Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DELÍRIO ANTROPOFÁGIKO
(Ou O Que Bem Quiseres)
II
III
2
IV
VI
VII
3
De resto, alerto que sou poeta, apenas poeta, nada mais que
poeta.
4
1
5
Antropofágico porque: e para muito além/aquém do
Manifesto Antropófago, essas brasilidades todas são mesmo para
lusobrasileiro ver...
O que nos importa mesmo é comer!
6
Logo de nós, que lhes damos, quando muito, algumas sílabas,
letras solteiras, realmente sem sentido.
7
10
11
12
13
8
14
15
16
17
18
9
19
20
21
22
10
23
24
25
26
27
11
máximo de cumplicidade que o homem pode oferecer,
franqueando-lhe a masculinidade, sem exageros. Será uma noite
feita de verdades, mistérios, prazeres. Cuidado com as mulheres
que bebem outros vinhos. Elas guardam a entrada do paraíso.
28
29
30
12
31
32
33
34
13
35
36
14
37
38
39
40
15
41
42
43
44
16
Liberdade é o primeiro dom de Eros. O banquete está
servido; tomemos assento em volta o caldeirão, esse cadinho de
raças temperadas a moralismo pseudocristão. Bom apetite,
antropófagos eróticos!
45
46
47
17
48
49
50
18
medonhos flagrantes de Thanatos e, graças a Deus e Humanos, a
viva imperfeição de formas da autêntica obra de arte as supera, e
nos alivia.
A constatação de que o universo está em expansão,
portanto, em mutação, significa que até mesmo o cosmos é
imperfeito (Hosana nas alturas!)
Em suma, imperfeição é perfeição em movimento.
51
52
19
Ou, como grita Roberto Freire, outro filósofo brasileiro:
Sem Tesão, Não Há Solução! Esta pérola da antropofagia erótica.
Ou, seguindo adiante: quando a sociedade humana puder
organizar-se a partir dos sons (dons) de cada um dos seus
indivíduos, seus respectivos ritmos e melodias, promovendo
apenas que fluam em harmonia, aí sim, a Terra será Música das
Esferas.
53
54
55
20
apenas nos demonstra, fugidiamente, que o momento era
perfeitamente plausível e previsível pela nossa mente.
56
57
58
59
Então, por que nos tratarmos como iguais? Para que nos
impor o sermos iguais? Para ficarmos a monologar?
21
60
61
22
62
63
64
65
23
eros individual, que normalmente reduz o fazer artístico, e sua
interpretação, a arremedos das próprias particularidades sexuais.
Nisto reside toda a inteligência da obra de uma Camile
Paglia, por exemplo, a quem só escapou o fato antropofágico,
mais visível para quem vive nos trópicos.
66
24
qualquer natureza; uma nova humanidade se construirá a partir
da aceitação do prazer, conseqüentemente do interesse,
conseqüentemente da realização, e principalmente entre
desiguais, pois toda igualização é como uma roupa fora de
medida: ou veste apertado neste, ou resulta larga naquele.
Prazer esse que só terá foros de legitimidade se fruto da
descoberta e ampliação do eros que pertine a cada um dos
indivíduos, machos ou fêmeas.
Quanto aos direitos, eles nascem dos fatos, jamais das
idéias à revelia dos fatos. Todo direito ideologizado, por melhor
intencionado, acaba por acirrar a violência dos contrários; e
atravanca o caminhar da humanidade na evolução do fato real.
Mas, e para não dizer que não falei de flores, como tudo
tende ao equilíbrio, é provável que ocorra um surto dionisíaco
entre os homens. Daí ao acasalamento entre clones-fêmeas e
machos-bacantes vai um passo.
Antropófagos Eróticos de todo o mundo: uni-vos!
67
68
25
harmonização, jamais por eliminação, teremos a energia que nos
fará galgar os mais altos degraus do universo.
69
70
26
71
72
73
74
27
disfunções da psique. Tudo cortina de fumaça para esconder uma
guerra sexual movida a preconceito e atraso.
Canibalismozinhos, antropofagiazinhas...
75
76
77
28
78
79
80
29
81
82
83
30
84
85
31
86
87
88
32
89
90
91
33
todos que afirmam “o outro ser daimônico” em si são a brigada
de choque do antropofagismo erótico.
92
93
94
34
95
96
97
98
35
99
100
101
36
102
103
104
105
37
106
107
108
38
109
110
111
39
112
113
114
40
115
116
117
41
118
119
42
que buscam galgar postos de comando e ação no mundo
masculino passam por um rápido processo de emagrecimento
como fuga da natureza ctônia e identificação com o homem. Este
processo de androginização da mulher segue o princípio do ocaso
da fêmea. Assim, o poema considerado viril é sempre seco,
enxuto de gorduras, livre do ctônio que lhe dá origem. Mas
desde Baudelaire, a Goethe e Dante, poetas apolíneos usam e
abusam do dionisíaco em suas grandes obras. Enfim, as grandes
obras de arte são, em verdade, e sob este aspecto, sempre de
dupla face.
120
121
43
122
123
124
44
em medicamentos, para males que por vezes a própria natureza
se encarrega de eliminar progressivamente? De que nos adianta
criarmos meios de alcançar as estrelas se não houver
descendentes humanos que possam lá chegar? Ao longo de toda a
história observamos populações inteiras voltadas unicamente
para o que chamavam de esforço de guerra, produzindo ao
máximo armamentos em prejuízo de outros bens, pelo simples
risco de verem-se escravizadas a outros povos. E, no entanto, o
homem moderno está cego para a evolução desse risco medonho
para toda a espécie. A contenção sexual pode eventualmente
preservar as gerações atuais até certo ponto. Mas, o que nos
garante que thanatos não multiplique as variações a seu dispor?
