população , mandou transportar
para ella todos os Indios Barés que se achavam aldeados e esta-
- 30

belecidos junto á bocca do Curuá do Norte, onde tinham formado ,


sob a direcção dos seus dous missionarios capuchos, uma povoação
que o mesmo governador n'aquelle anno havia condecorado com
o titulo do Logar sob a denominação de Arcozello .
O titulo de cidade lhe foi dado em 1854 pela lei provincial
n. 252.

EXTINCTA COLONIA MILITAR. - Dispostos com grande demora e


difficuldades os arranjos de viagem para Faro e resolvido a visi-
tar de caminho as principaes fazendas de creação, preparei -me
para chegar áquella villa passando pelo Trombetas subindo pelo
Jamunda, e parti de Obidos para a colonia militar , hoje extincta ,
que fica junto à bocca septentrional do Trombetas.
Esta colonia que parece ter sido creada sem os conselhos da
experiencia, mal organisada e mal administrada , teve ainda para
apressar a sua ruina, de experimentar desde logo a violação do
unico artigo de seu regulamento que podia amparar sua existen-
cia, aquelle que garantia ao soldado a propriedade do terreno por
elle cultivado e dos fructos que tirasse d'esse trabalho .
Em Obidos como no Araguary, alguns soldados, logo que che-
garam á colonia, cuidaram de cultivar seu lote de terras ; mas
quando dous d'elles estavam em vespera de colher os fructos que
plantaram, uma simples ordem os rendeu chamando-os á capital.
Não foi preciso mais um exemplo para que os soldados , vendo
destruida a esperança de se fazerem proprietarios , se guardassem
de formar novas plantações . O desanimo foi geral e , desde que
este golpe foi desfechado, a colonia não tinha outro elemento de
existencia e permanencia se não sacrificando o governo avultadas
sommas com o seu pessoal e com os viveres, porque ellas o não
produziam .
Effectivamente foi o que aconteceu. A colonia viveu em quanto
o governo a sustentou , dando-lhe tudo que era preciso á vida,
posto que ella nem um serviço prestava. As casas começaram a
31

cahir em ruinas. De 255 colonos mandados vir pela companhia


do Amazonas e que para alli foram mandados em 1854 , não res-
tava um ao menos em 1863 .

Em 1864 , o presidente deo-a por extincta, porque para isso


tambem só faltava a declaração official .
Em um relatorio, que anteriormente appresentei ao governo ,
mencionei que das casas da colonia só restava uma em pé, a ca-
pella não concluida e o territorio . Repito ainda aqui que é ne-
cessario aproveitar- se esse pouco que resta , vendendo- se em hasta
publica a quem mais der , por qualquer somma que seja , para se
não perder de todo os 114 :0005000 que o Estado despendeu
com essa inutil colonia.

No estado em que se acha este estabelecimento, tudo que vier


da venda dos bens restantes é lucro, e toda a demora , escrupulo
ou formalidade de repartição publica é prejuizo certo e infallivel
para o Estado .
A extensão do terriiorio da extincta colonia é de cerca de 2
leguas de frente. E' limitado ao S. pelo Amazonas e Trombetas
(passando a linha pelo Paranamirim d'este rio) , a E. pelo Lago
Surubijú , ao N. pelo Igarapé Cassambá comprehendendo o Lago
Curumú, e a O. pelo Lago Kirikiri .
As terras são boas para cultura e contém boas pastagens , e penso
que os bellos valles da serra Curumú hão de, cedo ou tarde , ser
preferidos ás varzeas para a cultura do cacáo , café e mesmo da
cana de assucar .
Ha no territorio da colonia, como em todo o municipio, mor-
mente nas margens do Trombetas , madeiras as mais valiosas e es-
timadas para a toda a sorte de obras, mas que não tem sido
aproveitadas pelo commercio porque uma lei o prohibe !

VIAGEM A FARO. - Partindo da colonia , 5 minutos depois en-


trei no Trombetas pelo seu pequeno braço que tem o nome de
Maria Thereza , sahi no rio grande, como dizem os praticos , pas-
- 32

sei a fóz do Cuxuiry que é um Paranamirim do Amazonas , e


mais acima deixei o Trombetas e entrei pelo rio Jamundá , seu
affluente, qua aqui chega com o nome mesquinho de Igarapé Sa-
pucuȧ.
Jamundá acima até a bocca do Lago Sapucuá a 0,
Uma visita a este lago até suas cabeiras para admirar sua lar-
gura de 1 a 3 milhas e sua grande extensão de 15 a 18 milhas ;
para admirar sobre tudo o contraste de suas margens : campinas
nivelas ao S.; terras altas, ao N. , povoados de sitios , aqui e ali ,
per entre cafezeiros, algodoeiros , laranjaes e mangueiras.

Atraz de tudo isso a Serra Cunury que tem mais celebridade


na fabula das Amazonas do que altura e importancia orographica .
Fazendas de gado de um lado, mas muito longe (3,000 cabeças);
numerosos sitios de cultura do outro lado, mas em ponto pequeno .
Regresso ao Jamundá .
Jamundá acima ; rio estreito (120 a 130 metros .)
Correnteza de 1 112 a 2 milhas.
Agua côr da do Amazonas porque de lá vem boa parte .
Sinuosidades e fitas do matto de um lado e do outro ; lagos
pequenos atraz do matto, acompanhando a margem.
Ao N. Igarapé Mari- apixy para o lago assim chamado e para
o Piraruacá, ambos rodeados de fazendas de gado. Cacoaes á mar-
gem do rio.

Ao O. Furo da Paciencia que vem d'aquelle lago.


Ponto do Repartimento .
Aqui está, não o repartimento das aguas, como se devia dedu-
zir do nome do logar ; mas sim a juncção das do Paranamirim do
Amazonas que entra de E. com as do Jamundá que vem do S.
Jamundá, limpo , transparente e semi -ceruleo .
Paranamirim , amarellado , lodoso e opaco .
Este, estreito (50 metros) pigmeu , arrebatado e violento ,
obriga aquelle outro, largo (300 metros), calmo, masgestoso in-
33 -

dolente e fraco, a desistir de entrar no Amazonas e arrasta-o para


o Trombetas.
Continua-se Jamundá acima; planicie sem fim, lagos por toda a
parte (no inverno somente) e sempre a fita de matto . Tudo inun-
dado .

Furos , e mais lagos, alguns d'estes muito extensos .


Fazendas de gado .
Emfim , terra firme e pedregosa; signal que Faro está perto.
Paranamirim a esquerda ; é um emissariosinho do Amazonas
que bem o denuncia a côr da suas aguas lodosas.
Defronte, ponta do continente. Adiante dous canaes largos, a
esquerda e a direita.
Ilha grande e rochosa no meio; outra menor adiante .
Ahi está o Lago Grande de Faro . Terras altas ao N e os
montes que ao longe guardam o lago a 0.
Duas milhas mais, a travez do lago, tem-se chegado a Faro .
II .

DE FARO Á MARACÁ-- UASSÚ.

Summario . -VILLA DE FARO , SITUAÇÃO , ASPECTO, CLIMA E


SALUBRIDADE , SEU ESTADO ACTUAL E INDUSTRIA
DOS MORADORES DO MUNICIPIO . -PROJECTO DE
TRANSFERENCIA DA VILLA E DE NAVEGAÇÃO A VA-
POR . RECORDAÇÕES HISTORICAS. REGRESSO;
TRAVESSIA DO AMAZONAS ; EXTINCTA FREGUEZIA
DE JURUTY.

Na extremidade occidental de um bello lago com 3 milhas de


extensão e 2 de largura , rodeado de terras altas e pedregosas,
excepto do lado do sul; ahi onde o Jamundá, deixando os pequenos
montes que bordam suas margens , desemboca n'uma vasta planicie
innundada cada anno pela superabundancia das aguas do Amazo-
nas , - está situada a villa de S. João Baptista de Faro á margem
esquerda d'aquelle rio sobre uma larga ponta que desce do Norte
com inclinacão commoda até a beira d'agua , onde termina em
praia de area alva .
As duas linhas de montes que acompanham o rio e que de-
fronte e ao S. do lago se abaixam até confundirem-se com a plani-
cie, o estenso lago com suas aguas aniladas ; o contraste da plani-
cie que alli perto , começa com a serra fronteira á villa , e a entrada

larga e magestosa do Jamundá dão a localidade um aspecto natu-


ralmente aprasivel e , d'algum modo , grandioso .
O clima é muito calido , mas os ventos geraes modificam muito
a intensidade do calor. As noites são ordinariamente frescas.
Segundo estou informado não reinam na villa molestias epide-
micas a excepção das febres intermittentes que são geraes na pro-
35 -

vincia . Os habitantes, não obstante a má escolha de alimentação


de que fazem uzo , são ordinariamente sadios .

A villa compõe-se de uma praça, duas ruas, tres travessas,


comprehendendo em seu perimetro uma igreja que è a matriz , a
casa da camara e cadêa , 16 casas habitadas inclusive as 6 de com-
mercio , e 34 que podem ser habitaveis , mas que pela maior parte
não tem portas .
O numero total dos moradores é de 78.

A vilia teve outr'ora grande numero de casas que foram desa-


bando, umas apoz outras, restando hoje sómente as que enumerei ,
ao passo que ninguem ha que edifique ou reedifique.
Tudo, portanto em Faro indica desanimo, desolação e deca-
dencia patente .

Assim, apezar de achar-se collocada n'uma situação das mais


agradaveis da provincia , presumo que a villa difficilmente poderá
reassumir sua tal ou qual prosperidade que fruira na época em
que abundavam indios , os quaes, obrigados pelos missionarios e
membros do directorio, entregavam-se a agricultura e a outras
industrias uteis.

A matriz , bem que velha e mal construida, vai sendo conser-


vada , graças aos cuidados e zelo religioso de 4 ou 5 moradores
e do seu velho e bom parocho que faz fudo que lhe é possivel
para ter sempre em maior decencia e aceio a sua igreja; ella
porém não resistirá muito a ruina que a ameaça , devida a fraque-
za de sua construcção e à acção do tempo .
A cadeia não tem segurança nem aceio.

A casa da camara que é adjuncta a cadeia mal tem commodos


para as sessões que são raras e para a secretrria . O seu archivo
é pobre, mas n'elle achei o precioso registro e acta da inaugura-
ção da villa . A camara não tem rendas para reparar a casa de
suas sessões. Convem que o governo da provincia preste-lhe os
36 -

auxilios precisos para esse fim, assim como para reparos da igreja
matriz.
Na praça que tem o nome de S. João Baptista existe ainda o
primeiro e unico monumento do tempo da instalação da villa : é o
Pelourinho, pequena columna de Itauba que me afirmaram ser o
mesma alli levantada em 27 de dezembro de 1768.

INSTRUCÇÃO PUBLICA. -E' escusado dizer que em Faro não ha


outro genero de instrucção sinão o de primeiras lettras , pois que o
não tem outras localidades importantes, como Obidos, Santarem e
Monte-Alegre.
A escola de ensino primario foi frequentada em 1867 por 41
alumnos , e actualmente o é por 50.
INDUSTRIA.-Na villa não ha industria alguma por falta de po-
pulação; a que houve no seculo passado era a de fiação e tecidos de
algodão e uma olaria . Nada d'isso hoje existe . Fallarei portanto
sómente do municipio.
A principal occupação do povo é a pesca do peixe-boi e pira-
rucú nos lagos, na época da vazante .
O pirarucú vale em primeira mão 4 a 58000 por arroba e sua
exportação regula 3 a 6,000 arrobas .
Estas differenças de valor e quantidade dependem da maior ou
menor abundancia de peixe, ou o que significa o mesmo , do maior
ou menor crescimento do Amazonas. -Grande enchente, verão
abundante,-tal é o adagio dos pescadores.
A exportação d'este producto no anno passado (1867) foi de
3,354 112 arrobas.
Cacáo não é cultivado como genero de commercio senão á bei-
ra do Amazonas, do Paranamirim do Bom Jardim, e em alguns
pontos do Jamundá , a partir do Repartimento para baixo.
Em muitos sitios de terra firme ve-se tambem plantações mas
sem applicações ao commercio, ou fornecendo mui poucas arrobas .
Em 1867 a sua exportação foi de 1,372 arrobas .
37..

Cumpre porém notar que a exportação d'este genero, como de


muitos outros, confundem-se nas resenhas officiaes com a de Obidos.

Algodão foi outr'ora o genero mais cultivado e mais em voga ;


os habitantes cuidavão de sua plantação com esmero; a producção
era a mais satisfactoria; as indias empregavam-se quasi todas na
sua fiação e em tecer redes e pannos grossos. Vendia-se assim o

algodão em obra e em bruto, de modo que constituia ao mesmo


tempo uma occupação util e um excellente recurso industrial do
logar.
Mas os indios desappareceram e não ha hoje plantação de algo-
dão em parte alguma, a não se considerar como tal alguns pés
que vegetam n'um ou n'outro sitio , mais como prova da proprieda-
de maravilhosa do terreno para este artigo , do que como indicio
de que a sua cultura é ainda estimada no paiz,
E' tam sensivel essa differença do tempo passado para o pre-
sente , que hoje quem precisa de fios de algodão para uma rede ,
manda compral-os em Obidos , ou no Pară , porque ha aqui abun-
dancia d'elles, vindos dos Estados- Unidos !
Cultiva-se algum tabaco que seria da melhor qualidade si no
processo imperfeito de sua preparação não perdesse metade de
sua estima. A quantidade produzida mal chega para o gasto dos
moradores.

Café-vem optimamente, mas é só cultivado nos sitios para


consummo dos seus doncs .

Arroz, milho e feijão não apparecem senão como amostras .


Carás, batatas, inhames , generos alimenticios tam nutritivos,
como sadios e agradaveis são completamente desconhecidos na
cultura do municipio .
Mandioca é cultivada em toda a parte, porque a farinha deno-
minada d'agua é com o peixe a base da alimentação do povo.
Em todas as campinas alagadas vi extensos arrozaes selvagens
que não são aproveitados .
-38

Informaram-me que a causa d'isto é o incommodo proveniente


da colheta d'este cereal , porque tem a casca coberta de escamas
aciculadas que a cada momento penetram na pelle de quem o vai
apanhar ou preparar .
Em outros termos quer isto dizer : Em quanto houver peixe e
farinha o povo não se alimentará d'outra cousa .
A respeito da creação de gado , o municipio de Faro está mais
ou menos, nas mesmas condições do de Obidos: Grandes e uber-

rimas pastagens que no inverno se alagam, e grande numero de


creadores; mas nem-um grande creador.
A industria de creação é muito estimada no municipio; mas a
formidavel inundação de 1859 que destruio a maior parte do
gado, causando prejuizo consideraveis aos fazendeiros , trouxe-lhes
tal desanimo que desde então se tem notado sensivel vacilação na
marcha e progresso de tam bella industria.
Ella, todavia , tende a reanimar-se em vista da perseverança
com que alguns fazendeiros intelligentes tern continuadɔ a dar in-
cremento e vigor a seus estabelecimentos ruraes .
Devo ao sr . tenente-coronel Meirelles, agente da companhia
do Amazonas em Obidos, uma relação nominal dos fazendeiros
dos dous municipios de Obidos e Faro contendo o numero de ca-
beças de gado vacum que cada um possue .

Segundo esta estatistica que em geral está de acordo com as


resenhas que colhi nos logares por onde transitei, o municipio
de Faro conta 16,380 cabeças de gado vacum, incluindo - se n'es-
te numero a producção, e 34 fazendeiros de creação , não se con-
tando os que como taes se intitulam e que tem menos de 100 ca-
beças de gado ou mesmo somente 20 .
Das 34 fazendas nem-uma tem mais de 1,500 cabeças, e ha
so quatro que possuem mais de 1,200 .
O districto de Faro exporta raros bois em pé. A exportação
39

se faz em carne salgada, regulando annualmente 5,000 arrobas.


Não consta qual a exportação de 1867 .
Com este producto exporta-se tambem couros seccos , salgados
e verdes, cujo numero em 1867 foi de 293 .
De sebo foram exportadas apenas 5 arrobas.
Por causa da difficuldade da exportação em pé, o gado tem
no districto de Faro um preço relativamente baixo . Cada boi que
no Pará valeria 60$ , vende-se nas fazendas de Faro por 25 $ e
raras vezes 30$ .
De Santarem, de Obidos e sobretudo de Cametá affluem ao
districto de Faro annualmente , pelo verão, numerosos negocian-
tes ou especuladores que alli vão a salga e a compra, uns de carne
seca, e de peixe salgado , outros de falcas de itauba, regressando
com seus barcos carregados , certos de que farão um bom nego-
cio, e realmente o fazem.
Nas fazendas cria-se tambem cavallos. Vi no retiro da fazenda
Paraizo, propriedade do sr. dr . Marcos, juiz de direito de Obi-
dos , alguns animaes desta especie que pareceram-me de bello
porte e figura, iguaes aos de Obidos. A quantidade produzida
não é sufficiente senão para o costeio das fazendas .
Além dos productos mencionados, Faro exporta outros cujo
valor e quantidade não figuram ordinariamente como seus, por
serem embarcados em portos de outros municipios ; taes são, en-
tre os principaes , os seguintes :
Castanhas, de que uma boa parte procede do Trombetas . A
exportação deste artigo em 1867 foi de 1,192 alqueires .
Oleo de cupahyba , procedente do Jamundá e principalmente
do Pratucú . No mesmo anno exportaram-se 1,320 libras .

Cumarú. A exportação foi quasi imperceptivel ; sómente 32


libras . A producção dos fructos é sujeita a variações periodicas ,
havendo abundancia de tres em tres annos, em cujo decurso che-
ga as vezes a faltar totalmente.
40 ----

O municipio tem em abundancia um producto capaz de enri-


quecel-o : fallo das madeiras, tam preciosas como diversas em
qualidades, usos, consistencia e valor, para todo o genero de
obras , desde a mais delibada peça de mosaico e de talha, até os
pesados esteios, vigas e quilhas de embarcações.
Estas madeiras estão para Faro e para o paiz em geral, no
mesmo caso do thesouro do avarento , que o não aproveita nem
deixa a outros aproveital-o . Indico aqui algumas madeiras segun-
do uma relação que obtive no logar.
A itauba, tam estimada na navegação , fórma as vezes colonias
no meio da floresta, facto mui raro na provincia.
Guariuba, madeira vermelha, propria para mobilias e cons-
trucções navaes .
Jabutipé, madeira marchetada ou pintada, propria para moveis
delicados.
Cupahyba vermelha, para canôas e moveis .
Mata-mata, notavel por sua compacidade , solidez e incorrup-
ção na agua ou em terrenos alagadiços .
Angelim , piquiá, páo d'arco, rosa e violeta, bacury, sapopira,
humiry, macacauba das varzeas,
A itauba não é convenientemente aproveitada por aquelles que
costumam fabricar falcas, porque em vez de empregarem para
isso a serra, só fazem uso do machado; do que resulta que, d'um
tronco, que daria boas doze falcas, apenas tiram duas . Estragam
assim a madeira e a desperdiçam d'um modo que os selvagens
não fariam mais grosseiramente .
Cada par de falcas de trinta palmos é vendido em Faro por 3
até 48, e em Obidos por 6 até 85.

TRANSFERENCIA DA VILLA. -Alguns dos principaes fazendeiros ,


observando a decadencia progressiva da villa, sollicitaram e ob-
tiveram da assembléa provincial em 1859 a lei n. 491 transfe-
41

rindo a sede da mesma villa para a margem septentrional do


Lago Algodoal .
Esta localidade tem a vantagem de achar-se quasi no centro
do municipio e nas proximidades das principaes fazendas de crea-
ção e sitios de cultura ; si todavia attender-se a que o lago, tal-
vez por causa da sua consideravel expansão, não é accessivel du-
rante o inverno, mesmo á embarcações que navegam no Jamundá
e, durante o verão, ás pequenas canôas, porque , n'esta ultima
estação , fica reduzido so quasi á
à pequenos poços, reconhecer-se-ha
que a localidade , para onde a lei manda transferir a villa, não me-
lhora as condições d'esta, nem o commercio do municipio .
E ' talvez por haverem conhecido isso que os promotores da
transferencia não continuaram em seus esforços, e conservaram-se
ém silencio, com grande satisfação dos habitantes da villa.

NAVEGAÇÃO A VAPOR. - Em Faro e principalmente nas fazendas


e sitios , está a população toda desejosa de ver um vapor nave-
gando effectivamente nas aguas do Jamundă .
E' uma pretenção muito justa a que convém attender-se com
brevidade, afim de salvar-se do abandono em que vae cahindo
aquella importante porção da provincia.
Qualquer que seja a somma destinada a este fim, nunca será
menos productiva do que outras que para serviços identicos se
tem decretado.

RENDAS PUBLICAS . -Na villa não ha agencia de correio. Quem


quer remetter para alli uma carta ou jornaes, ou quem d'alli quer
escrever para qualquer parte da provincia, manda um expresso
em montaria, quando não ha outra occasião de communicação .
O governo e as autoridades, quando tem de mandar para alli
officios, ou quando querem que sua correspondencia chegue à vil-
la, pedem por favor a qualquer particular para conduzil-a .
D'aqui resulta que muitas vezes a correspondencia ou é aberta
42

e não chega a seu destino, ou, quando é respeitada, lá chega com


demora de um mez e as vezes de um anno ! Penso que anoma-
lias iguaes não ha em outro paiz civilisado .
A collectoria provincial não tem tido augmento algum nas
rendas. Para se conhecer isto, basta indicar as dos tres seguintes
annos financeiros , unicos aliás de que pude obter resenhas, mas
que são sufficientes para comparação . Eil- os :

1847 a 1848.. 538$666


1853 293$000
1867 529$400

Ao passo que em todas as outras villas e cidades as rendas


hão tido augmento , ainda que lento, em Faro, em 20 annos, ellas
decahem ; 538$ 666 em 1847 e 529 $ 400 em 1867 .

A collectoria das rendas geraes não sei quanto arrecadou no


exercicio de 1866 a 1867 , e ainda menos no de 1867 a 1868 ,
porque não consegui obter esclarecimento algum a este respeito .
Das rendas municipaes tambem não tenho noticias.

O municipio não tem fôro civil ; faz com o de Obidos um sé


termo judiciario.
Até pouco tempo comprehendia duas freguezias e districtos ; a
da villa e a de Juruty . Esta ultima pertence hoje ao municipio
de Obidos.

A sua guarda nacional fórma uma secção de batalhão de in-


fanteria, commandada por um major , e uma secção de companhia
de reserva. E' toda subordinada ao commando superior da co-
marca de Santarem .

A secção de batalhão tem o seu estado-maior composto de 1


major commandante, e o estado menor de 3 officiaes inferiores.
E' dividido em tres companhias, tendo cada uma
43

1 Capitão.
1 Tenente .
1 Alferes .
Todas, reunidas , tem
9 Inferiores.
36 Cabos.
4 Cornetas.
484 Guardas.

O pessoal todo é de 546 officiaes e guardas .


A secção da reserva compõe-se de
1 Tenente .
1 Alferes .
4 Inferiores.
6 Cabos.
113 Praças.
Todo o pessoal - 125 .
Total do activo e da reserva 671 praças e officiaes .
Toda a guarda nacional está fardada, inclusive a reserva, se-
gundo dizem os mappas .

RECORDAÇÕES HISTORICAS . -Faro, segundo as tradições e noti-


cias que obtive de varios habitantes, teve sua origem em uma al-
dêa dos Indios Uaboys, estabelecida abaixo da confluencia do
Jarmundá com o Pratucú , d'onde mais tarde, quando alli appare-
ceram os reverendos padres Capuchos da Piedade , foi , a conselhos
d'estes dignos missionarios, transferida para o logar actual, jun-
to do Lago .
Ainda hoje os praticos mostram o logar onde existio a velha
aldêa dos Uabóys ou Jamundás, nome com que geralmente se
designa os indios que existiam n'aquella região .
Aldea dos Jamundás, Nhamundás ou Nhiamundas, segundo a
orihographia de varios escriptores , foi a denominação que lhe de-
ram os seus missionarios, os padres da Piedade .
-- 44 ――

Em 1758 o governador e capitão general Francisco Xavier


de Mendonça Furtado elevou aquella aldea à dignidade de villa ,
dando-lhe o nome de Faro . A sua installação , porém , só teve
logar 10 annos depois .
Esta solemnidade se fez no dia 21 de desembro de 1768. Estan-
do presentes o ouvidor Feijó, o vigario, e outras pessoas, procedeo-
se a pilouros para a eleição dos Juizes e Procuradores da camara,
que deviam servir no 1.º triennio de 1769 a 1771. No dia 27,
depois de levantado na praça o Pilourinho e de dar-se tres Vivas
a El- Rei Nosso Senhor, que Deos Guarde (diz o auto da instal-
lação), abriram-se os pilouros, e os que sahiram eleitos, tomaram
logo posse do cargo da Republica .
Nas posturas que foram promulgadas n'esse mesmo dia , acham-
se as seguintes disposições , que revellão o empenho com que, sob
a administração d'aquelle general . se promovia os interesses
da Republica .

Ninguem (diziam as posturas) fará casas senão segundo o ris-


co deixado pelo Intendente Geral Luiz Gomes de Faria e Sou-
za, tendo cada casa fundos para quintaes, em que são obrigados a
plantar pacoveiras , mamoeiros, larangeiras, limoeiros e mais fru-
ctas para abundancia dos moradores .
« As casas serão cobertas de telhas, feitas na olaria da villa. »>
Isto se observava á risca, e quem o não observava , ia para a
cadêa, ou perdia a obra começada, conforme o caso pedia.
Depois, a relaxação metteo-se de permeio , e com ella veio a
a perda da villa, que hoje é quasi uma tapéra .

RIO JAMUNDA.- Tendo de tratar d'este rio na segunda parte,

limito-me a dizer aqui sómente o seguinte:


O Jamundá, confluindo com o Pratucú , corre para E. , forma
depois uma larga curva, entra no lago de Faro, d'onde sahe já es-
treito dirigindo-se geralmente a E. N. E. Depois de deixar va-
- 45

rios lagos a sua margem, inclusive o ultimo que é o Acarakicaua ,


volta se para o Norte, e logo ahi , no ponto chamado Repartimento,
encontra o Paranamirim que vem do Amazonas, e com elle vai
perder-se no Trombetas, seguindo a N. E.
E' d'este Repartimento, cuja significação contraria ao nome já
ficou determinada, que se deixa o Jamundá quando se quer ir ao
Amazonas .
E' necessario então ter os remeiros descançados ou bem dispos-
tos, afim de poderem vencer a impetuosa correnteza do Paranami-
rim, a qual todavia, em pleno verão, não oppõe muita resistencia
a embarcação .
Descendo de Faro até o Repartimento e, desejando examinar o
ponto do Amazonas, onde as cartas mais conceituadas, como a re-
cente da commissão de limites, collocão, sem razão , a foz do Ja-
mundá, deixei este rio, e entrando no Paramirim, luctei muitas
horas contra a correnteza até chegar ao Amazonas.
Depois de reconhecer este ponto e suas immediações , atraves-
sei o Amazonas no rumo S.E. e alcancei a entrada do Paranami-
rim que vai formar o do Balaio . N'este ultimo é que se acha a
bocca do rio Juruty.

O VELHO JURUTY.- Não me sendo possivel visitar a extincta


freguezia d'este nome, limito-me a dar a seu respeito uma noticia
geral, segundo informações de pessoas competentes .
A planicie e os lagos, junto a um dos quaes tinha sua sede a
freguezia, estão a E. dos montes ou serra dos Parentins e ao S.
das do Juruty, Jará, Curumucury e Aracury.
Esses lagos prolongam- se muito para E. entre os montes ou
serras mencionadas , e não são interrompidos d'esse lado senão por
um isthmo que os isola do curso do Arapiuns , penultimo
afluente da margem esquerda do Tapajós .
Juruty foi uma aldea de Indios Mundurucús (Muturucus), fun-
dada ha 50 annos (1818 ) e sujeita a direcção de um missionario com
46

todos os poderes parochiaes. Logo que os indios construiram , a


sua custa e com algum auxilio da fazenda publica, uma pequena
igreja, foi a aldêa creada freguezia com o nome de Nossa Senhora
da Saude .
A povoação, porém, nunca prosperou; os indios foram se ex-
tinguindo, a população diminuindo , e , por fim, chegou a tal estado
de decadencia que os principaes visinhos, perdendo a esperança
de vel-a florecer, pediram a transferencia da sua sede para a
beira do Amazonas.
A lei provincial de 3 de dezembro de 1859 , satisfazendo a este
justo pedido , autorisou a presidencia a attendel-o ; o que effecti-
vamente se fez , posto que com grande opposição da parte de al-
guns individuos do logar .
As terras de Juruty são de grande fertilidade ; mas o povo não
planta senão mandioca para o fabrico da farinha e , em mui pe-
quena escala, o guaraná que os antigos Mundurucús alli introdu-
siram .

Os campos de pastos são de boa qualidade, mas a creação de


gado é insignificante .
A pesca é a unica industria effectiva do povo:

PARANAMIRIM DO BALAIO . -Deixando a direita o rio de Juruty


que retrocedia com grande força, segui pelo Paranamirim do Ba-
laio que é pouco mais largo do que aquelle, tendo apenas 40 me-
tros de largura ao principio, mas variando depois entre 70 e 100
metros.
A sua velocidade é ao principio moderada a ponto de deixar
crescer tranquillamente , junto a margem a soberba Victoria Regia,
tam conhecida e admirada por suas gigantescas folhas, em forma
de forno de farinha, que por isso tem o nome de Uapéuassú en-
tre os indigenas, e mais admirada ainda pelo explendor de suas
magnificas flores onde bellissimas cores se combinam d'um
modo o mais aprasivel .
- 47

O Paranamirim, correndo paralello à margem direita do Ama-


zonas, passa successivamente por duas serras pouco elevadas , a
do Juruty e a de Maraca-uassú, distante uma da outra 10 à 12
milhas. A corrente termina no Amazonas já perto e quasi de-
fronte da parte meridional das ilhas de Maraca-uassú ,
Defronte d'este grupo de ilhas está situada a nova freguezia
para onde foi transferida a sede da de Juruty.
III.

DE MARACÁ -UASSÚ A ALENQUER, PELO


LAGO GRANDE .

Summario. -MARACA-UASSU' , SUA SITUAÇÃO , SALUBRIDADE E


ESTADO DA POPULAÇÃO . - TRANSFERENCIA DA FRE-
GUESIA DE JURUTY; EPISODIO CURIOSO. - LAGO
CURUMUCURY. -ENTRADA NAS CAMPINAS . -LAGO
CRANDE ; ASPECTOS DIVERSOS .

A nova povoação de Maraca-uassú , para onde foi transferida a


sede da freguezia de Juruty, acha-se à margem direita do Ama-
zonas , de fronte e a 1,200 metros , mais ou menos, do grupo das
ilhas do seu nome .

Da alta esplanada em que está situada, ella domina estas ilhas e


o largo canal que as separa do continente. Seu aspecto nada
tem de notavel. Nas poucas horas em que faltam os ventos que
alli varrem a superficie do rio , o calor é fortissimo; as noites , po-
rém , e as manhans são mui frescas. O estado de salubridade tem
sido sempre mui lisongeiro .
A povoação conta já um bom numero de casas e não poucas es-
tão em construcção , ao passo que muitos moradores vão transfor-
mando as suas primeiras, que eram de palha e mui fracas, em
habitações regulares e commodas ; este exemplo , que foi primeiro
dado pelo rvd. vigario e pelo subdelegado da freguezia, vai sendo
seguido pelos outros habitantes .
Si os moradores não abandonarem esta obra de progresso da
povoação que começaram , e si voltarem as suas vistas para a a-
gricultura que é a principal e mais segura fonte de riqueza, Ma-
raca-uassú tornar- se-ha em pouco tempo uma escala natural dos
50

paque tes a vapor , e então marchará desembaraçadamente no ca-


minho da prosperidade .
A igreja é sufficiente para a população actual , está bem co-
berta, caiada de branco e muito decente, indicando assim muito.
zelo da parte do vigario e dedicação dos moradores pelo culto di-
vino; é porém provisoria, não tendo a solidez necessaria para sub-
sistir por muitos annos.
A população não excede de 200 almas.
Tem uma escola primaria a qual foi frequentada no anno fin-
do por 38 alumnos e no primeiro trimestre do corrente anno por
22 .

As terras visinhas são boas para café , algodão , mandioca , fei-


jão, milho , arroz e arvores fructiferas.

FUNDAÇÃO DO ARRAIAL . -O logar que acabei de descrever foi


escolhido em 1863 , por ordem da presidencia, pelo habil enge-
nheiro, o sr . 1.º tenente Moraes Jardim , que soube bem consultar
n'essa deligencia todas as condições vantajosas de salubridade , fa-
cilidade de communicações e meios de prosperidade .
O presidente da provincia, logo que foi feita a escolha da nova
povoação, cuja planta minuciosa foi levantada por aquelle enge-
nheiro com o maior cuidado , expedio as precisas ordens para ef-
fectuar-se a transferencia da sede da freguezia, ao mesmo tempo
que o prelado diocesano dava suas ordens ao respectivo vigario no
mesmo sentido .

Segundo as informações que chegaram ao meu conhecimento ,


occorreram então os factos seguintes, que constituem um episod io
curioso da historia d'essa transferencia.
Muitos moradores do velho Juruty, logo que tiveram noticia d'a-
quellas deligencias do governo , reclamaram contra a transferencia
com visos de resistencia a todo o transe.
O vigario aconselhou -lhes que obedecessem, porque o governo
civil e eclesiastico haviam reconhecido a conveniencia da medida
- 51 -

Conselho vão os jurutynos , não só insistiram com maior força,


mas declararam logo suspeito o vigario; e , desconfiando , com bom
fundamento, de que este pretendia conduzir da sua arruinada igreja
para a nova de Maraca-uassú os paramentos e imagens , foram de-
clarar-lhe formalmente que nunca consentiriam em semelhante es-
bulho !

Não tranquillos ainda com esta declaração, ou temendo que o


vigario os bigodeasse, combináram nos meios de não serem illudi-
dos e, distribuindo entre si o trabalho, puseram sentinellas aos re-
feridos objectos . Uma das sentinellas era o sacristão da igreja,
ardente e intolerante partidista jurutyno que os seus correligiona-
rios consideravam como o protector das imagens e paramentos ,
o zelador do statu quo !

Em vista de tam exaltada opposição, o vigario mostrou-se re-


signado; não fallou mais em transferencia; ficou na aldea ainda
duas semanas depois partio para Maraca-uassú , onde activou a
construcção da nova igreja e da casa de sua futura residencia .
Os jurutynos folgaram com a retirada do vigario, sem todavia
deixarem de fazer sentinella , de dia e de noite, sendo o sacristão
uma especie de official de ronda .

Passaram-se ainda muitos dias sem novidade na igreja . Os ju-


rutynos começavam a tranquilisar-se, e, ao passo que inventavam
epigrammas contra o seu prudente vigario, enchiam a bocca com
grandes elogios ao virtuoso sacristão pela coragem, dignidade e
perseverança com que sustentava o que elles chamavam o partido.
conservador dos direitos do povo.

Uma manhã, porém , qnando os interessados abriram as portas


de suas choupanas e , na forma do costume, foram passar revista á
igreja, ficaram estupefactos , mudos e gelados de assombro: dentro
da igreja não viram senão um unico objecto: a pia d'agua benta !
As imagens, os vazos, os paramentos, tudo tinha desapparecido
om o famoso sacristão !
52

Foi d'este modo, unico que em taes circumstancias era licito e


possivel, que aquelles objectos puderam figurar, como deviam , na
nova sede da freguezia , na igreja de Maraca-uassú .

LAGO GRANDE .- Com o nome de Lago Grande de Villa Franca


ou com o, pouco vulgar mas muito mais significativo , de Lago
Grande das Campinas, se designa especialmente a mais extensa
bacia d'agua doce que se encontra na região amazonica da pro-
vincia do Pará.

Esta parte é quasi completamente desconhecida dos geographos


e, si me não engano, tambem da administração .
Como quer que seja, era eu provavelmente um dos que me-
nos adiantados andavam a este respeito , não obstante o empenho
com que sempre procurei estudar as cousas da provincia . Seme-
lhante ignorancia molestava-me sobremodo o espirito e , para dissi-
pal-a, consultava todos os escriptos e cartas, sem que me achasse
mais esclarecido.

Assim é que, tendo de percorrer varios destrictos das duas


comarcas occidentaes do Pará, não quiz perder esta opportunidade
de estudar aquella interessante região ; por isso, antes de partir
de Obidos, eu a inscrevi no meu programma, como um dos as-
sumptos a estudar . E' o que tratei de executar ao largar de Ma-
raca-uassú.
Quatro furos ou canaes dão , durante o inverno, entrada para o
Lago Crande ou , para exprimir-me com exactidão geographica,
para as campinas que o precedem do lado occidental . Estes furos

que em sua marcha do Amazonas ás campinas atravessam uma


floresta gigantesca com extensão de 5 a 8 milhas, são: O Curumu-
cury, o Irateua, e os dous Muiratubas .

Entrei pelo primeiro por ser o unico que, em qualquer estação ,


tem corrente permanente e, como tal, offerece muito maior inte-
resse.
A sua forte correnteza, devida á pressão que uma parte do Ama-
53 ---

zonas exerce sobre seu estreito leito de 10 metros de largura , le-


vou-me n'um momento ao sitio do sr . Alfredo Brelas, distincto
cidadão da Suissa, em cuja companhia agradavel e instructiva pas-
sei o resto do dia que era o de Sexta- feira Santa , o mais venerado
dos catholicos.

Fiz depois uma digressão pelo lago Curumucury, mui pictoresco ,


tanto pelas lindas praias alvas e terras altas que o rodêam, e pela
approximação d'uma pequena serra, como pelas numerosas habi-
tações rusticas que povôam suas margens.

Do Curumucury foi-me forçoso retroceder para ir a Obidos , afim


de substituir o relogio que soffrêra um dessarranjo, e munir-me
de viveres que, por um d'esses accidentes a que frequentemente
está sujeito quem viaja em canôas, vieram de repente a faltar to-
talmente,

Chegado a Obidos , tive, pouco tempo depois, a fortuna de ver


fundear alli o vapor Belem, cujo commandante , o sr . capitão de
Mar e Guerra Pereira Leal , com seu cavalherismo habitual e nun-
ca desmentido , que lhe tem merecidamente valido a estima e
consideração de todos que conhecem , não so cedeu- me o seu
meio chronometro , mas prestou-me ainda outros muitos recursos
valiosos.

· Subindo de novo o Amazonas e ganhando a corrente do Cara-


panim , entrei pelo Furo Irateua que é para os obidenses o cami-
nho mais curto para as campinas, onde sahi em poucas horas.
Sahindo nas campinas e passando successivamente pelos lagos
de Irateua, da Boca e da Porta, no rumo geral de SSE cheguei
ao igarapé das Fazendas e ao lago do Salé .

A SE e cerca de 12 milhas d'este lago está o igarapé


Piraquara que, confluindo com outro menor, forma a cabeceira do
Lago Grande que pouco adiante, a partir das Fazendas de S. Ama-
ro e Arary, toma as proporções d'um vasto rio, largo como o pro-
54

prio Amazonas, mas sem outro movimento sensivel que não seja
o do jogo dos ventos que perturbam sua superficie.
Este lago que, até à sua foz no Amazonas, não tem menos de
40 milhas de extensão com largura de 112 a 2 milhas até a ponta
dos Campos, onde a margem norte desapparece no horisonte, divide
as terras altas e ferteis que lhe ficam a direita , das campinas ni-
veladas, a esquerda , cortadas pelo igarapé das Fazendas e salpi-
cadas, somente durante o inverno , de uma infinidade de lagos de
todas as dimensões, desde 20 metros atè 8 milhas de extensão.
As fazendas de gado em n.º de 52, algumas das quaes não con-
tam mais de 50 cabeças , estão situadas todas n'essas campinas ,
havendo somente 2 ou 3 do lado das terras enchutas ao S. do
lago.
O n.° total de cabeças de gado vaccum nas 52 fazendas não
excede de 8 :000 , e o do cavallar mal chega a 400 .
O gado esquartejado e o peixe de que, apezar do estrago que
The fazem os pescadores, ha ainda grande abundancia , constituem
a riqueza relativa d'este ponto da provincia .
Muitos barcos, na estação do verão , para alli se dirigem, pro-
curando uns o igarapé das Fazendas, e outros acompanhando as ter-
ras altas, todos para o mesmo fim: para carregar o peixe salgado,
alguns a carne de moura ou secca e as vezes o gado em pé .
N'essa época, a ponta do Uacay, uma das mais bellas e mais
pictorescas situações do lago, constitue-se em um centro, ou me-
lhor , em um bazar onde o commercio de permuta se faz em larga
escala entre os regatões e os moradores vizinhos que alli levão
seus generos .
A margem direita do lago, com raras e mui curtas fracções do
solo, é toda de terras altas , frequentemente bordadas de bellas pra-
ias, as vezes accidentadas por massas de penedos amontoados
e sempre revestidas d'uma vegetação vigorosa e ordinariamente
d'uma forte camada de terra vegetal que as torna de uma fertili-
dade admiravel.
55 -

Alli com effeito florece e fructifica sem difficuldade toda a sor-


te de plantas uteis , adaptadas ao clima equinoxial ou intertropical ;
assim, em varios sitios, como aquelle onde pouzei na enceada do
Cururú, tive occasião de ver cultivados com esmero, posto que
em pequena escala , mas produzindo abundantemente, o café, ca-
cảo, mandioca , algodão, cana, laranjas, abios e outras arvores fruc-
tiferas.

A falta de braços, porém, alli , como em toda a região occi-


dental do Pará, é o escolho em que naufraga o agricultor; é o
maior e muito serio obstaculo que se oppôe irresistivelmente ao
desenvolvimento da agricultura e dos inexgotaveis recursos que
se podia tirar d'estas terras preciosas, mas actualmente quasi inu-
teis para seus possuidores e para o paiz.
O Lago Grande, depois de passadas as pontas do Uacay e do Ja-
caré, contrahe tão rapidamente as suas margens que, pouco adiante ,
passa o seu braço principal por um canal cuja largura não excede de
300 metros, e depois chega ao Amazonas por duas pequenas bocas ,
defronte da ilha Marimarituba, ao pé da barreira Ecuipiranga.
Esta barreira, que ahi acompanha o Amazonas em rumo NE, não
é senão um prolongamento da linha de eminencias que acompa-
nham o lago desde o serro Aracury, bello monte que se ergue ao
S. do igarapé do seu nome como uma piramyde conica , coberta de
abundante vegetação .
Fallo aqui unicamente do aspecto que o Lago appresenta
durante o inverno, aspecto que muda quasi completamente no ve-
rão ; n'esta ultima estação todos os lagos parciaes desapparecem e
o mesmo Lago Grande fica reduzido a um pequeno igarapé de 300 a
400 metros de largura, que ora se encosta ás terras altas, ora corre
por um vasto areal ou lodaçal que, na estação do inverno , é , total-
mente coberto pelas aguas .

VISITA A ALENQUER. -Para se ir da foz do lago das Campinas


a Alenquer, o caminho mais commodo é subir pelo Amazonas até
56

a ponta occidental da ilha Mary-marytuba, d'onde se segue ao N.


até alcançar a ponta tambem occidental da ilha Arapiry .
D'este ponto em diante não ha mais a lutar contra a forte cor-
renteza do Amazonas, mas basta acompanha-la; fazendo-se isso, pela
costa N. , ir-se-ha ter á entrada do Paranaminim de Alenquer que o
rio lança à esquerda ; seguindo-se essa estreita corrente, chega-se
a uma enceadinha que lhe fica a esquerda, na entrada das cam-
pinas .
Ahi está, emfrente, do lado oriental, a villa de Alenquer.
IV.

DE ALENQUER A SANTAREM.

Summario.-VILLA DE ALENQUER ; SUA SITUAÇÃO , ESTADO


ACTUAL; PRODUÇÃO , INDUSTRIA, COMMERCIO .
RECORDAÇÕES HISTORICAS . -LAGOS E RIO CURUÁ.
-RECORDAÇÕES DE ARCOZELLO . -DESCIDA A
SANTAREM..

ALENQUER está situada à margem oriental d'uma pequena en-


ceada, formada junto a foz do Igarapé Itacarará, que alli entra
do N no Paranamirim , chamado tambem Rio d'Alenquer .
O seu aspecto não offerece cousa notavel. O clima é sadio ,
posto que o calor seja muito intenso em certas horas do dia du-
rante os primeiros mezes do verão.
Uma fileira de casas caiadas, cobertas de telha e bem conser-
vadas, quasi todas ao rez do chão, prolongando se quasi de S a
N; duas ruas paralellas , cortadas por curtas travessas em angulos
rectos; a igreja matriz no meio d'uma praça; o cemiterio
publico; eis ahi a villa d'Alenquer.
E ' ella uma das mais bem conservadas e, posso dizel- o , a
segunda villa da provincia.
Ella consta de cerca de 100 casas, entre as quaes ha 5 de
commercio onde se vende generos nacionaes e estrangeiros de to-
da a sorte. Tem tambem um açougue e uma padaria.
Fora da villa ha mais 6 casas de negocio.
Como succede em todas as cidades e villas da provincia, exce-
pto em Santarem, a casa da camara é uma propriedade particular.
Tem a villa uma boa matriz , da invocação de Santo Antonio , for-
temente construida de pedra, mas ainda não concluida por falta
58 --

de recursos pecuniarios. Seria conveniente que os cofres pro-


vinciaes auxiliassem a sua conclusão com a somma de 8 a 10
contos de réis, porque o povo , que a construio a sua custa até o
ponto em que ella se acha, não pode supportar mais essa despeza .
O cemiterio é bem construido e acha-se em bom estado , dan-
do testemunho de piedade dos habitantes da villa.

INSTRUCÇÃO PRIMARIA.- As duas escolas de ensino elementar


tiveram em 1867 a seguinte frequencia .

A do sexo masculino . 84 alumnos .


A do sexo feminino • 18 alumnas.

No 1.º trimestre do corrente anno a 1.ª tem sido frequenta-


da por 44 meninos e a 2. por 17 meninas .

RENDAS PUBLICAS . -Nos annos abaixo declarados tem a colle-


ctoria do municipio arrecadado as rendas provinciaes seguintes:

EXERCICIOS . QUANTIAS .

1848 a 1849 ... 575$408


1851 .. 491 $360
1852 .. 509$470
1853 . 6648729
1867 .. 3:1225468

Como se vê d'estes algarismos , as rendas em Alemquer esti-


veram estacionarias de 1848 até 1853, provavelmente por cnl-
pa dos encarregados da arrecadação; é pelo menos o que se pode
inferir da comparação das rendas d'aquelles annos com as de
1867.
Não tenho conhecimento das rendas municipaes; o mesmo suc-
cede quanto as rendas geraes, das quaes não pude alcançar escla-
recimento algum .
59 ―

Não ha Agencia de Correios em Alenquer; esta villa , está quan-


to a isto, no mesmo caso de Faro: o governo e as autoridades
dependem do favor de particulares para fazerem alli chegar sua
correspondencia .

