Você está na página 1de 17

- PROVISÓRIO –

(Atualizado em 03.03.21)

Livro: Introdução aos Direitos Autorais

Autores: Allan ROCHA DE SOUZA; Luca SCHIRRU

CAPÍTULO 2

MARCOS LEGAIS

 Introdução
 Constitucionalização, complexidade e unicidade do ordenamento
 Os Direitos Autorais na Constituição Federal de 1988
 Os Tratados Internacionais de Direitos Autorais: Convenção de
Berna, Acordo TRIPS e Tratado de Marraqueche
 A Lei de Direitos Autorais
 Demais normas aplicáveis
 Conclusão

1. Introdução

O sistema legal de direitos autorais é composto por um complexo normativo


que perpassa diferentes níveis hierárquicos, graus de especialização diversos,
fontes múltiplas e efetividade ou exigibilidade de intensidade variada.

Além da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), da Lei de Direitos


Autorais (LDA) e da Lei de Software, há tratados de diferentes naturezas regulando
a matéria, além da incidência de outras leis ordinárias gerais, como o Código Civil.

No plano internacional, diversos diplomas asseguram a proteção destes


direitos para além das fronteiras nacionais. É de se notar também que, além dos
tratados específicos da matéria, o conteúdo e extensão da proteção aos direitos
autorais são diretamente afetados pelo conteúdo dos tratados internacionais de
direitos humanos, também incidentes.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 1 de 17
É deste conjunto normativo que tratamos a seguir, neste capítulo. Antes,
porém, traçamos algumas brevíssimas considerações sobre o papel da Constituição
no ordenamento jurídico nacional contemporâneo.

2. Constitucionalização, complexidade e unicidade do ordenamento:


brevíssimas considerações

O direito contemporâneo é resultado do processo de constitucionalização


de ordenamento jurídico, iniciado no plano internacional na segunda metade do
século XX e no Brasil desde a CFRB/88. A partir do reforçado reconhecimento da
força normativa e hierarquicamente superior da Constituição, de sua centralidade
em um ordenamento de crescente complexidade, e da necessária unicidade do
sistema jurídico para que possa ser considerado como tal, e não um amontoado de
partes desconexas resta imperioso concluir que seus efeitos se espraiam
substantivamente por todos os ramos do direito, que só pode ser entendido e
interpretado a partir de suas normas, compostas dos valores, princípios e regras
inseridos no texto constitucional. Neste contexto, não é mais possível entender
qualquer legislação sem que seja pelo olhar constitucional, seja porque sua
legitimação e fundamento enquanto norma jurídica deflue da própria Constituição
ou porque sua aplicação e interpretação são inexorável e intrinsecamente
vinculadas ao seu conteúdo. Assim, qualquer norma, seus sentidos, aplicação e
interpretação só são válidas se constitucionalmente ancorados.

No seio desta transformação, resgatamos as mudanças no direito civil e


privado como um todo, cujos desenvolvimentos históricos resultam na superação
da dicotomia entre direito público e privado, na medida em que as Constituições
contemporâneas – no ocidente ao menos – incorporam como centrais e nucleares
os direitos fundamentais e também estabelecem os alicerces da regulação das
relações privadas, como de todos os demais ramos do Direito. Neste processo, o
código civil perde de vez sua centralidade como lei geral da vida privada, já
abalada desde seu marco inicial, o Code francês de 1804, por conta do progressivo
aumento de leis especiais que excepcionavam suas regras gerais, ao longo do

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 2 de 17
século XIX e XX. Interessante também notar que estas leis especiais eventualmente
converteram-se em verdadeiros ‘estatutos’ especiais, minicódigos de normatização
de microssistemas que, a exemplo do CDC, ECA, LDA, LPI etc., buscam regular uma
determinada área ou setor em sua completude, à revelia e muitas vezes em
contradição com o sistema jurídico mais amplo, resultando em sua inevitável
fragmentação, situação ontologicamente inadmissível quando tratamos de um
sistema.

Este contexto de fragmentação, aliado à complexidade derivada da


voracidade legiferante nas várias instâncias normativas, resulta numa
multiplicidade de comandos jurídicos de difícil composição num cenário de
potenciais e reais oposições e contradições e reforça o papel constitucional de
unificação do sistema, impondo-se imperativamente com força normativa,
hierarquicamente superior, formal e materialmente vinculante a todos os ramos e
áreas do Direito, em sua totalidade.

