Você está na página 1de 30
(v7 ta05.htmit) (v7e1a05:nimie) Destaque (JPrDestaque Hin!) Dieto Pic (.PYPublc Him!) Energi (.JPUEnergia Ht) EN (index enter ax) DOWNLOAD DE POF (vmMUPOFIASNIVT POF) [5 RECOMENDAR (MAILTO:?SUBJECT“ARTIGO RECOMENDADO DO SITE E-PUBLICASBODY-HTTPu! PUBLICA PTVOLUNESIVINIIPOFIASNV7POF) Direitos Fundamentais e inconstitucionalidade em situacao de crise - a propésito da epidemia COVID-19 Fundamental Rights and unconstitutionality in a situation of crisis - regarding COVID-19 epidemic &. Jorge Reis Novais Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ‘Alameda da Universidade, Lisboa ‘648-014, Portugal jnovais@fe.ulsboa pt maitojpovais@té.ulsboa pt) Resumo: Este artigo analisa a constitucionalidade da suspensio e das restrigdes de direitos fundamentais que foram operadas em estado de emergéncia e durante a crise epidémica. Discute-se quais sao os direitos fundamentais que estiio em causa e em que medida era necessario declarar o estado de emergéncia tendo em conta os direitos que foram suspensos pelo Presidente da Republica. Mais concretamente, responde-se a questo de saber se o direito a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade (envolvido nas questdes do confinamento ¢ do internamento compulsivos) é, entre nés, um direito absoluto ou pode ser sujeito a juizos de ponderagao. Por fim, consideram-se as duvidas relativas a eventuais inconstitucionalidades organicas e formais no que respeita a atuagao do Presidente da Republica e do Governo durante a crise. Palavras-Chave: Constituicdo; estado de emergéncia; dircitos fundamentais; restrigo de direitos fundamentais; suspensao de direitos fundamentais. o dos direitos fundamentais em Fstado de Direito e a sua ; 2. Qual a vantagem ou necessidade juridica do estado de Sumario: 1. A constitucionaliza aplicabilidade em tempos de ci emergéncia para a imposigao das medidas de confinamento? 3. Suspensio e restricao de direitos fundamentais em estado de emergéncia; 4. Quais os direitos fundamentais envolvidos e que direito fundamental esta especificamente em causa nas imposicdes de internamento hospitalar e de confinamento domiciliario? 4.1. Internar compulsivamente ou manter alguém confinado em espago fechado contra a sua vontade é uma privacao da liberdade, nao é uma restrigao ao direito de deslocagao para qualquer parte do territério & nacional; 5. £0 direito a liberdade do artigo 27° um direito absoluto ou um direito sujeito aN 0s» ceder com base em ponderacdo? 6. Questoes de competéncia e de forma; 6.1. Podia 0 Presidente da Repiiblica suspender direitos deixando as autoridades competentes a decisdo sobre os termos concretos das restricdes? 6.2. Podia o Governo restringir o direito A liberdade pessoal consagrado no artigo 27.° da Constituicdo e podia aprovar restricdes severas a liberdades através de decreto simples? 6.2.1. Os efeitos competenciais da suspensao ou da ndo suspensio de um direito fundamental em estado de emergéncia; 6.2.2. Mesmo dispondo de competéncia legislativa propria, podia o Governo ter restringido por decreto simples, por regulamento? 6.3. RestricGes e intervengoes restritivas a direitos fundamentais, em situagdo de normalidade constitucional, aprovadas pelo Governo, (v7na05.htmit) Abstract: This paper ar>'vses the constituti: nality ot the suspension and restrictioHetr"™ fundamental rights cho* “ei » oj eraer in a stats C*e ae sgency ind during the epidemic crisis. It discusses wh af an tie unuatierta’ rig.at, at stke 21d to what extent it was necessary to eth’ PHP e Her BENE PUSHSTERIE ERE BAPE {aE WERE Uspended By. anne) the President of the >=public. More specifically, the question is answered whether the right not to be totally or partially deprived of liberty (involved in the issues of compulsory confinement and detention) is, among us, an absolute right or can be subject to weighting judgments. Finally, doubts regarding possible organic and formal unconstitutionalities regarding the performance of the President of the Republic and the Government during the crisis are considered. Keywords: Constitution; state of emergency; fundamental rights; restriction of fundamental rights; suspension of fundamental rights, Summary: 1, The constitutionalization of fundamental rights under the rule of law and their applicability in times of crisis; 2. What is the legal advantage or need of the state of emergency for the imposition of containment measures? 3. Suspension and restriction of fundamental rights in a state of emergency; 4. What are the fundamental rights involved and what fundamental right is specifically at stake in the imposition of hospitalization and home confinement? 4.1. Compulsively interning or keeping someone confined in a closed space against their will is a deprivation of freedom, it is not a restriction on the right to. travel to any part of the national territory; 5. Is the right to freedom in Article 27 an absolute right or a right subject to yield based on weighting? 6. Competence and form issues; 6.1. Could the President of the Republic suspend rights by leaving the decision on the specific terms of the restrictions to the competent authorities? 6.2. Could the Government restrict the right to personal liberty enshrined in Article 27 of the Constitution and could it approve severe restrictions on liberties through a simple decree? 6.2.1. The competitive effects of the suspension or non-suspension of a fundamental right ina state of emergency; 6.2.2. Even having its own legislative competence, could the Government have restricted by simple decree, by regulation? 6.3. Restrictions and restrictive interventions to fundamental rights, ina situation of constitutional normality, approved by the Government. 1. A constitucionalizagao dos direitos fundamentais em Estado de Direito e a sua aplicabilidade em tempos de crise Quando se constitucionaliza uma garantia juridica na qualidade de direito fundamental, tal significa um reforco de proteccio e, sobretudo, atenta a funcao da Constituigao de Estado de Direito, tem como principal consequéncia privar o poder politico democratico da disponibilidade sobre tal garantia. A partir da sua constitucionalizagao como direito fundamental, a ditima palavra sobre a respectiva prevaléncia ou cedéncia numa dada a Poss situaco concreta deixa de ser da maioria democratica, incluindo do legislador parlamenta ; para passar a ser do poder judicial e, em tltima andlise, do juiz constitucion: Sendo estes os efeitos tipicos da jusfundamentalizagao na situagao de normalidade constitucional, interessa-nos aqui especialmente saber se esses efeitos se mantém, ¢ com que alcance, na situacdo extrema de estado de excecio constitucional ou nas situaces mais frequentes de crise (de natureza politica, social, econémica, financeira) e, como no caso presente, em situacao de catastrofe ou de calamidade sanitaria. (vWv'ddsvithityue recorrentemente se suscita, € que, entre nds, foi intensamente discutida na crise financeira de ha alguns anos, é a de sat er se * f »ssivel ou se é adequado presandekime) dominar e superar e“ivaz.onte 5 feitor de uma rise grave com integral observancia dos principios e dos di ei’ osc wntit 1cic ne is, Da nossa parte Ha'"4, RAR ft HtathUs Bel po SBeVI Mo, ECE fa OTA HT Acura da CESS, financeira! 7nla05h.'#_t5)) € também nessas épocas de maior pressio social e politi : sobre os direitos fundamentais que eles proporcionam uma maior valia, ja que é nessas situagées que uma maior propensio para o abuso por parte dos poderes piblicos beneficia da condescendéncia ou até do apoio militante das maiorias e das forcas sociais dominantes. Se os direitos fundamentais sio sempre trunfos contra a maioria, é nos contextos de maior pressio que aquela sua natureza se revela com plena propriedade, desde que haja ai um poder judicial independente e a justiga constitucional se afirme 4 altura das fung6es para que foi instituida. Essa afirmagio de principio nao dissipa, todavia, as dividas sobre os constrangimentos que a observancia dos direitos fundamentais projecta sobre uma acgio politica que se pretenda capaz de desempenhar, nessas situacées de maior urgéncia, fungdes bem mais exigentes e agressivas do que as que normalmente assume. Nesses contextos, sera a preservacao das garantias constitucionais, designadamente dos direitos fundamentais, compativel com 0 imperativo da maxima eficdcia da acco politica e administrativa? A colocagio da divida nestes termos revela, no entanto, uma incompreensao de base sobre a natureza normativa dos direitos fundamentais que, sendo posigdes juridicas fortes, verdadeiros trunfos, sao também, por contraditério que pareca, garantias juridicas que, quando consideradas como um todo, estao afetadas por uma reserva gerai imanente de ponderacao, ou seja, so susceptiveis de cedéncia perante outros direitos ou outros bens igualmente dignos de protecgdo juridica e que, nas circunstncias concretas, apresentem um maior peso. Ou seja, o legislador constituinte jusfundamentalizou uma garantia juridica, fez dela uma reserva juridica forte, um trunfo contra a maioria politica, mas admitiu que ela possa ceder nas circunstancias de um caso concreto, nao por forga da vontade da maioria, mas porque hA outros bens igualmente dignos de protecao juridica que podem apresentar, na situagao concreta, uma maior preméncia de realizacao. A quem cabe decidir sobre a respectiva prevaléncia? Em iltima andlise, ao poder judicial independente e a justiga constitucional. Significa isso que se, numa situagdo de crise, surgem necessidades absolutamente inadiaveis que obrigam, numa sociedade democratica, a uma compressao mais intensa das liberdades ou do bem-estar, tal nao constitui dificuldade insuperavel e muito menos inesperada. Todos 0s direitos fundamentais, considerados como um todo, foram jé constitucionalmente consagrados nesse pressuposto, ou seja, admitindo estruturalmente a possibilidade de serem limitados ou restringidos, de poderem ver o seu contetido comprimido e as possibilidades de acesso individual aos bens jusfundamentalmente protegidos desvantajosamente afetadas. Ora, se isso é susceptivel de ocorrer em normalidade constitucional, as possibilidades juridicas de cedéncia so naturalmente reconhecidas e até potenciadas em situacao de crise, Logo, a suposta dificuldade ou até a impossibilidade de actuar eficazmente durante uma crise com respeito dos direitos e garantias constitucionais —que durante a crise financ 2) foi sistematicamente alegada e levou a sugestées de aplicacdo de um Direito especial ou, WN 05" noutra proposta convergente, a proclamagao precipitada da suspensao automatica da Constituicao ou de parte dela enquanto durasse a crise— é, pura e simplesmente, destituida de sentido e de fundamento. Contudo, independentemente do reconhecimento da limitabilidade geral dos direitos fundamentais, ha que ter em conta duas condicionantes que, a ndo serem consideradas, conduzem a uma compreensio distorcida, mas frequente, da natureza e da relevancia constitucional dos direitos fundamentais em Estado de Direito. (vfofnopHimiviro lugar, independentemente de estar justiticada, qualquer restrico ou qualquer intervencio restritiva num direito funde.ner tal, er 1 s'tuagao de normalidade ou 1205 nimi#) situagio de crise, tev. sem,.re d chservar 0: prim ip'os constitucionais estruturantes de Estado de Direito 0” cha ni do lir it»s¢ 05 lim tess direitus fundamentais. Se em situagdo de noseaic mensum.asie Potaulprins; pveonEsolajuaiein|perrales proporcionado que formam os der.