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Aula 01 — Tema e

tese
Redação
Fuvest 2021

Professor Fernando Andrade


Professor Fernando Andrade
Aula 01: Fuvest 2021

Sumário
Apresentação .................................................................................................................. 3
1. A função do Tema na Organização do Texto................................................................. 3
1.1 Apreensão do Tema................................................................................................................... 6
1.2 Texto e Contexto........................................................................................................................ 9
1.3 Seu texto no Mundo dos Discursos ......................................................................................... 10
1.3.1. Exercícios: diálogo entre discursos ...................................................................................... 14
1.4 Recorte .................................................................................................................................... 17
1.4.1. Exercícios: Recorte do Tema ................................................................................................ 21
2. Subentendidos na Fuvest ........................................................................................... 30
3.Temas FUVEST ............................................................................................................ 33
4.Fuga do Tema ............................................................................................................. 38
5.Tema e Dissertação ..................................................................................................... 39
5.1 Dissertação Expositiva versus Dissertação Opinativa ............................................................. 41
5.1.2. Exercício: texto expositivo e texto opinativo ....................................................................... 42
6.Ponto de Vista e Tese.................................................................................................. 48
7. A Estrutura da Tese .................................................................................................... 52
8. Organização ............................................................................................................... 54
9. Proposta de Redação ................................................................................................. 55
9.1. Possibilidades de Encaminhamento das Propostas .............................................................. 60
10. Considerações Finais ................................................................................................ 66

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Apresentação
Querido aluno,
Saudações. Agora que você já decidiu trilhar esse caminho com o Estratégia, tornando-se
um vestibulando corujinha, mãos à obra. Não que você já não tenha começado a escrever na aula
anterior e que ela não tenha sido produtiva, mas era uma aula de conceitos básicos. Neste e nos
próximos dois livros digitais, vamos discutir o primeiro critério de correção da FUVEST:

Desenvolvimento do • avalia-se a capacidade de apreensão do tema e de


argumentar com propriedade autoral, relacionando
tema e organização proposta, ideias da coletânea e repertório próprio de forma
do texto pertinente e crítico-argumentativa.

Incialmente, consideraremos o “tema”. Ele merece toda sua atenção. Costumo dizer que
metade da sua nota vem desse cuidado. Como já disse na aula anterior, a prova de Redação da
FUVEST tem duas características complicadas de se atender. Muitas vezes, o tema é amplo, mas,
ao mesmo tempo, a Banca exige um recorte um tanto quanto preciso.
Esse pdf é sobre o tema, gênero argumentativo, tese e sobre...

treino, muito treino....


Boa aula; bons textos e boa escrita.

1. A função do Tema na Organização do Texto


A universidade é cartesiana. Isso significa que o tipo de discurso que circula em
qualquer área da ciência vale-se dos pressupostos de René Descartes (1596-1650), filósofo que
lançou as bases do método científico. Bom, o pensador era também matemático, então você já
viu...
Ele postulou que a verdade poderia ser alcançada e, para isso, bastaria recolher evidências,
reuni-las pelo pensamento linear, obedecer às regras de dedução e o resultado seria a coação de
outras mentes. O bordão do rapaz era: “aquilo que for pensado de forma clara e distinta será
verdadeiro.”
A FUVEST seleciona um tema sobre o qual é possível manifestar
alguma opinião (discordância, apoio, mediação). Diante dele, você
Fonte: Pixabay

deve construir uma afirmação (tese) e isso dará um sentido às ideias.


Como diz o renomado professor Whitaker Penteado:
Selecionado o tema central, seu desenvolvimento vai disciplinando as
ideias, organizando-as em uma sequência de operações intelectuais –

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como se as colocássemos em uma linha de montagem e, na medida de sua movimentação, fossem


submetidas a sucessivas operações mecânicas (p.224).1

A primeira proposta de redação da FUVEST de 1990 propunha uma atividade interessante.


Observe.

Oba... tema da FUVEST

"– Não é preciso zangar-se. Todos nós temos as nossas opiniões.

– Sem dúvida. Mas é tolice querer uma pessoa ter opinião sobre assunto que desconhece. (...) Que
diabo! Eu nunca andei discutindo gramática. Mas as coisas da minha fazenda julgo que devo saber.
E era bom que não me viessem dar lições. Vocês me fazem perder a paciência."

Você tem opinião sobre as afirmações acima?


Se tem, defenda sua opinião.
Se não, explique por quê.

Comentário: Essa primeira proposta de redação da FUVEST não tinha o formato que foi adquirindo
conforme os anos. Ela é curta, praticamente não possui texto de apoio e a proposta é explícita. Do
ponto de vista do exercício da escrita, ela é sensacional, pois lida com o próprio conceito do que é
fazer uma dissertação. Afinal, a alma desse gênero é justamente a defesa de um posicionamento.

Observe que a Banca escolheu um diálogo no qual alguém afirmava a tolice de se ter opinião sobre
tudo. A seguir, a instrução deixava claro que você deveria concordar ou discordar da afirmação.
Veja, concordando ou discordando, você manifestaria uma opinião e deveria argumentar a favor
do seu ponto de vista. Ou seja, o simples fato de negar algum assunto que está sendo discutido, ou
até mesmo a indiferença sobre tal assunto - se tiver que ser sustentada-, irão redundar na produção
de um texto dissertativo.

Encaminhamentos possíveis: Essa proposta engana. À primeira vista, é simples demais. Pois é... o
que é muito simples em Redação acaba se tornando complicado. Como torná-lo interessante para
leitor? As teses possíveis parecem ser apenas duas:

1
Penteado, J.R. Whitaker. A Técnica da Comunicação Humana. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 8ª edição, 1982

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É tolice ter opinião sobre tudo

Não é tolice, antes o indivíduo deve ter opinião


sobre tudo

Tais teses parecem óbvias demais. A argumentação do senso comum seguiria o modelo da
exemplificação repetitiva que beira o pueril. Para ir mais longe, você deveria se perguntar o que é
opinião e qual o processo que nos leva a ter um juízo.

A opinião é inerente ao ser humano, pois ela reflete a forma do próprio pensar, essa é uma coisa
que você não pode parar de fazer. O processo do pensamento inclui perceber, discriminar e avaliar
o que ocorre ao nosso redor a partir dos critérios de utilidade, prazer, ameaça etc. Não há como
ficar indiferente a qualquer fenômeno do qual você tome contato. No mínimo, sua opinião seria
“isso não é importante para mim”, mas mesmo essa ideia já seria uma opinião.

Sendo assim, não se pode falar em “tolice” de ter uma opinião, mas pode-se falar em tolice em
manifestar uma opinião. Quem expressa publicamente um ponto de vista sabe que terá que
sustentá-lo e, portanto, deve manifestar conhecimento sobre o assunto. Caso contrário, poderá
ser visto como uma pessoa estúpida.

Além disso, as pessoas que acreditam estar certas, muitas vezes, transformam suas hipóteses em
verdades dogmáticas (absolutas que dispensam provas).

Veja que, agora, as possibilidades de tese ficaram mais interessantes:

Opinião todos têm, mas devem manifestar apenas quando possuem conhecimento e
argumentos para sustentá-la.

É tolice ter opiniões dogmáticas sobre as coisas, pois equivaleria dizer que temos
conhecimento absoluto sobre o tema, o que é improvável.

Embora não devamos manifestar as nossas opiniões publicamente a não ser quando
temos certeza, é importante que criemos o hábito de refletir sobre a realidade e de ter
um posicionamento sobre ela.

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Ceticismo versus Dogmatismo


O termo denomina uma corrente filosófica que se popularizou com Pirro de Elis(360-275 a.C.). O
filósofo acreditava que a certeza em relação ao conhecimento era impossível ou até mesmo
prejudicial. Consequentemente, propunha um método prático para se livrar das certezas. Diante
de uma afirmação qualquer, o cético contrapunha uma argumentação contrária com igual força,
obrigando-se a suspender o juízo. Tal procedimento tinha duas finalidades: fazer o indivíduo
abandonar a angústia de querer saber “a verdade”; impedir a cristalização de opiniões em dogmas.
Desde então, a palavra cético passou a designar a pessoa que não acredita em nada, que duvida.
Pode-se falar de forma restrita, dizer que alguém é cético em relação a algo. Por exemplo, alguém
pode dizer que é cético em relação à descoberta da cura do câncer.
Dogmatismo, significa ser crédulo, acredita sem provas. Dogma é uma verdade revelada que não
necessita de provas que não deve ser contestada, por isso, costuma-se dizer que a religião é
dogmática.

1.1 Apreensão do Tema


Observe o trecho abaixo.

O homem se apaixona muitas vezes durante a vida. Numa época, como a nossa, em
que a expectativa média do brasileiro é viver 70 anos, isso é significativo.
Qual será o tema do texto? Observe que, no primeiro período, o autor parece se referir à
paixão. O leitor, portanto, espera que o texto tematize o amor. A introdução de outro tema, o da
“expectativa de vida média” do brasileiro, altera a ideia inicial. Qual será o desenvolvimento? Há
várias possiblidades:

1
Amor Expectativa de Separação
vida

Expectativa de Necessidade de
2 Amor
vida se manter fiel

3 Expectativa de Mundo
Amor
vida moderno

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No primeiro exemplo, a ênfase deve recair sobre o tema da separação. O texto deve se
articular para que esse tema organize as outras informações. Uma tese como “a maior expectativa
de vida torna a separação mais comum” sintetizaria a intenção de dar relevo a esse tema.
No segundo, a questão agora é organizar as mesmas ideias em torno de um outro núcleo,
o do sentimento amoroso. Uma tese mais adequada seria: manter o sentimento amoroso no
mundo moderno é um grande desafio, pois cabe aos amantes manter a reciprocidade de
sentimentos mesmo em virtude do aumento da expectativa de vida dos casais.
No terceiro, o tema passa a ser o aumento da expectativa de vida e suas consequências. A
tese deve ser outra. No mundo moderno, o aumento de expectativa de vida modifica as formas de
relacionamento, entre elas, pode-se destacar o amor.

Observe que, nos três esquemas, há três núcleos temáticos. Para se definir o principal, será
preciso perceber o desenvolvimento do texto e qual o sentido que será dado pela próxima ideia.
Exemplificando, observe o que aconteceria se a segunda frase fosse outra:

O homem se apaixona muitas vezes durante a vida. As paixões são muitas e das
mais variadas, vão além da relação homem-mulher.
Agora o tema é outro. A paixão que será discutida não é a paixão amorosa, mas o
entusiasmo pela vida.
Isso significa que um texto é um emaranhado de temas. Se eles forem bem organizados,
haverá um percurso coerente que indicará um dos temas como preponderante e organizador dos
outros. O exercício do Vestibulando é perceber esse encadeamento e depreender a unidade na
diversidade de assuntos.
Aproveite para testar sua capacidade de captar o tema central. Tomei como caráter
ilustrativo esta questão de interpretação de 2007. Observe como vários temas são discutidos no
texto de apoio, mas submetidos ao tema central.

Q.ETE/2007
Adestram-se animais, cultivam-se plantas e educam-se os seres humanos... Poderíamos
dizer que o cultivo, o adestramento, a educação passam pela vida. Na história da experiência de
viver que caracteriza a experiência de outros animais, das árvores e da experiência humana, nós,
homens e mulheres, fomos os únicos capazes de inventar a existência.
A invenção da existência deu-nos a possibilidade de estarmos não apenas no mundo, mas
com o mundo. Eu posso mudar o mundo e é fazendo isso que eu me refaço. É mudando o mundo
que eu me transformo também. Homens e mulheres inventam a história que eles e elas criam e
fazem. Nós temos de colocar a existência decentemente frente à vida, de tal maneira que a
existência não mate a vida e que a vida não pretenda acabar com a existência, para se defender

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dos riscos que a existência lhe impõe. Isso, para mim, faz parte dessa briga pelo verde. Lutar pelo
verde, tendo certeza de que sem o homem e a mulher, o verde não tem cor.
(Adaptado de:

<http://www.semasa.sp.gov.br/admin/biblioteca/docs/pdf/LIVRO_GEST_ED_AMB_V1.pdf>
acessado em: fev. 2007.)

No texto, o autor explicita seu ponto de vista sobre alguns aspectos da evolução da vida no
planeta. Com base nas ideias desse autor, pode-se afirmar que
a) a preservação do planeta dependerá do adestramento dos seres humanos.
b) o equilíbrio entre o homem e a natureza será destruído pela "revolução verde".
c) a vida do planeta dependerá da forma como o homem construir sua existência.
d) a invenção da existência provocará grandes catástrofes naturais no planeta.
e) os seres humanos viverão com base nas experiências de outros animais e vegetais.

Comentário: Esse fragmento é muito interessante. Observe que o texto começa a discutir
educação, mas, ao final do primeiro parágrafo, o autor chega a outro tema: inventar a existência.
No parágrafo seguinte, ele acrescenta outras ideias: inventamo-nos juntos com os outros; há
primazia da existência em relação à vida; precisamos defender a questão ambiental. Qual desses
fragmentos temáticos configura-se como o principal? Aquele que se repete.

O tema organizador não deve ser


ele deve ser

Alternativa a, falsa. O “adestramento” é um tema do primeiro parágrafo e “preservação” do final


do texto; esses subtemas não estão ligados diretamente.
Alternativa b, falsa. No máximo, o autor fala em “briga pelo verde”, mas não há referência à
revolução verde.
Alternativa c, correta. O vocábulo “existência” se repete no texto (7 vezes) e a palavra “vida”
também (5 vezes). Além disso, a tese do autor aparece com todas as letras no seguinte trecho: “nós
temos de colocar a existência decentemente frente à vida”.
Alternativa d, falsa. O texto afirma que a preocupação coletiva com a “existência” é o que garantirá
a vida, o que significaria evitar a catástrofe e não o contrário, a invenção da existência não leva a
calamidades.
Alternativa e, falsa. A comparação no primeiro parágrafo entre homens e animais tem a função
simplesmente de mostrar que todos precisam de algum tipo de cuidado: cultivo para as plantas,
adestramento para animais, ou educação para os homens. Não há transposição de experiências
entre os três.
Gabarito: C
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Eu vou ter que interpretar um texto para chegar ao tema da Fuvest?


Normalmente, a FUVEST deixa muito claro qual é o tema no próprio comentário. De 2000
até 2018, houve duas propostas que exigiam um pouco mais do candidato porque o tema dado era
figurativo. Em 2005, o candidato foi convidado a pensar na “catracalização da vida”, uma metáfora
para os controles sociais; em 2013, o vestibulando deveria interpretar a propaganda de um cartão
de crédito. Ou seja, a questão da apreensão do tema não é tão problemática, a questão mais
complexa seria perceber com o que o tema dialoga socialmente e qual o recorte solicitado.

1.2 Texto e Contexto


Observe a propaganda abaixo.

(disponível em https://www.propagandashistoricas.com.br/2014/04/yamaha-rd-50-primeira-moto-
brasileira.html, consultado em 12.03.2019)

Aparentemente, essa propaganda parece bastante simples. Mas algumas palavras utilizadas
no corpo do texto têm sentidos mais profundos quando se observa a época em que foi feita. O
cartaz é de 1975, dois anos após a crise do petróleo.
Os países exportadores aumentaram o preço do combustível comprometendo o “milagre
brasileiro” – termo que se refere ao período de 1969 a 1973, no qual o Brasil cresceu em média
10% ao ano. Após a crise, a inflação acelerou, houve arrocho salarial e o ufanismo brasileiro ficou
comprometido. Nos anos precedentes, o governo militar promovera slogans como “Ninguém
segura esse país”. A impressão que se tinha era a de que, finalmente, o país faria parte do seleto
grupo de nações desenvolvidas.
A primeira frase “lançada a primeira moto brasileira” fazia referência ao fato de a empresa
nipônica ser a primeira a produzir uma moto em solo pátrio. Mas veja, seria mais exato dizer
“lançada a primeira moto fabricada no Brasil”. Ao fazer questão de utilizar o adjetivo “brasileira”,
a propaganda dialogava com o ufanismo ferido dos brasileiros.