O MUNICIPIO- limita se com o de Obidos a O, de Monte-Ale-


gre a E, de Santarem ao S. e com a Guayana franceza ao N, igno-
rando-se completamente a extensão do seu territorio por este ul-
timo lado .
Consta de terrenos baixos ou campinas de excellentes pastagens,
de varzeas arvorejadas onde ha numerosos cacuaes cultivados, e
de terras altas que pertencem exclusivamente ao lado do Norte,
nas quaes se encontram abundantes castanhaes.
O seu unico rio notavel, depois do Amazonas, é o Curuá do
Norte, a que alguns chamam Curuá -panema ou Curuá― manema .
E' extenso, mas estreito, reduzindo-se as vezes á poços, durante
o verão; corre para S O até tocar ao pequeno povoado do seu nome ,
já ao pé da entrada das campinas, passa pelo lago tambem do seu
nome, communica-se com o Itacarará , depois perde- se no Parana-
mirim de Alenquer, acima da villa. As terras, na parte media do
seu curso , são de notavel fertilidade, mas mui doentias, como são
em geral todas as que se destinguem por aquella qualidade . E'
mormente no principio do inverno que as febres intermitentes se
pronunciam fortemente, degenerando , as mais das vezes, em per-
niciosas, com cujo caracter faz grande estrago nos collectores de
castanhas e drogas que abundam nas florestas .
O appellido que lhe dão de Curuá manema ou panema , pala-
vra que indica em lingua indigena um estado morbido , prostração ,
infelicidade, é justificado pela insalubridade de suas aguas , ou an-
tes , das suas florestas miasmaticas e sombrias.

O igarapé Itacarará, a que já alludi , procede das terras altas,


com quantidade mui deminuta d'agua; espalhando-se pelas cam-
pinas e reunindo-se depois com o furo Jaburú, braço do Curuá,
60

banha a villa de Alenquer e ahi perde-se no Paranamirim d'este


nome.

Os lagos são : Curuá nas campinas , perto da margem esquerda


do Amazonas .
Bôtos ao O do antecedente com o qual se confunde . Macurá,
ao N do dos Bôtos , já quasi junto as terras altas e na foz do furo
Mamaurú .
Tostão entre o Paranamirim de Obidos ao S. , lagos Curuá e
Bôtos ao N. e furo Mamaurú ao NO. E' o mais extenso de todos
os lagos do municipio; tres quartas partes d'elle pertencem ao
districto de Obidos . Fica totalmente seco no verão; no inverno
communica-se com o Amazonas pelos furos da Arraia , do Cardoso
e do Suisso.

Os lagos Uruxy, Curumú e Capintuba ficão junto a margem


esquerda do Paranamirim, abaixo da villa. O ultimo serve de li-
mite entre o territorio de Alenquer e Santarem.
Não ha lago algum com o nome de Surubijú , que tem sido cre-
ado por varios escriptores.
As ilhas principaes do municipio estão no Amazonas e são as
seguintes :
Arapiry entre os ramos N. e central do Amazonas ; é a mais
occidental .

Juruparipucu á E da antecedente e ao S. da do Surubijú .


Surubijú entre o Amazonas ao S. e o Paranamirim que a se-
para do continente .

O municipio de Alenquer não tem foro civil; está reunido ao


termo judiciario de Santarem .
A freguezia da villa dá 5 eleitores que votam no collegio elei-
toral de Santarem.
Alenquer entretem um commercio activo com a cidade cujo
nome acabamos de mencionar, recebendo d'ella generos estrangei-
ros e nacionaes e remettendo-lhe os productos do seu munici-
pio.
61 -

No anno de 1861 , segundo informações da camara municipal ,


a exportação de Alenquer constou do seguinte :

Caco . 10 : 000 arbs.


Café .. 50 «
Fumo . 50- «
Peixe .. 1.000 (
Farinha de mandioca ... 500 alqs.
Castanhas da terra . 4,000
Ditas de sapucaia . . 1,300 «

Em 1864 á exportação regulou como se segue :

Cacáo .. 20,000 arbs .


Café .. 150 «
Fumo .. 40
Peixe ... 4,000 «
Castanhas . 10,000 alqs .
Farinha de mandioca .. 2,000 «
Milho 200 «

Feijão . 30 «

N'esse mesmo anno havia alli 2 olarias pequenas, 1 engenhoca


de moer cana que ainda existe, havendo outras iguaes . O motor
empregado é o cavallo . N'ellas se fabrica algumas pipas de aguar-
dente e alguns potes de mel cujo numero não excede de 300 .
D'isto não ha exportação .
No anno findo (1867) a exportação constou do seguinte :

Cacao . 11,961 arbs.


Pirarucú . 4.069 «
Sebo ... 12
Castanhas da terra ... 2,590 alqs.
Dita de sapucaia .. 18 (
62

Couros de boi ... 196


Ditos de veado . 181
Cumarú .... 13 lbs .

Estes algarismos differem muito, quanto ao cacão e castanha


principalmente, da exportação de 1864 , differença que sem du-
vida deve provir de se não ter classificado como procedente de
Alenquer grande quantidade de generos que vão a cidade de San-
tarem onde são embarcados conjuntamente com os d'esta cidade ,
sem distincção de procedencia.

Producções.- Do que deixei mencionado se vê quaes os


productos do municipio; basta pois dizer mais duas palavras .
No reino mineral não se tem descoberto producto algum de
merecimento no commercio , por que todas as excursões e opera-
ções da população ficam sempre circumscriptas as varzeas e cam-
pinas, onde taes productos se não pode encontrar; é provavel po-
rem, que existam nas altas regiões entre as terras brasileiras e as
da colonia franceza.

Nas campinas ha muitas fazendas de gado bovino , mas todas


com mui limitado numero de cabeças; é o que tambem se obser-
va nos campos altos.
As terras altas do Curuá são abundantes de castanheiras, cupa-
hibeiras, sapucaeiras, e mui provavelmente não faltará a salça .
As varzeas, sobre tudo as das ilhas , são notaveis por sua propri-
edade para a producção do cacão. A cultura d'este genero é a prin-
cipal industria dos moradores que a effectuam em escala relativamen-
te maior do que em outros municipios .
Elles são activos e deligentes, mas , como em toda a provincia,
aferrados a rotina, não procuram estudar os meios de melhora-
rem as plantações para colherem fructos mais abundantes .
A villa de Alenquer não é ainda um porto visitado por vapores,
e por esta razão os valiosos productos do seu municipio não são
63 -

bem conhecidos no commercio, confundindo -se no Pará com os


de Santarem para onde são remettidos em canôas .
Parece-me que seria de grande utilidade que o governo da pro-
vincia desse execução quanto antes a lei (pois é para isso que foi
decretada) que o autorisa a contratar a navegação a vapor para
aquella villa, ou ao menos para um ponto proximo della , sendo
n'este caso preferivel a confluencia do Paranamirim de Alenquer
com o rio Curuá, ponto importante que serve de centro en-
tre as villas e os logares mais abundantes de cacão , o rio Cu-
ruá, d'onde descem barcos carregados de castanhas , os lagos
proximos onde abunda o peixe, e em fim as fazendas de gado ,
d'onde pode vir a carne de charque .

Guarda Nacional . - No municipio ha um batalhão de guardas


nacionaes que é o 28° da provincia e cuja organisação é a se-
guinte :

4 Tenente-coronel commandante.
4 Officiaes do estado-maior.
2 Do estado-menor.

3 Companhias com:
3 Capitães.
6 Subalternos.
16 Inferiores .
30 Cabos, cornetas , etc.
272 Praças.
Ao todo 333.

Presentemente o corpo não tem tenente-coronel, nem major,


nem ajudante.
Ha tambem uma secção de companhia de reserva com dous su-
balternos, 6 inferiores, 6 cabos e 95 praças .
Ao todo 110 .
Total da força activa e de reserva 443 praças e officiaes.
64 -

Do batalhão estão destacados 8 praças na villa, a disposição da


autoridade policial .
Para o serviço da guerra Alenquer tem concorrido com o se-
guinte contingente :

Guardas nacionaes designados .. 59


Ditos voluntarios 18
Ditos recrutados .. 7
Recrutas paizanos . 12

Total .. 96

RECORDAÇÕES HISTORICAS . -Os habitantes guardão a tradição de


que a sua villa não teve sempre assento no lugar que hoje oc-
cupa, mas sim muito acima, ao pé da boca do Curuá-panema, e
apontam o pequeno povoado d'este nome como sendo o seu berço .
Os escriptores que tem tratado da geographia e historia da
provincia fallam sempre de um lago Súrubiú que os habitantes não
conhecem.
Este desacordo é devido, segundo penso, a uma simples confu-
são de nomes: o pretendido Surubiú dos geographos não é mais
do que o mesmo lago Curuá.
Alenquer tinha com effeito originariamente o nome de aldea de
Surubiú ou Surubijú , nome que pertence a uma ilha e que o
povo dá ainda a secção do ramo septentrional do Amazonas no
curto espaço por elle percorrido entre a ponta oriental da ilha
Arapiry e a occidental da do Juruparipucú.
Si a tradicção dos habitantes é exacta a aldea Surubiù era a
mesma dos Barés , na foz do Curuá, rio que provavelmente não
teve esta denominação senão muito mais tarde .
A aldea pertencia a administração dos reverendos Capuchos da
Piedade, distinctos missionarios que, como os Carmelitas e Fran-
ciscanos, contrastavam com os Jesuitas que deixaram com seus
ultimos actos no Pará e Amazonas uma fama deploravel.
65

Não pude certificar-me da data em que a aldea foi transferida


para a margem do Paranamirim; deve porem tel o sido muito an-
tes de 1758 , por isso que n'este anno foi ella, já no lugar em que
se acha, elevada a cathegoria de yilla com o appellido de Alen-
quer.
Esta cathegoria foi-lhe caçada em 1832 , mas esta injustiça foi
reparada 16 annos depois, em 1843 , pela lei provincial n . 140
que lh'a restituio.

Arcozello, hoje Curuá . A excepção da villa , a unica povoação


que existe no municipio é a do Curuá a que ha pouco alludi , o
velho berço de Alenquer.
Esta pequena povoação está encostada à ponta das terras altas
e consta apenas de 19 casas, quasi todas cobertas de palha e dis-
postas em uma linha, um pouco curva . Cada uma das principaes
tem um quintal ou terreno, coberto de cafeseiros, algodoeiros ,
macacheira, alem de larangeiras, mangueiras e outras plantas taes
como a cana de assucar, pacovas e limões .
Esta povoação data de 1849 , em que um morador de Alenquer ,
o sr . Raymundo Simões , que negociava para o Curuá, construio
alli uma barraca que logo converteu em casa regular; outros a
seu convite e exemplo fizeram em 1853 o mesmo , e assim for-
mou-se a povoação.
E' na chapada de terra firme, em cima da actual povoação que
existia, até 1758 , a velha aldea dos Barés, que n'esse anno foi
graduada com o titulo de Logar de Arcozello , mas d'onde pouco
depois foram seus moradores tirados por ordem superior para irem
povoar a nova villa de Obidos.
Desde então ficou extincto o velho Arcozello, que agora começa
a renascer de suas cinzas .
Esta expressão é exacta, pois a esplanada, onde outr'ora existio
a aldêa, e onde se vê ainda os restos de alicerces de casas, pedaços
de louça antiga e algumas sepulturas, tornouse tão fertil que vai-
66 -

sendo quasi toda cultivada com plantações de algodão , café , tabaco


etc, atrahindo assim para o logar as vistas e attenção de muitas
pessoas.
Ao O desta povoação , ao pé da foz do Mamaurú , e tambem en-
costada a mesma terra alta , ha cerca de 12 cazas , que não são
separadas senão por plantações de cana, café, larangeiras, algodo-
eiros, constituindo outro nucleo de povoação, que pouco dista de
Curuá, com a qual se communicam os habitantes em poucos mi-
nutos.
A fertilidade do terreno e a affeição dos moradores para a cul-
tura permittem esperar que estes dous grupos de casas se aug-
mentem e venham a formar brevemente uma boa e unica po-
voação.
V.

SANTAREM.

Summario.-VIAGEM A SANTAREM; ASPECTO, SITUAÇÃO, CLI


MA, E ESTADO SANITARIO D'ESTA CIDADE . - RE-
SENHAS ESTATISTICAS . - LIMITES DO MUNICIPIO.-
INDUSTRIA, NAVEGAÇÃO E COMMERCIO . - RECOR-
DAÇÕES HISTORICAS .

Descendo-se de Alenquer pelo seu Paranamirim , deixa-se suc-


cessivamente as boccas dos dous lagos Curumú e Uruxy á es-
querda , á direita o furo Sumaúma que segue ao S e vai sahir de-
fronte da ilha Juruparypucú ; á esquerda a bocca do Lago Capim-
tuba que serve de limite entre os municipios de Alenquer e San-
tarem; e, 6 a 8 milhas abaixo e com rumo S E entra- se em pleno
Amazonas defronte da ponta oriental da ilha das Barreiras, fican-
do na costa a esquerda a bocca do lago Paracary, que se fez co-
nhecido pela pretendida cura da morphéa, com o suco da herva
que lhe dêo o nome .

Passada aquella ilha e acompanhando- se a grande de Aritapera


a direita , deixa-se successivamente as do Tapará e Palhão à es-
querda.
O rio toma n'esta secção o nome pouco euphonico de Urubu-
cuacă, segue em grande estirão no rumo S S O, com largura de
2,500 metros, descreve no fim uma vasta curva para E com lar-
gura de 2 a 3,000 metros e tem logar então a sua soberba junc-
ção com o seu ramo meridional que , passando pelas barreiras do
Ecuipianga e Paricatuba, chega agora ahi já reunido com as aguas
do Tapajós, cuja barra está acima 5 milhas.
Desde a ponta Aritapera começa-se a avistar as serras e colli-
68

nas de Santarem para onde é preciso navegar contra a corrente


do dito braço meridional .
Pouco depois entra-se nas aguas do Tapajós que em contacto
com as barrentas e esbranquiçadas do Amazonas, apresentam uma
côr apparente e comparativamente negra que lhe valeo o nome
de Rio Preto .
As collinas estão a esquerda; passa-se a da fortaleza que pro-
jecta de sua base uma ponta em arco para dentro do rio e está-se
então no porto e vê -se a cidade de Santarem em toda a sua frente .

ASPECTO. A primeira impressão que se sente ao entrar-se


nas aguas do Tapajós é um pouco confrangente , e seria triste si a
graciosa prespectiva dos montes e a presença do edificio da casa
da camara, recentemente construido, não attenuasse o effeito pro-
duzido pela cor escura do rio , e pelo facto de se não ver a cida-
de se não quando se está já dentro de seu porto.
Assim para quem chegá do lado inferior do rio não ha uma
vista muito agradavel .
Esta cidade porém vista da bocca do Igarapé-uassú ou , ainda
melhor, a 3 milhas acima da povoação , apresenta aos olhos o mais
bello aspecto que se encontra em todo o Amazonas e seus afflu-
entes brasileiros . E' uma vista tam pitoresca, tam cheia de or-
natos da naturesa que viria involuntariamente a imaginação
de um poeta a idéa de saudar a cidade como a Rainha do Ama-
zonas.
Santarem está situada a margem direita do Tapajós em um
terreno que desce com ligeiro declive de S. N. a 5 kilimetros da
juncção deste rio com o braço meridional do Amazonas.
Posição astronomica é 2° 24' 52" lat . S.
11° 33' 11 " long . O (Rio de Janeiro . )
Altura acima do nivel do mar 16 metros .

SALUBRIDADE . - Ha 25 annos o dr. Lucas, medico da expedi-


69

ção da Boulonnaise ao Amazonas , exprimia-se nos seguintes ter-


mos a respeito de Santarem :
« A temperatura é muito elevada e varia de 28.º a 30.º centigr .
Os ventos reinantes sopram ordinariamente de E. Com tudo , as
vezes, e geralmente no começo das enchentes , e emquanto ellas
duram, em dezembro , janeiro, fevereiro, março etc,, apparecem
ventos do S.
« Quando reinão estes ventos, ha quasi sempre muitas molestias,
taes como as colicas nervosas, desynterias, febres e molestias dos
olhos.
«A lepra é endemica.
«As colicas e desynteria são devidas principalmente a humi-
dade trasida pelos ventos do S. , sempre acompanhados de chuvas .
«A agua do rio que os moradores erdinariamente bebem, é
tambem uma causa energica d'estas molestias . >>
As condições sanitarias de Santarem são hoje incontestavelmen-
te melhores . Podem mesmo serem excellentes talvez, si os habi-
tantes se resolverem a ser mais cuidadosos n'este interesse, e si o
governo mandar realisar a obra já estudada e orçada de encana .
mento d'agua do Irurá, obra essencial para a saude publica em
Santarem .

A collina sobre que está a velha fortaleza, agora em recons-


trucção, devia ser destruida em beneficio não sò da salubridade.
publica e da commodidade dos habitantes, mas tambem em bene-
ficio dos cofres publicos, visto ser a fortaleza uma obra inutil e de
mero luxo.
Essa collina é a causa do calor, as vezes suffocante, que duran-
te o dia reina na povoação , porque impede o livre curso aos ven-
tos de E, que não chegam a cidade senão já quebrados e enfra-
quecidos.
A camara municipal concordando com a opinião do engenheiro
que deo o plano da casa da camara e cadeia, reconheceu a conve
-- 70

niencia de mandar construir esse edificio a E da collina, fora da


cidade .
Foi um meio de aconselhar os habitantes a procurarem de pre-
ferencia esta parte para ahi formarem suas habitações .
Como, porém, o que determina a escolha das povoações é a
commodidade e a conveniencia do commercio, e este acha na en-
ceada a OS O da collina um abrigo mais seguro para os seus
barcos e maior facilidade para o movimento de suas cargas, tem a
camara e alguns moradores em vão tratado fazer extender a ci-
dade para aquelle lado .
A povoação consta de duas partes distinctas: a cidade propria
que fica muito conchegada ao morro da fortaleza , e a aldea que
se estende para 0.

Esta que ha 15 annos era ainda exclusivamente habitada por


descendentes de indios , começa a ser invadida pela cidade e ahi já
apparecem algumas casas bem construidas que contrastão com as
cabanas de palha dos velhos indigenas .
A cidade compõe-se de varias ruas, travessas e praças com 310
casas, 15 das quaes não são habitadas ou estão em ruinas .

Uma excellente e bella igreja matriz , tratada e conservada com


esmero, bastante espaçosa e dedicada á N. S. da Conceição .
Um cemiterio bem construido , mas collocado em logar muito
superior a cidade , o que não deixa de ser um inconveniente.
Um elegante paço municipal, recentemente edificado conjunc-
tamente com a cadêa que faz parte do mesmo edificio .
Taes são os estabelecimentos publicos de Santarem, havendo
entre os predios particulares alguns construidos com gosto e am-
plas commodações.
Segundo uma nota estatistica que o juiz municipal e delegado
de policia. o sr . dr. Pinheiro Corrêa franqueou -me , a população
da cidade é apenas de 1761 habitantes, numero que eu considero
como o minimo calculado.
71

Os 1761 habitantes são assim classificados :

Nacionaes .. 1711

Entrangeiros . 50
Adultos .. 697
Menores . 1064
Viuvos . • 34
Casados ... 169
Solteiros .. 1558
Do sexo masculino .... 750
Do sexo feminino ..... 1011
Livres . 1339
Escravos ... 422

Quanto as occupações são :


18 empregados publicos.
73 commerciantes.
96 artistas
341 lavradores .
O numero de pessoas que não tem occupação conhecida sobe a
1233 .

Este numero parece muito avultado; mas convem observar que


n'elle se acham comprehendidos os menores, os escravos e mu-
lheres.

Quanto as rendas dos habitantes da cidade consta o seguinte :


Possuem
De 100% a 500 000 ..: 170 pessoas.
De 500$ a 1000 000 . 26
De 1000$ a 20005000 . 10
De 2000 a 40008000 ... 6
De 4000 a 100005000 .. 1
Sem rendas conhecidas .. 1548
Ha actualmente dentro da cidade 30 casas de commercio de
seccos e molhados , por grosso e a retalho, comprehendido n'esse
numero um armazem.
72 --

Em 1867 havia somente 27.


Fora da cidade ha 11 d'essas casas, cujo numero em 1867
era de 6 .
Alem das casas de commercio a cidade conta os seguintes es-
tabalecimentos industriaes :

1 fabrica de licores e de vinho de cajú.


2 drogarias.
2 padarias
1
3 sapaterias
3 ferrarias
1
1 tinturaria
1 officina de relojoeiro
1 dita de funilaria.
1
1 dita de fogos de artificio
1 dita de latoeiros
4 ditas de alfaiates
5 ditas de marcineiros
1 casa de bilhar

Nos suburbios ha 2 olarias em que se fabricam telhas e tijolos,


e em uma das quaes se prepara cal de pedra.
INSTRUCÇÃO PUBLICA. -Em Santarem ha 2 escollas primarias 1
para meninos e 1 para meninas .
Em 1867 as primeiras foram frequentadas por 92 alumnos ; e
no 1.º trimestre do corrente anno a frequencia tem sido de 115 ,
A do sexo feminino foi frequentada em 1867 por 23 alumnas
e no 1.º trimestre do corrente anno o tem sido por 23.

RENDAS PUBLICAS .-As rendas provinciaes arrecadadas pela res


pectiva collectoria derão nos annos financeiros abaixo declarados o
segninte resultado :
1847a 1848 .. 5 :453 191
1848 a 1849 .. • 6:589$748
1851 .. 4:032$756
-73.

1852 ... 3:983$690


1853 . 4:527$186
1867 ... 11 : 866$199

Estes dados podem servir para comparar as arrecadações ha-


vidas n'estes ultimos 20 annos .

As rendas geraes arrecadadas pela respectiva collectoria no


anno financeiro de 1866 a 1867 importaram em réis 6 : 479 $504
sendo de renda propria 3 : 7395049 , extraordinario 81 $ 600 , de-
posito 2 : 658 $ 855.
As rendas da agencia do correio no exercicio de 1867 a 1868
importaram em 947 $ 870 .

PARTE JUDICIARIA. -A cidade de Santarem é a cabeça de uma


comarca da 2. entrancia e d'um termo que comprehende o
municipio da cidade e os de Alenquer, villa Franca e Itaituba.
N'ella reside o Juiz de Direito e o Juiz Municipal que acu-
mula as funcções do de orphãos .
O tribunal do jury reune-se ahi regularmente.
No forão servem
1 tabelião de notas que é tambem official do registro geral das
hypothecas e 3 escrivães .
Tem 2 bachareis formados que exercem as profissões de advo-
gado e 2 procuradores de causas não provisoriados pela relação
do districto.
O numero de hypothecas realisadas até o presente é de 12, no
valor total de 64 :062/065 .

PARTE ECCLESIASTICA . -Santarem é a residencia de um Vigario


Geral que tem sob sua jurisdição todas as parochias existentes nas
3 comarcas do Amazonas .
Esta vigararia geral que é a 2.ª do bispado e tem a denomina-
ção de rigararia geral do baixo Amazonas, foi instituida em 17
de agosto de 1821 pelo rvd. bispo diocesano D. Romualdo de
Souza Coelho .
Vigarar
Geral
baixo
Amazona
.do ia
s

TITULOS
DAS DENOMINAÇÃO
DAS REGIÃ
EM O
QUE
POVO
. AÇÕES PAROCHIAS POVOADOS
PAROCHIA
A
PERTENCENTES
. ACHA
SE O
e lugares .
globadamente.

Cidade Масарá
. Guayanna
. 2.º
Pedro
militar
, olonia ry
cAragua
Villa
.. Mazagão
Arraiolos
. · Exposende
.,extincta
freguezia
Almeirim
Prainha
. Outeiro
Urubuquara
eou
., xtincto
Villa
. Mon
A- legrtee Ereré
.
Alenquer
. Curuá
.,antigo
Arcozelo
Cidade
.. Obidos Colonia
militar
extincta
.
Villa
. Fa
. ro «
Maraca
u
.- assú Amazonas
. eJuruty
freguezia
., xtincta
Cidade
.. Santarem Tapajós
. Pinhel
U
BC xituba
ury
,erasilia
-74-

titulo de villas, 3 missões e 7 logares.

Vil
...la
. Itait
. uba
Aveir
. o Santa
Cruz
.
Boim
..
Alter
Chão
do
.
.
Villa Vill
Fra
. nca a Bah
Ara pium
.. ia
Souzel
. .Xingú
Não obstante consigno aqui todas essas

Pombal
.
Veiro
. s «<<
Villa
. Porto
de
.Moz
Ella comprehendia n'essa epocha 18 parochias todas

Villarinho
do
.Monte
Villa
. Guru
. pă Amazonas
meri-
..
dional -Vista
Boa
,T
.eCarrazedo
apará
divisões en-
A jurisdição ecclesiastica hoje não comprehende mais as missões
com o
- 75 -

Ao todo a comarca ecclesiastica do Baixo Amazonas comprehen-


de 3 cidades , 8 villas , e 15 povoados , formando todas 22 paro-
chias .
A maior regularidade que ha hoje de communicações entre a sede
do bispado (capital da provincia) e as comarcas de Macapá e Guru-
pá, e a difficuldade de relações d'estas com Santarem aconselham
uma alteração na actual divisão ecclesiastica. Nada mais , todavia
acrescentarei a este respeito .

PARTE ELEITORAL . -A parochia de Santarem dá 27 eleitores .


A cidade é a sede de um collegio eleitoral para o qual concor-
rem alem dos eleitores da sua freguezia, os de Alenquer, Villa
Franca, Boim, Itaituba e Aveiro, formando um total de 61 elei-
tores.
A ultima das mensionadas freguezias (Aveiro) deve dar 8 elei-
tores, mas até o presente não se tem alli procedido a eleição .

PARTE MILITAR. -Em Santarem não ha pessoal militar; quanto


ao material militar ha alli algumas peças destinadas a fortaleza
que se está reconstruindo .

A guarda nacional do municipio tem a organisação seguinte :

1 batalhão que é o 26. da provincia.


1 Companhia de reserva .
O estado maior e menor do batalhão tem :
1 Tenente-coronel commandante .
4 Officiaes subalternos.
2 Ditos inferiores .

Divide-se em companhias com:


6 Capitães.
12 Subalternos .
25 Inferiores.
48 Cabos, cornetas e tambores.
684 Praças.
- 76-

Ao todo 782 praças e officiaes .


A companhia de reserva consta de
2 Capitães .
5 Subalternos .
12 Inferiores.
6 Cabos.
228 Praças .
Ao todo 253 .

Total do batalhão e da companhia, 1,035 , praças e officiaes.


COMMANDO SUPERIOR . - Toda a guarda nacional das 2 comarcas
de Obidos e Santarem está sobordinada ao commando superior
do municipio d'esta ultima cidade . Acha-se organisado do modo
seguinte :
Estado maior geral

1 Coronel commandante superior.


1 Tenente-coronel chefe do estado maior .
2 Majores ajudantes d'ordens .
1 Capitão secretario geral .
1 Capitão qnartel mestre .
Estado maior dos corpos .

5 batalhões .

1 secção de batalhão , inclusive 2 officiaes aggregados.


4 tenentes-coroneis commandantes .
1 major ajudante .
21 subalternos do estado maior.
14 inferiores do estado menor.

Tem 6 companhias do serviço activo .


1 de reserva .
3 secções de companhias de reserva.
Todos, inclusive os aggregados contam :
31 capitães .
67 subalternos.
-77-

127 inferiores .
281 cabos, cornetas e tambores.
4411 praças.
Ao todo 4,964 , praças e officiaes .
D'este total tem sido tirado para o serviço da guerra actual.

3 voluntarios para o exercito .


199 voluntarios da patria.
384 designados .
30 recrutados.
Ao todo 616 .

Da guarda nacional d'este commando superior achão-se desta-


cados dos respectivos corpos, a saber:

Em Santarem . • 50 praças
Em Itaituba .. 14 <«<
Em Alenquer . • · a
Em Obidos . 72 «

Total dos destacados . . . . 144

O municipio de Santarem tem concorrido com o seguinte con-


tingente para a guerra :

Guardas designados ... 85


voluntarios. 53
« paro o exercito . 2
« recrutados ... 12

Sommam 152
295

Paizanos voluntarios ... 21


« recrutados... 46
Sommam . 67

Total ... 219


78

Eis aqui o contingente com que cada municipio das 2 co-


marcas tem concorrido para a guerra, comprehendidos guardas
nacionaes e paisanos, recrutados, voluntarios e designados

Faro .. 57

Alenquer . 96
Obidos .. 121
Villa Franca . 124
Monte Alegre . • 129
Santarem .. 219

Total .. 746

DESCRIPÇÃO . O municipio de Santarem limita-se ao Norte com


Alenquer pelo ramo principal do Amazonas, e pelo igarapé e lago
Capintuba, e com o de Monte Alegre; a E com o d'este ultimo
por terrenos desconhecidos; a Oeste com os de Villa Franca e ao
Sul com o de Itaituba e com a provincia do Matto Grosso por ter-
renos tambem desconhecidos .

O seu territorio, na parte conhecida , é pouco extenso e offe-


rece toda a variedade de accidentes physicos. Planiceis, varzeas
e campos nas ilhas e margens do Amazonas, muito apropriadas
não só para a producção do cacão e outros vegetaes uteis , mas
igualmente para a creação do gado vaccum e cavallar .
Terras altas, collinas, mesmo montanhas, ainda , qne pouco no-
taveis.

As collinas começam junto a cidade e prolongam-se para E


formando uma linha extensa e um pouco curva que vai terminar
na Ponta do Pacoval , á margem esquerda do rio Curuá cujo nome
tomou . Ellas apparecem tambem a OSO proximo a um ou outro.
ponto da margem direita do Tapajoz , mas como montes isolados ;
taes são os do Tapaciá, do Cururú e da Piroca .
Ao S. e proximo da cidade as serras Panema e do Irurá que
----
- 79

dirigem -se para o Sul com alguma inclinação a SO , como que


indicando de longe o valle do Tapajoz .
Nas serras gosa-se de uma temperatura agradavel e as terras
ahi e nos valles são de notavel fecundidade. Não succede, porém,
assim na zona comprehendida entre os valles e as margens do
Tapajós desde sua foz até Aveiro, por ser muito arenosa; ella não
offerece grande vantagem a cultura, como o indica a vegetacão
acanhada e as vezes rachitica que mal cobre a sua superficie.

RIOS . O Amazonas banha a parte septentrional do municipio ,


o Tapajós a occidental e o Curuá a oriental.
Fallarei aqui sómente d'este ultimo , reservando para a segunda
parte o que tenho a dizer quanto aos dous primeiros.
O rio Curuá do Sul ou Curuá de Santarem (appellido com que
muitos o destinguem do Curuá-panema ou Curuá d'Alenquer) è
uma corrente de importancia secundaria quanto ao volume de suas
aguas e ao seu curso não mui longo. E ' formado por dous ramos
principaes: o Curuá proprio e o Una , ambos ainda não explora-
dos.

O primeiro é o mais extenso ; corre no meio de campinas ao


rumo NO e conflue com o Una.

Este ultimo corre por entre serras que ficam ao Se SE də


Santarem; acompanha um pouco o Tapajós; é interrompido por
muitas cachoeiras, que se acham muito acima de sua confluencia;
depois segue para E e reune-se ao Curuá .
Na Ponta do Pacoval, cerca de 15 milhas distante do Amazo-
nas, e onde a serra que vai de Santarem curva-se para S E, o
Curuá, já reunido com o Una, devide-se em dous braços.

O da direita, que ao principio é o mais largo, passa ao S e a E


das Barreiras que apparecem ao pé da bocca do Curuá recebe a
direita o Tamucury e muito mais abaixo o Igarapé Grande a es
querda e logo entra no Amazonas com o nome de Cuçary .
80 -

O braço da esquerda segue o rumo geral do Ne sahe no Ama-


zonas ao pé das Barreiras e em frente da ilha d'este nome.
O Ituki e o Marcá cujas entradas se vê abaixo da foz do Tapa-
jós , não são senão dous defluentes do Amazonas que percorrem as
varzeas e igarapés da margem direita e terminam pouco abaixo em
uma unica bocca.

POPULAÇÃO DO MUNICIPIO. - Segundo as resenhas, que reputo


muito defficientes e incompletas, colhidas pelos inspectores de
quarteirão, o numero total dos habitantes do municipio é de 4,847
individuos inclusive 89 estrangeiros.
Em 1830, época em que a população era incontestavelmente
muito menor, a estatistica achava para o municipio 5,255 mora-
dores, e no relatorio que o sr . conselheiro Brusque apresentou a
assembléa em 1862 consta que a população do municipio de San-
tarem era:
Em 1848 ... 6,662.
1849 ... 6,883 .
1850 ... 7,301 .
1854 .... 7,894.
1862 ... 7,568.

INDUSTRIA FABRIL . -Em Santarem ha uma fabrica de vinhos de


cajú como já ficou referido . E ' propriedade do sr . Silva Rabello
(Joaquim Honorio), homem intelligente e laborioso .
N'esse estabelecimento fabrica-se vinho extrahido do cajú em
maior porção e de outras fructas em menor quantidade, bons lico-
res, aguardente e um pouco de vinagre .
Extrahe-se excellente oleo de cumarú e o de ricino em porção
mui limitada .

As machinas empregadas no estabelecimento são:

1 Engenho de cortar e esmigalhar fructas.


1 Prensa.
81

1 Cylindro para extracão de oleos .


2 Aparelhos destilatorios de Egrot .
O producto annual da fabrica regula, termo medio:
5,000 Litros de vinho de cajú .
8,000 Garrafas de licores .
Aguardente.
Vinagre .
Oleo de Cumarú.

Os vinhos, bem que uma ou outra vez sejam muito adocicados .


já, em abono de sua boa qualidade mereceram ao seu laborioso
fabricante dous premios que. como se sabe, se não dão por em-
penho, nem por attenções pessoaes: mas sim por merecimento
real reconhecido por juizes competentes e imparciaes . Estes pre-
mios foram :

Uma medalha de prata dada pela exposição nacional do Rio de


Janeiro.

Uma medalha de cobre dada pela exposição Universal de Lon-


dres.
Para quem sabe quam valiosos são esses documentos , nada
mais é preciso para ter a certeza de que os vinhos de cajú fa-
bricados pelo sr. Rabello merecem a estima dos apreciadores .
Infelizmente isso não é bastante para combater o habito em
que estamos de julgar que o que vem do estrangeiro , embora
pessimo, é sempre melhor do que o nosso, ou o nacional, em-
bora optimo .
Consome-se no nosso paiz muito vinho ; (ordinariamente de sa-
bugueiro e campeche) muito licor de cascas de pao, de beterra-
bas e batatas , que nos chega de differentes partes do mundo com
bellos nomes, bella cor e tambem bello preço: bebemos esses
charopes assucarados, pagamos mais caro e ficamos muito satisfei-
to da droga que nos vai arruinar o estomago , preferindo-a ao vinho
de cajú que pode ser tam util a saude.
82

Seja a falta de consummo destes vinhos ou seja qual for a cau-


sa, é certo que a fabrica de que se trata , bem que já conte uma
existencia de 15 annos, não tem feito progressos, não está ainda
consolidada; pelo contrario tem indicios de decadencia,
A que se deverá attribuir este facto ? Estou persuadido de que
a causa do mal está na falta bem conhecida de espirito de associa-
ção entre nós .

Em assumptos de industria agricula ou fabril, ninguem procu-


ra imitar os bons exemplos que nos dá a Europa, como é o das
associações; ninguem quer comprehender que as associações é que
podem crear, nutrir , fazer produzir e prosperar estabelecimentos
industriaes que precisam de um capital um pouco mais avultado
do que o commum da nossa mesquinha industria.
Um industrioso , as vezes com grande dispendio e sacrificios ;
funda uma fabrica ou qualquer outro estabelecimento e , como
não ha quem o ajude a supportar as despezas do costeio
e os juros do capital emprestado, abandona o estabelecimento para
não se arruinar, ou si insiste arruina-se com elle .
Mas ordinariamente cada qual obra por si, inventa o que bem
The parece, faz o que quer, entende-se só comsigo , não quer
companhia nos lucros que sua ambição imagina, nem precisa que
por interesse commum lhe desvende os olhos; e quando vai mal ,
reconhece, já tarde , que o seu egoismo o perdêo .
Não sei se o sr . Rabello procurou assosciados e não os achou,
ou se achou-os e não os admettio .
Felizmente, se a decadencia do seu estabelecimento só é ap-
parente, ainda é tempo de salval-o ; basta que o fortifique com
algum capital maior do que o actual, chamando a coadjuval-o al-
guns capitalistas ou negociantes, que provavelmente se não recu-
sarão a isso, porque està provado que o producto é bom, e tanto
basta para que a especulação não seja desvantajosa.
A cal que se prepara em Santarem não é senão um producto
83 -

de industria extrativa. Ella não provem de uma fabrica especial,


mas sim de uma das ollarias de telhas e tijollos , pertencente a
um negociante portuguez o sr . A. J. da Silva e Souza.

A cal é extrahida de pedras vindas das margens do Tapajós ,


perto de Itaituba , sendo queimadas no mesmo forno de coser te-
lhas, juntamente com estas .
A fabrica não está ainda montada convenientemente ; mas o seu
industrioso proprietario espera brevemente fazel-o , e então poderá
obter por anno 24,000 alqueires , em lugar de 6 a 8,000 que
hoje fabrica. O preço d'este artigo é actualmente de 15400 réis
por alqueire .
Na Ponta da barreira de Paricatuba, ha, segundo me consta ,
um estabelecimento igual ao do sr . Silva e Souza, de Santarem .
No sitio denominado Patacho ao pé das Barreiras do Ecuipi-
ranga e da foz do Lago Grande, ha outro estabelecimento identico
aos antecedentes.

Tive a satisfação de ver este estabelecimento onde , ao contra-


rio do habitual , reina muita actividade e promptidão methodica
no serviço , provavelmente porque este é pessoalmente inspeccio-
nado pelo seu proprietario, o sr . capitão Mattos , que alli reside
com sua familia.

As pedras d'onde se extrahe a cal são vindas tambem do Ta-


pajoz em batelões que as condusem para a ollaria levando ella
em troca para Itaituba as telhas, tijolos e a cal já preparada.
O modo de obter este producto é o mesmo empregado em
Santarem na ollaria do sr . Souza; o forno em que as pedras são
queimadas é o mesmo destinado as telhas .
Na 1. fornada de pedras queimadas conjunctamente com as
telhas que occuparam tres quartas partes do forno, obtem o sr.
capitão Mattos 300 alqueires de cal .
Na 2.ª o producto subio a mais de 1,200 alqueires , o sr
Mattos contava tirar em junho uma fornada de 2,000 alqueires .
84

Estes estabelecimentos podem ser muito vantajosos e impor-


tantes si os seus proprietarios realisarem a construcção de um fʊr-
no especial, como tratavam de fazer .
A difficuldade ou demora da conducção das pedras calcarias
para a ollaria do sr. Mattos poderá desapparecer logo que da en-
ceada do Ecuipiranga ou do porto do Arapiuns ao sitio do Pata-
cho na margem do Amazonas, se tenha aberto uma estrada pela
qual os carros transportem as pedras alli chegadas de Itaituba. Para
isso basta alargar o caminho existente atravez do estreito isthmo
que separa as duas margens dos dous rios-Amazonas e Ara-
piuns.

INDUSTRIA AGRICOLA . -Em Santarem, como em toda a pro-

vincia, como em quasi todo o paiz , é a primittiva ; é o que nos


ensinaram os primeiros portuguezes que conquistaram a terra aos
indios e, pode-se dizel-o sem receio , é mais ou menos igual a in
dustria indigena .

Ha, porém, alli um ou outro cidadão que procura com empe-


nho afastar-se do carril antigo, abrindo novo e mais recto cami-
nho á prosperidade e ao progresso .
E' o que ao menos affirma com bom fundamento uma infor-
mação de cidadãos distinctos residentes n'aquella cidade em uma
informação official onde acho o seguinte trecho :
«
Excepção feita do estabelecimento agricola de Pinto & Irmão
onde se tem introduzido a pratica de alguns dos modernos proces-
sos de trabalho no emprego das machinas e instrumentos que ten-
dem a diminuir os exforços artificiaes e poupando os naturaes, e
tem por isso a sua producção obtido vantagens reaes não só na
quantidade como na qualidade dos productos ; -os demais lavra.
dores que em sua quasi totalidade se entregam a cultura do ca-
cảo, em cujo trabalho limitam-se apenas a limpar a arvore plan-
tada por seus antepassados, desconhecem absolutamente os meios
de aperfeiçoar e melhorar os seus systhemas de producção . »
85 -

O cacáo é com effeito o genero que occupa quasi exclusiva-


mente os braços dos lavradores , e a sua cultura dentro do mu-
nicipio só se fazia até hoje nas varzeas do Amazonas .
Ha 4 ou 6 annos , porem, segundo as informações que tenho ,
alguns lavradores observando que haviam sitios onde esta planta
produzia bons fructos, resolveram tentar a sua cultura nas terras
firmes do municipio de Itaituba á margem do Tapajoz , e o resul-
tado tem sido o melhor possivel . Isto indica que tende-se em fim
a abandonar-se os lamaçaes das varzeas trocando-os por terras
enchutas para este genero de cultura.
D'este artigo exportou-se em 1867 pelo porto de Santarem
75,506 arbs . de cacão .
O guaraná não é cultivado no municipio, mas sim no de Itai-
tuba, d'onde vem para Santarem. A quantidade exportada em
1867 foi de 1746 lbs, ou 54 arbs. e 18 lbs.
O feijão é cultivado em pequena escala; todavia em 1867 hou-
ve uma exportação de 161 alqs . para a capital .
E' um producto muito estimado porque o seu uso como ali-
mento sadio e nutritivo vae se generalisando na provincia, mor-
mente na capital .
O fumo (labaco) cultiva-se tambem em pequenas porções . A
exportação no anno passado foi de 6 arbs.
Alem dos generos mensionados cultiva-se somente em quanti-
dade sufficiente para o consumo domestico, a mandioca , o café ,
o milho, e o arroz .
A creação de gado é tambem uma industria interessante muito
da predilecção dos principaes habitanies de Santarem , mas como
nos mais municipios d'esta comarca e da de Obidos, ella se repar-
te por grande numeros de pessoas tendo cada uma sua pequena
porção de gado .
Os campos aliás, não são muitos e nem muito extensos, limitan-
do-se aos de Aritapera, aos do continente entre o Tapara e o dis-
tricto de Monte Alegre, e alguns ao S O de Santarem.
86

E' por essa razão que os principaes creadores tem suas fazen -
das nos campos do Lago Grande do municipio de Villa Franca e
nos de Alenquer.
Esta industria resultou para a exportação do anno passado os
seguintes productos :
37 cabeças de gado .
852 arrobas de carne secca .
51 ditas de sêbo.
3805 couros seccos e salgados .

No mesmo anno foram exportados 45 cavallos .


A pesca produzio para a esportação no referido anno 11,741
arbs . de pirarucú .
A caça que podia ser uma importante industria do povo , por
ser muito abundante e variada, é completamente despresada . O
acaso, e quasi sempre a fome é que a põe em acção . Ella produzio
na exportação 2207 libs. de pelles de veado.
Quanto a industria extrativa vegetal os productos exportados
em 1867 foram os seguintes :

Salsaparrilha . 454 arbs.


Gomma elastica ..... 5,651 འ
Castanhas da terra . 16,766 alqs.
Ditas de sapucaya .. 107
Oleo de cupahiba . . . • 6,800 libs.

O municipio de Santarem, ou para exprimir-me com maior exac-


tidão , os municipios do Tapajoz são ricos de madeiras estimadas
para todo o genero de construcção e de fina marceneria. A ex-
portação d'este producto ; si alguma ha, não figura em documen-
tos officiaes senão em quantidades insignificantes .
E' escusado referir a abundancia que ha de quadrupedes esti-
mados como caça, e já se vio que esta industria não tem existen-
cia real no paiz .
87 ----

Aves aquaticas e ribeirinhas, que se contam por milhões, povc-


am as margens dos rios e lagos, nos quaes a despeito do modo, as
vezes quasi selvagem, com que se exerce a industria da pesca ,
existe ainda uma prodigiosa quantidade de peixes de differentes
qualidades, bem como bom numero de tartarugas de diversas
especies .
No reino mineral não se tem até hoje descoberto artigo algum
de interesse para o commercio. Para a industria existe em massas
collossaes e inexgotaveis a pedra calcaria que forma um vasto es-
trado d'esde as cachoeiras do Maranhão no Tapajoz até as do Cu-
pary, seu ultimo affluente oriental .

N'este ultimo rio se encontram tambem quantidade de gesso ,


o asbesto lenhoso e o amiantho ; estes productos, porém não são
ainda approveitados.

NAVEGAÇÃO E COMMERCIO. - Relacionados os generos de produc-


ção espontanea e insdustrial, resta conhecer os meios pelos quaes
são transportados do interior para Santarem e de Santarem para
o mercado da capital.
O primeiro d'estes movimentos se effectua em canôas denomi-
nadas de regatão que entram pelos rios e lagos, vendendo aos mo-
radores do interior as mercadorias que levam e comprando-lhes
ou tomando a frete os generos da terra para conduzil- os a Santa-
rem .

As montarias e igarités do interior e dos municipios visinhos


conduzindo directamente ao porto os generos que recebe ou des-
carregando-os naquellas canôas .
Ha 20 annos o numero e qualidades de embarcações que ali-
mentavam este commercio era de 52, com uma lotação total de
93,990 arrobas, segundo uns apontamentos do intelligente e anti-
go negociante d'aquella cidade , J. Gouzennes, já fallecido ; as
embarcações que então existiam no municipio eram as seguintes:
88

LOTAÇÃO TOTAL
QULIDADES DAS EMBARCAÇÕES .
POR ARROBA.

4 Galeota ... 210


13 Botes .. 9,020
9 Igarités 4,360
6 Vigilengas 8,500
4 Batelões 8,600
2 Barcos .. 4,500
13 Cobertas . 36,900
1. Patacho . 6,000
3 Escunas . 15,900

52 93,990
N'essa epocha que a rapida carreira do vapor deixou ja muitos
seculos longe de nós , eram tambem os barcos de vela que faziam
1
exclusivamente o commercio entre Santarem e a Capital, com
aquella lentidão e fatigante espera que o vento as vezes minorava ,
mas que a marè de vazante e a inexoravel m ultidão de insectos
sucçores faziam mil vezes insuportavel .
Hoje , como consequencia da rapidez e regularidade da nave-
gação a vapor, que põe , por assim dizer, em contacto com a capi-
tal os portos do Amazonas, facilitando as transacções , salvando mui-
tos e grandes interesses commerciaes, o numero de barcos a vela
destinado a navegação entre as duas cidades , apesar do desenvolvi
mento consideravel , do commercio tem soffrido uma diminuição
sensivel; ao passo que as canôas de regatão que giram pelo in-
terior, appresentam um resultado opposto .
Estas ultimas eram em 1867 em numero de 14 , numero que
se elevou no corrente anno a 26.
D'aquellas outras, porem, havia no mesmo anno somente 6 , e a
actualmente este numero continua a ser o mesmo.
Graças a sua vantajosa situação junto a confluencia dos dous
grandes rios, onde se constituem, por assim dizer, um centro de
união mercantil entre as capitaes das tres grandes provincias do
89

N. O, a cidade de Santarem entretem um commercio activo com


o porto de Belem por intermedio dos vapores da companhia do
Amazonas ; com os districtos visinhos que trasem a seu porto em
pequenas canôas uma extraordinaria variedade de generos; e com
Cuyabá, por meio de canôas especiaes denominadas igaritės e
ubás que annualmente descem das immediações do Diamantino
trasendo couros, pequenos diamantes e ouro em bruto que trocam
por sal, ferro, aço , polvora, chumbo , louça, vinhos e guaraná,
com que elles regressam para os pontos de sua procedencia .
Reunidos em Santarem tantas e tam variadas especies de ge-
neros, os vapores da 1.ª e 7.ª linha de navegação da companhia
do Amazonas effectuam o seu transporte para o mercado de Be-
lem, tocando aos barcos de vela uma pequena porção que ora re-
presenta a 8. , ora a 4.ª parte, conforme os volumes ou quali-
dades dos artigos .
O movimento das mercadorias do Pará para aquelle porto é ef
fectuado igualmente pelos vapores da companhia que em suas
viagens redondas alli tocam regularmente 6 vezes por mez .
O valor da importação no anno de 1867 , segundo as tabellas
annexas ao Relatorio da directoria da mesma companhia, unico
documento que existe para se conhecer esse movimento , foi de
549:8765900.
Este algarismo refere-se unicamente ao valor das mercadorias
inportadas em Santarem pelos vapores da companhia não existindo
( ao menos publicados ) outros documentos que mostrem o valor
das importadas por barcos de vela . Creio, porem, não commetter
erro muito sensivel calculando -o em uma 4.ª parte do importado
pelos vapores.
Assim teremos..