125
126
45
Dizer que o poema musicado não pode ser poesia é o
mesmo que negar toda a poesia lírica da grécia antiga, bem como
toda a produção poética dos antigos provençais, de que a poesia
lírica moderna é inteira continuação. Se toda poesia contém
necessariamente melodia, o poema musicado apenas a torna mais
exuberante. Mas, é claro, estamos falando de poesia
127
128
129
130
46
131
132
133
47
134
135
136
48
criações externas, como se não pudéssemos também criar, mas só
copiar, meros arremedos, cópias jamais perfeitas da Criação,
porque em linguagem diversa; como também não nos
restringirmos ao bumba-meu-boi, enquanto temática necessária a
um povo também bumba-meu-boi. É verdade que o movimento
antropofágico estava à mercê de um messianismo “tenentista”,
industrial-burguês, tanto quanto a uma tentativa de busca de
valores brasileiros de fora para dentro, meramente “nacionalista”,
supervalorizando o motivo caboclo, o que redundou num
“caboclismo metido a intelectual”. Mas, eram as condições
históricas e, por isso, todo equívoco é perdoado. O importante, e
todo o mérito, consiste, primeiro, em tentar romper com os
ditames colonialistas, buscando a próprio voz brasileira.
Segundo, ampliar as possibilidades da linguagem pátria a partir
das suas origens mais primitivas, mesmo que já arcaicas.
Terceiro, e mais importante, ousar ser realmente partícipe da
criação universal e não mero arremedo. Não é pouco.
Principalmente se levarmos em conta que Macunaíma, essa
fábula satírica, é a pedra angular, verdadeiro ponto de partida
para a compreensão da alma brasileira e, portanto, das
possibilidades da nossa linguagem então luso-brasileira e, agora,
me permitam, english-luso-brasileira (nunca foi franco-luso-
brasileira), além de nos denunciar a nós mesmos nossa absoluta e
até agora invencível (salvo na boa música popular e na
agonizante farmacopéica, especialmente), mesquinhez
canibalesca subserviente, medíocre e falsa, e tolamente esperta.
Com toda certeza não foi pouco o que nos legou o movimento
antropofágico. Três Vivas para os antropófagos históricos!
137
49
138
139
50
140
141
142
51
143
144
145
146
52
147
148
149
53
150
151
Nem o amor livre dos anos 60, nem o amor preso de todo o
antes. Se um só homem não basta a uma mulher, é lícito que
tenha outros; ao mesmo, se uma só mulher não basta a um
homem, é lícito que tenha outras. O importante é que essa seja a
base verídica do amor entre ambos. Nada impede também que se
estabeleça a fidelidade como requisito autônomo da união; e isso
nada tem a ver com o haver ou não amor, mas com a lealdade e
cumplicidade como requisito básico da união assim estabelecida.
Também pode ser tentada a mera objetivação da necessidade de
várias uniões puramente sexuais, no interior do casal. Casal de
dois, três, quatro, cinco, etc. O importante é que o sexo, muito
menos eros, seja instrumento de ferir. Mas sempre deve ser
levado em conta que enganar e ser enganada pode ser um jogo
lúdico que interessa sexualmente a ambos. Enfim, o que importa
mesmo é o puro prazer erótico, mesmo com suas dores gozosas,
sem que a fronteira com o thanatos da violência espiritual faça da
parceria o avesso de eros. Ou seja, que nos juntemos para o gozo
e o prazer, nunca para a frustração e o ódio.
54
152
153
55
154
155
156
157
56
do fato de o macho só servir para a procriação, sendo mortos em
seguida. Esquecem que só há uma rainha. Mas, é próprio da
mulher cada qual se acreditar a própria. Mas isto é o homem que
lhe faz, mercê do amor. Enfim, o papel do macho é muito mais
interessante. Criança, cresce feliz e protegido. Quando chega à
idade adulta, tem uma noite de glória com a melhor abelha da
tribo e em seguida morre. Nem há por que mais viver. Voltar e ter
que conviver com as outras, escravas sem sexo, medíocres e
feias. Deus, nos livre, nós homens de tal destino. Moral da
história, toda fascista é burra.
158
159
57
Pombinha, de O Cortiço, também. Carlos Heitor Cony, em O
Ventre, também. Nélida Piñon, em Casa da Paixão, também.
160
58
161
162
59
Com toda a certeza, o que salvou o movimento antropofágico da
plena identificação com o integralismo-totalitarista (que, afinal,
era tão “europeu”...) foi seu latente eros-antropofagismo.
163
164
165
60
166
167
168
61
169
170
171
172
173
62
Amar é trocar de lado na luta dos contrários antropofágicos. No
âmbito específico desses contrários antropofágicos, é deixar de
unir-se a todos contra cada um, para unir-se a um contra cada
todos.
174
175
176
177
63
Só o poeta detém a liberdade de ir e vir pelas portas da
percepção. Portanto, só o poeta carrega consigo as chaves para o
portal do infinito.
178
179
180
64
lingüísticas orientais. Como está na base do pensamento de
Marx, a uma globalização da economia (e independentemente
dos peixes grandes), se seguirá uma globalização da lingüística,
em infinito processo dialético-alquímico de fusão dos metais
nobres. Ou seja, os antropófagos-lingüisticos estão chegando
181
182
183
184
65
juntar como um modelo de armar. O amor é a única inteligência
desse quebra-cabeças. E isso ainda é eros-criticismo.
185
186
187
66
Caminhamos para a harmonização da multiplicidade da mãe
natureza com a aceitação da multiplicidade no olhar e no fazer
próprios do ego racional. Multivisão, multimídia, multishow,
termos cada vez mais freqüentes, são apolíneos, ou seja, ação da
razão sobre a emoção. O Um aceita a fragmentação como
expressão e objetivização da natureza numa espécie de confronto
entre forças convencionais e as de guerrilha. Ou, como anteviu o
poeta Caetano Veloso em seu Tropicalismo: o sol se reparte em
crimes, espaçonaves, guerrilhas
188
189
190
67
conforme A Interpretação freudiana. A limitação desse
instrumental, conquanto não empane o brilho das suas
descobertas, deixa a dever ao contraditório fundamental que não
se esgota absolutamente no apolíneo versus dionisíaco. Tanto
apolo como dionísio estão ora aqui, ora ali, conforme sejam
exercidos pelos poetas. E, no político, sempre a serviço de um
dos lados da contradição fundamental: eros x thanatos.
191
192
68
193
194
195
69
da parceria completa, a um ou a dois, é o nome da ponte para a
miséria da sexualidade.
Os antropófagos eróticos sabem que são carne que pensa, que
nem o animal é em si horrendo, nem a razão é em si beata, e nem
vice-versa; por isso, os antropófagos eróticos têm em Eros a sua
carne quanto seu pensamento. E o
sexo é então a ponte dourada para o ser amado.