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A mesma lógica presidiu a construção da segunda frase, “a Yamaha mais moderna do


mundo”. Transmite-se a ideia de rendição de um país desenvolvido ao potencial nacional, já que a
empresa resolveu montar a moto “mais moderna” aqui, no Brasil. Isso sem falar no apelo da palavra
“moderna”, termo atrativo para um povo que perseguia a modernização desde o começo do século
XX.
Ao mesmo tempo, a peça publicitária não deixa de considerar a grave situação econômica
do país. Embaixo das letras em amarelo “RD 50”, é possível ler as seguintes palavras: “poupança
em duas rodas”. Tratava-se de um grande apelo para uma população que empobrecia.
Todo texto incorpora as ideias de uma dada época devido às práticas e as circunstâncias que
envolveram a produção do texto.

Então, vou ter que conhecer um pouco da cultura no momento da produção do texto?
Perfeito.
A apreensão da proposta de redação exige conhecimento cultural do presente e dos
discursos em circulação sobre o tema.

1.3 Seu texto no Mundo dos Discursos


Para entender como se dá a leitura de um tema para redação, é preciso ter em mente que
a interpretação tem como finalidade o posicionamento diante do tema. Seguem os passos desse
processo interpretativo.

Ler a proposta e compreender o tema

Apreender as relações do tema com a história ou sociedade

Fazer um levantamento dos discursos sobre o tema

Posicionar-se levando em consideração, respeitosamente, os discursos contrários

Mas o que são discursos?


Vamos supor que você tenha se deparado com os números sobre a situação das mulheres
amplamente divulgados no Dia Internacional da Mulher.

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“Das 40,2 milhões de trabalhadoras, 24,3% haviam completado o ensino superior,


enquanto entre os homens ocupados a proporção era de 14,6%. Apesar disso, em média, as
mulheres que trabalham recebem rendimentos 24,4% menores que os dos homens.”
(disponível, em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/20287-no-dia-da-mulher-estatisticas-sobre-trabalho-mostram-desigualdade,
consultado em 12.03.2019)
Esse é o conhecimento adquirido pela leitura de jornal. Mas sua vivência conta e muitas
vezes pode ser contraditória diante desses fatos. As mulheres próximas de você são respeitadas,
você nunca soube de um caso de violência familiar e sua mãe tem uma boa colocação no mercado
de trabalho.
Perceba que a questão da mulher é atravessada por fatos díspares e até contraditórios.
Contudo, os fatos não são determinantes na decifração do tema. São os discursos de
avaliação, de explicação, de opinião que circulam numa sociedade que interessam a quem vai
escrever um texto. Observe a proposta de redação abaixo, da PUC/PR 2017.

REDAÇÃO
Para atender à proposta, seu texto deverá apresentar
- ponto de vista bem definido;
- argumentos que sustentem seu ponto de vista.
Sua redação será anulada se você
- reproduzir a coletânea;
- fugir ao recorte temático;
- não escrever uma dissertação-argumentativa;
- apresentar letra ilegível, impropérios, desenhos ou qualquer forma de identificação no texto.
TEXTO 1

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FONTE: http:\wwwestadodedireito.com.br. Acesso em 19/07/2016.

TEXTO 2

A USP é uma das dez universidades mundiais escolhidas para fazer parte do movimento solidário
ElesPorElas (HeForShe), da ONU Mulheres – instituição criada pelas Nações Unidas para o
desenvolvimento de projetos na área de igualdade de gêneros e empoderamento feminino. O
projeto faz parte do programa Impacto 10x10x10, lançado no Fórum Econômico Mundial, em
Davos, em janeiro de 2015, reunindo líderes mundiais, dos setores público e privado e da academia.
Os critérios de seleção das universidades são baseados em sua reputação ética, excelência no
serviço público, relevância e alcance global e a boa vontade em usar sua influência para comandar
e inspirar mudanças no ensino superior – além da USP, participam Georgetown University,
University of Hong Kong, University of Leicester, Nagoya University, Oxford University, Sciences Po,
Stony Brook University (The State University of New York), University of Waterloo e University of
the Witwatersrand.
A parceria com a USP, a única universidade latino-americana, surgiu em junho do ano passado,
gerando a criação do Programa USP Mulheres, que agora conta com um escritório dentro do
campus da Cidade Universitária, em São Paulo. Segundo Eva Blay, em artigo publicado no Jornal da
USP, o Escritório USP Mulher, vai se esforçar para implantar programas que balizem valores
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igualitários e os decorrentes comportamentos. “As portas do Escritório estarão abertas para


construir uma nova ética de solidariedade, igualdade e paz.”
(LEPINSKI/ Paula. A criação do escritório USP mulheres. São Paulo: Jornal da USP. Disponível em:
www.5.usp.br. Acesso em 19/07/2016).

TEXTO 3

A Evolução dos Direitos das Mulheres


A luta por igualdade de gênero passa por uma evolução lenta, mas gradual. A mulher, durante toda
a história, foi tratada de forma preconceituosa, no entanto, é notório o caráter evolutivo da
temática em nosso constitucionalismo. Para que as palavras se concretizem, é imprescindível
conhecermos a trajetória traçada ao longo do tempo.
Na Constituição de 1824, sequer se cogitava a participação da mulher na sociedade, a única
referência era especificamente da família real. Na Constituição da República (1889), somente era
citada quando se referia à filiação ilegítima, mostrando a (des) importância da figura feminina, que
só interessava quando repercutia na esfera patrimonial. No início do Século XIX mulheres
começaram a se organizar para exigir espaço na área da educação e do trabalho. Em 1898, Myrtes
de Campos se torna a primeira advogada do país. Enquanto isso, muitas mulheres trabalhavam em
condições desumanas, o que reforçou mobilização por condições dignas de trabalho e de
segurança. Em 1880, a dentista Isabel Dillon evocou na Justiça a aplicação da Lei Saraiva, que
garantia ao detentor de títulos o direito de votar. Em 1894, foi promulgado em Santos (SP) o direito
ao voto, mas a norma foi derrubada no ano seguinte, e só em 1905 três mulheres votaram em
Minas Gerais. Em 1917, as mulheres passam a ser admitidas no serviço público. A primeira prefeita
foi eleita em 1928 em Lages (RN). O voto feminino se torna direito nacional em 1932. Eleita em 33,
Carlota de Queiroz é a primeira deputada federal e participa da Assembleia Nacional Constituinte.
Após mais de cem anos de constitucionalismo homem e mulher são colocados em pé de igualdade
na definição de cidadania no texto constitucional de 1934. A mulher passa a ter direitos políticos,
o “desquite” é legalizado. Embora fosse uma grande conquista no papel, não o era ainda na
sociedade. Apesar dos avanços, era preciso uma igualdade constitucional para atender as nossas
necessidades específicas. Assim, conquista - se o primeiro tratamento diferencial, a licença-
maternidade. O texto foi um marco fundamental na luta pela igualdade de gênero, pena que o
tempo desta Constituição foi pequeno. Em 1946 o casamento voltou a ser indissolúvel, o que
significou um retrocesso.
A Constituição de 1967 estabeleceu uma nova desequiparação, diminuindo o tempo de serviço
para a aposentadoria feminina. Nos anos 60, surge a pílula anticoncepcional, um marco e uma
libertação para as mulheres. Grupos feministas que pregavam um tratamento masculinizado às
mulheres surgem na década de 70 protestando por direitos e pendurando sutiãs. Enfim, promulga-
se a “Constituição Cidadã”. A Carta Magna de 1988 menciona a igualdade perante a lei e reafirma
a igualdade de direitos e obrigações de homens e mulheres. Licenças maternidade e paternidade,
proibição de diferenças salariais, proteção no trabalho, estabilidade à gestante, desequiparação na
aposentadoria são constitucionalizados como garantias fundamentais. Na família, união estável,
isonomia conjugal, divórcio, princípio da paternidade responsável e proteções no ambiente familiar
de toda e qualquer forma de violência. Nota-se que a “História das mulheres” não é apenas delas

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é a história da família, da criança, e está diretamente ligada à história dos homens e das relações
de poder estabelecidas ao longo dos tempos.
Não podemos negar os avanços. Somos cidadãs no sentido pleno da palavra, pelo menos na teoria.
Na prática, ainda enfrentamos jornada dupla de trabalho, discriminação e violência. Somos
preteridas na política geral e de classe, embora constituindo a maioria do eleitorado. Somos menos
remuneradas, apesar de sermos mais escolarizadas. Somos preteridas nos esportes, mesmo sendo
maioria nas participações esportivas internacionais. Embora ainda estejamos num mundo
masculinizado, podemos e queremos “ser mulher”, não melhores do que ninguém, mas
simplesmente mulher. Para isso, precisamos de uma discussão honesta sobre as barreiras reais e
falhas que ainda existem no sistema, apesar das oportunidades que herdamos.
[(MARINELA, Fernanda. 1 A evolução dos direitos das mulheres. Disponível em:
www.estadodedireito.com.br. 48ª ed. Acesso em: 19/07/2016)].
Da leitura dos textos motivadores e de seu conhecimento sobre o assunto, escreva em norma
padrão da língua portuguesa, um texto dissertativo-argumentativo contendo entre 20 e 25 linhas,
com seu ponto de vista sobre a seguinte questão:
Igualdade de gênero: empoderamento social e econômico da trajetória feminina.

Essa proposta oferece um recorte de fragmentos que expressam uma opinião favorável ao
“empoderamento feminino”. Observe que os textos escolhidos dialogam em alguma medida com
discursos contrários que também circulam na sociedade. Muitas vezes, a opinião oposta está
implícita, não é nomeada. Vamos tentar resgatar esses discursos contrários. Faça os exercícios
abaixo.

1.3.1. Exercícios: diálogo entre discursos


Siga o modelo da questão comentada abaixo.

Q.1 Observe o cartaz do texto 1. Uma peça publicitária que visava a incentivar as mulheres a se
engajarem no trabalho antes considerado masculino, dada a falta de mão de obra devido
o envolvimento da uma boa parte dos homens na Segunda Guerra Mundial. Faça um
comentário em que você destaque o discurso machista com o qual o cartaz dialoga.

Comentário à primeira imagem. O cartaz foi produzido durante a segunda Guerra


Mundial pela empresa Westinghouse como forma de estimular as operárias a se engajarem
em trabalhos manuais. É preciso lembrar que a Segunda Guerra Mundial foi muito
importante para a emancipação feminina. A mão de obra masculina fora mobilizada para a
guerra e no mundo todo as mulheres começaram a exercer funções antes consideradas
masculinas. O cartaz dialoga com o discurso prevalecente até então de que a mulher seria
um sexo frágil, incapaz de exercer atividades físicas que envolvessem força ou técnica. O

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anúncio tenta abarcar os dois discursos. A personagem feminina usa um lenço que a associa
ao espaço do lar, mas veste um macacão e flexiona o braço exibindo a musculatura. Essas
imagens reforçam a frase de que mulher também pode fazer aquilo que até pouco tempo
atrás era considerado “trabalho de homem”.

Agora que você já entendeu como um tema deve ser apreendido – pelas relações com a
história e pelo diálogo com outros textos -, proponho que você faça um tipo de comentário similar
ao exemplificado acima para os outros textos da coletânea. Lembre-se de que essa atividade vai
prepará-lo para dar respostas dissertativas na segunda fase e vai ajudá-lo no desenvolvimento de
argumentação.
O exercício é muito parecido como que você fez na aula passada, com a única diferença de
que agora você deve incluir no seu comentário a explicitação do discurso com o qual o texto
dialoga.

Q.2 Observe o texto 2, uma réplica de um cartão USPMulheres. A composição central é


estruturada por 2 frases contrárias. A primeira, normalmente, apresenta ações associadas
à pauta feminista; a segunda frase apresenta ideias sociais compartilhadas com as quais a
primeira dialoga. Faça um comentário respeitoso no qual você dê destaque ao diálogo
entre os discursos.

Q.3 Considere o texto que se segue ao cartão USPMulheres. Reflita sobre o papel social da
universidade, sobre os discursos que circulam campus (por exemplo, o discurso jurídico) e
compare-os aos discursos antifeministas. A partir disso, comente a escolha da USP para
fazer parte do movimento solidário ElesPorElas (HeForShe), da ONU Mulheres. .

Q.4 O último texto traz um histórico das conquistas femininas. Observe que cada feito dialoga
com um discurso contrário. Escolha um ou dois episódios dessa história e o(s) comente,
destacando o diálogo entre conquista e discursos.

Gabarito: parâmetros para a escrita

Questão Observe o texto 2, uma réplica de um cartão USPMulheres . A composição central é


02 estruturada por 2 frases contrárias. A primeira, normalmente, apresenta ações
associadas à pauta feminista; a segunda frase apresenta ideias sociais compartilhadas

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com as quais a primeira dialoga. Faça um comentário respeitoso no qual você dê


destaque ao diálogo entre os discursos.
Como você já deve fez em outros comentários, primeiro faça uma paráfrase
contextualizando o texto do cartão: emissor, finalidade e ideia geral. Depois dessa
introdução, você poderia fazer um balanço das liberdades conquistadas pelas mulheres
a partir das primeiras frases. A seguir seria possível destacar como foi difícil chegar a
esse patamar dada a configuração cultural da tradição expressa nas frases do segundo
período. Não simplifique demais as ideias do excerto.
Não seja radical. Note que vivemos em uma sociedade em que os dois tipos de discurso
(ou mais) circulam e não podem ser desqualificados, já que a escolha é livre. Uma
evangélica que escolheu não usar batom e usar roupa mais comprida exerce a mesma
liberdade democrática de escolha que uma feminista.

Questão Considere o texto que se segue ao cartão USPMulheres. Reflita sobre o papel social
03 da universidade, os discursos que circulam campus (por exemplo, o discurso jurídico)
e compare-os aos discursos antifeministas. A partir disso, comente a escolha da USP
para fazer parte do movimento solidário ElesPorElas (HeForShe), da ONU Mulheres.
.
Depois de resumir o assunto, você pode ampliar um dos motivos apontados pelo
texto para a escolha da USP pela ONU Mulheres. O texto afirma que são escolhidas
as instituições que têm “reputação ética, excelência no serviço público, relevância e
alcance global e a boa vontade em usar sua influência para comandar e inspirar
mudanças no ensino superior”. Essa última característica tem potencial para ser
desenvolvida. Na USP, várias mulheres, por serem professoras da instituição,
ocupam também lugar de destaque na sociedade, sendo importantes divulgadoras
dos ideais de igualdade de gênero. Além disso, a liberdade acadêmica garante
produção de conhecimento e de pesquisa que promove o feminismo e isso
realmente tem acontecido.
Outro fator se relaciona ao papel do conhecimento superior na vida da mulher. A
graduação proporciona, ao indivíduo, reconhecimento social e autonomia, traços
importantes para formação de mulheres que lutarão pelos direitos do grupo. Há
várias outras possibilidades. É importante contrapor esse ímpeto universitário ao
ponto de vista tradicionalista. Por exemplo, o reconhecimento social da aluna
universitária certamente é uma contraprova ao discurso, segundo o qual, a
capacidade intelectual da mulher é inferior à do homem.

Questão. O último texto traz um histórico das conquistas femininas. Observe que cada feito
04 dialoga com um discurso contrário. Escolha um ou dois episódios dessa história e o(s)
comente, destacando o diálogo entre conquista e discursos.

