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do Vaticano: “na primeira das obras, encontra-se unificado aquilo que está

disperso por toda a Natureza, e [a segunda] ensina em que medida a mais bela Natureza
pode elevar-se acima de si mesma de forma ousada, mas sabiamente” (Idem).
Fica sugerido aqui, em primeiro lugar, que a cultura, antes de ser uma ruptura com
a Natureza, representa na verdade um continuum por meio da qual esta expressa aquilo
que a primeira falhou muitas vezes em dizer, ou que soube dizê-lo apenas de forma
fragmentada. Em segundo lugar, a Natureza, por meio da cultura e da intervenção humana
realiza-se, isto é, ela expressa concretamente o que quis dizer em suas várias tentativas
fracassadas e fragmentadas no coração do homem, com o advento de sua espiritualização.
A relação entre Natureza e Cultura nesses termos, em que se ressaltada a inépcia
da primeira que apenas se aperfeiçoa e realiza suas intenções íntimas com o advento da
segunda, terá desdobramentos também no pensamento de Goethe. No livro escrito para
lembrar os anos de aprendizado em conversações com Goethe, Eckermann lembra certo
diálogo com o poeta que parece reverberar, em certo sentido, as ideias de Winckelmann
quando o poeta trata da superioridade dos gregos nos termos de uma correção do que a
Natureza tinha falhado até então em produzir. A perfeição da arte grega só pode ser
apreciada em toda sua grandeza quando comparada às imperfeições e erros da Natureza
que apenas a grandiosa cultura grega pôde reconhecer e corrigi-las: “Mas quem quer fazer
algo tem de atingir um grau tão elevado de cultural [Bildung] que, como os gregos, esteja
em condições de elevar o mais ínfimo fato da natureza à altura de seu espírito e realizar
verdadeiramente aquilo que, nos fenômenos naturais, não passou de mera intenção, seja
por debilidade intrínseca ou por conta de algum empecilho externo” (Eckermann, p.292).1
Os gregos souberam, a partir do conhecimento profundo das imperfeições da Natureza,
de seus erros e deformidades,2 perde-se na intuição pura da beleza de modo a acessar a
intuição de suas intenções dessa última.
Esse caráter errático e as inabilidades da natureza para realizar suas intenções que
apenas se completam com o advento da cultura são apontados também em O mundo
como Vontade de Representação, em cuja obra Schopenhauer, pouco mais de cinquenta
anos depois de ter vindo à luz o escrito de Winckelmann acerca de seus estudo sobre as
esculturas gregas, escreve que seria um disparate apostar no estudo das formas belas
isoladas na Natureza para compor o todo do bela forma. Isso é dito pelo filósofo no
capítulo do Mundo em que trata das esculturas, em resposta a uma pergunta que faz a si
mesmo: “onde [...] deverá o artista reconhecer sua obra excelsa e imitá-la, e assim

1
ECKERMANN, J. P. Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida, trad. Maria L. Frungillo,
São Paulo: Unesp, 2016.
2
separá-la do que há de malsucedido, a não ser que antecipe o belo antes da
experiência?” Alguma vez a natureza produziu um homem perfeitamente belo em todas
as suas partes?”. A resposta de Schopenhauer, naturalmente, é negativa, pois nenhum
conhecimento do belo para o filósofo é possível a posteriori, justamente porque a
expressão da beleza é uma Ideia que foge completamente à forma de apercepção do
mundo fenomênico: “a causalidade é figuração do princípio de razão; o conhecimento
da Ideia, todavia, exclui radicalmente o conteúdo deste princípio” (Schopenhauer,
p.287). Nem a priori o belo pode ser dito, porque ele não é uma forma universal do
fenômeno, mas a Vontade nela

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