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JEAN-CLAUDE BUM) PAG Dom Cinema brasileiro Propostas para uma historia EVISTA E AMPLIADA i JA FP Ls 1. PRI JCA IMPORTADA. O BRASIL EXPORTAVA (E EXPORTA) CAFE. avios chegando ao porto do Recife (por exemplo); francés Cordillee: relagio da carga do Havre (Eragmentoy Apeu de Rubinat: 10 caixas; gua de flores de laranja e dleo de amén. dloa: | caixa; ameixa: 12 caixas; amostras de licor: 1 caixa; gua de rosas: 3 caixas: égua mineral: 60 caixas; 4gua destilada: 3 eaigae biscoitos: 3 caixas; botdes: 3 caixas; coroas mortuétias: 4 cainay manteiga: 20,5 meias. — Relagio da carga de Génova (fragmen. to): chapéus de palha: 1 caixa. — Vapor inglés Traveler: relagia da carga de Liverpool (fragmento): botdes: 10 caixas; carvio de pedra: 247 toneladas; champanha: 100 caixas; calgados: | caixa, loucas: 5 grades; leite condensado: 50 caixas; lengos: 2 caixay linha: 57 caixas; pé para dentes: 1 caixa; pano oleado para mesa, 1 caixa; rendas: 1 caixa; sal: 25 caixas (Gilberto Amado: Minka formagito no Recife). A distribuidora Companhia Cinematografica Brasileira S, A. informa ter o maior estoque de filmes da América do Sul; ela re_ cebe trezentas novidades por més e tem exclusividade para todo 0 Estado de Sao Paulo das seguintes fabricas: da Franca: Pathé, Gaumont, Lux, Ralheigh Roberto, Eclipse, Radios, Urban, Le Lion; da Alemanha: Mester, Bioscop, Fotorama; da Inglaterra: Warwich; da Itélia; Ambrosio, Cines, Itala, Pasquali, Aquila, Milano; da Dinamarca: Nordisk; dos Estados Unidos: Biograph, Vitagraph, Edison, Lubin, Reliance, ‘Tanhouser, I. M. P., Wild West American Cinema; da Espanha: Hispano Film, Iris Film de Portugal: Ideal (O Estado de S. Paulo. W1/11/1911). A salientar: A Companhia Cinematogréfica Brasileira, além de distribuir filmes importados, é também uma pequena produ- tora, principalmente de documentérios; neste antincio, nao $6 18 nao constam filmes brasileiros como nio constam nem os filmes produzidos pela propria empresa que anun ‘Tradicionalmente 0 piblico queixa-se de nao conseguir acompanhar os didlogos dos filmes brasileiros. Com certa raz: E atribui esse fato a péssima qualidade sonora dos filmes. Real- mente, muitas vezes, 0 som é ruim mesmo, o que pode provir de deficiéncias dos técnicos e/ou do equipamento e do estidio. Mas em geral ocorre que a ma qualidade do som provém das mas condigdes acisticas das salas de projecio e do equipamento de reprodugao do som. Tornou-se célebre 0 caso de Garota de Ipanema (Leon Hirszman, 1967): inaudivel o som que o diretor sabia de boa qualidade. Uma vistoria da cabine levou 4 cons- tatagio de que havia uma pequena camada de poeira sobre 0 leitor de som. E, naturalmente, nao havia poeira sobre a lente. Deficiente manutencio do equipamento, actistica deficiente das salas (forma e revestimento das paredes e do forro) provém do fato de que, para o filme estrangeiro, no Brasil, o som é absolu- tamente desnecessario. Basta que se ouga algum ruido de fundo, alguma miisica. Pois, nao sendo dublado, os didlogos sio acom- panhados pelas legendas. Portanto, mesmo em mas condigdes aciisticas, 0 espectador do filme importado dublado fica apto a seguir o enredo, pois ele nao é um espectador que ouve, mas um espectador que Ié. E essa nao é apenas uma situagio que envol- ve o espectador por fora, mas ela penetra seu corpo por dentro, condiciona-o fisiologicamente. Poderia se deduzir dai que ele é entdo um espectador que vé. Mas nem isso, pois assim que a imagem bate na tela o espectador, de relance, dé uma olhada na tela ¢ logo mergulha a vista para a parte de baixo do quadro, a fim de pegar a legenda antes que ela desaparega; se, apds a lei- tura da legenda, sobra algum tempo, entao o espectador volt dar mais uma olhadela na imagem, senao passa para outra ima- gem e outra legenda, ¢ assim por diante. O espectador brasilei- ro esta destreinado tanto visualmente como auditivament mal vé e mal ouve. A tinica coisa que realmente ele sabe fazer, aa cle 19 r legendas. Num pais e com desteridade, ¢ | n do em grande proporcio analfabeto. Nao era portan das ironias de Como era gostoso 0 meu francés (Nelson Santos, 1969) ser um filme brasileiro legendado em Com a diferenga de que, contrariamente & im, : as legendas nao traduziam a lingua dominadora, o ingle tupi-guarani, a lingua primitivamente falada no Brasil, a ling de um povo exterminado. Quando, em 1960, Paulo Emit Sal Gomes langou sua famosa fase: 0 cinema & “uma flo SS dramatica envolvida por imagens”, alguns puderam se tratava de reminiscéncias da polémica cinema my que, tardiamente, na década de 1940, agitava rodas brasileiras. Sem diivida, era também isso, mas es era uma conceituacao de cinema taticamente pole; ticava e colocava em cheque a condigio de espec imposta ao Brasil. De certo modo Paulo Emilio retomava e radicalizava ung ideia antiga. No advento do sonoro,estetasesperavam que ean inovacio destruidora da legitima linguagem