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O procedimento mais indicado é o de ampliação de ideias ou de reorganização dos


dados, considerando a contraposição entre discursos atuais e discursos tradicionais.
Vou dar um exemplo de como isso poderia ser feito. As possibilidades são amplas,
dada a quantidade de informações trazida pelo texto fonte.
“Ninguém, hoje em dia, contestaria a capacidade feminina em escolher um
candidato e votar nele. A ideia de que mulher não seria capaz de entender política
atualmente foi sepultada, embora o processo de luta contra tal discurso tenha sido
penoso e longo. Em 1880, numa afronta ao discurso estabelecido de que o dito sexo
frágil não sabia votar, Isabel Dillon exigiu a aplicação da Lei que dava esse direito a
quem portasse os documentos necessários, mesmo que fosse uma mulher. Foi um
longo caminho até que houvesse uma mulher que exercesse cargo político – a
primeira prefeita só foi eleita no Brasil em 1928, em Lages (RN).

SE LIGA!!!

Quando for possível e conveniente, no seu argumento, cite os discursos contra os quais
você se posiciona, explique-os, relativize-os e depois contra-argumente. Por exemplo, ao
dissertar sobre a questão feminina é sempre interessante começar pelo senso comum e
depois se posicionar de forma contrária. Segue um exemplo de começo de argumentação:
“No passado, dizia-se abertamente que o lugar da mulher era na cozinha. A expressão do
senso comum referia-se a uma divisão básica do trabalho familiar: o homem era o provedor
e a mulher cuidava do lar. Contudo, tal ditado associava-se a um evidente desprezo pelo
trabalho feminino. Ora, isso signicava um diminuição da capacidade feminina, o que não
condiz com a realidade...”

*Se você quiser argumentar contra algum elemento do discurso feminista,faça o contrário.
Comece pela opinião contra a qual você investirá a qual você investirá e depois contra-argumente.

1.4 Recorte
Qual é a diferença entre as propostas de redação da FUVEST e as de outros vestibulares?
Qualquer candidato corujinha diria que os temas do cobiçado vestibular são mais abstratos,
filosóficos, muito mais complexos. É verdade que eles têm um viés filosófico ou sociológico
inegável, algo que se percebe, inclusive, pelas citações nas coletâneas. A FUVEST já citou vários
filósofos e sociólogos.
Contudo, eu diria que a Banca, com algumas exceções, privilegia temas amplos que
permitem abordagens múltiplas. Você não verá um tema como: “a pena de morte deve ou não ser
aprovada”? Se a FUVEST quiser que você trate desse assunto, ela vai dar um tom acima, mais
abrangente, algo que lhe permita abordar esse tópico como subtema. Será algo como “o conceito

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de justiça no contexto da violência endêmica.” Bonito, né? Bonito e indefinido. Você, corujinha
atenta, já começa a suar frio diante de um tema que é tudo. Você não sabe nem por onde começar.
Aqui entra um outro componente importante no seu processo de interpretação da
proposta: o recorte temático que deve aparecer no jogo entre tema e textos da coletânea. A Banca,
portanto, amplia o tema e, ao mesmo tempo, oferece elementos de recorte do assunto que devem
ser observados.
Consideremos a prova da FUVEST de 2008. A Banca, depois de elencar três pequenos textos
e uma imagem, solicitava que o aluno produzisse uma dissertação em prosa, sem deixar explícito
o tema. Apesar disso, era fácil perceber o assunto que deveria nortear a produção do texto. O
primeiro texto falava em “Vigilância Epistêmica”.
Nesse momento, você poderia se perder na interpretação. A definição dada era a seguinte:
“Vigilância epistêmica* é a preocupação que todos nós deveríamos ter com relação a tudo o que
lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados, para não
acreditarmos em tudo o que é escrito e dito por aí. É preciso vigiar o futuro para sabermos separar
o joio do trigo”. Vamos supor que você desenvolvesse uma tese condenando a fofoca no mundo
moderno. Bom, isso tem a ver com vigilância epistêmica, mas a partir dos outros textos, ficava claro
que você deveria discutir esse tema a partir do recorte da era digital.
Mas o quê exatamente sobre o mundo digital? A exploração da pornografia? A invasão de
privacidade? As fake News? O linchamento virtual?
Pois é, somente a coletânea poderia dar a você a dimensão do tema que você deveria
desenvolver. Tente perceber o recorte.

Oba... tema da FUVEST

(Fuvest 2008) REDAÇÃO

Vigilância epistêmica* é a preocupação que todos nós deveríamos ter com relação a tudo o que
lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados, para não
acreditarmos em tudo o que é escrito e dito por aí. É preciso vigiar o futuro para sabermos separar
o joio do trigo**.

Hoje boa parte dos sites de busca indexam tudo o que encontram pela frente à internet, mesmo
que se trate de uma grande bobagem ou de evidente inverdade. Qualquer opinião emitida, vista
como um direito de todos, é divulgada aos quatro cantos do mundo. De fato, alguns desses sites
de busca deveriam colocar, nos primeiros lugares, páginas de renomadas Universidades,
preocupadas com a verdade.
Todos precisamos estar muito atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos:
- se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, se é um especialista comprovado, se
sabe do que está falando;
- se quem nos fala ou escreve, na verdade, é um idiota que ouviu falar algo e simplesmente repassa,
aos outros, o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada de útil.

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Aumentar nossa vigilância e preocupação com a verdade é necessidade cada vez mais premente
num tempo que todos os gurus chamam de Era da Informação.
Discordo, profundamente, desses gurus. Estamos, na realidade, na Era da Desinformação, de tanto
lixo e ruído sem significado que, na maior parte das vezes, nos são transmitidos, todos os dias,
eletronicamente, sem que exista o menor cuidado com a precisão e seriedade do que se emite, por
parte das fontes que colocam matérias na rede. É mais uma consequência dessa ideia que a maioria
das pessoas tem sobre a liberdade de expressar o que bem quiser, de expressar qualquer opinião
que seja, como se opiniões não precisassem se basear no rigor científico, antes de serem emitidas.

Stephen Kanitz, Revista Veja, 03/10/2007. Adaptado.

* Vigilância epistêmica = capacidade de ficar atento e perceber se uma afirmação tem ou não valor
científico.
** Separar o joio do trigo = no contexto, capacidade de diferenciar observações equivocadas,
mentiras mesmo, de outras afirmações que contêm verdades.

Países se unem em projeto da ONU

Tesouros informativos de vários países estarão disponíveis gratuitamente para qualquer


internauta, a partir deste mês, com a formação da Biblioteca Digital Mundial, uma iniciativa da
ONU. O portal terá, na primeira fase, mapas, fotografias e manuscritos, com textos explicativos em
sete línguas, inclusive português. Na segunda fase, será possível consultar livros.
A Biblioteca Nacional brasileira é uma das participantes.
O Estado de S. Paulo, 02/10/2007. Adaptado.

O acesso à Informação (em sua maioria, eletrônica) se tornou o direito humano mais zelosamente
defendido. E aquilo sobre o que a informação mais informa é a fluidez do mundo habitado e a
flexibilidade dos habitantes. O noticiário - essa parte da informação eletrônica que tem maior
chance de ser confundida com a verdadeira representação do mundo lá fora é dos mais perecíveis

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bens da eletrônica. Mas a perecibilidade dos noticiários, como informação sobre o mundo real, é
em si mesma uma importante informação: a transmissão das notícias é a celebração constante e
diariamente repetida da enorme velocidade da mudança, do acelerado envelhecimento e da
perpetuidade dos novos começos.

Zygmunt Bauman. Modernidade Líquida. Adaptado.

Instrução: Os textos apresentados trazem reflexões e notícias sobre o mundo digital. Com base
nesses textos e em outras informações e ideias que julgar pertinentes, redija uma DISSERTAÇÃO
EM PROSA, argumentando de modo claro e coerente.

No primeiro texto, o autor já define melhor seu tema. Haveria urgência em se manter
vigilante em relação ao conhecimento, pois viveríamos na era da Desinformação ligada à “rede”,
ou seja, à internet. O autor do texto percebe, na disseminação de opiniões sem qualquer
embasamento, uma ameaça social.
Para que você tenha certeza de que o tema tem a ver com a com a internet, a foto e o texto
seguinte informam que “tesouros” históricos como fotos estão disponíveis na rede para quem
quiser consultá-los. Deveria ficar claro para o intérprete do tema que, potencialmente, a rede é
uma fonte quase inesgotável de informações valiosas.
A seguir, observava-se o texto de Zigmunt Bauman 2. Em resumo, o sociólogo destacava a
tendência da sociedade contemporânea de lidar com a informação de uma maneira diferente de
como faziam nossos ancestrais. Se no passado as pessoas buscavam se informar para compreender
melhor o mundo, no mundo atual, o que importa é o fluxo de informação, o fluxo em si. Estar
antenado com a última notícia, não importa se verdadeira ou falsa, porque, rapidamente, ela se
tornará ultrapassada.
Pegou qual é o recorte? Discutir a necessidade da vigilância epistêmica no mundo da era
cibernética da informação, considerando causas para o fenômeno.

Os três tipos de recorte


Na própria prova, muitas vezes, a Banca chama a atenção para o recorte e direciona a
interpretação do candidato. Fique atento.
Podemos sistematizar, em três, os procedimentos mais comuns nos enunciados das provas
anteriores.

2Um dos mais importantes sociólogos do século XX. Polonês, nasceu em 1925 e morreu em 2017. Fez uma
análise das relações sociais fluídas que marcam as sociedades a partir da segunda metade do século XX e
estudou o impacto desse fenômeno nas formas de viver.

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Jogo entre proposta explícita e fragmentos da coletânea. A proposta de


2008, comentada, exemplifica esse tipo de recorte.

Inclusão de perguntas. Em 2014, o texto base trazia opiniões do Primeiro


Ministro do Japão sobre os idosos, seguiam-se perguntas. Ao respondê-las,
automaticamente, chegava-se ao recorte.

Recorte da banca. Em 2007, o tema foi fronteiras. A Banca lembrou que


existiam fronteiras psicológicas, do pensamento, da ciência e da
linguagem. Depois, solicitou que o candidato escolhesse um desses aspectos
e desenvolvesse o texto.

1.4.1. Exercícios: Recorte do Tema


Como vimos na seção anterior, acostumar-se a fazer um recorte do tema é muito importante
na FUVEST.
A partir de um tema bastante amplo, você encontrará textos ou comentários que darão uma
configuração diferente ao tema. Faça um parágrafo de comentário, associando o tema geral ao
recorte.

Suponha uma proposta que tenha o seguinte comando: Com base nas ideias e sugestões
presentes na imagem e nos textos aqui reunidos, redija uma dissertação argumentativa, em prosa,
sobre o seguinte tema: O significado do processo educacional no mundo contemporâneo.

Q.1 A imagem abaixo foi tirada no show de Roger_Waters_em_St._Louis. A imagem faz


referência ao clip da música The WallI, no qual há uma crítica contundente ao sistema
educacional. As escolas teriam criado indivíduos que foram adestrados por marteladas e
com potencial para repetir esse padrão. No show de Roger Waters (figura abaixo), associa-
se esse processo educacional ao fascismo. A partir da imagem, faça um comentário em que
seja observável o recorte do tema.

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Roger Waters The Wall Yankee Stadium


2012-07-06 2. ( disponível em
https://commons.wikimedia.org/wiki/File
:Roger_Waters_The_Wall_Yankee_Stadiu
m_2012-07-06_2.jpg, consultado em
15.03.2019).

A educação, de forma geral, define-se pela necessidade de transmitir os padrões culturais para a nova geração. No
mundo contemporâneo, esse processo se tornou mais complexo, pois deve incluir o conhecimento tecno-científico.
Contudo, ele não é neutro. É interessante como Pink Floyd representa o sistema educacional. O clip da música “The
Wall” mostrava cenas de jovens sendo adestrados para se comportarem de modo massificado. Em que se pesem as
liberdades conquistadas no sistema educacional desde aquela época, a finalidade do sistema como um todo ainda
mantém um viés de domesticação do jovem .
Comentário: Observe que comecei pelo tema, o processo educacional, ao qual me refiro
nas duas primeiras linhas. Depois disso, apontei aquilo que se poderia inferir das intenções
do grupo de Rock (adestramento juvenil), aplicando essa ideia às circunstâncias
contemporâneas.
O tema explícito associado à foto e à informação sobre ela deveria levá-lo ao seguinte
recorte: a crítica ao sistema educacional do Pink Floyd procede? É exagerada? No meu
comentário, concordei com o grupo musical.

Faça o mesmo. Nos próximos exercícios, você encontrará o tema amplo da Educação e um
texto que oferece um recorte. Leia o texto de recorte do tema e faça um comentário juntando
tema e recorte.

Q.2 O poema abaixo de Bertold Brecht expressa a concepção do poeta sobre educação. A partir
da poesia, faça um comentário em que seja observável o recorte do tema segundo esse
outro viés.
ELOGIO DO APRENDIZADO

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Aprenda o mais simples! Para aqueles


Cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!


Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!

(...)
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.

Ponha o dedo sobre cada item


Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.

(BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956; seleção e tradução: Paulo César de Souza. São Paulo:
Editora 34, 2012. p. 114.)3

Q.3 A reportagem abaixo, publicada no Estadão, apresenta um ponto de vista econômico sobre
o tema. A partir do texto, faça um comentário levando em consideração tal recorte.
Conexão entre educação e desenvolvimento

3
Bertold Brecht foi poeta e dramaturgo alemão, nasceu em 1898 e morreu em 1856. Em 1920, adere ao
marxismo e torna-se crítico do sistema capitalista. Seus experimentos teatrais revelam sua opção ideológica.
Vale-se da ideia de práxis (fazer um teatro que deve interferir na vida) e da tentativa de provocar o
estranhamento.

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José Matias-Pereira*, O Estado de S. Paulo


15 de maio de 2015 | 22h00
O Banco Mundial atribuiu a pobreza como causa pela estagnação do processo de
desenvolvimento, e falta de acesso à educação como responsável pela perpetuação da
pobreza. É perceptível a existência de uma inter-relação positiva entre a educação e o
desenvolvimento de um país. Sob essa ótica, o investimento em educação contribui para
o país alcançar um maior nível de desenvolvimento, sem desconsiderar que este (o
desenvolvimento) pode gerar acréscimos no nível educacional da população.

O ranking mundial de educação, divulgado recentemente pela Organização para a


Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), coloca o Brasil no desconfortável 60º
lugar (foram avaliados 76 países por meio do desempenho de alunos de 15 anos em testes
de ciências e matemática). O ranking evidencia a baixa prioridade que vem sendo dada
pelos governantes e políticos brasileiros para a as políticas públicas de educação de
qualidade nas últimas décadas.

(disponível em https://www.estadao.com.br/noticias/geral,conexao-entre-educacao-e-
desenvolvimento,1688387,consultado em 15.03.2018)

Q.4 Considerando o quadro abaixo e o tema do processo educacional no mundo moderno,


responda às seguintes perguntas: o que esse fenômeno revela sobre o sistema
educacional? Em que medida, o processo escolar contribui para isso? Quais são os valores
que realmente estão sendo transmitidos no processo? Que tipo de violência está implícito
na educação formal hoje em dia?

Cronologia dos casos de atiradores em escolas

2019 – Suzano. (São Paulo) – Dois jovens encapuzados atiraram em alunos da escola
fazendo 8 vítimas fatais.

2017 – Goiânia (Goiás) – Um adolescente de 14 anos matou dois colegas e feriu outros
4.

2012 – Santa Rita região metropolitana de João Pessoa (Paraíba) – Um adolescente de


16 anos atirou em 3 alunas da escola.

