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CAPITULO 10. ADOLESCENCIA Transpondo a Zona das Calmarias Atualmente, é grande em todo o mundo 0 interesse pela adolescéncia e pelos problemas do adolescente. Em quase todos os paises ha grupos de adolescentes que se fazem notar de um modo ou outro. Muitos estudos dessa fase do desenvolvimento estado sendo feitos, e vem surgindo toda uma nova literatura liga- da a questo, incluindo romances que tratam das vidas de meni- nos e meninas adolescentes e autobiografias escritas pelos pré- prios jovens. E-nos permitido supor a existéncia de uma conexdio entre esse desenvolvimento de nossa consciéncia social e as con- dicdes sociais especificas da época em que vivemos. Todos que exploram esse campo da psicologia sao obrigados areconhecer um fato logo de saida: o menino ou a menina adoles- centes nado querem ser entendidos. Os adultos devem manter entre si aquilo que vém a compreender a respeito da adolescéncia. Seria absurdo escrever para os adolescentes um livro sobre a adolescén- cia; esta é uma fase que precisa ser efetivamente vivida, e é essen- cialmente uma fase de descoberta pessoal. Cada individuo vé-se engajado numa experiéncia viva, num problema do existir. A cura da adolescéncia A adolescéncia tem cura, uma cura apenas, que porém nao Pode interessar ao garoto ou a garota que estéo em pleno sofri- Digitalizada com CamScanner 116 A FAMILIA E O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL mento. A cura da adolescéncia vem do passar do tempo e do gra- dual desenrolar dos processos de amadurecimento; estes de fato conduzem, ao final, ao aparecimento da pessoa adulta. Os pro- cessos nao podem ser acelerados ou atrasados, mas podem ser invadidos e destruidos; e podem definhar internamente, no caso do disturbio psiquidtrico. As vezes precisamos lembrar que, embora a adolescéncia se- ja algo que sempre tenhamos conosco, cada adolescente trans- forma-se, com o passar de alguns anos, num adulto. Os pais tm maior consciéncia desse fato do que muitos socidlogos; a irrita- cao ptiblica com o fendmeno da adolescéncia € facilmente evoca- da pelo jornalismo barato e pelas declaragdes piblicas de indivi- duos importantes; a adolescéncia é tratada como um problema, 0 fato de que cada adolescente esta na verdade vivendo um pro- cesso ao cabo do qual se tornard um adulto consciente e integra- do na sociedade é deixado de fora da questao. DEFINIGAO TEGRICA Ha razoavel consenso, entre os que se dedicam ao estudo da psicologia dinamica, quanto a uma definicdo geral da adolescén- cia em termos do desenvolvimento emocional do individuo. O menino e a menina dessa faixa etaria tem de lidar com as mudancas decorrentes da propria puberdade. O desenvolvimen- to da capacidade sexual e as manifestacdes sexuais secundarias fazem-se presentes em individuos dotados de uma histéria pes- soal, que inclui um padrao préprio de organizacao de defesas con- tra ansiedades de varios tipos. Em particular, e em casos sadios, cada individuo teve, antes do periodo de laténcia, a experiéncia de um complexo de Edipo plenamente desenvolvido, isto é, vir veu as duas principais posicdes do relacionamento triangular que constituiu com os dois pais (ou pais-substitutos); e, na experién- cia prévia de cada adolescent, organizaram-se modos de com- bater a tensfo ou aceitar e tolerar os conflitos inerentes a tais con~ digdes, essencialmente complexas. — Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA = 117 Também, derivadas das experiéncias da infancia de cada ado- jescente,subsistem certas caracteristicas e tendéncias pessoais her. dadas € adquiridas, fixagdes a modalidades pré-genitais de expe- riéncia instintiva e residuos da dependéncia e da implacabilidade infantis; e, além disso, restam todos os tipos de padrées doentios associados a falhas de amadurecimento em nivel edipico ou pré. edipico. Assim, 0 menino ¢ a menina chegam a puberdade com to- dos os seus padres predeterminados pelas experiéncias de infan- cia; muita coisa permanece guardada no inconsciente, e muito nao 6 conhecido porque simplesmente ainda nao foi experimentado. Ha muito espaco para variacées individuais no que toca ao grau ¢ ao tipo de problema que pode resultar de tudo