Valor de generos importados em Santarem , a saber :


Em vapores .. 594 : 876 $900 .
Em barcos de vela . 148 :719$225 .

Somma.. 743:596$126 .
- 90 -

O valor dos principaes generos exportados para Belem no re-


ferido anno, segundo documentos officiaes que tive a minha dis-
posição , importou em 778 : 738 $ 250 .

Todo o movimento commercial entre os dous portos foi, por-


tanto , de 1,522 : 334 $375 .

Confrontada a importação com a exportação vê- se que esta


excedeo à aquella em 35 : 142 $ 135 .

Não me sendo possivel, pe lo motivo já expendido, conhecer


todos os artigos de importação com suas quantidades e valores ,
limito-me a appresentar aqui a seguinte tabella somente do que
diz respeito a exportação .

TABELLA das quantidades e valores dos principaes


generos de Santarem em 1867 para do porto da ea-
pital da provincia .

GENEROS . QUANTIDADE E UNIDADE . PREÇO . VALORES .

Cacáo . 75,506 arrobas a 6$490 483:238$400


Café .. 15 7$500 1128500 1
Carne secca . 852 5$500 4:686$000
Castanha .. 16,766 alqueires . 4$090 67:064$000
« sapucaya .. 107 10$000 1 : 070$000
Cavallos .. 45 150$000 6:750$000
Couros bovinos .. 3,805 5$000 19:0253000
< de veado .. 2,207 libras ... $800 1:76 $600
Feijão .... 161 alqueires · 4$000 644$000
Gado bovino ... 37 cabeças 50$000 1 :850$000
Gomma elastica . 5,751 arrobas 20$000 115 :0208000
Guaraná ... 54 arbs . , e 18 lbs . 60$000 3.273$750
Oleo de cupayba 6,800 libras $600 4:080$000
Pirarucu . 11,741 arrobas .. 58000 58: 705$000
Salsa.. 454 243080 10: 896,$000
Sebo . 51 88000 408$000
Tabaco . 6 25$000 150$000
Vinho de cajú.. garrafas 36 duzias ...

Valor total da exportação .... 878:738$250


91 -

Immigração americana . - Não quero recordar aqui o delapso


do enthusiasmo que em 1865 e 1866 se desenvolveo em quasi
todo o imperio pelo immigração americana , quando o espirito de
especulação mercantil voltou suas vistas para este ponto de inte-
resse publico .
Recordarei somente que o primeiro signal dessa especulação e
abuso, quanto a provincia do Para, manifestou-se de um modo
muito claro na primeira proposta de Landsford Hastings, antigo
empresario de emigração para a California , exigindo entre outras
cousas singulares 10 leguas de terras devolutas por um e cada um dos
5 navios empregados no transporte de americanos ao Pará , (pa-
gando o governo as passagens), devendo os emigrados regerem-
se por suas proprias leis e regulamentos, independentemente das
leis e regulamentos do imperio .
O Governo Imperial a quem a presidencia enviou o proponente
com a proposta informada, fez-lhe algumas alterações e autorisou
a presidencia a fazer com aquelle empresario um contracto segun-
do as bases que remetteo .
Fez-se o contrato de conformidade com o que o Governo deter-
minou, concedendo- se favores importantes ao empresario, alguns
aos immigrantes, e nem-um ou nem-uma garantia real ao pais
quanto aos interesses da lavoura.

Desde logo um individuo , pseudo engenheiro , de appellido Sim-


pson, principal companheiro de Hastings e a quem o governo da-
va alimento, appresentou para ser paga uma conta exorbitante de
um alinhamento das terras escolhidas em Santarem , figurándo
elle na conta com uma diaria de 83000 além de despezas de co-
mida e de outras.
A conta, não obstante, lhe foi paga.
Como o empresario estava obrigado a appresentar no Pará den-
tro de 6 mezes pelo menos 100 colonos , mandou-se preparar
abarracamentos para recebel-os , mas não vieram senão depois de
8 ou 10 mezes; e o empresario declarando as difficuldades com
92 -

que luctou para trazel-os, pedio pagamentos de despezas feitas in-


clusive com a publicação de um folheto, e declarando elle mesmo
que em virtude da demora dos colonos estando nullo o contracto
pedia ser nomeado director da colonia com ordenado fixo e outras
garantias e vantagens para si .
Tinham vindo cerca de 160 colonos, escolhidos ou tirados , se-
gundo geralmente se afiança , da classe peor que ha nos Estados-
Unidos; marinheiros e soldados que serviram contra o governo da
Republica, individuos que nunca souberam cultivar terras , cutros
que não achavam arranjos em parte alguma, e muitos que prova-
velmente fugiam da justiça que lá os perseguia .
Toda esta gente foi para Santarem viver a custa do governo .
Nem-um tratou de formar estabelecimentos, nem mesmo roças

porque fiavam-se na grande generosidade do governo e muito na


caridade publica .
Depois alguns que por um ou por outro meio conseguiram ar-
ranjar o necessario para pagarem sua passagem , foram- se retiran-
do para os Estados -Unidos, havendo entre elles uns que depois
de terem recebido dinheiro do governo trataram de sahir do pais .
Um d'elles allegou que ia ver sua familia e dispoz os arranjos
precisos para voltar com ella a esta sua nova patria.
Hoje a colonia de Santarem está extinta por assim dizer . Dos
colonos que ainda existem uns subiram o rio e estão tirando se-
ringa e apanhando castanhas, outros andam pelas povoações sem
occupação regular .
Não me quero demorar em fazer considerações a respeito d'es .
te assumpto, que nada tem de agradavel. Demais, nada adianta
para o governo da provincia que tem a sua disposição todos os
documentos para melhor conhecel - o .

RECORDAÇÕES HISTORICAS . - Eu indiquei já a origem da denomi-


nação do Rio Preto dada ao Tapajoz . O nome de Topajós com
que é hoje mais conhecido, foi-lhe dado mais tarde para desig-
93

nas-se o rio em cujas margens habitavam os indios de igual ap-


pellido . Era o rio dos Tapajóz , como o Tocantins era o rio dos
Tucantins e o Amazonas o rio das Amazonas.

Não entro aqui na questão sobre a origem dos Tapajós ; con-


tento-me em dizer com Berredo que eram oriundos das Indias
Castelhanas de que se haviam separado, retirando-se até a mar-
gem d'aquelle rio onde viviam tranquillamente negociando com
outros povos que os iam procurar .
Depois da conquista do Pará os portuguezes começaram a ex-
tender suas excursões pelo Amazonas ; mas as diversas invasões
de hollandezes e inglezes os detiveram por mais de 10 annos nos
estreitos limites do territorio conquistado, até que a espada glo-
riosa de Pedro Teixeira que foi no Amazonas o unico , mas bri-
lhante reflexo dos heroes lusitanos nas tres partes do velho mundo,
afugentando todos os inimigos europeos, deixou livre o caminho.
da conquista .
Os portuguezes começaram a fezer expedições pelo lado do
Amazonas, quasi sempre com o fim de trazerem escravos ; nunca
porem , haviam avançado alem da altura de Monte Alegre .
Em 1626 , Pedro Teixeira que por ordem superior subio aquel-
le rio em companhia de frei Christovão de S. José, religioso ca-
pucho de S. Antonio, em serviço do resgate de escravos , entrou
no rio Tapajos e abrio relações amigaveis com os indios que resi-
diam n'um sitio cuja discripção, dada por Berredo , parece ser a
da bahia de Alter do Chão .
D'esta epoca em diante as margens do Tapajos começaram a
ser frequentadas pelos portuguezes . Ignoro , porem, em que epoca
elles ou os missionarios induziram parte dos indios a se es-
tabelecerem no lugar que hoje é Santarem .
Mais de 40 annos depois da viagem de Pedro Teixeira, os
rvd. ° padres da Companhia de Jesus alli apparecêram e estabelece-
ram successivamente de 1668 em diante as missões seguintes ,
mui proximas uma das outras.
94 ---

Tapajós hoje Santarem .


Arapiuns Villa Franca .
Borary «< Alter do Chão .
S. Ignacio << Boim .
S. Josê « Pinhel.

Em 1694 em consequencia de receios de invasões de estran-


geiros , principalmente de franceses que ameaçavam de Cayena
entrar em conquista, mandou o governo portuguez extender for-
tificações por todos os pontos do Amazonas onde podesse ha-
vel-as.
Manoel da Motta e Siqueira, portuguez abastado , tão bom pa-
triota, como amigo do seu rei , offereceu -se para construir a sua
custa as fortalezas com a condição somente de ficar o commando
d'ellas a sua disposição .
Acceito o offerecimento , Manoel da Motta que em recompensa
foi nomeado superintendente das fortificações, mandou logo cons-
truir todas as que lhe foram indicadas pelo governador entre as
quaes a do Tapajós que em 1697 ficou concluida , sendo feita de
taipa de pilão, em forma quadrada com 22 braças de cada lado ,
tendo cada angulo um baluarte .
Com o estabelecimento da fortaleza a aldêa do Tapajós cresceo
e progredio, ao passo que outras ficavam estacionarias ou deca-
hiam .
Em 1754, o capitão general Mendonça Furtado deo -lhe a ca-
thegoria de villa com o appellido de Santarem, e em 1848 a
lei provincial n. 145 conferio-lhe o titulo de cidade .
Em 1773 os Mundurucús (Muturucus) assolaram todo o Ta-
pajoz com força armada, pondo em consternação os seus pacifico s
habitantes .

Esta valente nação que durante os 3 annos anteriores marchava


de victoria em victoria , sobre os indios que encontrava em seu
caminho desde as margens do Madeira, expellio ou reduzio os
99

margem direita do Tapajos, desde Santarem até perto de


Aveiro.

RECORDAÇÕES HISTORICAS. —AS margens da pittoresca bahia de


Alter do Chão parece que foram , como indiquei na parte relativa
a Santarem, a principal residencia da extincta familia indigena , os
Tapajós, tendo sido alli que Pedro Teixeira os foi encontrar pela
primeira vez, em 1626.
A aldêa ou, talvez , a bahia tinha o nome de Borary e foi com
este appellido que, mais de 40 annos depois da viagem de Pedro
Teixeira, os padres da companhia de Jesus alli estabeleceram
uma missão e governaram a aldêa .

Ignoro si ella teve jamais algum progresso sob a administração


d'estes missionarios ou como todas as outras aldeas , sujeitas a sua
jurisdição , florecêo somente até o ponto de ter o necessario para o
alimento dos moradores, não se conservando senão a custa de cons-
tantes descimentos de indios do Sertão para prehencherem as vagas
dos mortos e dos desertores .

Foi n'esta aldea que pela primeira vez se vio chegar de Matto
Grosso uma frota de canôas cujo chefe era o intrepido João de
Souza Azevedo .

Havia elle pelos fins de 1746 tentado explorações do territorio


de Matto Grosso, a procura de ouro, descendo o rio Sipotuba e
passando d'este ao Sumidouro até a barra do Arinos , onde en-
controu outro explorador , seu compatriota paulista, Pascoal Ar-
ruda, que andava em igual diligencia .

De spedindo-se d'este, desceo pelo Arinos e Tapajós até a barra


do Rio S. Manoel onde , segundo elle disse, experimentando a terra,
acima da barra, encontrou uma boa porção de ouro com que che-
gou a Borary, acompanhado de 60 escravos seus e dous camara.
das. O padre Manoel dos Santos, missionario Jesuita que go-

vernava a aldea, o deteve, não consentindo que proseguisse via-


100 ---

gem nem que regressasse a Matto Grosso, arrecadando em seu


cubiculo as canastras em que vinha o ouro .

Em vista da participação feita pelo commandante do forte do


Pauxys ao capitão General João d'Abreu Castello Branco , este
General expedio immediatamente ordens ao capitão da fortaleza
do Tapajós (Santarem) para que fosse Azevedo conduzido a cidade'
do Pará, deixando ficar os escravos que estavam empregados em
preparar roças de mantimentos destinados ao regresso do mesmo
explorador.

Apresentou-se Azevedo no Pará, manifestou ao General o ouro


que tinha extrahido do Rio das Tres Barras que é o mesmo S.
Manoel, e apoz longas indagações e averiguações , conseguio
não só justificar seu procedimento contra a ordem regia que pro-
hibia toda a qualidade de communicações por agua ou por terra
entre o Pará e as capitanias de Matto Grosso e Goyaz , mas tam-
bem a permissão de regressar pelo mesmo caminho , o que aliás
parece não ter realisado.

A aldea do Borary foi elevada a cathegoria de villa e freguezia


no anno de 1757. Deu-se por essa occasião um facto deploravel
que mostrou quam degenerada estava no Pará a sociedade reli-
giosa que em seus tempos heroicos teve a gloria de contar entre
seus illustres membros varões tam virtuosos e de tam grande
veneração para o mundo catholico, -os Anchietas e Nobregas.

Os dous missionarios jesuitas que administravam a aldea de


Borary, conhecendo que com a creação da villa e freguesia lhes
viria necessariamente a perda da influencia que exerciam , toma-
ram imprudentemente a deliberação de despir a matriz dos pa-
ramentos e vasos sagrados e, mettendo-os em frasqueiras , os re-
metteram para Belem com direcção ao Reitor do seu collegio .

Não contavam com as novas ordens em virtude das quaes todos


os artigos e cargas chegadas do interior erão sobmettidas a uma
101

vistoria, inclusive as dos missionarios , que até então tinham o pri-


vilegio de as fazer embarcar e desembarcar livremente.
Assim, logo que as frasqueiras chegaram ao Pará, proceden-
do-se a vistoria e dando-se com aquella profanação , communicou
o General ao revd . Bispo o facto á fim de que providenciasse
como julgasse de acerto.
Era isto em julho de 1757 .
O sabio e virtuoso Bispo ficou profundamente penalisado de
semelhante desacato ; mas já elle tinha visto cousa peor, pois que
os mesmos jesuitas tinham, poucos dias antes e em outra aldêa ,
profanado as imagens , tirando-as dos altares e removendo-as pa-
ra casas particulares e subtrahindo os vazos sagrados e enviando
todos esses objectos para a cidade escondidos no meio de
cacão e outros generos de commercio.
O Reitor do collegio á quem estes factos foram expostos não
deo providencia adequada no sentido de corrigir tanta impie-
dade ; pelo que força foi ordenar o governador a expulsão dos
missionarios delinquentes.

Pouco depois . a aldêa ou villa foi submettida ao regimem do dire-


ctorio que não abusou menos do que os missionarios do poder e
influencia de que a instituição o revestia .
Mais tarde foi esse directorio tambem abolido em beneficio da
liberdade dos indios.

VILLA- FRANCA . -Partindo de Alter do Chão para Villa-Franca


toquei , de passagem , na ponta occidental da peninsula Arapichuna
afim de reconhecer a foz do rio que com este nome ahi se lança
no Tapajós.
O reconhecimento, aliás mui ligeiro , d'este ponto era de algu-
ma importancia, não só para a correcção das cartas que represen-
tam a peninsula como uma ilha, mas ainda para o estudo do regi-
men do Amazonas.
1

102 -

D'aqui começou a apparecer ao NNO a povoação de Villa


Franca.

Nas horas em que os ventos não vem perturbar a superficie das


aguas azuladas e crystalinas da bahia, uma especie de espelhagem
dá, d'esta altura, á villa um aspecto de grandeza e formosura que
a realidade não confirma. Os accidentes naturaes , como as riban-
ceiras ou a praia de arêa de uma alvura notavel, entremeiada de
arvoredos e arbustos, perdem suas formas que se tornam regu-
lares e, confundindo-se com as pequenas casas cobertas de palha
côr de zinco , augmentam consideravelmente as proporções d'estas;
a povoação se mostra então como uma cidade ornada de bellos
edificios .
Uma pequena canoa de 2 pequenos mastros cuja altura , não
excedia de 6 metros, figurava como um brigue fundeado no porto .
A medida que me approximava da villa , todas estas imagens iam
desapparecendo ; cada objecto se destacava do grupo tomando ca-
da um suas fórmas naturaes , e quando abiquei na praia da villa,
toda a illusão se tinha dissipado .

Villa Franca està situada sobre terreno plano, enchuto e bem


arejado defronte da peninsula Arapichuna , junto a margem occi-
dental da bahia do nome da villa e abaixo da barra do rio Arapium
que lhe fica ao N.

Lavada por ventos de E que são constantes depois das 10 ho-


ras da manhã , privada de pantanos ou de igapós , e , por conse-
guinte isenta das emanações paludaes que em varios pontos da
provincia são causa constante de varias molestias, a villa reune
quasi todas as condições vantajosas de salubridade, sendo , depois
de Monte Alegre e de Obidos, a mais saudavel das povoações das
duas comarcas occidentaes do Amazonas.
Segundo se me affirmou , apparecem na villa alguns casos de
diabetes , molestia attribuida ao uzo das aguas do Arapium que por
alli descem a lançar - se no Tapajós .
95

Tapajós que em vão pediam soccorro contra os seus formidaveis


conquistadores.
Os Mendurucus, acompanhados de suas mulheres que lhes pre-
paravam as armas e provavelmente excitavam seus brios durante
os embates, depois de se apossarem de numerosas aldeas, foram
tambem medir-se com a guarnição de Santarem, atacando- a com
denodo e resistindo por muito tempo ao vivo fogo que se fazia
contra elles .

Desenganados, e vendo que lhes era impossivel obterem a


victoria, resolveram retirar- se .
Algum tempo depois d'estes acontecimentos, tratou-se e con
seguio-se fazer-se a paz com esta belicosa nação que tão valente
e corajosa se mostrou na guerra quanto desde então se tem mos-
trado sincera e leal a paz e fiel na amizade aos povos civili-
sados.
VI .

DE SANTAREM Á VILLA FRANCA


POR ALTER DO CHÃO .

Summario.-VISITA A ALTER DO CHÃO : SITUAÇÃO E ESTADO


D'ESTA FREGUESIA; RECORDAÇÕES DA SUA HISTO-
RIA. -VILLA FRANCA : ESPELHAGEM ; SITUAÇÃO
E ESTADO DA VILLA ; SUA TRANSFERENCIA PARA
ECUIPIRANGA . O SEU MUNICIPIO. -O PESQUEI-
RO REAL . NOTICIA GERAL, SOBRE AS POVOAÇÕES
DO TAPAJÓS : VILLA BOIM, AVEIRO , ITAITUBA E
OUTROS LOGARES.

ALTER DO CHÃO . - Partindo -se de Santarem para Villa Franca


a direcção do caminho é pela maior parte o mesmo para Alter do
Chão: acompanha-se a costa meridional , arenosa e as vezes um
pouco empedrada , no rumo , ao principio O N O até, a grande
ponta denominada Maria Josepha, ficando de permeio a do Salé ,
2,500 metros, mais ou menos , distantes da cidade ; depois a
OS O , deixando-se a esquerda o outeiro esboroado do Tapucia
junto a margem, e o serro Piroca no centro entre a costa ca ba-
hia d'Alter do Chão , mas que por sua altura parece mui proximo
da margem, e emfim o monte do Cururú com sua ponta , da qual
parte um baixo de arêa alvissima que se interna um pouco pelo
rio no rumo SSO, que é tambem o do rio d'alli para cima .
A ponta Cururú que determina, como uma balisa , a mudança
de direcção do rio , assignala tambem a entrada da longa bahia de
Alter do Chão que se prolonga ao SE cerca de 5 milhas.
No extremo d'essa bahia e na sua margem meridional está a
-97

freguezia de Alter do Chão que appresenta uma vista agradavel,


de longe, com immediações mui pittorescas e aprasiveis.
A povoação compõe-se da igreja matriz situada n'uma praça
com casas somente d'um lado, e de duas ruas alinhadas a cordel ,
partindo ambas da mesma praça para Oeste. Ha mais duas casas ,
uma das quaes em construcção.
A igreja, da invocação de N. S. da Saude , é coberta de telha .
Bem que nada tenha de notavel , é o edificio umico que avulta, e
de longe mostra um certo realce. Por falta de auxilio dos cofres
provinciaes ou , antes , de espirito religioso dos habitantes , as obras
do altar acham-se mui damnificadas e carcomidas ; o resto da
igreja e de seus pertences estão em estado decente.
As casas são todas mais ou menos iguaes em fórma , altura e
material; são mui pequenas, excepto a do vigario , terreas e co-
bertas de palha.

O numero total d'ellas é 47 , das quaes 36 em bom estado ,


10 cahidas ou estragadas e 1 em construcção .

A população é de 138 pessoas inclusive as que habitam nas


immediações ; classifiquei essa população do modo seguinte :
ལུ་

Homens . · • 32 . Mulheres .. 50
Meninos .. 23 Meninas ... 25
Escravo menor . 1 Escrava maior .. 1

56 76

A freguezia dá 4 eleitores de parochia que votam no collegio


de Santarem.
O estado de decadencia a que chegou a povoação aconselhou o
governo a cassar-lhe a cathegoria de villa, em 1841 , sendo -lhe
conservada somente a de freguezia .
O districto policial está annexo ao de Santarem.

A bahia, defronte e ao N. da povoação é separada de um lago,


98

que lhe fica a N E, por uma peninsula de area de 8 a 12 metros


de largura, ficando encostado a praça da povoação um estreito ca-
nal de communicação .
O lago é rodeado de terras altas formando varios seios a E e
ao S. terminando todos em cabeceiras de pequenas fontes que
descem dos montes visinhos .
O terreno ao N da povoação , do outro lado da bahia e do lago
offerece uma paisagem e aspecto tão risonho como pittoresco ; ao
NO ergue-se o serro Piroca que d'este lado se appresenta do
mesmo modo que da margem do Tapajós, d'onde o acompanhamos
tendo-o sempre a vista ; é inteiramente despido de arvores , mas
todo coberto d'uma tenra graminea, desde a base até o ponto
mais alto.
Ao N. está o serro da Avenca em cuja face occidental se dis-
tinguem as camadas de sua estratificação em degraos semi circu-
lares .
Ao NE . emfim vê-se a lin ha irregular da serra Panema que
de Santarem vem correndo a SO.
Quando visitei Alter do Chão , o seu rvd. parocho achava-se
suspenso do exercicio de suas funcções pela respectiva autoridade
ecclesiastica. Não obstante, cuidava com zelo na conservação e
aceio da igreja, mostrando com satisfação o que ella tinha de me-
lhor e com pezar as ruinas que appareciam, mas que elle não ti-
nha meios de evitar .

Não se havendo para alli mandado outro sacerdote, o povo ,


privado dos soccorros da igreja, mostrava-se afflicto e desgos-
toso, por que, diziam-me umas pobres mulheres, nem para a
hora da morte ha um padre para confessar ! »

Este mal ; segundo sou informado, vae ser sanado pela auto-
ridade competente .

As terras de Alter do Chão , a excepção dos valles ou quebra-


das das serras, não são ferteis ; participam da natureza das da
103

A povoação está em completa decadencia . « Isto está a acabar! »


diziam-me ali alguns moradores com certa tristeza e resignação
annunciando uma verdade que não precisa de demonstração .
A capella que serve de matriz è uma casa coberta de palha a
que o rvd. parocho com seu zelo habitual tem dado todo o aceio
e decencia compativel com a capacidade da mesma capella. Quem
vê o exterior d'essa casa, entrando n'ella tem a certeza de que
ha ali um parocho que comprehende e sabe cumprir o seu dever .

MUDANÇA DA VILLA . —A velha matriz construida pelos indios no


empo dos jesuitas , seus missionarios , durou até 1848 .
Os habitantes trataram de levantar outra pedindo auxilios dos
cofres provinciaes que lhes não foram dados, porque em 1846 à
lei provincial n. 129 havia autorisado a mudança da villa para a
barreira do Eucupiranga (margem do Amazonas) , o que só devia
se effectuar depois que os moradores tivessem construido n'esse
logar igreja, casa da camara e cadêa.
Os moradores de origem india pediram então a revogação da
ei, e não foram attendidos ; mas desejosos de não verem d'ali
sahir a villa, trataram de levantar nova igreja e a presidencia os
auxiliou , dispensando de qualquer outro serviço as praças da com-
panhia de trabalhadores que n'esse tempo existia, para se em-
pregarem na obra da igreja , cujos alicerces e paredes foram cons-
truidos com brevidade .
As cousas ficaram n'este pé , talvez porque julgaram os habi-
tantes que era isso bastante para que a villa não fosse mudada .
Em 1859 , tendo a obra parado completamente , fallou- se com
algum calor na mudança; os mesmos individuos que em 1848 pe-
diram a revogação da lei citada, vieram a capital requerer a pre-
sidencia que não fizesse mudar a villa .
O presidente não achou o menor inconveniente em attender a
esse pedido, e mandou sobrestar na transferencia porque ainda
- 104 -

não tinha sido cumprida a disposição do art. 2.º da lei que impu-
nha aos moradores a obrigação de construir no logar a igreja, casa
da camara e cadêa.

A presidencia fez o que a lei ordenava e não podia proceder de


outro modo; mas os moradores continuaram a deixar a igreja no
estado em que se achava antes, porque tinham conseguido o seu
fim .
Uma lei do anno passado autorisou a despeza de 12 contos de
réis com a conclusão da igreja.
A lei existe, a quota está determinada, só resta que a presiden
cia mande proceder a obra.
Villa Franca foi primitivamente uma povoação indiana que ti-
nha o nome de Aldea dos Arapiuns, conforme a denominaram os
seus missionarios os revds . padres jesuitas que a administraram e
governaram até o anno de 1757 em que foi elevada a cathegoria
de villa.
A sua igreja de invocação de N. S. da Assumpção foi na mes-
ma occasião elevada a matriz da parochia sendo logo para ali
nomeado um vigario .

Em quanto teve indios para o trabalho, ella conservou- se ; mas


apenas cessaram os descimentos começou a decahir e hoje é ape-
nas uma sombra de que foi , uma denominação e não uma villa.
A casa da camara e cadêa está começada e parada ha muitos
annos , e receio muito que nunca seja concluida.
O cemiterio está bem cercado; mas cheio de matto, e o mesmo
succede a estremidade meridional da villa.

POPULAÇÃO . O numero de casas da villa é mui diminuto , e o


dos seus habitantes é apenas de 143 pessoas classificadas do modo.
seguinte:
30 homens.
27 meninos .
105

2 escravos maiores.
2 ditos menores .

Somma 61
52 mulheres.
25 meninas.
3 escravas maiores.
2 ditas menores.
Somma 82

Total .. 143

INSTRUCÇÃO PUBLICA. -A escola de ensino primario em 1867


foi frequentada por 25 alumnos.
No primeiro trimestre do corrente anno o estava sendo por 29.
Não ha escola para as meninas da villa que ficam assim priva-
das de aprenderem ao menos a assignar seus nomes.
Em Villa Franca como em Alenquer e em Faro não ha agen-
cias de correio.

RENDAS PROVINCIAES . -Pela collectoria provincial tem sido ar-


recadadas nos annos abaixo declarados as seguintes quantias :
Exercicios. Rendas.
1847 a 1848 ... 85450000
1848 a 1849 ... 1 : 135 000
1851 ... 925600
1852 .. 867$720
4853 . 1 :113$160
1867 .. 2:750 000

RENDA GERAL . - Nenhum esclarecimento pude obter a respeito


a arrecadação das rendas geraes d'este municipio.
106 -

ELEITORES . -A freguezia elege 10 eleitores. Todos votam no


collegio eleitoral de Santarem.

GUARDA NACIONAL. -O batalhão da guarda nacional do muni-


cipio é o 27° da provincia. A sua organisação é a seguinte :
1 Tenente-coronel commandante .
6 Officiaes subalternos do estado-maior inclusive 2
aggregados.
2 Ditos inferiores do estado-menor.
Está dividido em 4 companhias com os seguintes officiaes e praças :
6 Capitães, inclusive 2 aggregados .
13 Subalternos , sendo 1 aggregado .
20 Inferiores, dos quaes são 7 aggregados .
43 cabos e 6 idem.
594 Guardas.
Ao todo 705 praças e officiaes.
Pertencem ao commando superior de Santarem. Todos os offi-
ciaes e praças estão fardados .
O districto d'este batalhão comprehende não só o municipio de
Villa Franca, mas tambem o de Itaituba.
N'esta ultima villa estão destacados 41 guardas nacionaes do
mesmo batalhão.
O batalhão tem concorrido com o seguinte contingente para a
guerra actual:
Guardas nacionaes ... 65
Idem voluntarios da patria .. 32
Idem recrutados .. 8

Somma .. 105
Além d'estes, foram remettidos para o
serviço da guerra, paisanos recrutados . . . . 19

Total do contingente ... 124


- 107 -

O municipio da villa limita-se :


Ao N com o de Obidos e Santarem .
A E com o de Santarem .
AoS com o de Itaituba.
A O com o de Obidos.

Comprehende algumas serras que se acham ao longo e proximas


a parte superior do Lago Grande e do Salé , taes como as do Cu-
rumucury, Igarapeuassú , Piraquara ou S. Sebastião , e Aracury,
e a do Axicará a O e proxima a margem esquerda do Arapiuns .
Acima das cachoeiras d'este ultimo rio , ha segundo informações ,
algumas serras mais notaveis do que as antecedentes .
O terreno, a excepção das campinas do Lago Grande é alto
sempre enchuto , as vezes accidentado.

Os campos são muitos extensos, quer os descortinados do Lago


Grande , quer os cobertos ou cerrados como os que começam a O da
villa e acompanham em grande parte a margem direita do Arapium.
Entre os rios figuram :

O Amazonas que por seu ramo passa em uma pequena fracção


do municipio, desde a foz do Lago Grande até a barreira do Pa-
ricatuba.
O Tapajós que serve de limite com o de Santarem .
O Arapium, tam largo como o mesmo Tapajós com o qual
conflue abaixo de Villa Franca.

O Igarapé das Fazendas que, como já descrevi, atravessa os


campos do Lago Grande, é actualmente limite entre os municipios.
da Villa Franca e de Obidos.

Entre os lagos tem primeiro logar não só no municipio mas em


ambas as comarcas de Santarem e de Obidos, o que por excellen-
cia se chama Lago Grande, a que aliás as cartas antigas e moder-
nas dão uma extensão 6 vezes maior do que a real.
Vem depois o lago do Salé que è notavel e em fim muitos ou-
tros menos importantes situados ao pè da margem esquerda do
108

Tapajós entre Boim e Villa Franca e notadas como rios na carta


Montravel.
As terras do municipio ora são aridas e pouco aproveitaveis,
como as dos campos abertos ou mesmo dos cerrados, ora são de
pasmosa fertilidade como a maior parte das da costa sul do Lago
Grande desde o Igarapé da Onça atè o do Tacumini .
Em alguns d'estes pontos , taes como ao pé d'este igarapé, e na
enceada do Cururú, vi sitios nos quaes todas as plantas intertro-
picaes lançadas na terra vegetam com grande vigor e produzem
abundantes fructos . A falta, porém, de braços não permite aos
seus diligentes proprietarios cultivar generos em quantidade su-
perior as necessidades de consummo e ao regalo domestico .
Os productos vegetaes espontaneos não são tam abundantes
como em outros municipios da comarca .
A castanha é rara.
A salsa desconhecida.
A gomma elastica começa a apparecer no districto de Boim,
mas tanto para o centro do paiz e por caminhos tam máos que o
seu transporte torna-se mais penoso do que a colheta.
A creação de gado é industria geral nas campinas do Lago
Grande, e mesmo nos campos de terra firme que lhe ficam visi-
nhos ; mas os criadores que ali tem fazendas são quasi todos dos
municipios de Obidos e Santarem.
N'esses campos e campinas ha 52 fazendas de creação de gado
vaccum .

A pesca é uma occupação em que se emprega um grande nu


mero de pessoas . Esta industria porém é perturbada por confli
ctos resultantes do pessimo costume, autorisado por lei, de se fa-
zerem tapagens dos lagos e igarapés, costume que felizmente aca-
ba de ser combatido na assembléa provincial onde está em discus-
são um projecto de lei prohibindo essas tapagens.
Na villa onde hoje não ha industria alguma, existia ainda ha
109

poucos annos a do fabrico de pacarás, bahús, chapéos e outros

objectos curiosos e muito estimados , feitos de fibras vegetaes prin-


cipalmente tiradas das plantas das familias das Bromeleaceas e
Phoenicaceas .

Estes artigos eram fabricados, ao meno originariamente , por


mulheres de raça indigena, havendo uma mestra que recebia da
provincia uma gratificação annual de 100 000 que lhe concedia
a lei provincial n . 50. Hoje difficilmente se obtem alguns artefa-
ctos d'essa especie .
A industria de mineração não existe n'este municipio nem em
parte alguma da provincia.
O unico estabelecimento industrial de importancia que existe
no municipio é o da preparação de cal na olaria do sr . capitão
Pedro José de Mattos . Já mencionei em outro logar o que sei a
este respeito .

PESQUIERO REAL . -Fallando da industria da pesca, devo recor-


dar aqui um d'esses estabelecimentos que nos tempos coloniaes
costumava o governo crear para commodidade e abundancia dos
habitantes e as vezes como fonte de renda: refiro-me aos pesquei-
ros chamamados reaes, qualificação que então se dava a todos os
estabelecimentos mantidos a custa do real erario .
Entre esses pesqueiros havia um no Lago Grande , na costa da
terra firme entre o igarapé Tacumini e a enceada do Jacaré .
O estabelecimento , dizem as informações que obtive , compu-
nha-se do seguinte :
1 Casa com tecto de palha, tendo 26 metros de comprimento
e 17 de largura .
Outra casa construida do mesmo modo , mas com 53 metros
de frente.

1 Armazem guarnecido de uma rampa de pedra e cal


4 Rancho de palho
110

Este estabelecimento , depois da independencia ficou pertencendo


a fazenda publica do Brasil, porque antes pertencia a de Portugal .
Em 1830 todos esses objectos foram avaliados por ordem da
repartição da fazenda em 1 : 508 $ 860 .
Mas a sua deterioração foi tam rapida que 8 annos depois uma
segunda avaliação chegou apenas a 365 $ 880 .
Nada mais existe hoje á excepção do terreno, que aliás é mui
fertil, e dos destroços da ultima casa que quando por ali passei
estava já quasi toda derrubada . Nada vale hoje .
E' a sorte de todos os estabelecimentos ruraes ou industriaes

mantidos e administrados pelo governo que , além de outros inco .


venientes, dá aos particulares pessimos exemplos de administração
em materias d'esta ordem .

BOIM. Na margem esquerda do Tapajós, cerca de 25 milhas


ao S da Villa Franca, está a freguezia de Boim, em situação mui-
to aprasivel, ao pé da ponta de S. Thomé .
Esta povoação teve por origem uma aldea de indios fundada e
missionada pelos padres da companhia de Jesus que ali fizeram
construir uma capella com a invocação de Santo Ignacio , nome
que deram tambem a aldea.
Em 1758 foi elevada a cathegoria de villa com o nome que
ainda hoje tem . Em 1833 perdeo o predicamento de villa por
estar em grande decadencia, ficando-lhe porém o de parochia que
pela lei provincial de 1853 comprehendia o territorio da extincta
freguezia de S. José de Pinhel . Está hoje em notavel decadencia
e por assim dizer quasi extincta .
Dá 4 eleitores que votam no collegio de Santarem.

MUNICIPIO DE ITAITUBA. -Para completar a noticia geral sobre


as povoações do Tapajós resta-me fallar do municipio de Itaituba,
que em productos espontaneos é o primeiro e o mais rico da pro-
vincia.
111 -

A villa de Itaituba está situada a margem esquerda do Tapajós


aos 4° 16' 47" de lat . S e 55 ° 38' 0" de long. O de Greenwich
A povoação é moderna e deve sua origem á residencia de varias
familias de indios que alli foram estabelecer suas roças e a um
destacamento militar que ali se estabeleceo, não sei em que épo-
ca, mas que não è anterior a 1836 .
Itaituba estava ao principio sujeito ajurisdicção da freguezia de
Pinhel.

Sendo esta freguezia supprimida por falta de habitantes em


1853 , e incorporado o seu territorio a freguezia de Boim ficou
Itaituba sujeita a jurisdição d'este ultimo logar.
No anno seguinte passou a pertencer a nova villa de Brasilia
Legal creada pela lei n. 266 .

Em quanto todas estas povoações iam cahindo umas apoz ou-


tras sem lhes valer o titulo de villas e freguezias que tinha-lhe si-
do confiado, Itaituba florecia sem se encommodar com o perten-
cer a este ou aquelle districto .

Não tendo Brasilia Legal correspondido a dignidade e cathego-


ria que lhe deram com tam pouco escrupulo, resolveo- se então
fazer justiça a Itaituba para onde em 1856 a lei provincial n. 290
transferio a sede da villa e freguezia .
Por esta lei e pelo silencio que ella guardou a respeito do ter-
ritorio de Pinhel, ficaram pertencendo ao municipio de Itaituba,
este territorio, e o de Brasilia, as aldeas de Cury, Santa Cruz e
Uxituba e a freguesia de Aveiro .
O municipio da villa de Itaituba limita-se:
Ao N com os de Santarem e Villa Franca.
A O com territorios da provincia do Amazonas.
Ao S com territorios de Matto- Grosso.
A E com territorios desconhecidos .
O limite pelo lado oriental não se pode determinar no estado
112-

actual dos conhecimentos geographicos que temos do paiz; o mes-


mo se deve entender a respeito das linhas divisorias dos limites
acima indicados, porque o interior do paiz é totalmente deserto e
por conseguinte desconhecido .

AVEIRO. -Esta freguezia está situada à margem direita do Ta-


pajós em logar muito alegre a aprasivel, mas sem habitantes por
que ha ali formigas de fogo, verdadeira praga que acommette a
todo o mundo sem descanço , quer de dia, quer de noite .
Está creada uma escola de primeiras letras para esta freguezia;
mas não tem sido provida por não haver ali moradores.
Aveiro data de 1781 , época em que o governador J. de N.
Tello Menezes fez crear o logar com aquelle mesmo nome, fa-
zendo-o povoar com 200 pessoas .
Ignoro em que época foi creada freguezia, cujo orago é N. S.
da Conceição .
O logar prosperou ao principio e teve o titulo de villa; mas
tendo sido depois invadido pelas formigas de fogo , cada vez sua
maior porção, tornou-se inhabitavel.
Em 1833 , segundo Baena, a população era de 313 pessoas,
sendo 273 brancos e indios e 40 escravos .

O mappa estatistico da população da provincia em 1848 , anne-


xo em 1849 ao relatorio do presidente conselheiro Jeronymo Coe-
lho dava a freguezia 209 casas e 1,442 habitantes.
Mas o mesmo presidente dizia então no seu relatorio fallando
das freguezias :
«Ha umas 7 freguezias ou completamente despovoadas ou tam
decadentes que não podem continuar a subsistir . Taes são Aveiro,
Gurupy etc . >>
Ainda mais: No anno de 1847 a 1849 nos mappas do estado
da freguesia e nos dos collegios eleitoraes, a freguezia de Aveiro
não vem mencionada como as outras com um numero qualquer de
- 113 --

eleitores, mas sim com estas notas: - « Está despovoada esta fre-
guezia . >>
Não entro n'estes pormenores senão para fazer sobresahir a in-
fidelidade da informação dada a presidencia a respeito da popula-
ção de Aveiro.
Pouco acima de Aveiro está a foz do rio Cupary, tam preconi-
sado e famoso por suas terras de prodigiosa fertilidade e por al-
guns productos mineraes de importancia taes como o gesso, o
asbesto, o amiantho , pedras calcareas etc.

PINHEL. Está abaixo de Aveiro, na outra margem. Era a an-


tiga aldea de S. José estabelecida e missionada pelos jesuitas .
Nunca floreceu, mas tendo os seus missionarios feito descer
constantemente indios para ella, conseguiram conserval- a até 1758
em que foi elevada a freguezia e a cathegoria de villa com o nome
de Pinhel.
Subsistio com esses titulos até 1833 em que perdeo o de villa
e até 1853 em que ficou completamente despovoada ; foi extincta
a sua freguezia e annexado o seu districto ao de Boim , o qual no
anno seguinte passou , pela lei 266 , a pertencer a freguezia e mu-
nicipio de Brasilia Legal e pela mudança da sede d'este para Itai-
tuba, ficou pertencendo a esta ultima villa e freguesia.

SANTA CRUZ. -E' uma aldêa de Mandurucus, situada quasi de-


fronte de Aveiros na margem esquerda do Tapajós e pouco acima
de Pinhel.
Em 1848 a aldea compunha-se de 47 casas de paredes de
barro e tecto de palha, habitadas por 507 indios a saber :
262 Homens .
245 Mulheres .
Tinha uma igreja nova em construcção já coberta de palha e
faltando só o arco cruzeiro e a parede da frente; mas um incen-
--- 114 -

dio devorou-a em janeiro de 1849 , o qual communicou-se tam-


bem á igreja velha e a cinco casas reduzindo tudo a cinzas.
Os habitantes, guiados pelo seu zeloso missionario, construiram
logo outra igreja.

BRASILIA.Com o nome de Ponto de Brazilia Legal foi esta-


belecido na margem esquerda do Tapajós em 1836 , uma especie
de destacamento de cidadãos que voluntariamente se armaram para
repellirem os cabanos .

O terreno firme e solido desta paragem é mui limitado : os ala-


gadiços o cercam por toda a parte , de modo que os moradores ,
não tendo onde plantar, faziam do outro lado do rio como ainda
actualmente fazem, as suas roças, sendo unicos generos de cultura
o guaraná, café e tabaco .
Em 1849 havia 15 cabanas todas cobertas de palha . Não pude
obter o numero da população e de casas hoje existentes, por ser
o logar quasi deserto .

CURY. —E' outra aldêa de Mundurucús, situada n'um igarapé


do seu nome, ao pé , mas fóra da margem do Tapajós e pouco
acima de Brasilia Foi estabelecida em 1799.
Em 1846 só tinha doze casas e uma igreja velha e arruinada,
todas cobertas de palha . Fóra do centro da povoação, porém, ha
outras habitações . A igreja é da invocação de Santa Cruz .
Em 1849 era habitada por 299 indios, sendo 151 homens e
148 mulheres . Hoje tera, quando muito , a quarta parte desta
população .
Cultiva-se guaraná, mandioca e fumo.

UXITUBA. -Aldêa de Mundurucus , situada à margem direita


do Tapajós, pouco abaixo e quasi à vista de Itaituba.
115 -

Em 1833 tinha, segundo Baena, 48 casas cobertas de palha,


habitadas por 485 indios, 2 brancos e 4 escravos .
Em 1848 a população era de 343, sendo 181 homens e 162
mulheres e creanças. Hoje não tem mais do que 100 pessoas.
O orago da sua capella é N. S. da Conceição .
Como em todas as aldeas onde os indios não vivem em sua
liberdade natural e absoluta, os de Uxituba são indolentes e pou-
co fazem na lavoura, plantando todavia alguma mandioca, guaraná
e batatas, tudo o menos que é possivel.

ITAITUBA. -Já dei uma idéa ligeira d'esta villa ; resta-me ac-
crescentar :
Na villa ha 6 casas de commercio que negociam de permuta
com os indios fornecendo-lhes seus generos a troco da salsa , cas-
tanha, borracha, guaraná e outros productos e com as canôas de
Matto-Grosso que descem annualmente até Santarém .
A escola primaria foi frequentada em 1867 por 11 alumnos
e no primeiro trimestre do corrente anno por 10. Não ha escola
para o sexo feminino.

População. - A do municipio que é em sua grande maioria


composta de Indios de diversas familias e tribus , pode ser calcu-
lada em 30,000 almas .
Producções. - Não ha no Pará uma região tam rica de produc-
tos nativos como o municipio de Itaituba.
Em mineraes é fama e consta authenticamente que no Rio de
S. Manoel que por equivoco se tem denominado Rio das Tres
Barras encontrou o celebre João de Souza Azevedo uma boa
porção de ouro que elle trouxe ao Pará . Já alludi a outros mi-
neraes quando fallei do rio Cupary ; accrescentarei somente que
desde este rio até Itaituba e ás cachoeiras acima da villa, encou-
tram-se massas collossaes de pedra calcarea de que desde pouco
tempo se está tirando o proveito possivel .
1
116

Foi o missionario capuchinho Frei Gregorio de Garezzio quem


primeiro descobrio e aproveitou essas pedras mandando queimar
uma porção dellas e fazendo extrahir a cal precisa para as obras
da igreja da missão de Uxituba .
Depois desta experiencia, começaram alguns moradores dos
districtos de Villa Franca e Santarem a mandar procurar essas
pedras e, em suas olarias, a extrahir dellas a cal.

E' assim que hoje se obtem n'aquelles districtos esse impor-


tante producto que outr'ora se mandava comprar por alto preço
no Pará.

A cal que ali se obtem , talvez por causa da imperfeição do


seu processo, é um pouco trigueira, mas é bastante hydraulica.
Nos productos vegetaes é que consiste principalmente a riqueza
do municipio de Itaituba; basta mensionar os seguintes :
Castanhas da terra em grande quantidade .
Ditas de sapucaia , cujos fructos apresentam muitas vezes di-
mensões collossaes.
Cumarú .
Puchury-mirim .
Borracha em abundancia.
Salsaparrilha que é a de melhor qualidade que apparece no
mercado do Pará.
A fertilidade das terras é tal que si não fosse tanta a indolen-
cia dos habitantes, ellas seriam como um celleiro sufficiente para
abastecer de generos alimenticios toda a provincia do Pará.
Ali produz com abundancia o café, o cacáo, o arroz , milho ,
feijão e o guaraná.
Este ultimo genero é em Itaituba o que o cacáo è em Cameță,
Obidos, Alemquer e Santarém : é a cultura favorita dos habitan-
tes, e pode-se dizel-o, a unica a que se dedicam .
E' tambem o guaraná o genero que tem alimentado o com-
117--

mercio da villa com Matto-Grosso, servindo igualmente de centro


ás relações dos Indios Mundurucús e Maués que o fabricam, com
os habitantes da yilla que o compram para vendel-o depois aos
Cuyabanos que cada anno descem a procural-o .
Não preciso fallar das madeiras, porque n'uma região em que
a vegetação produz tam ricos e variados artigos é naturalmente
uma floresta inesgotavel em madeiras estimadas.
O peixe existe em prodigiosa quantidade em todo o rio abaixo
das cachoeiras, milhões de tartarugas , tracajás , jabotys e animaes
aquaticos, amphybios, ribeirinhos e terrestaes cobrem as praias,
durante o verão e povoam as margens e as florestas, fornecendo
abundante caça de todo o genero ; e todavia a industria da caça
está ainda em embrião.
VII .