cinematogréfica nio se aguentasse, ¢ produtores brasileiros ndo viam eomo pe deriam acompanhar a novidade. Mas alguns pensaram que tinh chegado a vez do cinema brasileiro. Um argumento, nio muite forte, que circulava pretendia que, enquanto os Estados Unidos fariam esses filmes falados, que de cinema nada tinham, o Bra faria 0 verdadeiro cinema, 0 bom cinema mudo, Mas outs, como Gonzaga, da Cinédia, pensavam que o piiblico prefertia filmes falados em portugués a outros em inglés, lingua que nfo entendia. J4 que no ia se escrever na tela, por cima das imax gens, a tradugio dos didlogos. Foi exatamente isso que ocorrey mas enquanto isso nao ocorria houve um momento em que se pensou/desejou que a lingua ia espontaneamente aproximar © publico do cinema brasileiro. Certos setores animaram-se, Gonzaga trouxe equipamento dos Estados Unidos. Durante uns dois anos, 1929-30, ha uma relativamente intensa produgio de filmes sonoros, sistema vitafone, comédias e musicais. A ch da Acabaram-se as otdrios (Luiz de Barros, 1929). Com 0 m Sen. len Pereing PY . _ POrtugys, POsicao habs to a Pensar que 0 x sonore intel sSencialmente ‘mica que cri. tador Mutilado 20 Coisas nossas (Walla de di Downey, 1931), financiado por uma firma 's associados Columbia, entram no cinema os cantores eas cantoras do rédio — e alguns humoristas —, que se tornam os astros dos mtimeros musicais filmados até os anos 1950. Nes- sas comédias popularescas, a lingua e sua gramitica ndo eram fielmente respeitadas, a giria entrava timidamente, a linguagem verbal aproximava-se da rua, Mas esses filmes eram desprezados e tidos por “vulgares”. Os didlogos dos filmes que procuravam um arremedo de dignidade cultural falavam um portugués cas- tigo, estilo escrito, no raro com sotaque portugués devido a presenga de atores portugueses no teatro brasileiro. A Vera Cruz nao ficou para trés em matéria de “elegancia” do didlogo bem escrito ¢ bem dito. Mas que pouco tinha a ver com o portugué comumente falado no Brasil. Com o cinema-verdade, década de 1960, realizava-se em parte a expectativa de Paulo Emilio de um cinema essencial- mente falado, e também chegava as telas o portugués falado no Brasil. A afirmacao da lingua trazida pelo som direto. O cinema- -verdade nao atingiu o grande piblico, mas pelo menos em Opi- niao publica (Arnaldo Jabor, 1967) e no documentirio de critica social dos anos 1960 ¢ 1970, a lingua falada conquistou 0 cine- ma. Obviamente, nao bastava para conquistar o mercado. Nio é possfvel entender qualquer coisa que seja no cinema brasileiro, se nao se tiver sempre em mente a presenca maciga € agressiva, no mercado interno, do filme estrangeiro, importado quer por empresas brasileiras, quer por subsididrias de produto- res curopeus € norte-americanos. Essa presenga nio sé limitou as possibilidades de afirmacio de uma cinematografia nacional como condicionou em grande parte suas formas de afirma De 1907, quando comegam a se estruturar no Rio de Janeiro e em Sio Paulo circuitos de exibigio com salas fixas € programa- cao regular, até 1910, por maior que fosse a avalancha de filmes importados, os historiadores notam, principalmente no Rio, um certo volume de produgao. Alguns desses filmes obtém grande 21 ~ sucesso de publico. A medida, porém, que 0 comércio cinems. tografico internacional vai se estruturando e se fortalecendo, oeupagi do mercado interno torna-se cada vez. mais vilene,¢ diminuem as possibilidades da produgio brasileira. Até a guem de 1914-8, 0 dominio fica com Franca, Italia, Alemanha, Suécia Dinamarca. Apés a guerra, com o enfraquecimento das cinema. tografias europeias, é a vez dos Estados Unidos, que se instalam e até hoje continuam instalados. Alguns niimeros ilustrativos: em 1941, foram lancados ng Brasil 460 filmes de longa-metragem, dos quais quatro bras. leiros; 1942: 409/1; 1943: 362/6; 1953: 578/34; 1954: 490/21 (dados Cine Repdrter). E-assim por diante. Atualmente as propor. Ges alteraram-se ligeiramente em favor do filme brasileiro, mas 6s seguintes dados sio atuais: em 1973, os canais de televisio do Rio de Janeiro apresentaram 1446 filmes de longa-metragem, dos quais dez. brasileiros; em 1974: 1704/34 (dados da Cinema- teca do Museu de Arte Moderna). Longe de arrefecer, € por mais que lutem os produtores brasileiros, a garra americana continua acerada, Exemplo: a cic- -Cinema Internacional Corporation, setor do truste americano Gulf and Stream que absorveu a Paramount, a Metro-Goldwyn- -Mayer, exporta para o Brasil filmes de sua produgio ¢ outras produgdes americanas, bem como filmes de outras nacionali- dades cujos direitos de distribuigao ela adquire. De distribui- dora, passa a exibidora: adquire as salas que pertenciam 4 MGM, constréi salas novas (os Gemini, em Sao Paulo) ¢ vai compran- do salas pelo Brasil. “Seis dos principais cinemas da Bahia, 0 Guarani, o Tupi, 0 Tamoio, o Liceu, 0 Bahia e o Timbira, em Feira de Santana, pertencem a uma das mais poderosas empre- sas multinacionais que espalha tentéculos por diversos paises do mundo. Estas salas e mais o cine Popular — que teve suas portas fechadas — foram vendidas |...] 