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Educação Unisinos

12(3):238-242, setembro/dezembro 2008


© 2008 by Unisinos doi: 10.4013/edu.20083.09

Os lugares da contemporaneidade e a
escola de controle: cartografias do poder
na educação

The places of contemporaneity and the school


of control: Chartographies of power within the
educational system

Dinamara Garcia Feldens


dfeldens@hotmail.com

Resumo: Este texto é fruto de um projeto de pesquisa em desenvolvimento e que busca


compreender como a escola vem se reestruturando no sentido de poder responder as novas
conformações sociais e culturais da contemporaneidade. Ao olharmos mais especificamente
a escola, observamos um processo de falência crescente de suas formas tradicionais de
organização. A escola, uma instituição criada para responder as necessidades da sociedade
disciplinar moderna, vem buscando, neste sentido, articular-se com estas novas conformações e
com os diferentes tempos e espaços que por elas são engendrados. O texto que ora apresento
é resultado de pesquisas realizadas numa escola pública municipal de ensino fundamental em
um município do nordeste brasileiro que sofre a intervenção do Ministério Público Federal há
dois anos. Esta escola se funda com base numa organização extremamente nova, que articula
poder público federal, estadual, municipal, sociedade civil e empresas de cunho privado e
que tem em suas materialidades o controle como articulador das relações de poder. É com
base em alguns teóricos que buscam conceituar a contemporaneidade, suas diferentes linhas
e a sociedade de controle que pretendo compreender como o poder age em suas estruturas
institucionais naquela escola que, neste texto, receberá o nome fictício de escola do Mangue,
assim como as demais escolas e nomes citados.

Palavras-chave: escola, poder, contemporaneidade.

Abstract: This text is a result of a research project that is still in development and tries to
understand how the educational system is being restructured to meet the new social and
cultural demands of contemporaneity. Looking more specifically at the present educational
system, we observe a growing decadence in the traditional forms of education. The school,
an institution created to meet the needs of modern disciplinary society, is trying to connect
with these new demands and the different times and spaces engendered by them. This text
is result of a research done at a public elementary school, located in a city in the northeast
of Brazil that has been under intervention by the federal prosecuting counsel for the past two
years. This school is based on an extremely new organization that brings together federal,
state and municipal government, society and private companies. Control is the organizing
element of the power relations in it. Based on some theorists who reflect on contemporaneity,
its different lines and the society of control, the article tries to understand how power acts
within the school structure. I use the fictitious name “Mangue” to refer to this specific school.
I also use fictitious for others schools and people in this text.

Keywords: school, power, contemporaneity.


Os lugares da contemporaneidade e a escola de controle: cartografias do poder na educação

A escola estaduais e de órgãos públicos, so- ferença entre o admitido e o rejeitado,


