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Ki-Zerso, J. (coord.). Histéria geral da Africa. Sao Paulo: Atica, 1982, v. Metodologia e Pré-histéria da Africa. Lr Gorr, Jacques. Hist6ria e meméria, Campinas: Ed. Unicamp, 1994. Mowtenecro, Antonio Torres. Histéria oral e meméria: a cultura popular revisitada. Sao Paulo: Contexto, 2001. MENTALIDADES A palavra mentalidade ganhou espaco no Ocidente a partir do inicio do século Xxx, significando os comportamentos e as atitudes coletivas. Essa definisao jé podia ser vista na obra do escritor francés Marcel Proust, Em busca do tempo perdido. Ao mesmo tempo, 0 conceito apareceu também nas ciéncias humanas e sociais, primeiro na Antropologia, designando pejorativamente comportamentos considerados primitivos, sendo inclusive comum entao a comparacao da mentalidade do homem primitivo com a mentalidade da crianga. Na historiografia, 0 conceito de mentalidades passou a designar as atitudes mentais de uma sociedade, 0s valores, o sentimento, o imaginério, os medos, o que se considera verdade, ou seja, todas as atividades inconscientes de determinada época. As mentalidades s40 aqueles elementos culturais e de pensamento inseridos no cotidiano, que os individuos nao percebem, Ela é a estrutura que esta por trés tanto dos fatos quanto das ideologias ou dos imaginarios de uma sociedade. Tal conceito esta muito ligado a questao temporal, pois a mentalidade é considerada uma estrutura de longa duracao. Além disso, ao contrério dos fatos, que acontecem muito rapidamente, a mentalidade permanece durante muito tempo sem modificacdes, ¢ suas mudangas sao tao lentas a ponto de nem serem percebidas. Foi a corrente historiografica de Annales, entre as décadas de 1920 e 1930 na Franga, que valorizou o tema. Dai em diante, as grandes transformages da histéria passaram a ser vistas também em termos de evolugao psicolégica, de comportamentos e atitudes mentais coletivas. Lucien Febvre, um dos fundadores de Annales, foi dos primeiros historiadores a trabalhar as mentalidades na Historia. Outros contemporaneos de Febvre, alguns filiados a Annales, como Marc Bloch, outros independentes, como Huizinga ou Nobert Elias, também deram atengao aos fenémenos mentais. Mas com a ascensao da demografia nas décadas de 1940 e 1950, a historiografia deixou de lado as investidas pioneiras no campo das mentalidades. Foi s6 depois de 1960 que a Hist6ria das Mentalidades tomou seu grande impulso com a Nova Histéria. Com nomes como Philippe Aries, Jacques Le Goff e Georges [279 sspepres | Duby, a produgio de obras sobre as mentalidades, principalmente sobre o medievo francés, ganhou espaco editorial, alcangando o grande puiblico e formando um significativo mercado para trabalhos histéricos. A Historia das Mentalidades marcou uma grande mudanga historiogréfica, pois ampliou de modo consideravel nao apenas o mercado de consumidores de Historia, mas as fontes ¢ os temas trabalhados pelos historiadores. Desde entao, fambém os temas mudaram, tudo se transformou em fonte: diarios, lendas, sonhos. trazendo preocupagées com as diferentes formas de pensar e sentir ao longo do tempo. Essa abordagem pode ser vista, por exemplo, em trabalhos de Georges Duby, que, estudando o sistema de impostos da Franga do século x11, concluiu que, nesse periodo, a realidade econdmica era menos perceptivel e concreta para os contemporaneos do que a realidade espiritual. Do ponto de vista do método, a Hist6ria das Mentalidades combina abordagem antropolégica e abordagem psicol6gica. A Antropologia fornece as técnicas para a descrigao da comunidade estudada: isolando-a e nao se preocupando nem com sua origem, nem com sua evolugao (ou seja, nao se preocupando com sua historicidade). Essa éa técnica da Etnologia para descrever sociedades ditas primitivas, quea Historia transformou em Etno-histéria. Nela, o historiador escolhe determinado contexto historico e procura descrevé-lo em todos os seus aspectos, desde a economia até as formas de sentir. Esse método deu origem também ao que ficou conhecido como Historia Total. Por sua vez, a abordagem psicolégica se preocupa principalmente com o inconsciente coletivo, com tudo 0 que est por tras da consciéncia de uma sociedade, com a totalidade psfquica ou, como é mais comum em Hist6ria, com uma estrutura mental. Esta pode ser definida como todos os tracos mentais que os contemporaneos tém em comum sem que se deem conta disso. A preocupagao da Histéria das Mentalidades, a que,nas palavras de Febvre,compdem uma rede maior de fatos sociais. Nesse sentido, sim, écom o conjunto dos fatos culturais de uma época para Febvre,as mentalidades seriam um elementoamaisnacompreensaodasociedade. Lucien Febvre foi o primeiro a propor conceitos para a melhor interpretagao das fontes em uma abordagem de mentalidades. Criou o conceito de aparelhagem mental, que abrangia todas as formas de percepgao, expresso, a¢do, as técnicas e a lingua de uma sociedade, abarcando, dessa forma, o conjunto de elementos usados pelos individuos para se expressarem e interagirem em sociedade. Marc Bloch, por sua vez, pensava em termos de representagées coletivas, que significava basicamente um estudo das formas de sentir e pensar de determinado periodo — conceito influenciado pela Sociologia de Emile Durkheim. J Jacques Le Goff