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Pelo Direito da Cópia, ou Resistência Cultural Chinesa

“Quando vires um homem bom, tenta imitá-lo; quando vires um homem mau, examina-te a ti
mesmo.” - Confúcio

Iesk_spirit_crusher@hotmail.com, Bruno Savi

Resumo

Atualmente a China tem ganhado popularidade por conta de sua economia (maior do
mundo desde 2017 segundo o IMF), e com isso o globo - aqueles que não caíram nas
armadilhas da mídia ocidental - passa a conhecer melhor esse país tão complexo e
peculiar. É sabido que a China é uma reserva mundial de cópias, que vão desde DVDs até
monumentos históricos como a Torre Eiffel, porém o que se propaga é o preconceito e a
desinformação, as questões culturais que levam a existência dessas cópias são omitidas.

A partir disso, o artigo busca elucidar o tema e destaca a importância da resistência cultural
chinesa contra o copyright ocidental, cujo maior beneficiado é os Estados Unidos.

Palavra-chave China; Copyright; Propriedade Intelectual; Cópia

Introdução

O químico frânces do sec.XVIII Antoine Lavoisier conhecido como pai da química moderna
tem uma frase onde diz “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, ou
seja, a cópia é um ato natural, e segundo o estilista japonês mundialmente famoso Yohji
Yamamoto é copiando o que se ama que encontrará a si mesmo. O cérebro humano é um
apreciador (e produtor) de cópias, as repetições são agradáveis aos olhos, sempre
buscamos o parecido, nos é confortável.

No sec.XV na Republica de Veneza a propriedade intelectual se fez presente, e quando se


encontrou com o capitalismo, se tornou uma máquina de lucro, privilegiando as pessoas,
empresas e os países ricos e poderosos da época, pois os donos da patente nem sempre
eram os primeiros a ter a ideia, mas sim aqueles que tinham poder para registrar antes de
todos, portanto “cópias controladas pelos direitos do autor podem ser réplicas autênticas, ao
passo que as demais são consideradas falsificações e adulterações criminosas. O limite
entre uma e outra é definido por um poder arbitrário, que limita o acesso ao conhecimento.”
(PINHEIRO-MACHADO, 2019)

Uma das figuras mais notórias dos Estados Unidos, Thomas Edison, detentor de 2332
patentes pelo globo, ficou conhecido mundialmente por ter inventado a lâmpada, que já
havia sido inventada 50 anos antes, mas não patenteada. Porém, quando se copia em um
lugar muito específico do globo – China – para o mundo, o ato é visto como “de segunda
categoria”, “falta de respeito”, entre outros pensamentos pejorativos e o Ocidente se une
para tentar impedir todo um país de copiar, contudo, esse país resiste.

Tradição Milenar Chinesa

A China é um país milenar e preserva algumas de suas tradições até os dias de hoje, e faz
isso com sua concepção singular de propriedade intelectual e de direito autoral embora
sofra pressões internacionais para combater a produção de cópias na indústria e na arte,
como elucida Rosana Pinheiro-Machado. Uma das tradições mantidas é a moral
confucionista que incentiva a reverência à ordem, à hierarquia e ao passado, e obtém como
resultado a reprodução de modelos tradicionais, no lugar da criação de novos (CHIN, 2008)
e o próprio diz em Analectos “O Mestre disse: ‘um transmissor e não um criador,
acreditando e amando os ancestrais’”

Podemos analisar como a cultura da cópia chinesa é algo filosófico e histórico e está
atrelado ao seu sistema de valor e a suas relações de poder, por exemplo, durante séculos
de poder dinástico, eram incentivadas as cópias de pinturas e obras literárias. Tratava-se de
uma habilidade que os intelectuais do governo deveriam possuir; era, inclusive, critério de
admissão nos concursos públicos, sobretudo na dinastia Song. (EBREY, 2010;
GASCOIGNE, 2006). Durante essa dinastia o imperador Huizong para obter o
reconhecimento de sua excelência na arte da pintura, ordenou que se criasse uma
academia de arte especializada em copiar a sua própria obra (GASCOIGNE, 2006) além
disso a cópia também é um instrumento educacional chines, desde as Seis Dinastias (265-
589), segundo Yi-Chieh (Jessica) Lin, a cópia é utilizada na caligrafia e na literatura.

Como a historiadora Patricia Ebrey descreve, não só na caligrafia, mas na arte também se
usava da cópia, tratava-se de uma habilidade que os intelectuais do governo deveriam
possuir; era, inclusive, critério de admissão nos concursos públicos, sobretudo na dinastia
Song. Nos séculos XIX e XX as cópias do estrangeiro começaram a serem estimuladas,
como forma de nacionalizar o que vinha de fora. Cópias também eram usadas para
descrever a manufatura local das novas tecnologias durante o movimento do
autofortalecimento na segunda metade do século XIX (Dikotter, 2007: 38), portanto sempre
existiu um controle sobre o conteúdo do que era copiado, mais do que sobre o ato de copiar
em si. (PINHEIRO-MACHADO, 2019)

O Ocidente é um Acidente

As cópias chinesas começaram a incomodar o Ocidente, que pensava no lucro em potencial


que estava perdendo, principalmente com o crescimento populacional e econômico chines e
com a globalização que espalhava as cópias pelo mundo, então com a pressão norte
americana, os chineses, ainda que relutantes, se tornaram membro da Organização
Mundial de Propriedade Industrial, em 1980. Entretanto a Lei sobre direitos de autor, mais
conhecida como copyright, demorou mais de uma década para ser concluída, entrando em
vigor somente em 1991 (YUFENG, 2010). Para intensificar suas relações comerciais, a
China teve que entrar, em 2001, para a Organização Mundial do Comércio, que implica a
liberalização de inúmeros elementos, inclusive da noção de propriedade intelectual por meio
do TRIPS (SUKUP, 2002) o que para Yu (2001) e Drahos (1995) é antidemocratico e
coercitivo, e segundo Menezes o acordo não considera as diversidades econômicas,
políticas e culturais chinesa.

Conclusão

Em virtude do que foi mencionado é sabido que as pressões dos acordos comerciais
ocidentais para com a China visam sufocar sua cultura de cópia, uma cultura estruturada e
mantida por milênios, não levando em conta a importância da cópia para a sociedade
chinesa, em seus diversos âmbitos. Se observa que os únicos beneficiados com isso são os
Estados Unidos e a Europa, que mais uma vez destroem culturas alheias em benefício
próprio, porém a China ainda resiste, pois embora os acordos tenham sido fechados, o
reconhecimento social dessa legitimidade, porém, não é automático. (PINHEIRO-
MACHADO, 2019)

Referências Bibliográficas

Chin, Annping. Confucius. A life of thought and politics. New Haven, London: Yale
University, 2008.
Dikotter, Frank. Things modern. London: Hurst & Company, 2007

Ebrey, Patricia. China. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

Gascoigne, Bamber. The dynasties of China. London: Robinson, 2006.

Pinheiro-Machado, Rosana. Mona Lisa made in China Refletindo sobre cópia e propriedade
intelectual na sociedade chinesa a partir do caso de Dafen. PROA – Revista de
Antropologia e Arte, 2019.

Sukup, Viktor. A China frente à globalização: desafios e oportunidades. Revista Brasileira de


Política Internacional, v. 45, n. 02, p. 82-113, 2002.

Yufeng, Li. Copyright Reform in China. Intellectual Property Journal, Vol. 22, n° 02, ago., p.
204-221, 2010.

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