196
197
70
Encontrar Deus no sexo. Eros é tão deus quanto os deuses das
demais moradas do Deus. Os antropófagos eróticos não temem,
mas amam, o que quer que chamemos com esse santo nome.
198
199
200
71
201
202
203
72
204
206
207
73
impressão de que há ainda muito mais caroço debaixo de todo
aquele angú.
208
209
74
marcas d’água da universalidade impressas no espírito de quem
as contempla
210
211
212
75
Mas, por favor, não andem de cabeça para baixo: pau duro e xota
molhada, literal ou metaforicamente, é, primeiro que tudo, o que
interessa a um antropófago erótico
213
214
215
76
decorre simplesmente do fato de que não há civilização sem
sonho que lhe seja anterior e que prossiga lhe alimentando. A
fantasia sexual, pois, é fruto da consciência de si como partícipe,
positivo ou negativo, de um todo. Portanto, como evitá-la? Mais,
como proibir-se? Só mesmo pela abstenção consciente
(castidade), ou inconsciente (frigidez e impotência). Além de
mera questão psicanalítica, esta é uma questão política inerente a
um processo civilizatório que fez de eros inimigo da polis.
216
217
218
77
esta, a poesia, revela o que há de infinito. A igualdade essencial é
que ambas se fazem com palavras
219
220
221
78
Entretanto, cabe ao poeta revelar, para libertar, e, não, libertar,
para revelar. E é isso que faz um bom poema.
222
223
224
79
é obtido nem com o rico e belo folclore das suas tribos indígenas,
nem com o extasiante “blues” de Saint Louis, tomados
isoladamente, por exemplo.
225
227
80
228
Há uma técnica para cada poeta, uma teoria para cada poema.
Tão vastas quanto pequenas. É nesse paradoxo que repousa a arte
poética
229
230
81
231
232
233
82
E, quando Apolo se une a Eros, o ego conhece sua própria
divindade, a que existe em si e para si, que se relaciona a outras
que igualmente divinas. Que os deuses são os fragmentos de
Deus.
Somos, antes de mais nada, nossos próprios deuses. Só
conscientes disso podemos ter uma relação de filiação ao Deus
original e originário. Qual pai, por mais mesquinho, renegaria o
filho a uma condição de inferior?
Somos, nós brasileiros, um povo à mercê de forças titânicas
como nunca se viu antes em toda história da Humanidade.
Perdemos a oportunidade tão generosa de um Joaquim José da
Silva Xavier de libertarmo-nos do jugo tirânico. E teria sido tão
mais possível. Hoje, nesta era de guerra nas estrelas, qual povo
de terceiro mundo se autodeterminará? Qual indivíduo de terceira
categoria se libertará?
Afirmo e reafirmo: só os que se banharem nas lágrimas das Nove
Musas, só os que libertarem o Eros em si
234
83
genuína democracia racial, da sua pujança econômica e poderio
militar, da sua indústria exportadora de cultura e ideologia, de
seus telescópios apontados para as estrelas
235
236
84
filme pornográfico produz um choque de seriedade na
recondução do indivíduo ao gozo dos seus centros primários
animalescos; A sacanagem luso-brasileira sempre beira o riso. A
um só tempo gozo e riso da condição animal. Carlos Zéfiro é
bem o exemplo dessa verve brasileira: muito siso quanto riso.
Não mais um riso envergonhado, mas o riso sem-vergonha pelo
que causa aos envergonhados, e seriedade na suficiência que
sejam mantidas as raízes naturais do exercício da sexualidade. Ao
contrário do que ocorre no erotismo lusitano, em que o chulo é
violência ética, em Carlos Zéfiro o chulo é regra estética de
aproximação com o real
237
238
85
239
240
241
86
Outros “gauches” históricos: Ovídio, Safo, Propércio, Blake,
Byron, Sade, Wilde, Poe, Breton, Apollinaire, Bataille, Prévert,
Lawrence, Miller, enfim, todos hoje muito bem comportados em
nossas estantes. Isto quer dizer alguma coisa?
242
243
244
87
Ainda aguardamos uma verdadeira revolução artística brasileira,
o que não acontecerá enquanto os setores conservadores - aí
incluída uma esquerda que, enfim, busca os mesmos fins - não
forem vencidos em sua febril atividade de hierarquização dos
artistas vis a vis a hierarquização social. Não importa qual poder,
a nenhum poder importa nova revelação, qualquer nova
revelação
que não lhe seja submissa aos próprios fins. Arte servil não é
Arte.
245
246
88
folclórica ou alienígena, poema sem musicalidade é como uma
oração rezada sem fé. Nem esta é oração, nem aquele é poema
algum.
247
248
89
249
250
251
252
90
Nossos filhos, os filhos dos filhos dos anos 60/70, pós-nós, pós
nossa luta libertária, têm-nos assistido sofrer a solidão das
gerações que fazem avançar os séculos, a solidão de ter visto e
sido a síntese dos seus pais e avós, a solidão de ter visto e sido o
salto qualitativo do que se afirmará após. Sob o olhar severo e o
riso irônico dos filhos do detrás, os que ficaram olhando do cais,
e o sorriso tristonho, penalizado dos que se vão ainda adiante,
nossos filhos espirituais, que ainda não sabem do tanto que foi
feito, embora gozem disso a ponto de, perigosamente, abrirem
mão disso. A esses nossos filhos muito queridos ficamos
devendo apenas do tudo o maior sentido: A nossa própria
felicidade no Amor
253
254
255
91
amando é saber que a vida continua. A vida que eu amo, minha
amada vida humana prosseguindo secula seculorum. Pelo brilho
de cada uma das fagulhas que somos nós, o fogo humano nunca
se extinguirá, avançará até alcançarmos a imortalidade dos gens
herdados dos nossos antepassados, para além do próprio humano.
