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EXPLORAÇÃO E ESTUDO

DO

VALLE DO AMAZONAS.—. ?oK , s)

RELATORIO

APRESENTADO

Ao Illustrissim o e Excellentissim o Senhor Conselheiro


Dr José Fernandes da Costa Pereira Junior,
Ministro e Secretario de Estado dos N egocios da Agricultura,
Com m ercio e Obras p u b lica s.

POR

fSaih'M Seduyua.
3-
r,m Commissáo Scientiflca pelo mesmo M inis^So.;
y/m. >•

RIO DE JANEIRO
T Y P O G R A P H 1A NAC IO NAL
1875,
1378—75.
m o CAPIM

Descendo da cidade de Óbidos, que por algum tempo


serviu de centro para minhas explorações, levaram-me
os estudos para o rio Capim, onde a messe promeltia,
recompensar as fadigas, por ser um rio pouco explo­
rado e conhecido.
O unico investigador da natureza que tinha pas­
sado além da sua foz foi o entomologista Alfredo
Wallace, em Junho de 1849, que não descreveu o rio e
nos deu apenas noticia de alguns lepidopteros e da po­
roroca .
Animado preparei-me para subir o rio até ás suas
nascentes, o que não pude levara effeilo, pelas grandes
chuvas que começaram a cahir , e não achar pessoal
que me acompanhasse.
Não havendo, pois, uma noticia exacta sobieeste
rio, além da descripção da natureza, farei sobre elle
um estudo não só geographico , como, sempre que
puder, historico ou ethnographico.
Sahindo da cidade de Belém, no dia 7 de Dezembio to
anno proximo passado, em uma lancha a vapor, que o
prestimoso presidente da provincia, S. Ex. o Sr. Di.
Pedro Yicente de Azevedo, poz áminha disposição, de­
mandei a foz do rio Capim, vulgar e impropriamente
chamado rio Guanaá por uns, ou Guajárá, por outi o s,
como mais tarde veremos.
Uma milha ao S da cidade apresenta-se a embocadura
defronte da pontaS da ilha das Onças, da qual dista
duas milhas, lançando suas aguas, que vem banha rs
a cidade, no rio Guajárá, formado pela união das
aguas do rio em questão e pelas do Acará. O rio Gua-
jará, não é mais do que um grande delta, que se forma
na confluência destes dous rios, pelas ilhasCarnapiyó, das
Onças, Arapiranga, Gotijuba e Jutuba e outras, que ahi
formam um pittoresco archipelago; sendo as principaes
estas, que se estendem até ás aguas do Tocantins.
Logo depois da fundação da capital por Gastello Branco
em 1616, teve este rio o nome de rio de Belém ; porém
sempre manteve o primitivo indigena. Os diversos ca-
naes que formam esse delta têm differentes nomes, con­
servando só o de Guájarà o que passa pela foz do Capim
e corre entre o litoral e a ilha das Onças. Na sua foz é
o Capim limitado ao sul por diversas ilhas, e ao norte
pela ponta de terra firme, onde na extrema occidental
está edificada a cidade de Santa Maria de Belém.
Tem ahi de largura, quasi 1 1/2 milha ingleza. Pene­
trando-se pelo rio vê-se as margens revestidas de lu­
xuosa vegetação, onde a esbelta Euterpe edulis, eleva sua
corôa acima das Wullschlcigeliãs (acapuranasj que com
suas flores brancas, enfeitados pelos longos estames ver­
melhos, contrasta com a côr castanha de seus grandes
fructos, que pendem sobre as aguas.
Na margem sul uma orla de mala continua, e na
margem norte a mesma orla, interrompida por uma ou
outra casa ou estabelecimento industrial. Ahi fica o paiol
dapolvorado governo, á margem de um ribeiro (iga­
rapé) chamado Aurá. v°
Este paiol foi construído em 1791, sob o governo
de D. Francisco de Souza Coutinho, e denominado de
S. Francisco do Aurá, sendodemolido depois por ordem
do conde Villa Flôr, o que existia no largo, hoje da ci­
dade, chamado da Polvora, edificado em 1713, sob o cr0.
verno de Christovão da Costa Freire, senhor de Panças
Duas milhas abaixo deste igarapé, fica na mesma margem'
um baixo de pedras, no lugar denominado Pedreiras,
sendo o canal pelo meio do rio, com cinco braças de
fundo na baixa mar. Acima do Aurá, também duas
milhas, porém na margem esquerda terminam as ilhas
e apparece um canal que une este rio ao Mujú. Fica
quasi fronteiro ao lugar denominado Ariboca.
D’ahi tornam-se as margens, quo são baixas, argil­
losas mais ou menos alagadiças, cobertas de uma vege­
tação onde as monocotyledoneas, representam o prin­
cipal papel, não só pelo numero das mesmas especies,
como pela variedadadc dos generos em varias fami­
lias.
Modificando-se o terreno, modifica-se também a flora,
de modo que o rio Capim, ofTercce de certo lugar para
cima uma vegetação differente, que apresentarei n’um
bosquejogeographico-botanico das regiões percorridas.
Desde a sua foz, este rio apresenta suas margens, em
plano inclinado, a formar baixos, mais ou menos ele­
vados e prolongados para o centro ; onde se forma o
canal, que na baixa mar quasi não excede a cinco
braças.
O lugar onde a sonda medea maior profundidade
foi defronte ao Aurá, que media 8 -1/2 braças no canal e
4 1/2 sobre os baixos.
Depois de 10 milhas, de caminhar sem mudar de rumo,
volta-se formando uma curva saliente na margem es­
querda, denominada Ponta Negra, seguindo depois um
longo rumo.
A dez milhas da Ponta Negra, fica o igarapé Cara-
parú, (1) onde outr’ora houve uma freguezia, e ainda
hoje é muito habitado.
Cinco milhas acima deste, apparece a primeira ilha,
um pouco encostada á margem esquerda, precedida por
um longo baixo que margina a costa, onde a vasante da
maré põe a descoberto algumas coroas de rochas.

(t) CoiTuptella de Acará, peixe do genero mezonauta e paru,


bonito.
— 6 —

0 canal que a ilha ofl'erece á esquerda, não é navegá­


vel por embarcações de grande calado.
Acima um pouco dos baixos está fundada a primeira
fazenda cujo nome é Mucajuba, ( i ) seguindo-se logo
outra, passando a enseada da margem formada pela
curva da ilha, chamada do Bom Intento, que dá seu nome
á mesma ilha.
Mudando inteiramente seu rumo, porém conser­
vando sempre a largura de uma milha, pouco mais ou
menos, e a margem esquerda embaraçada por baixos a
61/2 da ilha do Bom Intento, é interceptado o seu curso .
por uma segunda ilha, maior, denominada Pernambuco
dos Frades, nome que tira de uma fazenda que pouco
acima tem na margem direita. Desta fazenda foi ter­
ceiro possuidor Lorenço Malheiros Corrêa, por carias
de sesmaria e data concedida por D. Pedro de Mello,
capitão governador do Estado, em 5 de Julho de 1058,
tendo então o nome de Tauá-puranga. (2)
Fallecendo Corrêa em 1736, deixou-a por testamento
feito em 1717, aos frades Carmellitas; tendo estes o en­
cargo de dizer annual e perpetuamente missas e oílicios
por sua alma.
Era prior frei Antonio de Araujo, que tomando posse
deu-lhe a denominação de fazenda de Nossa Senhora da
Estrella do Monte Libano, passando posteriormente
a t e r o nome de Pernambuco. Foi nella que se re­
colheu o 7 .° bispo D. Manoel de Almeida Carvalho, em
1798, quando desgostoso pelas ordens que recebeu da
côrte, no aviso de 2 de Agosto do mesmo anno.
Pertence desde 1870 esta fazenda ao Sr. major José
Joaquim Pimenta de Magalhães. Está collocada, n um
dos pontos mais lindos do rio, e donde se goza a pri­
meira formação da pororoca, nos baixos coroados de
rochas que a maré descobre e que ílcam juntos á margem
direita, uma milha abaixo da dita fazenda. Costeando a

( 1 ) Mucajá é o coco de catharro do Rio de Janeiro ( Acrncomia


sclerocarpa), e uba corruptella de yba, madeira
( 2 ) Tauá, argilla atnarella epnranga, bonita
mesma margem, qüe ê toda cheia de baixos, distante de
Pernambuco 51/2 milhas, fica a foz do rio ünhangapy, (1)
qiie do norte e onde está situada a freguezia do
mesmo d 'no que teve esta categoria pela lei n. 14 de 9
uc Setembro cio 1839 e cuja população é de 178b indi­
viduos sendo 859 do sexo masculino, 926 do feminino;
nacionaes 1763 e estrangeiros 22, occupando 283 fogos.
Passada, a fuz doluhangapy, quatro milhas acima, depa-
ia-se r a margem opposta com a Engenhoca, fazenda dos
Carme 11i tas.
Oont* se para mostrar o contraste do irascivel e
.brand*/mono do governador e capitão general de então,
Ignacio Coelho da Silva, que quando em 1680o prior do
Carmo frei João da Encarnação, fundava a fazenda com
o nome ■ Engenhoca de Santa Thereza de Monte Alegre,
km dia li’A; perguntará o governador, com que licença
levantava ■Engenhoca ; ao que respondeu o prior: «com
a oh Santo Elias», o que não exaltou o governador.
Habitam hoje esta fazenda os escravos libertos da
r.iesmam'dem. Logo acima deste lugar, ficam os sitios
’■o Bom>- trdim e Valverde que lambem foram proprie­
dades cai-mellitanas, cuj is terras estendem-se ao rio Bo­
jam, ou da Bella Concordia, como o chamou D. frei
Caetano Brandão, que pouco acima desagua. Nolle está
edificada a freguezia de Bojarú que foi elevada a esta
categoria em 1758 ; sendo governador Francisco Xa­
vier de Mendonça Furtado, occupando a cadeira epis­
copal D. frei Miguel de Bulhões e Souza.
Esta freguezia cujo orago é S. Vicente, contém uma
população de 2184 almas assim divididas: homens 1064,
mulheres 1120, dos quaes são nacionaes 2164, occupando
290 fogos, espalhados no municipio. Continuando-se a
subir o rio encontram-se, uma milha acima uns baixos
pedregosos na mesma margem, que se estendem para o

(1) Corruptella é e a n h a n g a , eipfrito (tos mortos, p é , caminho


f mA pequeno, isto é caminho pequeno das almas, ou dos phan­
tasmas.
meio do r i o , chamados do Bojarú ; onde quasi de
fronte fica a fazenda de Sanl’Anna ou do Mirnhyteua (V)
propriedade do tenente coronel José Gr 13o. /Nestes
baixos a pororoca, já com furia si uuebenia , ; qíu feito
estragos na margem; sendo da fazendo um dos melhores
pontos para se gozar sua passagem. Abaixo d' a fazenda
houve ha mais de um século, uma ilh que foi ck ! aida
.1 1

pela pororoca, e começa leito do rio a apio.v mar-se


0

rochoso, elevando-sen’uma das curvas que faz rio


para SE, a formar os baixos denominate.,.-- %tuaia {' 2 )
na margem direita. D’ahi ambas as margem; Mo
bertas de baixos, que na baixa mar alguns app^recem
sendo canal pelo meio do rio, com 3 1/2 a 4 braças
0

então de profundidade.
Cinco milhas acima dos baixos do Tatuaia, passadas
n’um só e lindo rumo, fica a affluencia do rio Gkuaimà pela
margem direita, elevando-se no terreno comprcòeií-
dido entre estee acurva do rio Capim a freguezia de S.
Domingos da Boa Yista, Fica nalat. S de I o 40' 0” e na
long. OdoObs. do Rio de Janeiro 4o 40’ 33” .
Está esta freguezia situada no ponto mais lindo
rio Capim, sobre um terreno solido, que se eleva acm
da preamar tres metros, sendo a maré ahi de 2 a 2,5,
onde a pororoca se apresenta magestosa, dividindo-se»
subindo pelo Guamá até acima de S. Miguel e pelo Ca­
pim até acima do engenho do coronel Calixto, como
adiante veremos.
Sobe-se para a povoação por uma ponte de escadas,
feita em 1862, sobre a barranca, escavada ha annos pela
pororoca.
Consta a povoação de 17 casas, edificadas quasi sem
ordem, todas arruinadas, estando uma occupada por um
cominerciante nacional e outra por uma escola publica,
para 0 sexo masculino, que não é tão frequentada,

(1) ymirá, páo — hy, pequeno— tem. corruptella (te tyba, bas­
tante.
(2) Corruptella de tatá e maia isto é rabo de tatü.
quanto o podia ser, por haver grande numero de crian­
ças que deixam de a frequentar.
A matriz, queé a terceira que se edificou, por terem
as duas primeiras cahido, com as escavações da poro­
roca, começou a edificar-se em 1786, á custa de uma
alma caridosa, o padre Manoel Gaspar da Fonseca, de
quem adiante fallarei.
E’ de pedra e cal, espaçosa para a população dahi ;
com um frontispício elegante ; com a capella mór for­
rada, tendo o tecto lavores de talha dourados e pintu­
ras de côres sombrias, o que faz realçar o ouro de seus
florões.
O altar-mór lambem é dourado e cheio de obras de
talha, onde se vê o estylo antigo bem representado.
Está este templo mal conservado e pouco asseiado. En­
contrei aürado para um canto, da sacristia, um quadro
de quasi dous metros de altura, representando Santa
Anna, cuja pintura é demão de mestre, tal é a correc-
ção do desenho ; a disposição das cores e luz, cuja com­
binação fazem realçaras massas das dobras da roupagem
com uma naturalidade e singeleza, que só um pincel
muito educado por uma cabeça onde arde o fogo do ge­
nio poderia traçar.
E’ tal o estado de decadência desta freguezia que já a
lei provincial n.°736, de 27 de Abril de'1872, transferiu
a sua séde ; para o lugar denominado Ponta, despen­
dendo o governo a quantia necessaria para a construc-
ção da nova matriz.
Este lugar fica tres milhas abaixo da actual fregue­
zia na margem direita.
O rio com a sua curva e com a recepção do Guamá,
affecta a forma de um T, ficando a povoação no braço
superior, com frente para o inferior onde a vista al­
cança um extenso horizonte. Tem abi najunççãodo
Guamá, o ido mais de I 1/2 milha de largura, o Guamá
200 metros e o Capim quasi 1 milha. Conta já esta fre­
guezia 117 annos de existência ; foi fundada em 1758
pelo bispo D. frei Miguel de Bulhões, no governo de
2
— 10 —