4 CIC no dia 30 de julho do ano pasado.” (Jornal da Jornada, 9/1977). E, de distribuidora e exi- bidora, passa a produtora. Seus filmes, realizados por brasileiros, filmados e processados no Brasil (Motel, O pai do povo e outros) satisfazem a definicio legal de filme brasileiro, de forma que & 22 ___— el ses filmes produzidos por uma firma americana gozam de todas as vantagens conquistadas pelos produtores brasileiros em favor de sua produgio. Relacionadas com essa CIC, Thomas Guback, autor de The international film industry, da as seguintes informag6es: a Para- mount foi absorvida pelo Leisure Time Group, que pertence a Gulf and Stream. Em 1973, 0 cinema representou 43% das receitas da Leisure e apenas 5% da Gulf and Stream. O mes- mo pode se dizer da Transamerica Corporation, que absorveu a United Artists, para a qual o cinema representou em 1972 ape- nas 10% das suas receitas. Quer dizer que o cinema est inte grado ao sistema das multinacionais e que a politica cinemato- grifica pode obedecer a injungées que nada tenham a ver com cinema. Para defender seus interesses no Brasil, 0 cinema norte- -americano dispée de um embaixador permanente, Harry Stone, presidente da ABC — Associacio Brasileira de Cinema —, que s6 congrega firmas americanas. Mas quando a luta dos produtores brasileiros se intensifica e quando eles vao ganhando batalhas, chega ao Brasil um emissério especial, em geral Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association of America, espé- Gie de sindicato de produtores norte-americanos que mantém setecentos escritérios pelo mundo e ocupa 16 mil funciondrios (conforme dados de fim dos anos 1960 fornecidos por Valenti). Valenti “esta mantendo encontros com os ministros Ney Braga, da Educacio, e Mério Simonsen, da Fazenda” (Folha de S.Paulo, 8/10/1977). “Nada foi divulgado dos encontros.” (9/10/1977). “[...] nfo aparece em piiblico, limitando-se aos bastidores, até agora € mistério o motivo de sua vinda até aqui.” (10/10/1977). Os encontros podem nao se dar no Brasil: “A 19 de maio ultimo (1977), por exemplo, Jack Valenti, presidente da Motion Pic tures, concedeu uma entrevista ao jornal americano Variety so- bre suas conversas com o ministro da Fazenda do Brasil, Mario Henrique Simonsen, que estava na Jamaica para uma reuniio do Fundo Monetirio Internacional. Segundo Valenti, Simonsen e ele chegaram a um acordo para suavizar a carga fiscal sobre a 23 —~ inchistria cimematc asil. Em trog teria de trabalhar junto a0 Congresso dos Estados Una conta com étimos amigos, para evitar a passagem de jon OMe comercial prejudicial a0 Brasil. Os filmes americans: Valenti, fcaram assim exclufdos de um decreto que lin 33% a remessa de Iucros permitida as empresas eae em (Via, n° 362, 1977, transcrito por Cinema Br, 9/1977), A medida que 0s produtores brasileiros v0 ganhando parcela maior do mercado interno, medida que limitaygcs menores que sejam, vio sendo impostas& importacia de” as grandes produtoras estrangeiras nfo se limitam mais portar seus filmes para o Brasil, mas tentam instala-se no pag eventualmente associando-se a produtores brasileitos: prods filmes “brasileiros” para 0 Brasil ¢ filmes de producio bara, para o mercado internacional. Parece encerrada a fase em ques industria cinematogrifica era a “nica” de capitais exclusivamer te nacionais, como dizia Luiz Carlos Barreto no 1 Congress da Industria Cinematografica (1972). Atualmente, as superprodug6es norte-americanas s6 podem se pagar no mercado internacional, e elas sio feitas justamente porque os americanos dominam grande parte desse mercado, que é responsivel por mais da metade das receitas das corporagées cinematogréficas americanas, conforme ‘Thomas Guback. Mas em décadas anteriores, o mercado interno americano sustentaa 4 produgio, ¢ 0 mecanismo bisico que possibilitou a afirmagio e a manutengio da dominacZo parece ser o seguinte: por dispor de amplo mercado interno, os produtores americanos conseguett cobrir os custos de sua produgio média nos proprios BUA. Assim, chegando, por exemplo, ao Brasil, o filme norte-americano, jé po go, custa as despesas de cdpia, de frete, taxas de alffindegas € cen sura, que nao representam muito, publicidade (reprodugio & quando muito, adaptagio da publicidade americana), colocago das legendas. Fica patente que, nessas condigées, a concorrénd por parte dos produtores brasileiros é impossivel, pois, além dos custos de comercializacio, os filmes brasileiros tém que pag" totalidade de sua produgio. Ainda na década de 1960, avaliava-s? a americana no Br Alen afm, 24 o custo do filme estrangeiro para distribuigao no mercado inter- no em cerca de 10-15% do custo médio de um filme brasileiro. Este © mecanismo geral que impde 0 produto importado a0 mercado brasileiro: ser mais barato que o fabricado no Brasil. E. cabe