A centralidade das normas constitucionais, princípio basilar e consolidado


do direito contemporâneo, alcança todas as relações jurídicas, sem exceção,
sujeitando a interpretação e aplicação das leis de propriedade intelectual em geral
e, para o nosso caso, de direitos autorais em especial, a uma renovada
hermenêutica, na qual os valores, princípios e regras constitucionais se projetam
diretamente no sentido e alcance das normas especiais quando de sua aplicação
aos casos concretos, o que, por sua vez, impõe a revisão crítica de seus institutos,
como já acontece já intensamente no Brasil com o direito civil.

Os direitos autorais têm sido impactados e, ainda que timidamente,


revisitados criticamente em tempos recentes. Aprisionados à ideia de uma
interpretação seccionada de suas normas, alinhada a interesses mantenedores dos
modelos e estrutura de negócios e das práticas das indústrias culturais, é clássico o
baixo apreço da doutrina mais tradicional pela reconfiguração dos institutos deste
ramo. Entretanto, tal reducionismo não mais encontra ambiente fértil para sua
continuidade e, em uma linha crítica, tanto estudos apresentados nas últimas duas
décadas, como decisões judiciais e revisões legislativas, indicam sua superação e a
consolidação de um novo paradigma, em que não há mais espaço para análises

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 3 de 17
meramente setoriais e unidimensionais dos direitos autorais. E, nesta linha, é
fundamental que consigamos contemplar no processo hermenêutico todos os
interesses juridicamente relevantes afetados pelas situações concretas que se
apresentam.

3. Os Direitos Autorais na Constituição Federal de 1988

As normas constitucionais direta e expressamente tratando dos direitos


autorais são os incisos XXVII e XVIII do artigo 5º:

“XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou


reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da


imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou


de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações
sindicais e associativas;”

No plano constitucional, é então garantida a exclusividade de utilização


econômica das expressões individuais, originalmente ao autor, durante sua vida e
por tempo determinado após a morte, assegurado ainda, ao autor, o direito de
fiscalização de sua utilização. Os artistas e suas interpretações, inclusive voz e
imagem associados, também estão constitucionalmente protegidos.

Em síntese, são constitucionalmente assegurados os seguintes direitos:

(a) ao autor, a titularidade originária dos direitos exclusivos sobre as obras


literárias, artísticas ou científicas que criar, tanto com relação às obras puramente
individuais como as que se inserem em obras coletivas
(b) duração dos direitos autorais durante toda a vida do autor;
(c) transmissibilidade aos herdeiros, sendo, portanto, objeto de sucessão
hereditária;
(d) tempo post mortem de proteção limitada e regulada pela legislação
infraconstitucional;
(e) Proteção das interpretações dos artistas e da voz e imagem vinculados;

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 4 de 17
(f) fiscalização do aproveitamento econômico de sua obra, com extensão da
legitimidade às associações e sindicatos.
A CFRB/88 enfatizou o aspecto patrimonial dos direitos autorais e não há
em nosso sistema constitucional tratamento expresso para o direito moral de
autor. Mesmo que não especificados inequivocamente na Constituição, os direitos
pessoais, aí incluídos os morais do autor, estão amparados no princípio geral de
proteção da dignidade da pessoa humana, fundamento da República, cuja
finalidade é a proteção da pessoa, em sua completude.

Por outro lado, os aspectos econômicos, entendidos pela Constituição como


uma forma de propriedade, a exclusividade de utilização patrimonial não é
absoluta ou irrestrita, e não podemos esquecer que a definição de seu conteúdo e a
proteção estão também condicionados ao cumprimento de sua função social, que
atrai a incidência de outros direitos fundamentais como educação e cultura,
conforme estabelecido nos incisos XXII e XXIII do art. 5º da Constituição Federal:

“XXII - é garantido o direito de propriedade;


XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”
Então, no mesmo plano constitucional, com igual valor jurídico, estão
também albergados os direitos fundamentais, individuais e sociais, que sustentam
a projeção do interesse público e demais interesses juridicamente relevantes no
seio da proteção autoral.