MONTE -ALEGRE.

Summario.-VISITA A MONTE-ALEGRE ; O PORTO E A VILLA;


PANORAMA ESPLENDIDO . - SALUBRIDADE . ASPEC-
TO DA VILLA ; SUA IGREJA MATRIZ , CONDIÇÕES
LOCAES . -LIMITES E DESCRIPÇÃO DO MUNICIPIO ;
MONTANHAS , RIOS E LAGOS . —INDUSTRIA E COM-
MERCIO.

Regressando a Santarem, segui desta cidade para Monte-Ale-


gre, villa situada na Guayana .
Para se chegar ao porto desta villa, deixa-se o Amazonas em
frente da ilha do Frechal, entra-se com a correntesa pelo Parana-
mirim que segue ao N até encontrar -se o rio Curupatuba, e subin-
do-se um pouco por este chega-se ao porto da villa que está na
margem esquerda ou septentrional do mesmo rio.
O porto fórma uma povoação a parte, distante mais de uma
milha do logar da villa, sendo necessario, para chegar a esta,
subir por uma ladeira areenta e incommoda que vae quasi em
linha recta até o alto d'uma chapada onde ella está situada.
O terreno do porto é constituido por uma praia de area solta
originaria da montanha e augmentada cada anno, durante o inverno
por novas camadas d'esse elemento que, arrastadas pelas enchur-
radas , descem pela ladeira em rolos enormes, envolvendo tudo
que encontram, e pondo em perigo os moradores.
A povoação compõe-se de uma linha de casas que corre de S
a N da praia para cima até à entrada da ladeira, e de outra fileira
correndo de E a O, ao longo e um pouco afastada da margem.
- 119

O rio tem ali defronte 260 metros de largura e muito fundo,


para qualquer navio.
Do porto para cima não se encontra mais casa alguma até che-
gar-se a villa onde a ladeira vai desembocar ; ha, porem, á beira
do caminho algumas fontes de excellente agua, precioso lenitivo
para quera sobe a ladeira.

MONTE-ALEGRE. -Apenas terminada a subida, tem- se entrado


na praça da villa, no meio da qual destaca-se o bello e ainda não
concluido edificio da igreja matriz que, ao menos em presença
das casas em geral mediocres que ficam aos lados , apresenta um
porte magestoso que causa certa surpresa a quem pela primeira
vez visita esta povoação.

E' o unico monumento do Amazonas que representa pela arte


o que este grande rio representa pela natureza .
Monte-Alegre está junto á borda meridional d'uma alta chapada ,
cerca de 300 metros sobre o nivel commum das aguas.
Tudo quanto ha de grandioso e bello nas margens e immedia-
ções do Amazonas resume-se no risonho quadro que do alto d'a-
quella esplanada se desenvolve ante os olhos do homem .

O volume collossal da montanha Tauajury que se levanta ao N


da villa, a serra do Ereré a O com sua fachada escabrosa quasi
a prumo do lado N, o serro Maxirá e o Monte Grande que se
erguem do meio do campo como gigantescas torres conicas , e o
serro Paraizo que é o mais occidental, a vasta planicie cortada
pelo Amazonas e a longinqua linha de montes do Curuá que mal
se desenham no horisonte do lado do sul ; todos estes objectos
de formas e aspectos variados constituem um magnifico panorama,
o mais bello painel da natureza que é permitido admirar- se nas
duas provincias brazileiras do Amazonas.
Passemos, porém , ao assumpto principal.
120

Monte-Alegre não é somente um logar alegre e enriquecido de


panoramas graciosos ; é sobretudo importante por sua temperatura
menos elevada do que em qualquer outro ponto do Amazonas, por
sua athmosphera pura, por sua salubridade emfim, concorrendo
muito para isto a puresa de suas aguas nativas, circumstancia
tanto mais preciosa quanto é isto um phenomeno raro nas mar-
gens do grande rio .

CONDIÇÕES LOCAES .-Os accidentes do terreno dão tambem um


caracter especial ao logar ; quando se está em Monte-Alegre figura-
se que se está n'uma região inteiramente opposta a do Amazonas.
Este precioso concurso de circumstancias locaes não pode dei-
xar de exercer uma influencia benefica sobre os individuos . A ex-
periencia ensina que os habitantes dos logares montanhosos dif-
ferem sempre dos das planicies.
No pouco tempo que estive em communicação com os habitantes
de Monte-Alegre , pude apreciar, ainda que ligeiramente , algumas
dessas modificações, produzidas pela disposição do terreno , que
aliás não são tam diversas do resto da região que dêem uma dif-
ferença completa.
Notei nos moradores maior actividade do que em outros da
provincia, notei principalmente a sua dextresa na arte , ou , para
ser mais exacto, no habito da equitação, sua affeição muito pro-
nunciada ao torrão natal, e uma altivez ou independencia pessoal
que è, para assim dizer, como um typo do caracter local .
Desgraçadamente em Monte-Alegre não ha instrucção alguma
para o povo. Si lh'a dessem, aquellas qualidades se enobreceriam
mais, tornar-se-hiam mais sensiveis extendendo-se ao sentimento
moral . A provincia teria então muito a ganhar com isso .

RESENHAS DIVERSAS .-A villa contém um grande numero de


casas, todas cobertas de telha e, em geral, bem tratadas, quer no
121

exterior, quer no interior , onde não ha mobilias de luxo , mas


simplesmente decencia e aceio .

Não se vê porém isto nos pequenos casebres que se encontram


em alguns pontos da villa, nem na cadêa , pequeno quadrado com
grossas grades de pão, em fórma e com aspecto de um curral de
gado, ou jaula de feras .

Da casa da camara só vi a sala que está mobiliada com decen-


cia ; é tam acanhada que poderá difficilmente prestar - se ás ses-
sões da municipalidade e sobretudo do jury.
A igreja matriz , obra que faz muita honra aos monte- alegrenses
e ao seu espirito religioso , não está ainda concluida ; falta-lhe
uma pequena parte do arco cruzeiro, a coberta e as obras de
ornato.
Desde muitos annos serve de matriz uma pobre ermida parti-
cular que tem na frente um alpendre maior do que ella, obs-
truindo uma parte da praça.
O cemiterio está no extremo oeste da villa ; é espaçoso e está
bem fechado.
A população da villa é calculada em 750 habitantes.
A instrucçãp publica consta de duas escolas de ensino elemen-
tar da infancia.
No anno findo a escola de meninos foi frequentada por 22 e a
de meninas por 24 .
A frequencia de ambas as escolas no primeiro trimestre do
anno corrente foi a seguinte :

Do sexo masculino ... 36


Do sexo feminino .... 20

As casas de commercio são 9. N'ellas se vendem generos sec-


cos e molhados , e , na maior parte d'ellas se acham ao mesmo
tempo fazendas, liquidos, joias e viveres.
122

As rendas publicas são, como em todos os municipios, as mu-


nicipaes , provinciaes e geraes .
Das primeiras não tenho informações.
Pela collectoria provincial, nos annos abaixo declarados , foram
arrecadadas as seguintes rendas :

Exercicios Renda arrecadada

1847 a 1848 . 88$177


1848 a 1849 ... 4305500
1851 819 $331
1852 1 :016$762
1853 1 : 7945849
1867 1 :330$290

Das rendas geraes arrecadadas pela respectiva collectoria, não


pude obter esclarecimento algum.
A agencia do correio arrecadou no exercicio de 1867 a 1868 ,
a quantia de 1728110.
A freguezia dá 12 eleitores; estes e os 4 da freguezia da Prai-
nha, compoem um collegio eleitoral de 16 membros que em oc-
casião competente se reunem e votam na villa.
O municipio fórma um termo judiciario , subordinado á comarca
de Santarém ; é servido por um juiz municipal que accummula as
funcções do de orphãos.
Na villa reune-se regularmente o tribunal do jury presidido
pelo respectivo juiz de direito da comarca.
A parochia é subordidada á vigararia geral do Baixo-Amazonas .
E' servida por um parocho collado que é o unico sacerdote da
freguezia.
A guarda nacional do municipio fórma um batalhão , que é
25º da provincia, subordinado ao commando superior de Santarem .
A sua organisação é a seguinte :
123 -

Estado-maior : -
1 Tenente- coronel commandante.
4 Officiaes subalternos .
Estado-menor :-
2 Inferiores .
Compõe-se de 4 companhias contendo todas
4 Capitães .
7 Subalternos.
13 Inferiores.
34 Cabos.
4 Cornetas..
456 Praças.
Sommam 525 praças e officiaes. Estão todos fardados .
A este batalhão que é o 25° da provincia, estão aggregados
2 Officiaes inferiores.
1 Cabo .
70 Praças, pertencendo todas ao serviço da reserva.
Ao todo o batalhão tem 598 praças e officiaes.
A guarda nacional de Monte-Alegre , tem concorrido para o
serviço da guerra actual do Paraguay, com o contingente seguinte :
Guardas designados.. 78
«< voluntarios 39
« «< para o exercito .. 1
« recrutado . 1

119

Além d'estes tem ido guardas nacionaes . ... 10

Total dos que foram mandados para a guerra ... 129

O municipio de Monte -Alegre limita- se :


Ao N com territorios pertencentes ás colonias estrangeiras.
- 124

A E com os municipios de Gurupå e Porto de Moz .


Ao Sul com o municipio de Santarem e com a provincia de
Matto-Grosso.
Ao O com o municipio de Santarem e de Alemquer.
Estes limites não estão determinados por serem desertos os
sertões os quaes , por isso mesmo nunca foram explorados nem
conhecidos .

O municipio é pela maior parte montanhoso na Guayana , ou do


lado do Norte, e plano, do lado do Sul do Amazonas .
As serras principaes, isto é , as conhecidas, são :
A montanha do Tauajury ao N, muito acima da villa .
A do Ereré, e as já mencionadas que ficam a O da villa.
A serra do Paytuna não é senão uma eminencia que surge na
parte meridional da do Ereré .
Todas se acham na Guayana.
O rio principal do municipio, depois do Amazonas , é o May-
curú, cujas fontes não foram ainda exploradas ; corre de NE ao
SO até a ponta do serro do Paraiso ao pé do qual passa, seguindo
até ahi por florestas virgens .
Da ponta do serro volta- se para o S, ainda no meio de florestas,
depois corre entre varzeas a esquerda e geralmente terras firmes
a direita, acompanhando campos de creação , torna-se muito si-
nuoso, e por fim perde-se na extremidade NO do Lago de Mon-
te-Alegre .
As suas aguas são esbranquiçadas quasi como as do Amazo-
nas, principalmente durante o inverno. E' bastante fundo , largu-
ra variando entre 160 a 200 metros, rapido no inverno, lento
no verão e, quando este é duradouro, chega a seccar um pouco.
As margens na parte superior são abundantes de salsafarrilha,
castanhas, cumarú , cacão selvagem e oleo de cupahyba ; e na in-
ferior abundam as fazendas de gado.
--- 125

Os moradores do Maycurú, observando que do campo, ao pè


da margem esquerda, pa tia pa a SE um igarapé de nome Paytu-
na pelo qual se podia incurtar e favorecer muito a navegação
para o porto de Monte-Alegre, abriram logo ali um canal de juuc-
ção ; a esse canal que fica pouco acima d'um grupo de casas cha-
mado Jauarary, dá o povo o nome de Cavado.

O Paytuna é um igarapé , ao principio, muito regular ; mas


desde que muda o seu rumo de SE para E torna- se tão sinuoso
que é preciso as vezes gastar-se uma ou duas horas para se che-
gar , por navegação , de um ponto ao outro cuja distancia pode ser
vencida a pé em quatro até dez minutos. A agulha percorre du-
rante esse tempo de navegação todos os rumos repetidamente.
Este rio reune-se ao Ereré com o qual se perde no Curupatuba.
Entre o Lago de Monte- Alegre e o rio Paytuna ha um igarapé
ou antes um furo de nome Igarapé-apára . Esta denominação
que significa rio torto, exprime perfeitamente a disposição desta
corrente que não é senão um segundo desaguadouro do lago , vin-
do da enceada onde entra o Maycurú , sempre para E , mas descre-
vendo extensas e enfadonhas curvas até lançar-se no Curupatuba.
O Ereré, de que ha pouco fallei , nasce ao NE da montanha
Tauajury ; corre, ao longo , mas affastado d'ella, para OSO e no
momento em que muda o seu curso para o S atravessa uma ca-
choeira de lages , passa depois a E da montanha a que dá seu nome ,
tornando-se tambem muito sinuoso nas campinas, e por fim reu-
nindo-se com o Paytuna, entra com este no Curupatuba.

CURUPATUBA . -Este rio é um desaguadouro dos antecedentes e


do Lago de Monte-Alegre , d'onde sahe por duas correntes que se
reunem em uma só com o nome de Cururuhy ; recebendo a esquer-
da o Igarapé-apăra, toma então o nome de Curupatuba e vai d'ahi
direito para o N sempre largo, 300 a 400 metros. Recebe do mes-
126

mo lado o Ereré que ahi chega com o Paytuna, continúa no mesmo


rumo até chegar perto da montanha de Monte-Alegre , d'onde
volta-se para E , estreitando-se , passa pelo porto da villa, recebe
defronte do sitio do Pariçó um paranamirim do Amazonas, curva-
se para NNE , depois para ESE , e emfim para ENE , rumo com
que entra no Amazonas .
Do lado da Guayana não ha outro rio notavel a não se conside-
rar como tal o Urubuquara que, segundo as informações , é pouco
extenso e sahe no lago do mesmo nome .
Na parte meridional ou á margem direita do Amazonas existem
no municipio dous rios navegaveis : o Cuçary e o Uruará.
O Cuçary já está descripto na parte relativa ao Curuá do qual
é apenas um braço .
Tem porém por affluente o Tamucury.
Este rio desce da terra firme atravessando uma região mui
fertil, e ao chegar ás varzeas, fórma um lago que tem o seu nome
e antes de reunir- se ao Cuçary atravessa outro lago menor de
nome Maracá.
O rio Uruará é tambem bastante extenso e percorre como o
antecedente terras firmes e fertilissimas ; deixa à esquerda o Lago
Camapú, segue para E passa pela beira d'um vasto Lago que tem
por nome Tamatahy, quasi todo rodeado de terras firmes, toma of
rumo NE, deixa á direita a entrada do Lago Arurú e emfim rece-
bendo à esquerda um paranamirim do Amazonas, ramifica-se , indo
seu braço oriental sahir no mesmo Amazonas , quasi defrnnte do
serro da Velha Pobre.
Este rio é o limite oriental do municipio de Monte-Alegre com
o de Gurupá. Em sua margem ha muito cravo , castanhas , cu-
murú e outros generos.

LAGOS . - Nas planies ha um grande numero de Lagos, entre


os quaes aquelle que por sua extensão chamam Lago Grande , que
127 -

se não deve confundir com o Lago Grande de Villa Franca . Elle


se acha nas campinas ao SO da villa, ao Sul e um pouco affastado
das serras Ereré, Maxirá e Monte Grande , acompanha a margem
esquerda do Amazonas desde as immediações do Furo Tapará-mi-
rim até à ponta d'essa mesma margem correspondente á ponta
septentrional da Ilha das Barreiras do Cuçary.
Sua extensão é cerca de 25 milhas com largura de 3 a 5 .
Quasi no meio dessa extensão ha duas ilhas, a do Toró a Ee
do Mutará a O. A zona da varzea que separa a sua margem da do
Amazonas, varia bastante, sendo muito estreita do lado oriental.
Durante o verão o lago fica reduzido a pequenas proporções,
mas não secca.
Na parte occidental fórma varias enceadas e cabeceiras que to-
mam nomes especiaes, taes como :

Lago Piracaba a O da barra do Maycurú : é antes um grande


igarapé coberto, em geral, de canarana ou de arrozaes . Muito
abundante de peixe.

Lago Jacaré-capá, a SO do antecedente com o qual se commu-


nica. Este pertence hoje ao municipio de Santarem.
Uxiacá a SO do antecedente .
Todos estes lagos que não são senão dependencias ou partes
do mesmo lago de Monte-Alegre, são extremamente fartos de pei-
xe e especialmente de pirarucú .
Aos lados dos furos e rios que descrevi, principalmente da
margem direita do Curupatuba, ha muitos pequenos lagos mui
piscosos .
Do mesmo lado da Guayana a E da villa, o unico lago notavel
é o do Urubuquara pouco acima da Prainba, muito importante
pela abundancia de pirarucú .
Do outro lado nas planicies que se dilatam da Ponta do Paco-
val ou da serra do Curuá para ESE ha no municipio um grande
128-

numero de lagos que já ficaram indicados na descripção dos rios


d'esse lado.

ILHAS -Propriamente ditas, tem o municipio somente a do Fre-


chal ou de Monte-Alegre, perto da entrada do paranamirim que
vai encontrar o Curupatuba.
A ilha Panema que fica defronte da antecedente, ao pé da mar-
gem direita do Amazonas ; tem junto a si duas outras menores.
A de Muratuba, abaixo das antecedentes e no meio do rio.
A ilha Uruará, que é a maior de todas, defronte da Prainha.
A ilha Acarauassú , tambem muito extensa, abaixo da Prainha.

PRODUCÇÕES ,-No reino mineral o municipio não tem produc-


tos valiosos ; no animal os productos que avultaram na exportação
em 1867 exceptuados os provenientes da creação de gado ; cons-
tam somente de

546 libras de pelles de veado


5,216 arrobas de pirarucú ,
Uma boa quantidade de carne, couros secos, etc.
Os productos vegetaes espontaneos ou provenientes da indus-
tria extrativa são variados e não poucos ; são os seguintes os prin-
cipaes :
Castanhas, procedentes das terras firmes dos rios Maycurú,
Curuá, Tamucury, Uruará e Tamatahy.
A exportação de 1867 pelo porto de Monte-Alehre foi apenas
de 20 alqueires, sendo a maior parte trazidas por via de outros
portos.
Salsaparrilha : vem dos rios Muycurú , Curuả, Tamucury e
Tamatahy.
Exportaram-se 15 arrobas em 1867.
Breu, proveniente dos rios acima indicados e do Cuçary.
129

Oleo de cupahyba . Exportaram-se 45 libras. E' extrahido das


margens do Maycurú e Tamucury.
A gomma elastica figura na exportação com 498 112 arrobas ;
este producto deve ser procedente da parte oriental do munici-
pio ou do rio Curuá.
Quanto aos generos de cultura, os principaes são : •
Cacáo. - De que em 1867 houve uma exportação de 1,578
arrobas.

A cultura e, consequentemente , a exportação d'este genero


tem muito diminuido ; nos tempos passados e ainda não ha mui-
tos annos, a producção exportada regulava 6 a 7,000 arrobas ;
hoje está reduzida á metade por falta de braços para a cultura .
Uma boa parte da producção do municipio é levada para Santa-
rem, onde os productos acham melhor preço .

Café. Com este artigo de que não ha producção senão a necessa-


ria para o consummo, succede o mesmo que a respeito do cacão.
De 1,000 a 2,000 arrobas que se colhia desceu a producção a
100 até 200 arrobas .
Cultiva-se nas margens do Tamatahy, Tamucury, Uruará e May-
curú, sempre em pequena escala.
Mandioca.-A cultura d'esta planta é geral , mas em menor
escala nas margens do Cuçary e do Uruará, onde igualmente se
fabrica farinha para ser exportada para a villa.
Creação de gado. -A principal industria dos habitantes de
Monte-Alegre, aquella a que em geral se dedicam , é a creação de
gado para o que ha no municipio, além dos extensos campos das
serras e chapadas, os do Maycurú para onde affluem os creadores
pela boa qualidade dos pastos para o seu gado .
As campinas ao N do Lago de Monte-Alegre , percorridas pelos
igarapés Paytuna e Ereré, tem tambem fazendas de creação.
Em todo o municipio ha 55 estabelecimentos desta ordem . D'es-
130

tes ha 23 em que se contam cerca de 150 cabeças de rezes, para


menos, tendo a maior parte 10, 20 ou 30 somente.
Dos fazendeiros que possue mais de 150 cabeças de gado ha
32, dos quaes ha só um que possue 2,500 ; d'ahi para baixo até
180 cabeças .
A proporção da producção do gado vaccum é de 40 %.
Calcula-se o numero total em 20,000 cabeças , inclusive 5,000
bezerros ou crias.

O gado não é sujeito a peste, e mesmo as cheias do Amazo-


nas não lhe causam damno senão quando ha deleixo, como tem
muitas vezes acontecido, da parte dos fazendeiros , em não reti-
ral-o em tempo para os pastos de terra firme.
N'este ponto o districto de Monte-Alegre tem superioridade
sobre todos os outros do Amazonas.
A exportação do gado é feita em pé e esquartejado .
Os productos d'esta industria quasi não figuram na exporta-
ção de Monte-Alegre, a se regular por alguns dados officiaes , que
dão somente na exportação de 1867 pelo porto de Monte-Alegre
o seguinte :
Gado em pé . 151 cabeças
Carne secca . 23 arbs. 16 lbs .
Sebo .... 24 «<
Couros seccos salgados • .... 4,344

Esta quantidade de couros parece indicar que a exportação da


carne devia ser muito mais notavel do que a constante destas re-
senhas, que alias foram baseadas sobre os manifestos existentes
na recebedoria provincial . Já notei em outro logar que estes do-
cumentos são as vezes confusos ou incompletos .
Bem que muito fraco ou defficiente certamente a respeito de
outros generos de industria, o municipio de Monte-Alegre tem
todavia, uma pequena, mas digna de especial mensão , a qual
131

devia merecer dos poderes publicos da provincia alguma pro-


tecção para se não perder, visto como está já hoje muito menos.
cultivada do que outr'ora, se estou bem informado .
Refiro-me ao fabrico e pintura de cuias feitas dos fructos da
arvore denominada cuyeira (crescentia cujete .)
Nesta industria o fabricante emprega as mais finas tintas do
paiz desenhando com gosto e delicadeza diversas flores , folhas e
figuras de objectos conhecidos, como corôas, as armas imperiaes,
imagem do sol etc. , tudo executado com tam primorosa habilida-
de que admira que o faça sem o auxilio regular da arte . Estas
cuias são muito estimadas nas provincias do sul e em paizes es-
trangeiros .
A villa de Monte-Alegre não tem nenhuma recordação histo-
rica notavel.

Foi ao principio uma aldea de Indios . Não sei porém se foram


estes os que indicaram a Pedro Teixeira em 1626 a existencia
dos Indios do Tapajós com quem continuaram a negociar.

Essa aldea que tinha o nome de Curupatuba, foi muito prova-


velmente estabelecida ao principio á beira do rio d'este nome ,
d'onde depois os rvds. padres da ordem da Piedade a passaram
para o logar em que hoje está a villa .
A aldea foi em 1758 creada freguezia com o nome do padroei-
ro que tinha, S. Francisco de Assis, e á cathegoria de villa com
o nome muito apropriado de Monte- Alegre.
Fóra da villa ha no municipio a freguezia da Prainha , a povoa-
ção do Ereré e alguns outros nucleos de povoações, taes como o
de Cussarú e Jauarary .

A freguezia da Prainha é uma pequena povoação situada na


Guayana á margem esquerda do Amazonas, 2 milhas abaixo da
foz do Urubuquara e em uma pequena enceada, onde o Amazo-
nas faz um remanso .
132

A sua matriz é dedicada a N. S. da Graça ; a igreja deixou de


existir e trata-se da construcção de outra com melhores propor-
ções .
Esta povoação substituio a que existia no interior ao principio
com o nome de aldea de Urubuquara, depois com o de Logar
de Outeiro, situada à margem direita do rio Urubuquara , muito
acima da foz d'este rio .

A aldea de Urubuquara era missionada pelos rvds . padres de


Santo Antonio . Em 1758 foi elevada á cathegoria de Logar com
o nome de Outeiro , nome apropriado ao logar em que estava si-
tuada.
Hoje não existe esta povoação, mas a da Prainha que , collocada
á beira do Amazonas , tem podido conservar-se.
Prainha é um dos pontos de escala dos vapores da companhia
do Amazonas que ahi tocam regularmente 6 vezes por mez em
sua viagem redonda.
Tem uma agencia de correio que no exercicio de 1867 a 1868
rendeu 83 $440.
Tem tambem uma escola de ensino primario para o sexo femi-
nino , a qual em 1867 foi frequentada por 51 alumnos , e o esta-
va sendo por 31 no primeiro trimestre do presente anno.
A povoação do Ereré está situada ao O da villa de Monte-Ale-
gre ao pé e ao N da serra que tem esse nome .

Compõe-se de 18 casas de palha e de uma capellinha da in-


vocação de Santo Antonio mandada construir em 1867 pelo sr.
D. Manoel Onety que foi n'esse anno juiz de uma festa muito
applaudida que alli se faz em cada anno .
Este logar é muito aprazivel, mui fresco durante a noute e
muito saudavel.
Os grupos de casa a que alludi como pequenos nucleos de po-
voação, são os seguintes :
133

Jauarary, á margem direita do Maycurú em campo firme .


Cussarú, entre o rio Paytuna e a serra do Ereré , n'uma larga
ponta de terras altas que descem desta serra para as campinas
no rumo SO.

Fóra dos pontos mencionados, os logares onde as habitações


se aglomeram em maior numero e mais proximas entre si são
nas proximidades do baixo Maycurú, e nas terras firmes dos rios
e lagos Tamatahy, Tamucury e Uruará, nos quaes a fertilidade das
terras lhes facilita a producção da mandioca, do café , laranjas ,
mangas e outras fructas para sustento e regalo dos moradores .

FIM DA PRIMEIRA PARTE.


SEGUNDA PARTE .

❤----------------------------------------CCCCCCUUMY

I.

GEOGRAPHIA E ASPECTO DA REGIÃO.

Summario.-TERRITORIO E LIMITES . -MONTANHAS . -PLANICIE


DO LITTORAL COMO UM PEQUENO MAR MEDITERRA-
NEO. -OS PARANAMIRINS OU FILHOS DO GRANDE
RIO, SEU NUMERO , SITUAÇÃO , CURSO E LARGURA.-
PEQUENO ESTUARIO DO AMAZONAS .

A região, cuja descripção acabei de esboçar, comprehende um


extenso territorio da provincia do Pará, ainda pela maior parte
inexplorado e desconhecido dos geographos . Esse territorio não
avança provavelmente, além de 1º ao N. do Equador , extenden-
do-se, porém, quasi até 9° de latitude meridional, tendo de E. a
0. um desenvolvimento de cerca 5 °. -Ao N. entesta com as
colonias européas da Guayana ; tem a E. a comarca de Gurupá, fi-
cando-lhe ao S. e a O. as provincias de Matto-Grosso e do Ama-
zonas.

A physionomia da região, feita abstracção das montanhas, de que


ella e uma parte da comarca de Gurupȧ tem, por assim dizer,
um previlegio exclusivo em toda a extensão do Amazonas åquem
dos Andes, não é sinão a imagem do littoral d'este rio : a mesma
planicie, iguaes accidentes hydrographicos e uma vegetação mais
ou menos identica em toda a sua superficie.
As montanhas, porém, alteram e mudam essa physionomia ;
são ellas que por sua elevação, por seu contacto ou approximação
136-

ás margens, por seu aspecto variado, vem atenuar e mesmo ex-

tinguir a monotonia fatigante e afflictiva que se sente , quando se


viaja pelo Amazonas ao longo d'essa planicie interminavel e d'uma
igualdade desesperadora .
Nas margens ou mui proximo ás margens do rio, ellas come-
cam a apparecer, do lado da Guayana, a E. da fóz do Parú, des-
apparecem em varios pontos, tomam proporções magestosas em
Monte-Alegre e suas immediações e vão mostrar-se de novo junto
a Obidos, mas já reduzidas a simples collinas .
As da margem direita são muito inferiores em numero e altura ;
as principaes apparecem na juncção do Curuá com o Una, avançan-
do até as immediações de Santarem, d'onde lançam para a fóz do
Tapajós uma collina, e desapparecem acompanhando de longe o
curso d'este rio no rumo SSO.
Muito acima de Obidos vê-se successivamente as pequenas
montanhas do Jará ou Maracauassú, do Juruty e , emfim, a dos
Parintins,-a ultima que, ao menos d'esse lado , se mostra d'ahi
para cima até os Andes .

Na orla da planicie, em grande parte annualmente inundada


pelas aguas que o Amazonas não pode conter em seu leito , le-
vantam-se, de espaço a espaço, outras serras e graciosas collinas
que das margens do rio não apparecem .
Entre ellas figuram : a do Jamundá que acompanha as margens
do rio d'este nome até a villa de Faro ; a dos Cunurys que dá no-
tavel realce ás praias septentrionaes do bello lago Sapucuá ; a do
Uaracy-tapera (antiga residencia do sol , ou casa que o sol aban-
donou) nas proximidades da margem esquerda do Trombetas ; a
do Curumú, emfim, do mesmo lado e já perto da barra d'esse rio .
Esta serra, situada junto ao pequeno lago do seu nome , é uma
das mais bellas montanhas do Pará rivalisando em altura com a
de Monte-Alegre .
137

Ao sul do lago Curumucury está a collina do mesmo nome , e ao


longo do vasto rio, chamado Lago Grande, até proximo ao logar
em que elle se dilata consideravelmente constituindo o verda-
deiro Lago, vê-se do lado meridional outras collinas e o bello
serro Aracury que é o ponto dominante sobre toda a extensão
das Campinas.

PLANICIE LITTORAL . -Da extremidade meridional dos montes


que acompanham o curso do Jamunda, começa-ou , antes, continúa
para ENE . uma planicie geralmente nivelada, - velho leito do
-
Amazonas , que este rio ora acompanha quando se encosta a
terras altas, como em Obidos, ora atravessa , como nas secções en-
tre o Lago Grande e Alenquer, e entre Monte-Alegre e Prainha.
Ella tem, como um pequeno mar mediterraneo , seus golfos e
enceadas o golfo principal é formado pelo littoral do baixo Trom-
betas, sendo a sua entrada limitada e, por assim dizer, guarnecida ,
a O. pela serra dos Cunurys á beira do lago Sapucuá, e á E. pela
do Curumú, cujas collinas , abaixando-se gradualmente , vem ter-
minar junto a barra d'aquelle rio .

Tem tambem o seu estreito, determinado pela fóz do Tapajós


para onde descem collinas da serra Irurá, e pelas barreiras do
Tapará, dominadas em sua extremidade norte pelo serro Cury-
quára, nas quaes começam as terras altas e campos que sobem
até Monte-Alegre.

A partir d'este estreito, de cerca de 7 milhas de largura e em


grande parte occupado pelas ramificações do Amazonas, a planicie
formando ainda uma enceada que termina entre Monte-Alegre e a
juncção do Una com o Curuá , onde os montes deste ultimo nome
desapparecem , dilata-se consideravelmente para E. e ESE . al-
cançando d'este lado as cachoeiras do rio Xingú que a limita por
sua margem direita até Villarinho do Monte.
-138-

D'aqui até o oceano, retalhada por innumeraveis defluentes e


braços do Amazonas e do Tocantins, não é sinão um vasto e duplo
estuario, apparecendo n'um ou n'outro ponto pequenas eminen.
cias de terreno, como em Gurupá, Portel e Belem, -ou raras col-
linas, como perto do lago Marajohy (Laguna) , onde se acha um pe-
queno outeiro abundante de pedras que os moradores aproveitam
para amollar suas ferramentas .

PARANAMIRINS . —O Amazonas, bem que seja um rio quasi hori-


zontal, adquire, com o enorme volume d'aguas accummuladas em
seu leito , tanta celeridade que obriga todos os affluentes a se in-
clinarem na direcção que elle toma ; nem mesmo os recebe sem
lhes enviar primeiro um contingente seu , um braço, especie de
emissarios, que lhes vão annunciar a sua approximação . Estes
emissarios são os Paranamirins (pequenos rios ou , mais propria-
mente, filhos do grande rio), -verdadeiros defluentes do Amazonas
a que, depois de retalharem de diversos modos o littoral, resti-
tuem-se conduzindo as correntes tributarias que elles encontram.
Esta anastomoses do Amazonas, produzida pela dispersão de
suas aguas, mormente nas proximidades dos affluentes, tem mais
de uma vez dado origem a incorreções nos mappas deste paiz .
E' assim que o Jupurá tem sido representado como lançando - se no
Amazonas por 8 boccas, -erro que o erudito ouvidor Ribeiro de
Sampaio demonstrou cabalmente ha 90 annos em seu Diario de Via-
gem . E' assim tambem que no excellente mappa de Tabatinga ao
oceano, organisado em 1863 pela commissão brazileira de limites
com o Perú, vê- se ainda a bocca do lago Saracá e a fóz do Ja-
mundá transportadas, esta, da margem do Trombetas e aquella,
de 4 leguas do interior, para a margem do Amazonas que aliás,
em vez de receber directamente essas aguas tributarias , expede
• dos pontos em que taes boccas vem figuradas, contingentes seus
que as vão receber muito longe , no interior.
139

Os paranamirins fazem, como se terá comprehendido , um im-


portante papel na hydrographia do Amazonas ; não será pois sem
interesse uma noticia dos que existem nas duas commarcas occi-
dentaes do Pará para tornal-os menos desconhecidos .
O Cabury é o primeiro d'estes defluentes da margem esquerda ;
deixa o Amazonas cerca de 12 milhas acima de Villa Bella, vai a
NE. communica-se com o lago Adauacá e surge com 40 metros
de largura na margem meridional do Jamunda, justamente no logar
em que este rio, deixando o lago de Faro, estreita-se e entra na
planicie.
O segundo é o do Caldeirão ( 80 metros de largura) ; desprende-
se da mesma margem defronte da ponta-norte das ilhas do seu
nome , vai ao N. , bifurca-se , indo o braço direito ao Amazonas
com o nome de Bom Jardim, em quanto o outro dobra para o S.
faz uma ligeira flexão para O. e afflue no Jamundá com o qual
vai lançar-se no Trombetas.

Mais abaixo, defronte das Ilhas de Santa Rita, parte o Caxuiry


que igualmente vai perder-se no Trombetas, com 60m de largura .
As suas margens estão cobertas de cacoaes cultivados.
D'esse lado até Obidos não ha mais paranamirins ; mas na ou-
tra margem ha os seguintes :

O do Juruty com cerca de 200 metros de largura ao princi-


pio ; deixa a margem defronte das ilhas do Caldeirão , bifurca -se
logo adiante indo o braço maior perder-se no Amazonas, e se-

guindo o menor a ESE até a bocca do igarapé Juruty que vem


do S. D'aqui, com o nome de Balaio, volta de repente para N.
depois a ENE. , passa encostado a serra Juruty, e variando de 40
a 70m de largura, vai terminar quasi defronte da Ponta S. das
Ilhas de Maracauassú .
O Carapanin com 70m de largura está abaixo da entrada do
Furo Curumucury ; segue a ENE . e termina pouco abaixo do Furo
- -140-

Muiratuba Grande. E' em sua margem oriental que está o Furo


Irateua ou Iratuba que vai ter ås campinas do Lago Grande .
O terceiro e ultimo é o chamado Paranamirim de cima, por
ficar acima de Obidos ; 300m de largura. Parte defronte da bocca
do Furo Muiratuba Grande a NE . , e antes de encorporar-se outra
vez ao Amazonas, deixa a E. , defronte da Ilha Palmatoria, o Furo
Muiratuba-mirim que como o Irateua e o antecedente, vai ás cam

pinas do Lago .
Os defluentes que ficam a E. de Obidos , são : o de baixo, o de
Alenquer, o de Ituqui com o Maicá e o de Monte-Alegre .
O de baixo cujas margens são enriquecidas de numerosos ca-
coaes cultivados, é formado pela interposição da Ilha Grande ou
dos Printes e pela da Capella ou do Meio, seguindo a costa norte
até defronte da Ilha Arapery, onde reune-se ao ramo norte do
Amazonas .

O de Alenquer , já descripto, desprende-se do ramo-norte do


Amazonas, defronte da Ilha Arapiry, recebe logo à esquerda, o
rio Curuá, vai passar junto a Alenquer, volta a SE. e reencorpo-
ra-se com o Amazonas defronte da Ilha das Barreiras.

O do Ituqui começa abaixo da barra do Tapajós e do Furo Mai-


cá que elle recebe, e com o qual pouco depois torna a entrar no
Amazonas.
O de Monte-Alegre é um pequeno defluente que defronte da
Ilha do Frechal segue a NNE. e se reune logo adiante ao rio Cu-
rupátuba, cujo curso já foi descripto.

O AMAZONAS E SEU PEQUENO ESTUARIO. - Devera dar uma idéa da


passagem d'este rio pelas duas comarcas ; mas , além de que é elle
mui sufficientemente conhecido, o mappa a que já tenho alludido é
bastante para dispensar-me d'esta tarefa. Basta somente dizer algu-
mas palavras como rectificação ou complemento d'esse mappa .
11 141

Approximando-se da barra do Trombetas, o Amazonas , já muito


largo, dilata-se ainda até cerca de 3 milhas ao passar por essa
barra . Encontrando ahi as altas terras do N. , inclina-se para E.
e SE.; começa gradualmente a contrahir as suas margens de tal
modo que, descrevendo uma longa curva, da extincta colonia mi-
litar até a ponta do Forte de Obidos, não tem já entre este ponto e
a margem fronteira sinão 1,892 metros de largura.
Sahindo d'esta garganta em que as suas aguas passam com tal
velocidade que produzem um continuo murmurio , o rio toma gran-
de expansão, segue a SE. , passa por entre Ilhas, acompanhando
o grande ramo á costa meridional até a Ilha Mari-marituba, onde
se abre um pequeno estuario com a trifurcação do rio que ahi
se opera.

Collocados em frente à ponta occidental da Ilha que acabei de


nomear, vemos o rio seguir por 3 ramos diversos : o meridional
que contorna a Ilha passando pelas boccas do Lago Grande e Bar-
reiras de Ecuipiranga e Paricatuba ; o central ou o tronco, que vae
a E. entre esta Ilha e a do Arapiry ; e emfim o septentrional que ,
dirigindo-se a NE . devide e contorna esta ultima, recebendo á es-
querda o Paranamirim debaixo e expedindo do mesmo lado o de
Alenquer e aquelle que separa ao N. a Ilha Juruparipucú .
Uma linha recta em rumo N. tirada da Ponta da Barreira
Paricatuba a ponta oriental da Ilha Arapery, marca a juncção dos
tres ramos.

Mas o meridional separa-se de novo , seguindo a SE. e acompa-


nhando de um lado a grande Ilha Aritapéra, e do outro a costa até
a fóz do Tapajós que elle recebe .
O central encorporado com o septentrional segue a E. tendo
sempre, até encontrar o meridional, a Ilha Aritapéra á direita ;
deixa á esquerda a de Juruparipucú, devide-se em dous braços para
dar logar a extensa Ilha das Barreiras, em cuja extremidade orien-
142

tal, tendo já recebido o Paranamirim d'Alenquer, e encontrando


em frente as Barreiras do Tapará, volta-se para o sul , e logo adian-
te divide-se de novo em dous ramos ; o da esquerda com o nome
de Tapará e o da direita com o de Urubuquacá . Este ultimo que
é muito mais consideravel inclina-se a SSO. e depois , curvando- se
para E. , reune-se por uma soberba e larga barra com o ramo me-
ridional, que já alli chegou com as aguas do Tapajós .
A E. e logo adiante entra o ramo Tapará, com semelhante, mas
menor curva para E.
Entre os dous ramos fica a Ilha do Palhão .

Tributarios. -Tendo já descripto na primeira parte os peque-


nos affluentes do Amazonas, escusado é repetir aqui o que já ficou
consignado.
Os grandes tributarios Tapajós e Trombetas com o Jamundá, me-
recem por sua importancia ser tratados em artigos especiaes .
II.

RIO TAPAJÓS.

(Rio dos Tapajós, Rio Preto, Rio Arinos. )

Summario .-FONTES, EXTENSÃO E CURSO D'ESTE RIO ; SUAS


CACHOEIRAS, SALTOS, CORRENTEZAS E BAIXIOS.
-ARAPIUM E ARAPICHUNA, SEUS ULTIMOS AF-
FLUENTES . —OBSERVAÇÕES SOBRE A BAHIA DE
VILLA FRANCA. -NAVEGAÇÃO IMPOSSIVEL PARA
VAPORES NA SUA PARTE SUPERIOR E MEDIA, MAS
FACIL E UTIL NA INFERIOR.

.
Bem que o engenheiro portuguez Ricardo Franco de Almeida
Serra escrevesse uma memoria muito estimada, mas rara hoje ,
sobre o Tapajós, este rio não tem sido verdadeiramente conhecido.
sinão pelos raros mercadores que de anno em anno navegavam
de Matto-Grosso ao Pará e vice-versa, -pessoas que, por falta de
instrucção, não podiam dar informações do curso do rio e dos seus
principaes accidentes .
Em 1854 , porém, o capitão Benedicto José da Silva França,
homem intelligente, activo e habil pratico da navegação d'este rio,
executando a sua viagem annual , desceu tomando notas com o
cuidado possivel e escreveu um Itinerario do porto do Rio Preto a
Itaituba e offereceo-o a um dos seus amigos, o sr. commendador
Pimenta Bueno, que então procurava e colligia todos os documen-
tos e noticias de interesse para a navegação do Amazonas e seus
tributarios, e a cujo obzequio devo uma cópia do Itinerario.
A esse trabalho , comtudo, faltava a correcção e sancção da
-144 -

sciencia ; e esta nobre missão foi espontaneamente desempenhada


em 1861 pelo intrepido viajante geographo, o sr . W. Chandless ,
que nesse anno desceo do Diamantino seguindo o mesmo Itine-
rario que lhe foi communicado pèlo respectivo autor .
Além d'estes dados e, dos trabalhos da expedição scientifica do
Conde de Castelnau e do resumo que este sabio fez de manus-
criptos que desenterrou dos archivos de Matto- Grosso, onde apo-
dreciam, possuo e devo a obzequiosa intervenção do sr . major A.
Gentil Augusto e Silva, uma Viagem de Santarem ás segundas
cachoeiras do Tapajós e ás aldeas centraes dos Maués, acompa-
nhada d'um precioso mappa d'essa secção fluvial pelo sr . A. Mau-
gin Desencourt, engenheiro francez que ha 20 annos reside no
Pará .

Com estes auxiliares posso dar uma noticia sobre o curso do


Tapajós, muito mais completa do que qualquer outra até hoje pu-
blicada. Eu a concluirei com alguns esclarecimentos , que pesso al
mente adquiri, relativos á bahia da Villa Franca e aos rios Arapium
e Arapichuna, ultimos tributarios do Tapajós .
O sr. Chandless que com a determinação de 11 pontos astrono-
micos, do Diamantino a Itaituba, prestou um importante serviço ao
progresso da geographia , teve a infelicidade de ver quebrar-se em
viagem antes de chegar ao Diamantino, entre outros instrumentos,
os seus dous barometros . Perdeu-se assim mais uma vez a occasião
de conhecer-se as altitudes d'essas chapadas e collinas chamadas
impropriamente serras. Já o assassinato do Visconde de Osery
no Perú, tinha causado a perda dos nivelamentos das fontes con-
junctas do Paraguay e Tapajós, executados pela expedição do sr .
Castelnau, restando apenas d'esse trabalho especial a altitude de
Sete Lagoas, que é considerada a fonte principal do Paraguay,

)።
2
145-

Eu creio que o modo mais simples e mais claro de dar uma


noticia do rio Tapajós, é resumir o Itinerario do sr . Benedicto
França, de accordo com as notas do sr. Chandless , aproveitando
os esclarecimentos já citados.
E' o que vou fazer.
Antes, porém, convém fazer um resumo das observações de
Castelnau, do seu extracto da memoria do engenheiro R. F. de Al-
meida Serra, sobre as fontes dos dous rios e de algumas considera-
ções concisas de Chandless sobre as localidades d'onde partem
essas fontes.

FONTES DO TAPAJÓS.

« A fonte principal do Juruena ( diz o extracto acha-se a 14 °-


42'-30" de latitude S. e 63°-3' de longit. O. ( Paris ), nos al-
tos campos de Parecis ; está a 2 leguas a O. da do Guaporé e a 1
legua a E. da do Sararé , affluente do Guaporé.
<< O Sumidouro, que vem tambem dos Parecys, entrelaça suas
fontes com a do Sipótuba e lança-se no Arinos depois de ter pas-
sado n'um canal subterraneo.

1/2 legua a E. da fonte superior do Paraguay nasce o Rio Ne-


gro (Rio Preto), affluente occidental do Arinos . E' separado do
rio Cuyabá por um espaço de 8 leguas .
« Entre o ponto navegavel do Rio Preto e o do Arinos ha 12
leguas, e as fontes de um e de outro distam entre si somente 9
leguas . »
<
«
< 0 Arinos (Tapajós ) que apresenta a via de communicação
mais importante da Provincia desde que Cuyabá veio a ser sua
capital ( observa Castelnau ) , tem suas fontes nos vastos campos e
longas cadêas de montes Parecys ; ellas enlaçam com seus braços
um espaço de 100 leguas de E. a O. , cruzando- se com as aguas
que correm para o Paraguay ou para seus affluentes Cuyabá , Se-
- 146 ·

potuba e Jaurú ; mas a fonte principal se acha a umas 15 leguas


a E. da Villa do Diamantino.
« A fazenda do Estivado onde nos achavamos, (Castelnau , vol .
2.º) , está situada n'um dos pontos mais curiosos que apresenta
este continente . Alli com effeito, a alguns passos de distancia
entre si brotam as fontes dos dous maiores rios do mundo : do
Amazonas e do Prata. Será mui facil algum dia estabelecer- se
uma communicação entre estes rios gigantescos, pois o dono da
casa contou-nos que somente com o fim de regar o seu jardim,
tratou de encanar a agua d'um dos rios para o leito do outro.
« A fonte do rio Estivado, verdadeiro tronco do Arinos, acha-se
na anfractuosidade da chapada, cuja inclinação é voltada para o N.,
200 metros a E. da casa ; e , n'um buritisal, a 84 metros a 0.
da mesma casa, apparece a fonte d'um affluente do Tombador, tri-
butario do rio Cuyabȧ.