acrescentar que o cinema nfo é a tinica vitima dessa domi- nacio, e sim todos os setores da cultura industrializada. Muito mais do que discos inteiramente feitos no Brasil, as lojas vendem discos prensados no Brasil, mas cujas matrizes foram importadas. Tevé: com excegao da novela e do telejornalismo, que consegui- ram se impor no horétio nobre, fica mais barato para as emisso- ras comprar enlatados americanos, seriados ou filmes das déca- das de 1940 ou 1950 do que produzir ou adquirir os direitos de produgées feitas no Brasil. O prato predileto das livrarias € 0 best-seller american traduzido para o portugués. Mas o best- -seller americano nao pode ser colocado a venda em inglés, pre- cisa ser traduzido e impresso no Brasil. Podemos entao dizer que a adaptacio final do produto importado para a sua comercializa- Gio no mercado brasileiro gerou um pequeno grupo de empre- sérios brasileiros, embora ligados aos interesses estrangeiros para a producao e comercializacio das tradugdes. Enquanto que a co- mercializagio do filme estrangeiro nao teve em nenhum mo- mento 0 efeito de formar um pequeno grupo de produtores « nematogréficos, mesmo ligados aos interesses dos produtores estrangeiros, apenas formou grupos de distribuidores e exibido- res. Desse ponto de vista, a situacio é bastante préxima da que enfrentava o teatro no século XIX e prinefpio do Xx, quando as companhias portuguesas, espanholas, francesas ¢ italianas entra- vam diretamente em concorréncia com as companhias brasilei- ras, que quase nao conseguiam se afirmar. A partir dai, existem mil mecanismos secundérios para amar- rar os exibidores aos distribuidores americanos, tal como o sis- tema de lote. O exibidor nao pode contratar um filme isolada- mente, mas um grupo de que apenas a cabeca, a locomotiva, apresenta grande potencialidade comercial. Para obtencio dessa locomotiva, o exibidor tem que aceitar outros filmes de meno- res possibilidades. O amplo mercado de que dispdem os filmes 25 | distribuidos pelos americanos permite 208 distribuidores slastcidade na eomercilizagio a que os produtores ney nnio podem se dar o luxo. Assim, um distribuidor pode exga™ 70% da renda de um filme de sucesso certo, enquanto ceders a tres médis por 40% ou mesmo 30%. No easo de um fg dido a 70%, o exibidor uera pouco, € um estrangulamenty, yf, o exibidor nao denuncia essa situago para nao se indispor um a sua fonte de abastecimento. No caso de cessio por uma bai. xa percentagem ¢ renda igual, o exibidor lucra mais com o fj, me estrangeiro, pois, por lei, o contrato para filmes brasiliroy é de 50%. Outra vantage que beneficia 0 exibidor é o fato de que p filme estrangeiro, a0 chegar ao Brasil, € um produto jé definido e testado. Nao s6 a publicidade vem formulada, como, pela co- mercializago em outros paises, jd se sabe a que puiblico, a que salas o filme é mais adequado. Praticamente nao ha como erra, A situacZo é naturalmente muito diversa para o filme brasileiro: qual seré a reacio do piblico, de que piblicos, qual a melhor maneira de apresenté-lo ao piiblico? Tudo isso esti para set in- ventado no caso do filme brasileiro; no caso do filme importado, tudo isso jé vem mastigado, e nao se exige do exibidor nenhuma inventividade, quase nenhum risco assumido na comercializagio Ao exibidor entrega-se tudo pronto, ¢ nada se pede a no ser que bote o filme na tela ¢ entregue a renda ao distribuidor. Outro ponto que contribui amplamente para a formagio de um exibidor letargico, de pouca inventividade ¢ trabalho 10- tineiro, € que, vinculado como esta ao produto importado, ee no esti associado aos riscos da produgio que ele comercialza Os problemas que cercam a produgao nos paises de origem dos filmes comercializados no Brasil chegam amortecidos ao exibi- dor daquis ele nao se associa a produtores, nao tem que tomat iniciativas para langar um filme que oferece riscos comercial Criou-se entio um exibidor apético, que vive a reboque do pro dutor e distribuidor estrangeiro. A isso acrescenta-se que 0 PIO prio distribuidor estrangeiro nao tem interesse especial mum exploragio profunda dos filmes. Vista a extensio dos mereades 26 _—_—al interno ¢ externo de que dispde, basta que os filmes passem nos circuitos jé abertos para fornecer rendas significativas, enquanto um circuito mais ramificado, que procure os piblicos li onde esto, seria mais trabalhoso e mais caro. Basta que os filmes apanhem o essencial da renda possivel, enquanto para o filme brasileiro é fundamental um circuito bem mais detalhado. As- sim, cada vez mais, a tendéncia é de os cinemas se localizarem na area urbana e nos lugares de mais alto poder aquisitivo. Em termos de produc brasileira, é necessério nao s6 que os atuais circuitos mudem a sua fonte principal de abastecimento como penetrem em outras areas geogrificas ¢ sociais, e também mo- difiquem radicalmente seus métodos de trabalho. ‘A auséncia de iniciativa, a falta de perspectiva e a incapaci- dade de analisar