isso, mas a questao geral é a mesma: como essa organizacao preexistente do ego reagira 4 nova investida do id? Como se acomodario as mu- danas da puberdade ao padrao de personalidade especifico do me- nino ou da menina em questo? Como poderio esse menino a es- sa menina lidar com seu novo poder de destruir ou mesmo de ma- tar, poder que, entao inexistente, nado complicava os sentimentos de édio na infancia? E como verter vinho novo em odres velhos, O ambiente O ambiente desempenha, neste estgio, papel de imensa im- portancia, a ponto de ser mais adequado, num relato descritivo, supor a continuidade da existéncia e do interesse do pai, da mae e da familia pelo adolescente. Muitas das dificuldades por que passam os adolescentes, e que muitas vezes requerem a interven- cao de um profissional, derivam das mas condi¢gdes ambientais; este fato apenas serve para enfatizar a vital importancia do am- biente e da familia para aquela imensa maioria de adolescentes que de fato chega & maturidade adulta, mesmo se, para os pais, © processo todo é pontilhado de dores de cabeca. Rebeldia e dependéncia E caracteristica da faixa etaria em questao a rapida alternan- cia entre independéncia rebelde e dependéncia regressiva, e mes- mo a coexisténcia dos dois extremos num mesmo momento. Digitalizada com CamScanner 118 A FAMILIA E 0 DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL 0 isolamento do individuo CO adolescente ¢ essencialmente um isolado. Todo relaciona- mento entre individuos, e, em ultima instdncia, toda socializa- géo, parte de uma posicdo de isolamento. Nesse aspecto, 0 ado- lescente revive uma fase essencial da infancia, pois o bebé é um ser isolado ao menos até 0 momento em que repudia 0 néo-eu ¢ constitui-se como individuo distinto, capaz de relacionar-se com objetos externos ao self e a area de controle onipotente. Pode-se dizer que, antes de o principio de prazer-dor dar lugar ao princi- pio de realidade, a crianga é isolada pela natureza subjetiva de seu ambiente. Os grupos de adolescentes jovens sao ajuntamentos de indi- viduos isolados que procuram formar um agregado por meio da identidade de gostos. Sao capazes de agrupat-se quando sao ata- cados enquanto grupo mas esta é uma organizagao parandide de reagdo ao ataque. Cessada a perseguicio, o grupo constitui-se no- vamente num agregado de individuos isolados. Sexo antes do tempo As experiéncias sexuais dos adolescentes mais jovens so mat- cadas por esse fendmeno de isolamento, e também pelo fato de que o menino ou a menina nfo sabe ainda se seré homossexual, heterossexual ou simplesmente narcisista. Para muitos, hd um lon- go periodo de incerteza quanto a propria existéncia de um im- pulso sexual de fato. A constante atividade masturbatéria, nesse estégio, pode constituir uma maneira de ver-se livre do sexo, € no uma experiéncia sexual; e as atividades homossexuais ou he- terossexuais compulsivas podem servir ao mesmo propésito ou como forma de descarregar tensdes, antes de representarem for- mas de unio entre pessoas humanas integrais. E mais provavel que essa unidio entre pessoas integrais se manifeste, em primeiro lugar, nos jogos sexuais incompletos ou no comportamento afe- tivo com énfase no sentimento. Eis novamente o padrao pessoal querendo unir-se aos instintos; enquanto isso nao ocorre, porém, énecessario que haja algum tipo de alivio para a tensfo sexual. Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA 119 e tivéssemos a oportunidade de conhecer os fatos tal como sao, poderiamos esperar constatar uma alta incidéncia de masturba- géo compulsiva. (Qualquer investigador que se aventurasse neste campo faria bem em adotar o seguinte lema: aquele que faz per- guntas deve estar preparado a ouvir mentiras.) Sem diivida € possivel estudar 0 adolescente em termos das reagdes do ego as mudancas do id, ¢ o psicanalista praticante de- ve estar preparado para enfrentar este tema central, seja tal co- mo se manifesta na vida do paciente, seja tal como se apresenta no material do paciente trazido ao contexto analitico ou na fan- tasia consciente e inconsciente € nas partes mais profundas da rea- lidade psiquica, pessoal e interior do paciente. Mas nao pretendo desenvolver aqui esse tipo de abordagem; meu