Por enquanto, a imortalidade é apenas do espírito, e eis tudo o
que é, para nós, e até aqui, vida após a morte. Dia virá, talvez,
que das nossas fagulhas se fará um sol
256
257
258
92
sabemos, estes fatores interagem e formam o paradoxo básico da
existência. Machos e fêmeas conduzimos nosso aparato material
masculina ou femininamente, independente da identificação
sexual. Em outras palavras, machos absorvem o mundo tanto
quanto fêmeas agem no mundo. Durante séculos a Humanidade
procurou delimitar, o mais próximo possível da dicotomia básica,
as fronteiras caracterizadoras dos papéis sexo-sociais. Isto
redundou em opressão dos traços masculinos (de ação) na
mulher, tanto quanto os femininos (de absorção) no homem.
Disso resultam também tanto a fêmea fatal quanto o macho huno,
em seus termos críticos, bem como os homoerotismos em seus
termos redentores do paradoxo original. A aceitação e o
exercício de eros em nós é o caminho para viver este paradoxo,
mantendo os conflitos daí resultantes sem opressão ou
exacerbação, sobretudo sem culpa. Enfim, a eros o que é de eros,
a Deus o que é de Deus.
259
260
93
que qualquer modelo social de prazer será, quando muito,
referência, jamais satisfação social do prazer humano, na medida
em que a insatisfação individual latente daí decorrente acaba
ocasionando, pela interdependência natural dos seres humanos, o
só funcionamento mecânico do próprio modelo, esvaziado da
proposta que lhe deu origem. Assim tem ocorrido com o
casamento, mesmo modernamente, quando se estabelece
ideologicamente, pelos meios de comunicação de massa, os
prazeres sexuais “que todos estão usando”.
261
262
263
94
Sim, tenho um temor incomensurável de usar do Santo Nome em
vão. Mas um temor muito maior de não fazer d’Ele uso nenhum.
264
265
95
Já o Four Quartets, bem, o Four Quartets é o imagismo que ficou,
tanto quanto a Via Láctea, do nosso Bilac, é o parnasianismo que
ficou.
Mas porque diabos Mr. Prufrock me soa como uma autofagia
erótica das mais formidáveis? Que me faz, vez ou outra, procurar
a emoção que lhe fugiu?
266
267
268
96
em todo poema digno desse título: o milagre poético, concedido à
fé poética.
269
270
271
272
97
E, no entanto, sem fé n’O Poema, não se obtém poesia
273
274
98
teto das nossas possibilidades culturais. Não somos um país
exótico, ou bizarro, assim nos vestem os que desejam que
sejamos meros receptadores de cultura, aqui e lá fora. Os daqui,
para valorizarem conhecimentos de línguas, idéias e escolas
estrangeiras que freqüentaram, normalmente despiciendas, e que
os faz meros reprodutores de cultura alheia, importadores da
ideologia da colonização. Os de fora, por razões geopolíticas do
seu exclusivo interesse.
Infelizmente, ainda não somos um povo irmão de qualquer outro
sobre a Terra. Isto demandará relações internacionais entre
iguais. Sequer ainda somos um povo com desenvolta consciência
de fraternidade na cidadania.
Certamente o mundo ainda muito necessitará das qualidades
brasileiras após resolver-se a primeira fase dessa tal globalização
(ainda um esperto globalizamento) da economia. Portanto, não
percamos de vista isso, não importemos idéias segregacionistas
ou colonizadoras em hipótese nenhuma, da mais prosaica à
menos óbvia. Sobretudo, não nos esquivemos de tratar de temas
universais em modos e formas universais - pós-modernistas -
nem de tratar de temas particulares em modos e formas
particulares - ainda, pós-modernistas - nem de miscigenarmos
tudo isso como melhor nos aprouver - pós-pós-modernistas.
Mas pós-modernismo nada tem a ver com o vale-tudo oportunista
e demolidor da Cultura, como se observa, por exemplo, no ôba-
ôba que se seguiu à democratização do livro didático.
275
99
276
277
278
279
280
100
Relembrando: saber-se antropófago erótico é, em essência,
consciência de si. Consciência de saber-se ainda antropófago,
somada à consciência de saber-se e desejar-se um ser erótico,
como transcendência do canibalismo que marca as relações no
interior da sociedade humana.
281
282
283
Trouxe mãos tão pequenas, para tão vasto Poema! (o poeta, num
momento de lucidez)
284
101
Nenhum poeta saberá da sua poesia se não souber dos quatro
humanos ventos da Terra, e das palavras que sopram ( o poeta, ao
fechar as janelas)
285
287
288
102
289
290
291
103
292
293
294
295
296
104
Mais que o simples “make it new” do Ezra Pound, em poesia,
especialmente nós, brasileiros, a ”revolução permanente” de
Léon Trotsky.
297
298
105
para igual. Urge que iniciemos um processo verdadeiro e honesto
de abertura cultural, rompendo o isolamento dessas onze varas da
cultura brasileira.
299
300
301
106
Dois jograis da mais genuína música popular brasileira, Aldir
Blanc e Cazuza: “O Brasil não merece o Brasil..., O Brasil ‘tá
matando o Brasil..., Do Brasil S.O.S. ao Brasil...” e “Brasil!
Mostra a Tua Cara!!!”. Quando começaremos a Abrasileirar o
Brasil? Não falo, aqui, de um xenofobismo sempre perigoso (e,
em arte, desastroso), até inviabilizado pela globalização.
Também não falo de um Brasil popularesco, que vai até de vento
em popa. Falo de um Brasil Inteligente, Falo de um Brasil Culto.
Falo de um Brasil Amordaçado, um Brasil que pensa os mais
altos padrões artísticos, filosóficos, científicos, etc., etc. e etc.,
impedido de inter-relacionar-se, integrar-se e interagir-se por
conta de uma monstruosa pirâmide guardada por múmias e
escravos, que domina, silenciosamente, as riquezas brasileiras, e
vai tornando o Brasil uma “waste land” oca de brasilidade
genuína, facilitando O Império dos Arremedos culturais e
ideológicos. Tudo se encontra como se não existisse o Brasil que
somos, mas um mero arremedo do brasil que temos, à mercê de
forças civilizatórias que nos erga ao patamar de nação. As
palavras de Van Wick Brooks, para a América de 1913, valem
bem para o Brasil atual: “ Tal, de fato, é a deficiência do impulso
pessoal, da vontade criadora, (no Brasil), tão esmagadora a
exigência imposta aos (brasileiros) para servir a finalidades
ulteriores e impessoais, que é como se as fontes da ação
espiritual já se houvessem evaporado. Lançados numa sociedade
onde os indivíduos e suas faculdades surgem apenas para
desaparecer, quase inteiramente separados e sem influência
recíproca, acham-se nossos escritores envolvidos numa atmosfera
impalpável que atua como um perpétuo dissolvente em todo o
campo da realidade, tanto dentro como fora de si mesmos,
atmosfera que invade cada âmbito da vida e reduz tudo quanto
possam fazer, atmosfera que impede a formação do oásis da
realidade no caos universal.”.