‘s wus uuveivs fundamentais, ern situacao de crise a sua preseriti'fiez="™ se ainda mais premente. Em segundo lugar, ha que ter em conta a natureza especial da garantia constitucional que esteja em causa, £ que se aquela reserva geral imanente de ponderagio afecta os direitos fundamentais considerados na sua globalidade, como um todo, ha algumas garantias a que a propria Constituicao atribui uma forca normativa de natureza absoluta, definitiva, irrestringivel; hd direitos que o legislador constituinte retirou, desde logo, da possibilidade de posterior ponderacao e eventual cedéncia. A Constituigao diz, no n.° 1 do artigo 24.°, que a “vida humana é inviokivel’, mas sabemos que até o direito a vida pode ser limitado, pode ter de ceder nas circunstancias de um caso concreto. No entanto, a Constituicao diz, no n.° 2 do mesmo artigo, que “em caso algum haverd pena de morte” e essa garantia jusfundamental especial jé € definitiva, absoluta, ndo esta sujeita a qualquer ponderacao de caso concreto, seja em situagio de normalidade seja em situagio de crise. De onde deduzimos a existéncia dessa diferenca? Da interpretagao Juridica dos respetivos enunciados feita de acordo com os canones da interpretacao constitucional. No mesmo sentido, 0 n.° 1 do artigo 25.°, dispde que a “integridade moral e fisica das pessoas ¢ inviolavel’, mas admitiriamos, por exemplo, a vacinacao obrigatoria em determinadas circunstancias. J4 0 mesmo artigo, no n.° 2, proibe a tortura € os tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos, e essa garantia ja nao fica sujeita a qualquer ponderagao de caso concreto, em estado de normalidade ou em situagao de catastrofe; 0 direito de cada um a nao ser torturado em caso algum cede ou pode ceder. A Constituigao garante, no n.° 1 do artigo 62.°, o direito a propriedade privada, mas esse direito pode ser limitado, restringido. No entanto, no n.° 2 do mesmo artigo, a Constituigao estabelece que a expropriagao 86 possa ser feita com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnizagao e, por maior que seja a crise financeira, esta garantia ou este direito fundamental de nao ser expropriado a nao ser com justa indemnizagio é definitivo, absoluto, nunca cede? 71a05.html#_fen2) Veremos, a seguir, porqué esta distincao ¢ decisiva, mas, desde logo, ha uma duvida pertinente que pode e deve ser suscitada. £ que se ha pouco partimos da ideia de que a emergéncia de uma crise grave no coloca os decisores politicos perante o dilema de combater a crise ou respeitar a Constituicao e os direitos fundamentais —e nao coloca Porque, como se salientou, os direitos fundamentais podem ser limitados na estrita medida do necessario para proteger outros bens igualmente dignos de protecio-, pois aqui teriamos o tipo de situagdo em que o dilema nao seria superavel. Isto é, quando os decisores politicos sao constrangidos, num ambiente de crise extrema, pela existéncia de garantias constitucionais inderrogaveis, por mais que as necessidades de combate A crise o exigissem essas garantias nao poderiam ser atenuadas. rr assim. De facto, quando estamos a 7 E verdade que para algumas del perante conquistas civilizacionais ou exigéncias ineliminaveis da dignidade da pessoa humana que conferem identidade ao nosso Estado de Direito —como a proibicao da pena de morte ou a proibicao de tortura—, a tnica conclusao admissivel é a de que toda a ac politica e administrativa sé é legitima quando simultaneamente as observa e respeita na sua integralidade. Qualquer ac¢ao contraria seria, pura e simplesmente, inconstitucional. Diferente ja sera, no entanto, a situagao mais comum de escolhas constitucionais que, na altura em que foram feitas pelo legislador constituinte, foram por ele dotadas da forga de garantias absolutas, definitivas, ilimitaveis, mas que, com a passagem dos anos € 0 teste da realidade, se vém a revelar excessivas ou demasiado rigidas. (iNtaseeNtitimo caso, a solugao dbvia, em Estado de Direito com Constituigdo formal rigida, é a da revisio constitucional que adapte 2 nor na co 1st‘tucional as exigéncias da rgalidadémia Entre nés, deveria s. esta, Dor °xemplo, va par: svperar o risco para a seguranga nacional que deriv .d. ga: wnia ibst lu acor star te dir °-4 doa tigo 34.°, da Constituigao, relativa & proibiedaue YRUDESS( uct: Cede osb|26 (. poriadagyUtaEigadesspublioas® (77o1205.btl 1193) Jy.o5, per sisve win problema: € se nao se fizer atempadamente a correspondente e necessaria revisao constitucional? Estardo os decisores politicos totalmente manietados numa situagio de catstrofe? index nt) ‘Também ai, em tltima andlise, ndo. A Constituicao prevé, para as situagdes extremas, uma saida excepcional, precisamente, a possibilidade de declaraco do estado de excepgao constitucional, o estado de sitio ou 0 estado de emergéncia, onde até mesmo as garantias constitucionais inderrogiveis ¢ absolutas possam ser suspensas, desde que com isso nao se ponha em causa a identidade civilizacional do Estado de Direito e a dignidade da pessoa humana, Veremos, a seguir, em que medida estas considers contexto. ;bes sdo relevantes no presente 2. Qual a vantagem ou necessidade juridica do estado de emergéncia para a imposicao das medidas de confinamento? Entre nés, as diividas de natureza juridica sobre as possibilidades de limitaco da liberdade individual no contexto do combate a epidemia afloraram quando, no inicio de Fevereiro de 2020, chegou um grupo de portugueses repatriados de Wuhan, China, e se colocou 0 problema da sua sujeigdo a uma quarentena. Nao chegou, porém, a surgir uma verdadeira dificuldade porque todos os repatriados aceitaram voluntariamente o periodo de confinamento hospitalar que lhes foi proposto# (71805.htmli4_find) Ressurgiram, mais tarde, quando, jé apés a imposicao, entre outras, de medidas de contencio e isolamento social no acesso a estabelecimentos e a espacos ptblicos® (mm1205.ht»I# 15), 6 Governo manifestava incomodo perante repetidas alusdes a uma suposta intengio de o Presidente da Repiblica decretar o estado de emergéncia. Segundo 0 Governo, tal seria desnecessdrio porque, por um lado, os portugueses estavam a acatar voluntariamente as recomendagées de confinamento e, em segundo lugar, estando supostamente em causa 0 direito de deslocagio € podendo este ser limitado ao abrigo das leis em vigor, a declaragao do estado de emergéncia introduziria, sem qualquer vantagem, um factor desnecessario de dramatismo. Finalmente, apés as criticas formuladas a propésito do decreto presidencial de declara do estado de emergéncia e respectiva execugao pelo Governo, as duvidas generalizaram-se quando, no inicio de Maio, apés o fim do estado de emergéncia decretado pelo Presidente da Repiblica e a declaragao, por parte do Governo, da situagao de calamidade, se percebeu que, afinal, a maior parte das limitagGes aos direitos fundamentais que provinham do estado de emergéncia prosseguiam indiferentemente em vigor ou eram renovadas pelo Governo como se o enquadramento e as possibilidades juridicas de restricao dos direitos fundamentais fossem idénticas nas duas situagGes, estado de emergéncia e situacao de calamidade® @7nla05 himldt_ttn6), Ora, a primeira vista, aquelas reservas a necessidade de declaragio do estado de A. emergéncia manifestadas originariamente pelo Governo parecem ter razo de ser. Nao apenas o legislador democraticamente legitimado pode, em geral, mesmo em situagao de plena normalidade, limitar os direitos fundamentais, restringindo as possibilidades do seu exercicio, desde que tal seja necessario para proteger outros bens igualmente dignos e carentes de protecgio, como, no presente contexto, era até desnecessrio aprovar leis novas, uma vez que as normas em vigor ja habilitavam as autoridades publicas da saude e da protec¢io civil a tomar medidas de emergéncia destinadas a proteger os bens vida, integridade fisica e saiide publica. (iedettao, a Lei n.° 81/2009, de 21 de Agosto, que institui um sistema de vigilincia em satide publica, habilita 0 membro do Gor err: » res 9n savel pela érea a “tomar medidasgleni excepgao indispens* .e1s en care de emergi ncia én eatide prislica, incluindo a restrigéo, a suspensio ou 0 ene” .amvn.9 C2 a ti ide Te sot a se; a. a¢a0 de pessoas que nao estejam doentes, meiosedeyta, seyperteucorna coceelouties que keiaheny Sclaexpastasadenforma a evitar a eventual dissemil.2¢au ua uifeccao ou contaminagao” (artigo 17.°, n.° 1)? W7m205.bemlgh Len nt) No mesmo sentido, a lei de bases da protecgio civil, a Lei n.° 27/2006, de 3 de Julho, prevé a possibilidade, que se verificou, de facto, de ser declarada a situagio de calamidade através de uma resolugao do Conselho de Ministros (artigo 8.°, n.° 1, alinea c), ¢ artigo 19.°), que pode estabelecer (artigo 21.°, n.