propésito é tratar da adolescéncia de outro modo, relacionando a atual voga de te- mas ligados a adolescéncia a mudangas sociais ocorridas nos ul- timos cingiienta anos. AHORA DE ADOLESCER Nao seria sinal da boa satide de uma sociedade o fato de que seus jovens séo capazes de adolescer no tempo certo, isto é, na época em que ocorre o crescimento ptibere? Os povos primitivos disfarcam sob tabus as mudancas da puberdade, ou senao trans- formam seus adolescentes em adultos no decorrer de poucas se- manas ou meses por meio de certos ritos e provas. Em nossa so- ciedade atual os adultos esto sendo formados por processos na- turais, sendo impulsionados na adolescéncia por suas tendéncias de crescimento. E muito provavel que isso signifique que os adul- tos de hoje sejam seres fortes, estaveis e maduros. E certo que isso nao se da sem um prego a pagar. Os muitos colapsos psicoldégicos entre os adolescentes demandam nossa to- lerancia ¢ nossos cuidados; 0 novo tipo de desenvolvimento igual- mente exerce uma tensao sobre a sociedade, pois os adultos que foram privados da adolescéncia nado gostam nada de ver meni- nos e meninas florescendo a sua volta. Digitalizada com CamScanner 120 AFAMILIA EO DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL RES MUDANCAS ‘SOCIAIS Na minha opinido, trés grandes mudaneas sociais alteraram todo o cima que envolve os adolescentes na adolescéncia; (i) As doengas venéreas nao assustam mais. O espiroqueta eo gonococo ja nao sao (como certamente 0 eram, no sentimen- to publico, ha cingiienta anos) os agentes enviados por um Deus punitivo. Hoje podem ser combatidos pela penicilina e outros antibidticos'. i) O desenvolvimento de técnicas contraceptivas deu ao ado- lescente a liberdade de explorar. Trata-se de uma forma muito nova de liberdade: a liberdade de investigar a sexualidade e a sen- sualidade sem qualquer desejo de ter filhos e, mais, cuidando para nao ter de trazer ao mundo uma crianga indesejada e sem pais. E claro que acidentes acontecem e sempre acontecerdo, levando a abortos desastrosos e perigosos € a0 nascimento de filhos ilegi- timos. Mas sugiro que, ao examinar o problema da adolescén- cia, aceitemos 0 fato de que o adolescente moderno tem a op¢ao de explorar todo 0 territorio da vida sensual sem a agonia mental acarretada pelo medo de uma concepc¢ao indesejada. Isso nfo é yerdade de todo, pois a agonia mental associada ao receio de um acidente permanece; mas, no decorrer dos ultimos trinta anos, 1. Lembro-me claramente da conversa que tive com uma moca al- gum tempo depois da Primeira Guerra Mundial. Contou-me que fora s6 0 medo das doencas venéreas que a impedira de entregar-se a prosti- tuico. Causou-lhe horror a idéia, introduzida por mim durante a con- versa, de que as doencas venéreas poderiam um dia ser preveniveis ou curaveis. Disse ela que nao conseguia imaginar como poderia ter atra- vessado sua adolescéncia (da qual ela saira havia muito pouco tempo) sem esse medo, que ela usara para manter-se no caminho certo. Ela é hoje a mae de uma grande familia, e é 0 tipo de pessoa a que se costuma chamar normal; mas teve de enfrentar a luta da adolescéncia e o desafio dos préprios instintos. Foi dificil. Mentiu um pouco, roubou outro pouco, mas conseguiu. Sempre apegando-se, porém, a limitacdo imposta pelas doencas venéreas. Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA = 121 0 problema foi alterado por esse novo fator. Percebemos que, agora, a agonia mental provém do sentimento de culpa inato a cada individuo. Nao quero dizer que todo menino ou menina Pos- sua um sentimento de culpa inato, mas sim que, em boas condi- goes de satide, ele ou ela desenvolvem por meios muito compli- cados um sentido do que é certo e do que é errado, um sentimen- to de culpa, ideais e uma idéia do que cada um quer para o futuro. ii) A bomba atmica talvez esteja produzindo mudancas ainda mais profundas que as que mencionei até aqui. A bomba at6mica afeta o relacionamento entre a sociedade adulta ea eter- na vaga de novos adolescentes. Hoje, precisamos acostumar-nos a viver sob a suposi¢ao de que ndo haverd mais guerras. Pode-se argumentar que hé possibilidade de que uma guerra estoure a qual- quer momento em qualquer lugar do mundo, mas