D. Francisco Xavier de Mendonça Furtado, dando-lhe


aquelle por orago S. Domingos, por ser o patrono da
ordem de que elle era frade.
Tem sido, não só esta como outras freguezias desta
região, visitadas por varios diocesanos. No dia 25 de De­
zembro de 1762, cantou ahi a missa do Natal o infeliz e
satyrico bispo D. frei João de S. José Queiroz, que de­
pois de quatro annos de governo, foi chamado á côrte
pelas intrigas jesuilicas, e desterrado no covento de
S. João de Pendurada, entre Douro e Minho, onde fal-
leceu, oitomezes depois, no dia 15 de Agosto de 1764.
Quando este virtuoso bispo esteve na localidade em
questão, estava ella sem parocho, por haver o mesmo
bispo suspendido este, por ter casado uma menina de 10
annos e « ter a lingua tão comprida quanto era curto
seu entendimento »: como diz elle no seu roteiro de
viagem.
No dia 14 de Novembro de 1787, chegou a esta fregue-
zia o immortal e venerável D. frei Gaetano Brandão,
donde assistiu a pororoca, que também descreve, no seu
diario da terceira visita pastoral que fez á diocese, como
adiante veremos. O preclaro bispo D. José de Moraes
Torres, também a visitou, assim como o actual D. Anto­
nio deMacedo Gosta, em Agosto de 1872.
A população hoje do seu municipio é de 2831, sendo
1303 do sexo masculino, 1528 do sexo feminino e 2804
nacionaes. Nas suas terras cultiva-se o tabaco, o arroz,
o cacáo e o café e extrahe-se também gomma elastica ;
constituindo o arroz, a farinha e o tabaco osseus princi-
paes generos de exportação. O café foi ahi introduzido
em 1724 por um dos principaes fazendeiros de então o
capitão Agostinho Domingos, cujas sementes obteve do
governador João Maia da Gama, que as mandou vir de
Cayena.
O capitão Domingos ainda existia em 1762 e teve a
honra de hospedar o bispo D. frei João de Queiroz.
Com a juneçãodo rioGuamá, toma o rio Capim, dalii
para baixo o nome de rio Guajará, segundo uns e cun-
tinúa cora odeGuamà, segundo outros, como já vimos,
porém ambos estes nomes, são mal applicados e não tem
razão de ser. O espaço que os indigenas chamam rio
Guajarâ, é desde a confluência das aguas dos rios Mujú e
Acará engrossadas com as do Capim, que passam pelo
litoral da cidade, interceptadas por numerosas ilhas,
que formam ahi um grande delta cujos canaes, tomam
diversas denominações, como é uso entre os naturaes.
Baena mesmo confunde esta porção do Capim, com o
Guajará, propriamente dito.
Assim no seu Ensaio corographico, a pags. 231., diz ellc:
« pela coadunação dos rios Guamá e Acará (aqui da-lhe
esse nome'), o primeiro já adunado ao Capim desde a
freguezia de S. Domingos e o segundo já unido ao
Mujú. A esta coadunação de rios deram os naturaes e
proprios indigenas da terra o nome de Guajará que ainda
persevera. » Na mesma obra a pag. 244, tratando do:'
bens que tinham os frades diz: « da fazenda de Pernam­
buco, no rio Guajará,» que como vimos fica no Capim
no espaço que acima elle appellicla de Guamá. No resumo
geographico que apresentarei adiante, veremos, que o
Guamá não é, mais do que um braço do Capim, c que
essa região duplamente appellidada, não é mais do que o
proprio Capim. Terminando também na freguezia de
S. Domingos da Boa Vista, a região onde a pororoca,
exerce o seu dominio, porque para adiante não é mais
aquella que até ahi se apresenta, convem dizer o que
penso sobre esta maré, phenomeno segundo querem.
Antes de entrar na descripção delia, mostrar suas
causas c seus effeitos, cabe-me dizer o^que significa a
palavra tão vulgarisada, porém ainda não interpretada.
Duas são as traducções, que acho para essa palavra mtei-
ramente da lingua indigena ou tupy: póde derivar-se
de poroc arrebentar e oca casa, isto é: que chega a ar­
rebentar até em casa, (1) ou como a lingua è toda ono-

(1) Substituindo-se, como é uso, por enphonia o c por r.


matopaica de poroc poroc, isto é arrebentar seguida-
mente; que bem exprime a maneira da successão das
vagas que arrebentam, e que por abreviatuia c coirup-
tella, supprimissem o c final da segunda syllaba da pri­
meira palavra e substituissem por r o p da primeira
syllaba da segunda. Outra não é a origem da palavra
pororoca* synonima de barre dos francezes, do mascaret
dos marinheiros da Dordonha, e de macaréo dos colonos
portuguezesda Asia,de que falia João do Barros (I) quo
dá-se na enseada de Gambaya, perto da cidade de Cam-
bayete nos baixos que abi existem. A pororoca não é
um phenomeno, como se tem dito; tem causas constan­
tes que a motivam, dias e horas marcados para se apre­
sentar. Se ignorássemos as cousas, e se apresentasse
alguma novidade, poder-se-hia então dar esse qualifi­
cativo.
Antes de vel-a, de estudar geologica e geographica-
mente o lugar, sempre pensei que fosse uma luta poetica
e gigante, como se tem descripto, porém hoje estou
convicto do contrario. E’ sublime o espectáculo, que
offerece, mas não é real o combate braço a braço, por
assim dizer, entre o Amazonas e o Atlantico, ora ven­
cendo um, ora outro, como se vê na excellente geogra­
phia do Perú, pelo Sr. Paz Soldan, que diz a pag. 4 da
edição franceza : « II s’etablit alors une lutte merveih
leuse entre ces deux colosses: souvent il arrive quo le
souverain desfleuves parvient á s’ouvrir magestuousc-
ment sa route à travers la plaine liquide de l’Atlan.
tique, comme au milieu des terres, et conserve même
la douceur de ses eaux jusqu’a soixante lieues au delá
de son embouchure. » Esta é a crença geral, tanto que
o-Sr. Dr, Francisco da Silva Castro, paraense illustrado,
querendo refutar a opinião do Sr. Yarnhagen, avança
ideas inteiramente contrarias ao que se observa na
natureza, dando as condições para que se dê a pororoca.

(1) Decadas VI, liv. IV. cap. Ill pag. 294.


- 13 —

Diz n’urn artigo publicado no Diario do Gram Pará dc


8 de Março de 1860, que: « A pororoca não se passa só­
mente em alguns riosperto do mar-, como julga o S r . Var-
nliagen. Este estupendo plienomeno observa-se também
longe da costa a trinta e quarenta e talvez a cincoenla
léguas do mar; taes são o Guamá, o Mujú, o Capim, o
Arary e outros. » E verdade que o rio Capim, está,
muito longe da zona maritima, mas o que é não menos
certo, é quesuas aguas durante a enchente, mesmo si. m
Paver pororoca resente-se dos saes marinhos muito
além da foz, a 66 milhas por elle acima a ponto de serem
más as aguas para se beber, como veriliquei : o que
prova que a maré que por elle sóbc é d’aguas do oceano
e não simples entufamento, causado pelo oceano a trinta
léguas de distancia.
Diz ainda; « Também é certo que se manifesta com
toda a regularidade nas mares meus perto da cosia, em
quasi todos os rios da Guyana lorazileira ou letum do
Cabo do Norte, especial men te no Àraguary e no Amapá.»
Este paragrapho prova, que quanto mais proximo
estão os rios do oceano, mais este influo na tornuuao
da pororoca.
Continua: « E não é menos certo, que nunca foi vi>to
esse plienomeno no rio Amazonas, o que é expliuuel
pelo que se segue. A primeira condição para que se
dê a pororoca é a presença das marés vivas e da sua en­
chente, em cuja occasião rebentam as pororocas, como
se explicam os naturaes da terra. A segunda é a de um
rio, cujo leito tenha pouco declive, seja bastante raso e
sem embaraços c cachoeiras na sua corrente, desde a foz
até o lugar assignalado para a pororoca. » (tom a pri­
meira condição concordamos, porém, com a segunda
não. Porque não se dá então no Amazonas, cujo declive
é pouco scnsivel, como nota quem estuda esse rio e
como diz Paz Soldan, na geographia citada, pag. 4
«La pente de 1’ Amazone est si peu considerable et si
peu sensible que, si la masse des (lots n’etait passi
grande il coulerait avec line extreme difficulté. Ainsi,
— 14 —

sar m espace de 200 ieucs, it n’a pas plus de 10 pieds


cdemi de pente, c’est à dire 4/27 de pouce pour 100
pieds. » La Gondamine pelos estudos que fez, ê da
mesma opinião.
Tendo pouco declive, não tendo embaraços, nem ca­
choeiras até sua foz, devia ser o que mais soíTreria a po­
roroca. Entretanto o Amazonas, tem pororoca só na
sua foz, proximo a Macapá, juntamente na região dos
baixos. Diz mais : « succede então, que as aguas do rio
represadas pela maré que vai enchendo e ganhando
força de momento para momento, são vencidas pot ul­
timo na sua marcha, saltando-lhes por cima a maré com
grande estampido, que se ouve a tres e quatro léguas
de distancia, e formando ondas tão altas e encapelladas
e rebojo de aguas tamanho, que alaga em poucos mi­
nutos espaços enormes e tudo destroc quanto diante do
si encontra, enchendo de prompto o que havia vasado
em horas. »
O que chama aqui maré o Sr. Dr. Castro, as verda­
deiras do oceano ou o entufamento das aguas doces que
represadas pelas do oceano refluem ?
Conclue, dizendo: « Já se vê, que para se dar o facto
dapororocfl nãoé preciso a concurrenda da agua salgada
ou do poderoso mar, como pensa o Sr. Varnhagen, para
se estabelecer o triumpho nessa luta entre as aguas do
monte e as da maré, que nem sempre são salgadas. » Se
não fosse a concurrenda d’agua salgada, ou do poderoso
mar, não haveriam pororocas, porque não haveria
marés.
Onde as aguas doces, apenas refluem puras, é longe,
represadas pelas marés salgadas, e é tão fraco o seu re-
fluimento, que mesmo em lugares proprios de apparecer
a pororoca, ellas não se alteram, como tive occasíão de
observar.
Não ha luta, o mar segue sempre seu movimento ; os
rios nunca são vencedores, eas causas são outras. Po­
derei estar em erro, outros mais habilitados, depois de
estudar o facto no terreno que me julguem, porém
— IS —

quanto a mini simples é a explicação, sendo outras as


causas.
0 Sr. conego Bernardino, nas suas Curiosidades diz
que: « muito se tem escripto acerca da pororoca, mas
ainda ninguem conseguiu explicar esse assombroso
phenomeno, » mas, também não a explica, apenas poe­
ticamente a descreve.
Darei a descripção e depois apresentarei as causas.
Mensalmente tres e as vezes quatro dias antes ou de­
pois do novilunio ou plenilunio, dá-se na occasião da
reponta da enchente a pororoca. As mais fortes, são,
comtudo, as do equinoxio de Marco, isto é no tempo
da enchente. Tranquillas, deslizam-se as aguas doiio,
quando de repente suspendem-se, e refluem impcllidas
pela grande massa d’aguas da maré, que subindo pelo
rio e achando limitado o espaço para se espraiar, toma
grande velocidade.
Repeli idas na foz, vão levadas de vencidas e confun­
didas com as já salgadas, que vem da costa, atéjicimada
ilha Pernambuco dos Frades, onde dá-se então a p u -
meira formação. Até abi nada de notável apparece a
não ser a grande corrente, e a circumstanda de passai
de baixa a prea-már, porque até então nada põem obstá­
culos ao livre curso das aguas. Chegando porém, a
maré abi, mudando inteiramente o rio de rumo, ati-
ram-se as aguas para a margem direita, onde, encon­
trando o leito elevado e crivado de rochas, as aguas
levantam-se ante esse obstáculo e fórmam uma giamc
vaga que rebentando causa um fragor que no longe an-
nuncia ao navegante, que se acautele e evite o seu
furor.
Erguem-se as aguas, empinam-se, estouram, cobrem-
se de espumas e subito desappareee a scena, continuan o
rapidas emarulhosas. Derepente, mais adiante, tor­
nam-se a erguer, então com mais torça, l e u n h m ^
continuam mais marulhosas, para no seu cut>o, aqui e
alli; ora no meio do rio, ora nas margens, tomai em a
levantar-se progressivamente com mais impeto.
16 —

0 observador collocatio na fazenda de SanI’Anna,


ou na freguezia de S. Domingos, os dous melhores pontos
para se observar, presenie-a por duas ou tres ondas
que a precedem.
Estas tres ondas são formadas pela massa das aguas
da maré, de encontro ás do rio.
De Sant’Anna, observa-se a pororoca de lado e de
S. Domingos, pela frente. Neste ultimo ponto é que o
espectáculo é grandioso, não só por ser o scenario maior
como pela divisão das aguas. Alarga-se abi o rio , mas
seu leito é mais elevado e grandes bais.os estendem-se
quasi de uma a outra margem. No fim de um grande
rumo, o rio como que se tranca, pelas terras da fregue­
zia deS. Domingos, antes pela curva rapida que faz para
um lado, tendo quasi diametralmente opposta a foz do
Guamá ; esta disposição do terreno, e a circumstanda
dos baixos que vão-se elevando gradualmente até a
freguezia, fazem com que mais forte e mais grandiosa
rebente abi a pororoca.
Com effeito, as aguas, que pelas successivas curvas do
rio em varios sentidos têm tomado mais força, che­
gando a esse rumo atiram-se por elle acima, encontrando
porém os baixos, levantam-se com furia sobre os mes­
mos, formando uma liquida muralha curva que, com um
fragor medonho, subito desapparecendo, vem-se atirar
sobre as ribanceiras da freguezia, onde ante esse obstá­
culo subdividem-se e entram pelo Capim e pelo Guamá ;
onde sendo mais fundo o rio, mais distantes os baixos e
diminuindo a força da maré, pouco se faz sentir a poro­
roca ; apparecendo as aguas em alguns lugares como se
tocadas por um vento forte.
Passada a pororoca fica o rio completamente cheio e
o marulho que permanece, banzeiros dos naturaes, vae
sobre as margens formando ondas como as do mar. A’
impetuosidade das aguas sobre os baixos não ha embar­
cação por maior que seja que resista ; é logo despeda­
çada e mettida a pique. Entretanto o homem a desafia
em uma simples canôa, nos peráos ou esperas, quér na
- 17 —

margem quér no meio do rio, soffrcndo apenas o effeito


dos banzeiros. D. Fr. Caetano assim a descreve, obser­
vada de S. Domingos : « Aqui tive occasião de observar
o espantoso phenomeno da pororoca, e os estragos que
costuma fazer por toda aquella vasta e dilatada bahia.
Causa horror ver as serras de aguas que levanta ao céo ;
a força com que excava as ribanceiras, formando tres e
quatro redomoinhos violentissimos, com que parece
desfazer em miuda palha quanto se lhe põe adiante;
ouve-se um estrondo que metle medo, e bem semelhante
ao do oceano na costa mais desabrida : nenhuma em­
barcação, por mais forte que seja, lhe resiste; muitas
têm se submergido e despedaçado: mas escapa-se bem
nas esperas para isso destinadas, advertidos os remeiros
pelo ronco quesOa ao longe. » Eis como se dá a poro­
roca, agora o que a motiva. As attracções do sol e da lua
causam diariamente um movimento no oceano, arras­
tando duas grandes ondas que se denominam marés que
sempre são maiores nos novilunios e plenilúnios. No
alto mar os effeitos destas marés não são tão grandes
como nas costas, que ante esse obstaculo ellas tomam
um tal impulso que sobem a grande alturas e encon­
trando embocaduras de rios, por ellas se precipitam
fazendo-se sentir seus effeitos ás vezes até 200 léguas
de distancia do oceano, como no rio Amazonas se nota
até á cosia do Parú, distante do oceano 591 milhas ou
{97 léguas.
Estas marés, quando no fundo encontram obstá­
culos á sua marcha, como rochas, bancos, etc., o seu
choque de encontro | elles, produz novas correntes no
fundo tão rapidas e formidáveis, que valendo-me aqui
da autoridade Quatrefages, pôde n'uina profundidade de
130 metros suspender acima do nivel do mar uma co­
lumna d’agua de 50 metros de altura, com 2 a 3000m
cubicos d’agua, pesando 2 a 3 milhões de kilogrammas.
No Equador, onde as marés têm uma velocidade ás
vezes de 10 a 12 milhas por hora, por conseguinte tripla
<m quadrupla das correntes dos rios, ante ellas nenhum
— 18 —