° 2): “a) A mobilizagio civil de pessoas, por periodos de tempo determinados; b) A fixacao, por razées de seguranca dos proprios ou das operagées, de limites ou condicionamentos & circulagao ou permanéncia de pessoas, outros seres vivos ou veiculos; c) A fixagao de cercas sanitarias e de seguranga; d) A racionalizacao da utilizagao dos servicos piblicos de transportes, comunicagoes e abastecimento de égua e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade’. Logo, ¢ a nao ser que se considerassem todas estas normas ¢ leis restritiv: inconstitucionais —o que nao seria razodvel, ja que toda a ordem juridica de Estado de Direito pode e deve prever as possibilidades de resposta eficiente das autoridades publicas quando colocadas perante situagGes de catastrofe natural ou de calamidade sanitéria ou epidemiolégica—, pode-se dizer que tanto a liberdade de circulagdo como boa parte dos direitos que foram suspensos durante o estado de emergéncia podiam ter sido restringidos ou afectados, como foram ¢ como continuam a ser, sem necessidade de recurso declarago de um estado de excepgio constitucional por parte do Presidente da Repablica. Questo diferente é saber se foram e tém sido ou nao respeitadas as normas e reservas constitucionais de competéncia, o que se fara posteriormente. Mais, mesmo os outros direitos que vieram a ser igualmente limitados na situacao de excepgao constitucional, ¢ cuja possibilidade de afectacio nao estava prevista nas leis em vigor, como os direitos dos trabalhadores, os direitos de manifestagao e de reuniao, a liberdade de culto, o direito 4 liberdade pessoal ou 0 direito ao desenvolvimento da personalidade, também eles podiam ter sido legalmente restringidos se fosse essa a decisao do legislador parlamentar. Ora, se a Assembleia da Republica autorizou 0 Presidente da Repiiblica a declarar o estado de emergéncia nos termos em que o fez, nao se vé como nao houvesse possibilidade de formar a mesma maioria parlamentar para aprovar normas legais de idéntico contettdo, Reforca-se, assim, a divida sobre as supostas necessidade ou vantagem juridicas de, pela primeira vez. na historia da Constituigao de 1976, se ter declarado o estado de emergéncia quando, aparentemente, nada acrescentou ao que era possivel fazer em situacao de normalidade constitucional, No entanto, ¢ ao contrario do que pode ter sido sugerido pelo que dissemos até agora, a declaragio do estado de emergéncia era necessaria. A partir do momento em que, num contexto de combate 4 epidemia, se pretende —ou, pelo menos, se admite essa possibilidade— decretar o internamento hospitalar compulsivo de doentes ¢ infectados oy se pretende determinar a obrigatoriedade de confinamento domiciliario a todas as a pessoas, seria necessario, & luz da nossa Constituicdo, declarar previamente 0 estado de (Noss emergéncia e suspender especificamente o direito fundamental que, em estado de normalidade, nao 0 permite. O problema € que esse, como vamos demonstrar a seguir, nao foi suspens Comegaremos (ponto 3.) por fazer algumas consideracdes preliminares sobre distingdes conceptuais com que vamos lidar —suspensio e restricao de direitos fundamentais— apés © que (pontos 4. ¢ 5.) procuraremos esclarecer as duas questdes fundamentais seguintes. (Prinieirapqual o direito fundamental que é especificamente posto em causa quando os poderes piblicos pretendem internar cemp: Isivar ie: te um doente ou um infectadpgi@nini) estabelecimento de “atiae ou quando nreter tem con‘inar a0 seu domicilio (ou a um quarto de hotel ou outro « sp .co « ir) | €85 1a ql € 0 +8 dc d ventes r 2m estio infectadas? Mais concretamenta;sagi noua crs citanchasaayioongiia edixagioe mequalguenparte do territério nacional, ~omu uecrevwu o Presidente da Republica’ ("7"!0>-himl#_ft8), oy @yeien-™ causa 0 direito a nao se1 total ou parcialmente privado da liberdade? Segunda, concluindo, como parece de elementar evidéncia, que esta em causa o direito a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade, suscita-se uma outra questo: a de saber se este direito pode ser restringido fora das circunstdncias taxativamente enumeradas no artigo 27.°, n.°* 2 e 3, Esta ultima questao remete para o tema principal anteriormente tratado, o de saber se era ou nao necessario ter decretado o estado de emergéncia. f que, se concluirmos, como vamos fazer, que nao é constitucionalmente possivel restringir esse direito a nao ser nas circunstancias expressamente enumeradas naquele artigo, a tinica solucao juridicamente possivel para se poder determinar o internamento compulsivo e o confinamento obrigatério seria através da prévia suspensio desse direito através da declaracao do estado de emergéncia. Simplesmente, o Presidente da Repiiblica decretou o estado de emergéncia, é certo, mas, surpreendente e inexplicavelmente, nao suspendeu esse direito, 0 que tornou aquela declaragao juridicamente inatil e, simultaneamente, provocou a inconstitucionalidade das consequentes imposigées de confinamento que o Governo veio a impor. Por iitimo, no ponto 6. consideraremos as especiais questdes de competéncia que se suscitam em estado de emergéncia (bem como na situacao de calamidade) e as eventuais inconstitucionalidades organicas ai verificadas, 3, Suspensio e restrico de direitos fundamentais em estado de emergéncia Em situagao de normalidade constitucional, quando se trata de enquadrar juridicamente 0 problema das afectacdes desvantajosas do contetido dos direitos fundamentais, lidamos com restrigdes, incluindo ai, quando se trate de afectagdes pontuais e concretas que nao alteram a norma de direito fundamental, a figura das intervengées restritivas? (vinia05.ntmls_ftn9) Logo, na presente situagdo de calamidade, é a teoria das restrigdes a direitos fundamentais que devemos apelar, seja na perspectiva material seja na competencial, mesmo quando se trate de afectacées que, tendo sido iniciadas em estado de emergéncia, foram continuadas no periodo seguinte. Jé na situacao de estado de excep¢do, como foi a vivida de 18 de Margo a 2 de Maio de 2020, as restrigdes na altura impostas aos direitos fundamentais tem de ser dogmaticamente relacionadas com 0 Instituto da suspensao de direitos operada através dos sucessivos decretos presidenciais Jo e de renovacao do estado de emergéncia. No plano da teoria dos direitos fundamentais, haveria uma distincdo qualitativa entre restrigdo e suspensao de exercicio de direitos fundamentais que poderia ser apurada, desde logo, num plano conceptual: restrigo constituiria uma afectacdo permanente do contetido do direito fundamental (determinada por lei restritiva) e suspensio, determinada pelo decreto presidencial de declaragao do estado de sitio ou de emergéncia, seria a impossibilidade de exercer o direito fundamental por um periodo estritamente delimitad no tempo! (inia05.htmi#_ftnt0), 1 Porém, nao apenas uma suspensio é sempre, de igual modo, uma afectagio desvantajosa das possibilidades individuais de acesso a um bem jusfundamentalmente protegido e, logo, uma modalidade de restricao de direitos fundamentais em sentido lato, como, no caso particular da crise que vivemos, a convergéncia pratica das duas figuras foi, como veremos, quase total! 7nla0s html fit, Nesta crise, dado 0 prolongamento da duraco do estado de emergéncia —A partida, com renovacao assegurada com a anuéncia da Assembleia da Republica—, aquilo que acabamos por ter durante esse periodo foi verdadeiramente restrigées a direitos fundamentais (“iopesecttata coberto da habilitagao conferida pelo decreto presidencial de declaragao do estado de emergéncia. Ou seja, relativar.ent +a to’0 :m conjunto de direitos (7ntaos:nimi#) fundamentais, verifiraram se afactacSes nai clare s desvantaioras do seu contetido (e nao pura e simplesmer ve 1 su, r€383 9 ded rei:o) dur ar te ar_periad », € certo, limitado, mas, Teste caso, prokasyfay owoasegud Hein COPY HANEY MAO SR- 1 leve nt entre uma autorizagio constitucionaPesgpes "Perr se PUMPER Ee HRRMNEMZ cM USENAY le autgriza a posterior restri¢do: « aue a primeira ndo est4, por natureza, sujeita a controlo de “ constitucionalidade, dado que, ndo havendo normas constitucionais inconstitucionais, as normas da Constituigao que autorizam as restrigdes sao insusceptiveis de controlo. J4 0 decreto presidencial que declara o estado de emergéncia e suspende direitos fundamentais, apresentando um claro caracter normativo e sendo um acto de um poder constituido, esta, pelo menos em teoria, sujeito a controlo de constitucionalidade e podemos, relativamente ao contetido, falar em eventuais inconstitucionalidades nele contidas, nt) Diga-se, porém que, num quadro de grande pressdo ¢ dada a extrema relevancia dos motivos que fundamentam a suspensio —a imprescindivel proteccao da satide, da integridade e da vida—, a possibilidade de um controlo material do decreto presidencial € uma hipétese muito remota, pelo que, na pratica, as restrigdes ficam autorizadas e a sua justificagio é dada como resolvida pela simples existéncia da habilitago conferida pelo Presidente da Repitblica. Hé, em segundo lugar, entre as restrigdes expressamente autorizadas pela Constituicao € as restrigdes autorizadas pelo decreto presidencial, uma diferenca conceptual que se reflecte tendencialmente numa densidade de controlo mais atenuada das iiltimas no plano material e numa diferenca significativa no plano competencial. A raiz da diferenca est no facto de o instituto da suspensio determinar que, por todo 0 periodo em que ela vigore, o respectivo direito fundamental fique obnubilado, como que se apagando temporariamente, deixando a correspondente norma constitucional de proteccao de produzir efeitos juridicos na medida da extensio e do alcance da suspensao. Ou seja, é como se naquele periodo o direito fundamental deixasse de existir. No plano material, isto produz uma tendencial rarefacgao da densidade de controlo judicial das restrigdes ao acesso individual aos respectivos bens jusfundamentais, ja que esse acesso foi, entretanto, privado da protecgao especifica ¢ reforgada anteriormente proporcionada pelo direito fundamental suspenso. Se a isto se faz acrescer uma durago do periodo de suspensio relativamente limitada, na pratica as possibilidades de um controlo judicial efectivo da constitucionalidade destas restrigoes acabam por ser bem menores que as que se verificam em situagao de normalidade constitucional. Por sua vez, no plano competencial ha também uma diferenga significativa, de que trataremos desenvolvidamente no ponto 6., € que tem a ver com 0 facto de a suspensio do direito fundamental abrir um vazio na area da reserva de competéncia legislativa da Assembleia da Republica: se o direito fundamental deixa temporariamente de produzir efeitos juridicos, entdo o respectivo Ambito normativo deixa de constituir area de reserva parlamentar enquanto durar a suspensio, j4 que o correspondente “direito, liberdade e garantia” nao existe temporariamente enquanto tal. 4. Quais os direitos fundamentais envolvidos e que direito fundamental esta A... especificamente em causa nas imposigées de internamento hospitalar e de confinamento domiciliario? Para além de diferentes direitos constitucionais que sio potencialmente afectados quando, numa situacao de pandemia, se pretendem impor restrigdes ou impedimentos ao contacto social entre as pessoas, nas decisdes de confinamento ou de recolhimento obrigatérios esto directa e principalmente envolvidos, pelo menos, os seguintes direitos fundamentais: naturalmente, o direito 4 protecgio da saiide e o direito a vida, enquanto bens principais que se pretendem salvaguardar com as eventuais medidas restritivas, mas, no plano dos (viireRomique, do ponto de vista dos seus titulares, séo directa e desvantajosamente afectados por aquelas medidas esto sobret: do er: c .usa 0 direito a liberdade peasnals ime) direito de deslocag3~ e au.a, embora a titu > sub: id¥rie, 9 direito ao desenvolvimento da personalidade, No entanto, A2ee?2%6;SeRMPe Hea dt SHED IRE CRAB TGREETATHENT, ae declaragao do estad.. le emergéncia nao se pode bastar com uma remissao genérica para esse conjunto de direitos fundamentais. Ao invés, compreende-se a prudéncia do legislador quando impée que, naquela declaracao, o Presidente da Repiiblica inclua, “clara ¢ expressamente’, a “especificacao dos direitos, liberdades e garantias cujo exercicio fica suspenso ou restringido”® Winla0s.himl#t_ftnl2), De resto, essa especificacao ja seria constitucionalmente imposta pelo principio da proporcionalidade (artigo 19°, n.