« A fazenda do Estivado está pois sobre a linha devisoria das


aguas que correm para o N. e das que correm para o S.
<< Perto da Fazenda do Macú nota-se um facto igual : durante as
grandes aguas corre por um caminho concavo um corrego cujas
aguas , chegando a certo ponto, dividem-se de modo que umas des-
cem para o Cuyabá e outras para o Tapajós. Esta grande chapada
acha-se toda na linha de partilha das aguas . O Fazendeiro do Estiva-
do nos referio que em tempos passados fôra conduzida uma canôa do
Cuyabá ao Arinos por um caminho de 4 leguas atravéz da chapada .
« Ao N. de Macuco as fontes do Agua Fria, affluente do Rio
Preto estão a 112 legua do Ribeirão do Morro Vermelho , affluen-
te do Paraguay ; as do Kebo estão à beira da grande chapada que
dá nascimento a todas essas correntes, a 40 ou 50 metros das do
Arinos. Emfim ao pé da Serra Azul o rio Piabas, uma das fon-
tes do Paranatinga , nasce apenas a uma legua da propria fonte de
Cuyabȧ. »
-147 -

O sr. Chandles faz as interessantes observações seguintes sobre


identico assumpto :

<< As diversas correntes que descem da provincia de Matto-


Grosso para o norte , em direcção ao Amazonas, ou para o sul
em direcção ao Rio da Prata, nascem todas d'aquella parte do paiz
onde o que vulgarmente se chama Serra não tem caracter algum
montanhoso.

«
< E' simplesmente um alto taboleiro ou chapada, variando ape-
nas um pouco em sua elevação geral, bem que profundamente
rasgado pelos valles dos rios .

<< Nas proximidades d'estes encontra-se mais ou menos matto


virgem ; tudo mais é campo, terras de pastagens , mais ou menos
densamente salpicadas de grossas arvores, inclusive a da quina
que é, segundo disseram-me, a mesma do Perú e Bolivia, posto
que alli pouco uso se faça d'ella .

« A chapada em geral descamba ingreme e as vezes precipita-


damente para a região inferior, apparecendo a planicie em baixo
como um mar com bahias e entradas ou enceadas fundas :
<« Ao pé da chapada, n'uma d'estas enceadas está a villa do
Diamantino.
« Latit. 14° 24' 33" S.
« Longit. 56° 8' 30" 0. de Greenwich .

<«< O rio Paraguay nasce cerca de 10 172 milhas ao S. e 4 172


O. do Diamantino ; mas o seu curso, ao principio NE . entra na
planicie 2 ou 3 milhas a E. e gradualmente curvando-se para O.,
passa 3 milhas ao S. da Villa, sendo este o seu ponto mais sep-
tentrional .
« O rio Diamantino, pelo contrario, vem do N. e passando junto
da povoação cahe no Paraguay, 5 ou 6 milhas abaixo ; toda a sua
extensão, omittidas as menores voltas , não excede , segundo pen-
so, de 15 milhas,
- - 148 .

« O Rio Preto nasce, mais ou menos, 10 millas a E. da Villa


e o seu porto fica cousa de 15 a 16 milhas ao NE . d'ella .
« De vez em quando na occasião das aguas grandes tem por
ahi transitado canôas ; quando estive no Diamantino, uma com
carga de 1,500 arrobas e que tinha vindo de perto de Santarem,
atravessou e desceu o Paraguay até villa Maria.
« O Rio Preto desde o porto até a fóz, è uma corrente estreita
e tortuosa como um regato de campinas, nunca tendo de largura
mais de 14 a 18 metros, e as vezes completamente entupido de
paos, de uma a outra margem.
<< Poucas milhas abaixo da bocca do Rio Preto está o Porto
Velho do Arinos, quasi exactamente ao N. de Diamantino. >>

Expostos estes pormenores interessantes, passo a dar em re-


sumo o Itinerario com as modificações declaradas e com a desig-
nação dos pontos astronomicos que poderam ser determinados pelo
geographo inglez .
149

RESUMO DO ITINERARIO DA DESCIDA DO TAPAJÓS EM OUTUBRO DE 1854.

Embarca-se no porto do Rio Preto que dista da Villa do Dia-


mantino cerca de 4 112 leguas . Rio muito estreito ( 14 a 18 me-
tros), tortuoso e cheio de pãos cahidos que embaraçam sobremodo
a passagem das igaritės . Gasta-se por isso 2 horas do porto a főz
do rio . Entra-se logo no

RIO ARINOS,

Largura 60 metros.
Pouco abaixo está à margem esquerda d'este rio o logar de
Porto Velho.
Lat . • 13°-57'- 0"
Long .. ... • 56°- 9'-0" (1)
De Diamantino a Porto Velho vão 10 leguas.
O rio é limpo e n'elle se navega de dia e de noute.
Registo velho à esquerda ; e, uma hora de viagem mais, chega-
se å bocca do Rio da Prata, denominação devida ás suas aguas
claras e mui crystalinas .
Ilha do Tacuaralsinho .
Cachoeira dos Páos ; assim denominada por ser somente for-
mada de grande quantidade de pȧos cahidos que perturbam as
aguas e difficultam a navegação . Nada tem de perigosa .
Barranco da Samambaia á direita.

Barranco das Pitas à esquerda .


Este ultimo logar foi em tempo antigo habitado , porque n'elle
se havia achado minas de diamantes de que são abundantes as

(1) N'este Itinenario as latitudes são sempre meridionaes, e as longitu-


des ao oeste de . Greenwich . A expressão -á direita , ou à esquerda - que
frequentemente se emprega em relação ás margens, deve ser entendida no
sentido geographico .
150

margens e terras do Arinos ; as maletas, porém, fazem tanto es-


trago nos que vão minerar n'esta região, que todos tem desani-
mado de formarem ali qualquer estabelecimento .
Passa-se por innumeras Ilhas.
Rio dos Patos à direita. Em suas margens habitam os pacificos
Indios Bacairís.

Chega-se e pousa-se junto a um grande Paredão para descançar


a gente e se evitar perigos de noute.
Larga-se do Paredão pela madrugada.
Arraial Velho logo adiante . Já foi habitado e com Fazenda de
creação.
Demanhã apparecem numerosas Ilhas, e logo adiante,
Barra do Sumidouro que entra da esquerda.
Lat.. • 13° 23'-30"
Long.. · 56°-17'- 30"

Do Porto do Rio Preto a esta barra vão 20 leguas .


<<Do Porto Velho à bocca do Sumidouro ha apenas 40 milhas
em linha recta, mas por agua 80 milhas ou mais, porque o rio
torce-se demasiadamente como que rodando, quasi chegando mes-
mo a correr no rumo SE.

<< Largura na bocca, cerca de 36 metros ; corrente rapida e d'agua


muitissimo clara. » ( Chandless ).
O Rio Sumidouro , muito acima de sua barra passa por debaixo
de duas serras d'onde surge em um canal muito estreito . Suas
margens, são habitadas pelos pacificos Paricys, commumente co-
nhecidos por Peneireiros .
Da barra para baixo ha grande abundancia de peixes .
Passa-se sem difficuldade uma pequena cachoeira.
Ilha do Cyriaco. Este appellido recorda o nome de um infeliz
tripulante que chegando muito doente a esse ponto , abi foi aban-
donado a seu destino fatal.
- 151

A' tarde chega- se a um campo à direita, no centro do qual


habitam os indios hostis, Tapanhonas e Nambiuaras .
Apparecem já ahi as palmeiras Inajá e Bacaba.
Barreiras à direita e Furado Grande .
Ahi habitam os Bacairis . Descança-se 2 horas .
Larga-se, e toda a noute navega-se de bubuia , isto é, à mercê
da corrente . Passa-se muitas Ilhas.
De manhã, apparece uma grande bahia à esquerda, onde ha
muita abundancia de peixes.
Rio Tapanhonas à direita com largura de 20 metros .
Do Sumidouro aqui 30 leguas .
Estas paragens são infestadas pelos Tapanhonas selvagens e
hostis .
Barreira do Janipapo.
Ilha da Barreira e outras em seguida .
Faval, logar em que ha abundancia de plantas com o nome de
Favas de Santo Ignacio .
As margens do rio aqui tornam-se chatas e cobertas de um
capim branco, como chamam ao matto baixo que cobre o terreno.
Depois de repouso, larga-se de tarde e anda-se de bubuia toda
a noute.
De manhã,-Barranco vermelho, ultimo que se encontra des-
cendo-se o rio.
Varias Ilhas.

Os Poções ; poços cheios de peixes ,


Mais dous estirões abaixo, acha-se já muitas arvores chamadas
Tacurizaes, de que se fazem as Ubás, embarcações proprias para
transportes e navegação n'este rio. Distinguem-se por sua altura
e grande ramagem . As mattas vão ganhando maior espessura.

Pouzo Alegre.
Do Tapanhona até este ponto 25 leguas.
152-

Este logar tomou o nome de-Pouso- Alegre- porque aquelles


que sobem o rio, chegando ahi, folgam, divertem-se e se felicitam
por terem vencido tantos obstaculos , perigos e trabalhos com que
luctaram . E' com effeito d'ahi para baixo que o rio offerece a
cada passo um perigo ao viajante.
E' tambem o logar em que aquelle que pela primeira vez na-
vega o rio, paga a patente , isto é , as pequenas despezas dos re-
gosijos e festas do dia da chegada.
Larga-se pela tarde . -Milhares de Ilhas de pedras formando
tal laberyntho que só um bom pratico pode saber por onde con-
vém seguir.
Cachoeira da Figueira , com poucas ondas , mas muitos rebojos ;
dá passagem facil pelo lado direito .
Longas curvas do rio para E. e O. e mesmo para o Sul .
Boqueirão ; tem um canal com ondas e rebojos .
A' tarde , pouso .
De manhã ; numerosas pedras e correntezas .
Cachoeira do Rebojinho ; muito pequena.
Baixios.
N'este ponto onde houve demora de 7 horas para se experimen-
tar o terreno de mineração, obteve-se na lavagem do cascalho
algumas pedras indicativas de diamantes e uma porção de ouro .
A' tarde. Avista-se a Serra do Rio do Peixe.
Pedras por todo o rio ; canal de 5 palmos .
Começam a apparecer a palmeira do Assahy e as Castanheiras.
Grande rocha de granito no meio do rio com 6 metros d'altura
e cerca de 30 de circumferencia.
Pouso na ponta da Serra.
Demanha-Rio limpo atè a fóz do
Rio do Peixe à direita com 90 metros de largura . E ' o maior
tributario do Arinos.
-153 —

Da fóz sahe um travessão de rocha que encosta ao lado esquerdo


do Arinos .
Largura do Arinos aqui 200 a 230 metros.
Do Rio do Peixe até chegar a barra do Juruena reina uma forte
praga de piuns .
Pequenos montes aos lados do rio que passa em cachoeiras já
maiores.
Cachoeira do Rebojinho e da Meia-carga .
Em qualquer d'estas as canôas na subida passam a meia carga
e a sirga, indo o resto por terra.
O rio faz numerosas voltas para a direita e esquerda . Região
geralmente plana.
De tarde, serra muito alta em frente do rio, a qual como que
o cerca vindo da direita . O rio volta-se e vai tanto para a direita
que a serra, que apparecia d'este lado, agora fica a esquerda. Rio
placido e sereno até o Juruena .
Ponta d'uma longuissima Ilha que se acompanha durante 1 1/2
hora. Rio, tanto acima como aqui , sempre muito largo e baixo.
Fim da Ilha e logo ahi a
Barra do Juruena , à esquerda.

De Pouso-Alegre até aqui, 40 leguas.


Largura da barra do Jaruena 450 metros .
Largura da fóz do Arinos 270 metros.

Largura das duas correntes reunidas, um pouco abaixo de sua


juncção, 112 milha pelo menos : mas estão tam entupidas de pe-
quenas Ilhas e divididas por outras grandes, que se não pode ver
d'uma vez todo o rio.
Posição da fóz do Arinos-
Lat ... 10°-24-30"

Long . 58-2'-45"
- 154 -

RIO JURUENA.

As cabeceiras d'este rio ficam a 20 leguas da cidade de Matto-


Grosso ( antiga Villa Bella) pelo seu ramo principal , e a 30 le-
guas de Diamantino pelo ramo menor que é o segundo .
Da barra do Juruena para baixo, isto é , para o norte durante
alguns dias não se viaja jamais de noute por causa dos perigos
que a cada momento apparecem.
A margem direita é considerada inhabitalvel por causa das
grandes formigas ( traquás ) ; n'ellas se não vê Indios .
Demanhã ; -Ilhas e pedras ; uma das Ilhas com 2 leguas de
extensão, e passada ella,
Montes que vem até o rio e n'elle formam pequenas cachoeiras .
De tarde ; -Ilhas e pedras.

Cerca de 6 leguas abaixo da fóz do Arinos , o rio passa sobre


um leito undulado de granito, cujos cabeços se mostram as vezes
formando Ilhas, e outras vezes , grandes massas chamadas lages.
Demanhã . Largo da Povoação . E' uma antiga aldea dos
Apiacás, hoje abandonada.

De tarde. Innumeraveis Ilhas, chamadas da Sirga do Espinho,


occultam as margens do rio e occupam quasi todo o seu leito até
a fóz do rio S. João da Barra.
Demanhã. Grande corda de serras que se estendem até o
Salto Augusto, ou Salto Grande .
Vegetação robusta, apparecendo a Massaranduba, ou Páo de
leite, a Seringueira , muito menos alta e muito menos vigorosa do
que a do Amazonas, e a Envireira, de cuja casca interna se ex-
trahem fibras para espias das canôas empregadas n'esta navegação .
Taquaralzinho ;--Grande aldeamento de Apiacás.
Lat .... 9°- 2'
2'- 0"

Long . 58-16-40"
- 155-

« Os Apiacás, formam uma pequena tribu que é a primeira que


se encontra entendendo a lingua geral . Refere-se que o maior nu-
mero d'elles não desejando entreter relações com os brancos , se-
pararam-se, indo estabelecer-se no rio S. Manoel.
« Elles ( os do Juruena ) tem umas seis aldeas, todas á beira
d'agua .... Em torno das casas ha plantações de urucú , algodão ,
cana d'assucar, mandioca, bananas, milho e batatas doces, sendo o
modo de cultura pelo menos tam bom como em qualquer parte do
interior do Brazil .

<«< A salsaparrilha é o unico objecto de commercio que elles


tem para vender e parece que aprenderam já o valor d'ella . >>
(Chandless. )
Fornecem mantimentos aos passageiros e os auxiliam na na-
vegação.
Mais abaixo está em uma Ilha outra aldea dos mesmos Apiacás
dirigidos pelo capitão Manoel .
Passa-se a bocca do rio de S. João da Barra onde ha uma
grande e perigosa cachoeira tendo 2 canaes separados por uma
Ilha pequena, e cuja correnteza é de 10 a 12 milhas por hora."
Toda a carga passa por terra e em aguas grandes tambem á canôa .
Cerca de 3 milhas abaixo e , passada ainda uma segunda , mas
facil cachoeira, chega- se então ao
Salto Augusto ou Salto Grande .

Lat .. 8°-53-15"
Long .. 58° 15'- 0"
Está 35 leguas abaixo da barra do Juruena.
E ' o limite geralmente acceito entre as Provincias de Matto-
Grosso e Pará, mas não determinado por lei.
A cachoeira é dupla ; o rio desce por dous canaes com tres
tombos , cada qual mais formidavel.
O tombo da esquerda é muito alto, mas o maior volume d'agua
---
156-

despenha-se pelo da direita com grande estrondo . O outro tem


cerca de 10 metros de altura e o terceiro é menos alto.
<< Indo bem encostado à terra ao longo da margem direita, uma
canoa pode sem perigo approximar-se uns 50 ou 60 metros do
Salto. A rocha é uma especie de pedra lisa , de stratus mui ni-
velado.
« O rio tem dous canaes ; o tombo da esquerda é talvez o mais
alto, mas a principal massa d'agua passa á direita com larg. de
90 metros, estreitando-se até 70 e , em baixo , ainda menos. O
tombo immediato é de 10 metros, mais ou menos , com um segundo
menor, cerca de 140 metros mais abaixo ; e estando agora ( Junho )
cheio o rio, o impeto das aguas de um para outro era magnifico .
« De algum modo este Salto é um limite natural ( entre as duas
Provincias ) : os peixes pela maior parte são , d'alli para cima, de
escamas, e para baixo , de pelles. As mattas são tambem mais pro-
ductivas e os Apiacás dizem que acima do Salto não ha salsapar-
rilha. ( Chandless ).
N'esta medonha e eterna barreira, opposta a livre navegação ,
é absolutamente impossivel passar a salvo uma canoa ou mesmo
uma montaria descarregada, porque chegaria em baixo feita em
pedaços.
As canôas, e por conseguinte as cargas , são levadas por terra
por um varadouro do lado direito com 600 metros de extensão
desde o alto da cachoeira até a descida de um barranco ingreme
que tem 115 metros, conforme a altura d'agua.
Para se facilitar o transito das cargas e canôas por este disfila-
deiro é preciso fazer-se uma calçada em toda a sua extensão ( 115
metros ) e um caes do lado do rio ; assentar dous fortes esteios
curtos em distancia de 55 metros para amparo do moitão ; outros
iguaes no cume do barranco e de 200 em 200 metros em toda a
extensão do varadouro.
- 157

Do Salto Grande ao de S. Simão ha as seguintes cachoeiras :


Tocarizal,-sobe-se à sirga.
Furnas, -grande, mas transitavel . Canôas sobem vasias a sir.
gs . Cargas por terra .
Salsal,-simples, mas fortissima correnteza .
Rebojo, -mui transitavel. D'aqui principiam a apparecer mui-
tas serras pequenas, d'um e d'outro lado, até o salto S. Simão .

Banquinho, baixio no fim do qual passa o rio entre dous


grandes penedos com largura de 10 metros . Canôas a meia carga .
Depois segue-se grande estirão até a
Lage de S. Lucas,-que offerece passagem só por um braci-
nho, à esquerda.
S. Lucas, ―ė formidavel ; tem grande canal, mas perigosissimo .
Saival, -baixo ao longo do qual as canôas gastam dias a passar
a sirga.
Dobração, —ė mui pequena. - Depois de um estirão limpo , o rio
é cercado pelas montanhas que se vê logo abaixo da cachoeira de
S. Gabriel, transitavel, com grande perigo, por um canal a
esquerda, ——e intransitavel pelo grande , que é o do centro .
O rio tem logo abaixo a largura de 1 kilom .
S. Raphael,-no meio das montanhas . Canôas e cargas tudo
passa por terra, na extensão de 114 de legua.
Santo Iria, -canôas descarregadas e á sirga ; cargas por terra
e ao hombro . D'aqui para baixo já apparece a planta guaraná .
Banco de Santa Ursula, -transitavel.

Canal do Inferno, —canôas sirgadas, esteja ou não secco o ca-


nal. Estando secco estiva-se com madeiras verdes e sobre ellas
se faz passar as canôas .
Quando se teme perigo, vara-se por terra a canôa.
Na passagem dos dous pontos acima, gasta-se 12 a 15 dias na
subida pelo canal da direita, que é menos perigoso, e somente 2
-158-

ou 3 dias no da esquerda que a cada passo offerece os maiores.


perigos.
O rio corre depois tranquillamente por entre dous paredões até
entrar pela cachoeira da
Mizericordia :-E' formidavel ; precipitando-se por entre dous
barrancos e por pedras disseminadas pelo leito do rio , as aguas
rompem com extraordinaria violencia, dão de encontro a uma
ponta d'onde quebram-se em angulo recto, giram sobre si mes-
mas em rebojos, e logo adiante resurgem espumantes .
O fundo é extraordinario e a largura não excede de 60 metros.
Não podem as canôas ahi passar sinão por um canal, a esquerda ,
de grandes ondas, quando ha muita agua .
-
S. Florencio, é esplendida pelo quadro que ella offerece nas
suas aguas ; canal transitavel, com muito perigo, à esquerda, e
outro a direita mas quasi secco, pelo qual se pode arrastar a ca-
nôa vasia, indo a carga por terra.

Labyrintho, pequena, e com muitos canaes , ora seccoș, ora


com numerosas ondas e poucos rebojos. Na sahida a canòa vai á
sirga e a meia carga.
Segue-se um grande estirão, no fim do qual avista- se a serra
que pouco abaixo fórma o
Salto de S. Simão.

Lat .... 8° 13'- 0"


Long.. • • • 57° 59'-15"
N'este Salto, de alguns metros de altura, o rio rompe desde
cima, á direita, por um canal entre Ilhas formando pequenas ca-
tadupas e despenha-se da ponta da serra cahindo logo as suas
aguas no meio de ilhas de rochas. Encontra-se ahi uma grande
porção de rocha arenacea e macia que se tira para servir de pe-
dras de amolar.
-159-

Cargas e canôas passam por terra. O varadouro para cargas è


um pessimo caminho de cerca de 114 de legua, cheio de pedras
soltas onde os conductores de cargas muitas vezes tropeçam e
cahem.
« Pode-se fazer uma idéa das difficuldades d'estas cachoeiras pelo
facto de nos occuparmos 6 dias em viajar de S. João da Barra ao
Salto de S. Simão , distancia que não excede de 20 leguas, seguin-
do a corrente do rio e sem outra carga além de mantimentos e
bagagem. » (Chandless).
Cerca de 3 milhas abaixo de S. Simão , passado um longo e
largo estirão, o rio estreita-se muito até a cachoeira de
Todos os Santos .
Do Salto Augusto até aqui ha 20 leguas.
E' transitavel, posto que com difficuldades e perigos .
E' a ultima das cachoeiras chamadas de cima , ou da secção do
Juruena.
Passa-se uma grande praia e um estirão no fim do qual entra
da margem direita o
Rio S. Thomé com 65 metros de largura na bocca.

Lat .. 8°— 9' — 30"


Long . .. 57° 57'-45"
A barra d'este rio e a cachoeira de Todos os Santos marcam
a divisão natural das terras do Tapajós .
D'ahi para cima estão os ricos productos mineraes : o ouro e
o diamante, e tambem magnificas madeiras de construcção ; para
baixo estão a salsa, o cravo, o guaraná , a castanha, a mandioca. (1)
Na margem esquerda ha uma pequena aldêa de Mundurucús .

(1) Esta observação não está de inteiro acordo com a do sr . Chandless ,


no que este disse mais acima, talvez com melhor fundamento .
160

O rio é já muito largo e livre dos tumultos das cachoeiras du-


rante muitas leguas, navegando-se n'elle de bubuia noute e dia ,
e é por isso que da barra de S. Thomé a do S. Manoel o chamam
rio morto .

<< Por alli assim, posto que não saiba eu precisamente onde ,
mas, com toda a certesa, acima do rio S. Manoel, a agua do rio
muda do verde escuro transparante do Arinos e Juruena para uma
cor negra e triste ; rasão porque o rio S. Manoel para baixo é
conhecido com o nome de Rio Preto ( ¹) ; mesmo em Santarem
ninguem lhe dá outro nome. » (Chandless).
Rio S. Manoel;-soberbo e vasto, verdadeiro rival do Juruena
onde conflue pela margem direita.

Lat. • • • 7° 21' 0°
Long. 57° 47'-30"
Largura da sua barra 500 metros.
Largura do Juruena acima da confluencia -- 800 metros .
Largura dos dous rios reunidos, logo abaixo da confluencia , -
1 milha.
Distancia da barra do S. Thomé a S. Manoel -- 20 leguas .

O S. Manoel tem suas fontes ao NE. da villa do Diamantino e


a E. das do Arinos ; é conhecido em Matto-Grosso com o nome
de Paranatinga; nos mappas traz a denominação de Rio das Tres
Barras, denominação provavelmente devida ao equivoco de se to-
mar como barras suas a divisão effectuada pela interposição d'uma
Ilha que devide as aguas do Juruena na sua confluencia. (Chan-
dless não vio alli senão uma bocca) .

(1) Já expliquei na primeira parte d'esta memoria a origem d'este nome;


mas é possivel que o Sr. Chandless esteja melhor informado do que eu .
- 161

RIO TAPAJÓS.

D'aqui para baixo cessa o nome de Juruena e começa o de Tapa-


ós propriamente dito. Pouco abaixo está
Agua Pona .- Grande bahia á direita (ou um Igarapé , como diz
Chandless), por onde se vai ás campinas, e cujo canal só é conhe-
cido dos bons praticos .
Nas campinas se encontram aves e toda a sorte de producções
dos campos de Cuyabȧ .
Navegando-se n'essa bahia gasta-se 6 dias até o porto de des-
embarque, e d'ahi a 4 ou 5 leguas é que estão as primeiras ma-
locas dos Mundurucús , já em campos geraes.
Passam-se algumas boccas da bahia e muito adiante está o Pes-
queiro .
Rio tranquillo muitas leguas.
Grande Aldea de Mundurucús á esquerda, perto do Igarapé Iri.
Igarapé Jacaréacanga, à esquerda.
Outra Aldea de Mundurucús do mesmo lado .

Baixio das Capoeiras, com 2 leguas de extensão ; e á sua di-


reita o Igarapé Cabruá.
O canal d'este baixio está no centro do rio , do meio do qual ,
em aguas baixas, rebenta com extraordinaria força uma fonte que
se eleva 4 decimetros acima do nivel do rio . Em aguas baixas e
contra a corrente, a navegação é muito encommoda.
Rio muito largo e raso : grande estirão .
Baixio do Xacorão, mui perigioso na sêca : tem varias ca-
choeiras pequenas com um canal pelo meio . Abaixo o rio tem
112 legua de largura .

De S. Manoel a este baixio - 20 leguas.


Rio muito largo e tranquillo, entre estensas Ilhas , cercadas de
grandes praias onde ha abundancia de tartarugas . Estes animaes
162-

começam a apparecer da cachoeira de Todos os Santos para baixo.


Longos estirões no rio , tendo um 5 leguas .
Lago das Piranhas á direita.
Igarapés Cadiriry e Cabetotó do mesmo lado, dando o ultimo
entrada para as campinas .
Jacaréacanga - Maloca dos Mundurucús.
Lage,--- antiga residencia dos mesmos, hoje em abandono.
Rio das Tropas, à direita ; é um dos maiores affluentes do Ta-
pajós .
Dobração do Velho Pinto (Baixio) .
Longo estirão pedras, correntezas, pequenas cachoeiras e la-
ges de granito vemelho .
Mangabalzinho, baixio com canal entre recifes.
Baixio de Cantagallo.
Rio Crepury, á direita, com uma Ilha defronte e 70 metros de
largura ; vae á aldêa dos Mundurucús ,

Do Xacorão até aqui-30 leguas.


Rio placido e tranquillo .
Morro do Cataquara, 1 legua abaixo do Crepury, formado
por 2 faldas de montes escalvados , com muitos centos de pés de
altura ; é de rocha calcarea vermelha.
Bromba de Serra á esquerda, chamada Morro Pellado .
Praia Maria, à esquerda .
Grande estirão até a cachoeira do Mangabal Grande, baixio de
3 leguas com leito de granito, tendo no meio a Ilha dos Ratos e
muitas outras pequenas.

Campinas em ambas as margens com mangabeiras.


Sitio do Tavares, à direita, atraz d'uma Ilha, por onde passa
o canal.
Terra Preta, logar á direita.
163

Entre este logar e a Ilha dos Ratos gasta- se 4 á 6 dias , na subida .


Serra em frente e em ambos os lados do rio parecendo obstruil- o ;
chegado a ella, o rio fórma uma volta subita em angulo recto.
<< Exactamente na volta, está a Ilha da Montanha, morro de
cerca de 200 pés (60 metros) de altura , unica Ilha que em todo
o rio tem uma elevacão notavel » (Chandless .)
Passadas as cazas dos Maués , situadas á esquerda e logo abai-
xo da Ilha, segue o rio muito tranquillo até os Feichos, nome
dado a garganta do rio formada por duas montanhas , entre cujas
pontas passa com largura apenas de 160 metros.

Abaixo alarga-se consideravelmente dividindo- se em braços .


Urubutú , à direita ; logar occupado outr'ora pelos cabanos que alli
se refugiaram algum tempo .
Sant'Anna, ponto habituado por Tapuios .
Igarapé Namboay, à esquerda , pelo qual se vae ás terras dos
Maués.
Bomfim , logar à direita .
Tucunaréquara , logar á esquerda, fronteiro a Bomfim ; n'elle
abundam enormes jacarés e morcegos.
Grandes e ricos siringaes em ambas as margens.
Grande estirão, e depois :
Rio Jauaxim, á direita, com 100 metros de barra.
Babure, baixio que estorva a passagem para canôas grandes ..
Igarapé-assú, á direita , com 35 metros na boca.
Continúa o baixio Baburé com varias Ilhas e muitas pedras soltas
Seguem-se as 6 ultimas cachoeiras do rio que são :
Apuhy, Cuatá, Furnas, Bacaba , Maranhão Grande, Mara-
nhãosinho.
A do Apuhy.
Lat... 4° 32'- 0"

Long.. • 55°-54-23"
164

A cachoeira consta de 3 bocas por onde se atira o rio , uma


na direcção da corrente que é a maior e duas ao lado esquerdo ,
todas separadas por ilhas de pedra.
O aspecto d'esta cachoeira, e da do Cuatá , segundo o sr.
Maugin Desencourt é realmente admiravel e encantador, mor-
mente pela tarde , em que os raios do sól produzem effeitos
magnificos sobre aquelles lugares ; alli, as aguas descendo em tu-
multo pelas cataratas, repouzam-se logo n'uma ampla bacia re-
presadas pelos rochedos do Cuatá que as circundam . Cargas trans-
portadas pelo matto ; canôa vasia á sirga passando por um bo-
queirão de ondas e rebojos formidaveis .
Cuatá :- « Euma das mais fortes e das mais difficeis de romper
pela violencia das aguas que despenham-se de tres ordens de ro-
chedos.
« Os 10 homens da minha canoa gastaram cerca de 4 horas
para vencerem esta cachoeira, ora a nado suspendendo a igarité
por cima dos rochedos, ora agarrados a estes, rebocando-a com um
cabo feito de sipó grosso ... Os Indios conseguiram emfim sobre-
pujar tão medonha cachoeira. » ( Maugin Desencourt. )
Descarrega-se a canòa passando as aguas por um varadouro in-
greme de cerca de 174 de legua .
A das Bacabas e a das Furnas são pouco perigosas.
Maranhão Grande, -é uma das maiores, offerecendo a cada
momento iminente perigo ; o rio rompe rolando suas aguas tumul-
tuosas com grande impeto atravez dos rochedos.
As canôas pequenas, porém, evitam optimamente a cachoeira
passando por um canal estreito , à direita, escondido debaixo do
matto, e que se chama por isso saival ; em rio cheio formain-se
d'esse lado outros canaes que tambem dão passagem.
·Maranhãosinho - Está abaixo da antecedente e d'ella separada,
por um grande estirão . Tem canal ao lado direito ; é pouco alta
165 -

e não consiste senão em lages a flôr d'agua, represando o rio e


fazendo-o bramir com estrondo contra algumas ilhas de rocha por
onde se lança .
Acima d'esta cachoeira e, em geral em todas ellas , nos pontos
em que as aguas suspendem sua impetuosidade , o peixe apparece
em tanta abundancia, que os remeiros os matam á frechadas e á
tiros com a maior facilidade.

D'aqui para baixo não ha mais obstaculos a livre navegação do


rio.
Deixa- se à esquerda, atraz d'uma Ilha, o igarapé Traquapor,
depois o do Jacaré que dá entrada para Maués. Este ultimo fica
defronte de uma ponta coberta de campos naturaes onde o rio
descreve um semi-circulo e , voltando logo para o N. , prosegue
sua marcha e chega á primeira povoação civilisada , isto é , á
Itaituba.
Lat.. 4°-16'-47"

Long.. 55° 38'- 0"

Em Itaituba termina o Itinerario do sr. França, e é tambem ahi


que o sr. Chandless termina a narração da sua viagem pelo Tapajós.
De Itaituba, o Tapajós corre geralmente a NNE . até a Ponta do
Cururú, d'onde , reunido ao Arapium que vem do N. , já em fórma
de bahia e ao Arapichuna volta a ESE. , depois a E , passa por
Santarém e perde-se no Amazonas.
N'esse trajecto deixa successivamente :
Aldea Uxituba á direita, ao pé do Igarapé Tapucurá. ·
Diversas Ilhas pedregosas :
Aldea Cury à esquerda .
Tapėra (de Brazilia), do mesmo lado .
Rio Cupary, a direita.
Aveiro (Freguezia), do mesmo lado.

166-

Aldea Santa Cruz, à esquerda.


Ilha Capitary.
Tapéra (da extincta Freguezia de Pinhel).
Boim, (Freguezia) , do mesmo lado fronteiro a Ilha Tapayuna.
Enceada á direita, por onde se vae à Alter do Chão .
Ponta do Cururú , á direita
Bahia de Villa Franca em frente .
Ponta da Peninsula Arapichuna á esquerda.
Ponta Grande ou de Maria Josepha, á direita.
Ponta do Salé, do mesmo lado .
Ponta do Igarapé-assú , á esquerda.
E, emfim, Santarém .

Nas suas Notes on rivers Arinos, Juruena and Tapajós de que


em grande parte me tenho servido no itinerario do rio até Itai-
tuba, o sr. Chandless dá em resumo para o Tapajós as seguintes
distancias intermedias, em milhas inglezas, à partir de
Porto Velho á
Bocca do Sumidouro ... 80
«< do rio Tapanhonas. 120
Alto das cachoeiras do Arinos . 100
Bocca do Arinos .. 120
Salto Augusto . 140
Bocca do Rio S. Thomé . • 65
འ «< «< S. Manoel .. 80
1. Aldea dos Mundurucús .. 80
Bocca do rio Crepuri .. 100
Cachoeira do Apuhy . 120
Itaituba... 25
Santarém ... 170

1,200
167-

Estas 1,200 milhas inglezas correspondem á 348 leguas bra-


sileiras de navegação ; mas em linha recta ellas não excedem de 216.
Póde-se, pois , achar entre Santarém e o Diamantino a distan-
cia de 220 leguas em linha recta.

RIOS ARAPIUM E ARAPICHUNA E BAHIA DE VILLA FRANCA.

Para completar a noticia sobre o Tapajós addiciono as seguin-


tes notas que tomei durante a minha viagem :
O melhor trabalho que conheço sobre esta parte inferior da ba-
cia do Tapajós é o mappa levantado em 1844 , da fóz do rio até a
aldea do Cury, pelo sr . Fleuriot de Langle (hoje Almirante ) e con-
signado na collecção das cartas do finado Montravel, de cuja ex-
pedição hydrographica ao Amazonas fazia parte aquelle official .
Esse mappa, muito precioso em geral, ficou incompleto por não
ter o seu autor podido examinar toda a bahia de Villa Franca.
Os geographos que lhe succederam, em vez de completarem o
seu trabalho, limitaram-se a copial-o ; do que resultou que até hoje
se considera a planicie por onde serpentêa o rio Arapichuna como
uma Ilha , e não como uma peninsula que é, ficando tambem des-
conhecido o importante rio Arapium.

Eu subi este rio cerca de 20 milhas. Tem sua origem nos ter-
renos accidentados e densamente arvorejados que se acham entre os
rios Tapajós e Maués . Depois de formar algumas cachoeiras, cahe
na planicie, recebe um affluente do sul e outro do oeste- segue
a ENE . até a Ponta de Curupá, (termo de minha viagem ), tendo
ahi já cerca de 500 metros de largura.
D'ahi toma á NE . , deixa á direita os sitios chamados da Boa-Vista,
descreve d'esse lado uma larga curva para passar em rumo O. entre
as Pontas da Pedreira e da Saracura , e recebendo de frente o Igarapé
Axicará, volta ao N. , percorrendo n'este rumo cerca de 2 milhas.
168

Toma então definitivamente para NE . com um estirão de 10


milhas até entrar na bahia, de que elle proprio não é sinão um
prolongamento ; sua largura de 1 àá 1 1/2 milhas, as bellas praias
de area branca que contrastam com o azul escuro de suas aguas,
os campos semi-arvorejados da margem direita, e as terras, as ve-
zes alagadas, da esquerda, tudo o assemelha a aquella bahia, onde
faz barra entre as Pontas de Ecuipiranga ao N. e do Urucury ao
S. , ficando Villa Franca cerca de 2 milhas abaixo d'esta ultima
ponta.
A bahia prolonga-se muito para E., com bellas enceadas for-
inadas pelas pontas e recortes da costa septentrional, as vezes es-
carpada, terminando em duas enceadas corniformes, -a do Picaen
e a do Muacá, que são lagos quasi totalmente cobertos de canarana.
A Peninsula Arapichuna parte d'esta ultima enceada para OSO .
e vae terminar abaixo de Villa Franca e ao N. da Ponta Cururú.

O rio Arapichuna procede d'um grande pantano situado na


planicie ao SE . da Barreira de Paricatuba ; sinuoso , estreito e de
agua preta, como todas as correntes de identica origem, deixa
o continente, percorre a peninsula até a extremidade occidental e
lança-se no Tapajós por duas bocas , separadas por uma pequena
ilha.
Ainda n'esta parte se observa o costume invariavel do Ama-
zonas na sua marcha através do littoral . Um pequeno igarapé, o
Carariacă, que tem sua origem n'um pantano mui proximo ao que
dá nascimento ao Arapichuna, lança-se , durante o verão, no Ama-
zonas, pouco abaixo da barreira Paricatuba. Logo que chega o in-
verno é forçado a retroceder e a conduzir às suas fontes uma
parte das aguas do Amazonas que , inundando toda a planicie, con-
fundem-se com as do Arapichuna, e este, assim sobre-carregado ,
inarcha rapido a lançal-as no Tapajós na extremidade já indicada
da peninsula .
169

D'este modo o Tapajós , antes de lançar-se no Amazonas , recebe


d'este um contingente , como que para mostrar-lhe o caminho .
Eu subi parte do rio Arapichuna para visitar os numerosos ca-
coaes cultivados em suas margens e nos de alguns pequenos Iga-
rapés. Por toda a parte se vê ahi a obra milliennaria do Amazonas ;
a vegetação , a fórma das margens, a conformação do terreno
em geral e, durante o inverno , a velocidade da corrente , a còr
amarellada de suas aguas , as ilhas fluctuantes de canaranas que
as vezes cobrem-lhe totalmente a superficie, tudo vem revelar
que esta peninsula chata, deprimida e em geral arvorejada , que se
projecta sobre a vasta bahia do Tapajós ou , como geralmente se
diz, de Villa Franca, é uma simples feitura do Amazonas .
A ponta de terras alagadiças, onde surge no Tapajós ao N. o
pequeno Paraná-myrim , chamado Igarapé- assú, aproxima-se muito
da do Salé, situada na margem meridional, e o Tapajós que , acima
da Ponta do Cururú . apresenta uma largura de 7 a 8 milhas , co-
meça agora aqui a contrahir de modo as suas margens que, quan-
do passa por Santarem para cahir logo no Amazonas, tem apenas
defronte do Forte uma largura de 1128 metros, descendo porém
o seu fundo à 16 e 18 braças ou 38 a 39 metros .
Tal é o rio Tapajós com os pormenores e noticia mais exactas
que pude colher de seu curso.

Duas palavras agora sobre a sua navegação .


O que deixei consignado no resumo do Itinerario e de outras
noticias, creio que é sufficiente para demonstrar a impossibilidade
de navegação a vapor n'este rio , das cachoeiras do Maranhão para
cima, secção que ficará para sempre fechada ao vapor.
A obra de desobstrucção das cachoeiras seria uma das maiores
mprezas do mundo , mas ainda assim seria mais facil do que a
la canalisação do rio nos innumeros baixios de granito e de gres
que forram o seu leito em dous terços da extensão fluvial.
170

E pois , o que de melhor se póde e convém fazer é emprehen-


der-se algumas obras indispensaveis nas principaes cachoeiras, como
Salto Augusto , Salto de S. Simão e outras , para facilitar o trans-
porte das cargas e canôas nos varadouros ou portagens .
Das cachoeiras do Maranhão para baixo até a fóz , o rio não
offerece obstaculo algum a navegação por qualquer vapor. Os ri-
cos productos extractivos do Tapajós reunidos em Itaituba indicam
esta Villa nascente como um ponto importante que deve ser vis
sitado regularmente por vapores .
III.

RIO TROMBETAS.

(Oriximina, Uruchimina ou , melhor, Uruchiuine, dos antigos in-


digenas. )

De todos os tributarios que vem da Guayana ao Amazonas é o


Trombetas o mais consideravel depois do Rio Negro ( o Guainia
dos Indigenas ) que com o Orinoco e o Caciquiari limita aquella
região pelo lado occidental .
Como todos os mais rios de igual procedencia, com excepção
somente do Rio-Branco, o Trombetas não é conhecido na geogra-
phia sinão pelas informações que os Indigenas ministraram aos
primeiros geographos que d'elle se occuparam ; e é notavel que
nem mesmo a barra d'este rio tenha sido figurada com alguns vi-
sos de exactidão nas cartas até hoje publicadas.
Os elementos de que disponho para ampliar o conhecimento
que se tem d'este importante rio , constam apenas do seguinte :
Notas que tomei em viagem, da barra do rio até a confluencia
do Jamundá.

Informações de regatões e de outros praticos que no interesse do


commercio tem avançado até as cachoeiras e mesmo além d'ellas .
Um mappa ou roteiro figurado (de que obtive cópia) da Secção
fluvial desde a barra até o Lago do Mura, levantado pelo sr . ca-
pitão-tenente F. Parahybuna dos Reis por ordem da companhia do
Amazonas em 1854 , e acompanhado d'observações preciosas so-
bre a navegação do rio, productos e qualidades das terras adja-
centes .
-172-

As cartas representam todos os rios da Guayana meridional ,


desde o Uatuman até o Jary, avançando suas fontes muito para o
N. e descendo de NNO. ou, quando muito, de NO. até o Amazo-
nas. As noticias que tenho estão longe de confirmar esta disposi-
ção cartographica.
Sem confiar inteiramente n'aquellas informações, devo , comtu-
do observar que ellas concordam com a direcção e rumo achados
pelo Capitão-Tenente Parahybuna em sua exploração no Trombe-
tas, sendo tambem certo que os pequenos rios Curuá , Ererè e
Maycurú correm, em geral de NE . e só tomam o rumo NS . ou
mesmo SE . quando já muito proximos de suas boccas.
Esta disposição das correntes secundarias em seu curso superior
e a presença das pequenas serras nas immediações da margem do
Amazonas, parecem indicios de que as montanhas ou chapadas que
separam as fontes dos rios brazileiros das dos rios das colonias
guayanenses, avançam para o S. muito mais do que se tem imagi-
nado, e que a direcção dos rios não é a mesma que as cartas figuram.

O Trombetas é formado, no seu curso inferior, de dous ramos


principaes que se encontram quasi em rumos oppostos, e do Ja-
mundá de que tratarei em artigo separado .
O primeiro e o mais consideravel d'aquelles é o Trombetas
propriamente dito ; o segundo é o Cuminá .
O Trombetas, segundo conjecturo, deve ter suas fontes nas im-
mediações das do Anauaú, affluente do Rio Branco e do Rupu-
nury que vae ao Essequebo . Desce no rumo ESE . recebendo na
margem esquerda , antes de chegar às suas grandes cachoeiras,
um affluente notavel que vem dos campos do norte por onde os
Indios e negros do mocambo se communicam com as malocas de
negros que povoam as cabeceiras do Saramaca e do Surinam, na
colonia hollandeza.
XX - 173 ---

As cachoeiras occupam uma extensão de 14 a 16 leguas, ge-


ralmente coberta de florestas, percorrendo o rio um labyrintho de
ilhas pedregosas de diversas dimensões, variando sempre de rumo
nos canaes e alargando-se consideravelmente .

N'esse trajecto recolhe um affluente à direita e outro a esquerda


e passando a ultima cachoeira que é tambem a mais notavel, recebe
ahi mesmo e do lado do S. um Igarapé que não é mais do que um
braço do rio Jamundá que o faz assim chegar ao Trombetas .

Passada esta ultima cachoeira, o Trombetas entra logo na pla-


icie do Amazonas , torna-se gradualmente tranquillo, profundo,
streito e sinuoso até o Lago do Mura, termo da exploração do
Capitão-Tenente Parahybuna. Continúa d'ahi para baixo com fle-
xões iguaes, sempre no rumo geral de ESE. , tendo aos lados nu-
merosas boccas de lagos, grande numero d'elles accessiveis a va-
pores, e encontra o Cuminá que conflue à esquerda , vindo de E.
Este ultimo é ainda desconhecido mesmo dos intrepidos rega-
tões, cujas excursões acabam onde começa o dezerto ; e o dezerto
aqui começa nas cachoeiras do rio.
Abaixo d'estas cachoeiras o Cuminá, que parece vir do N. , reu-
ne-se com outro affluente que vem do ENE . Augmentado assim
O seu volume e entrado na planicie, dirige-se a O. percorrendo uma
região baixa e deprimida onde as suas aguas, como que estagna-
das, anastomoseam-se repartindo-se em defluentes , ora estreitos ,
como o Janauacá e Terra Preta, ora tomando proporções de lagos
extensos, como o Arapicurú e o Salgado, onde os ventos agitam
a sua superficie levantando grandes ondas.
O Cuminá reune todos estes braços em um só, exactamente ao
lançar-se no Trombetas .
Este toma então ahi o rumo SE. seguindo em uma linha recta
de cerca de 20 milhas . Por mais da metade d'este estirão ex-
tendem-se 2 ilhas estreitas e longas, chamadas Caypurú e Jacitára,
174 ―

ficando defronte da primeira, na margem esquerda, a bocca do rio


que tem o seu nome.
Quasi ao S. da ponta inferior da Ilha Jacitára está na margem
direita â fóz do rio Jamunda que , com suas aguas toldadas por
defluentes do Amazonas chega ahi com o humilde nome de Igarapé
de Sapucuá .

D'essa confluencia para baixo volta de novo ao rumo geral ESE ,


recebe à direita o Paraná-mirim Cachuiry, depois o Igarapé Ara-
picú e outros menores á esquerda, passa pela bocca de diversos
lagos, lança à direita dous Paraná-mirins que mais adiante se
confundem em um só, descreve uma ligeira curva para SE. , de-
pois para E. , e com este rumo perde-se no Amazonas , cerca de
uma milha á OSO. , da extincta colonia militar de Obidos.

O paranamirim menor segue à esquerda por um capinzal para


E., reune-se ao Igarapé Curumú procedente do lago e serra des-
te nome e encorpora-se com o 2. ° que parte do mesmo lado e
quasi o mesmo rumo . Este que é denominado Paranamirim de
Maria Thereza, logo que recebe o antecedente, inclina- se à ESE .,
e entra no Amazonas quasi junto da fóz do Trombetas de que se
destacára.

O Trombetas é um rio notavel pela extensão de seu curso,


pelo volume de suas aguas limpidas, pela fertilidade de suas terras
e por sua importancia geographica.

« E' um rio magestoso , diz o Capitão- Tenente Parahybuna, não


só pela cópia de suas aguas, porém ainda pelo duplo scenario de
suas margens . >>
Este duplo scenario de que vi exemplos na secção inferior, abai-
xo da fóz do Jamundá , é representado por duas zonas de ter-
renos que constituem a margem esquerda do rio . Quasi ao nivel
d'agua está a primeira zona, revestida de uma vegetação pouco
- 175-

desenvolvida, quasi toda igual em altura : é o terreno recentemente


formado que no paiz se conhece com o nome de Igapó, matto
allagadiço, por baixo do qual uma pequena canôa póde navegar.
Este primeiro degrão de terreno é interrompido a cada momento
por um Igarapé que vem de algum lago proximo .
A 2.ª zona, paralella á antecedente, é composta de terrenos
que, por sua altura escapando completamente ás inundações , cons-
tituem a verdadeira margem do rio . Uma vegetação possante e
variada reveste toda a sua superficie.