bretudo em função do crescimento o incluído e o excluído (Bauman,
O bairro da escola do Mangue da violência característica do local. 2004, p. 23).
é um complexo habitacional urba- Antes deste processo havia apenas
uma extensa área de matagal, sem Em todo o complexo habitacional,
no que agrupa sete comunidades
água encanada, eletricidade ou ruas; existem algumas escolas de pequeno
distintas, sendo que seis delas são
existindo, no atual Colégio Gustavo porte particulares, uma municipal
resultado de ocupações, fenômeno
Lange, uma torneira na qual a comu- e quatro estaduais, que, segundo a
comum de nova urbanidade que
nidade mais próxima abastecia suas população, não atendem a demanda,
acontece, sobretudo, nos grandes
casas com água. O bairro possuía uma vez que jovens e crianças são
centros sociais. Se há algumas déca-
brejos escuros e sem policiamento, obrigadas a se deslocar para bairros
das a formação de periferias estava vizinhos para estudarem. A maioria
associado à alocação de indústrias e um espaço ignorado pelas autorida-
des administrativas, propícia a assal- das famílias que lá habitam não pode
ao comércio local, hoje percebemos, pagar escola particular, e, não sendo
na configuração daquele espaço, tos e mortes constantes; não existiam
escolas, farmácias, Postos de Saúde, absorvidas pela única escola que
moradores itinerantes e pessoas que oferece atendimento aos menores
migraram de periferias de diferentes mercearias, enfim, a população era
de 7 anos, em função do número in-
estados, buscando novas formas de obrigada a se deslocar para outros
suficiente de vagas, muitas crianças
sobrevivência, entre elas, a de pape- bairros próximos.
Atualmente, a maiorias das ruas ainda estão fora da sala de aula.
leiros e catadores, uma vez que o lixo Alguns dados da Secretaria de
da cidade encontra-se lá depositado não possuem pavimentação, e esgo-
tos correm a céu aberto. No complexo Segurança do Estado apontam este
em um aterro gigantesco exposto ao bairro com os maiores índices de
do bairro, ainda não existem delega-
ar livre, sem tratamento de nenhum violência contra a mulher, contra a
cia, praças, associação de moradores,
tipo. criança, de tráfico de drogas e de
policiamento nas escolas e nas ruas.
As comunidades que constituem o homicídios.
Existem apenas uma fábrica, um
bairro apresentam, de forma geral, os No ano de 2003, com o apoio da
posto de saúde, futuras construções
mesmos problemas de infra-estrutura que estão em andamento do Presídio UNICEF, a Promotoria Pública Fede-
e altos índices de violência. Com Estadual e um grande supermercado. ral realizou um senso educacional –
exceção do Loteamento Maninho, a A maior parte da população que não senso relâmpago – uma modalidade
constituição de todo o complexo se tem empregos fixos são catadores que o governo federal tem adotado
deu de forma semelhante, ou seja, de garrafas e alumínio, papeleiros, em algumas áreas de risco – e cons-
a partir de ocupações e processos possuem pequenos negócios e fazem tatou que 2.100 crianças em idade
de migração social. Para os órgãos diversos serviços autônomos, desta- escolar estavam fora da escola.
públicos estaduais e municipais, ca-se ainda uma enorme população Num processo de intervenção
torna-se extremamente difícil obter de catadores de lixo. direta, a Promotoria convoca o poder
os dados mais precisos acerca da público estadual e municipal para a
população do bairro, uma vez que Os coletores de lixo são os heróis não
construção de um centro educacional
decantados da modernidade. Dia após
constantemente moradores chegam e que pudesse dar conta de suprir os
dia, eles reavivam a linha de fronteira
partem num fenômeno extremamen- entre normalidade e patologia, saúde e problemas de vagas escolares para
te complexo de ocupação daquele doença, desejável e repulsivo, aceito e estas crianças. Unindo adversários po-
espaço. Os barracos de papelão ou rejeitado, o comme il faut e o comme il líticos históricos e a iniciativa privada,
de restos de materiais de construção ne faut pás, o dentro e o fora do uni- a Promotoria Pública encaminha a
aparecem e desaparecem construin- verso humano. Essa fronteira precisa construção deste centro educacional.
do um cenário móvel e imputando da constante diligência e vigilância O Centro Educacional Vitória de
àquele bairro uma paisagem nômade porque não é absolutamente uma
Santana é inaugurado, no entanto,
‘fronteira natural’: não há montanhas
bastante singular. somente no ano de 2007. Nele, estão
altíssimas, oceanos sem fundo ou
Alguns moradores mais antigos gargantas intransponíveis separando duas escolas. Uma escola mantida e
relatam que houve um processo de o dentro e o fora. E não é a diferença administrada pelo Estado, que abarca
ocupação que se acelerou de forma entre produtos úteis e refugo que de- o ensino da quarta série fundamental
muito intensa nos últimos oito anos e marca a divisa. Muito pelo contrário, até o término deste estágio, e uma 239
que este movimento vem chamando é a divisa que prediz – literalmente, escola administrada e mantida pelo
a atenção de governos municipais, invoca – a diferença entre eles: a di- Município, que possui ensino de