° 4, da Constituigao), ja que uma suspensao ou uma restri¢ao nao clara e expressamente especificadas nao satisfariam as exigéncias do principio da proibicao do excesso (indispensabilidade). nt) Naturalmente, para além da necessidade de observancia daquelas exigéncias, a especificagao dos direitos suspensos tem a maior relevancia juridica, pois, se um direito nao est suspenso, entdo, mesmo que nos encontremos em estado de excepgao constitucional, o Governo nao pode legislar sobre a matéria, nao pode impor aos respectivos titulares medidas restritivas que nao sejam comportadas pela Constituigao e pelas leis em vigor e eventual nao acatamento dessas eventuais medidas restritivas pelos seus supostos destinatarios nao configura o crime de desobediéncia. Assim, se 0 direito fundamental a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade, garantido especificamente no artigo 27. n.°* 2 ¢ 3, da Constituicao, nao foi suspenso durante o estado de emergénci > mantém-se plenamente em vigor todas as suas virtualidades juridicas tal qual como acontece em normalidade constitucional. Podemos divergir sobre 0 contetido preciso dessas virtualidades — problema que analisaremos no ponto seguinte e que constitui uma outra discussdo—, mas aquela conclusao seria aparentemente pacifica, nao fora o facto de terem irrompido na declaragao do estado de emergéncia e na sua renovagio dois factos surpreendentes. Primeiro, o Presidente da Repiiblica, diz.no primeiro decreto de declaracao do estado de emergéncia, de 18 de Margo" (7nla0s-html#_ttnI3), que “podem ser impostas pelas autoridades publicas competentes as restrigdes necessarias para reduzir o risco de contagio ¢ executar as medidas de prevencao e combate 4 epidemia, incluindo o confinamento compulsive no domicilio ou em estabelecimento de satide” (sublinhados nossos). Porém, e ai a surpresa, integra expressamente essas possiveis medidas restritivas no ambito da tinica suspensao — considerando os trés direitos fundamentais atrés mencionados— a que procedeu: a do “direito de deslocagao e fixacdo em qualquer parte do territério nacional” (artigo 44.° da Constituicdo). Portanto, mantendo-se plenamente em vigor, por nao ter sido suspenso, 0 direito a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade a nao ser em circunstancias expressamente enumeradas (artigo 27., n.°* 2 e 3), toda e qualquer posterior imposicao de internamento hospitalar compulsivo ou de confinamento domicilidrio obrigatério seria constitucionalmente sindicavel tomando essas garantias como parametro e, desde logo, nao poderia sequer o Governo legislar sobre tal matéria, uma vez que nao dispunha da correspondente autorizacio legislativa. Em segundo lugar, nas consequentes renovacdes do estado de emergéncia, o Presidente Republica manteve aquele erro em toda a sua extensio, ou seja, manteve plenamente intocadas as garantias consagradas no artigo 27.°, n.°* 2 e 3, ao mesmo tempo que autorizava as autoridades publicas competentes, como se isso lhe fosse possivel, a impor 0 confinamento hospitalar ou domicilidrio compulsivos"# #7!205himl4_fn!9) a9 abrigo da suspensio do “direito de deslocacao e fixagao em qualquer parte do territério nacional" (vnla03 hems ten). Ou seja, se alguém esta doente ou infectado, eventualmente no seu domicilio, e recusa ir para estabelecimento hospitalar ou para outro estabelecimento determinado pelas autoridades de satide, segundo o Presidente da Republica e os juristas que Ihe Viniatitesttiram apoio! 67Hl05-hul#_t16) 6 direito fundamental subjacente ao conflito é 0 direito de deslocagao e fixag’o em qualruer parte Je territério nacional. Por issqvi4565 nine) permitir o internam io ucspit*lar compuls vo fo esse direits fundamental que foi especificamente st sp ens vc lo Pres id int» 1 Re pi bl ce Notéve Perante tamarheen nro He iAH eh SPARE ARSE questip, com, vista ao seu cabal es.'srecimento, nao obstante a explicaciio se tornar quase ~ confrangedora (sendo este quase uma figura de estilo). nt) 4,1. Internar compulsivamente ou manter alguém confinado em espago fechado contra a sua vontade é uma privagio da liberdade, nao é uma restrigio ao direito de deslocagao para qualquer parte do territério nacional Com base numa referéncia do Presidente da Republica, no Ambito da suspensio do “direito de deslocagao e fixagao em qualquer parte do territério nacionaf, a possibilidade de poder ser imposto pelas “autoridades ptiblicas competentes’ o “confinamento compulsive no domicilio, em estabelecimento de satide ou noutro local definido pelas autoridades competentes’, o Governo determinou a seguir, por decreto simples! (“7!205.huml#t_ftnt7), (i) confinamento compulsivo, em estabelecimento hospitalar ou no domicilio, dos doentes covid, dos infectados e de pessoas sujeitas pelas autoridades e profissionais de saiide a vigilancia; (ii) confinamento compulsivo domiciliario 4 generalidade das pessoas, com excepgdes diferenciadas para maiores ou para menores de 70 anos. Tratar-se-ia, entdo, de saber se o que est aqui em causa é 0 direito liberdade pessoal na sua dimensio especifica de direito a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade ou se, como pretende o Presidente da Repiiblica ¢ os juristas que o secundaram, é 0 direito de deslocacao e fixacdo em qualquer parte do territério nacional. Para o esclarecimento desta divida, bastaria fazer uma interpretacao simples dos enunciados normativos em causa (artigo 27.° ¢ artigo 44.° da Constituicao), quando muito, complementada pela leitura das duas Constituigdes anotadas de referéncia e das decisdes do Tribunal Constitucional que para elas remetem numa jurisprudéncia constante. $6 isso seria plenamente suficiente para se aquilatar da gravidade do erro. De facto e de direito, se eu estou em casa e me impdem um internamento hospitalar compulsivo, em nada tal afecta o meu direito de deslocagao e fixagao em qualquer parte do territério nacional nem tem sequer algo a ver com esse direito. S40 coisas completamente distintas. © que esta em causa, para além do direito a0 desenvolvimento da personalidade"® (vinla0S.html#_Ttnl8) @ neste contexto, o meu direito a liberdade e, especificamente, o meu direito a nao ser total ou parcialmente privado de liberdade. Se estou na rua e me impoem © confinamento domiciliario obrigatério, ainda que com excepcGes especialmente enumeradas, nao ¢ 0 direito de deslocacao para qualquer parte do territério nacional, mas a garantia de nao ser privado parcialmente da minha liberdade que esta a ser afectada Ha, evidentemente, alguns pontos de contacto ou de intersec¢ao ou concorréncia entre direitos fundamentais, como acontece sempre nas situagdes mais complexas, mas 0 problema que nos ocupa é concretamente o de determinar se ha ou nao, na Constituigo portuguesa, direito fundamental especifico que proteja a liberdade e a autonomia individual naquelas circunstancias, até porque a observancia do principio constitucional a, proporcionalidade ¢ a propria lei do estado de sitio e do estado de emergéncia impoem que o Presidente da Republica diga clara e expressamente qual ou quais os especificos direitos fundamentais que sio suspensos. Se, para além do direito ao desenvolvimento da personalidade, a Constituigo tem um direito A liberdade (artigo 27.°), onde se inclui um especifico direito a nao ser total ou parcialmente privado de liberdade a nao ser em circunstancias expressamente clencadas (artigo 27°, n.° 2 e 3), parece ébvio que, havendo um outro direito especifico consagrado (vingeaRtigin4.°, o direito de deslocagao € fixagéo em qualquer parte do territério nacional, cles devem ter Ambitos normativos diferent’s e e: xe ais cuja delimitagao cabe a¢inia0s nimié) intérprete apurar. Oespecifico direit )z nao ei toval vu par tie .me at » p iv do ca! herdade (artigo 27.°, n.° 2), no contexto deer: BPA NM BE ade pes a REO Sper HAREPATMENte a ¥CT os aaneny com 0 direito a no »>r coagido a ficar confinado, total ou parcialmente, num espago fechado, reduzido e estritamente delimitado, tem a ver com a liberdade de ire vir, de nao ficar detido, confinado ou aprisionado. Foi e é também este o entendimento constante do Tribunal Constitucional. Veja-se, assim, a seguinte transcricao do Acérdao n.°. 463/2016 do Tribunal Constitucional: “O artigo 27.° da Constituicdo, sob a epigrafe «Direito a liberdade e a seguranca», estabelece no n.” que «{jodos tém direito a liberdade e 4 seguranca>. O que estd aqui em causa é 0 direito 4 sem constrangimentos. Tutela-se aqui, conforme tem sido consensualmente reconhecido, um aspeto parcelar e especifico das diversas dimensdes em que se manifesta a liberdade humana, o direito a liberdade fisica, entendida «como liberdade de movimentos corpéreos, de ‘ir e vir’ a liberdade ambulatoria ou de locomogao» (clr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituigao Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.* Edi¢ao, Coimbra Editora, 2010, p. 638) ou como «direito de nao ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaco, ou impedido de se movimentar> (cfr. 1. . Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituicdo da Republica Portuguesa Anotada, Vol. 1, 4.* Edigao, Coimbra Editora, 2007, p. 478). E este também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os acordios n° 479/94, 663/98, 471/2001, 71/2010, 181/2010 e 54/2012).” quando no enunciado do artigo 44.° se diz que “a todos os cidadaos ¢ garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do territério nacional” (n.° 1) e que a todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do territério nacional ¢ o direito de regressar (n.° 2), parece obvio que a dimensio relevante do programa normativo deste direito ja o da liberdade de deslocagao e de fixacao, de emigracao e de regresso, com relacao ao dominio territorial do Estado portugués ou as diferentes partes do territério nacional. Essa liberdade de movimentacao territorial, entre s diferentes partes do territério nacional ou, quanto a liberdade de emigrar e de regressar, relativamente a todo o territério, vem expressamente realgada no enunciado normativo, Naturalmente, como todos os direitos fundamentais quando considerados como um todo, tanto o direito a liberdade pessoal como 0 direito de deslocagio e fixacao em qualquer parte do territério nacional tém limites e, desde logo nos projectos de Constituigao apresentados na Assembleia Constituinte, sobretudo nos que previam a existéncia dos dois direitos fundamentais —casos do PS e do PCP-, eles eram ja considerados de uma forma que esclarecia as diferengas que passaram a vigorar quando foram distintamente acolhidos no texto constitucional, Assim, 0 projecto de Constituicao do Partido Socialista!