Atraz d'este segundo degrão do terreno avista-se, de espaço à


espaço , á quem da confluencia do Cuminá, uma serra de chapada
como o Uaracy-tapéra, ou composta de grupos terminando em
cimos arredondados pela vegetação que a corôa , como as bellas
montanhas do Curumú .

E' n'esta segunda zona, formada pelas terras altas , que em


geral apparecem as castanheiras que fornecem as amendoas tão
apreciadas no commercio, as copahybeiras que produzem o oleo
tão util á industria e á medicina e em fim uma infinidade de ma-
deiras estimadas para toda a sorte de obras de construcção , de
marcenaria e das mais delicadas peças de moveis.

A salsa, o cacão, a cana, a laranja , o café, mandioca, milho, ta-


baco, algodão, etc. , produzem com facilidade n'essas terras .

Duas palavras sobre os Indigenas :


Segundo as noticias que obtive, os Indios que habitam a bacia
superior do Trombetas devem ser os restos ou descendentes da he-
roica nação dos Caribas que os velhos conquistadores hespanhóes
exterminaram e perseguiram á ferro e fogo, aviltando-os com o
appellido de Canibaes .
Esses restos , sem duvida já degenerados, podiam ser ainda uteis
ao paiz chamando-os á industria. Em seu estado de mizeria actual
176-

e longe do contacto da civilisação , grande numero d'esses infeli-


zes são hoje escravos dos escravos refugiados nos Mocambos, e suas
filhas lhes são arrancadas para amazias d'esses mesmos negros que
dominam, como senhores absolutos , n'aquella região !

Quanto a importancia d'esta e de outra ordem que offerece o alto


Trombetas, eu expuz ao governo da Provincia em uma communica-
ção reservada tudo quanto me pareceo necessario , e não posso re-
produzir aqui o meu juizo sobre esse assumpto .
IV.

RIO JAMUNDÁ .

(Cunury dos indigenas , Nhiamundá ou Yamundá dos Missionarios)

O conto das Amazonas americanas, inventado por Orellana com


tam feliz resultado para os fins que tinha em vista, tornou celebre
o rio Jamunda, em cuja fóz, dizem, encontrára o audaz aventurei-
ro com quem se batera aquellas famosas guerreiras.
O Padre Christovão d'Acunha que , como muitos outros histo-
riadores jezuitas, se distingue por pouco escrupuloso na investi-
gação e exposição dos factos e por uma mui pronunciada affeição
a tudo quanto pode exaltar a imaginação , faz partir o rio de « uns
« montes de prodigiosa altura, chamados vulgarmente cordilheira
« da Guayana, nos quaes se acham as povoações das Amazonas , >>
« havendo entre elles um chamado Tacamiaba que se eleva ex-
«< traordinariamente acima dos outros e que é esteril por ser mui-
a to batido dos ventos.

« Na estação propria, os Guacaris que é o povo feliz (continúa


<<< o historiador Jezuita) que gosa o favor das valorosas mulheres
<«< Amazonas , lhes vem fazer a visita ; logo que ellas os reconhe-
<«< cem vão todas de tropel as suas canôas onde cada uma pega na
primeira itamaca (rede) que encontra e vai prendel-a em sua
>>>
« casa para n'ella receber o dono . >>
D'estes pormenores, sufficientemente frivolos para a historia,
seria forçoso concluir que os Guacurys subiam em canoas até ás
povoações das guerreiras, sendo por conseguinte navegavel o rio
mesmo até esses -montes de prodigiosa altura !
178

Os primeiros geographos adoptaram sem critica estas e outras


indicações imaginarias das fontes do Cunury ou Jamundá e é pro-
vavelmente por isso que figuraram o rio prolongando- se quasi de
S. a N. até a problematica cordilheira oriental que devide as
aguas da Guayana meridional das da septentrional.
Os geographos, que vieram depois, em falta de dados melho-
res, respeitaram e conservaram tudo quanto os antecessores fize-
ram , e Condamine que de Junho a Setembro de 1743 voou, por
assim dizer, de Tomependa nos Andes a Belem no Pará, não fez
mais, em relação ao Cunury, do que substituir este nome pelo de
Jamunda que talvez lhe fosse indicado pelos missionarios.

Bem que nem-uma exploração regular se tenha feito no Jamun-


dá e que não seja permettido ter muita confiança nas indicações
de pessoas em geral illitteratas, as unicas aliás que tem avançado
mais para as cabeceiras do rio e isso mesmo com o fim unico de
colherem oleo de cupahyba e alguns outros productos naturaes ,
estou persuadido de que o Jamundá não póde tirar suas fontes
das montanhas do Guayana.

Este rio deve vir da região central comprehendida no espaço


entre o alto Trombetas ao N. e o Uatuman ao S.
Descendo d'ahi o Jamundá ao principio corre provavelmente a
ESE. , por entre montes ; recebe pequenos affluentes , dirige- se
depois a SE . , atravessando pequenas cachoeiras e entra n'uma
planicie ou valle espaçoso densamente arvorejado , mas as vezes
alagadiço . Acompanhando a essa planicie, emitte de sua margem
esquerda um braço que, com seu nome , a atravessa para lan-
çar-se no Trombetas exactamente no ponto em que este rio, sal-
tando a ultima cachoeira, entra tambem na planicie .
Em quanto atravessa esta região plana , o Jamundá é quasi obs-
truido por uma infinidade de ilhas que o acompanham em suas
179 --

sinuosidades até perto da confluencia do Pratucú , não excedendo a


sua largura de 250 metros que, no verão, reduzem- se ainda a
150 e mesmo a 100, conforme a maior ou menor duração da es-
tação secca.
Antes de encontrar o Pratucú , deixa a planicie, e então as suas
margens tornam-se altas e , as vezes, montuosas .
O Pratucú, que é um ramo menor, corre mais ou menos parallelo
por algum tempo ao Jatapú (tributario do Uatuman), segue á E. e
reune-se ao Jamundá , cerca de 36 milhas acima de Faro . Seu curso
é bastante sinuoso e por entre montes ou serras pouco altas , como
quasi todas as d'esta região , e em sua barra no Jamundá devide-
se em tres braços desiguaes por ter ahi de permeio duas ilhas .

No ponto de juncção dos dous rios, as aguas se dilatam consi-


deravelmente formando uma vasta bahia, quasi toda rodeada de
terras altas e montes ; um pouco abaixo está a extensa Ilha Capi-
xauaramonha, toda composta de terrenos pedregosos, mas cober-
tos de arvores.
Dous serros se erguem na margem direita defronte das duas
pontas d'essa ilha : o do Dedal fronteiro á ponta superior, e o do
Copo em frente da ponta inferior ; este ultimo é um alto rochedo
que fica quasi a pique sobre o rio .

Deixando a bahia , o Jamundá dirige-se a E. em estirão consi-


deravel, fazendo apenas ligeiras flexões ; depois de 18 a 20 mi-
lhas n'este rumo, descreve um vasto -S- inverso, no fim do
qual entra com rumo de E. no Lago de Faro , deixando a Villa
d'este nome na ponta N. da sua entrada.
Desde a confluencia do Pratucú , o Jamundá é um rio vasto e
magnifico , d'um azul profundo, correndo quasi sempre por entre
montes, revestidos d'uma vegetacão vigorosa , recortado de pon-
tas e enceadas e bordado de praias de area alvissima , —acciden-
tes constantes que o acompanham até o lago de Faro .
180-

Aqui terminam as serras ou collinas que o acompanham ; aqui


desapparecem as praias de area e a vegetação brilhante ; aqui aca-
ham os terrenos accidentados e começa a planicie quasi nivellada.
do Amazonas ; aqui está em fim a verdadeira fóz do Jamundá .
Com effeito apenas se fecha o lago ao lado oriental e o Jamundá re-
rolhe-se a um leito pouco largo , entra ahi logo na margem direita o
Cabury, o primeiro braço ou Paranamirim que o Amazonas lhe envia.
O rio perdeu então seu aspecto soberbo ; seu leito é acanha-
do, sua marcha torna-se vacilante , sua côr mesmo desbotou-se um
pouco com o pequeno contingente d'aguas esbranquiçadas do Ca-
bury; a vegetação perdeo todo o explendor e apenas as margens
são orladas por uma estreita zona de arvores mediocres alternan
do com as gramineas , cyperaceas e outras plantas herbaceas que
cobrem a vasta superficie do littoral.
O rio toma, não o rumo de N. a S. , como se tem pretendido ,
mas o rumo geral de ENE . até o Paranamirim do Caldeirão .
N'esta secção é acompanhado, proximamente à margem , de
uma serie da lagos , ou consideraveis , como o Carauary, Algodoal ,
e Arakicaua, ou mediocres, como o Maracaná, Ubim , Abaucú, etc. ,
em cujas praias apparecem numerosos sitios com pequenas plan-
tações, como nas varzeas muitas choupanas de vaqueiros e ca-
patazes das fazendas de gado .
A partir do lago Arakiçáua, que é o ultimo d'esta secção , o rio alar-
ga-se até 300 metros, volta-se para o N. passando pelo logar denomi-
nado Repartimento, onde recebe na margem direita, que agora
oriental, o Paraná-myrim do Caldeirão que vem do Amazonas.
Placido, largo e ainda cristalino , o Jamundá recebendo este
contingente do Amazonas, muda totalmente de physionomia : seu
leito estreita-se e profunda-se muito ; a marcha é arrebatada, suas
aguas tomam uma côr amarello-olivatica, perdendo logo toda a
sua transparencia.
181 -

D'aqui em diante o seu rumo geral até perder-se no Trombetas


é NE , fazendo, porém, numerosas flexões, ora para o N. , ora
para E, e raras vezes para NNO .
As margens continuam bordadas d'uma estreita franja de arvores
atraz da qual se vê sómente plantas herbaceas e varios lagos .
N'esse trajecto deixa á esquerda o furo da Paciencia que dá
entrada para o lago Piraruacá, o de Caraná, Maryapixy e Sapucuá
que vem dos lagos de iguaes nomes.
Na margem direita ou oriental vê-se tambem alguns furos in-
significantes que vem dos pequenos pantanos que a acompanham .
Entra no Trombetas de fronte da Ponta Uruá-tapéra com 100
metros de largura ficando ao N. de sua fóz a ilha Jacitara .
A extensão do curso do Jamundá nas planicies não é menor de
28 leguas, sendo 14 na 1.ª secção de Fáro ao Repartimeno e 14
na 2. secção, do Repartimento ao Trombetas .
Vê-se que o Jamundá , ao contrario do que se tem pretendido
é actualmente um tributario do Trombetas e não do Amazonas .
Creio tambem já ter dito bastante para ficar patente que a cor-
rente figurada nas cartas como fóz do Jamundá no Amazonas não é
sinão um deffiuente ou Paraná-myrim d'este rio que vai lançar- se
n'aquelle e conduzil-o ao Trombetas .

Este facto e sobretudo o rumo seguido pelo Jamundá na pla-


nicie abaixo de Faro, -rumo inteiramente contrario ao que lhe
emprestam as cartas e os livros , não é um simples assumpto de
interesse geographico ; elle affecta tambem aos interesses das duas
Provincias -Pará e Amazonas-de que esse rio é limite official ,
-limite absurdo devido a uma falsa supposição que tem sub-
sistido até hoje por falta de conhecimento da geographia do paiz .
Eu reservo para outro logar algumas observações sobre este
assumpto de limite , já consignadas em uma communicação que
ha pouco dirigi ao Governo da Provincia.
V.

INDUSTRIA AGRICOLA.

O' CACÃO.

Cacahualt dos indigenas mexicanos . -Theobroma-cacão dos


botanistas.

Talvez não haja Provincia alguma no Imperio onde a terra re-


tribua mais generosamente a quem a beneficia do que no Pará , e
aqui nem-um genero de cultura offerece ao lavrador tanta garan-
tia de prosperidade como o cacão , —principal base da riqueza pu-
blica da Provincia. O lavrador que o cultiva methodicamente pode
ter a certeza de que, mais dias menos dias, a fortuna lhe virá
bater a porta ; cultivar o cacão é o mesmo que abrir a bocca de
um pequeno cofre , onde numerosos freguezes irão pouco a pouco
deitando o seu dinheiro.
Esta industria na Provincia, apezar das contrariedades que se
oppoem ás vezes ao seu desenvolvimento e dos embaraços com
que lutam os lavradores, apresenta um aspecto que , si não é li-
songeiro, tambem nada tem de desanimador.
A maior parte dos moradores das Comarcas de Santarem e
Obidos comprehenderam desde muitos annos as vantagens da cul-
tura do cacão e já um ou outro começa a enxergar na agricul-
tura, em geral , não só uma industria lucrativa, mas uma das pro-
fissões mais nobres e mais distinctas do homem.

Foi no opulento districto de Cametá que observei , pela pri-


meira vez, ha 5 annos, esta tal ou qual tendencia da população
183-

para o interesse real da Provincia ; a maioria dos habitantes , mesmo


aquelles que so dispunham de mui limitado espaço de terreno , sem
outros auxilios além dos seus proprios braços, formavam , pouco
a pouco, o seu cacaoal ; « porque, dizia-me um d'estes pequenos la-
vradores, n'esta terra quem tem um cacóal não morre de fome . »
« E tambem, accrescentou logo o outro, quem não tem um cacoal ,
não tem bom nome. »>

Eram homens de mui limitados recursos , que se exprimiam por


este modo: cultivavam o cacão porque queriam ser homens de bem !
Quando a maioria dos habitantes do Pará pensarem e procederem
como estes pequenos lavradores, a Provincia será então uma das
regiões mais ricas da terra.

Presentemente , sem fallar dos campos de Marajó onde flores-


ce a rica industria da creação de gado , os districtos agricolas são :
os de Bragança, Irituia, Vigia, Capital, Igarapé-myrim , Cametá ,
Muana, Monte- Alegre, Santarem, Alenquer, Obidos , e uma boa
parte do de Portel. Dizer isto e asseverar que estes districtos
são os mais opulentos e mais civilisados do Pará, é a mesma ver-
dade ; e tal é o effeito immediato dos habitos, costumes e vida.
da lavoura que é tambem n'essas partes da Provincia onde a po-
pulação é mais activa e mais energica, onde se encontram ho-
mens mais robustos, mais vigorosos, mais patriotas , onde em fim
os bons costumes e a civilisação fazem progessos mais sensiveis .
E , para dizer tudo de uma vez , que contraste notavel entre as
populações agricolas d'estes districtos , e as d'esses outros onde
milhares de creaturas passam seus dias a extrahir e fabricar serin-
ga , a apanhar castanhas e a pescar, deixando cada anno a sua pa-
thoça, partindo para os seringaes, sempre ricos de esperanças il-
lusorias, mas regressando sempre pobres e individados, soffrendo,
morrendo, e legando a seus filhos a mizeria e os habitos d'uma
vida errante, nomada e quasi irracional !
184 --

Aquelles que tiverem percorrido o interior da provincia terão .


sem duvida, observado esta notavel differença, ao menos quanto
as condições moraes da população ; e ninguem melhor o sabe do
que alguns respeitaveis Paraenses que residem nas cabeças d'es-
ses districtos ante-agricolas .
Em Gurupá, como em Macapá, Porto de Móz , etc. , alguns
d'estes cidadãos tem debalde tentado chamal-a a vida normal da

agricultura. A corrente para os seringaes é irresistivel ; não cede


a razão , nem á evidencia dos factos, nem á dolorosa experiencia
quotidiana. Dir-se- ia que não é um grupo de homens , mas , uma
estranha massa que se move independentemente do espirito intelli-
gente com que Deos dotou o genero humano.

Assim, quasi todos os braços livres abandonam a agricultura,


ao mesmo tempo que os escravos desapparecem concentrando-se
nos quilombos ; e os lavradores não encontram já recursos suffi-
cientes para continuarem a aproveitar a terra.

Relativamente a cultura do cacão que é o assumpto de que


me occupo, estou convencido de que este genero podia competir
com o de Caracas que é o mais estimado nos mercados europeos.
Para isto bastava que os productores do Pará fossem menos ro-
tineiros , menos indifferentes aos progressos da agricultura, n'uma
palavra, menos commodistas .

Bastava que, sem se incommodarem, se cotizassem formando


um capital de 3 à 4 contos de réis para mandarem vir sementes
ou mudas de Caracas, conhecerem o modo pratico d'essa cultura
' aquelle paiz, e, applicando-a aqui, melhorarem os seus cacóaes.
Por este meio, dentro de 6 annos teriam não só collocado o seu
genero em condições iguaes ao mais estimado na Europa e, por
conseguinte, augmentado os lucros da sua industria, mas tamben
resarcido as despezas que tivessem feito.
- 185

Para demonstrar a inferioridade do cacão do Pará em com-


paração ao de Caracas, inferioridade unicamente devida (é preciso
dizer a verdade como ella é) ao deleixo dos productores , apre-
sento aqui uma nota do preço que tiveram os generos similares
do Brazil nas Cidades anseaticas em comparação dos generos es-
trangeiros . Esta nota, que acompanha ao Relatorio do Ministro
d'Agricultura em 1865 , é extrahida do officio do Consul Brazilei-
ro em Hamburgo com data de Janeiro do mesmo anno .
Ella póde igualmente ser util aos que cultivam o algodão, ta-
baco e canna de assucar.
Eil-a :

Generos Nacionalidades Preços


Em
1863 1864
Brazileiro...
Algodão Nort'a mericano 25-27
22 112-28 12 Shel. bauco a libra
Indias occidentaes 20-26
" orientaes . 15-20
Bahia- branco em caixa .. 19-21 314 17-19
«< --mascavo .
Assucar Pernambuco-bran 17-18 314 14 3/4-16 114
co em saccos 19 114--22 18-20 1/2 Marco bauco por 100 libras
--mascavo.. 17 112-19 15-16 112
Bahia.. 4 112-5 4 314-5
Cacao Pará . 5 718-6 6 1/2-6 314 Shel.
8-8 314
Caracas....
Quaya-quil 610-13
374-7 114 11-13
Brazil-2.a e 3.a qualidade 4 172-8 4-9
-1.a dita 15 314-20 6-20
Tabaco Porto Rico
S. Domingos .
4 172-9
6-20
4 112-7
5-20 Shel . bauco por libra
Cuba... 7-16 7 1/2-24
Havana.. 10-80 8-96

Em varios pontos do Brazil e particularmente na Provincia do


Rio de Janeiro trata-se de dar substituto ao café no caso de falhar
a sua cultura ; penso , pois , que não será superfluo dar aqui uma
noticia do processo da cultura do cacão que talvez possa com
vantagem succeder a d'aquelle outro genero, quando os lavrado-
res não queiram cultivar conjunctamente um e outro , como é facil
conseguil-o.
Para tratar do assumpto não me quiz servir somente do estudo
· 186 -

que tenho feito d'esta industria, mas ouvi à cultivadores praticos .


pedindo-lhes informações , e estas me foram promptamente dadas
por um dos mais antigos e opulentos lavradores do districto de
Obidos, o Sr. Major Francisco José Machado Angico e por um
abastado commerciante e lavrador de Santarem, o Sr. Antonio
José da Silva e Souza que obsequiou-me com cópia de uma me-
moria que elle havia escripto em 1867 sobre este genero de cul-
tura. Passo a dar a noticia.

PROCESSO DA CULTURA E PREPARO DO CACÃO.

O CACÃO É A INDUSTRIA AGRICOLA MAIS ECONOMICA . -SUA CULTURA

EM TERRENOS ALTOS . - CONTRA-

RIEDADES ESPECIAES A QUE É SUJEITA NAS VARZEAS DO AMAZONAS .

Escolha do terreno . -O terreno que convém ao cacão deve ser


o mais fertil possivel. Além disso convém examinar si a camada
de terra vegetal é simplesmente superficial ou si profunda.
Neste ultimo caso o cacaoeiro ganhará sempre maior vigor e
pode-se contar que sua duração não será inferior a 70 ou 80 an-
nos. No 4.º caso , porém , vegetará com promptidão até o momen-
to de dar fructo , ou quando muito até a 2.ª ou 3.ª colheita; n'es-
sa época a raiz que sempre aprofunda-se muito, toca a argila ou
area , e a planta então fenece .
Os terrenos alluviaes, como em geral são os das margens do
Amazonas , são de ordinario muito apropriados para a producção
do cacão e quasi que é exclusivamente em suas margens e nas
dos igarapés proximos que se acham as principaes plantações, não
tanto por serem os melhores, mas porque não tendo as arvores
ahi raizes profundas, dão pouco trabalho ao lavrador para extir-
187 --

pal-as , -circumstancia preciosa n'este paiz onde o trabalho só se


effectua quando a necessidade è imperiosa !
Certas plantas que apparecem no matto, indicam ao lavrador
experiente si a terra é ou não boa para o cacáo. « Onde cresce ,
por exemplo, o urucury, (diz o Sr. Silva e Souza), cresce tam-
bem o cacáo ; o marajá indica o contrario . »

Preparação do terreno . - Escolhido o terreno , roça- se em Ju-


nho ou Julho e queima-se em Outubro ; encoivara-se bem até fi-
car o roçado todo limpo .
Feito isto divide-se o terreno em canteiros dispostos em linhas
rectas, cortadas por outras iguaes e equidistantes , isto é , em qua-
drados ; e em cada um de seus angulos assenta-se uma estaca
que marque o logar onde deve ficar o futuro cacaoeiro.

O espaço que se costuma deixar entre uma e outra estaca, ou,


o que é o mesmo, entre um e outro cacaoeiro , é de 12 a 14 pal-
mos, porque assim, diziam alguns lavradores, o cacoal fecha-se em
3 ou 4 annos e não occupa tanto terreno , como acontece quando
se planta a 12 e 20 palmos de distancia . ( 1)

Semeio . - Depois de limpo o terreno, procede-se ao semeio . Esta


operação consiste em quebrar-se os fructos maduros , extrahir-so
as sementes e metter-se estas na terra, Entre uma e outra semente :
deve haver um espaço de 4 a 6 polegadas, afim de que na oc-
casião da mudança, cada uma possa sahir com uma porção da
terra em que tiver germinado .

( 1) Convém não confundir - se este modo de lavrar a terra com o systema


de cultura intensiva . Não é por falta de terreno , nem por vantagem alguma
resultante de qualquer principio de economia rural , que a maioria dos la-
vradores de cacão poupam o terreno, mas simplesmente por commodidade ,
para se evitar o trabalho de arrancar as raizes e de tornal - o cultivavel .
- 188-

Rega-se a miudo os logares semeados, e faz-se-lhes sombra


com uma coberta de palha de 6 palmos d'altura para que as
plantas fiquem frescas, arejadas e suffieientemente illuminadas.

Mudas. Em Janeiro, as sementes já tem germinado , e as


hastes tocado a altura de 12 a 16 polegadas ; é tempo de tiral-as
do viveiro e de plantal-as nos logares designados pelas estacas .
O melhor tempo, porém, para a plantação é em Fevereiro, por
que o veranico ou verão de S. Martinho lhes faria algum mal,
si fossem plantadas em Janeiro.
Si a plantação , diz um dos cultivadores praticos , fôr feita em
dia de lua nova, ou, tres dias depois , pode-se contar com bom re-
sultado.
Antes da plantação, é preciso preparar o canteiro com terra pre-
ta, bem cavada e solta , e fazer sobre ella uma coberta de palha
para proteger do sol a nova planta.
Feitos estes preparativos, com uma faca ou outro instrumento
conveniente, abre-se a terra em que está a planta germinada,
até tocar-se na extremidade da raiz mestra, convindo não cortar
parte d'ella; si tal , porém, acontecer, nem por isso se perde a planta.
A muda deve ser extrahida do viveiro com parte da terra em
que germinou e cresceo, e tanto melhor será si a raiz sahir toda
envolvida com essa terra.

Apenas tirada do viveiro, deve ser plantada, abrindo- se ao pé


da estaca uma cova cuja largura e profundidade devem ser pro-
porcionaes ás dimensões da raiz da planta com a terra que a en-
volve . A raiz deve ser collocada na cova em sua posição vertical ; si
for collocada torta, a arvore não cresce bem.
Mettida a planta na cova, chega-se-lhe terra preta em torno e
cobre-se pelo modo já referido

Plantas protectoras.-O ardor do clima equinoxial não per-


189

mitte que uma planta tão delicada em sua infancia, possa vegetar
sem o amparo ou sombra de outras plantas .
E' por isso e talvez por um principio de economia pratica que
os lavradores costumam intermeiar o futuro cacaoal, aproveitando
os espaços entre as estacas, com pés de pacovas, mandioca, milho
e feijão .
As pacoveiras alem dos fructos que fornecem, são as mais
uteis aos novos cacaoeiros, porque lhes dão sombra sufficiente e
concorrem muito para conservar o solo sempre humido .
Convem, todavia , não plantal -as em todos os intervallos das
arvores, mas sim alternadamente, deixando livre um d'elles .
O milho , depois de plantado o cacáo, colhe-se, porque em 4
mezes germina, cresce, fructifica e amadurece .
A mandioca pode- se colher no fim de 6 a 7 mezes , poden-
do-se logo replantal-a para dar ainda uma colheta . porque as pa-
coveiras ainda não estão fechadas.
Quando a mandioca toca a um ou dous palmos de altura plan-
ta-se o milho e algum outro vegetal annual .

Fructificação . Com a protecção d'estas plantas o cacaoeiro


cresce, cobre-se de folhas e, quando a terra é da melhor qualidade,
floresce e começa a dar os primeiros fructos no fim de 2 annos :
o tempo ordinario, porém, para começar a fructificação é no 3.º
anno da plantação.
Está então já bastante cheio de folhas e è tempo de dispensar
as pacoveiras que já não são necessarias a umbração da planta ,
antes concorrem para demorar o fechamento de sua folhagem . O
cacaoeiro tem então vigor bastante para proteger-se a si mesmo
e aos visinhos .

Seus galhos se dilatam até quasi se confundirem com os da arvore


visinha ; folhas abundantes sombreiam todo o cacaoal ; é o que se
chama- estar o cacaoal fechado .
- - 190-

No 4. anno começa a indemnisar as despezas do lavrador ; e do


6.º em diante a safra torna-se excellente e os lucros são certos .

Tratamento .- Esta vantagem é tanto mais preciosa quanto o


cacaoal desde então pouco trabalho exige para a sua conservação e
para a producção , bastando para isso extirpar d'elle algumas pa-
rasitas de que é muito perseguido e alguns arbustos que appa-
recem por entre as arvores .
O pessoal empregado n'este serviço não pode ser mais econo-
mico. Para um cacaoal de 1,000 pés basta um homem para con-
serval-o em bom estado, sobrando-lhe ainda tempo sufficiente
para cuidar de outro serviço .
Ainda mais : este homem, si não for distrahido para outro tra-
balho, póde, elle só, encarregar- se do tratamento de 2,000 pés de
cacão !

Producção e colheta.-A producção do cacão é irregular por


depender de muitas e variadas condições do tempo, das estações,
da maior ou menor cheia do Amazonas, e de outras condições
entre as quaes se deve mencionar o maior ou menor espaço que
se guarda entre uma e outra arvore .
Calcula-se, termo medio em 50 arrobas o producto de 1 : 000
pés de cacáo. Quando a safra é grande, 1 : 000 pés produzem até
100 arrobas e as vezes mais .

O sr. Machado Angico informou-me que é tal a irregularidade


na producção que um pé dá as vezes 1 arroba e outras vezes
não dá mais de 1 libra.

A influencia do espaço ou distancia entre os cacoeiros é muito


notavel ; a este repeito a informação do Sr. Silva e Souza diz ( e
eu observei facto identico na Ilha do Arapiry ) « ...ha no rio
d'Alenquer 700 pés de cacão que dão por anno 120 à 150 arrobas ;
191

no mesmo lugar 2,700 pés que tem dado 350 arrobas, e perto
de Santarem 7,000 pés que raras vezes dão 100 a 150 arrobas.
« Os 700 pés, acima citados estão plantados a 20 palmos de
distancia uns dos outros ; os 2,700 a 14 palmos ; e os 7,000 a
9 palmos. >>
Este facto merece toda a attenção dos futuros cultivadores . Eu
addiciono aqui a differença notavel que resulta do espaço maior
ou menor guardado entre aquelles cacaoeiros .
Os plantados a 20 palmos de distancia deram 20 °
Os a 14 «<< « « 13 <«
Os « a 9 « 《 211 «

A colheta se faz , em geral, duas vezes no anno : de Janeiro


a Março e de Maio a Outubro. Em Santarem a colheta ordinaria
é de Abril a Agosto.

Preparação. A preparação do cacão começa pelo quebra-


mento do fructo, empregando-se para isso uma faca ; extrahem-se
as amendoas, que se vão collocando em um caixão , ou, como mui-
tos fazem, em um casco de tartaruga secco.

Despeja-se d'essa vazilha em um tupé, especie de esteira


de taboca ou sobre um tendal de madeira, onde ellas começam a
fermentar-se, devendo-se, porém , revolvel- as de hora em hora,
durante o dia, com um rôdo, afim de que a fermentação seja
igual, visto que é ella necessaria á conservação do producto e á
sua boa qualidade.
Fica assim o cacão bem desmanchado, ( como dizem ) e perfeito.
Outras informações dizem que, extrahidas as amendoas, devem
ellas ficar depositadas pelo menos 24 horas em vasilhas proprias
nas quaes desenvolvem aquella fermentação .
O primeiro processo, porém, que aliás póde não ser o melhor,
é o mais geralmente seguido .
192 -

Depois de fermentadas, as amendoas são levadas ao sol até fi-


carem bem seccas , para não arderem no paiol . Esse dessecamen-
to só se consegue em 5 ou 6 dias .

<< Algumas pessoas, diz o Sr. Machado Angico , se persuadem


de que o cacão bem secco diminue muito no pezo. E' um engano;
entrando bem secco para o paiol, o cacão torna a chumbar com o
frio , dá o pezo competente e nunca se arruina. >>
Do paiol sahe o cacão ensacado para o mercado.

Valor e exportação . —Fallemos do preço do cacão por arroba.


Devo ao Sr. Silva e Souza uma noticia que, em geral, está de
accordo com os poucos documentes officiaes que consultei sobre
os preços do cacão, e d'ella consta que este genero , logo que co-
meçou a ser exportado em maior escala para Portugal, valia 1 $ 500
á 1 $600 por arroba, conservando este preço até fins do seculo
passado ; mas em 1753 o seu preço subio tanto que n'esse anno
effectuaram-se as vendas a 2 pezos ou 45000 , como fiz ver no
meu relatorio de 1864.

De 1808- a- 1815 valia 3 $500.


De 1820-a- 1830 ficou tão desapreciado que chegou-se a
vender a 160 réis por arroba !
De 1830-a- 1840 subio a 15800.
De 1840- a- 1850 vendia-se a 3$300.
De 1850-a-1860 chegou por um momento ao alto preço
de 9 $ , que sem duvida foi devido a motivos de especulação ; des-
ceo, porém, logo ao preço ordinario, oscilando até 1866 entre
65500 á 78 , preço regular .
Em 1867 houve ainda uma alta vendendo-se à 94, mas bai-
xando logo a 65000 .
Hoje o seu preço regula 7 a 7 $500 .
O cacáo é, depois da borracha, o primeiro e mais rico produc-
193

to que alimenta o commercio do Pará ; pode-se mesmo affirmar


que esses dous artigos são os unicos que mais atrahem a attenção
do commercio para esta Provincia.
As duas comarcas de Santarem e de Obidos, produziram no
anno proximo passado 143,489 arrobas de cacão no valor de réis
932 :678$500.
A sua exportação encaminha-se, pela maior parte, para a França.
N'estes ultimos 20 annos , de 1847 a 1867 essa exportação,
com quanto seja consideravel, tem estado quasi estacionaria na
quantidade, tendo porém o seu valor augmentado .
Eu apresento aqui um quadro das quantidades exportadas e
do valor official nos quatro ultimos quinquennios e a média ex-
portação annual .
Quinquennios Arrobas Libras Valor official
1847-1852 ..... 1,097 : 643—16 ...... 2,469:0083048
1852-1857 ..... 925 : 136-27 ..... 3,218:879$259
1857-1862 ... 1,213:067-31 . • 6,469 :647$222
1862-1867 ..... 1,108 : 117-31 6,284:203 $103

Total nos 20 annos 4,343 :966 9 18,441 : 7375632

Termo medio annual 217,198 922:086$881


Como se vê do que fica expendido , esta parte da industria agri-
cola que é a mais economica e a mais rendosa da Provincia, está
ainda no mesmo pé em que a deixaram os antigos . Temos, todavia,
a triste consolação de que em Cuba mesmo o processo não é me-
lhor do que entre nós.
Não é agricultura que temos, mas simplesmente lavra de cacão.
Ha sem duvida um ou outro agricultor, propriamente dito ,
mas o seu numero é mui limitado , e eu fallo na generalidade .
Penso que não será inutil entrar em outros pormenores sobre
este importante genero de commercio . Vou começar pela parte.
194

capital, isto é, por um orçamento de receita e despeza do ca-


caoal, depois de formado , ou em plena fructificação .

Despeza de costeio . -Já se disse que um só trabalhador é suf-


ficiente para tratar e conservar em bom estado um cacaoal de
2,000 pés , desde que não fôr distrahido para outros serviços .
Admittamos , porém, que esse trabalhador só se encarregue
de 1,000 arvores, segundo o costume e pratica, seguida no Ama-
zonas e Pará ; toda a despeza annual que o lavrador tem a fazer
é a seguinte, segundo informa o sr . Machado Angico :
Jornal de um trabalhador a 400 réis por dia ... • 1445000
6 alqueires de farinha a 3$ • 18$000
12 arrobas de peixe a 35 ...
... 36$000
....
10 varas de panno grosso a 1 $ 300 .. 138000

Somma . ... 211$000


Accrescentemos para despezas eventuaes .. 9$000

Despeza total . . 220$000

Rendimento . Para se conhecer o rendimento é preciso primei-


ro saber qual a producção annual e qual o valor effectivo de uma
arroba de cacáo .

Já vimos que 1,000 pés dão, não obstante a irregularidade na


producção, cerca de 50 arrobas . •
Um cacaoal de 5,000 pés dará por conseguinte 250 arrobas.
Tomando-se um preço minimo para o calculo - 6 $500, vêr-se-
ha que a renda de um cacaoal de 5,000 pés será de 1 : 625$ 000 .
Deduzida a despeza de 1 :100 000 feita com 5 trabalhadores .
a rasão de 220 000 cada um, resta liquida a quantia de 5255,
dando assim cada trabalhador ao lavrador um producto liquido ,
pelo menos, de 105 000 por anno.
-195-

Applicando -se porém os 5 trabalhadores exclusivamente ao ser-


viço do cacaoal e podendo elles, por conseguinte, cuidar de 10,000
pés, é claro que o lavrador realisará em um anno o lucro liqui-
do de 1 :050 000 , empregando ainda o resto dos seus trabalha-
dores na cultura de outros generos , na pesca , na creação do gado ,
em qualquer outra industria.

Vê-se que não ha no Pará cultura mais facil , de costeio mais


economico , de resultados relativamente mais certos , do que a do
cacao .

Cultura em terras enchutas .- Sempre me persuadi de que


esta planta podia ser mais proveitosamente cultivada em terras en-
chutas, porém frescas e ferteis , do que nas varzeas. Dirigi pergun-
tas a diversos lavradores a este respeito, e das suas respostas me
foi facil concluir que as varzeas eram preferidas unicamente por-
que n'ellas o trabalho de preparar o terreno era muito menor do
que em terras firmes .

O cacáo , dizem os informantes , produz bem em terra firme , quer


nos montes, quer nos valles ou em terra de massapé que se en-
contra geralmente nos rios d'agua preta ; mas ha mais facilidade
em se fazer uma roça nas varzeas , onde as arvores não tem raizes
profundas que por isso facilmente se arrancam .
Nas terras firmes o trabalho é muito maior ; além disso o ca-
caoeiro nas varzeas cresce com mais rapidez ; estas duas cir-
cumstancias «< nos tem conduzido, dizem elles , a viver sempre no
lamaçal ! >>

Para se evitar a cultura no lamaçal das varzeas ha um remedio


que a pratica tem ensinado em outras partes e mesmo no Ama-
zonas é fazer-se as plantações em terras enchutas onde não che-
guem as inundações annuas.
« Com quanto os cacaoeiros plantados nas varzeas do Amazonas
196-

dêem tão importantes productos, tambem é excellente o resultado.


que se tira dos plantados em terras firmes, mesmo em cima das
montanhas. No Tapajós, ha poucos annos , não havia cacoaes de
cultura, mas ultimamente este ramo de lavoura tem ali tomado
grande desenvolvimento e os plantadores tem sido bem indemni-
sados de seus trabalhos . » Esta observação é do Sr. S. e Souza.
Na Provincia do Maranhão e em climas menos ardentes como
nos valles do baixo S. Francisco, Paraguassú , Gequitinhona , Mu-
cury, Rio Doce e Parahyba do Sul, o cacaoeiro póde sem duvida
ser cultivado em grande escala e com superioridade sobre o café,
por exigir menor trabalho e um pequeno numero de braços em
seu costeio, circumstancia importante para a questão do elemen-
to servil.
A esta vantagem reune-se ainda a da longa duração do cacao-
eiro . No Pará esta duração é de 80 á 100 annos, e mesmo 150
annos. A duração maxima não foi ainda calculada, porque excede
a da idade mais avançada dos cultivadores ; pode- se porém fazer
idéa d'ella pela existencia do Cacaoal Imperial, que é quasi contem-
poraneo das primeiras missões dos Jezuitas no Amazonas ! ...
Um facto importante , que interessa ser conhecido dos cultiva-
dores de cacão é que em Santarem , segundo as informações, os
cacaoeiros perdem annualmente as folhas, ficando como mortos du-
rante a força do verão ( de Agosto á Dezembro ) . Apenas porém as
primeiras gotas de chuva vem refrescar o terreno, as arvores dão
signal de vida, e, como no Ceará, reverdecem cobrindo-se de novas
folhas, as flores começam a brotar dos galhos e troncos e em pou-
co tempo apparecem fructos abundantes .
Este lethargo ou repouzo estival da planta parece ser-lhe de gran-
de proveito, porque ella produz muito maior numero de fructos
do que os outros cacaoeiros da Provincia .
Productos. Além das amendoas para chocolate, tira-se do ca-
197 --

caoeiro muitos outros productos. Basta lembrar que das cinzas da


casca do fructo tira-se potassa em quantidade e fabrica-se sabão
superior ao hespanhol . Em Cametá ha uma fabrica d'este produ-
cto que é exportado para a Capital .
Da polpa que envolve as sementes se faz uma das mais deli-
ciosas limonadas, que é o refresco mais agradaval que se póde
tomar nas horas de calor. Da mesma polpa se fabrica uma aguarden-
te de 28 á 30°, muito aromatica.
Das amendoas se extrahe grande quantidade de oleo que soli-
difica-se e é conhecido com o nome de manteiga de cacão, pro-
ducto que se vende por alto preço nas pharmacias.

Contrariedades á cultura . - Depois de expôr as vantagens da


cultura d'este genero, é preciso conhecer tambem quaes os em-
baraços que contrariam o seu desenvolvimento nos districtos do
Amazonas .

Não se trata aqui da falta de espirito de associação , pois que


já disse a este respeito quanto basta, quando tratei da fabrica de
vinhos de cajú em Santarem .
A falta de braços é o maior dos obstaculos á cultura. Sobre este
particular me parece bastante recordar somente o trecho d'uma
communicação que fiz ao Governo, ha 4 mezes , referindo-me ao
elemento servil ....

« Esta grande porção de braços, refugiados em um ponto lon-


ginquo, quasi inaccessivel, e afastado da civilisação e do contacto da
industria e do commercio legitimo, não é menos um perigo para
o futuro da Provincia do que uma calamidade para a agricultura .
• Por toda a parte a decadencia da lavoura, por toda a parte
queixas dos lavradores.
« Em Obidos, Santarem, Fáro, Alenquer , Monte-Alegre , e Villa
198-

Franca, vê- se cacoaes abandonados por falta de braços que d'el-


les cuidem, plantações numerosas perdidas e invadidas pelo matto.
« Vi offerecer-se à venda 4,000 pés de cacão em Gurupȧ por
400,000 e não haver quem os quizesse por mais de 200 000,
e entretanto esse cacaoal não podia produzir menos de 120 arro-
bas por anno que a 65000 importariam em 7208000 !
« E ( este exemplo explica tudo ) uma viuva distincta, senho
ra d'uma casa que no tempo de seu marido era a mais rica de todo
o Amazonas, vive hoje apenas do rendimento de seus predios
alugados , porque não tem já, para cultivar ou conservar seus ri-
cos cacaoaes, sinão dous ou tres servos velhos que lhe permane-
cem fieis . »

Alguns cultivadores fallaram-me de uma praga que persegue


os cacaoaes : é uma quantidade enorme de papagaios , de araras e uma
legião de ratos e de outros roedores conhecidos com os nomes
de Torós, Quatipurús, Sauyás, etc.
Esta praga acommette os cacaoaes por tal modo que faz um des-
troço consideravel em seus fructos ; os papagaios são ainda mais te-
midos, por que são elles que mais estrago fazem .
E' preciso na verdade ter visto os bandos de milhares d'estas
aves que todas as manhãs e tardes vôam de um cacaoal a outro,
para se conhecer que não ha exageração na queixa dos lavradores.
A sagacidade e vigilancia que ellas exercem durante o tempo em
que se fartam nos cacaoaes, illude e zomba dos cultivadores que
os perseguem .

Incendio dos campos. -Quando durante o verão em que os


campos estão seccos, qualquer vadio quer divertir-se ou matar of
tempo, mune-se d'uma caixinha de phosphoros, chega á beira do
campo, atêa-lhe fogo e retira- se para vêr de longe esta obra da sua
industria.
- 199 -

Na falta do vadio que promove semelhante obra de destruição,


encarregam-se d'ella alguns tripulantes de canôas quando estas, por
qualquer motivo , encostam-se à margem do rio onde ha campos .
D'este divertimento dos ociosos , resultou que no anno de 1867 ,
grande numero de cacaoaes fossem devorados pelas chammas pro-
venientes dos campos , e em muitos até as cazas dos trabalhadores
ou administradores foram queimadas, como consta d'um perio-
dico que com o nome de Industrial se publicava em Obidos até
dezembro d'esse anno.

Terras cahidas. - Ha porém um inimigo dos cacoaes contra o


qual toda a acção dos homens é completamente impotente : é a
quéda de terras das margens do Amazonas.
Um cultivador abastado que reside na Ilha Juruty, o Capitão
Vidinha, vio desapparecer em poucos minutos, mais de 2,000 pés
de cacaoeiros arrastados pela corrente do Amazonas que alluio a
terra em que estavam plantados .
Em muitos outros pontos das margens se observa annualmen-
te esse desmoronamento não só dos terrenos frouchos em que o
cacão é plantado , mas ainda nas terras altas, que formam riban-
ceiras. Cerca de 50 leguas de margens foram alluidas em Julho
de 1867.
Pode-se em presença d'este phenomeno ter-se uma idéa da
enorme quantidade de cacaoeiros que se perdem em cada anno
nas margens do Amazonas .

Oscilações do rio . - Resta-me fallar desta ultima causa que


não é pouco notavel para as plantações .
Si o Amazonas , nas aproximações do inverno , depois de realisa-
do o seu 1.º e 2.º movimento ascencional que no paiz se conhe
ce com o nome de repiquete, começa a crescer uniformemente.
até cobrir as varzeas e campinas adjacentes à seu leito , pode-se
200

contar, dizem os praticos, que a producção do cacão será van-


tajosa .
Quando, porém, o rio apresenta um movimento oscilatorio,
erguendo-se e baixando successivamente, de Dezembro á Janeiro, os
cacaoeiros resentem-se d'essa marcha vacilante e os fructos tor-
nam-se raros.

Molestia . -Esta mesma oscilação do rio tem alguma influencia


sobre a sorte dos fructos. Estes , quando ainda estão crescendo , as
vezes amarellecem e cahem podres ; outras vezes quando já com-
pletos, pretejam, como se diz , isto é, mostram no epicarpo peque-
nas pintas ou manchas negras, que revelam o seu estado morbido .
Esta molestia a que se dá o nome de lagartão, ataca os fruc-
tos em duas circumstancias , ou quando se aproximam do seu
desenvolvimento , ou quando começam a amadurecer segundo ob-
servam os praticos .
No primeiro caso as sementes estão completamente corruptas
e perdidas ; no segundo ellas grélam d'entro do pericarpo , po-
dendo-se comtudo aproveitar muitas que ainda não estão affecta-
das d'esta germinação precoce .
Os lavradores attribuem a molestia, uns ás trovoadas e re-
lampagos, outros ao demasiado viço da planta.
Uns e outros podem ter igualmente acertado, pois que a
electricidade e a superabundancia dos elementos nutritivos das
plantas trazem-lhes molestias mais ou menos graves. A molestia
de que se trata merece ser estudada em beneficio de tam impor-
tante ramo da industria agricola do Pará .

wwwww
VI.

GUARANÁ .

(Guaraná, Guaranan , ou Uaranáan dos Indigenas . - Paulinia


sorbilis dos Botanistas. )

SUA PATRIA, SUA CULTURA E SUA UTILIDADE.

Ha já alguns annos que, desejando conhecer e fazer bem conhe-


cido o modo de cultivar e preparar o guaraná, pedi ao honrado Sr.
Coronel M. A. Pinto Guimarães, que obtivesse de algum culti-
vador pratico os precisos esclarecimentos sobre essa util indus-
tria ; mais depressa do que eu esperava, fui obsequiado com a
resposta contendo os esclarecimentos e notas que eu pedira.
Pouco depois li no Jornal do Commercio uma interessante me-
moria sobre este producto, escripta pelo Dr. Silva Coutinho, que
havia visitado Itaituba e outras localidades do baixo Tapajós.
Eu me dispensaria, portanto, de entrar em pormenores acer-
ca do guaraná de que tão magestralmente trata a memoria do
Sr. Coutinho si esta se tivesse vulgarisado e sido destribuida em
avulso pela Provincia, como convinha, e si, mesmo quando assim
fòra, eu não reconhecesse a vantagem de chamar sempre a atten-
ção do publico para assumptos de tam notorio interesse para a
agricultura, ainda mesmo repetindo - se o que já por outros tenha
sido dito ; porquanto em materia d'essa ordem ninguem aspira a
gloria da invenção ou descoberta, mas somente concorrer para o
bem publico .
Com este fim e sob esta consideração , consigno aqui as notas
202 -

que me foram fornecidas e que, em geral, não descordam da me-


moria do Dr. Coutinho sinão em pontos sem importancia . Eu as
resumo, conservando todavia a maior parte dos termos empre-
gados pelos fabricantes e cultivadores .

Escolha de terreno. - O terreno para a plantação do guaraná não


deve ser areento ; poderá, porém, ser o que apresenta uma côr
entre o amarello e o preto, quando não se encontre terra preta que
é sempre a melhor . Não obsta que o terreno seja pedregoso,
uma vez que seja fertil . Deve-se preparal-o do mesmo modo por
que se prepara plantação da mandioca, isto é , extirpal-o de arbus-
tos e de raizes deixando-o completamente limpo.