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2011 – São Caetano do Sul (São Paulo) – Um aluno de 10 anos de idade atirou na
professora.

2011 – Realengo (Rio de Janeiro) – Um homem de 23 anos invadiu uma escola e matou
12 adolescentes.

Fonte: https://www.folhape.com.br/noticias/noticias/sao-
paulo/2019/03/13/NWS,98707,70,632,NOTICIAS,2190-RELEMBRE-OUTROS-CASOS-
ATIRADORES-ESCOLAS-BRASIL.aspx

Q.
5

“Pesquisa: escola não prepara aluno para mercado de trabalho”


(Disponível em https://compromissocampinas.org.br/pesquisa-escola-nao-prepara-aluno-
para-mercado-de-trabalho/, acessado em 13.03.2019)
A questão sobre o processo educacional na contemporaneidade levanta discussões
relacionadas a aspectos econômicos, sociais e subjetivos. Escolha um desses elementos
como recorte temático e faça seu comentário.

Gabarito: parâmetros para a escrita


Questão O poema abaixo de Bertold Brecht expressa a concepção do poeta sobre educação.
02 A partir da poesia, faça um comentário em que seja observável o recorte do tema
segundo esse outro viés.

Aula 01 — Tema e tese 25


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ELOGIO DO APRENDIZADO

Aprenda o mais simples! Para aqueles


Cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!


Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, mulher na cozinha!

(...)
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe.
Verifique a conta
É você que vai pagar.

Ponha o dedo sobre cada item


Pergunte: O que é isso?
Você tem que assumir o comando.

(BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956; seleção e tradução: Paulo César de Souza. São
Paulo: Editora 34, 2012. p. 114.)
Comentário: Você poderia começar o texto contextualizando a polêmica para seu
leitor. Deve ficar claro que sua reflexão tenta responder à seguinte pergunta: a
educação é realmente capaz de fazer com que o indivíduo saia da alienação? Se você
optar por citar o poema de Brecht, interprete-o para seu leitor. A partir daí, bastaria
mencionar os núcleos de ideias que poderiam dar sustentação ao seu ponto de vista.
Não perca de vista que sua resposta não se refere a casos particulares, mas “ao
processo educacional no mundo contemporâneo”.

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Questão A reportagem abaixo, publicada no Estadão, apresenta um ponto de vista econômico


03 sobre o tema. A partir do texto, faça um comentário levando em consideração tal
recorte.
Conexão entre educação e desenvolvimento
José Matias-Pereira*, O Estado de S. Paulo
15 de maio de 2015 | 22h00
O Banco Mundial atribuiu a pobreza como causa pela estagnação do processo de
desenvolvimento, e falta de acesso à educação como responsável pela perpetuação
da pobreza. É perceptível a existência de uma inter-relação positiva entre a
educação e o desenvolvimento de um país. Sob essa ótica, o investimento em
educação contribui para o país alcançar um maior nível de desenvolvimento, sem
desconsiderar que este (o desenvolvimento) pode gerar acréscimos no nível
educacional da população.

O ranking mundial de educação, divulgado recentemente pela Organização para a


Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), coloca o Brasil no
desconfortável 60º lugar (foram avaliados 76 países por meio do desempenho de
alunos de 15 anos em testes de ciências e matemática). O ranking evidencia a baixa
prioridade que vem sendo dada pelos governantes e políticos brasileiros para a as
políticas públicas de educação de qualidade nas últimas décadas.

https://www.estadao.com.br/noticias/geral,conexao-entre-educacao-e-
desenvolvimento,1688387
Comentário: Neste comentário, a contextualização pode ser muito breve. No
primeiro período você já pode se posicionar e, ao fazer isso, você apresentará o
recorte e, ao mesmo tempo, a tese. Veja que há algumas possibilidades de
posicionamento:
✓ A educação é importante para o desenvolvimento de um país.
✓ A ideia da educação como mola do desenvolvimento é um mito que não se
sustenta, embora sem ela a situação econômica piore.
✓ A educação é um dos componentes de desenvolvimento, mas não é o
principal.

Depois de apresentar o seu posicionamento, levante alguns fatos ou ideias que


possam dar suporte ao seu ponto de vista.

Questão Considerando o quadro abaixo e o tema do processo educacional no mundo


04 moderno, responda as seguintes perguntas: o que esse fenômeno revela sobre o
sistema educacional? Em que medida o processo escolar contribui para isso? Quais

Aula 01 — Tema e tese 27


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são os valores que realmente estão sendo transmitidos no processo? Que tipo de
violência está implícito na educação formal hoje em dia?

Cronologia dos casos de atiradores em escolas

2019 – Suzano. (São Paulo) – Dois jovens encapuzados atiraram em alunos da


escola fazendo 8 vítimas fatais.

2017 – Goiânia (Goiás) – Um adolescente de 14 anos matou dois colegas e feriu


outros 4.

2012 – Santa Rita região metropolitana de João Pessoa (Paraíba) – Um


adolescente de 16 anos atirou em 3 alunas da escola.

2011 – São Caetano do Sul (São Paulo) – Uma aluno de 10 anos de idade atirou
na professora.

2011 – Realengo (Rio de Janeiro) – Um homem de 23 anos invadiu uma escola e


matou 12 adolescentes.

Fonte: https://www.folhape.com.br/noticias/noticias/sao-
paulo/2019/03/13/NWS,98707,70,632,NOTICIAS,2190-RELEMBRE-OUTROS-
CASOS-ATIRADORES-ESCOLAS-BRASIL.aspx

Comentário: Novamente, não é preciso uma paráfrase longa. Um período


mencionando o fenômeno bastaria. Logo a seguir, seria possível ir respondendo às
questões. Primeiro tente respondê-las num rascunho, veja quais você consegue
responder e depois transponha as ideias levantadas para o texto escrito.
Rascunho:
O que esse fenômeno revela sobre o sistema educacional? O sistema educacional
não é diretamente responsável. Mas as escolas não estão preparadas para novas
demandas dos jovens.
Em que medida o processo escolar contribui para isso? Na medida em que não se
olha para o aluno como ser humano que deve ser cuidado, mas como número numa
sala de aula.
Quais são os valores que realmente estão sendo transmitidos no processo? Não sei.
Que tipo de violência está implícito na educação formal hoje em dia? A violência da
opinião social de qualificação ou desqualificação que gera bullying.

Aula 01 — Tema e tese 28


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Veja, dei respostas rápidas e esquemáticas. Não é preciso responder a todas, tanto
que não respondi a uma delas. Tendo algumas ideias, é possível compor o texto,
desenvolvendo melhor os esboços.

Q.5

Pesquisa: escola não prepara aluno para mercado de trabalho


(Disponível em https://compromissocampinas.org.br/pesquisa-escola-nao-prepara-
aluno-para-mercado-de-trabalho/, acessado em 13.03.2019)
A questão sobre o processo educacional na contemporaneidade levanta discussões
relacionadas a aspectos econômicos, sociais e subjetivos. Escolha um desses elementos
como recorte temático e faça seu comentário.
Comentário: Essa orientação de recorte é a mais complicada, pois ainda assim a proposta
continua indefinida. O que se entende por
✓ aspecto econômico? Geração de riqueza para o país (o fragmento do Estadão para a
questão 3 tem esse viés);
✓ aspecto social? Esse é mais difícil, pode se referir à relação entre classes sociais
(importância da educação para a ascensão social); ao bem-estar dos indivíduos numa
sociedade (a educação como forma de promover paz e harmonia social); aos
problemas do Brasil (violência, desigualdade, desvalorização cultural da educação)
etc.
✓ aspecto subjetivo? Refere-se ao impacto da educação formal e institucional na
construção da personalidade do indivíduo, refere-se à psicologia.
Escolha um desses aspectos e o desenvolva. Não tente relacioná-los. Não é preciso e você
pode se perder no comentário.

Aula 01 — Tema e tese 29


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Freud4 e Educação
O pai da Psicanálise não falou muito sobre educação formal (escolar, institucional). Contudo, o
alemão desenvolveu um argumento interessante para pensar a importância social da educação e
o seu caráter violento.
Em Mal estar na civilização, Freud apresenta uma tese simples, mas bastante esclarecedora: o
processo civilizatório exige a contenção dos desejos e vontades, ou seja, o indivíduo bem educado
vive em constante mal-estar, pois não pode dar vazão aos seus desejos.
Na sociedade moderna de massas, a observância às milhares de regras presentes no nosso
cotidiano (por exemplo, atravessar a rua somente quando o sinal estiver verde) torna-se
fundamental. Ora, o indivíduo deve ser introduzido nesse mundo complexo e extremamente hostil.
A educação, portanto, leva o indivíduo a apreender as regras, interiorizá-las e automátizá-las –
regras que não são agradáveis ao indivíduo. Esse processo em si é violento.

2. Subentendidos na Fuvest
O que são subentendidos? Quais os subentendidos fundamentais na redação/FUVEST ?
Segundo Platão & Fiorin, subentendidos textuais “são insinuações, não marcadas
linguisticamente, contidas numa frase ou num conjunto de frases.”5 Há vários níveis de
subentendidos em uma ação comunicativa. O que nos interessa nesta seção é o direcionamento
mais amplo que anima a FUVEST.
Observe a imagem abaixo, parte de uma proposta de redação de Vestibular.

Percebe-se de imediato que a mensagem literal não traduz a intenção do emissor. Dizemos
para alguém sorrir ao tirar uma foto ou ao ser filmado, pois queremos a melhor imagem da pessoa,
afinal, gostamos dela. Não é esse o caso. Educadamente, o emissor da mensagem quer ameaçar o
destinatário: “lembre-se de que se você estiver fazendo algo errado, você será filmado e sofrerá as

4
Sigmund Schlomo Freud nasceu em 1856 (Alemanha) e morreu em 1939 (Inglaterra). Formou-se
em Medicina e, aos poucos, vai se interessando por Psiquiatria. Percebe a fragilidade de tal “ciência”
que não consegue explicar satisfatoriamente os comportamentos humanos a partir de causas físicas.
Propõe, então, a “Teoria da alma”. De acordo com Freud, grande parte dos processos psíquicos da mente
humana estão em estado de inconsciência, e são condicionados pelas relações familiares. Esses processos nada
físicos produzem sintomas corporais.
5
Fiorin, José L. & Savioli, Francisco P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: editora Ática.
1996. P.310.
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penalidades cabíveis”. A ameaça não está linguisticamente registrada no cartaz, pelo contrário, o
comunicado é extremamente cortês.
Contudo, há outros subentendidos que só poderiam ser discutidos a partir de um certo
direcionamento da Banca. Então vamos à coletânea dessa proposta.

Proposta de Redação
Texto I

As imagens são confidenciais e protegidas nos termos da lei. Na porta de um shopping center.
Texto II
É obrigatória a identificação.
(Placa industrializada, colocada em portarias de prédios residenciais, repartições públicas etc.)
Texto III
O homem está, cada vez mais, e mais rápido também, pondo a técnica a seu serviço. Hoje,
principalmente nos centros urbanos, o que mais atormenta o cidadão é o perigo dos assaltos e da
violência com que são praticados. E estão cada vez mais sofisticados os sistemas de segurança, com
suas câmeras de filmagem, minúsculas às vezes, posicionadas em lugares bastante discretos. Há
aparelhos que são dotados de aprimorado zoom, o conjunto de lentes cujo alcance focal pode ser
ajustado até permitir ao operador a leitura do que está escrito num papel na mão de uma pessoa
a muitos metros de distância. Tudo para tornar nossa vida mais segura e feliz.
J. Freitas
Texto IV
Que saudades do tempo em que eu era livre!

Os textos II e III apontam para a função utilitária da mensagem ao corroborar práticas de


vigilância que devem tornar “nossa vida mais segura e feliz”.
Na verdade, é assim que lemos o cartaz e ele nos parece
extremamente amigável. O texto IV introduz uma outra
leitura a partir de um subentendido filosófico: a vigilância
Fonte: Pixabay

pressupõe um padrão de comportamento único, algo que


contraria a liberdade do indivíduo.
Esse implícito escapa a uma leitura comum. Toda vez que
apresento essa proposta a um aluno, ele pergunta: qual o
problema em ser filmado? Na prática social, talvez isso seja necessário; do ponto de vista da

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reflexão filosófica, a vigilância fere o preceito de liberdade como valor absoluto e amplo que
determinou toda a cultura ocidental.
Aliás, não é à toa que escolhi essa proposta, pois ela toca nos pressupostos básicos da
FUVEST. Lembre-se destes três pilares da Banca

Liberalismo
Subentendidos do
Iluminismo Valores democráticos

Ceticismo

Liberalismo

Como o próprio nome já diz, Liberalismo é uma doutrina filosófica fundadora da sociedade
moderna, embasada em ideias de liberdade e igualdade. A igualdade liberal não é econômica, mas
jurídica social. Postula-se a universalidade dos direitos. Garantir isso na prática tem sido a grande
luta dos humanistas. Sendo assim, qualquer prática social que ameace os princípios liberais passa
a ser objeto de temas da Banca, por mais que tais práticas se justifiquem de forma utilitária.
A máxima do liberalismo foi expressa por Kant (e não é à toa que o texto fundador dele foi
tema da redação em 2017 na FUVEST). Para o alemão, o sujeito liberal é aquele que pensa por
conta própria e se comporta de forma autônoma, ou seja, ele age da melhor forma possível (porque
é racional), sem ser coagido por qualquer força exterior – Estado, religião, cultura de massa. O
indivíduo pode ser religioso, obedecer ao Estado ou gostar de novelas, mas age dessa forma tendo
consciência do que faz e sendo sujeito de sua escolha.
(A filmagem como vigilância é uma espécie de força exterior que coage o indivíduo, tirando-
lhe a possibilidade de escolha)

Leia os temas da FUVEST levando em consideração esse implícito; veja como o


tema proposto, em alguma medida, dialoga com o ideal do liberalismo

Valores democráticos

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O Liberalismo político redundou na criação da Democracia moderna. Esse sistema de


governo é frágil como a história já demonstrou. Em momentos em que as sociedades se sentiram
ameaçadas, houve uma guinada totalitária.
O primeiro valor da Democracia é a própria Democracia, isso significa que é preciso
defender o sistema e estar atento às ameaças a ele.
O segundo valor da democracia se relaciona ao seu funcionamento. Ela não se apoia na
pessoalidade, mas na lei reconhecida por todos. Ou seja, há respeito pelo Estado baseado no
direito aprovado pelos legisladores. Todos são iguais perante a lei.
O terceiro valor se associa à liberdade de expressão. Como não há grupo ou indivíduo
melhor que o outro perante a lei, todos têm o direito de dizer o que pensam. Disso decorre a
necessidade de tolerância.

Várias propostas de redação têm como viés as ameaças à Democracia.

Ceticismo

A liberdade de expressão se junta a uma característica própria do pensamento científico-


filosófico: a independência do pensamento. A universidade é cética no sentido de ser o lugar da
dúvida, que deve cessar parcialmente quando a teoria ou a tese for assentida pela maioria.
Mas, mesmo quando uma ideia é acolhida, ainda assim haverá espaço para a dúvida,
contanto que o inquiridor tenha argumentos para tanto. Por exemplo, acabei de afirmar que os
valores democráticos são admirados pela Banca. Contudo, é possível fazer uma redação com uma
tese de que a democracia é prejudicial, bastaria ter argumento para isso.

Argumentos contra os pressupostos iluministas (Liberalismo, Democracia,


Ceticismo e Diretos Humanos) são possíveis, mas lembre-se de que devem ter
força argumentativa redobrada.

3.Temas FUVEST

O que é, o que é... o que é que vai cair na FUVEST?


Devido à dificuldade óbvia em determinar isso, que tal observarmos o que já caiu?