Por isso, é importante não nos esquecermos de que a obra protegida por
direito autoral, uma vez comunicada e tornada disponível ao público, entra no
universo social, passando a ser um elemento de referência cultural e simbólica,
além de fonte de informação e conhecimento, refletindo com isso relevantes
interesses difusos e coletivos que ultrapassam os limites dos direitos puramente
individuais, alémde outros direitos individuais igualmente fundamentais com os
quais deve coadunar..

São fontes constitucionais dos interesses difusos e coletivos com reflexos


nos direitos autorais, entre outros, os direitos à educação (arts. 6º; 205 e ss.), à
cultura (arts. 215 e 216), à informação (art. 220; 5º, XIV), bem como a liberdade de
expressão (Art. 5º, IX) e os direitos do consumidor (art. 5º, XXXII).

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 5 de 17
4. Os Tratados Internacionais de Direitos Autorais: Convenção de Berna,
Acordo TRIPS e Tratado de Marraqueche

Dentre os principais tratados ratificados pelo Brasil que versam


diretamente dos direitos autorais temos a Convenção de Berna, que é o mais antigo
e principal documento internacional sobre o assunto, e o Tratado de Marraqueche,
que estabelece limitações mandatórias aos direitos autorais em favor das pessoas
com deficiência.

A Convenção de Berna foi firmada originalmente em 1886 e sofreu diversas


revisões desde então, quase sempre associadas às possibilidades de criação e
circulação das obras resultantes das transformações tecnológicas. Ainda sobre
direitos autorais, o Brasil também é signatário das Convenções Universal e
Interamericana. No entanto, estas duas convenções perderam em efetividade na
medida em que os países ratificaram a Convenção de Berna que, após a última
revisão em 1971 e especialmente com o advento do Acordo TRIPS, firmado em
1994, se tornou, em conjunto com os Tratados subsequentes na matéria, o
principal instrumento internacional de regulação dos direitos autorais.

Já com relação aos direitos conexos ou vizinhos aos de autor, o Brasil é


signatário das Convenções de Roma e Genebra.

Todos estes tratados almejam tanto a harmonização e convergência das


normas nacionais quanto o estabelecimento de padrões mínimos de proteção –
como o prazo de proteção dos direitos autorais, que não pode ser inferior a 50
anos após a morte do autor. E a existência de inúmeros tratados sobre o tema
indica, de certa maneira, a existência de várias iniciativas de mudança e
complementação do sistema ao longo dos anos.

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) atualmente


concentra a administração destes Tratados. E as negociações e debates sobre as
propostas de regulamentação e normas de direitos autorais ocorrem
semestralmente junto ao Standing Committee on Copyright and Related Rights
(SCCR), em sua sede, em Genebra, na Suíça.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 6 de 17
Em 1994, a conclusão do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS/ADPIC) trouxe os
direitos autorais para o ambiente negocial da Organização Mundial do Comércio
(OMC), alterando sua estrutura tradicional e enfatizando seu aspecto patrimonial e
empresarial, principalmente no que se refere ao software e ao audiovisual,
especialmente enfocados.

Além disso, o TRIPS incorpora as normas estabelecidas pela Convenção de


Berna (e também da Convenção da União de Paris, que regula a propriedade
industrial) e estabelece um sistema de solução de controvérsias para o caso de
descumprimento das normas de comércio relacionadas aos direitos autorais por
parte de um país membro da OMC, com o objetivo também de tornar aquele
instrumento mais efetivo e dotado de maior exigibilidade.

Dois outros tratados negociados no âmbito da OMPI durante a última parte


dos anos 1990, intitulados de WCT (Wipo Copyright Treaty/Tratado de Direitos
Autorais da OMPI) e a WPPT (Wipo Performances and Phonograms Treaty/Tratado
sobre Performances e Fonogramas da OMPI), objetivam a regulamentação dos
direitos autorais e conexos no ambiente digital. Porém estes não foram ratificados
pelo Brasil, que deve analisar com maior profundidade, antes de assinar e ratificar,
se condizem com o atual estágio de desenvolvimento do país.