a situacdo, a dependéncia em relagao aos distri- buidores estrangeiros, bem como a retracio do comércio cine- matogréfico nas tiltimas décadas, fizeram com que os exibidores que atuam no Brasil se tornem um empresariado emperrado, fraco, que nao consegue enfrentar os novos dados da situacio, quaisquer que sejam. Por exemplo, os exibidores deixaram so- breviver grande quantidade de salas que provém dos anos 1930, quando a situacao do cinema, rei das comunicagdes de massa, era diferente da atual: salas imensas com enormes sagudes (¢ equipamento obsoleto). Assim os exibidores tornaram-se viti- mas da especulagio imobiliéria, e 0 baixo rendimento de suas instalagdes nao lhes possibilitava enfrentar as propostas feitas aos proprietirios por grandes empresas em crescimento, tipo supermercado. A resposta das solugdes compactas (conjunto de varias salas) veio tardiamente, a reboque da Europa e dos BUA, ¢ improvisada. Isso s6 para exemplificar a lerdeza com que trabalham os exibidores até na defesa de seus proprios interesses. tivel nisso tudo é que os exibidores sistematicamente respon- sabilizam, para qualquer mal que os atinja, o cinema brasileiro. Ea mi qualidade dos filmes, é a falta de puiblico, é a legislagao protecionista que, oficialmente, os exibidores responsabilizam até para a transformacao de salas de cinema em supermerca- dos. Nao se entende muito bem como um cinema que Ocupy tio pouco espago no mercado poderia ser responsaye| Ft grandes males. Numa entrevista (Fato Novo, 8/1970) pres, dente da Assembleia Geral dos Exibidores deixou escapay foi encomendada Fundagéo Getdilio Vargas uma pes resultado teria indicado 94% de ociosidade das salas brasileiros, mas nada menos de 82% para filmes estrangeiros Fica entio claro que todo o problema nio é apenas o cinema bra. sileiro, que faz o papel de bode expiatério para mascarar Outros problemas. : a E evidente que todo esse sistema de vigéncia dos filmes es. trangeiros nao se deu apenas por causa do sistema €condmico, Como salienta Paulo Emilio Salles Gomes em “Cinema: tj. t6ria no subdesenvolvimento”, na india, por exemplo, nio fy sim. Por mais colonizada que fosse e por mais que a Producao cinematogrifica indiana tenha recebido influéncia dos coloniza- dores, a cultura do pais colocou uma barreira contra a invasio do cinema importado. O piblico nao se interessava, nao entendia o cinema ocidental. O processo colonizador na América Latina foi diferente: os habitantes que os colonizadores encontraram 3 sua chegada nao foram propriamente dominados, mas extermina- dos. Devido ao processo de colonizagao, as informagées culturais emitidas pelas metropoles econémicas e/ou culturais e transpor- tadas para o Brasil nao encontram aqui um terreno que Ihes se heterogéneo. Ao contrério, o préprio tecido da formacio cultu- ral brasileira provém em grande parte dessas metrépoles e per- mite a facil absorcao dos produtos culturais metropolitanos. Isso de modo algum quer dizer que 0 processo da sociedade bras leira seja.o mesmo ou homélogo ao das sociedades europeias ov americana, nem que os produtos culturais importados tenham aqul a mesma significacdo e funcdo que tém em seus paises origem. quisa Cujo Para filmes Mas 0 processo de dependéncia possibilitou que, em tel maginario e do consumo cultural, as classes dominantes Yessem a ilusio de ser como que um prolongamento das bur S188 curopeias (e principalmente francesa em termos de cul 28 do ii ¢ sempre tentassem se igualar a elas através de uma operagio quase magica, pois pelo viés do consumo e nao da produgao cul- tural. Esse processo de aculturacao podia ser feito diretamente in loco, através de viagens, ou de importagao, ou mesmo de uma producio que visava a reproduzir as informagdes emitidas pelas metrépoles. E ébyio que a reprodugio é impossivel, pelo sim- ples fato de que o processo social brasileiro € diferente do das burguesias dominantes. Ver Ao vencedor as batatas, de Roberto Schwarz. Mas o esforgo cultural é frequentemente vivido como reprodugio, ou melhor, como “atualiza¢io” para usar 0 termo de Darcy Ribeiro (Teoria do Brasil). Nao se trata de procurar uma originalidade, uma especificidade dos processos culturais no Brasil, mas sim de pér a “cultura brasileira” em dia com o que de mais recente produzam as metropoles. E. para as burguesias dominadas essa atualizacio nao é questio de charme, e sim de sobrevivencia. E significative que um dos motives principais do grito dado por Areas tidas como liberais contra a ferrenha cen- sura imposta a partir de 1964 tenha sido justamente por ela difi- cultar 0 processo de atualizacdo. E o que transpira de inémeros textos, como este de Ely Azeredo sobre a proibigao de Casanova de Fellini: “[...] 0 universo do autor de Amarcord encontra em todos 0s continentes a admiragio das plateias mais exigentes ¢ dos autores geniais — como Bergman e Kurosawa — empenha- dos na evolucio espiritual do homem [...] Agora barram nosso acesso & poesia [...]”