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educação infantil e fundamental. Esta Os professores entregam sema- inaugurar uma razão científica po-
escola chama-se Escola do Mangue, nalmente um relatório com todas as sitivista propagada pela escola em
foi fundada em fevereiro de 2007 e é atividades diárias que irão desenvol- seus currículos e conteúdos progra-
atualmente o objeto de minhas pes- ver a cada hora de trabalho – ou seja, máticos; e o Renascimento, que, com
quisas e o foco deste texto. a cada hora aula – que é rubricado e seus valores estéticos e artísticos,
Esta escola nasce no centro de lido pelo diretor. Estes relatórios são estabelece a dicotomia entre a “boa
uma localidade com uma recente e entregues no primeiro dia da semana arte”, a erudição, a cultura erudita e
diferenciada configuração urbana, e ficam arquivados na secretaria para a cultura popular.
com índices de violência bastante poderem ser consultados quando o
consideráveis e com uma proposta diretor entender necessário. A educação escolarizada e pública
pedagógica que pretende ser inova- Os pais dos alunos ou seus respon- sintetiza, de certa forma, as idéias
dora e inédita em relação às demais sáveis possuem também crachás de e os ideais da modernidade e do
iluminismo. Ela corporifica as idéias
instituições de ensino públicas da- identificação, fornecidos pela escola,
de progresso constantes através da
quele estado do nordeste brasileiro. que apresentam no início e no final razão e da ciência, de crença nas
É uma escola coordenada por um do turno escolar, a fim de levarem o potencialidades e desenvolvimento
diretor funcionário da rede munici- filho para casa. de um sujeito autônomo e livre, de
pal, mantida por esta mesma rede, Os alunos considerados com baixo universalismo, de emancipação e de
mas que presta contas, em nível pe- rendimento escolar têm aulas aos libertação política e social, de auto-
dagógico e burocrático, ao Ministério sábados e nos períodos de recesso, nomia e de liberdade, de ampliação
Público Federal. O corpo docente da as aulas são ministradas pelos pro- do espaço público através da cidada-
nia, de nivelamento dos privilégios
escola é de estagiários – com exceção fessores estagiários a fim de acompa-
hereditários, de mobilidade social.
do diretor e de uma única professora. nharem o andamento da escola como A escola está no centro dos ideais de
É uma escola que atende 800 crian- um todo, que tem em seus objetivos a justiça, igualdade e distributividade
ças na faixa etária entre 4 meses e aprovação em cem por centos de seus do projeto moderno de sociedade e
12 anos de idade, estando em fun- alunos, atingindo os maiores índices política. Ela não apenas resume estes
cionamento atualmente a educação de todo o estado. princípios, propósitos e impulsos:
infantil e a primeira série do ensino ela é a instituição encarregada de
fundamental apenas. A proposta da Poder, escola, espaço e transmiti-los, de torná-los generali-
zados [...]. A escola pública se con-
escola é que, a cada ano, some-se tempo funde, assim com o próprio projeto
uma série até atingir as cinco séries da modernidade. Ela é a instituição
do ensino fundamental. A escola é uma instituição que moderna por excelência (Silva, 2000,
A escola é uma construção bas- nasce na Modernidade, com o obje- p. 214).
tante sofisticada, destoando radical- tivo de produzir um saber necessário
mente da paisagem do bairro. Possui ao poder disciplinar daquele con- A globalização e a instauração de
banheiros com mármore branco, texto. Ela torna possível o mercado diferentes processos de organização
cadeiras estofadas, ar condicionado. capitalista nascente e a solidez das do mercado e das estruturas de poder
Todas as salas de aulas possuem ciências positivas, a partir da pro- contemporâneos geraram um Estado
nomes de empresas privadas ou dução de signos, conceitos, valores completamente diferente daquele
instituições públicas locais, afixados morais e culturais que esta instituição que conhecemos nascido no século
em sua porta, incluindo os sanitários produz e propaga. Produto de seu XVII e XVIII. As questões ligadas
e as salas burocráticas. tempo e instituinte de si, a escola é à educação e sua oferta deixam de
Durante todo o período em que uma instituição moderna. Ela reafir- ser prioridade nesta conformação
estão na escola, os alunos são iden- ma as revoluções que a Modernidade contemporânea do “Estado Mínimo”,
tificados por crachás que carregam gestou: a Revolução Industrial, no enquanto produtoras de mão-de-obra
pendurados ao pescoço, mudando de campo econômico, e a criação de um disciplinada. No entanto, empresas
cor conforme o local onde se encon- mercado que necessita de uma mão- privadas e a sociedade civil passam
tram. Para se dirigirem ao banheiro, de-obra disciplinada para a produção; a incorporar esta responsabilidade na
usam crachás azuis, por exemplo. a Revolução Francesa, no campo medida em que se intensifica a idéia
O turno letivo não possui recreio e político, que instaura a democracia de que educar a população passa a ser
240 os corredores são absolutamente lim- burguesa e, com ela, a idéia de uma uma saída para a violência e para o
pos, da mesma forma que silenciosos escola para todos; o Iluminismo, caos social que atingimos. Em outra
o tempo todo. no campo das idéias, que passa a medida, a escola é ainda um meca-