Plantação e fructificação . O methodo da plantação é o mes-


mo para a do cacão de que ha pouco se tratou . A germinação das
sementes, porém, é mais morosa, por que ellas só começam a gre-
lar 2 a 3 mezes depois tle plantadas .
A planta começa a dar fructos no 3.º ou 4. ° anno , e desde então
é preciso preparar-se-lhe uma latada ou caramanchel a que ella se
possa encostar, porque dobra-se como a parreira.

Producção e colheta . - Cada pé de guaraná póde produzir de


8 libras até 1 arroba ; ha com tudo , um ou outro pé que,
por excepção rara, nada produz .
Só ha uma colheta por anno ; e o tempo mais proprio para
apanhar o fructo é em Novembro .

-
Preparação . Cada pessoa em tempo de colheta póde apromptar
de 5 a 10 arrobas de guaraná , conforme a quantidade da plantação .
O fructo tem duas cascas : depois de maduro e colhido, tira-se a
primeira casca. lava-se a semente , torra- se em fogo lento e brando
até que ella fique dura ; tira-se então a segunda e sóca-se a se-
mente até ficar como moinha de arroz .
203

Ajunta-se-lhe depois, 12 a 14 colheres d'agua em cada libra ;


pisa-se bem até tornar-se em massa bem compacta, mas de modo.
que não fique pegada no pilão ou na mão do pilão .
Quando estiver n'essa consistencia, reduz-se a massa á rolos lon-
gos, e cylindricos ou á fórma que se lhe queira dar.
O processo final é a defumação ; isto se faz, pondo - se os pães
ou rolos em um girau acima de um fogo que faça bastante fuma-
ça, afim de que com o calor elles possam tornar- se seccos .
Tal é, em resumo, o processo do fabrico do guaraná.
Acrescentarei algumas observações em complemento a esta no-
ticia.

Do processo de preparação depende essencialmente a qua-


lidade superior do guaraná ; e é na torrefacção principalmente
que deve haver o maior cuidado, devendo-se ter em vista que o
calor um pouco mais forte queima a semente e o producto tor-
na-se pessimo .
O Dr. Riedel diz que os Maués secam as sementes ao sol ,
para prival-as do arillo vermelho .

Em geral , reputa-se de qualidade superior o guaraná que


mostra uma côr clara no interior , ou ao menos, de um pardo claro ;
mas convém advertir que , além de depender muito esta côr de
maior ou menor grão de torrefacção, ella é as vezes ficticia e sig-
nal de falsificação , pois que , como se sabe, tem acontecido ajun
tar-se ao producto substancias estranhas, como certas feculas , se-
mentes de cacão e outras semelhantes para dar-lhe a côr esbran-
quiçada.
E' um ponto sobre que convém chamar a attenção do governo
e do commercio, afim de se evitar que venha a succeder ao gua-
raná o desapreciamento que soffreo o urucú e o oleo de cupahy-
ba que especuladores miseraveis falsificavam para enganar aos
exportadores e consumidores.
204

Algumas observações agora sobre a sua patria e utilidade .


A planta Guaraná parece ser a companheira fiel das tribus in-
digenas Mundurucús , Maués, Araras , Muras e Apiacás .
A sua patria, pois que é onde mais commummente se encontra
em estado silvestre, é esta magnifica região, ainda pela maior par-
te habitada por aquellas tribus e que o autor da Corographia Bra-
zilica denominou Mundurucania ( 1) , comprehendida entre o Ta-
pajós e o Madeira, —região maravilhosa pela fecundidade de seu
solo , pelo curso e entroncamento de numerosas correntes e so-
bretudo pela variedade e abundancia de seus ricos productos ve-
getaes .
Os habitantes da Provincia de Matto-Grosso e os da Bolivia,
desde as margens do alto Paraguay e do Madeira até as monta-
nhas orientaes dos Andes, fazem avultado consummo do guaraná
que tem, entre elles, o emprego que no Pará e em quasi todas
as Provincias se dá ao café e , no Rio Grande do Sul, ao mate.

Tomam-no frio todos os dias, principalmente demanhã muito


cedo, em um calice ou cuia , conforme as condições sociaes e
posses de cada um . Para se reduzir a pó a massa do guaraná em-
prega-se geralmente a lingua ossea do pirarucú , a qual substitue
optimamente a uma lima.
No Pará onde, ha 20 annos , era uma bebida de uso geral e
continuo , tem sido substituido pelo assahy que, com o ser muito
mais agradavel, não tem, todavia, as qualidades beneficas do gua-
raná ; tendo já havido quem opinasse que uma das causas da mul-
tiplicidade de molestias que hoje reinam no Pará e que outr'ora
eram aqui quasi desconhecidas, está provavelmente na quasi ex-
tincção do uso do guaraná.

(1 ) Expressão derivada de Mundurucús, corrupção de Muturucus, a


mais bella, mais industriosa e mais bellicosa das nossas tribus indigenas . ,
205-

Os Indios Maués, muitos Mundurucús, os Muras e os Araras o


tomam a qualquer hora do dia ou da noute, começando das 3 ás
5 horas da manhã em diante. O uso que d'elle fazem, tem por
fim atenuar a fome e dar gosto ao paladar, como elles dizem. Mas
a utilidade principal é precaver-se por meio d'essa bebida contra
os attaques das febres paludaes , intermittentes e outras mais
perigosas que, por um triste contraste , ordinariamente se acham
ligadas ás localidades cujo solo é de notavel fecundidade .
Cada anno descem pelo Madeira mercadores da Bolivia e Mat-
to-Grosso dirigindo-se a Serpa e Villa Bella da Imperatriz, para
onde trazem seus generos de exportação e d'onde recebem os de
importação . D'ahi antes de regressarem, vão a Maués d'onde le-
vam algumas mil arrobas de guaraná , regressando então com suas
Ubas, carregadas d'aquelles e d'este ultimo genero, que elles vão
vender nos departamentos de Beni , Santa Cruz de la Sierra e Co-
chabamba na Bolivia e nas povoações de Guaporé e seus affluentes.
Identico movimento annual se opera no rio Tapajós , por onde
descem mercadores de Cuyabá e Diamantino com algum ouro e as
vezes com pequenos diamantes, que elles trocam pelo guaraná em
Itaituba . Alguns preferiam outr'ora comprar essa mercadoria em
Maués, atravessando a região por trilhos pessimos ; hoje quasi to-
dos descem até Santarém d'onde seguem em vapor até Belem, afim
de comprarem os generos de importação que convém ao seu com-
mercio . Restituidos à Itaituba , regressam em suas igarités, que

são as embarcações proprias para a navegação do Tapajós condu-


zindo o guaraná , ferro , aço , louça , cobre, vinhos , polvora, chum-
bo, sal, etc.

Utilidade da planta .—O guaraná é uma bebida util a saude ,


sendo tomada em dóses moderadas. E' tambem um medicamen-
to febrifugo . Segundo o Dr. Martius, corrobora o estomago e os
intestinos ; e o Dr. Langgaard diz que em França tem evidencia-
206-

do seus bons effeitos nas dyarhéas agudas ou chronicas, sendo que


algumas d'estas que tinham resistido á todos os medicamentos por
espaço do um ou dous annos, cederão ao uzo do guaraná.
As amostras de guaraná que appareceram na grande exposição
ingleza em 1862 foram muito apreciadas pelos homens scientifi-
cos. O eminente chimico Dr. Stenhouse, na analyse que fez do
producto d'esta planta, achou uma consideravel quantidade de
theina, elemento que dá ao chá o seu valor peculiar.
O guaraná é pois incontestavelmente uma planta das mais
uteis, e tudo indica que o futuro da sua exportação será lisongeiro
para os productores .
A questão está em que elles o queiram ; isto é , que procurem
augmentar suas plantações introduzindo na cultura e no fabrico
os melhoramentos que a experiencia for indicando .
O guaraná é cultivado em grande escala no districto de Maués
e, em escala successivamente menor , nas margens do Tapajós, Ma-
deira, Abacaxys e Canuman.

Maués é o centro principal da producção do guaraná : e este ge-


nero que constitue alli uma industria real , ha concorrido, quasi
que por si só , para a prosperidade em que ora se acha aquelle
districto .

No Tapajós a sua cultura tem-se propagado rapidamente, gra-


ças ao genio industrioso dos Mundurucús, de sorte que Itaituba
começa a competir com Maués no supprimento ao mercado , não
só de Cuyabá e Diamantino , mas tambem do Pará, d'onde é ex-
portado para as Provincias do Sul e, em pequenas porções , para
a Europa .
As terras altas do Tocantins , Pacajás, Xingú , Tamatahy, Trom-
betas e as do Lago Grande são tam adaptadas á cultura do guaraná
como as do Tapajós ; e eu creio que esta planta, cedo ou tarde será
encontrada no Xingú em estado silvestre , e talvez em abundancia.
207

Fóra da Provincia ella pode, segundo penso , ser cultivada com


vantagem nas terras quentes dos baixos valles dos rios S. Fran-
cisco, Parahyba, Rio Doce, Jequitinhonha e em varios pontos da
Provincia de Maranhão .
Aqui na Provincia o que convém é animar- se a sua cultura por
meio, não de premios e recompensas pecuniarias , mas de certas
isenções, principalmente de direitos de exportação que matam de
fome a magra e mirrada agricultura da Provincia.

Exportação . Não pude obter informações sufficientes para


saber a quantidade media exportada annualmente de Maués e de
alguns outros logares do seu districto para Bolivia e Villa Bella ,
hoje cidade de Matto- Grosso.
Para Cuyabá, porém, os productores só de Tapajós exportam
em cada anno 1,500 a 2,000 arrobas.
O preço por arroba em Maués é de 40 a 50 000 , e no Tapajós
45 a 50 000. No Pará regula 60 a 70 000 .
Este preço, por demais elevado , não póde acoroçoar muito o
consumo do genero onde não está ainda introduzido como uma ne-
cesssidade relativa . A propagação da cultura em larga escala é
que poderá fazer baixar o preço do producto , e só então o con-
sumo se multiplicară
VII .

INDUSTRIA FLORESTARIA.

CASTANHAS DO PARÁ.

(Bertholletia excelsa dos Botanistas )

No meio das florestas, mais ou menos afastadas das margens do


Amazonas, distingue-se, á grande distancia, os cimos de uma ar-
vore que por sua altura e notavel robustez domina todas as ou-

tras que a circundam.


Essa arvore collossal é a que produz as amendoas triangulares
oblongas, denominadas no commercio - Castanhas do Maranhão ,
Castanhas da terra, Castanhas do Brazil e , desde poucos annos ,
Castanhas do Pará.
Os indigenas semi- civilisados ou educados ao pé das povoações
civilisadas, não as distinguem por outro nome além da palavra
portugueza, já por elles corrompida, -Catanha. Os não civilisa-
dos, porém, conforme o dialecto que fallam, dão-lhe os nomes
de-Nha, Nhia ou Nia, Juvia , Tocari, etc. (H. e B. Mart . )
Humboldt e Bompland que foram os primeiros botanistas que
a descreveram, deram-lhe o nome scientifico de Bertholletia Ex-
celsa . Pertence , como a arvore da sapucaia ( Lecythis Ollaria
do nosso sabio botanista Vellozo ) á familia das Lecythideaceas.
As castanheiras não tem sido até hoje descobertas senão nas duas
provincias Pará e Amazonas e nas florestas do alto Orenoco , mor-
mente a E. da montanha collossal do Duida. O Padre José de Acos-

ta (Historia natural y moral de las Indias, anno 1590 , liv. 4.º


pag. 260 ) falla, com elogios, das amendoas d'umas arvores de
209 ---

Chachapoias, (Perú) que, segundo a descripção que elle faz , pare-


cem as mesmas castanheiras do Brazil.

Na provincia do Pará e em parte da do Amazonas, ellas , por


uma singular disposição geographica, determinam geralmente os
limites da extensão livremente navegavel dos rios.
Ao N. e ao S. das planices do Amazonas ellas occupam uma larga
facha, passando de um lado pelas cachoeiras do Tocantins, Pacajas ,
Anapú , Xingú, Tapajós e Madeira, e , de outro lado , pelas do Jary,
Parú, Maycurú, Curuá e Trombetas, indo reapparecer nas terras
altas e pequenas montanhas de Jamunda e Uatuman .
Assim, para este precioso vegetal em vez de um centro de crea-
ção, propriamente dito , ha duas vastas zonas que acompanham de
longe o curso do Amazonas.
No Tocantins chegam a formar grupos , mesmo em algumas
ilhas das cachoeiras, e não começam a apparecer na parte in-
ferior sinão onde esse rio torna-se innavegavel pela multidão de
rochas que obstruem o seu leito .

No Pacaja succede o mesmo, apparecendo em numero consi-


deravel junto as cachoeiras do Uruá e Grande e á de Pependá no
affluente Cururuhy ; abaixo d'estes obstaculos do rio, raras vezes
vê-se uma ou outra arvore , e essa mesma não é senão o resultado
da despersão de algumas sementes emigradas da sua zona de criação .
A castanheira, como mais de uma vez tenho observado, ve-
geta unicamente em terrenos altos e fortes, ao passo que a sua
quasi congenere, a Sapucaia, vegeta indifferentemente n'esses
terrenos ou em varzeas, mesmo quando alagadas durante o pe-
riodo das grandes aguas .

Viajando pelo rio Pacajă, avistei acima d'uma floresta alagada a


bella cupula de uma castanheira ; e , bem que se me assegurasse que
tudo alli era um extenso igapo (matto alagado), pude penetrar por
este até ao pé da arvore e verifiquei que ella se firmava n'uma
— 210-

especie de ilha sobre um terreno solido e elevado cerca de 2 metros


acima do nivel do igapò , tendo a ilha , talvez , pois que a não
medi, 100 a 120 metros de circumferencia .
Factos identicos se reproduzem e podem induzir a erros mes-
mo a espiritos os mais intelligentes, como já succedeu a um illus-
tre viajante, nosso compatriota, que por um facto identico , mas ,
de certo , não bem observado, disse, em uma memoria muito

estimada, que a castanheira era uma planta cosmopolita .


As amendoas da castanheira ou, como geralmente se diz , as
castanhas não entraram na ordem de artigos de commercio sinão
nos primeiros annos do nosso seculo. No anno de 1755 eram tam
pouco apreciadas que apenas se empregavam para sustento dos
animaes domesticos ; e este facto está comprovado com uma par-
ticipação do Missionario do Rio Negro Frei José de Santa Magda-
ena declarando que o Ajudante da guarnição de Barcellos mandára ,
Ina fórma do costume, uma canoa ás castanhas para se colher com
que sustentar as criações .
Talvez tambem não tenha outra origem o nome de sapucaya
dado ás amendoas da Lecythis Ollaria, pois que esta palavra indi-
gena sapucaya, si estamos bem informados, corresponde em por-
tuguez a palavra- gallinha ; o que indica que as castanhas d'esta
especie eram o alimento com que se nutriam as aves domesticas
que muito a apreciam .
As castanhas hoje constituem um importante genero de expor-
tação do Pará, muito estimado na Europa e Estados- Unidos , sen-
do este paiz, a Allemanha e a Russia os seus principaes consu-
midores.
A castanha de sapucaya é a mais estimada, dando um preço
regularmente triplo do da outra, porque além de ser em verdade
muito mais agradavel, a sua colheta offerece muito maior diffi-
culdade ; as suas amendoas não são , como as da Bertholetia ex-
211

celsa, encerradas dentro d'um pericarpo indehiscente , corneo e


encouraçado que exige o emprego de um machado ou de um pe-
sado martello para ser quebrado e se extrahil-as ; pelo contrario
ellas desprendem-se do fructo no mesmo momento em que este
deixa cahir o operculo ou tampa que as detinha, dispersam - se
pelos igapós e pelas margens das correntes onde se perdem, ou,
cahindo em terrenos seccos , são logo devoradas por uma infini-
dade de animaes silvestres que de ordinario esperam com ancie-
dade a sua quéda .

A sapucaya occupa na geographia botanica um logar muito


mais importante do que a castanha do Pará ; ella se encontra nas
provincias de Minas-Geraes, Rio de Janeiro, Espirito-Santo, Pará ,
Amazonas e em algumas outras em maior ou menor quantidade .
O preço da castanha do Pará, segundo se me informou, regu-
lava ha 60 annos , a 80 réis por alqueire e conservou-se por mui-
to tempo a 100 , 160 e 200 réis. Mais tarde elevou-se a 500 réis ,
preço então animador.

O preço normal é de 5—6,000 por alqueire , mas chega as


vezes a 85000. O da de sapucaya regula mais ou menos o triplo,
conforme a quantidade existente no mercado.
A quantidade de uma e outra exportada em 1867 das comar-
cas de Obidos e Santarem para a capital foi :
a
Da 1.ª 31,022 alqueires no valor ( medio ) de 155 : 110$ .
a
E da 2. 125 alqueires no valor de 1 : 800 $ .
Ao todo 31,147 alqueires na importancia de réis 156 :910$ .
N'estes ultimos 20 annos ( 1847 a 1867 ) regulou do modo se-
guinte , o seu preço , termo médio :

No 1. ° quinquennio a . · 18100
No 2.° • 25400
No 3.° « «< 35400
No 4. ° « 45800
212

A exportação nos referidos quinquennios foi a seguinte com os


seus valores :
Alqueires Ouriços Valor official
1847-1852 ... 294,901 300: 7345130
1852-1857 ... 279,932 685:202$206
1857-1862 . 324,914 78,165 1,101 : 835$ 670
1862-1867 .... 285,276 1,065 1,084:779$765

Somma... 1,185:023 3,172: 5518771

Termo médio por quin-


quennio . 296,255 19,807 793 :1378942
VIII .

SUCCO DA MAÇARANDUBA

Succedaneo da Gutha -percha.

Na primeira parte d'esta Memoria fiz mensão da Maçaranduba


como uma das arvores mais estimadas da Provincia, embora
não exista nas duas comarcas de que tracto ( Obidos e Santarem)
em tanta abundancia como nas outras . O succo leitoso que esta plan-
ta fornece em abundancia, merece a maior attenção dos commer-
ciantes por que pode constituir um dos mais importantes ramos
de commercio do Pará.
Já em 1864 eu expendi esta mesma idéa que a muitos pro-
vavelmente pareceo o que vulgarmente se chama theoria. Bem !
Hoje mais do que em 1864 insisto na mesma idea, apoiando-me, não
em simples theoria, mas em factos irrecusaveis .

Em 1859 um intelligente negociante que residia em Santarem, o


fallecido J. Gouzenne Faget, remetteo pela primeira vez para
França e Inglaterra amostras de diversos succos vegetaes , em
quantidade de 112 arroba de cada qualidade, afim de serem exa-
minados n'aquelles paizes ; entre as amostras ia o leite de Maça-
randuba.
O resultado obtido em Paris consta da seguinte carta dos srs.
Mullier Duval & C.ª por cujo intermedio foram remettidos os ar-
ligos :
«< Amigo sr. Gouzenne Faget .

« Tive occasião de fazer vêr as vossas amostras .... Mostrei-as


214-

a um dos maiores fabricantes, o sr. Ratton ; elle pretende que para


nada servem ; entretanto, não perco a esperança e tratarei com ou
tro fabricante .

<< Mas ha cousa mais interessante para a qual devemos lançar


todas as nossas vistas : é sobre a amostra n. 3, -Pao de leite de
Macaranduba - que sem duvida alguma é a Gutha -percha.
<<< Podeis remetter-nos de sociedade ( en conte à demi ) , se as-
sim quizerdes, 100 ou 150 arrobas d'esse genero , ou se não
quizerdes sociedade, 100 arrobas por nossa conta .
« Não é um artigo novo, pois que de Bornéo vem muito ; mas
é possivel que as vossas amostras sejam melhores e obtenham a
preferencia, como obteve a vossa gomma elastica, convindo po-
rém ter todo o cuidado e attenção para que dentro do pão não haja
terra ou outras impurezas ( saletés ) que podem prejudical-as ,
como se tem feito em outro tempo com o urucú que tem tido baixa
completa em preço.
<< Já se me fallou em preço de 4 a 5 frs. por kilograma, con-
forme o corrente . Os direitos são iguaes aos da gomma elastica.
« E' preciso toda a attençao para este negocio e proceder-se
de modo que sejamos os unicos a exploral-o .
<< Remettei esta primeira porção e póde ser que ella nos de
occasião de alargal-a em escala maior e mais importante ; mas
convém não remettel-as no navio de T..F . ( ¹) e fazer tudo de
modo que H... nao ouça fallar n'esse negocio .
<«< Acho que será bom fazer-nos as remessas por Liverpool ou
Lisbôa ; por este ultimo porto será melhor.
<< Quanto a importancia, autorisamo-vos a sacar sobre nós a 90
dias de vista . »
« Mullier Duval & C.ª »

Supprimo, por motivo de conveniencia, o nome do dono do navie e o do


negociante H...
215

Agora quanto ao recebimento que teve em Inglaterra a amos-


tra do succo, o seguinte trecho d'uma carta de Arch . Campbell,
antigo negociante d'esta praça, tambem hoje fallecido, explica
qual foi :
« Illm. sr. José Gouzenne Faget.
« Belem do Pará, 17 de Maio áe 1859 .
.Respeito ao leite de Macaranduba, nada pos-
so dizer do seo valor ; quando mandei a amostra para Inglaterra,
o resultado foi pedir-se maior porção para experimentar ; mas tanta
vontade havia para essa experiencia, que pediram logo 50 tone-
ladas !
« Si não for possivel alcançar porção sem ajustar algum preço,
podemos dar qualquer preço, até saber do resultado , querendo elles
fiarem na nossa honra, e creio que até 8 ou 10% , ou menos se poder,
ficando o negocio, sendo de sua vontade, entre nós . »
Temos pois ; Mullier Duval e C. " a pedirem a Gouzenne a re-
messa de 100 a 150 arrobas do leite de Macaranduba e a offe-
recerem-lhe sociedade na especulação , mas em todo o caso exigindo
tanto segredo no negocio que até lhe recommendam que não faça
remessa do artigo directamente a portos da França, mas ao de
Liverpool ou Lisboa, nem pelo navio de T. & F.
De outro lado ahi temos tambem o correspondente inglez
de Arch. Campbell a pedir, hinc et nunc, 50 tonelladas do mes-
mo artigo, ao mesmo tempo que Campbell com a sua habitual
sagacidade pede que o negocio fique em segredo .
Todo o mundo commercial conhece a prespicacia e tino do ne-
gociante de Paris e Londres e é facil comprehender que quando
um d'estes, recebendo um producto novo, exige logo uma remes-
sa consideravel , e recommenda segredo, é porque o negocio é
magnifico .
Mas, pois que se não póde duvidar d'estes factos , é licito per-
246

guntar -se : Porque não realisou Gouzenne a especulação que


Campbell & Mullier Duval & C.ª lhe offereciam ?
Com quanto esta objecção seja importante para o caso, penso que
será facil respondel-a .
O motivo não é desconhecido de todo o mundo no Pará. A
Macaranduba não é abundante no Amazonas, encontrando -se so-
mente no centro, muito longe das margens dos rios . Esta difficul-
dade e entre outras muitas a falta de braços , não permittiram á
Gouzenne satisfazer, em Santarem, aos pedidos.
N'essa época tinha ja disposto a sua mudança para a capital e
realisou-a mais depressa afim de vir cuidar d'aquelle interesse.
Circumstancias imprevistas, porém , conspiraram de modo que
não poude tambem aqui occupar- se seriamente do negocio, tendo
apenas conseguido a extração de 20 arrobas do producto que elle
vendeo logo, aqui mesmo , á casa filial de Mullier Duval & C.ª e

mais tarde outra porção aos srs . James Bishop & C.ª.
Demais, é bem sabido que, apezar da actividade de Gouzenne
e da sua probidade, o pessimo estado da praça, durante algum tem-
po, concorreo muito para o atraso dos negocios de sua casa que
não poude resistir a crise, fallindo pouco tempo depois. Desde en-
tão era-lhe impossivel realisar as suas vistas de um modo conve-
niente.
Segundo alguns apontamentos que elle forneceo-me pouco an-
tes de seu fallecimento, póde uma pessoa facilmente extrahir por
dia 20 libras do leite vegetal, vencendo o jornal de 18000, ou
quando muito 1 $280 réis :
Quem tiver, portanto, 10 pessoas empregadas n'este serviço , fará
a despeza diaria minima de 108000, ou cerca de 2 : 000$ 000 em
150 dias de trabalho , sendo a 1 $ 280 o jornal.
Terá, porém, recolhido nos 150 dias, 30,000 libras de leite,
que, vendidos a 135 por arroba, darão mais de 12 : 000$000.
217

Deduzida a despeza de jornaes, ficarão liquidos nos 150 dias


mais de 10: 0005000.

Passemos agora a outra ordem de considerações.


O leite de Macaranduba, exposto ao ar livre, converte-se
por coagulação gradual, em uma substancia de côr branca, um
pouco acinzentada , muito solida e compacta , quasi perfeitamente
identica a da Isonandra Gutta de Sumatra, ou gutta-percha, ten-

do sobre este producto a vantagem de ser mais elastica . Depois


de perfcitamente coagulado, é imperméavel a agua , onde torna-se
cada vez mais endurecido ; mas immerso em agua quente , amol-
lece e torna-se plastico, tomando todas as formas que se queira
dar-lhe:

Não é um artigo novo nos mercados europeos. Das colonias


estrangeiras da Guayana vão annualmente milhares de arrrobas
de succo da arvore Balata vermelha e de Bullet-tree para as fa-
bricas européas afim de supprir a Gutta-Percha que cada vez se
torna mais escassa por causa da destruição extraordinaria das ar-
vores que a produzem, não podendo a pouca que chega do Orien-
te satisfazer ao seu multiplicado consumo no fabrico dos cabos
electricos que hoje se vão estendendo por todo o mundo atravez
dos mares .

O succo da Macaranduba, segundo testemunhas competentes , é


o melhor succedaneo da gutha percha na construcção d'esses ca-
bos e em outros applicações em que elle substitue a esse produc-
to e ao da bor: acha, ou Cahuchů.

Para mostrar de quanto valor e quam rico é o succo de que se


trata, basta dizer que, combinado com a borracha ou com a bala-
ta , ou , emfim, com a mesma gutha percha, presta-se ao fabrico de
cadeas de relogio , anneis, pulseiras , brincos, e outros ornatos de
lucto ; bocetas, pentes, tinteiros e canetas ; bandejas, baldes, ba-
218

cías , castiçaes, bulles , chicaras, copos para agua , frascos , garfos,


colheres, facas mesmo, ainda que só para cortar papel, potes, ca-
necos, porta-relogios, caixinhas de joias e de costuras, armaduras
de binoculos e outros instrumentos , de mil cousas emfim.
Os succos da balata vermelha e do bullet-tree , acima alludidos ,
não só dao producto um tanto inferior ao da Maçaranduba, mas
vão sendo destruidas pelo arrocho e pela derrubada das arvores.
O da Macaranduba é de uma dupla utilidade e de facil extracção .
Não ha no interior da provincia quem não saiba extrahil-o , não
para o commercio, mas para alimento ! porque este leite vegetal
é um maravilhoso sucedaneo do leite de vacca .

Ninguem, todavia, o toma puro e simples, mas dissolvido um


pouco em agua, ou ajuntando - o ao café e chá, e fazendo com elle
papas de milho, mingãos de tapioca e por outros modos , por que,
talvez com motivo bem fundado, suppôe -se que, tomado simples,
coagula-se no estomago e pode ser fatal .
Si este facto é real, constitue elle mais uma differença essen-
A
cial entre a Macaranduba do Brazil e o Palo de vacca, o Ga-
lactodrendon utile de Humboldt e Bonplandt.
A arvore Macaranduba ( Mimusops Elata ) apparece com diver-
sos nomes na maior parte da America Meridional comprehenden-
do uma extensão de 33 grãos de latitude desde 10° septentrional
até o 23° austral.
No Brasil ella abunda desde o Pará até o Rio de Janeiro , e
Minas Geraes, e desde Pernambuco até as margens do Juruena em
Matto-Grosso, onde o sr . Chandless a reconheceo.
A Macaranduba do Rio de Janeiro que é a mesma de Minas, pa-
rece sel-o tambem a do Pará, sem differença conhecida, segundo
a descripção que d'aquella se tem feito.
Em Pebas e Loreto, no Perú cisantino, dão- lhe os indigenas o
nome de Saltanedecha e Leicheguayo .
219-

Na Guayana britanica onde abunda nas margens do Berbice ,


Canje e Corentyn , e d'onde desde 1821 até 1861 só era expor-
tada em toros , pranchões e taboas com o nome de Buruch, é
denominada Butty ou Bullet-tree.
Apparece em igual quantidade na Guayana hollandeza e na
franceza, com o nome de Balata vermelha.

Todas pertencem a mesma familia ( Sapotaceas ) e os Lotanis-


tas a designam pelos nomes de Mimusops excelsa , ou M. elata ,
Achras Paraensis, ou A. guyanensis, Sapota Molleri , etc.

O Palo de vacca ( Galactodendron utile de H. e B. ) , classifi-


cado na familia dos Artocarpaceas , tem muitas relações com a Ma-
çaranduba, quer quanto ao aspecto da arvore, quer quanto ao seu
succo lactescente , que aliás, é um alimento muito mais precioso.

Não quero nem devo terminar esta parte sem fazer ao governo
imperial uma censura, antes que estranhos lh'a façam . Esta
censura cabe tambem em parte ao governo do Pará e á sua as-
sembléa legislativa pelo seu descuido para com o assumpto a que
alludo :

O dr. Lacerda, segundo consta, não se esqueceo de descrever


a Maçaranduba na sua Flora Paraensis ; os desgostos , porém,
que este sabio soffreo no Pará e que o fizeram d'aqui retirar-se
para Maranhão, deram causa a que a sua obra , que , uma vez pu-
blicada, podia ser hoje um dos maiores e mais honrosos monu-
mentos scientificos do Brasil, fosse parar ao Rio de Janeiro onde
foi condemnada a perpetua privação da luz , com grave prejuizo
da Botanica e da Medicina .

Não será digna de severas censuras à indifferença com que o


governo do Pará e o imperial deixa apodrecer no fundo da Biblio-
theca aquelle precioso manuscripto que tantas vigilias, tantas fadi-
gas e tanta dedicação custou ao seu autor ?
220

O velho rei João VI, que certamente não era um sabio, mas
que tinha ministros sabios e patriotas, não procedeo do mesmo modo
á respeito da Flora Fluminensis que tanta honra faz a Vellozo e ao
Brasil, quanto os sabios a estimam e louvam a quem a fez devul-
gar pelo mundo scientifico . Entretanto a Flora Paraensis lá jaz
perdida ou talvez condemnada a servir de pasto aos insectos !
IX .

MADEIRAS DAS TERRAS PUBLICAS.

A legislação mandou reservar para as construcções do Estado


certas madeiras designadas em avisos do ministerio da Marinha .
Penso que esta disposição podia ser limitada á alguns pontos da
Provincia, uma vez que fosse observada com toda a exactidão e
escrupulo .
As florestas do rio Trombetas, por exemplo, encerram ma-
deiras sufficientes para a maior esquadra que o Brazil possa ter
n'estes 80 ou 100 annos, mesmo quando sejam o ferro e o aço
regeitados e substituidos por madeira nas construcções navaes. O
mesmo succede quanto as mattas dos rios Jamundá, Jary, Parú e
cutros muitos.
Bastava, pois, que as madeiras das florestas d'aquelles dous pri-
meiros rios ou, melhor, de um só d'elles, fossem reservadas ex-
clusivamente para uzo do Estado , franqueando -se todas as mais ao
commercio que acharia n'isto uma fecunda fonte de riqueza, to-
mando-se todavia as providencias precisas para se evitar a des-
truição das florestas .
A não se querer adoptar esta medida de que o commercio e,
por conseguinte, o Estado colheria incontestaveis vantagens , penso
que, ao menos , é de justiça e de utilidade que cesse a prohibição
de corte de madeiras reservadas existentes em terras particulares,
franqueando-se a seus donos o livre uzo d'ellas, sem dependencia
de licenças, que até agora se tem exigido , como se taes terras não
fossem propriedades particulares .
Opinando por este modo, devo tambem , uzando de toda a fran-
222

queza fallar do modo por que são executadas as ordens do go-


verno sobre esta materia.
Tem havido e felizmente ha autoridades que sabem cumprir com
lealdade os seus deveres ; isto porém é uma excepção e não a regra.
Subdelegados ha que mostram tanto zelo e tam vivo exforço
na execução das ordens, que de modo algum consentem que nas
terras publicas possa qualquer pessoa tirar madeiras reservadas si-
não elles, subdelegados , ou algum seu protegido !
Grande parte d'estas autoridades são tam complacentes que co-
brem os olhos com as duas mãos para não verem passar por sua porta
as madeiras reservadas e não se tranquilisam sinão quando o
barco que as conduz desapparece na primeira curva do igarapé.
Si aquellas autoridades obram de má fé ou por cobiça , estas ou
tras erram por um sentimento menos reprovado ; e em todo o caso
umas e outras concorrem sobre modo para o desconceito da lei e
desprezo da moral .
« Não me quero comprometter com os meus districtanos , dizem
alguns subdelegados, porque, se cumpro contra elles o meu de-
ver, perco a sua amisade e • • • o governo não está seguro ; vem
outro e demitte-me ! >>
Outros ha que seguem regra diversa. 0 governo dizia um
«O
d'elles, obriga-me a carregar com trabalhos de que só me resul-
ta prejuizo ; não me paga nem me agradece ; e eu preciso tratar
dos meus interesses ! »

Este indecoroso racciocinio apoia-se infelizmente na conducta e


marcha da administração superior quando esta se deixa arrastar
pelas conveniencias de partido. Eu cito a proposito um facto co-
nhecido.
Houve no municipio da capital um subdelegado honesto que pro-
hibia com energia e sinceridade a intrusão de certos individuos em
terras devolutas, tendo , por diversas vezes, embargado barcos
223

que conduziam ao mercado toros de madeiras reservadas, cortadas


em terras nacionaes.

Na primeira occasião favoravel aos interessados foi o subdele-


gado demittido a bem do serviço publico e nomeado outro que pro-
vavelmente foi indicado pelos mesmos interessados !
Desde que o invasor das terras publicas tem de sua parte uma
autoridade desta qualidade , o que felizmente não succede sempre,
nada mais tem a recear ; faz tudo quanto quer, porque o subde-
legado o protege contra a acção da lei, contra o direito de proprie-
dade da nação , e contra quem se atrever a denunciar o escandalo.
Na capital e nas cidades importantes da Provincia ninguem
póde apreciar esta proposição ; para se comprehendel- a é preciso
percorrer o interior, estudar os costumes, a marcha dos negocios ,
o caracter da população . Um subdelegado de policia d'esses lo-
gares é tudo e póde tudo : é uma autoridade hybrida que participa
da natureza do poder judiciario e administrativo ; prende quando
quer ; pronuncia, ou despronuncia como melhor lhe convém,
processa e julga arbitrariamente. E' tambem conservador das
terras ; e os presidentes de Provincia e chefes de policia ampliam
ainda suas attribuições, incumbindo-lhes funcções importantes , taes
como a de recrutadores para o exercito e armada, postos na guarda
nacional , delegados de instrucção publica, etc.
Esta accumulação de attribuições tão diversas em homens , as
vezes de nenhum criterio, empresta-lhes uma influencia nos
districtos que é sempre invejada e cubiçada por outros , -influencia
de que frequentemente abusam em beneficio proprio e em detri-
mento do bem publico.
E' por isso que (já em outra occasião referi este facto ) um ho-
mem da ilha de Marajó requereo á presidencia que lhe fizesse a
graça de nomeal-o subdelegado do seu districto, porque era po-
bre e precisava d'este arranjo ! Isto explica tudo .
224-

Pugnando conscienciosamente em prol da liberdade de extrac-


ção e commercio de madeiras, devo comtudo advertir que estou
muito longe de desejar que tal liberdade seja absoluta ; nunca a
aconselharei . A liberdade absoluta n'este particular, traria como
consequencia, em alguns decennios, a devastação das florestas e,
a destruição das madeiras.

Passariamos assim loucamente a um extremo muito mais fatal,


porquanto o governo, si , como o avarento, guarda o thesouro das
madeiras sem proveito para o Estado, nem para os particulares,
ao menos tem o grande merito de conserval- as , e de reserval-as
para o futuro; ao passo que a liberdade absoluta, embora trouxes-
se grandes vantagens para o presente, seria incapaz de economi-
sar esse thesouro e deixaria o futuro privado de gosal-o .

Eu penso que o governo, reservando exclusivamente para o Es-


tado as mattas e madeiras de alguns dos rios que indiquei , fran-
queando todos os mais ao commercio e estabelecendo um regula-
mento florestal cuja execução fosse confiada a homens de criterio
e capacidade e nunca a subdelegados de policia, terá dado um
grande passo no caminho do progresso e prosperidade..

Emfim , n'este assumpto convém seguir o conselho do Sr. Emi-


le Fournier em seu Relatorio sobre os productos das explorações
e das industrias florestarias, na exposição universal de 1867 .

« Não é superfluo , diz elle , lembrar ao Brazil que deve proce-


der com methodo , tendo muito em vista que com a exploração
dos productos não sejam estes destruidos . »

Para mostrar quanto interessa ao commercio a extracção de ma-


deiras, apresento o quadro seguinte que é tirado de documentos.
officiaes .
-225

Quadro resumido do valor das madeiras exportadas do Pará nos 20 an-


nos decorridos de 1847-1867 por quinquennios e indicando o
modo porque ellas foram exportadas.
*Quinquennios Caibros, couçoeiras, Achas Pranchões Taboas Vigas Toros Somma total
curvas, falcas e frechaes
1847-1852 468$600 301$700 1:509$960 2:489$180 3:802$220 3:089$800 11:661$460
1852-1857 22$500 1:475$200 5:235$300 1:881$100 1533770 12:729$140 21:4978010
1857-1862 1:966$160. 6:289$213 9:358$832 13:468$120 16:795$777 47:878$102
1862-1867 213$000 2:413$600 7:534$192 17:022 075 22:135$666 11:407$160 60:725$693
Sommas ... 704$100 6:156$660 20:568$665 30:751$187 39:559$776 44:0218877 141:762$265
Termo médio de cada quatriennio . 35:440$566
食 annual... 7:088$113

Não obstante a prohibição do corte de madeiras em terras na-


cionaes que é onde ellas mais abundam, a exportação d'este ge-
nero tem tomado constante incremento, pois que, como se vê do
quadro acima, a exportação deu no 1.º quatriennio 11 contos , no
2.º deu 21 , no 3.º mais de 47 e no 4.° mais de 60 contos de réis .
Assim em relação ao producto do 1.º quatriennio , o valor da
exportação dobrou no 2.º, quadruplicou no 3.º e quasi sextupli-
'cou no 4.º ; o que mostra quanto seria lucrativo este ramo de
commercio si fosse livre a sua extracção em terras nacionaes.
A nossa marinha militar ou outra qualquer repartição publica,
ganharia tambem muito com a indicada medida, porque obteria
-com muito maior facilidade e por preço muito mais barato toda
a quantidade de madeira de que precisasse para as construcções
navaes e quaesquer outras obras do Estado.
X.

A INSTRUCÇÃO NO INTERIOR DA PROVINCIA.

Fóra da capital da provincia não ha estabelecimento algum de


ensino publico ou particular, em que a infancia e a juventude possa
adquirir uma instrucção qualquer, além da que provém de esco-
las primarias..
A instrucção que se lhes dá no interior, mesmo nas mais nc-
taveis povoações , como Obidos, Santarem, Cametá e Bragança, é
bem pouca cousa .
Aprende-se a lêr e a escrever, decora-se os primeiros rudimentos
de grammatica e mixtura-se tudo isso com um pouco de arithmetica:
que as mais das vezes o professor pouco mais sabe do que o dis-
cipulo .
O povo não tem instrucção alguma ; toda a sua educação littera--
ria provém quazi sempre da leitura de periodicos politicos , princi-
palmentente d'aquelles onde primam quotidianamente os insultos.
e descomposturas aos homens honestos e ás autoridades , e de ro-
mances de que os bons costumes e a moral fogem assustados.
Parece-me mal aconselhado o systema que a respeito do ensino
se tem seguido na provincia, concentrando-se na capital toda a
instrucção e deixando-se o interior em total abandono ..
Abafa-se assim ou procura-se diminuir a irradiação da luz da
intelligencia, em vez de deixal-a difundir-se e propagar-se por toda
a parte.
A concentração do ensino secundario na capital importa o mes-
que negar-se a juventude do interior os meios de instruir-se, por
227 -

que pouco são os paes que podem supportar as despezas neces-


sarias para terem seus filhos na capital.
D'esse systema, até hoje adoptado, resulta que milhares de man--
cebos ficam privados dos conhecimentos precisos para melhor apre-
ciarem a sua terra, de estudar seus recursos para melhor utilisal-os,
de conhecer os defeitos de seus costumes para melhor corrigil-os .
Como é sabido, não ha progresso nem civilisação, nem religião
verdadeira, nem espirito publico onde ao povo falta a instrucção
que é a base sobre que se apoiam todos os sentimentos nobres do
espirito humano .

Um povo sem instrucção é um rebanho que obedece a vara do


pastor que, si o protege contra os lobos, tambem lhe aproveita a
lã ; mas esse rebanho converte-se tambem facilmente em lobos.
para devorar ao pastor a quem a sua ignorancia attribue a falta
de pasto ou a peste que o persegue.

Parece-me que seria não só justo mas necessario que nas ci-
dades principaes da provincia, já citadas, se estabelecessem escolas.
de ensino, não de linguas, mas de certos conhecimentos uteis ,
como Arithmetica, Algebra e Geometria, Mechanica industrial ,
Geographia e Historia ..
Penso ser escusado demonstrar a utilidade do ensino d'estas ma-
terias que por si sós formam uma base para o estudo d'outras.
que os alumnos pretendam ou tenham de estudar depois.
Sei que nas escolas primarias se dá lições de arithmetica ; mas
penso que o ensino d'esta materia devia ser banido dessas escolas,
ao menos na Capital onde os alumnos podiam estudal-a no Collegio
Paraense .
Nas Cidades e Villas do interior onde ha 2 escolas de ensino
primario, podia um dos professores ter a seu cargo exclusivamente
o ensino de primeiras lettras e o outro o das demais materias, como,
arithmetica, grammatica portugueza, etc.
228

Nas escolas, como no Collegio Paraense, tem sido adoptados nu-


merosos folhetos , quer como compendios , quer como simples livros
de leitura, sendo alguns meras cópias ou traducções . Até já hou-
ve um Administrador que mandou comprar para uso das escolas
o Almanack de Maranhão !
Em tres escolas do interior achei os alumnos com livros de lei-
tura differentes. Póde ser que não haja grande inconveniente
n'isso ; mas me parece que seria mil vezes mais util que as uni-
cas leituras officiaes a admittir-se nas escolas fosssem : a sciencia
do Bom Homem Ricardo que encerra tantas lições uteis à moral e
a pratica da vida ; Os deveres privados publicos e sociaes, ou Mo-
ral e philosophia pratica de J. La Baume, e , emfim , qualquer li-
vro da historia patria, como os Motins politicos do sr. Raiol .
Eu desejava vêr estabelecida em todo o Imperio a liberdade do
ensino em todos os seus grãos .
Esta idéa, que começa apenas a ser aventada no paiz , offende
ainda aos preconceitos e prejuizos ' de que estão cheias muitas ca-
beças, mesmo de homens instruidos, ao mesmo tempo que, sem
consciencia ou fundamento, querem outros dar-lhe uma latitude
capaz de matal- a em seu berço .

Estes peccam por inexperientes, e aquelles por sedentarios. En-


tre os extremos é que está a verdadeira liberdade.
Os nossos habitos, ou a nossa educação civil é força confessar,
não se prestam muito à idéas e sobretudo á iniciativas de pro-
gresso.
O povo não dá um passo para seu adiantamento e civilisação ;
não caminha sem que o governo lhe diga : Marche ! Não pensa,
não delibera, não julga; mas obedece. Nada faz porque espera que

o governo faça tudo, ou, pelo menos, que lhe diga o que deve
fazer. O governo por sua parte tem muito em que cuidar e por
tanto pouco ou nada faz. Temos assim um governo que merece-
229

mos por nossos peccados ! E nem podiamos ter outro, porque é do


nosso seio que elle sahio .
O remedio para este mal moral, a alavanca que tem de remo-
ver do caminho o rochedo que impede a nossa marcha, é a
instrucção do povo . Esta instrucção porém será sempre inefficaz
em quanto ella subsistir entre nós exclusivamente como um ramo
de administração , ou repartição publica, com empregados encarre-
gados pelo governo de distribuir diplomas de intelligencia ás cren-
ças e aos rapazes .
Si temos procurado imitar em tantas cousas aos estrangeiros ,
porque não havemos de adoptar o que ha de mais util nos Es-
tados-Unidos, por exemplo, de que tanto se falla, -a liberdade
do ensino ?

Procura-se imitar, inveja-se e exalta-se mesmo tudo quanto se


faz n'essa Republica, e em outros paizes , e entretanto não se cui-
da de introduzir no nosso aquella instituição que é a legitima
base da grandeza e prosperidade do povo americano .
Seja-me permittido concluir inserindo aqui algumas idéas sans.
e luminosas, contidas no relatorio apresentado a Assembléa Legis-
lativa Provincial em 1867 , pelo illustre Presidente da Provincial
o sr. Vice-Almirante de Lamare . E' um trecho cujo contexto não
deve ficar somente archivado na secretaria, mas reproduzido e
devulgado para ser discutido em beneficio da instrucção e edu-
cação publica .
• Entre os principaes cuidados da administração merece ter pri-
meiro logar o que diz respeito á instrucção publica.
« O ensino primario, que exerce tanta influencia sobre o futuro
da juventude, precisa de medidas que o tornem verdadeiramente

proveitoso .
<< Para as cadeiras vagas ha sempre muitos pretendentes ; mas
estes, pela maior parte, ou quasi todos, as procuram mais pela ne-
230

cessidade de terem um arranjo honesto do que por vocação ,


e poucos são os que estão habilitados para desempenharem o logar.
Além disso, o espirito de partido que é sempre mão conse-
lheiro, muitas vezes faz arredar da concurrencia e mesmo da ca-
deira de professor um homem de bem e de capacidade para
substituil-o por um inepto.
< E' impossivel que da instrucção dada por professores d'esta
<
«
qualidade possa resultar um bem real para o paiz .
་ Si se quer uma mocidade bem educada, uma geração nova
«
morigerada, é preciso banir do seio da instrucção publica toda a
influencia malefica, pondo-se em pratica a mais severa imparcia-
lidade no provimento das cadeiras e attrahir para ellas homens
instruidos, morigerados e de vocação, bons mestres , emfim , por-
que estes são como segundos paes da juventude .

« Não se pode, é certo, conseguir tudo isso d'uma vez e em


breve tempo, senão lentamente e á força de perseverança ; mas é
preciso principiar essa tarefa, e para principiar me parece que o
primeiro passo a dar é acoroçoar a classe dos professores por meio
de garantias capazes de assegurar o seu futuro ou de sua familia.