■dos rios pode se oppor á sua passagem. O Amazonas, que


é o soberano dos rios, não tem comtudo forças para re»
sistir ao seu embate; porque, as duas ou trez milhas
que em geral tem de corrente ante a força da maré, não
faz mais do que oppor uma fraca barreira que recua,
marcando-a com uma linha que às vezes presente-se.
O rio Gapim, que não tem na sua foz mais de duas
milhas de corrente, quando não soffre o effeito da va-
sante das marés, não pôde, não só pela pequena massa
d’aguas que tem, em relação ao Amazonas, como pela sua
pouca corrente oppor embaraços á livre passagem das
aguas que voltam do Guajará, impellidas pela maré do
oceano. A grande massa d’aguas impel lida para o Ca­
pim, achando na sua largura pouca capacidade, duplica
de força entrando por elle. Achando um grande rumo
que não quebra a linha de sua corrente, segue natu-
ralmente, porém ante as curvas, torna a augmentar a
carreira pelo embate nas margens, encontrando obstá­
culos nos baixos ergue-se, e segue tranquilla nos lugares
fundos. Duas figuras imaginarias representando um pla­
no vertical-longitunal e outro vertical-transversal per­
feitamente demonstra a causa da pororoca.

Seja AC o leito do rio, .fios baixos que interceptam a


livre corrente das aguas, D £ a linha da baixa-mar e F
Ga da prea-mar. Assim a maré D F reunindo-se á massa
d agua D E chega a FG e segue apenas marulhando-se,
porém chegando a fi,encontrando esse obstaculo, que di­
minue a capacidade do leito, ergue-se tanto, quanto é a
- 1 9 -
capacidade diminuída, tomando maior altura a vaga P,
pelo choque causado pela velocidade e descendo a tomar
o horizontal FG logo depois do baixo B.

A segunda figura representa a pororoca n’um plano


vertical transversal e mostra que nunca ella se ergue-
senão sobre os baixos, que é a causa principal delia ap-
parecer. Se fosse resultado de duas forças chocadas,
dar-se-hia em todos os rios, onde a maré chegasse, o
que não se nota, nem podia se dar em consequência da
differença nas correntes. Os naturaes, mesmo, servem-se
do verbo mergulhar para dizer que ella deixou de
passar por sobre os baixos, porque entendem, que ella
sobe á flor d’agua e mergulha.
Onde a pororoca é maior é nos baixos da costa do
norte entre a ilha do Gumá e a costa Araguary, proximi­
dades de Macapá, porque abi não só os baixos são maio­
res como a força da maré também o é. No rio Araguary,
no Amapá e noMujú também dá-se, csseeífeito da maré,
e nas marés vivas chamadas, é que se dá com mais força,
principalmente no inverno; porque, então sempre as
aguas do rio estão com maior corrente, e oppõem al­
guma resistência, fazendo com que mais se eleve a
pororoca. A corrente das aguas do Capim é de 1 a 11/2
por hora na baixa-mar, no curso inferior e 2 a 3 na
superior, como observei; e a da enchente, isto é a da
maré 7 a 8 na reponta. Na vasante da maré regula
quasi a mesma velocidade, para mais, conservando o
r-o natural o curso de suas aguas pouco tempo; che­
gando ás vezes a encontrar a enchente da maré ainda,
com a vasante da mesma.
— %0 -

Uma prova lenho para confirmar a minha opinião,


è o desapparecimento gradual, que annualmente vai
lP,ido a pororoca, diminuindo a sua intensidade, pe o
abaixamento dos baixos que vão sendo consumidos pela
mesma ; por serem quasi todos de argilla ou de sefxos
ligados por esta, sendo todo jisse terreno de alluviao.
Durante a maré as aguas são salobras.
Em Si Domingos, a different entre a baixa e a prea­
mar è d e t , m2 ; a profundidade abi do rio nos c®n*fts
de 7 a 8,mS emquanto que sobre os baixos è de 2 , - a
4 mna prea-mar, ficando os baixos, quasi todos de foi a
na baixa-mar; sendo por conseguinte a massa d agua
trazida em movimento c que nelles se chocam de 2 a r
metros de potência.
Feita esta rapida exposição da pororoca, antes de
descrever a continuação do rio, farei um resumo da
flora, do espaço que ahi termina com o nome improprio
de Guajará.
As baixas margens de argilla, inundadas pelo inverno,
são cobertas de uma vegetação pouco altaneira, onde
só a util mauritia flexuosa, o mirity dos naturaes, se as­
soberba,erguendo-se mages tosa com seus longos spadices
cheios de oleosos fructos, que tanto são aproveitados.
Uma sterculeacea, a Carolinea princeps, vulgarmente
chamada Mamouram ( 1 ) margina quasi que litteral-
mente o rio, debruçando sobre as aguas o seu tronco
cujo liber é aproveitado pelos naturaes para estopa,
apparecendo aqui e alli a seu lado também uma Walls-
clüagelia, commum em todo o Amazonas, a que chamam
acapurana, (2 ) cuja casca pelo tanino que contém é
empregada medicinalmente. Distrahe a vista as grandes
soqueiras de ewterpe edulis (assahy) ( 3 ) que por toda
parte apparecem com seus esbeltos troncos e seus fruc-
tos tão apreciados; por entre caramanchões de Digno-

( i ) Antes mamona-rana, falsa.


( 2 ) Acapú, nao verdadeiro.
{3i Vá, fruta e sahy, passaro.
— 21 -

nias e malpighias sarmentosas, cuja variedade de especies


matiza com suas flores, brancas, roseas e amarellas o
fundo verde.
Em alguns lugares o cilládium arborescens (aninga)
confundida com uma outra especie a aningá apára (1)
também arborescenle, porém cujo tronco é curvo e
espinhoso, formam serrados, vulgarmente chamados
aningaes ; além destas especies as aroideaceas são bem
representadas para o interior das margens pelos gene­
ros, arum e dracunculus assim como por outras epiphy-
tas do genero philodendrum, que quasi sempre crescem
ao lado de uma cactacea do genero phyllocactus, vulgar­
mente chamado jacarêruaia. (2) Uma ou outra orchidea
apparece. Encontrei a Brassia caudata, o oncidium altis-
simum, um bolbophillum a vanilla, que com suas bastes
sarmentosas, formam grandes caramanchões. A mais no­
tável que achei foi uma terrestes, caulescente, seme­
lhante a uma palmeira do genero geonoma. Tem flores
em recemos bracteados que sahem das cicatrizes das an­
tigas folhas, quasi na base da haste lenhosa.
Suas flores são branco-amarelladas e aromaticas. Não
mndo podido bem estudal-a, não a classifiquei, dei­
xando para estudo ulterior a sua classificação. Penso
ser um genero novo; pertence a tribu das Yanda-
ceas. Desta mesma tribu é a Paphinia cristata, que abi
abunda, tendo sido, comtudo, até agora consideiada
como da Guyana.
Entre as malaxideaceas, o pleur othallis, a octomeria e o
iepanthes, se representam commummente, nos galhos
mais varridos pelos ventos. Se mal ahi as palmeiras re­
presentam a flora com sua variedade de generos e espe­
cies, comtudo algumas especies apoderam-se de certas
localidades c tornam-se verdadeiras plantas sociaes na
phrase de Humboldt. Entre ellas citaremos o hyospathe
elegans que nas baixas húmidas cu que se alagam, das

(11 Aninga, Callailiiun e apára torta.


(2) Rabo cie jacaré.
__ 99
m** _

florestas, por si só tomam conta do terreno e cobrem-o,


s formar grandes ubimzaes na expressão vulgar ; a ra-
phia taedigera, e yupaty dos indigenas, apossa-se tam­
bém de certos lugares, não vegetando serradamente,
mas tão unidos os pés que suas folhas se cruzam e for­
mam um docel de palmas. Ao lado da vegetação dicoty-
ledonea, apparece não commummente o bactris marajá,
de Martius, com suas lindas soqueirasá margem do rio.
Quem abandona a margem e penetra para o interior,
conhece logo que a vegetação é de nova apparição for­
mando já uma alta capoeira, onde o naturalista pouco
tem que fazer, nesta época, pela ausência de flores.
As plantas mais notáveis, são a andira Aubletii, ou
acapú, quç fornece uma excellente madeira de construc-
ção, a myristica surinamensis, ucuuba, cujo fructo dá
uma especie de cera ; varias especies de cordias, louro ;
algumas do genero inga, (que ficam mais na margem ;)
as lucumas, lecythes, predominando as leguminosas entre
as arborescentes e as Bauhinias entre as sarmentosas.
Sobre os troncos trepam algumas Carludovicas, assim
como á sombra crescem outras de porte mais elegante
do que a C. palmata.
Deixando-se a freguezia, entra-se na continuação do
rio, que tomam por foz do Capim e toma inteiramente
outro rumo, continuando as margens sempre baixas,
apparecendo um outro sitio nos lugares mais elevados!
Algumas milhas acima da pretendida foz, fica na mar­
gem esquerda uma tapêra, cuja casa mostra o que foi
outr ora: a fazenda Guajará hoje chamada Graciosa (1)
ou antes da Caridade pelo seguinte:
Esta fazenda pertenceu ao padre Manoel Gaspar da
Fonseca, um dos principaes fazendeiros de então que
fallecendo cégo e paralytico em Dezembro de 1791, le­
gou-a com toda a escravatura, por testamento nuncu­
pativo feito em 12 de Outubro do mesmo anno, ao hos-

tSm ° c“ oai írontciro * «*«"“ <*-


— 23 —

pitai dos Pobres do Senhor Bom Jesus, fundado pelo


bispo D. Frei Caetano, e inaugurado em 2o de Julho de
1787, tres annos depois de sua fundação.
Passando em 18 de Abril de 1807 este hospital, que
tinha uma confraria sua, fundada por provisão do
mesmo bispo de 8 de Fevereiro de 1786, a reunir-se a
casa de misericordia, por sentença do juizo de residuos
e capellas de 17 do mesmo mez e anno, passou lambem
o patrimonio deste hospital a pertencer a santa casa da
misericordia, pelo que é hoje conhecida essa fazenda
por fazenda da Caridade.
Até meia milha acima desta fazenda o canal é pela
margem esquerda, porque um longo baixo acompanha a
direita, porém fazendo o rio uma curva, muda-se o
baixo para a esquerda ; apparecendo ainda, com alguma
vegetação os restos de uma ilha que ahi houve, e que
foi destruída pela pororoca.
Oito milhas acima deste ponto apparece a primeira
ilha do Capim, propriamente dito, sem denominação
alguma, seguindo-se logo outra que termina defronte
do primeiro engenho deste rio, denominadoTapiyruçú.
(i) Neste espaço desaguam na margem direita dous ri­
beirões, sendo o maior o Palheta. Movem as machinas de
cana e arroz deste engenho as aguas represadas do iga­
rapé Tapiyruçú. E’ antigo, de uma construcção solida
e com uma bonita capella, infelizmente maltratada.
Logo acima algumas milhas fica outro engenho deno­
minado Aproaga, cujo nome é o de uma fazenda em
Cayena.
Estes dous engenhos eram de um só proprietario cha­
mado Yicente Miranda, mais conhecido por Vicente
Gallego, sendo o terreno do segundo, cortado pelo Iga­
rapé Jaiauára, pertencente outr’ora á familia Braga, que
habitava o mesmo igarapé, da qual adiante fallarei.

(1) Anta graiule.