302
107
Erram quando afirmam que o pós-modernismo, com sua máxima
de que a cultura está aos pedaços, é uma bobagem. Não
compreendem que o pós-modernismo está vinculado ao ajuste
globalizante do mundo, com a horizontalização dos povos, com a
correção política, com a democratização terra a terra das diversas
expressões regionais. O pós-modernismo tem, como toda
vanguarda artística, se adequado às propostas mais gerais da
sociedade balizada pelo mercado e, por isso, foge às propostas
originais. Tal para o que tem servido é uma bobagem no plano
artístico-cultural; uma arma eficaz no plano da política e da
economia. Mas, para nós, brasileiros, uma boa marretada na
cultura brasileira, ou estrangeira, ou talvez melhor dizendo, na
falta de cultura brasileira e estrangeira, todas bem postas,
fazendo-a “aos pedaços”, aos pedaços pós-modernistas até que é
muito bom. De qualquer modo, para nós, antropófagos, o pós-
modernismo nos vem bem a calhar. Enfim, pós-modernos ou
não, é bom poder criar e livremente usar os retalhos guardados ao
fundo dos baús do sótão. Por outro lado, este negócio de que está
tudo aos pedaços na arte do primeiro mundo, nos põe todos de
volta ao mesmo barco, não é? Enfim, a nós, brasileiros, uma
perspectiva pós-modernista é bem atraente. Supimpa! Pós-
modernismo neles, antropófagos eróticos
303
108
manter-se nos estritos limites de um racionalismo cientificista, e
num exagerado feminismo apolíneo, até pouco erótico. A sorte é
que nem sempre o consegue. Ainda fosse irrelevante seu belo
trabalho, convenhamos, foi a única coisa realmente nova e
interessante que nos mandaram de fora na última década.
Entrementes, um diamante que brilha como uma Ursa Maior.
304
109
306
307
110
Já a obra de Saramago apenas interessa ao restrito público de
acadêmicos e literatos portugueses e seus parentes europeus. Não
ouvi qualquer comentário nesse sentido em nossa imprensa
literária. Ah! Deus! Quando é que vamos passar a existir para nós
mesmos?
Brasil! Mostra A Tua Cara!
308
309
111
310
311
312
112
estrangeiramente nas melhores livrarias do ramo. Escreveu um
belo livro que, quando adolescente, li, nem lembro quantas vezes,
nem quantas tantas páginas (lembro que muitas). “O Hebreu,
libertador de Israel”, que nos conta a história de Otniel, o
primeiro juiz do povo judaico, um capítulo do Antigo
Testamento. Fosse um autor estrangeiro, quantos milhares de
exemplares não seriam reimpressos? O livro é ótimo, com a
leveza e a agilidade de toda boa história. Esquecido. A história
editorial brasileira é pródiga em tais exemplos.
313
314
Poeta, podes vir a ser tudo. Mas, se perderes a criança divina que
há em ti, não serás poeta nenhum.
315
113
poesia nenhuma. Todo o resto é maquiagem para as festas
galantes.
316
317
318
114
desafiar o Homem. O que fez Raul Bopp fazer sua maior volta ao
mundo, num sentido que talvez tentasse Rimbaud, a posteriori da
sua obra já definitiva, e que talvez colhesse num futuro período
reflexivo que, infelizmente, não alcançou. Enfim, a Amazônia,
para Raul Bopp, não era um mero colar de brasileirismos
bizarros. Conforme ele mesmo afirmava, “Cobra Norato vale
como a tragédia da maleita, cocaína amazônica. Eu quero é a
filha da rainha luzia. Obsessão sexual. Druídica. Esotérica. Tem o
ar de um livro de criança. Quente e colorido. Mas no fundo
representa a minha tragédia das febres”. Raul Bopp, nosso
antropófago erótico de um conto de fadas.
319
320
321
322
115
importante, era um Brasil Brasileiro, despregando-se lentamente
do modelo colonial. Mas a velocidade que a modernidade está a
exigir de nós é incompatível com o bacharelismo. A atual
horizontalização do Brasil (leia-se, americanização), cada vez
mais irreversível, até por necessária aos novos tempos de
globalização (ainda um globalizamento), embora seja grato às
camadas mais populares, as mantêm na ignorância cultural, digo
cultura mesmo, universal, mesmo que brasileira, que só se
constrói pela verticalização do pensamento.
323
324
325
116
fazendo justiça a todas. Por isso mesmo ando a colecionar meus
fragmentos sem nenhuma organicidade, depositando-os, um a
um, só conforme vão sendo colhidos. Portanto, o primeiro não é
o primeiro, o segundo não é o segundo, nem o terceiro será o
terceiro. Nada sei dos inícios, nada sei dos meios, nada sei dos
finais. Isto é da essência do fragmentarismo, cuja origem remonta
à visão de Demócrito quanto aos átomos. Nenhuma prioridade há
em cada grão de poeira cósmica ou das areias de uma praia,
assim como nem cada gota d’água das chuvas, dos rios ou dos
mares.
326
327
328
117
festa orgiástica o Todo gerará em si mesmo o Todo
rejuvenescido. Apolo, como um Sigfried, se banha em águas de
eterna juventude invulnerável. Mas, com uma folha ctônica presa
às costas.
329
330
118
reais sejam submetidos e controlados pelas minorias a que
pertençam, submetidas e controladas todas estas à minoria, auto-
nominada maioria, que detém o poder estatal real.