« E' tempo de cuidarmos tambem na fundação de escolas in-


dustriaes para os meninos pobres.
<«< Essas escolas , onde os meninos , ao lado da instrucção ad-
quirirão o habito e o amor ao trabalho , são destinadas a asse-
gurar-lhes um futuro mais lisongeiro, transformando-os em artis-
tas intelligentes, de que ha grande falta entre nós ; e , melhor do
que eu, sabeis que os meninos que devem fazer parte d'essas es-
colas, do mesmo modo que os seus paes, não veem diante de si
outro recurso senão na vida grosseira do seringueiro, na qual não
poderão jamais achar a fortuna ou a felicidade e descanço necessa-
rio à sua velhice.
- 231 -wwwxxx

«Estou persuadido de que o dia da fundação d'escolas industriaes


será a vespera da regeneração d'essa abundante porção de filhos po-
bres que vivem sem recursos no presente e sem esperanças no futuro .

« Devo por ultimo lembrar-vos a conveniencia de outra medida.


Apezar da opinião de autoridades competentes, sempre me pare-
ceu que, em materia de instrucção , a primeira condição para o seu
maior desenvolvimento é a liberdade do ensino. As restricções
que a legislação actual impõe para tornar harmonico em toda a par-
te o modo de ensinar, ainda mesmo que tivessem produzido os ef-
feitos que se esperavam, o que é contestado, trazem o inconveni-
te de sujeitar o entendimento humano a um freio que não se
harmonisa com a sua natureza.
<«< Si a intelligencia é livre, os meios e modos de cultival- a
e aperfeiçoal-a devem ser igualmente livres.
< Em minha opinião convém franquear aos particulares o direi-
«
to de estabelecer escolas e collegios com plena liberdade na es-
colha dos methodos , distribuição das materias e dos professores ,
e acoroçoal-os quanto fôr possivel n'esse empenho, não tendo a
autoridade publica sobre esses institutos sinão uma inspecção moral .
<< Demais, esta medida d'ora em diante não será somente util ,
mas indispensavel, pois que começam a affluir para a Provincia
immigrantes de diversas seitas christãs, cujos filhos não quererão
seus paes educar sinão em escolas ou estabelecimentos , onde não
prevaleçam principios oppostos aos seus .
« Si pois queremos que a instrucção se propague entre o povo
e produza resultados uteis , é preciso que haja liberdade de ensino);
se queremos a realidade d'uma immigração de europeos e ameri-
canos laboriosos e morigerados, é necessario abrir-lhes franca-
mente a porta d'essa liberdade que, ao menos para a maior parte
d'elles , é a mais preciosa por tocar a seus costumes e à sua
consciencia. >>
XI .

O FORTE DE OBIDOS.

Para se ter uma idéa clara do Forte de Obidos ou da impor-


tancia militar d'esta interessante posição do Amazonas , vou exhi-
bir os esclarecimentos que obtive, quer adquiridos pelo estudo
que fiz das localidades, quer das informações de autoridades com-
petentes em assumptos militares.
Em outra parte esbocei já a historia e origem da fundação do
Forte e da cidade de Obidos ; não a repetirei agora.
O Forte de Obidos, que um relatorio do ministerio da guerra
collocou no Solimões , acha-se situado junto á cidade do seu nome,
cerca de 5 milhas abaixo da barra do rio Trombetas e (segundo
o mappa da commissão Brazileira de limites) à 1 ° 55" 23" de lati-
tude S. e aos 12° 21 " 24 " de longitude O. do Rio de Janeiro e-
em altitude de 42 metros..
Ao approximar-se da barra do Trombetas , o Amazonas alar-
ga-se consideravelmente atè deixar esse affluente, curvando-se
pouco a pouco para E. a margem direita e para S.O. a esquerda.
ou septentrional para a qual se encosta a correnteza que faz sobre
ella grande pressão a ponto de desmoronal- a frequentemente ..
Esta margem que é quasi toda alta e, nás proximidades da ci-
dade, constitue barreiras, as vezes como altas muralhas , des-
creve entre a extincta colonia militar , situada junto da barra do
Trombetas, e a Ponta do Forte , uma extensa curva que é a linha
percorrida pela correnteza . Esta quebra-se ahi n'esse Promonto-
rio e se dirige para o meio do rio com um murmurio e estrepito,
como si passasse por entre uma serie de rochedos..
233

Ahi , defronte, entre o Forte e a margem direita, limite sep-


tentrional de uma vasta planicie que se prolonga 30 milhas para
o Sul, está a garganta do Amazonas por onde passam todas as
suas aguas navegaveis.

A profundidade n'este estreito fluvial é consideravel e por


muito tempo se pretendeo que excedia de 500 e mesmo de 600
metros . Montravel e seus officiaes, luctando com grande dif-
ficuldade para reconhecer essa profundidade, recorreo a um me-
thodo especial pelo qual conseguio achar um fundo aproximado ,
não no meio da correnteza, ponto ainda até hoje inexplorado e
de extrema difficuldade a reconhecer com os instrumentos imper-
feitos actuaes, mas à um lado d'ella, prumando ahi em 63 me-
tros . Foi isto em 1844 .

Mais ou menos no mesmo ponto , o mappa da commissão de li-


mittes ( 1862 a 1864 ) dá 26m 40 ou 120 palmos .
O Tenente da marinha americana , Herndon , que por alli pas-
sou em 1852 , achou successivamente 46, 54 e 64 metros e em
um ponto, ainda mais afastado da margem, não achou fundo com
uma linha de 75 metros, concluindo, como Montravel , que é
muito difficil obter- se um resultado aproximado no meio da cor-
renteza porque ella desvia consideralmente o prumo .
Quanto a largura do rio n'este estreito, ha calculos que mos-
tram certa uniformidade entre si , como são os de La Condamine ,
em 1743 , Montravel, em 1844 , Bates em 1849 , Herndon em
1852 e a commissão de limites em 1862 a 1864 , sendo possievl
que alguns só se dessem ao trabalho de reproduzir ou combinar
os calculos anteriores.

Felizmente ha medidas exactas que fazem desapparecer toda a


duvida e desconfiança. Consigno aqui aquelles calculos aproxima-
dos e as medidas exactas. Eil- os :
234-

Montravel, 1 milha.

Herndon 1 112 milha.


Condamine 900 braças ou 1980 metros .
Commissão de limites , 880 braças- 1,936 metros .
Medida trigonometrica antiga, citada pelo padre dr . Noronha,
869 braças ou 1,911 metros.
Capitão d'engenheiros Aguiar Lima , 860 braças ou 1892 metros ..
Este official medio uma base e achou o resultado mencionado
que é o mais aproximado possivel do de 869 braças , medidas ha
mais de um seculo . A differença de 9 braças póde provir do pe-
riodo da estação em que foram operadas as duas medições . Eis
aqui os resultados obtidos por aquelle engenheiro segundo a com-
municação que d'elle recebi :
Do Reducto ou Fortim no lume d'agua á margem opposta em
rumo 25° SO , 860 braças .
Do Forte no rumo 18° SO. ao mesmo ponto da margem, 860
braças.
Do Forte a outro ponto acima, no rumo 84° SO, 1120 braças .
Do Porto de cima ao mesmo ponto antecedente no rumo 74°
SO. 1146 braças.
O commandamento do Fortim recentemente construido ao lume
d'agua está 8,14 acima do nivel das mais baixas aguas do verão.
Tem 3,3 de altura.
No verão, o nivel das aguas mais baixas fica a 4,84 abaixo
da base do Fortim.
As mais altas aguas do inverno tocam a 1,76 ou 8 palmos
acima da base do mesmo Fortim.

A differença de nivel das aguas é pois, de 6,38 , ou 29 pal-


mos, quasi tres braças.
Este nivelamento refere-se ao anno de 1867 em que o cres-
cimento do Amazonas foi normal ; e , como tal, póde servir d'ora
235 -

em diante de ponto de partida para outras observações de igual


natureza .

Agora alguns pormenores sobre o estado do Forte e de sua


importancia.
O Forte é um reducto semi-circular, a Barbeta, guarnecido por
10 peças, sendo 9 de 80 , montadas em carretas de marinha e 4
de 32 em carretas a Onofre . Foi ultimamente reparado acrescen-
tando-se-lhe uma plataforma corrida de cantaria de Lisbôa.

No seu estado actual só póde servir para defeza do lado de E.


e do Sul, ou do lado inferior do rio e da frente , porque do Oeste
ou do lado de cima do rio, ha um monte de terra que o occulta
e embaraça os seus fogos n'essa direcção .
Sem remover- se esse monte inutil de terra coberto de matto,
a fortificação será sempre incompleta .

O distincto engenheiro a que já me referi e que foi encarrega-


do pelo governo de proceder a aquelles reparos, fez construir ao
lume d'agua junto a fralda da collina ou promontorio sobre que
está o Forte, o reducto pentagonal, a Barbet, de que ha pouco
tratei , com capacidade para montar pelo menos 3 peças que, se-
gundo consta, já foram para alli remetidas da capital .

Este reducto era um complemento indispensavel do Forte, e


sua posição parece a melhor, pelo facto de poder fazer fogo até
dentro do ancoradouro da cidade no acto de desembarque do
inimigo, ainda com a vantagem de poder não só communicar-se
com o Forte de cima para os casos de reforço e de munições ,
como tambem, em caso de retirada, para ter o apoio e o abrigo do
Forte.

Demais ; pela linha de communicação póde , n'este caso extremo ,


dominar o reducto abandonado e bater de flanco a rua principal
236

que, desde o porto, flanqueando a collina, vae terminar no cen-


tro da cidade .
O Forte não tem, ao menos por ora, importancia alguma mi-
litar faltam artilheiros, faltam ballas razas, falta o mixto para o
recheio das bombas ou ballas ôcas que são as que ha no Forte.
O ponto em branco das de calibre 80 fica áquem da distancia
que mede a largura do rio e tanto basta para se conhecer a pou-
ca efficacia e o mal insignificante que os canhões do Forte podem
produzir, como se vio em 1862.
Eu accrescentarei que ao Forte faltam tambem officiaes habeis
e destros no manejo d'artilharia e proprios para o serviço im-
portante d'uma praça de guerra.
Assim , é licito dizer que o Forte de Obidos, aliás já tam pou-
co considerado que um dos nossos melhores ministros da guerra
nem sabia em que ponto do Brasil se achava, é um titere de
guerra que faz medo ás creanças, apraz aos officiaes bisonhos da
guarda nacional e faz rir aos militares experimentados .
O Capitão d'engenheiros , Sr. Aguiar Lima, apresentou, segun-
do consta-me, ao governo Imperial um plano ou systema de for-
tificação para Obidos que até hoje não foi acceito nem rejeitado.
Bem que este engenheiro por seus talentos, habilitações e zelo
goze de mui merecido conceito, e seu plano seja talvez o mais digno
de ser posto em execução , o governo que aliás tem o habito de
deixar tudo para a ultima hora, d'esta vez provavelmente proce-
deo bem não resolvendo cousa alguma, porque, segundo consta, o
proprio engenheiro assevera que para evitar-se a passagem de navios
blindados no estreito de Obidos, toda a fortificação è insufficien-
te. A passagem do Alagoas por Humaitá è um facto que por si
só justifica a assersão d'aquelle engenheiro .
XII .

LIMITES

ENTRE AS PROVINCIAS DO PARÁ E AMAZONAS : -CONVENIENCIA DA CREAÇÃO DE


UMA NOVA PROVINCIA.

O erro geographico que até hoje tem prevalecido ácerca do cur-


so inferior e da fóz do Jamunda, induzio o governo colonial a de-
signar em 1757 , embora particularmente , aquelle rio como limite
entre a antiga capitania do Pará e a nova que então se havia
creado com o nome de S. José do Rio Negro.
Quando em 1850 se creou a actual Provincia do Amazonas, foi
declarado que os seus limites com a do Pará seriam os mesmos
d'aquella antiga capitania que, por um descuido inqualificavel, ou
por empenhos do Pará, ficára em 1824 reduzida illegalmente a
simples comarca.
Esses limites foram assim designados por se ter gratuitamente
supposto que o Jamundá corria de N. a S. entrando com este
rumo no Amazonas , tal como ainda se vê figurado no recente
mappa official da commissão brasileira de limites com o Perú.
Eu creio ter já dicto quanto é bastante para deixar vêr esse
erro que tem sua origem menos, talvez, na geographia systematica
do que na falta de observação dos factos, quero dizer, na falta de
estudo do regimen do Amazonas.
Entretanto o facto só ( e é este aliás o mais importante ) de
não seguir o Jamundá o rumo de N. a S. , mas sim quasi o de SO a
NE. no seu curso inferior até perder-se no Trombetas , traz uma
alteração notavel ao limite das duas Provincias e com isso affecta
ao interesse de ambas.
238

A Provincia do Amazonas hoje não exerce, é verdade , juris-


dição alguma sobre o seu territorio actual fronteiro a Villa de Fáro.
Os moradores da margem direita do Jamundá ou ignoram que
pertencem à Provincia do Amazonas, como é mais provavel, ou
são bastante condescendentes para pagarem impostos ao Pará e a
camara de Fáro , quando aliás a bom direito, podiam eximir-se
d'esse onus.

Mas si até hoje assim tem sido , a Provincia do Amazonas póde


em qualquer dia uzar dos seus direitos mandando collectores arre-
cadar impostos de todos os moradores da margem direita d'aquel-
le rio, caso em que elles, tomando á lettra os limites designados ,
podem descer até a barra do Trombetas , arrecadando direitos dos
sitios e dos cacaoaes que por alli abundam .

A camara de Villa Bella póde do mesmo modo encommodar a


de Fáro, e é facil comprehender-se que desde então terão começado
conflictos de jurisdição entre as autoridades de uma e d'outra
Provincia.

Para se evitar taes conflictos que n'aquellas localidades remotas


podem tornar-se graves pela pouca prudencia das autoridades, é
indispensavel tomar-se quanto antes alguma providencia, quer
designando-se provisoriamente uma nova linha de limites, quer
creando-se uma nova Provincia entre as duas .

A disposição do terreno offerece difficuldades ao traço de uma


linha de limites bem determinados entre as duas Provincias . Não

ha alli na parte povoada sinão uma extensa planicie quasi nivela-


da que se inunda mais ou menos durante o inverno , planicie
que o Jamundá atravessa confundindo as vezes de tal modo seu
curso com os lagos e furos circumvisinhos, que fórma com elles
um laberintho d'onde se não sahe sem o auxilio de um pratico.
N'estas circumstancias parece que a melhor providencia a to-
mar-se seria a creação d'uma nova Provincia , -não como a indi-
239

ca um projecto apresentado á camara temporaria em 1853 , porque


era baseado sobre uma idéa exclusivamente politica que acha-se
hoje profundamente alterada e quasi desappareceo em presença
da attitude das potencias americanas ; -mas sim uma Provincia que
tendo Santarem por capital, se compuzesse da comarca d'este
nome e das de Obidos e Parintins .

Em quanto, porém, o tempo não vem sanccionar esta opinião


e os poderes do Estado não estudam o assumpto, me parece que só
se poderá remediar o caso traçando-se provisoriamente o limite
seguinte :
Uma linha recta partirá da fóz do Paranámirim das Ciganas ao
lago Adauacá e d'este ( que pertencerá todo a Provincia do Ama-
zonas ) até a ponta meridional da pequena serra fronteira á Villa
de Fáro, seguindo pelo alto da mesma serra até a juncção com o
Jamunda, seguindo d'aqui para cima pelo primeiro d'estes dous
rios, pertencendo ambas as suas margens aquella Provincia, assim
como ambas as margens do Amazonas, d'um lado , até a serra
Parintins, e, de outro, até a Ponta do Jacaré, fronteiro a Ponta
S. da ilha mais meridional das do Caldeirão .
Este limite terá a vantagem de evitar qualquer conflicto , porque
é impossivel havel-o nos desertos, da barra do Pratucú para cima,
onde não ha habitantes e no Lago Adauacá, cujos pescadores e mo-
radores, assim como os das duas margens do Amazonas na secção
referida, ficariam pertencendo a uma unica Provincia.
XIII .

A GRANDE INUNDAÇÃO DE 1859 E SEUS EFFEITOS.

ANIMAES QUE PERSEGUEM O GADO.

A planicie que em outro descrevi é durante o inverno invadida


em quasi toda a sua extensão pelo Amazonas que n'essa época,
erguendo-se de seu leito, defunde por toda a parte as aguas que
suas margens não podem já comportar .
Então os lagos se multiplicam, e alguns d'estes como o Poção
Grande nas campinas ao O. do Lago Grande, tomam proporções de
pequenos mares onde muitas vezes uma fresca brisa produz o ef-
feito de tempestades .
As inundações do littoral são frequentemente fataes a industria da
criação de gado ; os moradores das planicies do Jamundá de
Alenquer, do Lago Grande e das margens do baixo Amazonas
em geral, recordam-se , ainda com temor, da formidavel inundação
de 1859 que arruinou profundamente aquella industria nascente.
As côres negras com que os habitantes pintam os effeitos d'estal
inundação, o terror que ella infundio nos proprios irracionaes e a
extraordinaria altura de cerca de tres metros a que subiram as aguas
acima do nivel das campinas, merecem ser aqui mencionados . Po-
de-se talvez achar n'isso alguma exageração , e parece havel-a ; mas
todas as pessoas a quem ouvi a este respeito , referiram os factos de
um modo uniforme, ao menos quanto aos pontos capitaes .
Sabe-se como começa a enchente do Amazonas. Em principios
de Novembro quando o rio se acha em seu mais baixo nivel , no-
ta-se um crescimento repentino de suas aguas, que, pouco depois,
241-

descem ao nivel extremo a que antes tocaram . E' o que se chama


primeiro repiquete do rio ; é o prenuncio do inverno . O 2.º repi-
quete vem muitos dias depois, e as aguas então se conservam
estacionarias na altura a que chegaram no 2.º ou 3.º dia ; não aug-
mentam nem diminuem seu volume . O 3.º repiquete vem a final, «
e então o rio sobe constantemente de nivel até Junho , em que tendo
chegado ao maximo crescimento, começa a baixar novamente até
fins de Outubro .
O inverno de 1859 não se annunciou por esta oscilação normal
do Amazonas. O primeiro movimento ascensional do rio não ap-
pareceo na epocha esperada ; não se fez sentir sinão muito mais
tarde.

Esta lentidão do rio fez crêr aos descuidosos criadores que


era um indicio de inverno pouco sensivel e menos duradouro do
que o dos annos antecedentes .

O segundo movimento ou repiquete foi igualmente demorado ;


mas chegou tam precipitado que o rio subio logo á uma altura
consideravel, e em vez de suspender sua marcha ascendente , como
era usual, continuou a crescer sempre de mais a mais , de modo
que o terceiro repiquete não foi percebido ; e tal era o volume
d'agua e a rapidez com que o Amazonas invadia o litoral, que já
em Abril todas as campinas e planicies estavam inundadas e se
confundiam com o leito do rio.

Os fazendeiros illudidos com a lentidão do inverno e não sus-


peitando que a cheia fizesse tam rapida invasão, não trataram de
retirar dos campos o seu gado ; quando reconheceram o perigo,
era já tarde para atalharem o mal.
Entretanto, à medida que as aguas avançavam para os logares
mais altos e afogavam todos os pastos , vinha a fome perseguindo os
mizeros animaes. Elles aproveitavam para sua nutrição as plantas
arborescentes que ainda se elevavam sobre a superficie das aguas.
242

Via-se frequentemente os bois erguerem seus joelhos, apoiando-os


nos troncos das rarissimas arvores e arvoredos a que podiam ap-
proximar-se para alcançarem as folhas que viam acima de suas ca-
beças ; quando este ultimo alimento veio tambem a faltar-lhes, ap--
plicavam os dentes ao tronco devorando-lhe as camadas corticaes,
unico e mesquinho recurso que lhes restava, e que bem de pressa
se extinguio . Emfim, envolvidos pela agua, enfraquecidos e ex-
tenuados de fome, estes animaes sucumbiam uns apoz outros ; seus
cadaveres boiavam aos milhares no meio da planicie inundada .

Os effeitos e a influencia d'esta calamidade que os habitantes com


razão denominaram diluvio, se faziam sentir d'um modo inaudito
sobre muitos outros animaes , não só domesticos mas mesmo os
silvestres ; uns e outros pareciam dominados por uma melancolia
profunda.

Nas cabanas em que habitavam os vaqueiros , segundo referi


ram varias pessoas, notava-se frequentemente uma scena con-
tristadora : A medida que as aguas invadiam os campos via- se
chegar successivamente á cabana aves de vôo pezado, o nam-
bú , o mutum, o jacamim, procurando um abrigo que já não en-
contravam em outra parte contra a crueza do tempo . O mesmo
veado, sempre tão esquivo e tão rapido em escapar á vista do ho-
mem, procurava agora a cabana , como que pedindo protecção a
aquelle que elle tanto temia.

Todos estes animaes se approximavam da morada do homem


com um passo timido e vacilante, uma tristeza profunda , mas uma
completa resignação à sua sorte .

E, cousa singular ! no meio d'esta consternação geral produsi-


da pelo espectaculo da natureza em lucto, não era somente o ho-
mem que deixava livremente abrigar-se debaixo do seu tecto o
irracional que, como elle , sentia o horror da situação , mas nem
243

cervo parecia temer o cão, nem este procurava ameaçal-o com


seus dentes. O terror igualava assim todas as creaturas.
As planicies conservaram-se muito tempo n'este estado de ex-
traordinaria inundação até que o mez de Junho , tocando ao fim do
seu curso, vio começar o movimento retrogrado das aguas, com
tanta maior satisfação do homem, quanto aquelle movimento tor-
nou-se cada vez mais accelerado .

Quando emfim as plantas herbaceas e a face da terra até então


submergidas, começaram a descobrir-se na superficie das campi-
nas , os animaes, como no diluvio da Biblia , sahiram pouco a pouco
a procurarem seu alimento nos campos que por tanto tempo ha-
viam abandonado.
A destruição no gado bovino foi consideravel ; criadores que
possuiam de 3 a 5,000 rezes , no fim da enchente contavam ape.
nas 100 e um que antes possuia perto de 2,800 não poude achar
depois mais de 30.
Assim, a inundação extraordinaria de 1859 arruinou a in-
dustria da criação de gado nos municipios de Fáro , Obidos e
Villa Franca, tendo porém soffrido menos o de Santarem e prin-
cipalmente os de Alenquer e Monte-Alegre onde as pastagens estão
em contacto com terrenos altos , para os quaes mais facilmente a
criação póde retirar-se.

Mas o gado não está sujeito só aos perigos provenientes das


grandes inundações ; em todas as circumstancias tem contra si
uma multidão de inimigos a que se dá na região indistinctamente
o nome de féras e que fazem grande estrago principalmente no
gado novo e no meudo , taes como bezerros, cabras e carneiros,
não lhes escapando mesmo as aves domesticas .
O tigre malhado e outras especies de onças chegam muitas
vezes a invadir os curraes das fazendas cujos vaqueiros são menos
-244

vigilantes . O jacaré , occultando seu corpo encouraçado e tendo so-


mente os olhos á superficie d'agua, mede a distancia em que vê
a sua victima, e não desapparece sinão para surgir junto d'ella
no momento de assaltal-a . O sucurijú com a cauda presa a um
rochedo ou á raiz d'um tronco , espreita do fundo d'agua a victima
que vai beber a beira do lago ou do rio ; atira-lhe bote certeiro,
arrasta-a para si , envolve-a nas dobras do seu corpo escamoso
até esmagal-a para melhor devoral-a .
Como o jacaré , este monstro ataca indistinctamente toda a
qualidade de animaes medianos, silvestres ou domesticos, ao ho-
mem mesmo e principalmente a creanças.
Referiram-me numerosos factos de voracidade d'estes dous

animaes ; o jacaré é traiçoeiro para com o homem a quem não


ataca de frente, sinão quando offendido ou quando faminto : o su-
curijú, porém, mais audacioso e mais terrivel, nada teme e não
faz depender seu ataque sinão d'um ponto de apoio em que pos-
sa fixar a ponta musculosa e flexivel da sua cauda .
Referiram-me tambem n'uma fazenda ao pé do rio Ereré e da
Serra d'este nome um facto do instincto, com que as vaccas pro-
curam guardar seus filhos da voracidade d'estes reptis . Quando
vão beber ao rio, deixam os filhos , emquanto estão novos,
não consentindo que elles se aproximem da margem ; quando po-
rém já crescidos precisam do alimento d'agua, ellas os conduzem
em sua companhia, entram primeiro no rio ou lago como que ex.
plorando o logar, e então chegam os filhos a beira e ahi bebem.
Entretanto, muitas vezes o inimigo que occultou-se sob as
moitas de canarana ou no fundo d'agua, ataca de subito e arre-
bata a victima, sem que possam defendel-a as pobres mães que não
tem armas sufficientes contra o poder e dextreza da féra.
Esta multidão de inimigos dos animaes domesticos tem indusido
os fazendeiros a abandonarem a criação de gado miudo e a cuida
245

rem unicamente do bovino e do cavallar que é indispensavel para o


costeio dos campos.

O estrago maior que esta ultima especie soffreo durante a


inundação de 1859 foi procedente da voracidade dos jacarès que
tem uma predilecção particular pela carne do cavallo que aliás en-
contra tambem um formidavel inimigo nas tremelgas ou purakės .
Estes peixes que, como os sucurijús , abundam nos rios Ereré e
Paytuna, e em varios igarapés do Lago Grande e do Jamunda , não
perdem jamais occasião de atacarem os cavallos quando estes en-
tram n'agua para beberem , banharem- se ou atravessarem o rio ;
e é n'essa occasião que os purakés aproximam- se e roçando-lhes
com seu dorso pelas pernas ou pelo ventre , descarregam n'elles a
sua bateria eletrica, até que os mizeros animaes, fatigados, espu-
mando, sem respiração, e tropegos, perdem as forças , e sucum-
bem pela asphyxia.
Eu ignoro si este ataque dos purakés tem por fim alimentarem-
se da carne dos cavallos ; não pude a este respeito colher informa-
ção alguma positiva.

Taes são as causas que tem obstado ao desenvolvimento da in-


dustria pastoril na parte occidental d'esta Provincia, devendo -se
ajuntar-lhe tambem a difficuldade de exportação do gado em pé ,
a avultada despeza de frete e o imposto intoleravel e anticonomi-
co com que algumas camaras sobrecarregam os productores .
XIV .

POPULAÇÃO .

Bem que a estatistica civil não tenha ainda sido n'esta Pro-
vincia um assumpto de legislação e que só em 1867 a Assembléa
Provincial d'ella tratasse, isso mesmo accidentalmente e de modo
tão imperfeito que a sua deliberação tornou-se inexequivel, creio
poder dar aproximadamente às duas comarcas occidentaes uma
população de 38,000 habitantes, distribuidos pelos seguintes
municipios :
Faro 4,000
Obidos 10,000
Alenquer .. 4,000
Villa-Franca.. 3,000
Itaituba . · • 3,000
Santarem • 9,000
Monte-Alegre .. · 5,000
A esta somma em que não entra o elemento indigena, pode-se
ajuntar a dos Mundurucús, povo tam numeroso que o Sr. Maugin
Desencourt calculou poder pôr em armas 18 a 20 mil guerrei-
ros, e que por sua industria e trafico de drogas approximam-se
mais da população civilisada do que das outras tribus indigenas.
Pessoas de instrucção vulgar ou de conhecimentos superficiaes,
subindo ou descendo o Amazonas e não vendo sinão o que seus
olhos pouco experimentados lhes mostram nas margens, apres-
sam-se a proclamar que o interior da Provincia é um deserto.
Como, por outro lado , não obstante a exageração prejudicial
com que se falla do Amazonas, as margens d'este rio são relativa-
mente estereis e pouco proprias para habitações, si os inexpertos
-247-

viajantes as deixassem por um momento e penetrassem pelos af-


fluentes e igarapés, reconheceriam logo , em presença das nume-
rosas habitações e pequenos sitios , o erro de seu juizo . E' com
effeito n'essas localidades do interior que a população se condensa ,
porque é tambem ahi que ella encontra terras ferteis para cultu-
ra, livres de inundações e, sobretudo, um mais seguro refugio
contra os abusos das autoridades inferiores .

Trinta e oito mil habitantes é , sem duvida, uma população di-


minuta em proporção do territorio ; mas não se deve esquecer que
entre as causas que retardam o seu desenvolvimento é força con-
tar em primeiro logar, os habitos ante-hygienicos do povo e em se-
gundo logar as condições desfavoraveis do solo e do clima .

Si não fora o empenho natural com que todos procuram o bem


geral do paiz, seria talvez uma fortuna para o homem sensivel a
ausencia quasi absoluta, na Provincia, de uma estatistica dos nas-
cimentos e obitos ; pois que esta , segundo as probabilidades, fóra
das cidades e villas, ella apresentar-lhe-ia resultados , não lasti-
mosos, mas profundamente desagradaveis.

Deixando, porém, estas considerações, que podem mais facilmen-


te ser criticadas do que combatidas, faço os mais ardentes votos para
que com urgencia se cuide de crear na Provincia uma estatistica
da população, não só porque é o seu conhecimento um elemento
indispensavel å administração publica, mas ainda para que, si ef-
fectivamente houver excesso de mortalidade sobre os nascimentos,
se possa estudar as causas do mal e applicar-se-lhe os remedios
que as circumstancias exigirem .

Em todo o caso, não é licito que a Provincia, sobre este as-


sumpto de um interesse peculiar ao seu progresso, e altamente
humanitario, permaneça como o cego que é tam indifferente ao
horror das trevas, como ao esplendor da luz e á belleza das cores .
248

Venha, pois , quanto antes uma estatistica , geral , si for possi-


vel, da Provincia ; pois que é pelos elementos da estatistica com-
binados com os da geographia que o mundo real póde regular
seus interesses e os governos conhecer a força, segurar a marcha
e promover os progressos da sociedade..

FIM DA SEGUNDA E ULTIMA PARTE.


ADVERTENCIA

MENGUN -------------- ---------------UURLI

Para se abreviar a impressão d'este livro e evitar maior pre-


juizo que traz aos Editores o augmento de volume e de trabalho ,
concordou-se na suppressão de varios artigos, entre os quaes os
seguintes :
Florestas do Amazonas- Idéa exagerada que se
tem feito da sua extensão ; illusão produzida pela sua presença e
pela sua espessura junto ás margens dos rios. A área das florestas
muito menor na Guayana do que a das terras descobertas e cam-
pinas . A altura das suas arvores nada tem de gigantesca . Excel-
lencia das suas madeiras.
Planicie intracontinental-Idéa da planicie aus-
tro-americana. Auzencia de montanhas nas fontes conjunctas do
Araguaya, Tapajós , Guaporé e Paraguay. Considerações sobre a
juncção, para a navegação e commercio , das bacias do Prata,
Amazonas e Orenoco ; difficuldades na realisação pratica d'esse
projecto.
Communicações comMatto- Grosso-João III
de Portugal e seus successores até João V. Os Paulistas ; suas ad-
miraveis emprezas ; descobertas e colonisação nos centros da Ame-
rica. Seus estabelecimentos e navegação para o Pará . João V pro-
hibe o commercio e communicações com Matto-Grosso, e José I
por necessidade as franquêa. Patriotismo do Dr. Theotonio de
Gusmão . Geographia, navegação e commercio dos rios proceden-
tes de Matto-Grosso para o Norte .
Lago Grande -E ' pela maior parte o antigo leito do
Amazonas. Excursão atravez das florestas, campinas e lagos . Di-
versos aspectos da região . Esplendor da vegetação das plantas.
As campinas niveladas e as terras altas e arvorejadas . Tres diffe-
rentes cores nas aguas . Contra corrente durante a enchente do
Lago.
Imagens e inscripções sobre rochas —São
communs a toda a America do Sul. As da Montanha d'Argent
tomadas por marcos de limites em 1727 ; erro desfeito no anno
seguinte. Os missionarios tinham as do Brazil e Perú por pega-
das de S. Thomé . Opinião de Homboldot sobre essas inscripções
hyeorogliphicas . R. Schomburgk tenta em vão destacar uma das
figuras symbolicas dos rochedos do Essequebo ; Silva Coutinho
mutila a imagem do sol na serra do Ereré . Observações a este
respeito . Falta natural de uniformidade n'estes monumentos dos
indigenas.
NOTAS ADDICIONAES

.em cuja fóz encontrara aquellas famosas guerreiras com


que se batera . » (Pag. 177)

A geographia vem sempre em auxilio da historia , e aqui, d'es-


ta vez , o seu auxilio consiste em escoimal-a de factos suppostos
com que foi mareada pela imaginação fecunda de Orellana , e ,
para tudo dizer , pelo enthusiasmo indiscreto de alguns chronis-
tas do seu seculo .
Em toda a margem esquerda do Amazonas desde a Ponta es-
calvada do Pinaré, extrema oriental das Barreiras de Carara-ucú ,
até a barra do Trombetas , não ha um terreno solido e perfeita-
mente habitavel no qual podessem residir ou aquartellar- se bem
os Indios e as guerreiras Amazonas que, segundo se pretende ,
oppuzeram-se com armas na mão á passagem de Orellana, e
muito menos ainda os ha no logar em que as cartas figuram a
fóz do Jamundá.

Não se comprehende mesmo com que interesse Orellana que ,


sem duvida, tinha pressa de alcançar o occeano, deixaria de se-
guir a correnteza que n'aquella altura passa no meio do rio e
que tanto favorece a navegação, para encostar-se á margem es-
querda, alagadiça, o que aliás não lhe era facil conseguir ; accres-
cendo ainda a circumstancia de que, sendo o rio alli extremamen-
II .

te largo, difficilmente do meio d'elle se distinguiria quaesquer in-


dividuos que se achassem na margem que é alli muito arvorejada.
Mas , si effectivamente algum encontro teve Orellana com tri-
bus indigenas em terra, só teria logar em qualquer ponto entre
a barra do Trombetas e a Ponta do Pauxys , hoje Forte de Obi-
dos ; ou então será forçoso admittir que o combate fôra naval e não
terreste .
N'esta ultima hypothese seria curioso vêr o guerreiro hespanhol
no seu bergantim armado em guerra e no meio de soldados
aguerridos , bater-se contra indios bisonhos e mulheres embarca-
das em montarias e igarités. Swiff teria n'elle achado um ideal
para outro Gulliver .

« ... .com superioridade sobre o café. » (Pag . 196)

Não menciono esta superioridade da cultura do cacão sobre a


do café sinão com reserva, porque não pude ainda saber com
exactidão qual é nas provincias do Sul a proporção de braços
para mil cafezeiros, não me parecendo bem decisivas as informa-
ções que a esse respeito me foram ministradas .

«.... cacaoaes queimados pelo incendio dos campos. » (Pag. 199)

Em Novembro de 1867 , de viagem para Manáos, desde que,


deixando as aguas do Pará, entramos nas do Amazonas , vimo-nos
envolvidos por uma densa athmosphera de fumo que se alevantava
dos campos incendiados, occultando aos nossos olhos os unicos
objectos que interrompem a monotonia incommoda da planicie :
as montanhas e oiteiros pittorescos que apparecem da banda do Nor-
te entre Almerim e Monte-Alegre , em Santarem e em Obidos.
O sol annuviado pelo fumo apresentava-se rubro como um
disco de ferro incandecente . O ar quente e a ausencia de ventos
III

produziam um calor suffocante que não era attenuado sinão du-


rante a noute pelo resfriamento do solo.
Esta camada de fumo acompanhou-nos até Manȧos , onde não se
dissipou senão quando appareceram as primeiras chuvas precedidas
de ventos tempestuosos e de trovões continuos . Um mez depois,
eu recebia de alguns pontos do Amazonas communicação do es-
trago de numerosos cacoaes devorados pelo incendio dos campos
e em 29 de Dezembro o Industrial, periodico de Obidos, confir-
mava tristemente estas noticias pelo modo seguinte :
<< A falta de chuva e a intensidade do calor tem causado estragos
bem sensiveis. Nos campos de criação de gado os pastos foram
redusidos a cinzas pelos incessantes fogos .
« Um violento incendio tem lavrado pelos cacoaes, podendo
avaliar-se até hoje , segundo as noticias que temos, em mais de
50,000 cacaoeiros queimados e totalmente perdidos . Muitas ca-
zas tem igualmente sido prezas das chamas, as quaes so pradas por
vento rijo das roças e campos abrasados, precipitam-se com ce-
leridade tal que é difficil aos alvorotados moradores impedir- lhes
a marcha . >»
A queima dos campos é util a criação de gado e os criadores
não deixam jámais de mandal- a fazer na época determinada, isto
é, quando os campos estão totalmente seccos e o inverno se an-
nuncia pelo repiquete do rio.

A queima reduzindo a cinzas o capim secco , fertilisa com el-


las o terreno ; então as novas plantas destinadas a alimento do gado,
brotam com vigor, apenas a terra é humedecida pelas primeiras
gôtas de chuva .

Esta queima methodica tem ainda a vantagem de não destruir


os milhões de aves campestres e ribeirinhas cujos ovos n'essa
época se acham ainda em incubação nos ninhos que ellas cons
truiram, quer sobre os troncos de raros arvoredos dos campos e
IV

campinas, quer no meio das touças de capim e d'outras plantas se


melhantes .

Os vadios e malfeitores que não tem outro interesse além do de


satisfazer à sua paixão pelo espectaculo d'um incendio, ateam fogo
aos campos dos criadores muito antes da época conveniente ; com
o que não só aniquilam tantos milhões de aves ainda em seu
berço, mas dão occasião a que sejam devorados pelas chammas os
cacoaes, por não terem ainda os respectivos proprietarios prepara-
do os aceros de costume, destinados a isolal- os do incendio pro-
veniente dos campos .

Seria conveniente que as camaras municipaes por meio de pos.


turas executadas por seus fiscaes e a policia por meio dos inspe-
ctores de quarteirão, que tão pouco serviço prestam, tratassem de
pôr cobro a esse habito em que estão os ociosos de deitar fogo em
campos alheios , impondo aos delinquentes penas de prisão , ou
multas pagas por trabalho pessoal ; com tanto, porém, que se não
uze do patronato , como é pratica.

« . ... vio desapparecer em poucos minutos mais de 2,000 pés


de cacáo .» (Pag. 199)

Ha nas margens do Amazonas alguns logares que o povo de-


nomina- Terras cahidas - por haver ahi continuo desbarrancamen-
to d'ellas durante o inverno e mesmo no verão .
Estas quédas são geraes em todo o curso do Amazonas que não
cessa de aperfeiçoar o seu leito, segundo a expressão de Humboldt.
« O Amazonas ainda está procurando caminho » , dizia-me em
4
sua linguagem simples, um antigo morador, de origem indigena,
que vira destruida n'um momento metade da sua palhoça e quasi
todo o seu pequeno cacaoal por um d'aquelles desmoronamentos..
Um dos nossos mais distinctos e illustrados agentes consulares
o Sr. Wilkens de Mattos que presta ao Imperio tão bons serviços.
V

em Loreto (Republica do Perú ), escrevia-me ha pouco uma carta


muito interessante onde acho o seguinte trecho :
« Em 29 de Julho de 1866 o desbarrancamento da margem es-
querda do Amazonas foi extraordinario ; em a noute do dia indicado
abateram-se mais de 50 leguas de barrancas ! »
Póde-se por este trecho fazer-se idéa da enorme quantidade de
cacaoeiros que se perdem n'aquellas margens, pois que, como já
referi, é n'ellas que os cultivadores fazem as suas plantações de pre-
ferencia a qualquer outra localidade .

« .. .. Urucú e oleo de cupahyba que especuladores miseraveis


falsificavam . » (Pag. 203)

O consul geral do Imperio nos Estados-Unidos dizia de Nova-


York ao ministro dos negocios estrangeiros em officio n. 7 de 25
de outubro de 1841 o seguinte que eu extracto :
Sabendo que alguns negociantes d'aquella praça, importadores
de productos do Pará, se queixavam das grandes falsificações ul-
timamente encontradas nos mesmos generos, fez alli indagações ,
mandou fazel-as tambem em Boston, Mussachussetts e Salem, e
·
verificou que era exacto o motivo das queixas.
O oleo de cupahyba chega mixturado com outro oleo, o que
torná a sua qualidade pessima para os fins a que é procurado .
O urucú (ou annotto), como é um genero de que lá se faz
grande uso , é tambem o que mais se falsifica e mais queixas ex-
cita ; mixturam-lhe outras substancias, grande quantidade de sal ,
etc. , afim de augmentar o seu peso . D'isto resulta enormes pre-
juizos aos importadores , pois que chega quasi sempre corrompi- ·
do, e n'elle, ao cabo de um ou dous mezes, ao abrir-se a caixa ,
encontra-se grande quantidade de insectos, e o genero totalmente
perdido.
VI

O urucú puro podia facilmente obter o preço de 40 cent . por


libra, e no entanto o que actualmente se vende não alça mais de
5 a 17 por estar muito corrompido .

D'essa deterioração tem resultado tantos prejuizos aos vende-


dores que muitos deram ordens particulares aos seus amigos para
lhes não remetterem mais tal genero.

O Governo Imperial em vista desta denuncia , expedio logo avi-


so á Presidencia do Pará ordenando que procurasse vedar a con-
tinuação d'essa falsificação dos generos do paiz ; mas tenho rasões
para crer que, á excepção do Presidente que recebeu o aviso e
que, depois de pôr-lhe o -cumpra-se-, não o cumprio nem deu
um passo para a sua execução , nem-um outro Presidente teve no-
ticia d'essa recommendação do Governo que ficou para sempre
archivada, quero dizer , enterrada na secretaria. Foi em vista
d'este e de outros factos identicos que, em 1859 , pouco depois
de começar a exercer o cargo de Secretario da Provincia, suppri-
mi do expediente da secretaria as notas de cumpra- se- nos
Avisos e ordens do Governo, por ser uma formalidade tam inu-
til como prejudicial ao serviço .

O oleo de cupahyba, depois de algum tempo , recuperou pou-


co a pouco e naturalmente o seu credito ; mas o urucú não ces-
sou de ser falsificado sinão quando os falsificadores que eram
quasi sempre os productores, começaram a sentir os mãos effei-
tos da sua propria obra em ruinas.

O producto cahio por alguns, annos em total descredito ; mas


a sua estima é tal que ainda assim nunca deixou de ser compra- 1
do nos Estados-Unidos .

Hoje os exportadores o remettem com a declaração especial de


falsificado ou de puro, obtendo o primeiro o preço de 255000 e
o segundo o de 55000 por arroba.
VII

.... garganta do Amazonas por onde passam todas as aguas


navegaveis. (Pag 233 )

Por occasião de restabelecer-se o Forte de Obidos e recente-


mente quando se tratou de construir-se à flor d'agua um fortim
annexo ao Forte, questionou-se , como ainda se questiona, sobre a
importancia militar d'essa fortificação , dizendo uns que ella era in-
sufficiente para impedir a passagem de embarcações porque estas,
para alcançarem a parte superior do rio, não precisavam passar por
Obidos, por isso que pelo Lago Grande podiam conseguir esse fim.
Para resolver esta questão creio ser sufficiente expor aqui com
applicação á navegação , o resultado do exame que n'um interes-
se diverso fiz da região do Lago , das suas campinas e da floresta
que fica entre estas e o Amazonas, acima de Obidos .
Dos quatro furos ou defluentes, Curumucury, Iratuba, Muira-
tuba-grande e Muiratuba-mirim , que o Amazonas lança de sua
margem direita para o Lago Grande das campinas , o primeiro é
o unico que se conserva em corrente permanente em qualquer es-
tação do anno, ficando todos os outros em secco durante o verão .
Seria pois o Curumucury o mais importante por essa circums-
tancia ; mas é tam sinuoso e estreito no meio da floresta por onde
passa, que não pode dar passagem em qualquer tempo sinão a
vapores da dimensão e capacidade d'um escaler.
O Muiratuba-grande , que não examinei sinão em uma milha de
sua extensão, mas a respeito do qual tive informações de bons
praticos, é muito menos sinuoso e mais largo . Poderia, durante as
grandes aguas, ser navegado por qualquer das pequenas lanchas
a vapor que actualmente existem no Pará, si a quantidade enor-
me de canaranas, que o cobrem como um vasto tapete fluctuante,
não opposessem um obstaculo real e invencivel á passagem das
embarcações .
VIII

Como , porém, toda essa camada de hervas, ao começar a va-


sante do rio é arrastada pela força das aguas descendentes , a na-
vegação de lanchas a vapor podia effectuar- se durante esse perio-
do ; mas fôra preciso aproveitar para isso o momento preciso,
porque, dentro de poucos dias, e logo que o defluente de que se
trata expulsa os camalotes que cobrem varias secções de sua su-
perficie, as aguas baixam rapidamente e numerosas corôas de area
ou de lôdo , começam a apparecer em toda a extenção do seu cur-
so e principalmente nos lagos de Pirapitinga e Poção Grande pelos
quaes passa antes de chegar ao Igarapé das Fazendas.
Assim, além de ser indispensavel um pratico habil que levasse
a lancha ou escaler a vapor, devia este aproveitar aquelle momento
para effectuar a passagem . Isto significa que só por um feliz con-
curso de circumstancias, a lancha realisaria a sua viagem atravez
das campinas do Lago Grande seguindo o Muiratuba.
O vapor, na hypothese dada, faria o seguinte itinerario :
Entrar por uma das boccaş orientaes do Lago ; seguir por este,
deixal-o e entrar pelo Igarapé das Fazendas até o Poção pequeno .
Viagem em qualquer tempo.

No verão continuaria pelo Igarapé das Fazendas, Lago do Salé


e d'ahi até o Curumaury por onde , em escaler, sahiria no Amazo-
nas defronte das Ilhas de Santa Rita.

Na quadra da vasante, seguiria successivamente do Poção pe-


queno ao Poção Grande e d'este ao Lago Pirapitinga, onde entra
o Muiratuba pelo qual subiria a lancha até sahir ao Amazonas
exactamente na entrada superior do Paranamirim de cima , cerca
de 16 milhas acima de Obidos .
E' escusado fallar do Muiratuba-mirim e do Iratuba, bastando
recordar que estes dous affluentes, depois de atravessarem a flo-
resta, desapparecem no meio das campinas cobertas de hervas,
onde não se distingue o menor vestigio dos seus leitos .
CORRECÇÕES

Na impressão escaparam algumas incorrecções , entre as quaes as seguin-


tes que rectificamos :

Pags . Lins . Incorrecções Correcções

23 é apreciada ... • é ordinariamente apreciada.


?
ོ་ོ

27 6 aquelles .. aquelles adolescentes


32 6 cabeiras .. cabeceiras
7 1 a 3. 1a 2
9 nivelas . niveladas
11 Cunury que.. Cunury, nome que
38 7 creação... criação
46 24 70 a 100. 40 a 70
103 10 empo . tempo
D 18 ei ... • lei
120 6 raro nas mar- . raro nas povoações ao pé das mar-
127 15 a O da barra .. ao SO da barra
184 5 1500 . • 750
159 31 gres ... gneis
172 24 Branco e do Rupunury .. Branco , ao SE das daquelle e ao
S das do Rupunury
177 4 com quem se batera aquel- aquellas famosas guerreiras com
las famosas guerreiras .... quem se batera
240 1 em outro descrevi .. em outro logar descrevi
250 3 de plantas ... principalmente das plantas aqua-
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