® #71405.hml#_f19) continha, precisamente, o direito de todos “A liberdade e A seguranca”, exactamente na formulagao que veio a ser acolhida pela Constituicao no artigo 27. e, nas excepcdes expressamente a su consagradas a esse direito, para além da prisio decretada por sentenca judicial condenatéria, previa-se ja, entre outras, a detengio de “pessoa susceptivel de propagar doenga contagiosa’ (juntamente, nas curiosas expressdes da época, com a detencao de “alienado, alcodlico, toxicmano, vadio ou equiparado’). Por sua vez, em outro artigo desse Projecto, que daria, por sua vez, origem ao actual artigo 44.°, garantia-se a todos “o direito de se deslocarem ¢ fixarem livremente em qualquer parte do territorio nacional, salvo os estabelecidos por lei, em razo de salubridade e de seguranca fisica’, (2NtoSeMPOdia ser mais claro € simples: pessoa com doenga contagiosa que fica confinada, respeita a liberdade pessoal do artigo 27°; ¢ ‘rca q 1e ‘mpede entrar ou sair de pagéedes nim) territorio por razde* ue saibridad, respeit i go d ceito de destncacao para qualquer parte do territério nacio 1a’, do . rt'go 44." © que impres Stine RRC) e RUHR hERR ENED ET rAHEREARLARA ments claras e perfeitamen:° estabelecidas na comunidade juridica portuguesa em 1975, foi preciso esperar até 2020 para que um Presidente da Repiblica, professor de Direito, alguns juristas que o secundaram viessem confundir tudo com consequéncias juridicamente desastrosas. nt) Portanto, quanto se pretendem impor as chamadas quarentenas territoriais ou cercas sanitérias, no sentido de delimitagao de reas do territério nacional de onde nao se pode sair ou onde ndo se pode entrar, estdo a ser proibidos movimentos de deslocagao territorial, isto é, somos remetidos para o direito de deslocagao para qualquer parte do territorio nacional. Nesse ponto, nao parece haver dificuldades de qualificacao: as proibicdes ou restricdes daqueles movimentos, embora afectem a liberdade pessoal, respeitam especificamente, de facto, ao direito de deslocacao e fixagao em qualquer parte do territério nacional (garantido no artigo 44.° da Constituigao) e ai nao se suscitam problemas porque esse direito foi sempre especificamente suspenso nos decretos presidenciais. Era o caso, por exemplo, da cerca sanitaria que foi imposta em Ovar: nao se podia entrar ou sair dos limites territoriais definidos, a nao ser por motivo especialmente previsto. Seria também —se a correspondente proposta dos Governos regionais nao tivesse sido recusada pelo Governo da repiblica— 0 caso da suspensio da realizaco de voos para 0s Acores e a Madeira. Em contrapartida, quando o Estado determina o internamento compulsivo ou o confinamento domicilidrio (eventualmente com excepgées taxativamente enumeradas), independentemente de se saber se 0 pode ou nao fazer, que é questo a abordar posteriormente, é claro que o direito fundamental directa e especificamente posto em causa é 0 direito fundamental 4 liberdade consagrado no art. 27.° no que respeita a garantia da nao privagio total ou parcial da liberdade especificamente consagrada nos n.°* 2 ¢ 3 daquele artigo. Nem se diga que o artigo 27.° respeita exclusivamente a matéria penal, pelo que nao estaria aqui em causa o direito a liberdade pessoal ali especificamente acolhido, mas, quando muito, o direito ao desenvolvimento da personalidade, entendido como liberdade geral de acco, acolhido no artigo 26.°, Por um lado, se bem que a dimensio penal seja dominante no programa normativo do artigo 27. ela fica bem longe de abranger o Ambito normativo do direito a liberdade pessoal. E nem mesmo quanto ao especifico direito a nao ser total ou parcialmente privado da liberdade a nao ser em consequéncia de sentenga judicial condenatéria (artigo 27.°, n.° 2 3), a dimensio penal esgota a natureza juridica dessa garantia, Desde logo, ali mesmo se admitem excepgées que nada tém a ver com dimensao penal, como as da sujeigo de menor a medidas de proteccao ¢ o internamento de portador de anomalia psiquica (alineas e)e h)do n.° 3). Se a excepcao do internamento de portador de doenga contagiosa ou 0 confinamento obrigatério em caso de epidemia nao foi prevista no texto constitucional, deve-se simplesmente 4 imprudéncia do legislador constituinte. Nao que faltassem como as que referimos, ou alertas para a omiss’o20 W7nla0shtmli#_fn20), R., Por outro lado, quanto ao direito ao desenvolvimento da personalidade, na sua acepgao mais generalizada como direito a liberdade geral de accdo, ele é um direito subsidiario que intervém somente quando nao ha um direito fundamental especifico a garantir 0 comportamento. Participar numa reuniao formal convocada para um espaco aberto, ao ar livre, é protegido especificamente pelo direito de reuniao do art. 45.°; logo, nao precisamos de invocar o direito ao desenvolvimento da personalidade para proteger a liberdade de reunio de eventuais agressdes. Nao ficar confinado num espaco fechado, num domicilio, num quarto de hotel, num estabelecimento de satide, de onde se est proibido de sair, é protegido pelo direito a liberdade do artigo 27.°, nao precisamos de invocar 0 artigo 26.° € (vw'aneeiverAo desenvolvimento da personalidade para o defender. Acresce que, historicamente, durante muito tempo, rio < quents pera no: mes ¢ 2 competéncia, tanto para o direito como um todo que at’ par gare atie $< sp: ci is. 2240 que, em q talquer situagao, é sempre Possivel invocasc6( "nea .AOKENA CONSkELei URE eRpOsH) IVa INAOUBERAEMA OU principio constituc. na: ue senudo potencialmente oposto, dastaria que os poderes «= constitufdos, para justificar a nao observancia de qualquer norma constitucional, alegassem o apoio dessa outra norma ou principio. Tudo se decidiria, a final, através dos juizos de ponderagio chamados a resolver os pretensos conflitos normativos. nt Assumidamente, essa doutrina nao reconhece ao poder constituinte a competéncia para fixar a natureza absoluta ou definitiva de que pretenda dotar uma determinada norma. E porqué seria assim? Porqué nao reconhecer ao legislador constituinte aquilo que, na sua generalidade, os juristas reconhecem ao legislador ordinario? Simplesmente, porque se parte, nessa doutrina, do postulado de que a derrotabilidade é uma propriedade de toda e qualquer norma juridica, incluindo de toda e qualquer norma constitucional. Porém, “em caso algum havera pena de morte” (artigo 24.°, n.° 1) foi prescrita pelo legislador constituinte para valer com caracter absoluto, a comunidade juridica, os tribunais, o Tribunal Constitucional, reconhecem-lhe essa natureza. Se 0 legislador ordinario aprovar norma que institua a pena de morte, essa lei ser inconstitucional. Hoje e sempre, mas, é assim para toda a gente? Nao, para a doutrina da derrotabilidade nao é assim: aquela norma nao é absoluta porque esta doutrina acredita que a derrotabilidade é uma propriedade das normas juridicas, sem excepgao. Entdo, o problema que aqui discutimos nao se colocaria sequer: o direito a nao ser total ou parcialmente privado de liberdade seria derrotavel na exacta medida em que toda ¢ qualquer norma constitucional também o 23 inla05 himit_fin25) Excluida liminarmente esta posigao doutrinaria, como sendo estruturalmente incompativel com a forca normativa atribuida a Constituigio formal de Estado de Direito, importa considerar os termos da consagracao constitucional daquele direito fundamental para avaliar da natureza, absoluta ou ponderavel, da garantia juridica em que ele se traduz. £ que, na generalidade das situacdes mais complexas, sera sempre necessario um esfor¢o de interpretacao para apurar da natureza absoluta ou relativa dos comandos que se retiram de um dado enunciado normativo. Um enunciado que consagra, aparentemente, uma imposigio absoluta, pode, por vezes, fazé-lo com recurso a conceitos de tal forma indeterminados que nao dispensem juizos complexos de interpretacao e de ponderacao na sua aplicagio concreta (eventualmente, seria 0 caso da justa indemnizagao do artigo 62.°, n.° 2), De outras vezes, um enunciado constitucional aparentemente absoluto é pura € simplesmente inaplicdvel, em termos facticos ou até mesmo juridicos, pelo que, se a inaplicabilidade for estrutural, tal enunciado se revela insusceptivel de vigorar como norma juridica (veja-se, como demonstramos, 0 caso paradigmatico do nosso artigo 18.°, n.° 2, primeira parte)? (“7nla05.html#_in26) portanto, se a interpretagdo dos enunciados normativos constitucionais nunca é despicienda, muito menos o seria aqui, dadas as duvidas levantadas, independentemente da clareza textual com que nos deparamos nos enunciados do artigo 27°. O direito 4 liberdade fisica ou 4 liberdade pessoal, considerado como um todo, ¢ limitavel como qualquer outro direito, Portanto, quando se considera o especifico direito consagrado no artigo 27.°, n.° 1, é também assim. A liberdade de ire vir, a liberdade fisica ambulatéria, a liberdade de locomocao, podem ser restringidas. De resto, a evidéncia de todos os dias comprova-lo-ia pacificamente: se um automobilista é obrigado a parar ao sinal vermelho, se 0 cumprimento de uma obrigacao legal obriga 4 presenca e permanéncia num determinado servico, isso significa que a liberdade fisica pode ser constrangida, limitada. E uma banalidade. 5H Mas, o artigo 27°, n.° 2, consagra uma outra garantia dirigida a proteger contra as restrigdes mais graves e extremas 4 liberdade, contra a “privacao total ou parcial da liberdade” e essa outra garantia jé é tratada de forma substancialmente distinta pela (iGenastinitedo. E consagrada com um caracter preciso, definitivo, absoluto: ninguém pode ser, total ou parcialmente privado da lib-rdz Je, a rc ser em consequéncia de septgAganimis judicial condenatéri~ peta pratica de acte ley almer te ounico com pena de prisdio ou de medida de segurar ca Estamos aqui, UREA FRAME ATES EE HENP HMA IMENT ae Constituigao, depois “1 garantir um direito, exclui, de forma inequivoca e definitiva, a8" agressdes mais graves ou extremas a esse direito. Nao estamos apenas perante a situacao, ‘comum, em que a Constituigao consagra um direito e simultaneamente admite expressamente algumas limitagGes, Aqui, diversamente, o que se faz. é excluir qualquer restrigdo fora daquele caso expressamente previsto. $6 quando se verifica o pressuposto ali enunciado —sentenga judicial condenatéria— pode haver privacao total ou parcial da liberdade. nt De resto, se nao fosse para impor uma proibi¢ao absoluta, para que outro fim se complementaria o enunciado do n.