hoje sabemos que a organizacdo do pais para a guerra nao é mais solugdio para os problemas sociais. Assim, nao ha mais justificativa para que imponhamos as criancas ¢ jovens uma forte disciplina militar ¢ naval, por mais conveniente que isso seja para nds. Aqui entra 0 efeito da bomba atémica. Se nao ha mais sen- tido em lidarmos com nossos adolescentes preparando-os para lutar por seu Rei e sua Patria, temos af ainda outra razdo para que a adolescéncia se transforme para nés num problema a ser resolyido em si mesmo. Agora, temos que “‘sacar”’ a adolescéncia. adolescente ¢ pré-potente. Na vida da imaginacao, a po- téncia de um homem nfo esta sé no aspecto ativo e passivo das relagdes. Inclui também a vitéria de um homem sobre outro ho- mem e a admiracdo da mulher pelo vencedor. Creio que, hoje, tudo isso tenha que estar contido na mistica dos barzinhos e nas ocasionais brigas de faca. A adolescéncia, mais do que em qual- quer outra época, esta hoje sendo obrigada a se conter; essa rea- lidade contida é em si bastante violenta — um pouco parecida com 0 inconsciente reprimido do individuo, que nao parece tao belo quando é exposto ao mundo. Quando pensamos nas notérias atrocidades da moderna ju- ventude, devemos sempre ponderé-las em relacio a todas as mor- Digitalizada com CamScanner 422 AFAMILIA E 0 DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL tes que adviriam da guerra que nado ocorrerd; em relacdo a toda a crueldade da guerra que nao ocorrerd; € em relacdo a livre se- xualidade que € marca de todas as guerras ja ocorridas, e que nao mais ocorrerao. Assim, é evidente que a adolescéncia esta aqui ao nosso lado, e veio para ficar. Essas trés mudangas estao afetando a consciéncia da soci dade. Isso se manifesta claramente no modo pelo qual a adoles. céncia hoje se apresenta: como algo que nao pode mais ser man. tido oculto por falsas manobras, como a convocagao militar, A INACEITABILIDADE DA FALSA SOLUGAO Uma das principais caracteristicas dos adolescentes € 0 fato de nao aceitarem falsas solucées. Essa moralidade feroz, basea- da em nogGes de verdadeiro e falso, ocorre também na infancia e em doengas do tipo esquizofrénico. A cura da adolescéncia vem com o passar do tempo, fa- to esse que pouco significa para o adolescente. O adolescente busca uma cura imediata, mas ao mesmo tempo rejeita todas as “curas’”’ que encontra, pois detecta em cada uma delas um ele- mento falso. Quando o adolescente aprende a tolerar 0 meio-termo, po- de vir a descobrir varios modos pelos quais a inexorabilidade das verdades essenciais pode ser abrandada. Ha, por exemplo, uma solucao que consiste na identificagéo com a figura dos pais; po- de haver uma maturidade sexual prematura; pode ocorrer um re- direcionamento do sexo para proezas fisicas no atletismo, ou das funcdes corporais para as realizacées intelectuais. Mas os ado- lescentes em geral descartam esses meios auxiliares; ao invés, véem-se obrigados a transpor uma espécie de zona das calmarias, uma fase em que se sentem futeis e ainda nao se encontraram. Nosso papel, em tudo isso, é o de espectadores. Mas a auséncia total de meios-termos, especialmente no que toca ao uso de iden- tificagdes e A absorcdo de experiéncias alheias, implica que cada individuo tenha de comegar seu caminho da estaca zero, igno- Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA = 123 rando tudo 0 que jé foi trabalhado na histéria anterior de nossa cultura. Vernos nossos adolescentes comegando tudo de novo, co- mo se nao houvesse nada que pudessem emprestar de outrem. Vemo-los constituindo grupos com base em uniformidades de im- portancia menor, ¢ com base em um tipo de ligaco que tem a ver sobretudo com 0 local e a idade. Vemos os jovens buscando um tipo de identificacao que nao os abandona sozinhos em sua luta: a /uta para sentir-se real, a luta para estabelecer uma identi- dade pessoal, a luta para viver o que deve ser vivido sem ter de conformar-se a um papel preestabelecido. Os adolescentes nao sabem no que se tornarao. Nao sabem onde estio, e estado a espe- rar. Tudo esta em suspenso; isso acarreta o sentimento de irreali- dade e a necessidade de tomar atitudes que Ihes parecam reais, e que de fato 0 sao, na medida em que afetam a