Temas Ano Tema Eixo Área


1990 Ter opinião Representação do mundo* Epistemologia*

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(Filosofia)
1991 Cesta Básica Questão social Sociologia
1992 Vestibular justo/injusto Questão social Sociologia
1993 Regras sociais Relação do indivíduo com a Ética
sociedade (Filosofia)
1994 Democratização dos meios Política Política/
de comunicação Sociologia
1995 Cultura de massa Relação do indivíduo com a Filosofia/
sociedade Sociologia
1996 Ciência e mito Representação do mundo Epistemologia
(Filosofia)
1997 Escrita (as dificuldades da Representação do mundo Epistemologia
escrita) (Filosofia)
1998 O inferno são os outros Relação do indivíduo com a Ética
sociedade (Filosofia)
1999 Julgamento da própria Identidade social Crítica brasileira
geração (Sociologia)
2000 Estrangeirismo na Língua Representação do mundo/ Crítica brasileira
Portuguesa Identidade social (Sociologia)
2001 Neonazismo Questão social Sociologia
2002 Julgamento da geração Identidade social Sociologia
passada
2003 Autoestima do brasileiro Identidade social Crítica brasileira
(Sociologia)
2004 Passado, presente, futuro Representação do mundo Epistemologia
(Filosofia)
2005 Controles sociais Política Sociologia/
Relação do indivíduo com a Filosofia
sociedade
2006 Trabalho Questão social Sociologia
2007 Amizade Relação do indivíduo com a Ética
sociedade (Filosofia)

2008 Vigilância epistêmica Representação do mundo Epistemologia


(Filosofia)/
2009 Fronteiras Várias possibilidades
2010 Mundo por imagens Representação do mundo Epistemologia
(Filosofia)

Aula 01 — Tema e tese 34


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2011 Altruísmo Relação do indivíduo com a Ética


sociedade (Filosofia)
2012 Participação política Política Política
2013 Consumismo Questão social Sociologia
2014 Idosos Relação do indivíduo com a Ética /
sociedade Sociologia
Questão social
2015 Camarotização Relação do indivíduo com a Ética/
sociedade Política
Política
2016 Utopia Política Política
2017 Menoridade do homem Relação do indivíduo com a Ética
sociedade Política
Política
2018 Limites para a arte Questão social Estética**
Representação do mundo (Filosofia)
Sociologia
2019 Passado/ presente Representação do mundo Epistemologia
(Filosofia)
2020 O papel da ciência Representação do mundo Epistemologia
(Filosofia)
**Epistemologia: segundo o Houaiss o termo se refere a “reflexão geral em torno da natureza, etapas e limites do
conhecimento humano”. Os gregos se questionavam em relação às novas teorias que eles elaboraram sobre o mundo. Poderiam
estar enganados? Como ter certeza de que o discurso filosófico (e depois o científico) era mais verdadeiro do que o discurso
mítico? Isso os levou a discutir a representação através da linguagem (teoria da linguagem) e a desenvolver a matemática (a
linguagem mais rigorosa). Os gregos entendiam que no momento que se representa o mundo, pela linguagem ou pelo
pensamento, estabelece-se uma distância entre o homem e o mundo. Por esse motivo, boa parte da reflexão filosófica é sobre
como representamos o mundo, como pensamos.
** Estética: segundo o Houaiss parte da filosofia “voltada para a reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno
artístico”. Os filósofos perceberam que atribuição de “belo” era uma característica humana. O que é belo de fato? Quais os
elementos presentes num objeto para ser apreciado como “belo”? Por que temos a necessidade da arte?

Pois é, não tem como adivinhar qual será o tema. Em primeiro lugar, a FUVEST raras vezes
privilegia circunstâncias concretas ocorridas no ano em curso. Desde 1990, só seis propostas foram
inspiradas por fatos concretos: cesta básica (1991), projeto de lei do Aldo Rebelo (2000),
Neonazismo (2001), discurso de Taro Aso sobre idosos (2014) e limites para a arte (2108) e o papel
da arte (2020).
Podemos mapear os grandes núcleos temáticos e perceber os que mais caem na Fuvest.
Os interesses fundamentais do ser humano foram mapeados pelos filósofos antigos da
seguinte maneira:

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Física Metafísica Epistemologia

Existiria algo extra- Seria possível


O que é omundo
físico, uma força conhecer a
físico
maior? realidade?

Crtério: verdadeio ou Critério: dedução, Crítério: coerência da


falso probabilidade representação

Ética Estética Política

Relações sociais;
Qual a melhor forma Como se define o
Como o poder
de se comportar? belo?
funciona?

Critério: bonito ou
Critério: bem ou mal Crítério: bem comum
feio

Esses temas devem ser cruzados com a percepção do indivíduo. Tomando o polo ético, do
“eu”, pode-se considerar 5 perspectivias.

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Política;
Outros-outros Política
questão social
Questão social

Projeto de vida Ética (viver bem)

Eu-eu

Subjetividade; Psicologia
identidade

Ética (viver bem com


Eu-outros os outros)

Representação do *Epistemologia
Eu-conhecimento mundo Ciência

Eu-meio ambiente

Crítica
Brasileira
EIXOS TEMÁTICOS
7%

Questão social
30%

Representação
do mundo
30%

Ética (eu-
Política outros)
13% 20%

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Até hoje, a Banca ainda não explorou a temática do meio ambiente.


O outro núcleo, o da subjetividade, também foi muito pouco explorado. Em 1998, a proposta
de redação solicitava ao candidato que discutisse a relação do eu/outro na formação da
personalidade.
Os temas mais frequentes se relacionam com ética, representação do mundo (teoria da
linguagem, ciência, conhecimento), política e sociologia. É interessante observar que, em alguns
momentos, pede-se que o candidato, consciente ou inconscientemente, dialogue com a tradição
sociológica brasileira.
Chamamos de sociologia brasileira, uma tradição iniciada por intelectuais que se
questionavam a respeito da especificidade do Brasil e das potencialidades de desenvolvimento
nacional. Há um longo caminho que começa com Gilberto Freire (1900-1987), autor que escreveu
sobre identidade brasileira em Casa Grande e Senzala, e chega a autores como Fernando Henrique
Cardoso (1931), que desenvolveu a teoria da dependência.
Ao exigir que o candidato discutisse a autoestima do brasileiro (FUVEST/2003) ou a
camarotização (FUVEST/2015), a Banca solicitava uma reflexão sobre as formas como nós, como
povo, nos encaramos.
Dada a dificuldade de determinar temas, o máximo que podemos fazer é elaborar propostas
de redação que abarquem temas das áreas mais frequentes.

É importante que você faça redações de cada uma dessas áreas,


assim, você não se prepara para o tema específico (algo
impossível), mas se prepara de forma geral e abrangente.

4.Fuga do Tema
Opa...agora vamos à seção que dá até arrepios: fuga total ou parcial do tema, um show de
horror, que você deve evitar a todo custo.

Interpretar erroneamente a proposta

Fuga do tema Considerar um subtema como o mais importante

Não considerar o subtema proposto

O primeiro caso ocorre por desatenção. Em 2017, logo depois da aplicação do Enem,
circulou, nas redes sociais, uma suposta mensagem de “whatsapp” de alguém que afirmava ter se
Aula 01 — Tema e tese 38
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enganado. Escrevera sobre cegos, quando o tema era sobre os “desafios para a formação
educacional de surdos no Brasil”. Claro que isso não vai acontecer com você, corujinha esperta que
está se preparando forte para o Vestibular.
O que pode ocorrer é a segunda situação. Em um dos vestibulares da UNICAMP, foi proposto
aos candidatos que falassem a respeito da escassez de água no planeta. Havia alguns textos de
apoio que deveriam servir como fonte para reflexão. Um deles expunha dados sobre o rio Tietê,
cuja água era potável até meados do século XX. Um dos candidatos fez uma dissertação em que
começava a falar da água, mas depois, evidentemente, empolgado com a argumentação sobre o
Tietê, desenvolveu a história do rio, discutindo sua importância para o estado de São Paulo. É lógico
que um rio é feito de água, mas as semelhanças temáticas entre um texto que fale sobre escassez
de água e um que fale sobre a história do Tietê param aí.
Mas pode acontecer o contrário.
Você pode ser obrigado a incluir um subtema e não fazê-lo, o que configura fuga parcial. Em
2015, a FUVEST propôs o seguinte tema: “camarotização e democracia”. Suponha alguém que
gostasse muito de sociologia e se empolgasse com o tópico da segregação, assunto muito discutido
na tradição do pensamento brasileiro. Suponha, ainda, que o candidato desenvolvesse muito bem
esse subtema, mas não mencionasse o impacto disso na democracia. Ele não iria tirar zero, mas
sua nota final seria abaixo do esperado. Então, cuidado!!!

FICA A DICA

Uma das maneiras de saber se você está fugindo do tema ou não é contar a ocorrência das
palavras-chave no texto. Se você deve dissertar sobre “vigilância” e “informação”, esses vocábulos
devem aparecer no mínimo umas quatro vezes num texto de 30 linhas. Falar sobre “informação”
sem usar a palavra “informação” não é tarefa humana ou é brincadeira de mímica. Claro que você
pode usar sinônimos como “conhecimento”, “dados”, “ideias”, mas observe que essas palavras
devem estar presentes quase em cada parágrafo.
Se você deve falar de “camarotização” e “democracia”, as duas palavras devem ter uma
ocorrência significativa no seu texto.

5.Tema e Dissertação
Nas seções anteriores, tratamos do tema de forma bastante exaustiva, pois ele é o ponto
de partida da produção de seu texto.
Agora com a bola em campo, vamos para o primeiro chute no jogo da dissertação. Você
deve exprimir uma...

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OPINIÃO
Como assim? Sempre me disseram que,
no texto dissertativo, a gente não pode
expressar a opinião...
Preste atenção, corujinha, o texto

Fonte: Pixabay
dissertativo deve criar um efeito de
objetividade, mas ele sempre vai expressar
uma opinião pessoal.
Objetividade será explicada melhor no pdf sobre linguagem. Por ora, retenha que objetivo
é um texto sem marcas de pessoalidade ou marcas de emoção.
Considere as três formas linguísticas abaixo de expressão de ideias sobre um mesmo tema.

1 Deus que me livre, que não saio de casa depois das 23h nem que me paguem, já viu o
bairro em que moro?

Nos grandes centros urbanos no Brasil, a preocupação com segurança é constante.


2 Poucas pessoas saem às ruas à noite sem medo, uma minoria não foi assaltada, boa
parte dos cidadãos já pensou em colocar um alarme em casa. Sensação de
insegurança? Não, a insegurança é real.

Na cultura brasileira, a Rua e a Casa ocupam lugares nitidamente distintos.


A Rua é o espaço da trangressão, onde os malandros e marginais nos esperam; é o
3 território do salve-se-quem-puder. Esfera do anonimato e da despersonalização, é na
Rua que um cidadão de bem pode ser lesado...
(Paráfrase inspirada no livro A casa e a Rua de Roberto da Mata).

No primeiro caso, a opinião e a subjetividade são bem marcadas, seja pelo uso da interjeição
“Deus me livre”, seja pelo uso da primeira pessoa em “eu não saio”, seja pelo recurso da pergunta
emotiva “já viu o bairro em que moro?”.

Aula 01 — Tema e tese 40


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Nesse caso, a pessoa que expressa a opinião não tem necessidade de argumentar sobre seu
ponto de vista, pois ela fala de si mesma e está implícito que seu comportamento interessa apenas
a ela.
No segundo texto, o enunciador se vale de traços objetivos – uso da terceira pessoa,
generalização e enumeração de situações comuns. Mesmo assim, há uma opinião e ela fica clara
quando se observa a pergunta e a resposta enfática “Não, a insegurança é real. A partir daí, o
articulista deverá provar o que diz ou comentar a afirmação que fez.
No terceiro texto, também observamos traços objetivos, mas não localizamos com clareza
a opinião do autor. Na verdade, ele parece estar querendo simplesmente expor uma circunstância
não percebia pelo leitor. Mesmo assim, há uma opinião embutida. O enunciador relativiza a
sensação de insegurança diante das ruas, mostrando que, culturalmente, a rua sempre foi
percebida como um lugar perigoso.
O primeiro é subjetivo, emotivo; o segundo é dissertativo opinativo; e o terceiro é
expositivo. Qual é o texto requerido pela FUVEST? O opinativo.

5.1 Dissertação Expositiva versus Dissertação Opinativa

• Finalidade: ampliar o conhecimento sobre


determinado fato
• Não há necessidade de tentar fazer o leitor mudar
Expositiva de opinião, mas sim expor
• Predomina a função explicativa
• Apresenta muitas informações
• Especifica conceitos e definições

• Finalidade: sustentar ou refutar assuntos


controversos
Opinativa • Seleção de ideias persuasivas
• Uso cuidadoso de expressões enfáticas
• Poucas informações, mas muito bem exploradas
como suporte da ideia principal.

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5.1.2. Exercício: texto expositivo e texto opinativo

É crucial que você faça uma dissertação opinativa e não uma expositiva. É característica ´que
vai proporcionar a nota máxima na FUVEST. Sendo, assim preparei uma bateria de exercícios para
você.

Abaixo, você encontrará dados expositivos que devem ser transformados em opinião. Note
que, ao fazer isso, automaticamente, você estará fazendo uma tese. Eu sei que ainda não
discutimos esse tópico, mas tente simplesmente seguir o modelo e faça instintivamente o que se
pede. “Tese” será o nosso próximo assunto.

Siga o modelo.

Q.1 Formule uma opinião sobre o texto expositivo abaixo.

Os seres humanos são treinados para obedecer a figuras de autoridade desde muito cedo
na vida. Um experimento conduzido em 1961 pelo psicólogo Stanley Milgram da
universidade de Yale mediu esta disposição instruindo pessoas a executar atos que
entrassem em conflito com suas morais.

Os participantes foram instruídos a desempenhar o papel de “professor” e administrar


choques elétricos para um “aluno”, que supostamente estava em uma sala diferente, cada
vez que respondessem a uma pergunta incorretamente.

Na realidade, ninguém realmente tomou choque. Em vez disso, Milgram tocou gravações
para fazer com que o aluno parecesse estar com muita dor e quisesse terminar a
experiência. Apesar destes protestos, muitos participantes continuaram a experiência
enquanto a figura de autoridade os impulsionava, aumentando a voltagem após cada
resposta errada, chegando até a choques elétricos letais.

Experiências semelhantes conduzidas forneceram resultados quase idênticos, indicando


que as pessoas estão dispostas a ir contra suas consciências se elas estão sendo instruídas
a fazê-lo por figuras de autoridade.

(disponível em https://awebic.com/listas/experimentos-psicologicos/, acessado em


15.03.2019)
O autoritarismo político se funda na servidão voluntária de cada um, traço que deve ser combatido, pois pode levar
as sociedades a aceitarem a crueldade como fato normal.
Comentário: Espera-se que você recorte o tema do autoritarismo e faça um julgamento
opinativo em que apareça a expressão “deve ser combatido”. Mas não se limite a isso. Uma

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opinião muito simplória não induz a um bom desenvolvimento. Enriqueça seu


posicionamento com causa/consequência.

Q.2 Formule uma opinião sobre o cartaz abaixo.

(disponível em https://www.lbv.org/sites/default/files/type-
content/documentos/editorial_meio_ambiente_-_portugues_2012.pdf, consultado em
15.03.2019)

Q.3 Formule uma opinião sobre o texto expositivo abaixo.

Inspirado pelo assassinato do Dr. Martin Luther King Jr., a professora Jane Elliott criou um
exercício em 1968 para ajudar seus estudantes brancos a entender os efeitos do racismo.