Em 2013, o Brasil capitaneou a negociação e aprovação de Tratado de


Marraqueche – em vias de implantação - que introduz limitações obrigatórias aos
direitos autorais para viabilizar o acesso às pessoas com deficiência visual. Este
tratado é um marco nas discussões internacionais de direitos autorais porque
explicita a necessidade e relevância das limitações aos direitos autorais, como
forma de assegurar o equilíbrio do sistema e garantir o direito de acesso à cultura.
Este Tratado foi incorporado na ordem jurídica nacional em 2015 como Direito
Fundamental após votação nas duas casas do Congresso nacional, em dois turnos
por três quintos dos congressistas.

Como estabelecido na CFRB/88, a ordem jurídica nacional é baseada na


proteção da pessoa e por isso os direitos humanos têm um papel preponderante e

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 7 de 17
fundamental. Deles decorrem todos os outros direitos, ser interpretados e
entendidos a partir de seus ditames.

Assim, ao tratar da regulamentação dos direitos autorais não se pode


esquecer o estabelecido nos Tratados de Direitos Humanos, que têm como marco
principal a Declaração Universal de Direitos Humanos, estabelecida pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, que, em seu artigo 27, diz o
seguinte:

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da


comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus
benefícios.
2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja
autor.
Além da Declaração Universal de Direitos Humanos, outros tratados
internacionais de direitos humanos também incidem sobre a regulamentação dos
direitos autorais, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e o Pacto de São José da Costa Rica.

Mais recentemente, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com


Deficiência, da Organização das Nações Unidas firmada em 2006, foi ratificada e
internalizada na ordem jurídica nacional como Direito Fundamental, assegurando
o acesso à cultura aos portadores de deficiências, que por sinal, foi o fundamento
jurídico e justificativa política do Tratado de Marraqueche, como resta explícito em
seu preâmbulo.

5. A Lei de Direitos Autorais

A legislação ordinária específica em vigor é a Lei 9.610 de 19 de fevereiro de


1998, que veio substituir a Lei 5.988 de dezembro de 1973. Disciplina tanto os
direitos autorais como os direitos conexos, como informa o seu art. 1º:

“Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os


direitos de autor e os que lhes são conexos.”

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 8 de 17
Como lei especial de regência de um tema sujeito a intensa regulamentação
internacional, que estabelece diretrizes conceituais e padrões mínimos de
proteção, é o principal instrumento de normatização interna das relações sociais
constituídas a partir da criação de uma obra artística, literária e científica.

O aspecto “territorial” é de extrema importância, pois, apesar da intensa


normatização internacional, as leis nacionais são responsáveis por regular todas as
relações de direitos autorais que se desenrolam nos próprios países. E o princípio
da “Territorialidade” nos diz que

Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada


nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas
domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no
Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes.
Assim, em razão deste princípio, aplica-se a quaisquer obras de qualquer
autor as regras vigentes no país em questão, desde que pautados pela
reciprocidade. Então, as normas brasileiras se aplicam no Brasil com relação a
todas as obras protegidas, independente da nacionalidade do autor ou do local de
sua criação. E, considerando a reciprocidade, por exemplo, na Espanha, as obras de
autores espanhóis são protegidas da mesma forma que as dos autores brasileiros,
sem distinção entre nacional e estrangeiro.

Embora o processo de revisão da legislação anterior tenha se iniciado por


conta da CFRB/88, sua conclusão só ocorreu após e como consequência imediata
da ratificação do Acordo TRIPS, que resultou na reformulação das leis de
propriedade intelectual ao redor do mundo. Entretanto, ao contrário de outras
normas federais promulgadas neste período de adequação do conjunto normativo
à nova realidade constitucional, a LDA não incorpora, de maneira sistemática, em
seu texto, diretrizes e princípios gerais que guiem a sua interpretação e aplicação,
como se pode observar em outros textos legais promulgados no mesmo período,
como o Código de Defesa de Consumidor (CDC) ou o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 9 de 17
Elaborada e discutida durante o período inicial do acesso público à internet,
não enfrenta de fato o desafio digital, cuja regulamentação permanece em aberto.
Diversas tentativas têm sido feitas neste sentido, mas até o momento sem sucesso.
A própria dinâmica de constante mudança que o ambiente digital nos traz dificulta
a adoção de medidas legislativas duradouras para este ambiente. O tempo político
não é convergente com a velocidade das transformações tecnológicas, e a ausência
de princípios claros e duradouros na legislação especial acaba por transferir o ônus
de solução do vácuo regulatório para agentes de mercado, instituições e
especialistas de atuação na área e, eventualmente, quando não dirimidas no âmbito
particular, o judiciário. Este é, por exemplo, o caso do Ensino à Distância (EaD).

