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Seção Boas Práticas – Ekklesía Brasil – n.

1/2021
Uma pedagogia do amor evangélico
Nesse breve relato, o autor dá testemunho do método de recuperação de dependentes
químicos da Fazenda da Esperança, cujo fundamento central é a vivência da Palavra de
Deus

Pe. César dos Santos


(Fazenda da Esperança - México)

Gostaria de dizer algo sobre o método pedagógico que utilizamos na Fazenda


da Esperança que, no fundo, corresponde à nossa espiritualidade e representa aquilo
que entendemos como processo de recuperação. Para nós, na verdade, se trata de
conversão. Nesse sentido, ajudar esses jovens a superar o vício das drogas significa
possibilitar a eles um encontro com a Palavra de Deus.
Na Igreja, existe a Lexus divina, que é a prática diária de rezar com a Palavra de
Deus. Podemos ampliar esse método se colocarmos essa Palavra de Deus em prática e
comunicarmos as experiências feitas a partir dela. Basicamente, esse é o método
pedagógico que usamos na Fazenda da Esperança.
Desse modo, a todos os jovens que ingressam na nossa obra lhes é apresentada
essa possibilidade de, diariamente, lerem e meditarem o Evangelho em comunidade e,
em seguida, escolherem aquele trecho a ser colocado em prática ao longo do dia. Eles,
inclusive, transcrevem esse trecho nas lousas espalhadas nas casas e, mais tarde (em
geral à noite, durante as refeições ou mesmo durante a celebração da missa), realizam
um momento de comunhão de experiências inspiradas na Palavra de Deus.
O fato de comunicar as experiências os ajuda a criar uma mentalidade nova:
eles tendem a não se preocupar mais com as coisas que trazem da sua vida anterior à
sua chegada na Fazenda. Passam a se ocupar em viver o Evangelho. Isso vai mudando
os temas de suas conversas, seu modo de se expressar, o que lhes ajuda a encontrar
uma dimensão nova da vida. Essa mudança acontece sem termos que falar das drogas
(ou contra elas). Pela experiência da Palavra, eles constatam que cresce no seu interior
a própria presença de Deus. Passam a sentir alegria, liberdade; sentem sua história de
vida ser iluminada; conseguem perdoar e pedir perdão.
Esse método é tão interessante que, faz algum tempo, o frei Hans Stapel (um
dos nossos fundadores) insistiu que passássemos a escrever ou gravar essas
experiências, registrando-as como num diário. Esses jovens vão percebendo que a
Palavra entra na história deles, transforma as suas vidas e eles se tornam “homens
novos”. A partir desse momento, entendem que a sobriedade está justamente no fato
de que a Palavra de Deus permanece nas suas vidas.
Temos até um bonequinho que segura o Evangelho e serve para demonstrar
isso ludicamente: se tiramos dele o Evangelho, ele cai. Esse brinquedo foi apresentado
ao papa Francisco que, em resposta, enviou uma mensagem a todos da Fazenda da
Esperança: todos podemos cair, mas se permanecemos fieis à Palavra de Deus, nos
mantemos em pé, disse o pontífice. E se um cai, o outro o ajuda a se levantar. O papa
entendeu bem a nossa pedagogia: possibilitar a esses jovens tornarem-se “homens
novos”.
Com efeito, chamamos o nosso método pedagógico de “O método do homem
novo”. Para além de tratamentos de psicologia e medicina que, eventualmente,
podemos oferecer, queremos doar Deus a esses jovens. Isso se dá por meio dessa
Lexus divina adaptada, que implica a leitura, a meditação, a escolha da Palavra de Deus
para o dia, a vivência dessa Palavra, a comunicação das experiências na pequena
comunidade em que se encontram e o seu registro por escrito ou eletrônico. Essa
experiência do diário é bonita, porque, após relê-lo, os jovens se dão conta de que
suas vidas vêm sendo transformada. Ali, eles escrevem a “frase”, “o fato” e “o fruto”
de cada experiência. Com esse método, os jovens tendem a centralizar a sua vida na
Palavra de Deus.
Das palavras que vão sendo destacadas do Evangelho e vão sendo colocadas
em prática, com certeza, aquelas que mais causam impacto na vida das e dos jovens da
Fazenda são aquelas que dizem respeito ao amor, que estimulam à prática do ato de
amor. Essa pedagogia do Amor que penetra nas suas vidas é algo muito interessante,
porque, primeiramente, eles são amados: nós os recebemos, fazemos festa para
acolhê-los. Logo, esses jovens entendem que uma palavra que vai lhes dar muita
alegria é amar.
Então, eles vão ao segundo passo: partem do “serem amados” para passarem a
amar. Eles amadurecem: chegam egoístas, carentes, necessitando de amor. Não
podemos muito falar de Deus. Primeiramente, eles precisam ser amados e abrirem o
coração para essa realidade. Amando, descobrem a alegria de amar e quanta luz surge
em suas vidas. É interessante que, logo, entendem que amar significa ir contra o seu
“eu” egoísta e implica renunciar a si mesmos. O amor exige consequências radicais
como chegar ao ponto de doer, como dizia Madre Tereza de Calcutá.
Esse é um aprendizado que os liberta do seu “homem velho” e lhes permite
que se abram a Deus e à Igreja. Quando esses jovens começam a amar, começam a
entender a realidade do pecado em suas vidas; pedem a confissão; desejam receber a
comunhão eucarística, serem crismados... Desenvolvem uma sensibilidade ao amor e
ao outro que é muito importante na transformação das suas vidas. Nesse sentido, a
palavra “amar” se torna essencial no caminho de recuperação deles.
Outra questão interessante é que esses jovens começam a entender a palavra
“recomeçar”, porque compreendem que não são “de ferro”, mas humanos e podem
cair em tentação. Por isso, aprender a recomeçar é também fundamental. Isso significa
que, quando eles se dão conta de que não amaram, podem recomeçar. O encontro
com a eucaristia é um momento especial para eles recomeçarem; se aconteceu algo
mais grave, podem contar com a confissão.
Assim, vejam que a nossa pedagogia busca levar esses jovens a desenvolver
uma sensibilidade ao amor e ao semelhante, porque, quando eles pensam no outro e
se esquecem de si mesmos, não querem mais usar a droga. Desse modo, conquistam a
sobriedade. É interessante que o fato de vivermos em comunidade faz com que
cresçam na consciência de família.
Também os instrumentos da espiritualidade coletiva do Movimento dos
Focolares nos ajudam nesse método: quando se encontram para compartilhar as
próprias experiências ou para colocar em comum como se sentem; quando buscam se
ajudarem reciprocamente com a correção fraterna; ou ainda quando desenvolvem
esse hábito de fazer um colóquio, isto é, conversar com quem tem mais experiência e
se permitem guiar por alguém mais maduro na fé.
Nisso, enfim, consiste no nosso método, também utilizado nos chamados
Grupos de Esperança Viva (GEV) que existem nas paróquias para auxiliarem os
egressos das Fazendas e suas famílias a seguirem com as suas vidas livres do vício das
drogas e no caminho de realização pessoal garantido pela Boa Nova do Evangelho.

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