Elliott dividiu sua classe em dois grupos: estudantes de olhos azuis e estudantes de olhos
castanhos. No primeiro dia, ela designou os alunos de olhos azuis como o grupo superior e
deu-lhes privilégios extras, enquanto as crianças de olhos castanhos representavam o
grupo minoritário.

Ela desencorajou os dois grupos a interagir e destacou os alunos para enfatizar os aspectos
negativos daqueles no grupo minoritário. Ela notou mudanças imediatas no
comportamento das crianças.

Aula 01 — Tema e tese 43


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Estudantes de olhos azuis tiveram melhor desempenho acadêmico e alguns começaram a


intimidar seus colegas de olhos castanhos, enquanto os estudantes de olhos castanhos
tiveram menor autoconfiança e pior desempenho acadêmico.

No dia seguinte, ela inverteu os papéis dos dois grupos e os estudantes de olhos azuis se
tornaram o grupo minoritário. No final do exercício, as crianças ficaram tão felizes que se
abraçaram e concordaram que as pessoas não deveriam ser julgadas com base nas
aparências externas.

(disponível em https://awebic.com/listas/experimentos-psicologicos/, acessado em


15.03.2019)

Q.4 Formule uma opinião sobre o tema do Enem de 2018, “Manipulação do comportamento
do usuário pelo controle de dados na internet” a partir do recorte da estatística abaixo que
constava da coletânea.

Q.5 Formule uma opinião sobre o texto estatístico abaixo.

Um em cada cinco jovens não trabalhavam nem estudavam

Aula 01 — Tema e tese 44


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Em 2017, 21,7% dos jovens de 15 a 29 anos não estudavam nem trabalhavam, um ligeiro
aumento em relação a 2016, quando foi registrado 20,5%. O número foi maior entre as
mulheres, cuja incidência foi de 27,1%, enquanto entre os homens, a taxa ficou em 16,4%.

(...)

Entre os jovens pretos e pardos, o percentual daqueles que não estudavam nem
trabalhavam foi de 24,4%, enquanto que entre os brancos, a taxa ficou em 17,7%. Por faixa
etária, o grupo de 18 a 24 foi o mais afetado, alcançando 28%.

“O aumento da taxa de desemprego observada em 2017 certamente foi o que mais


colaborou para o crescimento do número de jovens que não estudavam nem trabalhavam,
uma vez que no grupo daqueles que só estudavam, praticamente não houve variação em
relação a 2016”, disse a pesquisadora.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/21256-mais-de-25-milhoes-de-jovens-nao-estudavam-em-2017

Gabarito: parâmetros para a escrita


Q.2 Formule uma opinião sobre o cartaz abaixo.

(disponível em https://www.lbv.org/sites/default/files/type-
content/documentos/editorial_meio_ambiente_-_portugues_2012.pdf, consultado em
15.03.2019)
Comentário: Como tema geral, podemos apontar o (des)cuidado com a infância no Brasil.
Os recortes sugeridos pela organização textual do cartaz passam por subtemas como: a
exclusão social, indiferença social, o impacto da desigualdade na infância, a comparação

Aula 01 — Tema e tese 45


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entre ser humano e animal. Expresse uma opinião incluindo um dos subtemas. O leitor
deve perceber que há algum tipo de julgamento relacionado ao tema recortado.
O diálogo com o senso comum sempre enriquece a tesa. Nesse caso, é óbvio que ninguém
defenderia o ponto de vista de que o cuidado com o animal tem a mesma equivalência que
o cuidado com a criança abandonada. Sendo assim, valeria a pena dialogar não com os
discursos sobre o tem, mas com as práticas efetivas de indiferença social.

Q.3 Formule uma opinião sobre o texto expositivo abaixo.

Inspirado pelo assassinato do Dr. Martin Luther King Jr., a professora Jane Elliott criou um
exercício em 1968 para ajudar seus estudantes brancos a entender os efeitos do racismo.

Elliott dividiu sua classe em dois grupos: estudantes de olhos azuis e estudantes de olhos
castanhos. No primeiro dia, ela designou os alunos de olhos azuis como o grupo superior e
deu-lhes privilégios extras, enquanto as crianças de olhos castanhos representavam o
grupo minoritário.

Ela desencorajou os dois grupos a interagir e destacou os alunos para enfatizar os aspectos
negativos daqueles no grupo minoritário. Ela notou mudanças imediatas no
comportamento das crianças.

Estudantes de olhos azuis tiveram melhor desempenho acadêmico e alguns começaram a


intimidar seus colegas de olhos castanhos, enquanto os estudantes de olhos castanhos
tiveram menor autoconfiança e pior desempenho acadêmico.

No dia seguinte, ela inverteu os papéis dos dois grupos e os estudantes de olhos azuis se
tornaram o grupo minoritário. No final do exercício, as crianças ficaram tão felizes que se
abraçaram e concordaram que as pessoas não deveriam ser julgadas com base nas
aparências externas.

(disponível em https://awebic.com/listas/experimentos-psicologicos/, acessado em


15.03.2019)
Comentário: A sua opinião advirá de alguma consequência que você pode inferir do
experimento acima. Nesse caso, você pode elaborar a opinião através da inclusão de
causas/consequências na condenação do racismo. Pense em algumas perguntas: Por que
as crianças agiram de maneira preconceituosa? Qual o papel do ambiente? Foram
realmente aspectos concretos que levaram ao racismo? Quais as consequências? Quais as
justificativas para o comportamento discriminatório?
Evite a ideia simplória de que “as pessoas devem se amar” ou a de que “todos somos iguais”
etc. Uma opinião cuja facilidade de compreensão e de aceitação é muito grande não
necessita de prova e não despertará o interesse do leitor.

Aula 01 — Tema e tese 46


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Q.4 Formule uma opinião sobre o tema do Enem de 2018, “Manipulação do comportamento
do usuário pelo controle de dados na internet” a partir do recorte da estatística abaixo
que constava da coletânea.

Comentário: Essa é mais simples. Espera-se que você associe o tema, “Manipulação do
comportamento do usuário” à leitura do gráfico. O parâmetro para a associação deve ser
a abrangência do uso da internet. A manipulação por parte de provedores não seria um
problema social se afetasse um grupo pequeno, mas, dado o alcance da internet no
Brasil, a questão é mais grave. ,

Q.5 Formule uma opinião sobre o texto estatístico abaixo.

Um em cada cinco jovens não trabalhavam nem estudavam

Em 2017, 21,7% dos jovens de 15 a 29 anos não estudavam nem trabalhavam, um ligeiro
aumento em relação a 2016, quando foi registrado 20,5%. O número foi maior entre as
mulheres, cuja incidência foi de 27,1%, enquanto entre os homens, a taxa ficou em
16,4%.

(...)

Aula 01 — Tema e tese 47


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Entre os jovens pretos e pardos, o percentual daqueles que não estudavam nem
trabalhavam foi de 24,4%, enquanto que entre os brancos, a taxa ficou em 17,7%. Por
faixa etária, o grupo de 18 a 24 foi o mais afetado, alcançando 28%.

“O aumento da taxa de desemprego observada em 2017 certamente foi o que mais


colaborou para o crescimento do número de jovens que não estudavam nem
trabalhavam, uma vez que no grupo daqueles que só estudavam, praticamente não
houve variação em relação a 2016”, disse a pesquisadora.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/21256-mais-de-25-milhoes-de-jovens-nao-estudavam-em-2017
Comentário: Sem um direcionamento preciso, essa estatística permite elaborar opiniões
sobre recortes variados: a diferença entre negros e brancos; o fenômeno dos “nem-nem”
(jovens que nem trabalham nem estudam); o impacto da crise no comportamento dos
jovens.
Escolha o subtema mais interessante e que permita um bom desenvolvimento
argumentativo.
Evite opiniões sobre a simples existência dos fenômenos, algo do tipo, “há diferença entre
negros e brancos”, “existem jovens que nem trabalham nem estudam”, “o impacto da crise
foi grande no comportamento dos jovens”.

6.Ponto de Vista e Tese

Em 2008, a FUVEST publicou algumas das melhores redações daquele ano. Eu selecionei 2
desses textos e apresento, abaixo, alguns trechos. Observe como os candidatos elaboraram seu
ponto de vista.
1

Aula 01 — Tema e tese 48


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Esse primeiro excerto é direto. Logo nas duas primeiras linhas, o autor já define seu
posicionamento: “A chamada Era da Informação apresenta diversas falhas.” Essa opinião desperta
o interesse do leitor que fica curioso: quais falhas? Ele terá que ler o texto.

Nesse outro, o título, “postura crítica”, já dá o tom opinativo do autor. O fragmento foi
construído de forma diferente do anterior. Não é curto e nem expõe de forma direta a tese.
Primeiramente, ele contextualiza o tema. O recurso é outro, enfatizar através de expressões
negativas a ideia de que a Era da Informação trouxe problemas para a sociedade:
“não...confiáveis”, “irresponsável” e “desinformação”. Além disso, há menção de subtemas
argumentativos. Ele aponta que as informações não obedecem a regras e a emissão delas se dá de
forma irresponsável. Esses dois subtemas merecem ser desenvolvidos. Ou seja, o autor do texto
já apresenta resumidamente qual vai ser o desenvolvimento textual.
Nos 2 fragmentos, você percebeu que o autor expressa sua opinião e posicionamento. Isso
pode ocorrer de forma mais desenvolvida ou mais resumida, mas sempre de forma enfática.
Sacou a importância da opinião e da tese?

O que é tese?

A tese nada mais é do que a sua opinião sobre o tema, expressa verbalmente e estruturada
em uma ou mais frases articuladas com sujeito, verbo e complemento. Um termo como “a
necessidade de vigilância epistêmica” não configura tese. Isso expressa um tema.
No mínimo, você pode ter como regra escrever o
tema e acrescentar um verbo que expresse um
julgamento sobre o tema. Exemplo: “A vigilância
epistêmica é necessária em um mundo marcado pelo
excesso de informação.

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Essa tese parece ser a mesma do tema “a necessidade de vigilância epistêmica”, pois eu
simplesmente troquei “necessidade” por “é necessária”, mas note que essa troca tem
consequências, pois, no momento que eu coloco o verbo, sou obrigado a complementar a frase
com “em um mundo marcado pelo excesso de informação”. Teses com o verbo “ser” são mais
simples. Quando for possível seria interessante usar um verbo mais informativo. Teríamos uma
tese mais complexa em “A necessidade de vigilância epistêmica expressa um mundo no qual a
informação tornou-se entretenimento”.

Verbo
Tema Complementos Tese

Quanto mais clara, específica e interessante for a tese mais fácil será para você desenvolver
o texto. Em outras palavras: se você pudesse resumir a sua dissertação inteira (de 30 linhas) numa
única frase, essa frase seria a tese (a ideia principal do texto).

Onde a tese deve aparecer?

A dissertação possui três tipos de parágrafos: o de introdução, o de desenvolvimento e o de


conclusão. A tese precisa aparecer logo no primeiro parágrafo (introdução).
Normalmente, a expressão escrita da opinião é feita no momento do rascunho. Ela não
precisa aparecer como você a formulou pela primeira vez, mas precisa ser expressa em sua
essência.
Um leitor não pode começar a ler um texto tentando adivinhar qual a opinião do escritor,
pois, nessa circunstância, não poderia avaliar se o argumento se sustenta.

Quando a tese é ruim?

Um texto deve ser interessante para o leitor. Uma tese óbvia demais ou aquela que “chove
no molhado” não permitirá um desenvolvimento interessante. Toda tese que poda a capacidade
do escritor de mostrar seu valor na argumentação é ruim.
Às vezes, quando a tese é muito simples, vale a pena mencionar o seu oposto, para valorizá-
la e transformar o texto numa espécie de discussão que vai despertar o interesse. Suponha que
você simplesmente queira defender a ideia de que a tal “vigilância epistêmica” é importante. Essa
ideia parece óbvia e desnecessária. Para chamar a atenção do leitor, pode-se começar com a ideia
oposta. Algo como: “Muitos acreditam que vivemos no maravilhoso mundo da informação, no qual
até mesmo fotos documentais de difícil acesso podem ser disponibilizadas através das redes

Aula 01 — Tema e tese 50


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sociais, contudo, dada a forma como circula a informação no mundo, é necessário bastante cuidado
ao acessar informações.”
Ficou comprido, né? Mas observe que agora a tese ficou interessante e já aponta uma
possível trajetória.

O que se deve evitar?

Não fique em cima do muro.


Afirmar que uma questão tem dois lados, sem dar ênfase a qualquer dos aspectos ou fazer
simplesmente uma enumeração de argumentos favoráveis e contrários é um “tiro no pé”.

Então, eu NUNCA posso falar dos dois lados ?


Corujinha, em Redação, a palavra nunca raramente é empregada. Uma das redações
publicadas partia da tese que, nesse caso, o melhor era o caminho do meio. Ou seja, o autor
defendia a ideia de que “navegar era preciso”, mas com os cuidados epistêmicos necessários. Ele
argumentou a favor e contra, mas veja que o acento enfático recaía sobre os cuidados. Isso não é
ficar em cima do muro.
Lembre-se de que o corretor quer avaliar sua capacidade argumentativa, não quer avaliar
sua competência de contabilizador de argumentos, aquele cara que começa a redação dizendo
“por um lado a informação na internet pode levar ao engano....” e, depois de despejar os
argumentos sobre isso, começa outro parágrafo com “ por outro lado também pode nos
informar...”e faz a mesma coisa.

Mas e se eu não tiver uma opinião sobre o assunto?


Pense em uma opinião que pode ser defendida e mãos à obra.
Você, corujinha esforçada, ao final do curso, terá feito
uma grande quantidade de redações. Terá desenvolvido jogo de
cintura para jogar seja qual for a configuração, porque se
exercitou na dura tarefa de argumentar bem. Então confie nas
Fonte: Pixabay

suas asas.
Alguém que aprendeu a lógica matemática é capaz de
fazer um exercício se os números forem outros e se a
circunstância se alterar um pouco. Alguém que aprendeu a
argumentar e defender um ponto de vista, saberá se posicionar a partir dos dados em mãos,
mesmo que não tenha enfrentando o tema ainda.

Aula 01 — Tema e tese 51


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7. A Estrutura da Tese
Observe as 3 formulações sobre o assunto “atividade física”.

Atividade física sem acompanhamento de alguém da área


da saúde pode ser prejudicial

Atividade física é necessária

Fonte: Showeet e Pixabay


Os males da atividade física

A atividade física pode ser prejudicial devido a


fatores como intensidade e falta de
acompanhamento profissional

Qual dessas formulações pode ser encarada como tendo


característica de tese? Faça a sua aposta....
Se você respondeu, a terceira, errou. Linguisticamente, tal expressão é um tema. Os
termos são amplos, não há verbo, portanto, não se afirma nada. Ora, se não há afirmação de uma
ideia não há nada sobre o que argumentar, concorda?
A segunda formulação também não é muito apropriada. Qualquer afirmação assentada em
um verbo de ligação expressa uma situação que geralmente seria desenvolvida de forma
expositiva, ou seja, você faria um texto informacional que exige muito mais conhecimento do
assunto do que capacidade argumentativa.
Ficamos entre a primeira e a última. Qual seria melhor?
A última, sem dúvida nenhuma. Por quê? Você deve estar se perguntando! Na frase em
amarelo, faz-se um julgamento, “a atividade física pode ser prejudicial”, e aponta-se dois motivos
que dão força argumentativa ao que foi dito, há dois fatores que concorrem para tonar o exercício
físico perigoso.
A forma tradicional de se formatar uma tese que torna mais fácil o trabalho de escrita é
esta:

Afirmação
Argumento 1
sobre o tema
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Argumento 2 Tese52
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Lembre-se de que essa é uma sugestão. Nos textos apresentados, só o segundo apresentava
essa estrutura. O que todos os três tinham em comum? O leitor tinha certeza de que o autor do
texto tinha uma opinião sobre o assunto.
Essa certeza não vinha do nada. A tese é uma coisa engraçada, é o ponto de chegada e de
partida ao mesmo tempo. Depois de você refletir sobre um determinado assunto, o resultado deve
ser a tese, pois você deve estar pronto para defender uma afirmação para a qual você tenha
argumentos. Tendo chegado à tese, agora você deve começar a escrever.