Ainda assim, e com todos os problemas inerentes a uma legislação


incompleta, este é o texto base a partir do qual devemos construir o entendimento
das categorias, conceitos e estruturas essenciais dos direitos autorais.

E seguindo o estabelecido no Plano Nacional de Cultura, a lei de direitos


autorais deve(ria) sofrer um processo de revisão, para torná-la mais equilibrada
com relação aos diversos interesses que contempla. Uma parte da legislação já foi
alterada pela Lei 12.853/13, que promoveu uma ampla revisão da regulação da
Gestão Coletiva, que é a atividade exercida pelo ECAD (Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição), por exemplo. A questão das relações contratuais ou o
equilíbrio entre os interesses públicos e privados representado pelas limitações e
exceções aos direitos autorais ainda não foram enfrentados legislativamente.

Antes de continuarmos, é importante fazer uma primeira distinção entre


direitos autorais e conexos, que são direitos ‘vizinhos’ aos autorais propriamente
ditos. Enquanto os primeiros se relacionam a uma criação em si, independente, que
existe por conta própria, os direitos conexos se referem à sua interpretação e
execução, por exemplo. . Enquanto os titulares originais de direitos autorais são os
autores, os de direitos conexos são os artistas - sejam intérpretes ou músicos
executantes, os produtores e as empresas de radiodifusão. Durante o curso,
aprofundaremos esta distinção.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 10 de 17
A par destas normas elencadas, os direitos conexos ao de autor são, de
forma complementar, regidos pelas leis 6.533 e 6.615, ambas de 1978, que
regulamentam respectivamente “o exercício das profissões de Artista e de Técnico
em Espetáculos de Diversões” e a profissão de radialista, e que ainda estão em
vigor.

Configurando uma categoria própria dentro dos direitos autorais o software


é regido pela Lei 9.609 de fevereiro de 1998, que remete à aplicação subsidiária da
LDA.

Este amplo conjunto normativo almeja proteger os principais interesses


envolvidos na dinâmica autoral: os criadores, os intermediários (empresas,
investidores etc.) e os cidadãos, individualmente ou coletivamente considerados.
Em diversas situações tais interesses podem mostrar-se alinhados e convergentes
ou antagônicos e conflitantes. Esta tensão, que também se encontra refletida nas
demais formas de propriedade intelectual, perpassa a lei que, como toda legislação,
busca dirimir e equacionar os diversos interesses, estabelecendo comandos e
diretrizes, de forma a pacificar as relações e evitar o escalonamento das
divergências.

Em que pesem suas deficiências, contradições e omissões ainda não sanadas


pelo Legislativo, a LDA é o principal instrumento normativo de regulação dos
direitos autorais no Brasil. Contudo, como qualquer outra legislação, deve ser
interpretada considerando não só os Tratados que informam sua estrutura e
padrões mínimos, como principalmente a Constituição Federal e o conjunto de
direitos fundamentais, bem como demais leis infraconstitucionais

6. Demais normas aplicáveis

Nesta toada, importante explicitar as principais normas infraconstitucionais


que auxiliam na solução das questões de direitos autorais, afetando sua
interpretação e aplicação.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 11 de 17
O Código Civil, como norma geral, é recurso obrigatório para suprir as
lacunas, complementar os sentidos dos dispositivos e orientar sua aplicação.
Destaque especial deve ser dado aos princípios contratuais, como boa-fé e função
social dos contratos, e ao Título V do Código Civil como um todo (arts 421 a 480),
que trata dos contratos em geral e regula sua formação, defeitos, revisão e
extinção.

O Código de Defesa do Consumidor se aplica em todas as relações


consumeristas na qual o objeto das obrigações consistem num serviço ou um bem
de natureza autoral ou artística, como é o caso atual dos cancelamentos de
espetáculos em razão da pandemia atual, a aquisição de um produto defeituoso ou
sob condições contratuais abusivas.