— 22 —

florestas, por si só tomam conta do terreno e cobrem-o,


$ formar grandes ubimzaes na expressão vulgar ; a ro-
phia taedigera, e yupaty dos indigenas, apossa-se lam­
bem de certos lugares, não vegetando serradamente,
mas tão unidos os pês que suas folhas se cruzam e for­
mam um docel de palmas. Ao lado da vegetação dicoly-
ledonea, apparece não commummente o bactris marajá,
de Martius, com suas lindas soqueirasá margem do rio.
Quem abandona a margem e penetra para o interior,
conhece logo que a vegetação é de nova apparição for­
mando já uma alta capoeira, onde o naturalista pouco
tem que fazer, nesta época, pela ausência de flores.
As plantas mais notáveis, são a andira Aubletii, ou
acapú, que fornece uma excellente madeira de construc-
ção, a myristica surinamensis, ucuuba, cujo fructo dá
uma especie de cera ; varias especies de cordias, louro ;
algumas do genero inga, (que ficam mais na margem ;)
as lucumas, lecythes, predominando as leguminosas entre
as arborescentes e as Bauhinias entre as sarmentosas.
Sobre os troncos trepam algumas Carludovicas, assim
como á sombra crescem outras de porte mais elegante
do que a C. palmata.
Deixando-se a freguezia, entra-se na continuação do
rio, que tomam por foz do Capim e toma inteiramente
outro rumo, continuando as margens sempre baixas,
apparecendo um outro sitio nos lugares mais elevados.
Algumas milhas acima da pretend ida foz, fica na mar­
gem esquerda uma tapera, cuja casa mostra o que foi
outr ora: a fazenda Guajará hoje chamada Graciosa (1)
ou antes da Caridade pelo seguinte:
Esta fazenda pertenceu ao padre Manoel Gaspar da
Fonseca, um dos principaes fazendeiros de então que
fallecendo cégo e paralytico em Dezembro de 1791, le­
gou-a com toda a escravatura, por testamento nuncu­
pativo feito em 12 de Outubro do mesmo anno, ao hos-

nome vem do que tém o cacoal fronteiro á mesma fa­


zenda e que a cila pertence. d
23 —

pitai dos Pobres do Senhor Bom Jesus, fundado pelo


bispo D. Frei Caetano, e inaugurado em 2o de Julho de
1787, tres annos depois de sua fundação.
Passando em 18 de Abril de 1807 este hospital, que
tinha uma confraria sua, fundada por provisão do
mesmo bispo de 8 de Fevereiro de 1786, a reunir-se a
casa de misericordia, por sentença do juizo de residuos
e capellas de 17 do mesmo mez e anno, passou lambem
o patrimonio deste hospital a pertencer a santa casa da
misericordia, pelo que é hoje conhecida essa fazenda
por fazenda da Caridade.
Até meia milha acima desta fazenda o canal é pela
margem esquerda, porque um longo baixo acompanha a
direita, porém fazendo o rio uma curva, muda-se o
baixo para a esquerda ; apparecendo ainda, com alguma
vegetação os restos de uma ilha que ahi houve, e que
foi destruída pela pororoca.
Oito milhas acima deste ponto apparece a primeira
ilha do Capim, propriamente dito, sem denominação
alguma, seguindo-se logo outra que termina defronte
do primeiro engenho deste rio, denominadoTapiyruçú.
(1) Neste espaço desaguam na margem direita dous ri­
beirões, sendo o maior o Palheta. Movem as machinas de
cana e arroz deste engenho as aguas represadas do iga­
rapé Tapiyruçú. E’ antigo, de uma construcção solida
e com uma bonita capella, infelizmente maltratada.
Logo acima algumas milhas fica outro engenho deno­
minado Aproaga, cujo nom e ê o de uma fazenda em
Cayena.
Estes dous engenhos eram de um só proprietario cha­
mado Vicente Miranda, mais conhecido por Vicente
Gallego, sendo o terreno do segundo, cortado pelo Iga­
rapé Jaiauára, pertencente outr’ora á familia Braga, que
habitava o mesmo igarapé, da qual adiante fallarei.

d) Anta grande.
__ __

Entre eslesdous engenhos o rio apresenta um baixo de


pe iras, quasi na margem direita, e recebe dous peque­
nos affluentes o Jary e o Piráyauàra.
Duas milhas acima deste engenho, fica a freguezia de
Sant’Anna do Capim, na lat. S 2° 5 O” e na long. O
de 4o 40’ 20” sentada sobre a margem direita cm uni
terreno solido 4,m4 acima da baixa mar, subindo a maré
ainda acima mais l , m. Tem esta freguezia, 14 casas
apenas, sendo duas occupadas por negociantes nacio-
naes e uma por uma escola publica para o sexo mascu­
lino, frequentada por 42 alumnos.
As casas ahi estão melhor conservadas do que as de
S. Domingos, porém outro tanto não acontece com a
matriz, que em tudo é inferior, e está como que aban­
donada, apezar de ter sido reformada em 1860.
Ainda este lugar deve a categoria que tem ao mesmo
bispo D. Frei Miguel de Bulhões, que em virtude da lei
de 6 de Junho de 1755 que permittia ao governador con­
verter em lugares e villas as missões adiantadas em ci­
vilização, aproveitou-se para eleval-o a essa categoria
em 1758. O terreno onde está edificada a matriz eslá
dentro de 150 braças de frente, que foi doado pela
familia Braga, que tem um triste renome neste rio.
Em 1762 escreveu D. Frei José de Queiroz no diario de sua
visita o seguinte: « O que não se póde extinguir é uma
casta de gente que vive junto á freguezia de Sant’Anna
do Capim em treze ou quatorze casas todas de uma fa­
milia chamada Braga. Dessa familia ha uma ou outra
casa que vive com honra* Os Bragas, misturados com
negros ou cafuzes vivem como ciganos e como gente de
corso. Não é facil prender algum porque não dormem
em casa.... são destros em furtar, etc. » Extinguiu-se
a final; hoje não tem representantes, mas na memoria
dos velhos ainda estão gravados alguns factos, dos ha­
bitantes do Jauauára.
O local em que está situada é aprazivel, porém o seu
aspecto é desanimador. Contêm a freguezia uma popu­
lação de 3363 individuos que occupam 407 fogos espa-
— 25 —

lhados em to lo o curso do rio superior ao do rio Pa­


lheta.
Gomo em quasi todas as freguezias da provinda,
principalmente deste rio, a população feminina é su­
perior á masculina, devido á emigração constante dos
homens, para os seringaes. A população masculina é de
1638, sendo, 3263 nacionaes e 98 estrangeiros. O nu­
mero total dos habitantes deste rio e seus affluentes é
de 17323, sendo 8311 do sexo masculino e 9514 do sexo
feminino, dos quaes 17180, são nacionaes e 245 es­
trangeiros, occupando 2290 fogos. Um terço da popu­
lação total é de menor idade, c do sexo feminino. O rio
Capim propriamente dito sem as freguezias de Ourem.
S. Miguel e Guamá, tem 10163 almas. Predomina
nesta região a raça tapuya, com o seu cruzamento, e a
preta, que geralmente representa a escravatura que se
acha dividida pelos diversos engenhos. Comparando-se
a população hodierna com a de 1833, que era de 5298 ha­
bitantes sendo 2673 livres e 2625 escravos, nas tres fre­
guezias que então existiam, vê-se que não só duplicou,
como também uma grande vantagem se conseguiu ;que,
foi a diminuição do elemento escravo que, sendo quasi
igual então ao livre, hoje é muito menor.
Deixando a freguezia passei logo acima uns baixos
de pedras, que se unem pela parte N á pequena ilha de
S. José, que fica encostada á margem esquerda em uma
pequena curva. Seis milhas acima de Sant’Anna apre­
senta-se o vistoso engenho fundado em Novembro de
1844, do Sr. coronel José Calixto Furtado, estabele­
cido á margem esquerda a beira do rio, logo abaixo
de uma outra pequena ilha, c defronte de outra de
igual tamanho, que encobre o sitio de S. Joaquim. E’
este o melhor engenho da localidade, unico que possue
machinas a vapor, uma com todos os melhoramentos
modernos e de grande custo para o descaroçamento do
arroz e a moagem da cana.
Exporta este en gen h o arroz, assucar, cachaça, fari­
nha etc. Com menos escravatura, o seu proprietario
20

pela sua actividade c intelligencia consegue o duplo das


vantagens dos outros fazendeiros.
Perfeito cavalheiro a todos captiva com suas maneiras
atlenciosas. E’ o homem mais prestativo que tenho
achado ea quem em parte devo o resul lado das facilidades
da minha viagem. Tendo prestado grandes serviços a
causa do paiz, até com sacrificio monetário, ainda hoje
sustenta á sua custa 21 meninos pobres nas escolas pu­
blicas de Sant’Anna o S. Domingos, e que mostra a sua
indole caridosa e a vontade de bem servir á seu paiz.
Quando trata-se de um serviço publico a sua influencia,
a sua bolça e a sua dispensa, tudo presta graeiosamento.
Feliz vive a escravatura desse engenho quesóbe quasi
a cem individuos, pela maneira paternal com que 6
tratada.
Tendo-me hospedado abi por algum tempo, depois de
feitos os aprestos para minha viagem em montaria,
por ter-se desarranjado a machina tia lancha, segui via­
gem auxiliado pelo mesmo Sr. coronel Caiixto. (1) Na
margem opposta duas milh as acima tiea o sitio do Carmo,
pertencente ao mesmo senhor, que 6 pussuidor de oito
léguas de terras neste rio.
Deste sitio estende-se um baixo pela margem que vai
se reunir a um pequeno archipelago que fórma o rio,
composto deciucopequenas ilhas, sendo o canal entre
ellas a margem esquerda. Defronte do lugar denominado
Barreiras, onde ha um si tio, apparecem outras ires ilhas
que ficam uma milha abaixo de um ribeirão que ahi des­
agua na margem direita, com o nome de Jaboty-maior.
Até aqui as margens são sempre baixas, porém daqui
para cima o terreno começa a ser mais accidentado e de
alluvião Devonian». Acima deste ribeirão, apresenta-
se uma outra ilha que se eUeride do sul a norte porém
pequena, denominada de S. Jeronymo. Começa dahi a

(1) Até á ilha tic fronteira ao engenho, a, corrente da maré


ainda e tão forte que nos baixos da mesma, ainda as amas se en­
crespam, formando uma pororoca em miniatura. °
— 27 —

apparecerera alguns sitios mais proximos, sendo o mais


notável o do Sr. Vicente Franco, alma hospitaleira e
prestimosa. Fica este sitio em uma enseada, acima de
um alto banco de areia, que jaz logo abaixo do Igarapé
Tachyteua, que desagua na margem direita, acima do
sitio denominado Pahy. Até esto banco a maré faz refluir
o rio, havendo dahi para cima apenas entufamento.
Na.curva que faz ahi o rio ha um pequeno riacho, o An-
unirá (1) acima do qual está uma escola particular, re­
gida pelo hábil professor Tliomaz Francisco de Madu-
reira Pará, filho de João Francisco de Madureira Pará^
que se tornou celebre, por ler sido o que sem ter conhe­
cimento de typographia montou a primeira na capi­
tal da provincia, fazendo cllc todos os typos; e por ser o
autor do systema de mover embarcações por um machi-
nismo semelhante ao do dos relogios, cujo segredo levou
comsigo á campa, não tendo podido concluir a qué no Hio
de Janeiro estava construindo em 1827 como nome de
Triumpho Imperial do Brazil. Acima do Igarapé Anuni-
rá seis milhas fica a decima quinta ilha do alto Ca­
pim, com o nome de S. Caetano, acima da qual duas mi­
lhas, desagua na margem esquerda o Igarapé Maracachy,
(2) muito povoado. Começam dahi a ser as margens altas
de argilla e a formarem-se pequenas montanhas de al-
luvião, pela margem direita. A maior ilha deste rio
se apresenta abi com o nome de Caapoam, (3) com a ex-
tenção de duas milhas, estendendo-se de O para leste,
nas grandes curvas que ahi o rio fôrma. Aeorrentedas
aguas traz maior velocidade, nãosó pelo declive do leito
do rio ser maior como pela sua largura já ser de um
terço de milha, estreitando-se ou alargando-se segundo
a disposição do terreno, conservando geralmente as
margens baixas. Passando-se a ilha do Caapoam, que é
toda coberta de floresta ese allaga pelo inverno, desagua)*

*) Jl nu>passaro do genero crotophaga, euird passaro,


'■n n l(!nu'(i, chocalho, ui.vi. fruta do genero miry st tea.
(U) Laa. mato, poam. ilha.
•«* 28

na margem esquerda q Igarapé Jauaryteua, cujo nome


liem exprimo a quantidade destas palmeiras que ahi ha.
Pouco acima deste, apresenta-se na mesma margem, es­
tendo-se para o rio, um grupo de rochas de grés, eslraeti-
licadas, com a direcção de leste. Dahi para cima as ve­
zes as margens, principalmente a direita, apresenta-se
accidentada, por pequenas montanhas de argilla verme­
lha. Saltando em terra em um sitio que ahi íiea na
margem direita pertencente á um velho lapuyo de
74annos de idade chamado Manoel dos Santos, e percor­
rendo não só a mata como a sua pequena roça ahi en­
contrei um machado de pedra de uma forma inteira-
mente nova para mim. Centenares destas armas, inteiras
ou em fragmentos, dos nossos índios primitivos, de di­
versos pontos desta provincia e da do Amazonas, tem
passado pelas minhas mãos, porém nenhuma affecta a
fôrma desta. A mesma rocha que em todos é diorito
mais ou menos compacto, ou sienito, neste é de um grés
argilloso compacto. Tem de comprimento 0,22; na parte
superior tem 0,095 de largura ena inferior ou no gume
0,065. Assuas fôrmas melhor se verá no desenho junto.
0 terreno onde o encontrei é bastante elevado, lica 13
metros acima do nivei dus aguas do rio, e mostra ter
sido anteriormente cultivado. Pequenos fragmentos cie
louça de barro também encontrei, mas cm fragmentos
tão pequenos, que para estudo não serviam.
A presença desse achado, mostra a permanência do
homem antigo nesse ponto.
Julgo que pertenceu a bellicosa tribu dos Tupi na m-
bàs, unica que a historia e tradicção conheceram neste
rio. Como disse, quando tratei da tribu das Amazonas, os
Tupinanibás unidos aos Tamoyos batidos pelos portu-
guezes em Cabo Frio em 1572, expatriaram-se e inter­
nando-se pelo sertão uns chegaram as cabeceiras do rio
Madeira,por onde desceram, e outros asdo rioTocantins,
por onde também descendo, espalharam-se por este
rio, pelo Guamá e pelo Gurupy, onde se aldeiaram em
diversos lugares e se fortificaram. Alguns estenderam
— 29 —

seus domínios até a bahia do Mortigura, hoje dc Ma­


rajó, tendo comtudo comrnunicaçaò com os do Ma­
ranhão.
A existência dessa tribu no rio Capim, cujas aguas
banham a cidade de Belém, levam-me a uma pequena
digressão sobre esses valorosos descendentes da raça
tupy.
Segundo os Amaes historicos de Bernardo Pereira de
Berrcdo, que em 1718 foi capitão general e governador
do estado do Maranhão e Gram-Pará, e dos que nolle se
basearam, como o ouvidor do Rio Negro Ribeiro do
Sampaio, Baená e outros, quando o primeiro capilão-
mór do Pará Francisco Caldeira de Gastei io Branco, no­
meado em Novembro de 1015, polo general conquista­
dor do Maranhão Alexandre de Moura, chegou a barra
Seperará, no Amazonas e depois em 3 de Dezembro, se
estabeleceu na ponta, onde em 1610, lançou os funda­
mentos da actual capital, encontrou os Tupinambás se­
nhores dessa região.
Viva resistência oppuzeram em todos os pontos que
os porlugnezes tentaram estabelecer-se, porque ainda
fresca estava nas suas memórias a lembrança do mas­
sacre do Cabo Frio.
O primeiro que desembarcou foi João Antonio de
Deus, com parle da gente que trazia, (1) que levou dc
vencida os gentios, até a ponta de terra de que fallci,
mulo se reunio a Caldeira quo fixou seu estabeleci­
mento no dia mencionado. Fazendo paz com os Tupi­
nambás levantou uma fortaleza e dentro delia uma
igreja dedicada a Nossa Senhora da Graça, lançando
depois os fundamentos de uma cidade tendo por pa-
oroeira Nossa Senhora com o titulo de Belém, o que
communieou a Gaspar de Souza, governador do Estado