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Os lugares da contemporaneidade e a escola de controle: cartografias do poder na educação

nismo necessário e útil, porém por escola com espaços de afecções são as sociedades de controle que
razões diferenciadas. ou aprendizagens. E se olharmos substituem a disciplina, pois nas so-
Novos pactos estão surgindo mais atentamente, de quanto estas ciedades disciplinares não se parava
nesta direção. A escola do Mangue formas de discurso-verdade produz de recomeçar, enquanto nas socie-
parece ser um destes espaços. Com materialidades de poder e produz, dades de controle nunca se termina
estes novos pactos, diferentes mate- com elas, a escola da sociedade de nada. Assim como a empresa vem
rialidades de poder se estabelecem controle. substituir a fábrica, a formação per-
manente tende a substituir a escola,
em vários âmbitos. A escola busca A possibilidade da veiculação
e o controle contínuo, o exame. Nas
construir em seus discursos peda- destes enunciados nos discursos sociedades disciplinares o indivíduo
gógicos e em suas ações uma forma educacionais, ao longo da história, não parava de passar de um espaço
de legitimar as diferentes relações foi produzindo a escola. Neste fechado a outro, cada um com suas
de poder que a sociedade exige, sentido, vale lembrar o estudo que leis (primeiro a família, depois a
produzindo novos enunciados. Ariès (1981) faz do surgimento da escola, depois a fábrica etc.). Nelas
Segundo Foucault (2000), o poder “vida escolástica” e sua articulação encontramos dois pólos: a assinatura
deve ser analisado como algo que com a disciplina. De acordo com o que indica o indivíduo e o número
da matrícula que indica sua posição
funciona em cadeia, que não está autor, a diferença essencial entre a
na massa. O poder aqui é ao mesmo
localizado aqui ou ali, nem está nas escola da Idade Média e a dos tem-
tempo massificante e individuante,
mãos de alguns. pos modernos residiu na introdução constituindo num corpo único aqueles
O poder não é um bem, mas é da disciplina, que era um meio sobre os quais se exerce e moldando a
algo que se exerce em rede, e nessa de isolamento e adestramento das individualidade de cada membro do
rede todos os indivíduos circulam, crianças. Uma nova subjetividade corpo (Deleuze, 1992, p. 221).
sendo que qualquer um pode estar se configura.
em posição de ser submetido ao A disciplina passa a caracterizar Em contrapartida, na sociedade
poder, mas também em posição de a sociedade e a escola da Moder- de controle o essencial tende a não
exercê-lo. Nessa perspectiva, não nidade, produzindo com ela uma ser mais uma assinatura, ou um