Ainda com relação à atividade econômica, as empresas e também as


associações de gestão coletiva estão sujeitas às regras concorrenciais e demais
normas da ordem econômica, onde se destaca a Lei Antitruste.

Mais recente, mas não menos impactante para os direitos autorais e


propriedade intelectual como um todo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência traz
como novidade a ampliação do direito de inclusão das pessoas com deficiência
para além da acessibilidade física aos espaços, abarcar o acesso cultural,
tecnológico e científico como partes do direito de acesso.

Por fim, não devem ser esquecidos os decretos, portarias, instruções


normativas e demais normas de menor posição hierárquica. Neste contexto, temos,
por exemplo, a regulamentação do mercado audiovisual pela ANCINE, que
estabelece vários procedimentos e exigências de índole contratual e mesmo sobre
atribuição de autoria.

Todas estas normas serão, no que couber, consideradas e incorporadas na


apresentação dos tópicos deste curso.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 12 de 17
7. Conclusão

Os direitos autorais são atualmente regulados no Brasil por um conjunto de


normas constitucionais, tratados internacionais, leis ordinárias gerais e específicas
e decretos regulamentadores.

Idealmente, este amplo conjunto normativo almeja proteger os principais


interesses envolvidos na dinâmica autoral: os criadores, os intermediários e os
cidadãos. Nem sempre, contudo, estas posições estão adequadamente projetadas
na legislação, razão pela qual a atuação do judiciário é frequentemente ensejada.
Além do mais, dependendo da situação, tais interesses podem mostrar-se
alinhados e convergentes ou antagônicos e conflitantes.

Todos estes interesses se encontram protegidos na Constituição Federal,


sendo que tanto o direito do criador à exclusividade da utilização como os direitos
do cidadão e da sociedade de acessar e utilizar as obras têm igualmente caráter de
direitos humanos e fundamentais. E a existência de tão amplo conjunto normativo
implica na necessidade de promovermos, sempre, uma interpretação sistêmica a
partir do caso concreto, considerando os primados axiológicos da Constituição
Federal.

Portanto, as normas de direitos autorais devem, assim, ser compreendidas


dentro do amplo espectro dos direitos fundamentais, tratados internacionais e
Constituição Federal, que incluem também o direito à educação, cultura,
informação e conhecimento e o acesso ao material necessário ao exercício destes
direitos. Este trabalho hermenêutico, de interpretação sistemática, que busca
extrair o sentido da legislação do conjunto normativo incidente, e não apenas de
dispositivos legais vistos em seu isolamento.

E duas decisões dos tribunais superiores podem ajudar a iluminar a


dimensão desta interpenetrabilidade regulatória. Em desafio quanto à
constitucionalidade das alterações legislativas trazidas pela Lei 12.853/13, com
objetivo de regular a gestão coletiva, o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta
de Constitucionalidade 5.065 (ADI 5065) decidiu pela sua plena
constitucionalidade e vigência e, no desenvolver do Acórdão, explicita, na página

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 13 de 17
02, alguns dos conjunto de interesses constitucionalmente ancorados e em
consideração no caso

5. O cânone da proporcionalidade encontra-se consubstanciado nos meios


eleitos pelo legislador, voltados à promoção da transparência da gestão
coletiva de direitos autorais, finalidade legítima segundo a ordem
constitucional brasileira, porquanto capaz de mitigar o viés rentista do
sistema anterior e prestigiar, de forma imediata, os interesses tanto de
titulares de direitos autorais (CRFB, art. 5º, XXVII), dos usuários (CRFB, art.
5º, XXXII) e, de forma mediata, bens jurídicos socialmente relevantes
ligados à propriedade intelectual como a educação e o entretenimento
(CRFB, art. 6º), o acesso à cultura (CRFB, art. 215) e à informação (CRFB,
art. 5º, XIV).