(1) Compunha-se a força que trazia do Maranhão de 200 homens,


segundo Berredo, ou de Í50 segundo o padre José do Moraes, dis-
Iniiiudoscm urnacaravelJa, um patacho e um Jancliâo. Com­
ma nuavam esses vasos os canilãcs Pedro dc Freitas, Alvares Netto
e Antonio da Fonseca.
— 30 —

do Brazil ft a Jeronymo de Albuquerque conquistador e


capitão mór do Maranhão, sendo incumbido o alferes
Pedro Teixeira de levar as ditas communicaçõcs por
terra ao Maranhão.
Já estavam sujeitos no Maranhão os Tupinambas, ao
capitão Jeronymo de Albuquerque, quando a chegada
de um indio, também Tupinambá, de nome Amaro que
do Pará era portador de cartas de um para outro capi­
tão mór, tendo sido educado pelos jesuitas, lembrou-se
de abrir as cartas e na presença dos principaes de sua
tribu tingir lel-as, dizendo que nellas se tratava de re-
duzil-os a escravidão. Isto revoltou os animos e nessa
noite revoltaram-se, assassinando aquelles que tran­
quillos dormiam condados na fidelidade, e formaram o
projecto de passarem pela aldeia Tapuytapera, para o
Maranhão. Porém foram repellidos pelo capitão Ma­
thias de Albuquerque, que os commandava, seguindo-se
depois uma guerra, da qual a final sahiu victorioso
o mesmocommandante. Esta sublevação generalisou-se
pelas communicações, de fôrma que os do Pará, prin­
cipalmente os das aldeias de Cujú, onde era o seu quartel
general, os de Montigura, hoje villa de Conde, os de
Iguapé e os das do Guamá e Capim, também se suble­
varam.
Corria então o anno de 1617. O capitão mór Cal­
deira, ante essa revolta, expede o sargento mórDiogo
Botelho de Vide, os capitães Alvaro Netto e Gaspar Frei­
tas de Macedo a desbaratal-os. Quando em Cujú, Mor-
tigura e Iguapé, se rendiam, os das aldeias do Guamá e
Capim ameaçavam a nascente cidade pelo que foi man­
dado o capitão Francisco de Medina, que os desimou.
Em 1618, porém, ainda os animos estavam exaltados,
quando receberam os Tupinambás, noticia que os do
Maranhão subiam pelo Gurupy, a unir-se aos do Pará o
que se não realizou por serem batidos por Mathias de
Albuquerque, em viagem. Neste mesmo tempo o capi­
tão Pedro Teixeira destruía o forte que tinham no sitio
chamado Guajará e os debellara, quando vieram com ellc
31 —

e n c o n lr a r- sc na bahia Carabobocas, e n t r e a da P arauáuba


(I) e o rio P a rá u a ú , (2) hoje de Breves.
Apezar dessas c o n t i n u a s d e r r o t a s , os T u p i n a m b á s ,
ainda no dia 7 de J a n e ir o de 1019 v i e r a m atacar a
fortaleza da nova cidade, guiados pelo seu chefe
U a ia m im ra u a (3) sendo rcchassados e m o r r e n d o na
acção o seu cliefe. Foi este o u l t i m o a t a q u e que d e ­
ram ; p o rq u e , unidas as forças de P e rn a m b u c o , Ma­
ranhão e Pará, não só os d es tru iu como dispersou-os.
Tomando no Pará o com m an d o da força o e n tão 3.®
capitão m ó r J e r o n y m o Fragoso de A l b u q u e r q u e , veiu
s u b s t it u i r a Balthazar R o d rig u es de Mello, que tinha
sido eleito pelo povo, quando foi deposto pela tropa
Francisco C aldeira, nom eia para seu a l m i r a n t e o já
então capitão T e i x e i r a , e por c a p itã o m ó r de toda a
llotilha a J e r o n y m o de A l b u q u e r q u e ; íicando e n ­
carregado da p a r te civil o capitão de in fa n ta ria Ayres
de Souza C h ic h o rro e o vigário Manoel F ig u e ira de
Mendonça, p r i m e i r o parocho da cidade . P r o m p t a a
expedição p a r ti u no dia 4 de Julho, e d e s tru iu os
restos de Igiiapé e as aldeias de G u a u a p u e C a re p y .
Chegando tam bém o capitão Bento Maciel P a re n te , com
80 soldados e 400 indios, para r e m e t t e r para Lisboa a
Caldeira, acabou de dispersa r cs T u p in am b ás, que se
e n t r a n h a r a m para o c e n t r o , sendo depois missionados
e aldeiados, a u x ilia n d o os p o r t u g u e z e s em sortidas
contra o u tra s trib u s , que tem iam e respeitavam até o
nome de T u p i n a m b á . E m 1773 ainda ex istia m alguns
em C ondee Gael6 (4) p o ré m já civilizados. Assim e x ­
ter m in o u -s e no Pará a mais bella, briosa, e valente
tribu doBrazil. Ainda boje existe neste rio uma reliquia

(1) Paraná, papagaio o yba; páo. . . .


i'2) Parana, papagaio e u. cuja pronuncia muito a pirada d a
açu. grande. ' .
(d) Uaiamirn velha. e tjaua, cabello, que por ter o relativo pro­
ximo muda o ç em r, isto é ca bei Io de velha.
(4) Ctíá mato, ctó verdadeiro.
32 —

na nação dos Tem bés, qu e q u a n to a m i m é u m a das


m u i t a s subdivisões que teve a t r i b u , depois do roubo
de uma in d ia, que causou as hostilidades que appare-
c e ra m to m an d o m u ito s chefes, u n s o p a r tid o desta e
o u t r o s o do r a p t o r .
F e ita esta pequena digressão historica c o n t i n u o a
descripção do r i o . Deixando este ponto unico onde e n ­
c o n tre i no solo vestigios h u m a n o s , c o n t i n u a m as
m a rg e n s baixas até a ilha Gipó-oca, ( 1 ) onde d e ­
fronte delia na m a r g e m esquerda existe para o i n t e r i o r
o la g o T a c h y . Dahi começa a região dos lagos, onde pelo
verão fazem-se g ra n d e s salgas de tu c u n a r é e p i r a r u c u
E ’ pequeno este lago e c o n to rn a as fraldas de um a pe­
quena m o n ta n h a que e x iste para SO. D a h i fo rm a n d o
o rio um a curva em fôrma de S, a p r e s e n ta - se no m eio
da m esm a, na m a rg e m acima, o lago T y m b ira , e logo
depois na m a rg e m opposta o Maria Preta. D efronte deste
fica o lago Caraná-deua, que é bastante extenso e m a r ­
gina o rio, te rm in a n d o quasi no sitio S. Francisco,
onde na outra m a rg e m fica o Cata em pé. Duas m ilhas
acima de S. Francisco fica Baãajóz.
Este lugar cujas te rr a s p e r te n c e m hoje ao coronel
Calixto por com pra que fez ao m ajor Manoel Manito,
que as comprou de u m Fulano B andeira, está occupado
por cinco casas de palha em ru i n a s , occupadas por 20
pessoas.
Levantou-se agora uma pequena capella, m al con­
struída ao lado de um a que existia quando fr eg u ezia .
Fica sete m etros acima do nivel do rio.
A origem deste lugar deve-se ao s a r g e n t o - m ó r F r a n ­
cisco Nunes Nogueira, que segundo nos diz a tradicção
fallada, vindo de Cainutá ( 2 ) ou Cametá, não se sabe
se foragido, e n t r a n h o u - s e pelos matos e foi h a b i t a r com
sua m u lh e r, e n t r e os indios T u ry u á ra s. Crescendo as

( i ) Corrupiella de Gipó-oca, isto é casa de cipós.


( 2) Corrupiella de Cainulá, como escrevia o padre Jo^c de
Moraes, que se deriva de caa maio e mutá de gráo.
filhas que tin h a , teve de r e t i r a r - s e da companhia dos
Índios e veio fazer um silio nesse l u g a r.
Pouco acima ficava então a povoação de S . Bento, do
que, não se sabe a época, sendo assolada por uma epide­
mia’ para este l u g a r se m u d o u . E ra F ran c isc o Nunes a
principal pessoa dahi, tanto qu e o g o v e r n a d o r D. F r a n ­
cisco de Souza Goutinho, em Ju lh o de 1797, o e n c a r r e ­
gou de d es c o b rir alg u m ca m in h o que das cabeceiras do
Rio Capim, se pudesse com raunicar com o P i a u h y , para
se a b r ir u m a estrada para conducção de gado, da qual
voltou em Ja n e ir o de 1798. Subiu pelo Capim, passou
por uma povoação que então havia ue Santa Cruz, onde
re u n iu alguns indios, subiu pelo rio S u ru b ijú , das v e r ­
tentes deste a t r a v e s s o u por t e r r a pelas cabeceiras do
G urupy e sahiu no P in a ré, por onde uesceu até a villa
do Monção, onde chegou em 3 de N ove m b ro , descendo
depois para S. Luiz do M aranhão. Ha poucos anuo-
ainda existia u m livro com o R oteiro dt s-e viagem o -
crip to pelo p u nho do m esm o e x p lo ra d o r.
Já no p re se n te século, (189?) sendo ncoçado^o rio
pelos gentios U r u b u s , que am ea çav a m a povoação, toi
Francisco Nunes, t e r c o m o p rin cip al dos T n r i u á r a s P a -
raná-Moncló a pedir o seu auxilio, e descendo com
este, indo ao governador, este o rd e n o u ao rancoroso
m ajor p ortuguez Manoel Manso Metello M ando M o r e n a ,
que o coadjuvasse com m ilicia n o s de seu com ma imo.
Manoel Manito deu-lhe 30 praças, e com os T u riu áras,
foi bater os U r u b u s , que hoje estão no n o Periá, braço
do Gurupy. Depois deste facto m o r r e n d o a p r i m e i i a
m u l h e r , casou-se com a lilha de um tucháua Arnanajc.
Da p r i m e i r a m u l h e r teve a lg u n s filhosc da qual ainda
existem n e t o s ; e n t r e e 11es Misaol Nunes Nogueira ,
onde me hospedei
Badajoz ainda no bispado de D. Rom ualdo de Souza
Coelho, teve u m v ig á rio José Vicente Moreno de Leão,
hespanhol, que parochiando a freguezia de S. Do­
mingos, entregando-se ao vicio da em briaguez, o mesmo
bispo para castigai-o d e s t e r r o u - o para Badajoz.
5
— 34 -

 r e b e l l i ã o d e 183o, foi quo acabou com essa p o v o a ­


ção .
Tres m ilh a s acima de Badajóz, c um pouco abaixo do
ri o C a n d i r ü - m i r y , lica a ta u a q u e ra de S. B cn lo , que
q u a n d o D . Frei João de S. José Queiroz, abi e s t e \ e em
Ja n e ir o de 1762, não era mais do que u m a maloca do
gentios T u r y u á r a s , pelos signacs que dá o m e sm o bispo.
Este elevou a aldêa á freguezia, o deu-lhe o no m e de
S . Bento seu patrono, « não só a exemplo do meu a n ­
tecessor, que á outra freguezia poz o nom e do seu padre
S . Domingos, mas tam bém por ser especialíssim o a d v o ­
gado o m eu santo p a t r i a r c h a , c o n tra m o rd e d u r a s de
serpentes, venenos e malefícios de que usa o g e n l i -
lismo, e de que grande preoccupação grassa nestas
t e rr a s , e alguns padres não c o n t r i b u e m pouco para
ella. » (1)
Gomo disse, ahi apparecendo uma e p id em ia, q u e d i ­
ziam .ser feitiço, vieram se estabelecer j u n t o ao sitio
de Francisco Nunes, que ora então segundo d i r e c t o r
dos indios, c para abi m u d ara m a freguezia, q u e t a m ­
bém m udou de orago, passando a ser S a n t ’Anna a p a ­
droeira, cuja im agem o mesmo Francisco N u n e s, m a n ­
dou vir. Edificaram uma igreja, abandonando, a que
frei José ordenara que fizessem, quando elevou a aldêa á
freguezia. Esta mudança fez-se depois de 1787, época
em que foi visitada por D. F re i Caetano Brandão, tendo
então uma população do 109 almas e uma asseiada c a ­
pella.
Acima desta tauaquera 3 milhas recebe o Capim pela
m argem direita o seu maior affluente depois da c o n ­
fluência, o ido C andirú-açú. (2)
0 rio Capim, deste ponto ao Guamá, offerece paisa­
gens variadas, e tem uma nature za differ e n t e . A v e g e ­
tação que cresce em suas m arge ns, denota que o u t r ’ora

(1) Memorias de l>. Frei João de S. José Queiroz, pag. 204.