O que é tese?
• Aquilo que vai ser defendido no texto;
• Resumo do texto a ser produzido;
• Responde ao tema, considerando inclusive as palavras principais do tema.
A tese aparece no texto?
• Não do jeito que você a descreve para você;
• Ela aparece desenvolvida no texto;
• No fundo, ela representaria o resumo de tudo o que você quis dizer.
Quais são as características de uma boa tese?
• Clareza;
• Objetividade;
• Concisão;
• Abordagem de todos os itens do tema.
Existem teses certas e erradas? NÃO.
• Existem teses boas e ruins;
• Tese boa: aquela que permite um bom desenvolvimento argumentativo;
• Tese ruim: óbvia demais.

Bom, agora é correr para o abraço, digo para a caneta. Você vai encontrar duas
propostas de redação no modelo FUVEST. Faça as redações e nos envie. Estou esperando.

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8. Organização
Vale a pena relembrar a estrutura dissertativa, abaixo esquematizada.

Título - Criativo, diferente


do tema proposto.
Redação

1º parágrafo: Introdução
Argumento principal
e apresentação da tese.

2º, 3º e 4º parágrafos:
Argumentos Secundários
Desenvolvimento

5º parágrafo: Conclusão Contra-argumento

Instruções de preenchimento da folha de Redação

Para a efetiva correção, o corretor deve estar bem consciente de qual proposta está sendo desenvolvida
pelo aluno. Portanto, preste atenção:

VOCE DEVE ENVIAR SUA REDAÇÃO PARA O E-MAIL:


redacao@estrategiavestibulares.com.br

- No e-mail, identifique:

- A proposta, assinalando onde ela se encontra nos pdfs, ou seja, você deve assinalar a qual aula pertence
a proposta e o número da proposta.

Exemplos:

Pelo número: Proposta 1 da aula 2 (inédita);

Pelo título: “As Humanidades perderam a função no século XXI ? (aula 01);

Pela anexação da proposta: Isso deve ser feito, se você produzir uma redação de outra proposta
que não consta dos livros digitais.

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9. Proposta de Redação

Vamos lá, hora da diversão. Como você já sabe, encontrará 1 proposta da FUVEST e 1
proposta inédita. A partir desta aula, elas serão classificadas pelo núcleo temático.
Bom texto.

Ética (eu-outros)

Proposta 1
(Fuvest 2008) REDAÇÃO

Vigilância epistêmica* é a preocupação que todos nós deveríamos ter com relação a tudo o que
lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados, para não
acreditarmos em tudo o que é escrito e dito por aí. É preciso vigiar o futuro para sabermos separar
o joio do trigo**.

Hoje boa parte dos sites de busca indexam tudo o que encontram pela frente à internet, mesmo
que se trate de uma grande bobagem ou de evidente inverdade. Qualquer opinião emitida, vista
como um direito de todos, é divulgada aos quatro cantos do mundo. De fato, alguns desses sites
de busca deveriam colocar, nos primeiros lugares, páginas de renomadas Universidades,
preocupadas com a verdade.
Todos precisamos estar muito atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos:
- se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, se é um especialista comprovado, se
sabe do que está falando;
- se quem nos fala ou escreve, na verdade, é um idiota que ouviu falar algo e simplesmente repassa,
aos outros, o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada de útil.
Aumentar nossa vigilância e preocupação com a verdade é necessidade cada vez mais premente
num tempo que todos os gurus chamam de Era da Informação.
Discordo, profundamente, desses gurus. Estamos, na realidade, na Era da Desinformação, de tanto
lixo e ruído sem significado que, na maior parte das vezes, nos são transmitidos, todos os dias,
eletronicamente, sem que exista o menor cuidado com a precisão e seriedade do que se emite, por
parte das fontes que colocam matérias na rede. É mais uma consequência dessa ideia que a maioria
das pessoas tem sobre a liberdade de expressar o que bem quiser, de expressar qualquer opinião
que seja, como se opiniões não precisassem se basear no rigor científico, antes de serem emitidas.

Aula 01 — Tema e tese 55


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Stephen Kanitz, Revista Veja, 03/10/2007. Adaptado.

* Vigilância epistêmica = capacidade de ficar atento e perceber se uma afirmação tem ou não valor
científico.
** Separar o joio do trigo = no contexto, capacidade de diferenciar observações equivocadas,
mentiras mesmo, de outras afirmações que contêm verdades.

Países se unem em projeto da ONU

Tesouros informativos de vários países estarão disponíveis gratuitamente para qualquer


internauta, a partir deste mês, com a formação da Biblioteca Digital Mundial, uma iniciativa da
ONU. O portal terá, na primeira fase, mapas, fotografias e manuscritos, com textos explicativos em
sete línguas, inclusive português. Na segunda fase, será possível consultar livros.
A Biblioteca Nacional brasileira é uma das participantes.
O Estado de S. Paulo, 02/10/2007. Adaptado.

O acesso à Informação (em sua maioria, eletrônica) se tornou o direito humano mais zelosamente
defendido. E aquilo sobre o que a informação mais informa é a fluidez do mundo habitado e a
flexibilidade dos habitantes. O noticiário - essa parte da informação eletrônica que tem maior
chance de ser confundida com a verdadeira representação do mundo lá fora é dos mais perecíveis
bens da eletrônica. Mas a perecibilidade dos noticiários, como informação sobre o mundo real, é
em si mesma uma importante informação: a transmissão das notícias é a celebração constante e
diariamente repetida da enorme velocidade da mudança, do acelerado envelhecimento e da
perpetuidade dos novos começos.

Zygmunt Bauman. Modernidade Líquida. Adaptado.

Aula 01 — Tema e tese 56


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Instrução: Os textos apresentados trazem reflexões e notícias sobre o mundo digital. Com base
nesses textos e em outras informações e ideias que julgar pertinentes, redija uma DISSERTAÇÃO
EM PROSA, argumentando de modo claro e coerente.

Questão social/ Política

Proposta 2
Texto I
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defendeu nesta sexta-feira o monitoramento de
dados de internet de usuários de todo o mundo e ligações telefônicas nos Estados Unidos feito pela
Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês).
Em discurso sobre a reforma de saúde, ele comentou pela primeira vez sobre o caso, que causou
polêmica por causa das suspeitas de violação de privacidade. Ele afirmou que, antes de assumir o
governo, era cético em relação ao programa, mas concluiu que eles realmente ajudam o combate
ao terrorismo.
"Quando assumi meu mandato, me comprometi com duas coisas: o respeito à Constituição e a
proteção dos cidadãos americanos. Não podemos ter 100% de segurança com 100% de privacidade
e sem nenhum inconveniente".
Folha de São Paulo on line, 07/06/2013,
(http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1291350-obama-diz-que-monitoramento-de-
dados-foi-informado-ao-congresso.shtml, site consultado em 05/09/2014)

Texto II

“A história da Gestapo, a polícia secreta de Hitler”

Ela nasceu em 1933 para esmagar a oposição a Adolf Hitler e logo se transformou na peça central
do terror nazista. Com a ajuda de cidadãos comuns, a Gestapo vigiou, sequestrou, torturou e
executou milhares de pessoas
Em 1934, a estudante de música Ilse Sonja Totzke chamou a atenção dos moradores da pequena
Wurtzburgo, na Alemanha. Volta e meia, era vista conversando com judeus. Graças a denúncias
anônimas, em 1936, sua caixa de correio passou a ser vigiada pela Gestapo. Três anos depois, o
médico Ludwig Kneisel foi ao quartel-general da polícia secreta do regime nazista para delatar o
"comportamento suspeito" da vizinha. Em 1940, foi a vez da jovem Gertrude Weiss. Ela informou
aos agentes que a estudante nunca respondia à saudação "Heil Hitler!".
Questionada no ano seguinte, Totzke confirmou que tinha amigas, mas não amigos judeus. Corria
o risco de ser acusada de ter relações sexuais com eles - um grave delito de "desonra racial".
(...)
Raros alemães desafiaram a Gestapo como ela. Milhões, contudo, viveram no mesmo clima de
pavor, em que todos eram denunciantes e potenciais denunciados.

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Após a Segunda Guerra, a polícia secreta de Adolf Hitler tinha a fama de ser infalível e implacável,
quase onisciente, até. Hoje, porém, historiadores têm uma visão distinta. Embora fosse a peça
central do terror nazista e agisse praticamente acima da lei, a Gestapo não teria a mesma eficácia
sem a colaboração de cidadãos comuns, como Kneisel e Weiss.
(...)
Vigiar o pensamento não era novidade no país. Desde os tempos do Segundo Império (1871-1918),
o chanceler Otto von Bismarck costumava recorrer a leis especiais para perseguir oponentes.
(Perazzo, Priscila F. “A história da Gestapo.doc”.
In http://minhateca.com.br/pedroassisteixeira/Documentos/LIVROS+E+ARTIGOS, site
consultado em 05.09.2014)

Texto III
“As cidades de segurança urbanas transformaram-se ao longo dos séculos em estufas ou
incubadoras de perigos reais ou imaginários, endêmicos ou planejados. Construídas com a ideia de
instalar ilhas de ordem num mar de caos, as cidades transformaram-se nas fontes mais profusas
de desordem, exigindo muralhas, barricadas, torres de vigilância e canhoneiras visíveis e invisíveis
– além de incontáveis homens armados.
(...) o tema unificador de todos esses dispositivos de segurança intraurbana é “o medo do Outro”.
Mas esse Outro que tendemos ou somos induzidos a temer não é algum indivíduo ou categoria
de indivíduos que se estabeleceu, ou foi forçado a fazê-lo, fora dos limites da cidade, e aos quais
se negou o direito de fixar residência ou se estabelecer temporariamente. Em vez disso, o Outro é
um vizinho, um transeunte, um vadio, um espreitador, em última instância, qualquer estranho.
Mas então, como todos sabemos, os moradores das cidades são estranhos entre si, e todos somos
suspeitos de portar o perigo; assim, todos nós, em algum grau, queremos que as ameaças
flutuantes, difusas e incontroladas sejam condensadas e acumuladas num conjunto de “suspeitos
habituais”. Espera-se que essa condensação mantenha a ameaça afastada e também,
simultaneamente, nos proteja do perigo de sermos classificados como parte dela.
É por essa dupla razão – proteger-nos dos perigos e de sermos classificados como um perigo – que
temos investido numa densa rede de medidas de vigilância, seleção, segregação e exclusão.

(Bauman, Zygmunt. Vigilância líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2013)

Trabalhe sua dissertação a partir do seguinte recorte temático:


Segundo o artigo 144 da Constituição, a segurança pública é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos. Tal responsabilidade permite ao Estado intervir no comportamento
individual e coletivo com ações preventivas que incluem a vigilância.
Levando em consideração esses aspectos, o que foi considerado na coletânea e aquilo que você
achar relevante, faça uma dissertação de cunho argumentativo sobre o seguinte tema: até que
ponto o Estado pode intervir diretamente na dinâmica social e vigiar o indivíduo?

Lembre-se de que seu texto deve partir de uma tese bem determinada, ou seja, você deve
manifestar um posicionamento claro diante do tema.

Aula 01 — Tema e tese 58


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Sua redação deve ter no mínimo 20 linhas e, no máximo 30. Não é preciso conclusão.

Representação do
mundo

Proposta 3/ FUVEST/2020

Texto 2: Somente numa sociedade onde exista um clima cultural, em que o impulso à curiosidade
e o amor à descoberta sejam compreendidos e cultivados, pode a ciência florescer. Somente
quando a ciência se torna profundamente enraizada como um elemento cultural da sociedade é
que pode ser mantida e desenvolvida uma tecnologia progressista e inovadora, tornando-se, então,
possível uma associação íntima e vital entre ciência e tecnologia. Essa associação é uma
característica da nossa época e certamente essencial para a manutenção de uma civilização com
os níveis presentes de população e qualidade de vida.
Oscar Sala, O papel da ciência na sociedade. 1974. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revhistoria.
Adaptado.

Texto 4: Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais – o transporte, as
comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o
entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto

Aula 01 — Tema e tese 59


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– dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que


quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos
escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de
ignorância e poder vai explodir na nossa cara.
Carl Sagan,1996.

Texto 5: Algo muito estranho está acontecendo no mundo atual. Vivemos melhor que qual quer
outra geração anterior. Pessoas são saudáveis graças às ciências da saúde. Moram em residências
robustas, produto da engenharia. Usam eletricidade, domada pelo homem devido ao seu
conhecimento de química e física. Paradoxalmente, essas mesmas pessoas ligam seus
computadores, tablets e celulares para adquirir e disseminar informações que rejeitam a mesma
ciência que é tão presente em suas vidas. Vivemos num mundo em que pessoas usam a ciência
para negar a ciência.
Alicia Kowaltowski, Usando a ciência para negar a ciência. 2019. Disponível em
https://www.nexojornal.com.br/. Adaptado.

Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar
pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o
tema: o papel da ciência no mundo contemporâneo.
Instruções:
• A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma padrão da língua portuguesa.
• Escreva, no mínimo,20 linhas, com letra legível e não ultrapasse o espaço de 30 linhas da
folha de redação.
• Dê um título a sua redação.

9.1. Possibilidades de Encaminhamento das Propostas

Comentário/ Proposta 1
Essa proposta já foi parcialmente comentada no decorrer desta aula. Basta agora indicar
algumas possibilidades de desenvolvimento do texto.
Analisando a proposta, percebe-se que não tem como fugir da discussão dos dois subtemas
que compõem a proposta: a proliferação das informações no ambiente virtual e a vigilância
epistêmica.