331
332
333
119
espúria com o que de pior há na cultura populista afro-indígena,
barrando insistentemente a asserção cultural e artística dos
imigrantes alemães, italianos, árabes e orientais, que são sempre
mediados, em suas manifestações, por aquelas duas vertentes de
colonizados hegemônicos. A subserviência macunaímica à
cultura americana resulta principalmente daí. A exaltação da
mediocridade intelectual, do conformismo social e político, do
bom-mocismo academicista, da bajulação, da indiferença aos
verdadeiros criadores de cultura, os filósofos Paulo Freire e
Roberto Freire, por exemplo, o artista multimídia Sérgio Ricardo,
inexplicavelmente banido do cenário cultural, e muitos outros
expoentes máximos da autêntica Cultura Brasileira, exilados ou
simplesmente ignorados, em prol da copiagem estrangeira, da
bajulação ao artificial no poder, do primarismo bajulador das
massas incultas, são responsáveis pelo colapso geral do
panorama artístico e intelectual da Nação Brasileira. E, no
entanto, silenciosos porque silenciados, propositadamente
ignorados, há um sem número de exemplares dessas mesmas
gerações que, mesmo desarticulados, combatidos, amordaçados e
empobrecidos, recolhidos ao sacerdócio a um deus que não se vê,
os pés plantados na terra verde-amarela, com inteligência e
sacrifício invulgares, seguem, corações jovens de esperança,
mirando suas próprias estrelas anunciadas nos céus da Criação;
verdes, brancas, amarelas, vermelhas, azuis e tantas múltiplas
combinações só possíveis num país que transita do branco ao
negro, e vice-versa, em honesta e fraternal miscigenação.
334
335
120
Para encararmos de frente a verdade é mister que observemos a
formidável ascensão dos povos de tradição bárbara anglo-saxã
nesta virada de milênio, com inegável proveito para toda a
Espécie, e grande ampliação do Espírito Humano, embora nós,
povos herdeiros da sublime tradição greco-latina, uma cultura
construída pacientemente em direção aos céus, fôssemos os
favoritos como formadores da concepção cultural do planeta.
Razão disto está em que não temos conseguido, com a mesma fé
e habilidade que eles, mobilizar nossas próprias forças primevas,
tanto quanto esses povos vêm mobilizando as forças intelectuais
da nossa tradição clássica, proveitosamente, integrando-as
sabiamente à sua própria cultura. Ou seja, até quando
esperaremos para acender a lenha dos nossos vulcões? Quanto
tempo ainda para processarmos oxigênio em nossos corações e
mentes?
336
337
121
brilho, tamanho e cor./ Feito um símio em extinção, eu vi/ a
estrela flamejante/ oásis/ em meio à dor
338
339
340
Essa tão antiga quanto gasta contradição entre céu e terra, essa
proposição de que o assim na terra como nos céus é nada mais
que uma receita ético-religiosa, inalcançável senão por um estado
de graça celestial, tem sido a ilusão de ótica que faz ver duas
pirâmides hierárquicas ao invés de uma só e mesma relação
sistêmica. Ora, a Terra é só um grão da areia celestial e, vasto
nisto, vasto muito mais naquilo que ainda sequer imaginamos. À
parte de que a expressão na oração ensinada por Jesus diga
respeito à unidade de pensamento e ação, que em Ghandi se
acrescenta a palavra, bem como à submissão ao império divino, a
falsa concepção de contradição essencial entre os “de baixo” com
os “de cima” é apenas a serviço de uma dualização político-
ideológica que, estabelecendo a cada qual poderes e deveres
diferenciados, justifica e mantêm as idênticas repressões em
ambas as estruturas, hierarquizando os indivíduos em seus
interiores, verticalmente, numa, horizontalmente, noutra. Ou,
como diz um mote publicitário de churrascaria: ”-Qual foi o
chato que inventou isto?”. Resposta: “-Não sei, mas não gostava
de carne”. Ora, Marx já demonstrou, e muito bem demonstrado,
122
que só há uma ideologia na sociedade: a ideologia da classe
(casta) dominante.
341
342
A vida mental do poeta é vida corsária. Ou, como diz Aldir Blanc
na música, violão e voz fantásticos de João Bosco, vida de
náufrago, a mandar em garrafas mensagens por todo o mar.
Antevendo as rosas partindo o ar
343
344
123
estrelas apontam-no como servo de Eros. O sexo, em seu olhar
cinematográfico, seria, então, superação da contradição
apolíneo/dionisíaco, ou seja, vencer a dualidade em angustiada
busca por um equilíbrio que não redunde nem em unidade, nem
em transcendência. Mas seu instrumental é inteiramente
apolíneo. O puro olho apolíneo em ação sexual para domínio do
ctônico feminino, do qual fazem parte todas as coisas do mundo.
Como se a vitória sexual implicasse em poder material unívoco.
Nega o mundo, num existencialismo solipsista, porque o mundo
é objeto feminino. O sexo, cujo prazer é irrelevância, é agressão
apolínea de dominação. Não havendo outro meio possível, toda a
angústia surge do fato de que quanto mais falicamente invade e
afunda, menos consegue, sem que, no entanto, o antagonismo se
resolva em vencido ou vencedora, afastando-se a arena, a cada
embate dos corpos, para um pouco mais allá. No entanto, a
femealidade, sendo opressora e imperativa, alterna-se em foros
de masculinidade, e, esta, por eterno retorno à submissão pós-
coito, se feminiliza. A posse sexual, portanto, é o único momento
de verdadeira virilidade. Todo o resto é negação meramente
passiva e implica em absorção do ego pela feminilidade. Sexo é
estrita luta pelo poder no mundo e, portanto, não há qualquer
harmonia possível. Há moralismo, no sentido de que é um dever
moral do homem conquistar o mundo às garras femininas. Ao
final, consegue a afirmação da divisão dos sexos em tintas
progressivamente mais fortes. Em outras palavras, macho contra
fêmea deus nos criou. E apesar de toda a angústia gerada pela
constatação e constante realização disto, mercê do ceticismo
quanto à relação sexual ser simples busca erótica, Khouri não dá,
por outro lado, ao apossamento da fêmea, pelo macho dionisíaco,
qualquer valor. Sexo racional, apolíneo, agressivo e petrificador,
portanto sexo como vontade única de poder, o máximo que se
consegue é um armistício (equilíbrio de forças) temporário
durante o ato sexual. Ao final de tudo, mantêm-se o reinado da
feminilidade, sendo a eterna vigilância o preço do olho
masculino. Curva-se, então, a thanatos, destruição da outra parte,
separação, o eterno ceifar das forças divinas de Eros sem que, por
isso, perca as esperanças neste, na medida em que, a cada novo
filme, volta a tentar o equivalente humano ao poético, por
124
conseqüência erótico, equilíbrio das estrelas
345
346
347
125
tradução metafórica para: Faça a poeta sofrer - e encontrarão a
Poesia. Ou seja, há uma tênue fronteira entre a graça bem
humorada e o humor direto. Ultrapassá-la é sempre interessante
no romance e no teatro; no ensaio, quanto na poesia, sempre
perigoso
348
349
126
Também assim os caminhos: até os ventos invejam a mobilidade
dos poetas.