se trata da questão de “quem tem subjetividade disciplinada. A subjeti- número, mas uma cifra, uma senha
o poder”, mas de estudá-lo nas li- vidade não pode ser entendida como que marca o acesso à informação ou
nhas que ele percorre e produz seus origem, mas como o processo de à rejeição. Os indivíduos tornam-se
efeitos reais. É nesse contexto que constituição dos corpos e de signos divisíveis, e as massas tornam-se
o autor parece se interessar pelos (Deleuze, 1992). Neste sentido, vale “amostras”, “dados” ou “bancos”,
efeitos de verdade produzidos pelo lembrar que estamos deixando de em que o controle é contínuo. Se
poder, como esse último se legitima lado qualquer noção de subjetivida- observarmos algumas determinações
nas relações criando discursos que de pré-social, pois a subjetividade é pedagógicas da escola do Mangue,
funcionam como norma. um constante processo de produção poderemos identificar a sociedade
Percebo na escola do Mangue de materialidades. Assim, falar em de controle agindo com as novas
algumas formas discursivas que produção da subjetividade significa configurações escolares e sociais da
me parecem muito interessantes. dizer que esta última não é entendida sociedade contemporânea. Trata-se
A atenção especial aos índices de como origem, mas como um proces- de uma revolução muito volátil e
repetência, por exemplo, que estão so, de acordo com a configuração escorregadia – sem precedentes em
sempre associados a possibilidades sócio-histórica em que se situa. todos os campos de nossa sociedade
de êxitos do projeto da escola e Nesse sentido, podemos dizer que a e que exige percepções e ferramentas
não diretamente ligados a uma subjetividade não é um dado prévio diferenciadas de análise daquelas de
questão de aprendizagem ou de nem um ponto de partida, mas um que antes nos valíamos na sociedade
crescimentos no campo individual processo complexo, tal como um disciplinar, sobretudo se entender-
do aluno. Ainda, podemos pensar devir (Birman, 2005). mos que, nos últimos anos, o projeto
sobre a falta de um espaço e um Este estudo busca, justamente, moderno vem sendo abalado.
tempo recreativo coletivo de trocas compreender como a escola vem O aluno, identificado por um cra-
e socializações, em busca do silên- agindo no sentido de produzir estas chá, tem sua subjetividade moldada
cio, do controle, da limpeza, da novas relações de poder e suas mate- a partir de suas ações e de seus luga-
ordem. E, neste sentido, de quanto rialidades, em última instância, que res sociais. Trata-se de uma criança 241
funciona a idéia de uma escola de subjetividades produz em suas novas da série X que tem seu espaço e seu
resultados em detrimento de uma articulações. Segundo Deleuze, tempo controlado. O diretor da es-