° 1 do artigo 27° com uma expressio tao inequivoca como a constante do n.° 2 do artigo 27.°? Mais, to clara é a intengao de formular uma regra constitucional definitiva, absoluta, que o legislador constituinte se preocupa a seguir, no n.° 3, em enumerar todas as que considera serem as excepgdes admissiveis 4 proibigao instituida no n.° 2, Por isso, também, porque aquela enumeracao é taxativa, houve necessidade de esse n.° 3 ser sucessivamente alterado em revisdes constitucionais posteriores, precisamente para acomodar outras excepgdes que se vieram a revelar necessarias. Mas, sempre sem deixar duvidas de que ha ai uma reserva de Constituicao, que esta nao admite outras situagées de privagio total ou parcial de liberdade para além daquelas que sao expressamente mencionadas nos n.°* 2 e 3 do artigo 27°. Compare-se, por exemplo, com o que se passa com o direito de propriedade privada garantido no artigo 62.°, Pode o direito fundamental consagrado no n.° 1 (direito A propriedade privada) ser limitado? Claro, todos os dias se aplicam intervencGes restritivas no direito de propriedade com base nas restrigdes que o legislador ordinario instituiu. Se, por exemplo, de acordo com os planos urbanisticos, se estabelece a impossibilidade de edificar em determinada zona, 0 respectivo direito de propriedade foi legitimamente restringido. Ea garantia juridica prevista no n.° 2 do artigo 62.°, que consagra uma garantia especial, segundo a qual as restrigdes extremas ao direito de propriedade, a requisigao ¢ a expropriagao por utilidade publica, s6 podem ser levadas a cabo desde que previstas em lei e mediante justa indemnizacao? Nao, essa garantia é absoluta: se os poderes publicos querem expropriar, tém de indemnizar. E se estivermos em crise financeira extrema, se, pura e simplesmente, o Estado nao dispoe de verba para indemnizar? Nessa altura nao expropria, a garantia constitucional é absoluta: se o Estado expropriar sem justa indemnizagao, ha inconstitucionalidade, independentemente, como dissemos, do esforgo hermenéutico exigido para determinar o sentido normativo de “justa indemnizacao’, ‘Trata-se de um perfeito paralelo com aquilo que a Constituigao faz. relativamente ao direito fundamental consagrado no artigo 27°: um n.° 1 onde se consagra 0 direito como um todo (naturalmente, sujeito a limitagGes); um n.° 2 em que se consagra uma garantia especial com caracter absoluto relativamente a agressdes mais graves ou extremas ao bem especificamente ali protegido; finalmente, no caso do artigo 27.°, e para nao deixar diwidag quanto A taxatividade e reserva constitucional desta garantia e das suas excepcoes, adita se um n° 3 onde se enumeram todas as excepgGes admitidas a essa garantia absoluta. Encontramos analoga estrutura normativa em varios outros direitos: no direito de propriedade e no direito a liberdade, mas também no direito A vida e no direito A integridade moral e fisica: 0 n.° 1 consagra o direito como um todo que pode, naturalmente, ser restringido, mas ha depois um n.° 2 que trata das agresses mais extremas a esse direito —seja a privacdo total ou parcial de liberdade, seja a expropriacao, seja a pena de morte ou a tortura— e, relativamente a esses tipos de restrigdo extrema, a Constituigao é inequivoca, a garantia é absoluta (RQUaAtloI#st0 acontece, uma intengao do legislador constituinte téo inequivoca e expressamente assinalada tem de ser observ ada. C le gislador constituinte, bem qinabninia) quis fazer uma op¢3~ gara.tistica mavima. C ule fa cer ele proorio todas as ponderacoes que ha a fazer sobre + macir.a, ence rr irc te na, cecir r qualorie “margem de posterior Ponderagdo aosepyd reenessiutiteaiias‘eto Pusico (PUPublea Hin) Energi ( /PUEnerga Hn) undo nt Qualquer que seja a .tuacdo que venha a ocorrer, em caso algum o legislador pode instituir a pena de morte, em caso algum um juiz pode admitir a tortura como meio de obtengao de prova, em caso algum a administracao pode expropriar sem justa indemnizagio. Nés podemos achar que o legislador constituinte ponderou mal, que a opcao de proibir a pena de morte em quaisquer circunstancias nao é a mais adequada, que isso deveria ser deixado A discussao politica do momento, mas nao foi essa a opgio dos constituintes. Os poderes constituidos s6 tém de a observar, naturalmente, enquanto estiver em vigor. Alids, de que forma poderia o legislador constituinte consagrar garantias com este carécter absoluto sem ser através da expressio inequivoca da sua intengdo no respectivo enunciado normativo? Ou seja, voltando ao nosso tema, se tivesse sido intengdo do legislador constituinte estabelecer aquela proibigo de privacio total ou parcial de liberdade com um caracter absoluto, definitivo, de que outra forma o poderia ter feito que nao fosse através de enunciado muito semelhante ou idéntico ao que consta dos n.°* 2 e 3 do artigo 27.°? Nao reconhecer uma proibigao absoluta e uma reserva total de Constituicao nestas disposigdes equivale a nao reconhecer simplesmente aquele poder ao legislador constituinte, pois implica nao reconhecer proibigées de caracter definitive em quaisquer outros enunciados, {J que nao é simplesmente possivel construir a norma de forma mais inequivoca. Nao reconhecer esta reserva de Constituicdo pode ser, também, manifestar uma discordancia pessoal relativamente as opgGes inequivocas do legislador constituinte. Mas, aque titulo é que os juizos ponderativos de cada um, de cada académico ou professor de Direito, de cada juiz comum ou constitucional, devem prevalecer sobre as ponderagdes que o legislador constituinte quis fazer e fez, de forma clara, inequivoca, intencional? Poder-se-ia pensar que da remissao para decisdes constitutivas de caso concreto, para juizos de ponderacao pontuais, resultaria uma proteccao mais adequada e mais dinamica, ‘mas, precisamente, foi isso que o legislador constituinte quis evitar nestas situagdes mais sensiveis, ou seja, quis fazer, no momento constituinte, todas as ponderagdes que, em seu entender, ha a fazer, ndo quis deixar o futuro da vida da garantia jusfundamental em suspenso. f: melhor ou pior para os direitos fundamentais? Essa é uma outra questo, note-se, diferente da questo de saber se pode ou nao 0 legislador constituinte tomar este tipo de decisées. Mas, em todo 0 caso, dir-se-ia que, por ‘exemplo no caso da pena de morte ou no caso da tortura, é mais reconfortante saber que a questo foi juridicamente encerrada no momento constituinte, que a sujeigio de um crime a pena de morte ou a pratica de tortura na investigagio policial ficaram definitivamente excluidas e nao ficaram dependentes dos clamores e das pressdes sociais, por vezes avassaladoras, que continuariam a recair sobre o legislador ou os juizes que fossem chamados a decidir, através de ponderacao, em momentos de demagogia e de populismo descontrolados. Que aquele contetido de proibigdo absoluta € 0 sentido das normas extrafdas do artigo a 1n.°° 2 e 3, sempre foi pacifico na nossa jurisprudéncia constitucional. Leia-se, de uma 7 decisio emblematica do Tribunal Constitucional, a do Acérdao n° 479/94: “Deste modo, as restrigdes ao direito 4 liberdade que se traduzam na sua privagdo total ou parcial nao podem ser outras que as ali art. 27.°, 2 e 3] expressamente previstas, sendo vedado a lei criar outras restrigdes para além daquelas —principio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade” O mesmo acontecia na doutrina constitucional”” (“7n!a05.html#_ftn27) he forma inequivoca, para Gomes Canotilho e Vital Moreira2S (71205 html#_ftn28), (7'onefineito 4 liberdade nao é um direito absoluto, admitindo restrigdes. As restrigdes a0 direito de liberdade, que se traduzem erm ‘didas de privagéo total ou parcial dglan 8s nmi podem ser as previs'as nu. n.° ? 2 3 (entre : © qua. 3 2ultz 1 pena de prisao), no podendo a feicriar outras =p in spt de tiy icic ac € Con tite c. mn. 'as mea das privativas da Tiberdade)’ —vestaque (iPDestaque.Hin!) Diet Pablic (.PYPublco Him!) Energia /PUEneria Ht) (des No mesmo sentido, .» comentario ao artigo 27.° da Constituicao, da autoria de Marcelo Rebelo de Sousa e de José Melo Alexandrino”® (7ma05.html#_fin2%) nt “114 uma reserva de Constituigao quanto ao elenco dos casos e das circunstancias em que pode ocorrer privagdo da liberdade; previsdes como as do artigo 49° do DL n.° 433/82, de 27 de Outubro (regime das contraordenagées)*? #7"1205.html#_130), parece claramente inconstitucionais” ‘Também inequivocamente, e merecendo até a correspondente referéncia na obra acabada de citar, o mesmo diziam A. Sousa Pinheiro ¢ M. Brito Fernandes, comentando as alteragées introduzidas ao artigo 27.° na revisao constitucional de 19973! (”71a05.html#_ftn31), “A CRP ilustra taxativamente os casos ¢ as circunstncias em que pode haver privagao da liberdade (n.% 2 ¢ 3). A lei ordinaria ndo pode prever originariamente casos de privagao da liberdade sob pena de inconstitucionalidade. A tipicidade constitucional é absoluta” Obviamente, . Porante o © consenso jurisprudencial e doutrinario que existiu até 2020% (vinla05 htmlé#_ftn32), @ nao tendo havido a necessiria revisdo constitucional que tivesse consagrado a correspondente excepgao no artigo 27.°, n.