350
O Brasil tem tudo para vir a ser a futura Matriz do Mundo Pós-
Moderno.
351
352
353
354
355
127
difusão de escolas não propiciou justo o cadinho de idéias sobre
o qual repousa - e usufrui - toda a nossa civilização? De lá
também poder-se-ia dizer: está tudo aos pedaços!
Com o que concordariam Demócrito e Heráclito, sorrindo e
cofiando as vastas barbas
356
357
358
128
revelar-se (em nós outros). Amor Revelado, e não Forma
Perfeita, é o que faz uma obra de arte ser bela e prazerosa.
359
360
361
129
equação de raças, pois que é, em verdade, uma equação cultural,
em que portugueses, índios e africanos oferecem pouca
mobilidade dos contrários, mercê da esmagadora hegemonia
cultural lusa, de inspiração monoliticamente europeizante, apesar
de todo o esforço das tropas americanas de invasão cultural, que
atuam muito, mas sem profundidade, fornecendo apenas ítens de
consumo tão superficial quanto apenas imediato. Enfim, tal
equação cultural tem sido bastante cômoda para seus partícipes,
embora o preço deste comodismo seja bastante alto: estagnação,
atraso, dependência econômica, tecnológica e artística. Defendo
que integrem a equação, não como expressão de guetos
folclóricos, as demais veias raciais da terra brasileira, e que os
hegemônicos aceitem os contraditórios não apenas entre si e seus
aliados, mas também quanto àquelas. Sem contradição cultural
não há mobilidade cultural, sem mobilidade cultural não há
desenvolvimento da inteligência de um povo nem de seus
indivíduos
Nem de todo o mais.
362
363
130
filhos que se auto-sustentam, e que desejam se autogovernar. Os
receberemos de braços abertos, talvez uma ou duas mágoas ao
canto dos olhos. Ouviremos suas antigas glórias com certo
orgulho até; nada mais que orgulho antepassado a nos enobrecer
o nome, o sangue e o caráter. E se acaso nos reconhecerem o
Brasil como filho legítimo, ok!, aceitemos esse pai pródigo com
o amor das novas escrituras.
Mas que, definitivamente, o portugal incrustrado em nossa Alma
pare de nos ver a nós, Brasil e Brasileiros, como nós afinal nos
vemos, mais do que eles portugueses nos vêem, com as lentes do
colonizador implantadas em nossos olhos: uma terra folclórica e
mulata que o espera, e às nações amigas, sempre as pernas
abertas
364
365
366
131
Mas cada indivíduo humano necessita diversos graus de
complementariedade. A mera união sexo-genital é ineficaz à
realização da libido humana. Machos e Fêmeas, temos um
organismo mais complexo que os simples pressupostos sexuais
para a reprodução da espécie. O eixo atividade/passividade que
determina a união sexual animal não esgota, em nós humanos, o
universo da sexualidade mental. Em outras palavras, assim como
utilizamos 5% da capacidade cerebral, ainda igualmente só
utilizamos os mesmos 5% de nossa capacidade sexual. O sexo
dança com a inteligência.
367
368
369
132
preservar do Amor, servos de Thanatos, ao Deus que
ansiosamente nos aguarda à porta do Seu Paraíso
370
371
372
373
374
375
133
Sim! Farei das estrelas dos filmes pornôs minhas novas Nove
Musas!
376
377
378
134
379
380
381
382
383
135
E qualquer acordo internacional que contemple uma unificação
gramatical terá que levar em consideração a proeminência da
nossa musicalidade. Ou seja, não nos obriguem ao vestuário
lusitano um povo que vive aos calores tropicais. Trabalho para
eruditos comprometidos com a brasilidade
384
385
386
136
O Tempo segue o Espaço. Tempo é fragmento. O Ontem, o Hoje,
o Amanhã não são absolutos nem relativos. São fragmentos que
se medem à medida de cada ser humano. Na diversidade do
nosso ser fragmentário, cada qual de nossos fragmentos vive o
tempo segundo sua própria contagem. Portanto, para alguns dos
nosso fragmentos ainda é ontem; para outros, só o hoje tem
existência real; e há aqueles que já vivem o amanhã. Exercer,
cada ser humano, o seu próprio tempo particular fragmentário é
libertar-se das coleiras dos proprietários do Tempo Absoluto, é
viver sem violentar seu tempo particular, sem agredir seu corpo-
espaço fragmentário.
387
388
389
137
Mas a obra de arte é expressão nuclear do ser humano ligado às
fontes energéticas primevas da criação, cujas nascentes jorram
tanto da terra quanto dos céus, presentes em todo o cosmos, e
verificável apenas pela fé.
390
391
392
393
394
138
por “elas” e um grupo só de homens também por “eles”. Não
seria mais preciso dizer no primeiro caso “eleielas”, ou algo
assim? Como dizia aquele humorista: perguntar não ofende...
395
139
396
Ao final das contas, toda ética pressupõe uma estética, que lhe é
sempre superior.
397
398
399
400
401
140
Humanismo. Humanismo progressivo, romântico, radical e
dialético.
402
403
404
405
406
407
141
Mas não há que acreditar que só é possível filosofar em alemão.
No mínimo se chega a uma verdade tropical, com uma filosofia
do homem tropical.
142
408
409
410
411
412
143
413
414
415
416
417
418
144
cunhadas de eros, e os árbitros de thanatos observam atentamente
os seus cronômetros
419
420
421
422
423
424
425
145
A ideologia da exploração utilitária vai, pouco a pouco,
substituindo a ideologia da colonização, ainda tão presente em
nossos corações e mentes, herança do nosso antigo pai-patrão. Da
Independência ou Morte! passamos à Interdependência ou Morte!