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cola justifica o uso do crachá como vanguarda de sua região, partindo res, mas que se estrutura com novas
sendo a possibilidade de controlar do controle sobre a ação de seus instâncias de poder, com diferentes
as ações das crianças, de saber onde docentes e discentes. O exame minu- ações educativas, com personagens
elas estão, para onde vão e quem são. cioso das atividades dos professores que desenham novas margens. Uma
E assim o é. O controle, ainda mais a cada hora-aula não tem como fim criança que é inventada, enquadrada,
que a disciplina, produz o tempo, o um cuidado para com o processo de moldada, mas que esta identificada,
espaço e a identidade mesmo que ensino-aprendizagem, para com a localizada, temporalmente datada.
incessantemente mutante . metodologia de ensino ou mesmo Um crachá! Um índice e, claro, mui-
para a competência de seus conteú- tas coisas que ainda não podemos
A identidade plenamente unificada, dos, mas muito mais uma atenção ao perceber, pois uma subjetividade
completa, segura e coerente é uma controle, um conhecimento acerca pode sempre mais. Trata-se do desa-
fantasia. Ao invés disso, à medida das ações, das atividades, dos mo- fio de buscarmos os entendimentos
que os sistemas de significação e
vimentos que o docente exerce. E para pensarmos este tempo enquanto
representação cultural se multipli-
cam, somos confrontados por uma é preciso então atentar ao fato de o próprio tempo existe, pois na con-
multiplicidade desconcertante e como a escola pensa e estrutura sua temporaneidade o tempo transforma-
cambiante de identidades possíveis, organização no sentido de construir- se enquanto deixa de ser.
com cada uma das quais poderíamos se como referencial de ensino em
nos identificar – ao menos temporari- meio a um bairro tão desprovido de Referências
amente (Hall, 2000, p. 21). possibilidades de atendimento das
necessidades humanas básicas. ARIÈS, P. 1981. História social da criança
São novos territórios que estão Torna-se necessário entender a e da família. Rio de Janeiro, Guanabara,
constantemente sendo produzidos cartografia e os dispositivos mi- 279 p.
e desterritorializados e que agem BAUMANN, Z. 2004. Vidas desperdiçadas.
crossociais e micropolíticos que se
em suas rupturas provocando uma Rio de Janeiro, Zahar, 170 p.
estabelecem nas relações de forças BIRMAN, J. 2005. Entre cuidado e saber de
espécie de reterritorialização que entre as pessoas, considerar, ainda, si: sobre Foucault e a psicanálise. Rio de
determina a forma de pensarmos e a produção de subjetividades como Janeiro, Relume Dumará, 249 p.
de viver nosso cotidiano. fruto das materialidades efetivadas DELEUZE, G. 1992. Conversações. Rio de
nestas relações . Ou seja, durante todo Janeiro, Editora 34, 230 p.
Dispositivo, pensamento o processo de pesquisa nesta escola, DELEUZE, G. 1990. Que és un dispositivo?
e a escola é preciso mapear, percorrer as linhas Barcelona, Gedisa, 220 p.
FOUCAULT, M. 2000. Em defesa da socie-
e as territorialidades do poder e do
dade. São Paulo, Martins Fontes, 382 p.
Segundo Foucault (2006), pensar controle, suas relações entre os saberes FOUCAULT, M. 2006. Microfísica do poder.
é experimentar, problematizar. O pedagógicos e a nova organização do Rio de Janeiro, Graal, 257 p.
pensar se faz no entremeio do ver espaço em que a escola habita. HALL, S. 2000. A identidade cultural na
e do falar. A palavra constitui o O projeto de pesquisa que ins- pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A
objeto. Nessa medida, o discurso pirou este texto e seus provisórios Editora, 79 p.
torna-se saber, dado que cada um entendimentos ainda está em anda- SILVA, T.T. 2000. O projeto educacio-
nal moderno: identidade terminal? In: A.
de nós nasce num mundo que já é mento. Trata-se de um percurso que
VEIGA-NETO, Crítica pós-estruturalista
de linguagem, num mundo onde os exige atenção, delicadeza e cuidados e educação. Porto Alegre, Sulina, 110 p.
discursos já estão há muito tempo teóricos. Pensar o tempo e o espaço
circulando, nós nos tornamos su- neles mesmos. Muito tem-se que Submetido em: 05/09/2008
jeitos derivados desses discursos, caminhar ainda. Aceito em: 14/10/2008
sujeitos da enunciação. Na teia da imanência estão late-
A linguagem se articula por meio de jando muitas e disformes linhas. No
dispositivos. Um dispositivo de poder cenário da pesquisa, acontece um
“é uma espécie de novelo ou meada, bairro com uma configuração urbana
um conjunto multilinear” (Deleuze, nômade e completamente mutante,
1990, p. 155). São forças que agem com velhos problemas sociais – com
neste contexto multilinear para que a fome, doenças, violência e falta de Dinamara Garcia Feldens
242 escola de controle possa existir. dignidade. Mas com desconcertantes Universidades Tiradentes
Av. Murilo Dantas, 300
A escola do Mangue articula formas de existir. Uma escola que 49032-490, Aracaju, SE, Brasil
seu projeto de tornar-se a escola produz corpos, subjetividades, sabe-

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