. (Jornal do Brasil, 18/11/1977). No entanto, co impedimento colocado a filmes como 0 iiltimo tango em Paris ou Laranja mecinica nao constitufa 0 maior problema criado pela censura. Chamar a atengao sobre os obstaculos levantados contra esses filmes era uma maneira tatica de sensibilizar os lei- tores a respeito da censura, mas nfo s6 isso: um setor das classes dirigentes inquietava-se porque via obstrufdo um de seus canais de atualizagao cultural. Neste quadro, o cinema brasileiro nao tem vez, pois, se 0 fo- co da “verdadeira” cultura encontra-se fora do Brasil, como levar 29 ~ omhec lor de uns filme brasileiro, se 0 valor de qualquer opps "9m vscrio a produgio cinematogratica local? Como ree, nado pela metropol tiado 0 confronto entre a elite cultural local e6 filme hy Nenhuma angeistia diante de Fellini, Berginan oy Regn sabemos — © 08 Grgios metropolitanos de divulgagin nao cans de repetir — que so supremos artistas, § «jue possa provocar algum Hiroshima mew amur tenderi sre 1 confortivel. O piiblico poders se angustan * cult a a ser uma ang iad a guerra, a memGria, um amor, um estilo, mas nunca tery que angstiar para saber se & ou no umn “bom? filme, sear gee alguma coisa na sua vida, se perturba ou nao o seu conhecimen, to da realidade, nao terd de se angustiar para saber se Hiratin, meu amor & angustiante, Pois a decisio ja esta tomada: 0 fing vem carimbado: “obra de arte angustiante”. Bastard que consuny a angtstia. Diante de um filme brasileiro, a decisao ainda nao eg, tomada; caberia a esta elite reconhecer se para ela (ou, na pers pectiva dela: para a sociedade brasileira) tal ou tal filme é ou nip de seu interesse. Para isso ela precisaria ter uma autonomia de decisio ¢ se afirmar numa perspectiva histérica. E no € 0 casa tal ponto que para se situar diante de sua propria produgio cine- matografica ela tem que aguardar que esta passe pela metrépolee receba a chancela. O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 196)) 86 virou grande depois da Palma de Ouro em Cannes. O Cine- ma Novo s6 virou importante depois de receber nao sei quantos prémios em festivais internacionais, artigos e entrevistas em re vistas estrangeiras de prestigio cultural. O prestigio internacional conquistado por alguns filmes e cineastas deixou, atualmente, um pouco mais segura essa insegura elite para se posicionar diante do cinema brasileiro. Mas continua cacoete da publicidade einemi- togrifica brasileira equiparar o produto local com o estrangeif0 que goza de tanto prestigio. “De resto podemos garanti que em nitidez © perfeigio Le filme du diable {filme brasileiro com titt- 'o original em francés] é um trabalho que pode sofrer confront com ox melhores que as diferentes fbricas nos tém enviado” (0 Ustado de S. Paulo, 18/3/1917). O cavaleiro negro & uma fita “ap! = w a competir com as produgdes estrangeiras” (idem, 1°/7/1923). A afirmacio de qualidade pode tomar esta curiosa forma: O gua- rani: “Ha partes, principalmente, a sétima, a oitava e a décima segunda, em que a nitidez fotogréfica faz inveja a dos melhores filmes europeus” (idem, 4/6/1916). Essas afirmacdes ainda vigo- ram hoje: “Na linha das grandes comédias... nada fica a dever as melhores estrangeiras do género!” (Como ¢ boa nossa empregada, 1973), “Um filme que nada fica a dever as melhores produgées estrangeiras” (Uma verdadeira historia de amor, 1971). Ea publi- cidade de Dona Flor e seus dois maridos (1976): “Um filme brasi- leiro de padrio internacional”, Ou procura-se uma forma migica de osmose. A respeito de Sofrer para gozar: “A diregio de cena esteve a cargo de um profissional competente e profundo conhe- cedor dos meios cinematogrificos norte-americanos” (O Estado de S. Paulo, 27/6/1924). Manifestacao, nao de qualidade cinema- togrifica, mas de um arraigado complexo de inferioridade. Mesmo rejeitando 0 cinema brasileiro, ou aceitando-o na medida em que ele se igualaria as melhores producdes estran- geiras ou receba a chancela metropolitana, esse puiblico, queira ‘ou nao, perceba ou nao, relaciona-se com os filmes brasileiros de modo completamente diferente, porque eles falam da rea- lidade social e cultural em que vive esse ptiblico. Nao neces- sariamente por oferecer um ponto de vista critico sobre essa realidade; mesmo quando tentativa de imitacio da producio estrangeira, mesmo quando a realidade brasileira apresentada pelo filme est4 obviamente deturpada, esse filme oferece uma determinada imagem dessa sociedade. Significativa desse ponto de vista é a quantidade de cartas de leitores publicadas pelo Jor- nal do Brasil contra a pornochanchada, enquanto nada se publi- cava contra Lando Buzzanca ou o Kung-fu. Mesmo com atitude de rejeicdo, leitores bem-pensantes eram levados a assumir uma posigio ativa, porque esses filmes brasileiros mexiam com eles, com a imagem que eles tém de si prdprios, da sua sociedade, da sua vida cultural, da sua moral. A mi qualidade que esse pablico atribui ao cinema