(2) Cmdirú, uuia sillurioftle clesle nome, àçú grande/
0 foço C a lavoura por cilas se este n d e ra m , mas que
abandonadas, novas florestas e n v a d ir a m o t e rr e n o . A
virgind ad e das matas m u i to para o c e n tr o se e n ­
c o n tr a . Differente se a p r e s e n ta a flora, cuja ro u p a g e m
é mais im p o n e n t e .
As p alm eiras c a r a c le r i s a m bem esta r e g i ã o ; o hyos-
patke elegans é s u b s t it u í d o por unia especie do bactris,
que com o habito do bactris concinna, cresce á som bra
da floresta rarefeita, occupando as m a rg e n s em todo o
espaço. E m q u a l q u e r ponto que se salte é enc ontrada.
Estudando-a vi ser um a especie não conhecida ainda
e que classifiquei-a com o nom e de B. nemorosa. A l ­
guns pés e n c o n tr e i com fructos, nas soqueiras que f o r ­
m a m . A euterpe edulis e a raphia taedigera, suo s u b s ti­
tuídas pelo Astrocarywn jauary, que em certos lugares
fecham as m a rg e n s, elevando-se a um a altu ra, que só
encontra riv a e s na ilha de Marapalá, no rio Negro. A
bactris acanthocarpa, com seus lindos caixos vermelhos,
então m ad u ro s, e astrocaryum mmbaca á sombra das lio ■
restas crescem viçosos, form ando longos p a l m e t u m ,
onde um on o utro pé da Iryartea Orbygneana se eleva, con­
fundindo sua corôa, com a densa folhagem das sapotaceas
que ahi a b u n d a m . Pela m a rg e m quasi que clesapparc-
cendo as Wallschagelias vem s u b s t it u i l - a s a cordia, o louio
da-vargem .
Uma especie de cocos, s e m e lh a n te no p o rte ao cocos
(equatorialis da região Guianica, qu e descrevi., ahi appa-
reee. E ’ um a especie ta m b ém nova, v u lg arm en te co­
nhecida por pupunha-rana po r cansa da iórma de seus
fructos, que são am arellos, mas que infelizm ente nau
vi. E ’ do c e n tro das m atas, e n e n h u m a applicação tem ,
se bem que os indios Tcmbés delia se a p ro v eite m em
falta de o u tra p alm eira , para fazer a parede de suas casas.
(!) Uma o u tra p a lm e ira tam bém do genero bactris, a-
vezes a p p a re c e e m soqueiras debruçando sc sobre o ruo

(1) Esta denoiniuei-a cocos speaosa. Para as espécies d e pal­


meiras novas vide o meu Enmieralio palmaram uovaruin.
A rcbellião do 183-5, foi quo acabou cora essa p o v o a­
ção • .
T re s m ilh a s acima de Badajoz, e um pouco abaixo do
ri o C a n d i r ú - m i r y , lica a latia que ra ele S. B en to , que
q u a n d o D . Frei João de S. José Queiroz, abi esteve e m
J a n e ir o de 1762, não era mais do qu e u m a maloca de
gentios T u r y u á r a s , pelos signaes que dá o m esm o bispo.
E ste elevou a aldéa à freguezia, e deu-lhe o n o m e de
S . Bento seu patrono, « não só a exemplo do meu a n ­
tecessor, que á outra freguezia poz o nom e do seu padre
S. Domingos, mas tam bém por ser e s p e c i a l i s s i m o a d v o ­
gado o m e u santo patriarcha^ c o n tra m o r d e d u i a s de
serpentes, venenos e malefícios de que usa o g e n t i -
lismo, e de que grande preoccupação grassa nestas
t e rr a s , e alguns padres não c o n t r i b u e m pouco p a ia
ella. » (1)
Gomo disse, abi npparecendo uma e p id em ia, q u e d i ­
ziam ser feitiço, vieram se estabelecer j u n t o ao sitio
de Francisco Nunes, que era então segundo d i r e c t o r
dos indios, c para abi m u d ara m a freguezia, que t a m ­
bém mudou de orago, passando a ser S a n t ’Anna a p a ­
droeira, cuja im agem o mesmo Francisco N u n e s, m a n ­
dou v ir. Edificaram uma igreja, abandonando, a que
frei José ordenara que fizessem, quando elevou a aldéa á
freguezia. Esta mudança fez-se depois de 1787, época
em que foi visitada por D. F rei Caetano Brandão, lendo
então uma população de 100 almas e uma asseiada c a ­
pella.
Acima desta lauaqucra 3 milhas recebe o Capim pela
m argem d ireita o seu maior affluente depois da c o n ­
fluência, o rio C andirú-açú. Ç2)
O rio Capim, deste ponto ao Guamá, olferece p aisa­
gens variadas, c tem urna natureza differente. A v e g e ­
tação que cresce em suas m argens, denota que o u t r ’ora

(1) Memorias de t>. Frei João ile S. José Queiroz, pag. 204.
(2) Candirú, uma silltiriovde deste nome, açú grande.'
— 35 —

o fogo c a la v o u ra por cilas se estende ram , mas que


abandonadas, novas florestas e n v a d iran i o t e rr e n o . A
v irg in d ad e das m atas m u i to para o c e n tro se e n ­
c o n t r a . Differente se a p r e s e n ta a flora, cuja ro u p a g em
é mais i m p o n e n t e .
As palm e ira s c a r à c te r i s a m bem esta r e g iã o ; o hyos-
patLe elegans ó s u b s t i t u í d o por uma especie de bactris,
que com o h a b i t o do bactris concirna, cresce á som bra
da floresta ra r e f e i ta , occupando as m a rg e n s e m lodo o
espaço. E m q u a l q u e r ponto que se salte é encontrada.
Estudando-a vi ser um a especie não conhecida ainda
e que classifiquei-a com o no m e de B. nemorosa. A l­
guns pés e n c o n t r e i com fruetos, nas soqueiras que f o r ­
m a m . A euterpe edulis e a raphia taedigera, sao su b sti­
tuídas pelo Astrocaryum jauary, que em certos luga>es
fecham as m a r g e n s , elevando-se a um a altu ra, que só
encontra r i v a e s na ilha de Marapaíá, no rio N egro. A
bactris acanthocarpa, com seus lindos caixos vermelhos,
então m a d u r o s , e astrocaryum mwmbaca á sombra das ílo ■
restas crescem viçosos, form ando longos p a l m e t u m ,
onde um on o u t r o pé da Iryartea Orbygneana se eleva, con­
fundindo sua corôa, com a densa folhagem das sapotciceas
que ahi a b u n d a m . Pela m a r g e m quasi que d esa p p are­
cendo as Wallschagelias vem s u b s t it u i l - a s a cordia, o louro
da v a r g e m .
Uma especie de cocos, s e m e l h a n t e no porte ao cotos
(equatorialis da re giã o G uianica, que d escrevi, ahi appn-
rece. E ’ um a especie ta m b é m nova, v u lg arm en te co­
nhecida por pupunha-rana por causa da íórma de seus
fruetos, que são am arellos, m a s q u e infelizmente nau
vi. E ’ do c e n t r o das m atas, e n e n h u m a applicação tem,
se bem qu e os indios Tem bés delia sc ap ro v e ite m em
falta de o u t r a p a l m e i r a , para fazer a parede d e su a s c a s a s ,
(ij Uma o u t r a p a l m e i ra la m b em do — , c i u t -1
vezes a p p a r e c e e m s oqueiras debruçando se sobre o i io.

(1) Esta denominei-a cocos speciosa. Para as espeeies de pal­


meiras novas vide o meu EiumeraUo palmarum nora rum.
Esta só as flôres me ofTereceu, para seu estudo e para
poder dar-se a conhecer como nova, entre as suas con­
generes, já descriptas. A esta dei o nome de B. exaltata.
Entre uma ou outra cecropia que nos lugares rogados
cresce, apparere a maximiliam regia e ao lado de
alguns solanuns, á cuja sombra rasteja uma composta
corn diversas denominações: Meladinha dizem algum,
outros cabello de mulata a appeiiidam, assim como ta­
baco do sertão ou tabaco rana, querem lambem que se
chame. As suas folha? aromaticas, são consideradas como
excellentes para siphilis, applicadas em banhos. Uma
planta cosmopolita ahi encontrei, a margaridinha ou ofli
cialda sala,do Rio de Janeiro a asclepia curaçavica, cujas
sementes são venenosas. Entre as plantas toxicas ctesco
nas margens alagadas umaplumieria, com linda* e grau -
des flores brancas, excessivamente fragrantes, pelo que
tem o nome de angelica do Igapó. Entre as plantas tileis
figura a Ceãrelabrasiliemis, o dicypilliim cariophyllatum
a ideaglabra,adipterixodorata, acapaibera multijuga assim
como o eriodendrum sumauma, que de longe em longe se
avista.
Não abundando os calladiuns, appareeem algumas
alsophyllas arborescenles assim como varios lycopodium.
As bromelias e tillandsias, cobrem os galbos onde uma
ou outra schomburgkia, balbophyllum, brassia ou aspasia
se ostentam. Se o naturalista entra por algum lago,
vè a sua superficie coberta de mjmphceas e cabómbaceas, e
se encontra as aguas estagnadas, cheias de uma utricu­
laria commitm em todo o Amazonas. Raras bigmnias
encontrará, mas não assim as ottonins, arthantes e as
melastomas, que com umt linda acantacea, que só vi em
Óbidos, e que cresce nas barreiras, cuja flor azulada tem
o nome de sapatinho de Nossa Senhora ou botinha, appa-
recem sempre.
Ás myrtaceas não deixam de concorrer com os generos
myrtus ops idium paracmbellezaras par t es a r en osas,as si in
como mna dorsterna que cresce nas parles humidas da
floresta, quasi sempre se encontra, a urania amazônica,
a k u m a s liliaceas, zingibiraceas e maranthas sem pre se oc­
cultam á som bra vegetando a custa da h u m i d a d e da
terra.
Cleomes e duas tephrosias, o Umbo de Cayena (jury do
Amazonas) com suas flores roseas, e o timbó cururú (i)
com suas brancas papilonaceas corollas, s e m p r e nos iu-
o-arès cultivados se e n c o n t r a . S e rv in d o a m b a s para
Linguijar o p e i x e ; na p r i m e i r a só reside a p ro p r ie d a d e
toxica nas raizes, e na segunda, nas avelludadas folhas.
Não se deve co n f u n d ir o timbó cururú com o cipó cururú,
uue ó o anisolabus caruru ou echites cururu de M artiu s.
Vegetação v aria d a, longa de e n n u m e r a r com r e p r e ­
sen tan tes em quasi iodas as familias, com tudo as que
mais avultam são as que m enciono, d is tin g u e a região
que p e r c o r r e m o s . Se apparccc u m a passiflora e rara
não ta n to como as clusias e anonas; aquellas vivendo
a custa alheia, estas oflVrecendo suas libras ao viandante
para seus m isteres. O a ca ssin o hura brasiliensis (assacú)
ta m b ém á m a rg e a i do rio m ostra seus g r a u les eiaterios,
ás vezes j u n t a a ingá veUutosa, do doces favos ; mas, se
por e n i r e a folhagem divisa-se o spadice verm elho da
cenocarpus distichus, ou as plumosas folhas da guillielma
speciosa, é p o rq u e a vitalidade da t e r r a encobre com
seu m a n to cie v e r d u r a o trabalho passado do hom em , e
a sua an tig a m orad a .
A nim am o c e n tr o destas florestas o coyó-coyó, uma
tanagra v e r d e -s u j o , qu e se occulta a vista do zoologo
por e n t re as folhas com que se co n fu n d em , só deixando
o u v ir seu canto que re p e te aquellas palavras parecendo
estar ora longe ora p e r t o . E ’ a tanagra de todos os c e n ­
tros do valle do Amazonas. Os psitacus, as aras e os conu-
rus, são os que o n a v e g a n te facilm ente vê pela margem,
não assim a arajuba (2); C. Guyanensis dos lapayas ou pa­
pagaio im p e ria l, dos civilizados, que raras vezes deixa
vêr as suas côres v e r d a d e i r a m e n t e nacionaes. O a m a ­

il) Sapo.
(2) Ara, arara e yuba, amaréllo.
38

réllo d o u r a d o do corpo e cauda, faz bem re alçar o v e rd e


o-aio das azas, que c o n lra sta ra com a n egridao dos olhos.
A. psophia crepitans, ao alv o re cer o dia ta m b é m az
o u v i r seu canto g e m ib u n d o , quando alegre solta seus
<tor ff cios o turdus rufventer, o u irá -c h u é çl) dos ín n -
g en a s . Rastejando sobre o espelho das a g u a s \ é - s c o
hirundo sp. var. assim como os aicedos. . ,
Como charama, vi ahi o rarissim o coaracy-uira,
(2) (wipelio) atravessando a floresta. O derotypus co­
ronatus, anacan dos na lu ra e s, das cabeceiras para ahi
tam bém desce. Em firaa fauna se não é rica pela abun-
dancia dc indivíduos o 6 de especics, não so e n t r e as aves
como e n t re os mamíferos. A Guaryuba <v3) mycetes flavi-
mams, que também se encontra cm Marajós, abi appa-
rece servindo de alim ento aos n a lu ra e s, qne delia sao
gulosos. O Juparú(Cercoleptos caudivolvulus), era pe­
quenos bandos apparere com o seu g r i t a r especial, quo
desperta o viandante, que sob a floresta, á noite d o r m e .
O caititu , a anta , assim como as onças e çuaçu-
ranas , também nas suas florestas v i v e m . O q u i ,
porém m uito abunda, são os chelonios-chersites^ vul-
ffarmente chamados jabotys, que apparecem não só
pelas matas como pelos lodaçacs dos lagos. Além do
jaboty -carimbe, que é do genero testuto c vive pelas
florestas, in mais tres especies dos lagos e m u i to c u ­
riosos. A uaperema do genero Platemys de W a g b e r e o
jaboty-machado do genero Ghelodina de F i t z in g e r , que
são dos lagos, gcralm onle apparecem com a a p r o x i ­
mação do inv ern o . Deste ba duas especies, uma a
Chelodina flavilabris de Dum erile B ibron c o u tra não
classificada, que sendo semelhante nas formas afasta-se

(1) Virá passaro, chuè chorão, por corruptella dizem os natu­


rae* carachuéou crachué. .
(2) Coaracy sol e uirá, passaro ; refere-se a cor vermelha e bri­
lhante da plumagem.
(3) Guary, corruptella de Uaryua macaco gntador eyuba ama-
rello. Não se deve confundir com a Guarijuha antes muirajiiba,
(páo amarello), que éa terminalia acuminata, ou com Gnrijnba
antes Guiryjuha, rjue é um peixe do genero Bagres.
nas cores. Esta tem a cabeça pela p a r le superior ama-
r d : a e as maxillas pretas e a couraça ou plastron
tam bém p re ta , assim como a concha amarclla gem m a
d’ovo sujo, m alhada tam bém de p r e l o . Proponho para
esta o nom e de Chelodim aterpectoralis. O seu tam anho
não excede d e 0 ,'" i 4 .
E n t r e os sanrios e n c o n trei u m do genero Ecplepus, de
uma linda côr azul, m u i to raro na região amazônica e
difTcrente de u m a que Gastelnau desc reve. Esvoaçando
pela floresta e n c o n t r a m - s e alguns lepidopteros dos g e ­
neros morphos, papilio, heliconia e callidyas, assim como
a macroglossa Titan ou borboleta beija-flor.
Feita esta ra pida resenha botanico-zooiogica, para
m elh o r dar a c o n h e c e r a n a t u r e z a deste rio, passo a dar
uma descripção rapida do Rio Can liru -a ç ú , o maior
affluente do rio Capim, depois do Guamá, o por onde
entrei até a maloca dos indios Tem bés.
Nasce este rio da confluência do Paculiy, t l) com o Ca-
niaiuateun, (2). pouco abaixo do qual,na m argem e sq u e r­
da fica o ald ea m en to dos m esm os indios chamado Santa
Leopoldina. C o rre n d o a p rincipio para o occidente,
inclina-se depois para NO, tendo a sua foz para o N.
Na m a rg e m d i r e i t a recebe dous pequenos affluentes o
T ucunaré-y e o P ix u n a , onde fica o segundo aldeamento
perto da confluê ncia. Apezar de ser u m rio estre ito
( 8 á 10 m e t r o s ) é de longo curso e m u ito sinuoso, e as
vezes em baraçado por troncos, com gra nde co r re n te
d’aguas. Suas m a r g e n s são em geral baixas e algum as
alagadiças, cobertas de uma vegetação rarefeita c pouco
elevada,sendo o i n t e r i o r m u i to f é r t i l .
Pelas cabeceiras do P acuhy, que é o m aior ou pelas
da Camaiua teua, por te r r a vai-se em pouco tempo ao
Anunim q u e é um dos braços do rio Giirupy, divisa com
o Maranhão ; assim como pelas do P ix u n a vai-se ao
Assaliy-teua, que affluo no rio G ua m á . Da foz a con-

d Pocu. peixe deste nome e hy pequeno.