Mas os antropófagos sabem da coxa o músculo
426
427
428
429
146
O Brasil anda a precisar de um ombudsman à altura do Sérgio
Porto, o Stanislaw Ponte Preta. O Brasil só, não; é preciso um
SuperStanislaw
430
431
432
433
147
434
435
436
437
438
148
439
440
441
442
443
444
149
Não há pecado algum em várias pessoas se reunirem para o gozo
mútuo das respectivas sexualidades. Nenhum pecado no adultério
consentido ou complacente. Há pecado, e grave, por exemplo, em
muita hipocrisia amorosa que ocorre por aí; thanatos travestido
em eros de ferir
150
445
446
447
448
449
450
151
poema, a sonoridade vem antes do tema. Por exemplo: por quê
certos nomes nos mobilizam mais que outros, contra ou a favor?
Porque os sons que produzem quando pronunciados, a partir de
cada letra, da união entre elas, dos sentimentos e energias, gerais
e particulares, que os compõem, dizem algo aos nossos corações
e mentes no momento mesmo em que são ouvidos pela primeira
vez. Assim, a pessoa dona do nome (o tema) é a um só tempo
sujeito e objeto dos sons que lhe correspondem.
451
452
453
454
152
Sem alguma espécie de tolice não há poesia.
455
456
457
458
459
153
Bruno Tolentino diz que lá em Portugal corre uma piada: “Um
intelectual brasileiro...” (risos). Pois então trago eu cá também
notícias de minha viagem a Coimbra:
E adentro eu, palpitante de emoção, a Real Biblioteca da
Universidade de Coimbra. Pois!
Maravilha arquitetônica, um teto michelângelo-sistino. Os livros,
separados dos visitantes por cordão de isolamento. Mas, curioso
para saber ao menos de que tratavam, e percebendo que sobre
cada uma das estantes havia um letreiro, estiquei-me para ler que,
sobre a primeira estava escrito simplesmente “estante”. O mesmo
para a segunda. Também sobre a terceira.
Desconfio que assim se assinalavam, paredes afora, todas as
demais.
Pois!
460
461
De uma vez por todas: nem todo letrista é poeta; nem toda letra
musical é poesia. Também assim, nem todo poeta é letrista, e
nem toda poesia é letra de música. Mas nada impede que se
juntem os termos.
462
463
464
154
Sim, O Poema é Idéia. Mas isto não quer dizer que Idéia Fixa.
Tudo é em permanente devir, tudo é um vir a ser sendo. Aliás, o
poema só permanece vivo no tempo porque evolui junto com a
humanidade. Assim, Shakespeare é hoje mais que ontem, por
exemplo. De onde se conclui que a obra de arte contém em si o
germe da sua própria evolução. Evolução interativa e paradoxal.
465
466
467
468
469
470
471
155
Pai! Perdoa essas minhas palavras quedas d’água
472
473
474
475
156
Expressão da matéria, cada verso será como um diamante.
Manifestação do Espírito, cada poema é um fragmento do
Coração de Deus
476
477
478
479
157
estreito, te beijo de língua e as lágrimas/ Te encho de água, ah!,
os meus beijos d’água
(Recitativo em lusitano): Se te abres, te alargas tua alma de
plástico/ Se cada orgasmo é um passo ao cadafalso/ Que morra
o enforcado!/ Cada qual no seu galho!
Até perdi, my babymab!/ Meu corpo, my babymab!/ Meu verso,
my babymab!
158
Apocalípticamente eu te amo!/ Apocalípticamente eu te adoro!/
Apocalípticamente eu te imploro!
Teus lábios de aço para os meus beijos d’água/ Enquanto a turba
lá fora uivando gritando: pecado!!!/ Enquanto apocalípticamente
eu te amo te lambo te sugo te molho/ Com meus beijos d’água!/
Mas se abro o teu mundo e não mudo de lado/ Com teus beijos
d’água teus lábios de aço tua alma de plástico/ Te esqueço e me
safo!
Que apocalipse, não!, my babymab/ Que apocalipse, não!, my
babymab/ Que apocalipse, não!, my babymab/ Que apocalipse,
não!, my babymab
480
Não se faz versos como os que levantam muros, tijolo por tijolo,
a massa forte, paredes a dividir o mundo. É poesia que não se
enxerga, do outro lado, o poema submerso, oculto, ao lado escuro
da lua.
481
482
483
159
obtenção e deterioração dentro e fora do casamento formal ou
material tem sido a maior causa da angústia humana, sua tristeza
e infelicidade, causador maior das doenças da alma com reflexo
na saúde física. Tem sido também explorado pelos sedentos de
poder, especialmente os ocultos, utilizado para coagir e oprimir
as individualidades. É claro para os de boa vontade que a
sociedade organizada ironiza, combate e elimina o amor a dois,
aceitando-o apenas em sua expressão formal, após secá-lo de
energia vital, embora toda a superestrutura ideológica
hipocritamente finja apoiá-lo. Das duas, uma: ou se eleve a
relação erótica como categoria do sagrado, intocável, imune a
apreciações, considerações e julgamentos de qualquer que seja, a
que título for, e incentivado pela coletividade em detrimento de
quaisquer outros aspectos da organização social, ou então
sodoma e gomorra não é bem o que diz a história da civilização
ocidental.
484
485
486
160
a par do livre exercício de cada liberdade individual, como
ampliação das possibilidades da Espécie Humana, até mesmo
genéticas. A expansão das nossas características individuais é de
acordo com o que sabemos sobre a expansão das galáxias.
487
488
489
490
491
161
Pra não dizer que não falei de música, Rogério Duprat. Tão
genial quanto um George Martin dos Beatles; nosso arranjador
d’Os Mutantes. Música das esferas futuras.
492
493
494
495
162
Voz em nós, Éons em nós/Voz pequena, átomos, éons em
nós/Força Imensa, Das Estrelas, Tão Distantes, distantes,
distantes/Voz pequena, átomos, éons em nós/ Luz Imensa, Se te
alcançam, Minhas frágeis mãos/ Tão distantes, distantes,
distantes
496
497
498
499
163
500
164