Aula 01 — Tema e tese 60


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Além disso, o tema não é polêmico, não dá para defender uma tese contrária à vigilância
epistêmica. Nesse sentido, trata-se de um recorte bem fechado. O que você poderia fazer? Dar
mais ênfase em um dos dois subtemas. Por exemplo, você poderia contextualizar a
contemporaneidade a partir de difusão de informação para, a seguir, voltar sua carga
argumentativa para a necessidade de vigilância epistêmica. Poderia até exagerar um pouco,
fazendo uma afirmação do tipo: a vigilância epistêmica poderá determinar o futuro da
humanidade.
No formato contrário, você poderia desenvolver mais a questão da disseminação das
informações. Mostrar historicamente como isso ocorreu, ligar tal fenômeno à globalização,
considerar o impacto disso na cultura e nas formas de viver etc. Tendo desenvolvido essa subtema,
restaria, na segunda parte da redação, a proposição da vigilância epistêmica como intervenção.
A seguir apresento algumas sequências argumentativas que poderiam ser levantadas a
partir dos textos de apoio.
Texto 1
-Os sites de busca indexam informação sem filtros relevantes em relação à verdade.
-Os sites poderiam indexar informações ligadas a centros de pesquisa e de informação, mas
preferem apresentar as informações mais acessadas (há uma predominância da quantidade e não
da qualidade).
-Vivemos em uma época em que a opinião baseada no senso comum tem o mesmo valor
que a opinião de um estudioso.
-Trata-se de uma era da desinformação devido à quantidade de ideias que circulam fazendo
com que a informação relevante seja como uma agulha no palheiro.
- O ruído provocado pelas opiniões desvia a atenção do que é mais importante.
-A desinformação é “consequência dessa ideia que a maioria das pessoas tem sobre a
liberdade de expressar o que bem quiser..., como se opiniões não precisassem se basear no rigor
científico, antes de serem emitidas”.
Texto 2
- Não há como negar a vantagem das redes em relação às informações; a foto de D. Pedro,
anteriormente acessível a poucas pessoas, agora pode ser vista por milhares de pessoas.
- O jogo entre imagem e o texto do Estadão pode levar a uma reflexão inversa, já que a foto
de D. Pedro não diz muita coisa sobre quem foi realmente o monarca; pode-se deduzir um
argumento interessante: de que vale tanta informação se o leitor não tiver formação adequada
para processar novos dados de forma significativa?
Texto 3
O texto do Zigmunt Bauman é o mais complicado. Basicamente ele aponta causas para o
fenômeno.
- Por que as pessoas não se preocupam com a veracidade da informação? Porque nesse
mundo da rapidez das informações o que importa é o mais novo fenômeno e não o que é mais
verdadeiro. Sendo assim, ninguém se importa muito com a verdade.
Três outras ideias interessantes para desenvolvimento do texto

Aula 01 — Tema e tese 61


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-Diferença entre informação da cultura de massa e cultura de formação. Na escola o


indivíduo aprende a hierarquizar ideias dando sentido a elas, por isso elas se tornam importante.
Sem essa capacidade de organizar dados, as informações tornam-se apenas entretenimento e daí
é irrelevante se elas são verdadeiras ou falsas.
-Está provado por algumas experiências que os homens tendem a aceitar uma mentira se
ela estiver de acordo com a sua visão de mundo; temos resistência em aceitar aquilo que nos
desestabiliza.
-A informação é importante, dados falsos levam o indivíduo ou a sociedade a projetar um
cenário futuro fantasioso e agir de forma equivocada no presente.

Comentário/ Proposta 2
Nessa proposta você encontrou uma seleção de textos complementares. O primeiro, uma notícia
de 2014, relata a adesão do então presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, ao programa de
“monitoramento de dados de internet de usuários de todo o mundo e ligações telefônicas nos
Estados Unidos feito pela Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês)”.
O segundo texto traça um histórico da política de segurança do Nazismo e da terrível Gestapo para,
no final, apontar um dado elementar: a ação de vigilância só foi possível porque teve o
assentimento dos alemães.
Já o texto três tece reflexões bastante perturbadoras sobre o fenômeno que elegemos como causa
para justificar o aparato de vigilância: a violência.
O Sociológo, Zygmunt Bauman (“queridinho da FUVEST”) localiza a base da política de segurança
dos Estados modernos no medo. O grande problema é que, nas sociedades urbanas de massa, a
falta de solidariedade entre indivíduos faz com que cada um veja o outro como potencial inimigo e
tenha medo do seu próximo.
Esse medo vago, muitas vezes confirmado por ações violentas de fato, alimenta a esperança de
que o Estado possa manter tal ameaça longe de nós. Contudo, trata-se de uma ação ambígua:
queremos que o perigo encarnado em sujeitos violentos seja afastado, ao mesmo tempo que
corremos o perigo de sermos classificados como parte desse perigo. O resultado de toda essa
angústia vaga é que, segundo o sociólogo, “temos investido numa densa rede de medidas de
vigilância, seleção, segregação e exclusão.”
Depois desses três textos que permitiam ampliar a visão e a complexidade do tema, as instruções
apresentavam um recorte preciso e um encaminhamento que deveriam ser bem observados. A
Banca lembrava que era dever do estado a garantia da segurança pública, para em seguida fazer a
pergunta que deveria ser respondida antes de fazer o esboço da redação: até onde vai o poder do
Estado de intervir diretamente na dinâmica social e vigiar o indivíduo para assegurar a segurança
pública?
Essa pergunta não permite a famosa tríade – a favor, contra e meio termo. Ela parte do pressuposto
de que o Estado tem o direito de vigiar o indivíduo. A questão passa a ser: em que medida e em
qual intensidade? Qual a linha de delimitação entre o que pode ser tolerado e o que não pode?
Em primeiro lugar seria necessário mapear esse terreno pantanoso.

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A proporção que se tomam medidas para garantir a segurança, a liberdade individual diminui e
vice-versa. Qual seria o ponto de equilíbrio?
Pensar em casos particulares talvez ajude. A vigilância a que Obama se referiu foi além dos limites.
A NSA espionou inclusive chefes de Estado, como a aliada Angela Merkel, chanceler alemã. Esse
caso, específico dá uma medida. A vigilância deve atender a finalidades muito precisas e não servir
a interesses que não sejam a segurança dos cidadãos.
Mas supondo que você não tenha se lembrado desse fato. O que fazer?
Nesse caso, a leitura atenta poderia tê-lo ajudado. Bauman cita o perigo e, portanto, o limite:
“seleção, segregação e exclusão”. Vigiar extensivamente somente uma parte da população, aquela
que é considerada suspeita, reforça estigmas sociais e justifica práticas violentas contra essa
população.
Obviamente, você poderia fazer a balança pender mais para o outro lado, para o lado da segurança.
Poderia lembrar que o governo Obama estava lidando com o pós 11 de setembro e, portanto,
práticas de vigilância se tonaram necessárias para que o medo social não fizesse mais estragos. É
só imaginar que se o Estado não assumisse seu papel público, os cidadãos americanos poderiam
partir para a autodefesa privada.
Esses exemplos apontam o caminho das pedras, mas não esgotam as possibilidades.
De qualquer forma, valeria a pena, no começo do seu texto, tentar contextualizar a questão
(mostrando que você leu bem o tema) e apontando com clareza a sua tese.

Comentário/ Proposta 3

Neste ano a FUVEST, mantendo seu estilo, resolveu entrar na polêmica que ainda movimenta
opiniões em torno da importância da ciência. Foram comuns, durante o ano, discussões em relação
aos terraplanistas ou àqueles que negam a eficácia das vacinas. Justamente dois episódios que
colocam em xeque a ciência no seu âmago. Afinal, a ciência moderna se inicia com o
questionamento do lugar que terra ocupa no Cosmos e a vacina sempre representou o que há de
mais palpável em relação a importância da ciência para o Homem.
O estilo, você já conhece, apresentar o problema de forma ampla. O aluno deveria produzir
um texto dissertativo sobre o tema explícito: o papel da ciência no mundo contemporâneo. Como
apoio, a Banca ofereceu uma coletânea com 5 textos, que, se bem refletidos, permitiria ao
candidato elaborar um percurso dissertativo bastante interessante. Vamos a eles.
O texto 1, na verdade uma charge, tematizava o perigo que a ciência representa. Uma das
cobras que se apresenta como inventora da roda, manifesta arrependimento, quando o artefato,
descendo um plano inclinado, ameaça atropelá-la.
O texto 2 defende a tese de que “a manutenção de uma civilização com os níveis presentes”
depende do papel social que a ciência vier a ocupar. O texto 3 pode ser lido como ampliação poética
dessa ideia. Trata-se de uma música composta por Gilberto Gil, na qual ele propõe um tipo de
aproximação entre ciência e religião que aboliria a diferença entre essas esferas. No refrão
““Cântico dos cânticos/ Quântico dos quânticos”, o eu lírico faz referência ao livro da bíblia que
tem esse nome, “Cântico dos cânticos”, e à expressão tirada das mais recentes teorias da física, a
teoria quântica.
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Os dois últimos fragmentos expõem o perigo que ronda essa relação entre ciência e
sociedade. O primeiro expressa o paradoxo em que vivemos, dependemos da ciência de uma forma
nunca imaginada e ao mesmo tempo desconhecemos o que é a ciência. Isso seria uma “receita
para o desastre”, segundo o texto 4. O último texto trata dessa contradição em uma medida mais
profunda, considera aqueles que podem ser denominados “negacionistas” (negam evidências).
Tais pessoas valem-se da ciência e da tecnologia para, justamente, “disseminar informações que
rejeitam a mesma ciência”.

Percurso da coletânea

Para os desesperados de plantão, a própria coletânea apresentava uma possibilidade de


desenvolvimento. O texto 2 apresentava a tese: a ciência é importante para manter os níveis atuais
de civilização. O texto 1 deixava claro que a ciência por si, pode ser benéfica ou prejudicial a quem
a criou. Há riscos. Os outros textos nomeavam esses riscos: o negacionismo, o desconhecimento
do “espírito da ciência” e o hiato social entre ciência e sociedade.
Como você pode observar, havia uma tese e três riscos que poderiam ser desenvolvidos em
3 parágrafos. Bastaria que o candidato preenchesse essas ideias gerais com repertório próprio,
progressão, coesão etc.

Outros percursos

Qualquer outro percurso argumentativo dependeria das teses que poderiam ser
formuladas. Lembre-se, para elaborar uma tese, retome o tema e acrescente o que você deseja
afirmar: “o papel da ciência no mundo contemporâneo é...”
A partir daí, podemos pensar em 2 possibilidades: (1) é importante ou (2) não é importante.
Há um posicionamento intermediário: o papel da ciência é acessório. Fazendo combinações,
podemos chegar a variações:
- A ciência tem papel fundamental e determinante para o futuro da sociedade.
- A ciência tem papel importante para transformar o mundo em algo melhor.
- A ciência tem papel importante, mas há riscos.
- A ciência tem papel acessório, pois...
- A ciência como constituída hoje tem um papel subordinado ao sistema econômico....
- A ciência tem assumido um papel que representa um risco para a humanidade...
- Diante de uma opinião pública hostil à ciência, o papel da ciência é o de se justificar perante
a sociedade.
- Etc.

Pressupostos:
De certa forma, o próprio candidato deveria demonstrar que tem conhecimentos sobre a
ciência. Aliás, se alguém pretende fazer parte do circuito acadêmico regido pelos pressupostos do
conhecimento moderno, deve ser capaz de saber do que se está falando.
A ciência moderna como configurada a partir do Renascimento é uma forma de conhecer o
mundo baseada num método rigoroso que parte do pressuposto da dúvida. Parte-se da premissa
de que qualquer afirmação que se proponha a ter validade de verdade pode ser posta em dúvida

Aula 01 — Tema e tese 64


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até prova em contrário. O cientista quando apresenta uma resposta deve provar o que diz através
de experimentos, cálculos e diálogo com a comunidade acadêmica. Isso se refere à ciência pura.
A ciência gerou a tecnologia. Trata-se de conhecimento aplicado que permitiu ao homem
desenvolver máquinas e ferramentas capazes de solucionar problemas práticos.
Tanto a ciência quanto a tecnologia devem ser vistas como meios, como ferramentas e não
como fins em si. São modos de se conseguir uma vida mais confortável. O que define o papel de
alguma ferramenta é o seu uso. Uma faca utilizada para cortar alimentos não representa qualquer
ameaça, empunhada na mão de um terrorista, o utensílio assume outro significado.

Repertório possível
A seguir enumero alguns percursos argumentativos dentre vários outros que poderiam ser
usados. Observe que eles poderiam ser utilizados para apoiar diferentes teses.

Crítica à ciência
- A ciência considerada como um ídolo sem qualquer crítica produz desastres, basta
considerar as teorias deterministas, evolucionistas e racistas do final do século XIX que serviram de
base para políticas de eugenia e extermínio.
- As descobertas científicas estão submetidas a interesses econômicos, nunca se destruiu o
meio ambiente tão velozmente quanto no século XX, época em que a tecnologia se tornou a
mediadora entre o homem e a natureza. Atualmente, o desenvolvimento da inteligência artificial,
se não for bem administrado, pode provocar a exclusão de boa parte da humanidade que não se
beneficiará dos avanços da ciência.
- Os pensadores da Escola de Frankfurt formularam a expressão “razão instrumental” para
nomear o processo no qual o homem cria a ciência para dominar a natureza e acaba por ser
dominado por um tipo de conhecimento técnico que está a serviço do próprio sistema capitalista.
- Michael Foucault criou o termo biopolítica para destacar que, a partir de desenvolvimento
da biologia, houve um processo de disciplinarização e vigilância que torna as pessoas dóceis aos
poderes de manipulação. Em nome da ciência médica, pode-se classificar pessoas, alterar seus
hábitos, proibir procedimentos (como fumar), constranger etc.
- Duas histórias bem conhecidas, dentre outras, expressam o risco da ciência: “o médico e o
monstro” e “o aprendiz de feiticeiro”. No primeiro caso, a ciência leva à criação de uma aberração
insustentável; no segundo, o aprendiz não consegue mais controlar as forças que ele mesmo
despertou na natureza.
- O filósofo brasileiro Paulo Arantes definiu barbárie de uma maneira nova. O termo não se
refere a procedimentos não-civilizacionais, mas à incapacidade de o homem lidar com o poder da
tecnologia e da ciência.
-Zigmunt Bauman, sociólogo, chamou a atenção em seu livro “Mundo para Consumo” para
o fato de que os aparatos informacionais produziram uma tal quantidade de informação que
corremos o risco de que sistemas de inteligência artificial ocupem o lugar decisório de seres
humanos, algo que parcialmente já ocorre, quando se considera o papel dos algoritmos na nossa
vida.
- Historicamente, é possível destacar como a ciência fez grandes progressos a partir de
cobaias humanas.

Elogio à ciência
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- A ciência ocupou o lugar do dogmatismo religioso, mais nefasto, pois a religião não permite
a dúvida o que leva frequentemente a massacres.
- Historicamente, a ciência foi capaz de aumentar a expectativa de vida, de encontrar alívios
para os sofrimentos humanos, de permitir uma vida mais confortável etc.
- A ciência e a tecnologia permitiram uma certa autonomia do indivíduo frente à tradição.

Riscos para o sociedade em relação à forma como tratamos a ciência.


- O negacionismo pode levar os homens a obscurantismo, a desenvolver ideias que
redundam em preconceito e na tese de que, se tudo é válido, então a realidade deve ser regulada
pela lei do mais forte.
- Se os pressupostos da ciência não forem assimilados pelas pessoas comuns – o fundamento
da dúvida, o método científico e o rigor formal – elas não darão valor à ciência.
- Vivemos em uma sociedade extremamente complexa, na qual a tecnologia aliada
interesses econômicos têm o potencial de provocar grandes estragos, mas, ao mesmo tempo,
somente a ciência pode dar respostas aos grandes desafios sociais, se ela for aceita e compreendida
pelas pessoas.
- Se as pessoas não perceberem o papel social da ciência e se não for usada para beneficiar
a grande maioria, ela se tronará simplesmente um instrumento poderoso na mão de pessoas ou
de instituições que usarão a tecnologia não para o bem comum, mas para vantagens particulares.

10. Considerações Finais


Chegamos ao final desta aula do nosso curso de Redação. Expliquei com o máximo de
detalhes o significado e a importância do tema na produção do seu texto. Pode ser até que você
ache que me alonguei demais, não creio dada a importância desse quesito na correção. Lembre-se
de que a apreensão do tema tem peso 4.
Estou certo de que você, que me acompanhou e fez as atividades sugeridas, teve um ótimo
aproveitamento .
Confira comigo. Ao final desta aula, espera-se que você tenha adquirido e exercitado
algumas habilidades importantes:
- habituar-se a considerar as várias opiniões sobre o tema;
- refletir sobre o contexto;
- elaborar teses opinativas e não expositivas.
Além do desenvolvimento dessas habilidades, espera-se que você tenha feito as duas
propostas de redação e todos os exercícios..
Faça uma autoavaliação e verifique se você alcançou o esperado para a aula.
Até a próxima aula ou, mesmo antes, no Fórum de dúvidas.
Saudações e bom estudo.

Aula 01 — Tema e tese 66


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Versão Data Modificações

1 06/01/2020 Primeira versão do texto.

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