sociedade. Ha na adolescéncia esta coisa muito curiosa e intrigante: a mis- tura de rebeldia e dependéncia. Aqueles que cuidam de adolescen- tes nao raro véem-se perplexos com o fato de que esses meninos e meninas, por vezes tao rebeldes, podem também ser ao mesmo tempo dependentes a ponto de parecerem criangas e mesmo be- bés, manifestando padroes de dependéncia que talvez remontem aos primeiros meses de vida. Além disso, os pais descobrem-se gas- tando dinheiro para que seus filhos demonstrem sua rebeldia con- tra eles proprios. Esse é um bom exemplo do fato de que os tedri- cos operam num nivel muito diferente do nivel em que vivem os adolescentes e seus pais ou tutores. O que vale aqui nao éateoria, mas o impacto do adolescente sobre os pais e vice-versa. NECESSIDADES DO ADOLESCENTE Assim, torna-se possivel relacionar as necessidades manifes- tadas pelos adolescentes: A necessidade de evitar a falsa solucdo. ‘A necessidade de sentir-se real, ou de tolerar a absoluta fal- ta de sentimento. Digitalizada com CamScanner 124 ‘A FAMILIA E O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL A necessidade de ser rebelde num contexto que, confiada. mente, acolha também a dependéncia. ‘A necessidade de aguilhoar repetidamente a sociedade de mo- do que o antagonismo desta faca-se manifesto, e possa ser reba- tido por um contra-antagonismo. [A ADOLESCENCIA SADIA E OS PADROES PATOLOGICOS Os padrées que se manifestam no adolescente normal tem relaco com os que se manifestam em varios tipos de disturbio mental. Por exemplo: A necessidade de evitar a falsa solugao corresponde a inca- pacidade de o paciente psicdtico aceitar o meio-termo; compare- se também com a ambivaléncia psiconeurética ¢ com a ilusao e a auto-ilusdo de satide. A necessidade de sentir-se real ou nada sentir tem relacio com a depressao psicdtica acompanhada de despersonalizacao, A necessidade de desafiar corresponde a tendéncia anti-social, tal como se manifesta na delingiiéncia. Disso segue-se que, num grupo de adolescentes, as varias pro- pensGes tendem a ser representadas pelos membros mais pertur- bados do grupo. Por exemplo: um membro de um grupo toma uma overdose de drogas, outro nao sai da cama devido a depres- sao, outro vaga a solta com 0 canivete. Em todos os casos, 0 agre- gado de individuos isolados se agrupa por tras do individuo doen- te, cujo sintoma extremo tem acdo efetiva sobre a sociedade. Ain- da assim, a maioria dos individuos envolvidos nao tém impulso suficiente para transformar suas tendéncias em sintomas incon- venientes e que produzam uma reacio social. As calmarias Repetindo: se se espera do adolescente que transponha essa fase por meio de um processo natural, deve-se esperar também Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA = 125 aocorréncia de um fendmeno que poderiamos chamar de calma- rias da adolescéncia. A sociedade deve encarar esse fendmeno co- mo um dado permanente ¢ tolerd-lo, reagir ativamente a ele, it de fato ao seu encontro, mas ndo deve curd-lo. A questo que se coloca é: teria a nossa sociedade satide suficiente para agir assim? O que complica mais o problema é o fato de que ha indivi- duos demasiado perturbados (pela psiconeurose, depresso ou es- quizofrenia) para atingirem 0 estdgio do desenvolvimento emo- cional a que se chama adolescéncia, ou sé so capazes de vivé-lo de maneira muito distorcida. Nao incluf neste artigo uma descri- go das patologias psiquidtricas severas tal como se manifestam em individuos dessa idade; nao obstante, ha um tipo de distuir- bio que nao pode ser deixado de lado em qualquer consideragaio sobre a adolescéncia — o fendmeno da delingiiéncia. Adolescéncia e a tendéncia anti-social E revelador estudar a intima relacao existente entre as difi- culdades normais da adolescéncia e o estado anormal a que se pode chamar tendéncia anti-social. A diferenca entre os dois es- tados nao se manifesta tanto em nivel do quadro clinico de cada um, mas reside sobretudo na dinamica, na etiologia de ambos. Na raiz da tendéncia anti-social hd sempre uma privacdo ou ca- réncia. Esta pode ser simplesmente o resultado de um estado de auséncia ou de depressdo da mae, ocorrida num momento criti- co, ou da dissolugao da familia. Mesmo uma privagao