(2) Camaiúa, flectia, teua por tyba, abundante.
— 40 —

fluência do Pacuhy tem aproxidamente com as curvas


70 a 80 milhas.
Pouco acima da foz do Candiru-açu, na margem es­
querda abriu em Dezembro de 1830 o Sr. Manoel José
Pereira Tavares de Mello e Albuquerque, autorizado
pelo governo da provincia uma picada ou estrada, para
unir a provincia do Pará á do Maranhão, marginando
o Capim, pelo Àrarandeua. Hoje está abandonada. AIO
milhas da foz, desagua o Igarapé Pixuna, onde está a
nova maloca dos Tembés, como disse. Está assentada
sobre um terreno elevado, a margem do rio e rodeada
do florestas. Àhi cheguei na tarde do dia 2o de Dezembro
indo me hospedar em casa do tiichàua. Apenas cheguei
vi-me rodeado de quasi todos os indios da tribu, que
desconfiados, com a vista, como que indagavam qual o
meu fim.
Felizmente pude me fazer eomprehender, não só por
fallar o tucháua já algumas palavras portuguezas, como
por entenderem a lingua geral que para quem viaja por
todas as regions é um poderoso auxiliar.
lista maloca compõe-se de alguns indios do aldêa-
mento de Santa Leopoldina c de outros descidos das
brenhas dos rios Urahy, c Pimenta!, affluentes do Gu-
rupy, como das do Putyritá e Cauichy que affluem para
o Capim. 0 aldeamento de Santa Leopoldina, foi creado
em 26 de Agosto d- 1861 pelo presidente Dr. Francisco
Carlos de Araujo Brusque, com indios da maloca Tra-
cuáleua, (1) no Alto Gurupy que depois de assassina­
rem nove individuos, entre clles dous regatões, fu­
giram para as brenhas do rio Candiru-açú. Origina­
ram essas mortes os raptos das mulheres do Tuehaúa
Tocaroye da do indio Pocó, pelos mesmos regatões. Sete
indios as consummaram, e depois de perseguidos pela
justiça que espancou barbaramente os que pôde apa­
nhai', lirando do seio das mães nove crianças, que o pre-

(i) Tracoá, formiga, dc cujo ninho faz-se isca e lena bastante.


— 41 -

sidente mandou restituir, lançaram fogo á maloca e


fugiram.
Foi encarregado de estabelecer a aldêa Pedro Lou-
renço da Gosta que abi reuniu 132 indios, sendo 61 do
sexo masculino e 72 do feminino, com 74 adultos, nu­
mero que mais tarde se elevou.
Deixando Pedro da Gosta a administração ficaram os
indios entregues á cobiça dos rega Iões, que os empre­
garam na industria extractiva, volvendo por conseguinte
novamente para as florestas, abandonando suas roças.
Depois deste abandono foi encarregado uni missionário
de os reunir, o qual já os encontrou reunidos em Aca-
puteua, e os fez descer para o abandonado aldeamento.
Hoje sem administrador ou missionário, está esta aldêa
quasi deserta, tendo parte descido para o Pixuna parte
para o Gurupy, ficando ainda alguns que se communi-
cam com os selvagens.
Conservam os aldeados ainda seus costumes porém vão
abandonando alguns usos, como seja, o vestuário de pen­
nas, que só preparam para as suas festas. Geralmente an­
dam os homens só de calças e as mulheres ou de saia cur­
ta ou de tipoya, mas esses vestuários tão rotos e tão
immundo, que mais andam nús do que vestidos. Não se
entregam ao uso da aguardente, porque tem sua be­
bida propria, e o tuchaúa prohibe a entrada delia na
maloca, pelo estado da halucinação em que ficam quan­
do bebem.
Não havendo nada escripto sobre essa tribu, referi­
rei alguns de seus usos, que tive occasião de ver. No seu
estado selvagem, vivem os Tembés, inteiramente nús?
sómente encolhendo o membro viril, com uma tala de
cipó ou fio de algodão, para o encobrir, a que dão o
nome de Tacuonguám. (1) Trazem os cabellos grandes
cabidos pelas costas e aparados na testa. Fazem um
tecido de fios de algodão no braço esquerdo, e tingem

(1) Tacuonguám, abreviatura de taconha, membro viril, e


a proposição verbal aua,
6
de u r u c ú , para livral-o da pancada da corda do areo,
quando é despedida a flexa, cujo tecido serve de enfeite
e só t i r a m quando se e s t r a g a ; ch a m a m poapêcuaaua.
As m ulheres, trazem o cabello da m esm a form a e usam
u m a facha larga de algodão tecido, b ranca ou t i n ta de
u r u c ú , passada a tiracollo sobre o h o m b ro d i r e i t o , que
pendendo sobre o corpo, encobre-lhes a p a r te v e ig o -
nhosa, e serve para nella trazerem c o n s t a n t e m e n te os
filhos. Dão a esta facha o nome de tupóy. (1) Usam os
hom ens do arco, porém não d ireito , e sim com a fórma,
que geralmente dão os artistas ao do Deus Cupido, todo
coberto de u m tecido de fio de algodão, excepto no
centro, para dar mais consistência, que d e n o m i n a m
muirápára. (2) Suas flechas são: a tacuara (tié), para caça
grande ou inimigos, quo é de ponta de lança e a para o
peixe, (macamu-éte) de ponta de osso. São as unicas
arm as que usam para g u e r r a e caça. Nos seus dias
festivaes, então adornam-se com enfeites de pennas,
consistindo quasi todo na cabeça. A m a r r a m na cabeça
obliquamente uma testeira de pennas da cauda do jap ú ,
tecidas inferiorm ente com fio de algodão, a que c h a ­
m am akanitac. (3) No cordão com que a ta m o a k a n it a c ,
na nuca, prendem um a especie de babado de pennas da
cauda da arara vermelha, que calie sobre as costas, a
que chamam Aranipéú. Por cima deste a ta m h o r i z o n ­
talmente uma especie de resplandor, com tres ou q u a ­
tro pennas da cauda de arara, presa a u m tecido de
algodão com pennas de papagaio, a que c h a m a m atuá-
raué. Todos estes enfeites reunidos t e m o n o m e de
najahy. Na parte superior do ante braço ligam um a
especie de pulseira de fio tecido e tin to de v e rm e lh o ,
tendo pendente pela parte in t e rn a diversos cordões
terminados em borlas de pennas de papo de tu c a n o , a
que chamam timpêcmytap. Na b a r r i g a das p e r n a s

(1) E’ a origem da palavra portugueza tipoya.


(2) Muirá pao, apára, torto.
(3) De acanga e a proposição ara, isto e, o toucado.
— 43 —

amarram ligas estreitas de cordas, chamadas tetémacuãu


a acima dos tornozellos outras ligas com guisos de pi-
quiá, chamados auáiú. Quasi todos usam trazidas ás
costas e penduradas ao pescoço de cornetas ou businas
feitas de massaranduba em duas partes, edepois unidas
e grudadas com o leite da mesma arvore. As pennas
que a enfeitam são grudadas com o mesmo leite. Tem a
fórma de corno, com o buraco para tocar-se na ponta
do lado convexo; são cobertas de pennas unidas de
papo de tucano amarello e vermelho e de mutum, pretas,
em circulo. Acima do buraco prendem o cordão e um
enfeite de pennas de gavião real (uiraueté) (1) tecidos
em fio de algodão. Esta busina que serve para chamar
os companheiros á dansa chama-se mimé. E’ o unico ins“
trumento que usam.
As mulheres, para as festas, grudam nos cabellos com
cêra virgem, e sem ordem, pequenas borlas de papo de
tucano, chamadas uêçaê; cobrem os braços com a pen-
nugem branca do gavião real, que é segura an breu,
com que se untam. A esse enfeite dão o nome deuirá áua.
Tirar-se uma das borlas do ueçaê é uma offensa. Pintam
as pernas com urucú e genipapo. O tucháua tem o seu
arauê que é o septro. E’ uma especie de espanador,
tendo no cabo uma porção de cordões cobertos depen-
nugem de gavião real rematados por borlas de papo de
tucano.
Quando cheguei a maloca preparavam-se para uma
de suas festas que começava naquella noite, dando-me
a saber isto, a curiosidade que levou-me a perguntar o
que continha uns grandes cabaços cobertos de uma
rede de malhas de fio de algodão, suspensas á cumieira
da casa do tucháua. Era o deposito da tucamyra, sua
bebida predilecta, preparada para a festa. Esta bebida
enebriante é feita de mel de páo, misturado com saburá

deuo^™’ passaro’?h contracção de açú, grande, eté verda-


- 44 -

(1) dos favos, dissolvido n’agua e posto a fermentar por


dias ao calor do sol, e depois coado e guardado nos
cabaços.
Pelas 7 horas da noite começou a dansa. Sons csti t-
dentes das buzinas fizeram-sc ouvir, reunindo a popu­
lação da maloca, que andava por 80 individuos, sendo
pela maior parte crianças c mulheres. Para casa do
tucháua vieram quatro mulheres velhas, e, formadas cm
linha, começaram a cantar. Era um canto lugubte. Sa-
hiu o tucháua e foi para o terreiro limpo da maloca,
onde estavam reunidos todos, velhos e moços, homens
e mulheres.
Apezar da grande claridade da lua, em alguns lugares
ardia sobre páos grandes bolas de breu. Chegando o l u-
cháua, reuniram-se em torno clelle, e começou este a
cantar, calando-se as mulheres que ficaram sós na casa.
De braços unidos ao corpo, comas mãos levantadas, en­
toou uma cantiga rude, que todos responderam em côro,
formando-se a dansa. Formaram clous circulos concen­
tricos em roda do tucháua e de mais dous velhos que a
elle se uniram, todos com seus arcos, tendo cada um
uma mulher a seu lado, e começaram a fazer uma es-
pecie de passo latteral, ora á direita ora á esquerda, ba­
tendo com força os pés no chão, repetindo em côro as syl­
labas gê-gê-gê. 0 som rouqucnho de suas vozes e o ruiclo
que faziam com os pés tornava medonha esta dansa,
que se interrompia para continuar a cantiga das mu­
lheres em casa. Quasi todos tinham grandes cigarros de
tauary; alguns com um metro de comprido, que não
só sorviam a fumaça como sopravam ; fazendo o effeilo
de um archote. Estes cigarros passavam por todas as
bocas, até pelas das crianças de 2 annos. Dão a este
cigarro o nome de pitymoú (2). Sem interrupção
continuou a dansa até meia noite, correndo em cuias o

(2) E’ a materia amarellenta dos favos novos.


(1) 1Pity ma, tabaco, ú, por açu, grande.
— 48

tucanayra , no in te rv a llo em que as m ulheres can­


tavam .
F i z e r a m - m e bebel-a,com re p u g n ân cia o fiz,mas achei-a
de um doce acidulado bem a g r a d a v e l . Sem i-cm briagados
já estavam quando de ix a ra m a dansa, quebrando o s i ­
lencio da noite o alarido de suas vozes. Yisto de parte,
á luz da lua e do fogo do bre u, parecia uma dansa i n ­
fernal. Dão o nom e a esta dansa de penêc. O que a d m i ­
rou-me foi o e n thusiasm o dos velhos e a seriedade das
m ulheres que ca n ta v am a maranduba de seus m aridos.
(1) Estes indios já semi-civilizados, ainda estão em
contacto com os que vivem nas selvas, e são inimigos
irreconciliáveis dos Tim byras, que habitam hoje o rio
Gajuapára, affluente do G u ru p y , fazendo as vezes suas
excursões pelo Capim. Estes c o n t i n u a m a atacar os Tem-
bés, que só os repellent; co m lu d o hoje dim in u e essa
inimisade. E ’ um a t r i b u de indole pacifica; de carecter
brando e de constância nos seus actos. Amam a sua in ­
dependência e a lib erd ad e do seu nascim ento. São geral-
m ente baixos, rcforçadoSjde uma côr m orena clara,b o n i­
tos, sendo em geral as m u l h e r e s mais altas e gordas, m a l ­
feitas de corpo, tendo com ludo feições delicadas e boni­
tas. Os que v iv e m ainda fora do contacto com os brancos,
assim cham am os civilizados, usam o beiço inferior f u ­
rado, onde p e n d u r a m um a rodella de páo. São polygumos
e os principaes podem ter q u a n t a s m u lh eres lhes parecer.
0 tucháua desta maloca, assim como o pai do mesmo,
tinham cada u m trez m u l h e r e s . No casamento não lia
ceremonias, em geral e n t r e g a m a u m rapaz um a menina-,
que com cllc vai h a b ita r até chegar á puberdade, nao
sabendo-se o dia da união. A gra vide z é que a denuncia.