° 3, restava agora saber como poderiam os poderes piblicos responder a altura do dramatismo da situagao de pandemia se nao podiam impor 0 confinamento domiciliario? f aqui que entra a solugio constituida pela declaracao de estado de excepcao constitucional. Com efeito, nao sendo constitucionalmente admissivel aprovar aquelas restrigdes em situagao de normalidade constitucional, a declaracao do estado de emergéncia seria a solugao adequada que, sem pr em causa a observancia das normas constitucionais, permitiria a resposta cfectiva as necessidades objectivas impostas pelo combate & epidemia’® @™nlaos tm tn33) Lamentavelmente, 0 tnico caso de direito irrestringivel em normalidade constitucional foi também o direito que, motivando objectivamente a declaracio do estado de emergéncia no veio a ser suspenso pelo Presidente da Republica. Porém, as autoridades publicas s6 poderiam impor o internamento hospitalar compulsivo de doentes ¢ 0 confinamento domiciliério de nao doentes com prévia suspensao do direito fundamental a nao ser privado da liberdade. Nao tendo ocorrido tal, as correspondentes medidas foram e sio, caso venham de novo a ser impostas, inapelavelmente inconstitucionais, seja em situagao de estado de emergéncia, se nd houver prévia suspensao do direito, seja em situacao de normalidade constitucional. Logo, do ponto de vista do Presidente da Republica ~e, diga-se, também dos juristas que vieram a piblico sustentar juridicamente a posigdo daquele—, a declaracao do estado de emergéncia foi uma inutilidade juridica. Tera cumprido outros objectivos de natureza politica, mas era juridicamente redundante. Com efeito, considerando a necessidade premente de proteccio do direito a satide e do direito A vida, era constitucionalmente admissivel, mesmo em normalidade constitucional, restringir o direito de deslocacio, & restringir 0 direito de propriedade e de iniciativa econémica privada, restringir o direito " reuniao ¢ de manifestacao ¢ restringir os direitos dos trabalhadores. Estavam mesmo ja em vigor leis restritivas de direitos fundamentais que autorizavam as autoridades publicas de saiide ou de proteccio civil, em situagdes de calamidade publica, a restringir o direito de deslocagao, permitindo, por motivos de proteccao da satide, a imposicao de limitagoes a circulacdo, de quarentenas ou de cercas sanitarias, a separaco de pessoas nao doentes, a suspensdo e o encerramento de actividades. Para qué, entio, declarar o estado de emergéncia? (“Ponofso'MesMo, as restrigdes € medidas restritivas daqueles outros direitos fundamentais que continuaram a ser adoptadas apés 2 ces iagac Jo estado de emergéncia nao gyseibaRinie) na sua generalidade cspec'ais pcblemas de const tucionalidade (material). No entanto, sera diferente quar.dr se U1 sid rar 1« ve itt ais or abl n as de in 2onstitucionalidade orgénica. E 0 quay sRapsetr{uaHersUitoio Péblico (./PuPublca Html) Energia (./PUEnergl. Him) undo nt 6. Questées de competéncia e de forma Em estado de emergéncia, as questées de competéncia sao condicionadas por duas linhas de forga potencialmente em tensa. De um lado, nos termos do artigo 19.°, n.° 7, a declaragdo do estado de emergéncia nao afecta a distribuigao constitucional de competéncias pelos diferentes érgios de soberania e pelos érgios de governo proprio das regides auténomas. Mas, em contrapartida, tanto a Constituigao quanto a lei organica remetem para 0 Governo a execugio da declaracio presidencial da emergéncia, reservando a Assembleia da Repiblica a apreciacdo da respectiva aplicagao™ (vintads html 1in34) Ora, considerando que a declaragao do estado de emergéncia se traduz na suspensio do exercicio de direitos fundamentais e que a legislagao sobre esse dominio est, naquilo que € essencial, reservada a Assembleia da Republica, imediatamente se percebe que, no minimo, nasce aqui uma relaco de tensio entre a reserva em matéria de direitos fundamentais, que se mantém constitucionalmente no Parlamento, e as competéncias de execugao do estado de emergéncia, que cabem ao Governo, sobretudo quando, como aconteceu neste caso, o proprio Presidente da Repiblica proporcionou objectivamente ao Governo uma intervengao reguladora constitutiva na restricao dos direitos fundamentais a cuja suspensao procedera. ‘Como se viu, o Presidente da Republica suspendeu alguns direitos fundamentais, mas, com excepgao do direito a greve e do direito de resisténcia em que precisou 0 alcance concreto da suspensio—, remeteu para as “autoridades pitblicas competentes" a concretizacdo ou a decisao sobre as medidas restritivas cujos limites e possibilidade apenas tragava genericamente, o que, desde logo, suscita a diwida sobre a existéncia de uma espécie de delegagao objectiva de competéncias nao constitucionalmente prevista e, logo, constitucionalmente vedada, Para além disso, as diividas de constitucionalidade organica e formal acentuaram-se quando, apés a declaraco presidencial do estado de emergéncia, 0 Governo assumiu, praticamente em exclusividade, a aprovacao da generalidade das medidas restritivas de direitos fundamentais, recorrendo a decretos simples ou, quando muito, a decretos-leis sem a correspondente autorizagao legislativa parlamentar. Por fim, quando cessou a vigéncia do estado de emergéncia, medidas restritivas substancialmente andlogas continuaram a ser aprovadas exclusivamente pelo executivo, seja através de decreto-lei sem autorizagao legislativa, seja através das resolugdes do Conselho de Ministros que declaravam ou prorrogavam a situagio de calamidade. Serao essas, entio, as principais duvidas competenciais que agora analisamos, fazendo-o pela ordem seguinte. Primeiro (6.1), podia o Presidente da Republica ter procedido daquela forma, ou seja, oa ter suspendido os direitos ndo determinando imediatamente, na maior parte dos casos, owes aleance concreto da suspensio? Segundo, tinha 0 Governo competéncia para, em seguida, proceder a restrigdes de direitos fundamentais (6.2.1) e poderia té-lo feito, como o fez, através de decreto simples, ou seja, através de acto regulamentar e nao de acto legislativo (6.2.2)? Finalmente (6.3.), jé em situacao de normalidade constitucional, isto é, quando, apos a cessagio do estado de emergéncia, o Governo declarou a situagio nacional de calamidade, podia o Governo ter continuado a aprovar medidas restritivas de direitos fundamentais sem dispor das correspondentes autorizagGes legislativas? (%A Pou o Presidente da Republica suspender direitos deixando as autoridades competentes a decisao sobre os termos cor crete d_s restrices? {states tira) 14 quem considere que > p.9ce iim.2n 0 ce us} e1 sa )2Joptadi pelo Presidente da Republica levanta ur nroh ea te 01 sti uc onli lac e, 1a m 24 da em que teria feito uma delegacao norRiRhA\cFRRARF ANT CREAPHNGG CROAT eR SEATTLE constitucional de co.-neténcias dos orgios de soberania (pondo em causa a norma do” artigo 110. n° 2) e a proibigao constitucional de delegacio dos seus poderes noutros Orgaos (pondo em causa a norma do artigo 111.9, n.° 2)°5 ¥7n1a05.hembs#_fta35) | nt Nao parece, no entanto, que, em rigor, o procedimento presidencial de suspensio de direitos esteja bem caracterizado. Em termos juridicos, quem suspendeu os direitos fundamentais foi, de facto, o Presidente da Republica; nao houve ai qualquer delegacao de poderes, uma vez que identificou especificamente os direitos fundamentais que quis suspender e os suspendeu formalmente. Ora, sendo esses os poderes que a Constituicao Ihe atribuiu neste dominio, eram esses que nao podiam ser delegados noutros érgaos. E 0 Presidente da Repiiblica nao delegou. Em segundo lugar, os direitos fundamentais cuja suspensio foi especificada no decreto presidencial estdo par ensos na medida, mais ou menos densificada, enunciada pelo proprio Presidente da Republica. Isto é, tendo ficado parcialmente suspensos nos termos delimitados pelo Presidente da Republica, as “autoridades competentes” podem agora, dentro daqueles limites e no respectivo ambito normativo, restringir, impor, permitir, proibir, e podem fazé-lo sem objecco constitucional, naturalmente, desde que tenham competéncia para o fazer. No fundo, em termes praticos, tudo se processa aqui, com as necessarias adaptagdes, em termos equivalentes aos que ocorrem quando a Constituigdo autoriza expressamente 0 legislador a restringir direitos fundamentais segundo parametros pré-definidos. Ou seja, também ai, mesmo nao tendo ainda havido restrigdo ou enquanto nao a houver, o direito fundamental em causa ja est enfraquecido, jé foi afectado, restringido, porque a propria Constituigao o enfraqueceu quando admitiu expressamente que o legislador o possa vir a restringir. Algo andlogo, embora com maior contundéncia, ocorre quando o Presidente da Republica suspende um direito sem concretizar com suficiente densidade o que fica permitido ou proibido, Na medida em que o direito est suspenso, a proteccao especifica que anteriormente proporcionava as liberdades abrangidas pelo seu mbito normative desapareceu temporariamente, mas, no concreto, tais liberdades $6 virdo a ser concretamente afectadas quando e se as “entidades publicas competentes” as restringirem. Logo, o Presidente da Repiblica nao delegou os seus poderes noutro érgio ou noutros ‘Orgios. Nem sequer se refere expressamente ao Governo. Simplesmente, “autorizou” restrig6es a liberdades —no Ambito normativo de direitos que suspendeu e na medida em que os suspendeu— que poderiam ser posteriormente actuadas pelas “autoridades publicas competentes”, como se diz no decreto presidencial. Essas autoridades sero quaisquer umas que, tendo competéncia para restringir ou para intervir restritivamente nas liberdades outrora protegidas especificamente pelos direitos fundamentais agora suspensos, poderdo fazé-lo na medida e com o alcance delimitados pelo Presidente da Republica, Pode-se discutir se essa foi a melhor op¢ao por parte do Presidente da Republica, se ndo a deveria ter sido ele a esgotar normativamente toda a afectacdo desvantajosa da liberdade WN osx dos particulares no ambito dos direitos fundamentais objecto de suspensio, mas nao parece haver inconstitucionalidade. Endo ha porque o Presidente da Repiiblica nao delegou os seus poderes que so, no caso, o poder de declarar o estado de emergéncia e de especificar os direitos fundamentais que, em consequéncia, ficam parcialmente suspensos. Dessas declaragao e suspensio encarregou-se, como devia, o Presidente da Republica. Podia, naturalmente, ter ido mais longe, tal como fez para o direito a greve, ou seja, podia determinar desde logo o que ficava proibido, o que era devido ou o que era permitido naqueles dominios durante o estado de emergéncia, Porém, tendo em conta a (vtespRiifividade da situacao e a necessidade de adaptagio quotidiana das restrigdes & evolugio da pandemia, o Presidente da Pepi blica or siderou adequado nao privayrafios nine) autoridades competutes .'a facuidade de di cidire m Je acordlc com as avaliacdes que fizessem ao longo 1a 1ges cle np ir cip 0 »rol or ga la do exia to de emergéncia. De resto, vine IPRS BREA RE NEL FPR dy a a Republica e as restai."s autoridades publicas estdo também especialmente vinculados pelo principio da indispensabilidade (art. 19.°, n.° 4), pelo que s6 momento a momento podem adequadamente decidir aquilo que é estritamente necessario para repor a normalidade constitucional, como é exigido naquela disposicio constitucional. Uma decisao geral a priori corre sempre o risco de ir para além das estritas necessidades de restrigdo que se venham a revelar a cada momento. 6.2. Podia o Governo restringir o direito a liberdade pessoal consagrado no artigo 27. da Constituigao e podia aprovar restrigdes severas a liberdades através de decreto simples? Como a distribuicdo constitucional de competéncias se mantém no estado de emergéncia, sé a Assembleia da Repiblica e, com autorizacao legislativa parlamentar, o Governo podem restringir direitos fundamentais. Eo que resulta, desde logo, do artigo 165.°, n.