brasi- leiro ni é apenas um julgamento de valor sobre determinada 31 obra cinematografica, mas me parece Ser um julga 1 mi quad da realidade brasileira. tambene me Soh de reafirmar e consolidar 0 complexo de inferioridade: ng de nos instalar no amargo porém confortavel estagg, Pant, ponsbildade:fzemos mau cinems, somos domi. dents, inferior, logo ns pelemos nos assumir ce perspectiva histéica, Em Gltima instincia, temos ques 2 20 digo os filmes, mas a prépiaraldade:argumens tet “brasileiro no presta para fazer cinema”. Ou entio oy a vilhoso argumento elaborado por alguns criticos ny décads te 1930, apds o cinema ter-se tornado sonoro: a lingua Portugy a nao é cinematogrifica. Nao adianta nem tentar, todo esforgo¢ fadado ao fracasso j4 que, intrinsecamente, 0 Portugués nig se presta a0 cinema. A grande resisténcia que a elite opde ao cinema brasileiro parece nlo se verificar nos publicos considerados popu’? Embora nio exista pesquisa conhecida a respeito, confones Geraldo Santos Pereira (Pano ger do cinema brasileir) podenn pensar que, no jargio mercadol6gico, a classe C aceita melhg: produgio brasileira. Se é sempre um problema para a elite at vinhar se Glauber Rocha € tio bom quanto Ingmar Bergman, 4 classe C aceita de bom grado uma pornochanchada italiana oa brasileira. Enquanto as camadas de maior poder aquisitivo estio. constantemente submetidas as presses do consumo cultural de exterior e tém maiores condigdes de assimilagio da informagio cultural, as outras camadas nio esto submetidas tao diretamen- tea essas pressdes (que, para elas, se exercem através da elite d- rigente brasileira). O que levou Paulo Emilio a afirmar, em aula filmada em Tem coca-cola no vatapd, que o povo foi protegido da influéncia cultural externa pela sua prépria ignordncia. do de Certamente que a critica poderia ter tido a fungio de sacudit ssa elite insegura. Mas, ao contrario, a tendéncia é ela reforgar 0 mecanismo. Como se constréi um critico cinematogréfico as pais dependente? Num momento em que nao existem curs e | 32 de cinema nem filmes brasileiros nas telas, a maior parte dos criticos so jornalistas que comentam filmes estrangeiros, No jornal, o critic ocupa posi¢io mais do que secundaria, o cinema nio € assunto essencial para 0 jornal. O critico é entao levado a ter outra atividade, dentro ou fora do jornal, que assegure a sua sobrevivéncia. Daf decorre que, em geral, ele tem que escrever rapidamente, com boas intengdes e até amor pelo cinema, mas certamente com uma dedicagio limitada. Além disso, por no Ser assunto importante para o jornal, ele sofrerd toda sorte de pressOes, particularmente aquelas provenientes dos amuncian- tes: meia pagina de publicidade no fim do jornal, e no miolo o senhor critico diz que é um abacaxi! Muitos criticos, ainda na década de 1940 ou 50, foram afastados de suas fungdes por pres- sdes de exibidor ou distribuidor. Existe também a funcio que as redagdes atribuem as criticas: orientar o espectador médio para © consumo. Nao seri facil 0 critico desancar o filme de que o publico médio e os redatores gostam, e passard por esdrixulo se valorizar o filme tido por ruim ou hermético. O critico nao deve afastar-se do gosto médio. Ao contrério, Ihe é atribuida a fungio de reforgar esse gosto. Quanto a atividade de sobrevivéncia, j4 que o eritico gos- ta de cinema e de escrever, poder ser cargo de publicista em alguma distribuidora estrangeira: a fungio critica pode ficar seriamente prejudicada. Existem diversos casos na época do cinema mudo. Paulo Emilio cita esta noticia publicada em O Globo (26/2/1934): “Os Srs. Harley e Rosenvald agradeceram a colaboragao dos cronistas de cinema comunicando a vit6ria do Brasil na campanha internacional da Fox para melhor territorio comercial do ano”. Esses so os percalgos da profissao. Ha problemas mais pro- fundos, que provém do préprio objeto de seus comentérios: 0 filme estrangeiro. O filme comentado reveste-se de um carter, digamos, abstrato, pelo simples fato de que o critico fica alheio ao contexto social, cultural e cinematogrifico que gerou o fil me. O critico nao esté envolvido, nao pertence aquele contexto, que em geral ele desconhece, ou quase. E também o texto que 33 0 critico elabora nao vai repercutir sobre 0 contexto o filme. O filme torna-se entio uma eventual “obra di Ihe chega pelas vias misteriosas da distribuicéo, F pede é avaliar a qualidade dessa obra de arte. Pede que seja um bom amador de arte —¢ iss0 nfo quer em ay dizer que ele deva construir uma perspectiva de abonfx filme a partir da sua realidade cultural, mas sim re imprensa brasileira as caracterfsticas do amador de a A sua funcio € entio confirmar junto 20s leitores a a elite cultural do pais dependente iguala-se 3 burg: Hi excegdes, estou forcando um pouco a mio, 1 nunca se limitaram a comentar filmes, sempre duestionaran, © processo de produgio no Brasil. Os que se limitaram sa mentario de filmes, obedeceram a esse modelo geral, € 0 