(1 ) Os lupinambás, assim como os tapuyas de hoje, sempre


tem a contar alguma maranduba ou paranduba, isto é h i s t o n a s
de seus leitos, quér de guerra, caça, ele. quer de espiriios. E’ uma
palavra composta de niarà, combate, nheeng, fallar e duba p o r
tyba, muito. Em poranduba, substituem mará por pora, habitan­
tes, porque sempre são historias que se referem aos espíritos
habitantes do maio, das aguas, do ar, etc.
P elo fa llee im e n to tam bém não ha cerem onias, e n t e r r a m
e m covas d e n t r o de u m a g ra n d e casa p ro p r ia , que
ch a m a m iutimáua, envolvendo o m o r t o em cascas de j u -
tahy.
As casas em que h ab itam são pequenos ra nchos, quasi
que abertos, cobertos de casca de a b i u r a n a (lucuma).
E m p reg a m -s e na caça e na pesca, p o ré m , já p lan tam m a n ­
dioca. Pela sua organização robusta re sistem á calma e
ao frio. As m u lh eres fiam o algodão e tecem as m a q u y ra s
em que d o rm e m .
Esta tribUjhoje desm em brada,é um a das reliquias, que
existe da valente nação dos tu p in a m b á s. Pude c h e g a r a
esse conhecimento, pelo estudo comparado que fiz do seu
dialecto, e por alguns usos como sejam o da sua bebida,
que era a predilecta dos Tupinambás, pelo d o t a c o e n -
guaaua, pelo furo do beiço e da tipoya. O assento p r i m i ­
tivo destes indios ainda mais confirm ou-m e esta opinião;
h ab itav a m o u l r ’ora o rio Grajahú, na p ro v in c ia do Ma­
ra n h ã o , d’onde e m i g r a r a m . O seu dialecto c o m p arad o
com a lingua tupy ou geral, pouco differe da actual e essa
differença quasi que é causada pela sua dege n era ção e
corrupção. Do vocabulário que fiz, extraio alguns
exemplos. A ssim petymáo, que hoje significa cachim bo,
pela giria dos tembés, petymué significa, cig arro ou
cachimbo; Uira-ueté, o gavião real, decomposto e m rd, u
(1) e eté, que quer dizer o passaro v e r d a d e i r a m e n t e
grande, palavras todas da lin g u a geral. Tacuengáuá,
nesta phrase vê-se claram ente dec om pondo-se a pala­
vra taconha, que ê da lingua geral de hoje e a t e r m i ­
nação áua (aba de hoje), que sem pre que se j u n t a á u m a
palavra é para indicar um a cousa feita. Mais algum as
palavras en tre as m uitas, para p ro v a r o que affirmo, as
prim e ira s são da lingua geral e as segundas da giria.
Uutár, (andar) atá; Find, (anzol), piná; Yná, (arvore)»

'1) Na antiga lingua fupy, não havia açú grande, mas sim ú,
que sendo muito aspirado como que se pronuncia açú.
Yaué; Ig. (agua), Y ; yandú, (aranha), oyanú ; yué
coara, (cova), yucuate; Nheengar , (cantar) , Yacen-
gare, e t c . , etc.
Fastidioso seria a e n n u m eraçã o comparada, das pala­
vras que e n c o n trei na gíria dos Tembés, iguaes á dos
T u p in a m b á s ; bastando estas para prova de que aquel-
les indios, não são mais do que filhos de uma das su b d i­
visões da t r i b u T upin am b á, que a historia nos conta.
Gomo longa vai esta descripção, passo a fazer u m r a ­
pido esboço geographico de todo o ri o .
Toma o rio de que trato o nome de Capim, antes Gapy
(1) da confluência dos rios S u r u b i j u (2), e Ararandeua
(3). Vindo o p r i m e i r o pela m a r g e m d ire ita e o segundo
pela esquerda. O p r i m e i r o te m a s s u a s nascentes em terras
paraenses p r o x i m a s às cabeceiras do G urupy e o segundo
em t e rr a s de Santa Thereza do Maranhão. Noticias exac­
tas não ha sobre estes dous rios não explorados, porque
da viagem de Francisco N unes nada se sabe. Em 1873
ten to u fazer um re c o n h e c im e n to no rio Surubiju o en ­
g e n h e ir o belga Alberto Blochausen, e por elle subiu
até ao rio S a ra p u h y (4) onde foi m o rto pelos Amanagés
em Dezembro do m esm o an n o , assim como o missionário
F rei Gandido de H e re m e n c e que o acompanhava. Ia não
sólevantando a p lan ta do rio como explorando suas r i ­
quezas.
De um a pequena carta achada em uma garrafa que
descia rio abaixo d irig id a á sua m u l h e r D. Honorata
F u rtad o Blcchausen, só colhi que com 11 dias de viagem
da confluência, e n c o n t r a r a m - s e 5 i fozes de igarapés. De
uma outra ca rta, que a n a t u re z a é toda differente; as
m argens são todas m o n ta n h o s a s, as curvas m uito r a p i ­
das, a c o r r e n t e m u i to fo rte , não é enc achoe irado,

(1) Gapy, Capim, contracção tie caa, plaeta pe, talo e hy,
uno por pequeno isto é, planta de talo fino.
(2) Corruptella de Suruby-u, ou Surubyaçú, isto é Suruby,
peixe deste nome e açú, grande.
(«) Arara, passaro do gênero Ara e deua, abundante.
(4) S a r a p ó , peixe do genero Garapús e hy pequeno.
afc im d á a c a ç a e è h a b i t a d o p e l o s g e n t i o s U a y à y à s o u
rn a h trL Do A r a r a n d e u a , n ã o t i v e i n f o r m a ç . 0 a l -
G u a ja ja ra s. que pelas c a b e c e i r a s d e s t a s ,
Z a - J pel do G urupy, e vai-se às do P i n a r é que
mais ou menos parallelo ao T o c .n t .n s , e qu e e h a -

t i £ S 3 « r . h,bir c « S; t
T e n ò s o e S l o a r e s , m a n d a d o s e m 1632 p e l o s u p e r n o , ■

P1Erea I d ê ^ n t l e n t e s dosTupinam bàs, f o r m a v a m então


J ' n d ô T u u s i l a n i m e s , manejavam m elhor o re m o do
nuò o .“ o N o p o n t o em que o S u r u b i j u e o A r a r a n ­
deua fazem barra, existe uma ilha que tem u m a pos,çao

mafb a !x o desta confluenda llca na m a r g e m esq u e rd a a


, ldèa dos Amanagés, denominada A n u íra “ Uncta
missão de S. Fidelis. Foi fundada esta m.ssao e m «
de Abril de 1872, pelo capuchinho francisca no
Candido de Heremence, e que deu-lhe o nom e
S Fidelis, por ser o santo do dia da funda çao.
nha já aldeado cerca de 300 gentios, quando a c o m p a ­
nhado de alguns, quiz pa rtilh a r com A l b e r t o Bloch a n -
sen, os perigos da sua exploração. Depois de al iin
dias de viagem pelo S u ru b iju acima, U n h a m - s e a aa
racado por cansa da m uita chuva e molestias dos 11 -
tripolantes, quando por uma m adru g a d a do mez ^ ^
Dezembro, foi assassinado pelos índios da sua massa o,
com as proprias armas que levavam para defeza. Receaeu
diversos tiros custando m uito a m o r r e r segundo re e-
riu um dosin d io s, Nhambu, irmão do tuctiâua A necu,
que foi depois preso.
Depois deste acto de selvageria assassinaram alguns
escravos que tam bém iam; rou b á ram os generos e t u ­
g i r a m , desapparecendo com elles todos os papeis ca
exploração. Chegando a aldêa lançaram fogo às p a ­
lhoças e toda a população fugiu para as cabeceiras do
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rio Y u t u b a ; ficando assim reduzida a cinzas toda a


missão. Quando eu subi o rio começavam elles a voltar
Tem estes indios o uso de f u r a r e m o labio inferior
onde enfiam pennas de ar a ra . Da confluência até o
rio P u ty r i tá , na m a r g e m d ireita, o rio traz o rum o
geral para o n a sc e n te com g ra n d e s torcicolos vol-
lando-se d ’ahi p a r a o N o rte . Neste espaço recebe os
seguintes affluentes na m a r g e m d i r e i t a por orde m geo­
graphica : o I t a q u i t e u a - a ç ú , o I t a q u i t e u a - m i r y , no
espaço e nc achoe irado, o S. R om ualdo, os T am baia-açú
(1) e m i r y , o C a m a iu a - te u a (2), o Cauichy, que *se
liga ao G u r u p y pelo affluente deste chamado P im e n ta l
e na m a r g e m esquerda a J u tu b a , que se communica
c o m o rio T o c a n ti n s pelas cachoeiras. Destes o maior
é o J u tu b a. Da confluência até o r i o P o t y r i t á o rio corre
para o p o e n te e dah i para o N o rte até a fazenda
P ern a m b u c o dos F r a d e s . Do P u t y r i t á para o Norte
até o rio C a n d i r ú - a ç ú recebe na m a rg e m direita os
seguintes: P an em a, C a r r a p a t i n h o , Cupyjoca (3), Louro
Jauaroca, (4) G u ru p y r a , (5), José da Costa e Acauanera
e na esquerda os : I t a u i r y , abaixo das cachoeiras
do Acaráyussaua, onde fica a maloca deste nome dos
índios T u ry u a ra s , L ondero, Carauatá-açú, (6) Timbó-
teua (7,) J u r u p a r y - c u a r a , (8) B acury, (9), Paccatena
(10) abaixo da maloca deste no m e hoje missão deNossa
Senhora da Assum pção, Yauaroca-açú, Ananhay, (11)
Goiabal, A rr a i a l , Q uiandeua (12), M a m oura na,T uyuyu
e Santa Cruz, acim a de Badajóz. A missão de Nossa

(D Tamba, palavra obscena e açu grande.


( )2 Que tem muitas flechas.
(3) Casa dc cupim pequeno.
(4) Casa de cachorro.
(«) Genio das Florestas.
( 6) Carauata (bromelia) grande.
(7) Em que abunda o timbó.
( 8) Buraco do diabo.

(9) Fruta desse [nome (Platemia insignis).


( 10) Abundante de pacas.
( 11) Ananaz pequeno.
( 12)
Abundante de quina.
7
— BO —
Senhora da Assumpção de Pacateua foi fundada em lb
de Agosto de 1871, pelo mesmo missionário de que
acima fallei, com assistência do Sr. bispo D. Antonio
de Macedo Gosta, sendo o seu primeiro missionário
o capuchinho Frei Luiz de Piazza, italiano, que depois da
morte de seu companheiro abandonou a missão e quiz
antes acompanhar o Sr. bispo,quando foi para a côrte
ser julgado. Os indios desta missão são das tribus
Turyuaras e Tembés. Os primeiros são do rio Acará,
que por terra vem a missão. São pacificos e usam pin­
tar-se com urucúe genipapo. Dorio Gandiruaçú, ate
a fregueziade S. Domingos os principaes affluentes
que recebe todos pequenos são, pela margem direita,
os seguintes: Candirú-miry, Gipó-teua, Yaurité, Iga-
rapé-açú, Arumãduba (1), Papáarúa, Caranadena,
Caetano, Pororó, Pahy (2), Jaboty-maior, que vai ao
Guamà, Arary (3), Pau pintado, Patauá-teua, Ca-
rauatá-teua, que também une-se ao Guamà, Jauaará,
Jary, Palheta, Caquita, Tabocal, Igarapé-açu.
Pela margem esquerda desaguam os seguintes: Ga-
ranã-deua, Arumã-deua, Cajueiro, Sant’Anna, Mara-
cauixy (4), Assahyteua, Anuirá, Seriry, Uixiteua,
Jacundâ-y, Pirayauara (b), Tapiruçu, Pitinga (6),
Juruha, Igarapêaçu e Trauira. Os maiores são o Ma-
racauixy e Pirayauara. Até este rio todos dão com-
municação com o rio Acará pelas cabeceiras. Da
freguezia de S. Domingos até a foz, o rio leva o rumo
geral de ONO dividido em differentes elementos ha­
vendo uma grande curva em fórma de ferradura toda
para o N. De S. Domingos desaguam pela margem di­
reita estes : Guamà, Tatuaia, Mirahyteua (7), Inhan-

(1) Em que abunda ó uarumã (maraniha).


(2) Padre.
(3) Rio de araras.
(4) Uixi de guizos.
(5) Peixe cachorro.
(6) Branco.
(7) Onde ha muita mosca pequena.
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gapy, o Jacaré conha(l), Jundiahy, Caraparu, Tayaçu-y,


(i)Aribocae Aurà; epela esquerda apenas o Boyaru(3)
Igarapéaçú e o Jacaré cuara. O principal affluente que
temo rio Capim é o Guamá, seguinclo-se em volume
de aguas e extensão oCandirúaçu, o Jutuba, o Cauichy,
o Maracáyuichy, e o Pirajauara, sendo os outros peque­
nos ribeirões com mais ou menos curso. O numero total
dos affluentes, desde a foz até a confluência é de 102
sendo 13 da foz até o Guamá.
O rio Guamá tem sido considerado até hoje como
braço principale o rio Capim como affluente, o que não
é exacto. Quér encare-se geographica quér hydrogra-
phicamente, a arteria principal é o Capim, cuja foz fica
no rio Guajará. Esta falta de reconhecimento do rio é
que tem levado a uns appellidarem a porção do rio entre
a freguezia de S. Domingos e a cidade, de Guamá, e ou=
tros de Guajará. Não só a direcção das aguas, a corrente,
como a profundidade das mesmas, provam isso, como a
extensão do curso.
De S. Domingos á confluência do rio Capim tem apro­
ximadamente 560 milhas ou 166 léguas, emquanto que o
Guamá é muito menor, e desagua naquelle em um rumo
opposto.
Pelos estudos que procedi, considero o rio Guamá,
como affluente do Capim. Segundo as informações que
tenho, o grande affluente corre a principio de S a N e
depois de E a O até a foz. E’ navegavel dqrante o in­
verno, para pequenos vapores até S. Miguel, onde ha
uma cachoeira.
Nelle existem, a villas de Ourem, e as freguezias de
S. Miguel e Irituia, no seu principal affluente deste
nome. De Ourem ha communicação por terra para o rio
Caeté ; passando pela extincta povoação de Tentugal,
fundada em 1753, a fim de facilitar a viagem para a villa

Ü) Ninho de Jacaré.
(2 ) Porquinho.
(3) Boya, cobra e yuru boca.

*
52 —

de Bragança, tendo ahi sempre canoas para atravessar o


de »ra° a“ « ’ A vUla de Ourem, fica na margem
« r e to oi fundada em 1153, no lugar da antiga casa forte
feita por Luiz de Moura em 1727. A freguezm de S. Miguel
eats'também na margem direita o ~ / n m , ivo fm
doado por Agostinho Domingos de Siqueira. ío i eievaaa
a freouêzia por D. Miguel de Bulhdes em 1758 <1 a fre-
a n e 0ueA f f„nriada nelo mesmo bispo, no
guezia de Intuía, foi fu " , « Ppreira
mesmo anno, na capella de Lourenço de Souza Pereira,

qUO r l " m e n t e o rio Capim não tem importância


Só muda de aspecto, da confluência para cima, on
então começam as montanhas, correndo os confluentes
por gargantas estreitas e escarpadas. A impor itanciai deste
rio está nas suas excellentes terras, na abundancia do
oleo do cravo, do breu, da andiroba, e das mais excel­
lentes madeiras de construcção ; mfel™ | “ te ^
longe para serem conduzidas para o mercado. Suas aguas
são piscosas. ,.
Inteiramente desobstruido de cachoeiras durante o
inverno, podendo ser navegado por pequenos vapores
até a confluência, deixa de o ser pelo verão, nao só pelas
ennumerasbaixas, como por uma forte corredeira, entre
rochas, que occupa um espaço de quasi duas milhas
onde desaguam os igarapés Itaquiteua-açu e m iry-
As distancias principaes são as seguintes, em munas
de vinte ao grào: «ftTnUha,
Da fóz aos baixos onde começa a pororoca. àü munas.
Dos baixos a S. Domingos........................ 6 9
De S . Domingos a Sant'Anna................... 32 »
De Sant’Anna ao Engenho Calixto........... 8 »
Do Engenho Calixto a Badajóz.................. 22 »
De Badajóz ao Candiru-açu........................ 7 8
Do Candiru-açu a confluência................... 540 »
Milhas............................ 653

Belém, 7 de Fevereiro de 1875.—J. Barbosa Rodrigues.

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