° 1, alinea b), da Constituigdo, Nao tendo havido autorizacao legislativa parlamentar, ha inconstitucionalidade sempre que o Governo restrinja direitos fundamentais? Aparentemente, sim. Tudo considerado, nem sempre ha inconstitucionalidade. Atentas todas as circunstancias do caso, (i) nao ha inconstitucionalidade quando 0 Governo se limite a executar a declaragio do estado de emergéncia ou quando legisle mantendo-se estritamente no ambito normativo delimitado pela suspensio de um direito fundamental; (ii) haver4, porém, inconstitucionalidade se 0 Governo dispuser constitutiva ou primariamente nesse dominio através de acto regulamentar e nao de acto legislativo; (iii) tanto em situagao de normalidade constitucional, como em estado de emergéncia, ha inconstitucionalidade quando 0 Governo, sem a necessaria autorizagao legislativa parlamentar, legisle ou disponha constitutivamente sobre direitos fundamentais que nao estejam suspensos. 6.2.1, Os efeitos competenciais da suspensio ou da nao suspensio de um direito fundamental em estado de emergéncia Os efeitos da suspensio de um direito fundamental no dominio da distribuigao de competéncias entre Assembleia da Repiblica e Governo so, em nosso entender, os seguintes. Se um direito fundamental foi suspenso, logo, se a respectiva norma constitucional de garantia deixou de produzir efeitos juridicos durante o estado de emergéncia, entio todo o ambito normativo protegido por essa garantia —desde que observados os limites tragados no decreto presidencial— foi temporariamente recortado excludentemente da reserva de competéncia legislativa rescrvada da Assembleia da Reptiblica’® mans: ns), Logo, como 0 Governo passou a ter competéncia propria para legislar nesse dominio (artigo 198., n.° 1, alinea a)), no tem necessidade de autorizacao legislativa da Assembleia da Republica desde que nao va para além da delimitacao do Ambito da suspensio a que 0 Presidente da Repiiblica procedeu, Para além desses limites o direito fundamental nao esi, suspenso e, continuando a desenvolver todas as suas virtualidades juridico- sn constitucionais, mantém-se fora da competéncia legislativa propria do Governo. Se, por exemplo, o decreto presidencial de declaragao do estado de emergéncia suspende 0 direito de manifestagio, o Governo pode, na execugio dessa declaragio, proibir a realizagao de uma concreta manifestagao mesmo que nao haja qualquer disposicao legal em vigor que o habilite a proibir a realizagao de manifestacdes. Podera igualmente, observando os limites constantes da declaragio do estado de emergéncia e os principios estruturantes aplicaveis, designadamente o principio da igualdade, permitir (ou nao (ptelibivptrealizagio de algumas manitestacdes, desde que considere que 0 seu respectivo impedimento nao é estritamente necess iric para: p. ossecucao dos fins visados (pflAkos nimi#) suspensio. Naturalmente, no_ne sma: 01 te to @: té 20 ‘ra.G:'s« e vegu_ an a juridica, de previsibilidad® SAY, BRIER Mae SE BAe PEEL ED prBMIe HO BEARER o relativamente a toda ~ cualquer manifestagao em concreto, pode também regular normativamente a proibicio/permissio de realizagio de manifestagées —por exemplo, estabelecendo critérios em funcao da natureza da manifestagao, do local, do numero de participantes— sem que, para tal, necessite de qualquer outra habilitaco legal. Com efeito, esta a regular um dominio normativo que agora nao est4 jusfundamentalmente protegido por um direito fundamental especifico e que, enquanto tal, embora nao seja jusfundamentalmente irrelevante, até porque beneficia da proteccdo subsidiaria da liberdade geral de acco, nao mobiliza a necessidade de reserva de lei parlamentar. A nao se entender assim, nunca poderia 0 Governo legislar no exercicio da competéncia legislativa propria prevista no artigo 198.°, n.° 1, alinea a), pois estaria sempre, de algum modo, a afectar a liberdade geral de acco jusfundamentalmente protegida pelo direito a0 desenvolvimento da personalidade undo nt Porém, toda esta cor ss si suspensio do direito fundamental especifico. Se nao houve suspensio formal do direito, cle continua a produzir efeitos juridicos, privando o Governo de competéncia legislativa propria sobre a matéria. Se nao houve suspensao, 0 Governo ja nao dispoe de competéncia porque nem a Assembleia da Republica lha deu nem o Presidente da Republica lha podia ter dado, Se o Presidente da Republica s6 suspendeu o direito de manifestacio no que se refere a manifestagdes sindicais, ndo pode o Governo proibir uma manifestacao de jovens pela defesa do ambiente nem pode legislar restritivamente sobre essas especificas manifestacées se nao dispuser da necessaria autorizacdo legislativa parlamentar. Donde a extrema importancia de saber quais os direitos fundamentais que foram ou nao suspensos na declaragao do estado de emergéncia e, dai, a grave repercussio juridica do erro manifesto cometido e reiterado pelo Presidente da Republica quando nao suspendeu parcialmente o direito a liberdade garantido no artigo 27.° da Constituigao, no que respeita A garantia de nio se ser privado da liberdade. Ou seja, mesmo para quem nao sustente a natureza absoluta da garantia jusfundamental consagrada no artigo 27., n.°* 2 € 3, nunca o Governo poderia ter legislado sobre a matéria sem a necessaria autorizagao legislativa. Nao poderia ter imposto normativamente o confinamento domiciliario e o internamento hospitalar™? “7!405-hunl#_ftn37)_ Propusemos, pela primeira vez por escrito, esta teoria sobre distribuigdo constitucional de competéncias durante o estado de emergéncia no texto ja referido elaborado no dia seguinte a declaragao presidencial do estado de emergéncia®® (V70!205.html#138) e, apesar das varias respostas e comentarios de que esse texto foi especialmente objecto, esta posicao, tanto quanto seja do nosso conhecimento, nao foi até agora contestada. Mereceu, no entanto, uma divida pertinente de natureza procedimental®? (vinla0s html _ftn39)- assentando esta teoria no pressuposto do desaparecimento temporario do direito fundamental suspenso, como pode tal direito ser processualmente defendido contra eventuais agres s is se nao existe juridicamente durante esse a periodo? Poderia, por exemplo, o direito fundamental 4 greve ser defendido através da i acco de intimagao para proteccao de direitos, liberdades e garantias? Esta apenas em causa, naturalmente, o direito a greve nos termos em que foi suspenso, portanto, apenas no que se refere a proibicao do seu exercicio nos sectores criticos ou vitais. Em tudo o mais, 0 direito 4 greve conserva todas as suas virtualidades enquanto direito fundamental. Por sua vez, quanto a dimensio particular que foi suspensa, ha que distinguir em fungao dos possiveis fundamentos da eventual impugnacao judicial. Se se pretende contestar a constitucionalidade da propria suspensao nos termos em que ela foi feita, é dbvio que o (vadeabisnitve ser garantido. Ai esta em causa a propria decisao de suspensio e o direito de acesso aos tribunais para aferir da respe tiv | cons "it .cionalidade nio foi suspengan 8 nimi) esté mesmo exprese’. e es). 2cificamvente oss: gurac ora prépria lei que aprova o regime do estado de sitio e dy e cae a> e ner § ici; 40 ¥7! 0 het f40), s 9 g foco da controvérsia & © proprio actordeqiss JemaaueRiay CoMmpUboaemidunars denige/sereledeiay nao legitimo. Se foi inccnstuucivnai, & dbvio que nao pode produzir os efeitos tipicos da nds suspensio. nt Por sua ver, se 0 fundamento é, por exemplo, a eventual desproporcionalidade das medidas restritivas governamentais entretanto adoptadas ao abrigo da nova margem de competéncia legislativa que foi aberta com a suspensio (por exemplo, na suspensao do direito de manifestacao), 0 controlo judicial é ainda plenamente convocavel, ja que esse comando de proporcionalidade ou de proibicao do excesso vinculara sempre toda a actividade do Estado, independentemente do direito fundamental que tenha sido afectado mesmo que nao estivesse em causa qualquer direito fundamental. O mesmo se passa, de resto, com todos os outros principios constitucionais estruturantes de Estado de Direito. Nesse sentido, a actuacio dos poderes publicos que afecte a liberdade de manifestagdo nao pode ser desproporcionada, até porque, enquanto principio constitucional estruturante, 0 principio da proporcionalidade continua a ser parametro de validade da actuagao estatal durante o estado de emergéncia (artigo 19.°, n.° 4), Em segundo lugar, mesmo que uma visdo demasiado formalista pretendesse inibir a invocabilidade judicial do direito fundamental suspenso, nem ai se criava uma zona livre de Direito, uma vez que seriam sempre invocaveis, ndo 6 outros direitos fundamentais que mantivessem algum tipo de associac’io com os comportamentos especificamente protegidos pelo direito fundamental suspenso, como, em ultima analise, estaria sempre em causa e podia ser invocado, numa eventual intimacdo para proteccdo de direitos, liberdades e garantias, 0 direito ao desenvolvimento da personalidade do artigo 26.°. Uma hipotética suspensao deste ultimo direito visando expressamente impedir toda e qualquer tutela judicial da liberdade geral de acco durante o estado de emergéncia seria, ela mesma, evidentemente excessiva e poderia ser impugnada a esse titulo. Assim, no exemplo dado, o facto de o direito fundamental a liberdade de manifestaciio ter sido legitimamente suspenso nao fez desaparecer a liberdade de manifestacio; ela continua a existir como bem juridico, ainda que as possibilidades individuais de acesso a esse bem nao beneficiem, temporariamente, da protecgao juridica reforgada e especifica que Ihe era conferida pelo direito fundamental agora suspenso. 6.2.2, Mesmo dispondo de competéncia legislativa propria, podia o Governo ter restringido por decreto simples, por regulamento? ‘Tendo concluido que, pelo menos no caso dos direitos fundamentais que foram suspensos pelo Presidente da Republica na declaracao do estado de emergéncia, o Governo poderia, a seguir, e mantendo-se dentro do quadro delimitado pelo decreto de suspensio, restringir as possibilidades de acesso individual aos bens por eles protegidos, importa saber qual a forma adequada para o fazer. Aconteceu que, a0 contrario do que seria de esperar tendo em conta a importancia do que estava em causa, o caracter restritivo da regulacdo, a relevncia dos sacrificios de liberdade implicados e a controvérsia que os envolvia, 0 Governo nao recorreu a forma de acto legislativo, tendo antes optado pela forma de De qualquer forma, ha inconstitucionalidade quando o Governo restringe através de acto infralegislativo, através de decreto simples: a normagao é priméria e inovatéria, € matéria importante, é politicamente controversa, logo, deveria ser tratada por acto legislativo, Imaginam-se as raz6es politicas por que tal nao foi feito —porventura, as de escapar a0 controlo de fiscalizagao da Assembleia da Repiiblica—, mas a inconstitucionalidade parece evidente,

Você também pode gostar