menos vio- lenta, ocorrendo num momento de dificuldades, pode acarretar resultados persistentes, sobrecarregando as defesas disponiveis. Por tras da tendéncia anti-social hé sempre uma fase de satide seguida de uma ruptura, apés a qual as coisas nunca mais foram as mesmas. A crianga anti-social busca, de um modo ou de ou- tro, com violéncia ou sem ela, obrigar o mundo a reconhecer sua divida; ou tenta fazer com que o mundo reconstrua a estrutura tompida. Portanto, na raiz da tendéncia anti-social jaz esta pri- va¢ao ou caréncia, Nao se pode dizer, porém, que toda adoles- Digitalizada com CamScanner 426 AFAMILIA EO DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL céncia seja igualmente fundada sobre uma tal privacéo, Mas hg uma certa semelhanca entre os dois quadros; esse elemento de cae réncia, na adolescéncia normal, é mais brando e difuso, e niio exige demais das defesas existentes. Assim, no grupo com 0 qual 0 adolescente se identifica, ou no agregado de individuos isola. dos que constitui um grupo em reacao a uma perseguicao exter. na, sao os componentes mais perturbados que agem em nome de todo 0 grupo. Todos os aspectos da luta da adolescéncia — o roubos, as facas, as rupturas ¢ encontros e tudo o mais — tém, de estar contidos na dinamica desse grupo, seja no ato de ouvir jazz, seia numa festa. Se nada acontece, os individuos comecam a duvidar da realidade do prdprio protesto; ainda assim, a maio- ria deles nao sao perturbados a ponto de tomar efetivamente a atitude anti-social que recoloca as coisas em seus devidos luga- res. Mas a existéncia no grupo de um, dois ou trés individuos anti- sociais que se disponham a tomar uma atitude concreta de pro- vocacao a sociedade cria no agregado uma coesio, cria nos ou- tros membros um sentido de realidade, e estrutura temporaria- mente o grupo. Nenhum dos membros faltard a lealdade e todos darfio apoio aquele que agir pelo grupo, embora nenhum deles aprovasse essa atitude em si mesma. Creio que o mesmo principio se aplica ao uso que se faz de outros tipos de disturbio. A tentativa de suicidio de um dos mem- bros é muito importante para todos os demais. Noutro caso, um dos individuos nao consegue se levantar; encontra-se paralisado pela depress4o e permanece ouvindo musicas tristes; tranca-se no seu quarto e nao deixa ninguém se aproximar. Todos os outros sabem que isso esta ocorrendo; vez por outra 0 individuo sai da depressio e todos festejam, virando a noite ou permanecendo juntos por dois ou trés dias. Esses acontecimentos pertencem a todo o grupo; este encontra-se em constante mudanga, a medida que os préprios in- dividuos vao trocando de grupos; mas, de algum modo, os mem- bros individuais do grupo fazem uso dos casos extremos para sentirem-se reais, lutando para transpor esse perfodo de calmarias. Tudo se resume a questdo de como ser adolescente durante aadolescéncia. Trata-se de algo muito dificil, e alguns jovens ¢s- Digitalizada com CamScanner ADOLESCENCIA 127 to tentando realizd-lo. Isso nao significa que nds, adultos, de- vamos dizer: “Veja que coisa bonita, pequenos adolescentes vi- vendo sua adolescéncia; devemos agtientar tudo e deixar que que- brem nossas janelas.” Nao € essa a questo. O fato essencial é que somos desafiados, e encarar 0 desafio faz parte da vida adulta. Mas devemos encarar o desafio, e nao tentar curar uma coisa que é essencialmente sadia. O maior dos desafios colocados pelos adolescentes atinge aquela parte de nés que nao viveu em verdade sua adolescéncia. Essa nossa parte nos faz lamentar que os jovens estejam atraves- sando sua zona de calmarias, e nos faz querer encontrar uma so- Judo para seu problema. Ha centenas de solugdes falsas, Tudo o que dissermos ou fizermos estard errado. Damos apoio e esta- mos errados; retiramo-lo e continuamos errando. Nao temos co- ragem de ser ‘‘compreensivos’’. Mas, com o decorrer do tempo, vimos a descobrir que esse menino e essa menina ja transpuse- ram a zona das calmarias e comegam a ser capazes de identificar- se com a sociedade, com os pais e com todos os géneros de gru- pos mais amplos sem sentir a ameaca iminente da perda da pro- pria identidade. [1961] Digitalizada com CamScanner

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