defende a estreita ligagao da Historia das Mentalidades com a Etno-hist6ria e a Psicologia Social. Para Le Goff, |280| © historiador das mentalidades busca os processos culturais mais gerais, coletivos € psicolégicos. Como 0 etndlogo, ele deve buscar os niveis mais iméveis e mais estaveis da sociedade, a estrutura que muda mais lentamente, nao se preocupando com suas origens ou mudangas. A Historia das Mentalidades tem muito parentesco com outras abordagens histéricas, algumas que se contrapoem a ela, outras que se confundem com ela: a Histéria das Ideias e a Historia do Imaginario sao os principais exemplos. A Historia das Ideias se distingue das mentalidades por abordar as inovagées € ideias revolucionarias no campo da politica, da ciéncia ou da religiao, pouco se preocupando com 0 que o povo pensa. J a Histéria do Imaginério, por sua vez, se confunde frequentemente com a Histéria das Mentalidades. © imaginério estuda as representacées ¢ imagens ideais que uma sociedade constr6i, a forma como as pessoas veem o mundo ao seu redor, imagens construfdas nos mitos, nos sonhos, nos medos coletivos, na religiosidade. A Histéria da Mentalidade abarca a Histéria do Imaginario, e nem sempre é facil distinguir uma da outra. Para aqueles que criticam a Nova Histéria isso se deve ao fato de que a propria Historia das Mentalidades é pouco definida, com concepgdes teéricas pobres. © préprio Philippe Aries, um dos principaisnomes das mentalidades,admite quea grande plasticidade dessa abordagem s dificil defini-la. No caso da relacao entre mentalidade ¢ ideologia, a ideologia sugere uma dependéncia termina por mesclé-la com outros campos, tornando as vez das formas de pensamento para com a realidade concreta econdmica, assim como pode ser também uma forma de representar as condig6es de vida de determinada classe, a0 passo que a mentalidade é um conceito mais amplo, que abrange formas de pensamento independentemente da classe social. O conceito de mentalidade, assim, se nega a ser dependente da condigo econdmica. No Brasil, as décadas de 1980 ¢ 1990 viram o crescimento da Historia das Mentalidades. Como na Franca, tal Histria foi responsdvel pelo aumento de obras de Hist6ria voltadas para o grande puiblico. E apesar de Sérgio Buarque de Holanda ja ter excursionado no género com sua obra Visio do paraiso, de 1959, estudando 0 imaginario da colonizagao, os mitos e as crengas sobre o Brasil trazidos pelos colonizadores, foi Laura de Mello e Souza, na década de 1980, que inaugurou a corrente das mentalidades no Brasil com seu livro O diabo e a terra de Santa Cruz. Nessa obra, a autora reconstitui 0 cotidiano e as angistias das pessoas que participaram da colonizagao do Brasil, buscando também as representagdes de Paraiso e Inferno elaboradas entao sobre a Colonia. A obra de Mello e Souza foi influenciada por importantes pensadores da Historia das Mentalidades, como Carlo Ginzburg e Le Roy Ladurie, além, é claro, de Sérgio Buarque de Holanda. Desde entao, muitos foram os historiadores brasileiros a trabalhar com abordagens de [281 dade | 2 sspepres | mentalidades. Uma das obras mais celebradas sobre o assunto sto As barbas do imperador, de Lilia Moritz Schwarcz, que retine Hist6ria e Antropologia para explorar a simbologia social e politica em torno das barbas de D. Pedro 1. A Hist6ria das Mentalidades é uma excelente oportunidade para os professores que querem tornar suas aulas mais interessantes, sem relegar 0 contetido. A grande variedade de obras sobre as mentalidades permite acesso a contetidos facilmente utilizaveis em sala de aula. Mas como em tudo 0 mais, é preciso também cuidado com a Historia das Mentalidades. Primeiro porque ela tem alguns temas e periodos preferidos:sexualidade, moralidade,religiosidade;Idade Média francesa colonizagao brasileira, respectivamente. Assim, nem todos os assuntos e nem todos os periodos sao contemplados. Além disso, visto que sua proposta ¢ abordar a estrutura mental, muitas obras nao trabalhamascondigdes econdmicase sociais. sso nao éum problema em si, a nao ser que o professor se limite apenas as mentalidades. Devemos, nesse sentido, lembrar que uma sociedade é composta por varios elementos. © trabalho com as mentalidades em sala de aula é nao apenas interessante, mas prolifico, desde que acompanhado de abordagens dos aspectos politicos, econdmicos e sociais da Historia. VER TAMBEM Cotidiano; Discurso; Histéria; Historiografia; Iconografia; Identidade; Ideologia; Imagindrio; Memsria; Mito; Teoria. SUGESTOES DE LEITURA Det Priore, Mary (org.). Histéria das mulheres no Brasil. 6. ed. S40 Paulo: Contexto, 2002. . Histéria das criangas no Brasil. 4. ed. Sao Paulo: Contexto, 2004. ‘Hucuirs-WarrincTon, Marnie. 50 grandes pensadores da Histéria. S40 Paulo: Contexto, 2002. Lk Gore, Jacques (org.). A Historia Nova. Sao Paulo: Martins Fontes, 2001. Maxorta, Claudia Otoni de Almeida. O que é Histéria das Mentalidades. Sao Paulo: Brasiliense, 1991. Mescravis, Laima; Pinsky, Carla Bassanezi. 2. ed. O Brasil que os europeus encontraram. Sao Paulo: Contexto, 2002. Narourtano, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificagao. 2. ed. Sao Paulo: Contexto, 2004. PestaNa, Fabio. No tempo das especiarias, 2. ed. Sao Paulo: Contexto, 2004. |282|

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