critieg mundano Guilherme de Almeida talvez seja o melhor exemplo, Assim os eriticosisolam o file de sua situagio histética ec ava. liam 2 partir de um ideal cinematogrifico que, dependenda sua formagio seré de proveniéncia norte-americana ou europeia, De modo geral,jé que o filme foi extraido de sua situagie te t6rica original ¢ que nao se procura analsara situagio histirhy em que 0 coloca a sua exibicao no Brasil, a metodologia ert, acaba sendo a afirmagio de um gosto (que nio é questionado), a afirmagio de uma estética normativa (por exemplo: um este cinematogrifico € erguido em ideal, em “verdadero” cinema,¢ 0s filmes so considerados piores ou melhores conforme mg se afastam ou se aproximam desse padro). F.isso é geralmente feito através de uma mecinica que reproduza, sem que o crtioo © perceba,a divisio de trabalho numa grande empresa capitalist, Ginematogrifica. Divide-se o filme em niveis ¢ avalia-se separa- damente cada nivel: a fotografia, a interpretacao, 0 argumento «tc. O filme serd melhor ou pior conforme a média que obtiver da cotagio atribuida a cada nivel, A tendéncia geral da critica é estender essa atitude ao filme brasileiro, como se 0 eritico nao Pertencesse ao contexto his- térico ¢ cultural que gerou o filme que ele comenta, Continua sendo um amador de arte que avalia abstratamente obras de arte. © arte” Produzir na re europey, lusio de gue Uesia central, NAS aS excerdeg 34 A titulo de exemplo, este trecho de Rubem Biafora: “O filme an- terior de Azevedo, 4 virgem, salvo alguma discrepincia ou assi- metria na colocagio de tom, nos penteados, figurinos e situagio social dos personagens (ou seria apenas questio de escolha do elenco), esteve a beira do patético e da ‘reussite’ [...]” (O Estado de S. Paulo, 13/11/1977). Ou entio o critico pode tornar-se condescendente: por ser o cinema brasileiro fraquinho, nao seria justo aplicar-lhe nossas justas normas. No entanto, queiram ou nao os criticos, a realidade cine- matogrifica e cultural os pressiona. Por exemplo, quando se leem 0s comentarios (compilados por Maria Rita Galvao) sobre Caigara (1951), primeiro filme da Vera Cruz, fica claro que, por mais que permanega presente a divisio do filme em niveis, bem como a condescendéncia, nio é s6 0 filme que os criticos estio discutindo, mas sim algo que transcende a obra: uma proposta geral para o cinema brasileiro. O filme seja ruim ou decepcio- nante. Isso poderd provar que a proposta da Vera Cruz é ina- dequada para o cinema brasileiro; ou ao contrario: a proposta boa, mas nao se pode exigir demais de uma primeira realizacio. Se o filme é bom, isso é uma prova da validade da proposta. Tais atitudes ja tinham aparecido na eritica brasileira, mas certamen- te nao de modo tio macigo. A Vera Cruz conseguiu envolver a elite cultural de Sio Paulo, 0 que levou a critica cinematogrsfi- ca, principalmente paulista, a descer de seu pedestal de julgador de obras de arte e assumir um papel de participante no processo. Francisco Luis de Almeida Salles e Benedito J. Duarte sao muito significativos desse ponto de vista. Mas me parece ter sido realmente o Cinema Novo que aba- Jou nacionalmente a critica cinematogréfica. $6 a petrificagio de alguns criticos impediu-os de perceber que, de bom ou mau grado, estavam envolvidos no processo de produgio. Qualquer coisa que escrevessem repercutia nos meios de produgao. O es- forco do Cinema Novo no sentido de fazer um cinema que dis- sesse respeito 4 totalidade da sociedade brasileira ¢ agisse sobre ela necessariamente envolveu a critica. E os melhores criticos foram aqueles que aceitaram 6880 PFOVOCAGIO € ENttaram, g crise, Diante de tamanho projeto, nao era mais possive] ta oito 2 fotografia, cinco a interpretacao ¢ fazer a média, Nom viinero de 1964 da Revista de Cinema (Belo Horizonte, jee “"Tempos atris, eu supunha que podia ver um filme braslcn, exatamente como um filme estrangeiro, com 0 mesmo gray de ssengio. Quando passei a conhecer um pouco a realidad do gj. emma brasileiro, eu me convenci de que isso era impossivel”. fy, verdade, essa dinamica nao parece ter ido muito longe: a eri. va sofrew uma violenta regressio apos 1964, Mesmo 0s critiegs que ficaram ligados ao cinema brasileiro no aprofundaram seus pontos de vista. ' Um novo tipo de critica € anélise comega a se desenvolver apés 1967-8, com a criagio de cursos de cinema de nivel univer. sitério. De modo geral e com a excecio notavel da atuacio de Paulo Emilio em diversas faculdades, a tendéncia dos professo. res é se voltar para a semiologia. No inicio dos anos 1970, esta- mos numa fase como que do “recolhimento” de grande parte da intelectualidade e de forte importagio de teorias europeias, que so estudadas e aplicadas. Na rea cinematogréfica, é a semiolo- gia. A adesio acritica a uma metodologia pretensamente cient- fica como que paralisa a reflexio sobre 0 processo de produgio cultural cinematografica no Bra

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