E, ainda no sentido de iluminar a necessidade de contínuo diálogo entre as


fontes normativas, em uma das decisões paradigmáticas do Superior Tribunal de
Justiça sobre os direitos autorais nos lembra da:

“(...) II - Necessidade de interpretação sistemática e teleológica do


enunciado normativo do art. 46 da Lei n. 9610/98 à luz das limitações
estabelecidas pela própria lei especial, assegurando a tutela de direitos
fundamentais e princípios constitucionais em colisão com os direitos do
autor, como a intimidade, a vida privada, a cultura, a educação e a
religião. III - O âmbito efetivo de proteção do direito à propriedade
autoral (art. 5º, XXVII, da CF) surge somente após a consideração das
restrições e limitações a ele opostas, devendo ser consideradas, como
tais, as resultantes do rol exemplificativo extraído dos enunciados dos
artigos 46, 47 e 48 da Lei 9.610/98, interpretadas e aplicadas de acordo
com os direitos fundamentais. (...)” (STJ. Recurso Especial 964.404/11)
As questões que enfrentaremos ao longo dos próximos capítulos obrigam,
para sua solução, a consciência quanto à complexidade normativa e, ao mesmo
tempo, a necessidade de superação da perspectiva unidimensional dos direitos
autorais.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 14 de 17
DIREITOS AUTORAIS - TABELA LEGISLATIVA INTERNACIONAL

TÍTULO NOME OFICIAL DEPÓSITO DECRETO DE


INTERNACIONAL RATIFICAÇÃO

ACORDO TRIPS Acordo sobre Aspectos dos Agreement on Trade- Decreto nº 1.355, de 30
Direitos de Propriedade Related Aspects of de dezembro de 1994.
Intelectual Relacionados ao Intellectual Property
Comércio Rights.
(Acordo TRIPS)

CONVENÇÃO DE Convenção de Berna relativa Berne Convention for the Decreto no 75.699, de 6
BERNA à proteção das obras Protection of Literary and de maio de 1975.
literárias e artísticas Artistic Works.
(Convenção de Berna)

CONVENÇÃO Convenção Universal sobre Universal Copyright


UNIVERSAL Direito de Autor Convention. Decreto Legislativo nº
(Convenção Universal) 48.458, de 4 de julho de
1960.

CONVENÇÃO DE Convenção Interamericana Inter-American Decreto nº 26.675, de 18


BUENOS AIRES – sobre os Direitos de Autor Convention on the rights de Maio de 1949
TRATADO em Obras Literárias, of the author in literary,
INTERAMERICANO DE Científicas e Artísticas scientific and artistic
DIREITOS AUTORAIS (Convenção works.
Interamericana/Convenção
de Buenos Aires)

CONVENÇÃO DE ROMA Convenção Internacional International


para Proteção aos Artistas, Convention for the Decreto Legislativo nº
Intérpretes ou Executantes, Protection of Performers, 57.125, de 19 de
aos Produtores de Producers of Phonograms outubro de 1965.
Fonogramas e aos and Broadcasting
Organismos de Radiodifusão Organizations.
(Convenção de Roma)
Decreto n. 76.906, de 24
CONVENÇÃO DE Convenção de Genebra de dezembro de 1975
GENEBRA para a proteção de Convention for the
produtores de fonogramas Protection of Producers of
contra reproduções não Phonograms Against
autorizadas Unauthorized Duplication
(Convenção de Genebra) of Their Phonograms

TRATADO DE Tratado de Marraqueche Marrakesh Treaty to Decreto nº 9.522, de 8


MARRAQUECHE para Facilitar o Acesso a Facilitate Access to de outubro de 2018.

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 15 de 17
Obras Publicadas às Pessoas Published Works for
Cegas. Persons Who Are Blind,
Visually Impaired, or
Otherwise Print Disabled.

WIPO COPYRIGHT Acordo de Direitos Autorais WIPO Copyright Treaty.


TREATY da Organização Mundial da
Propriedade Intelectual

WIPO PERFORMANCES Tratado sobre performances Wipo Performances and


AND PHONOGRAMS e fonogramas Phonograms Treaty.
TREATY

DECLARAÇÃO Declaração Universal de Universal Declaration of Não se aplica.


UNIVERSAL DE Direitos Humanos Human Rights.
DIREITOS HUMANOS

PACTO Pacto Internacional sobre International Covenant on Decreto nº 591, de 6 de


INTERNACIONAL DOS Direitos Econômicos, Sociais Economic, Social and julho de 1992.
DIREITOS e Culturais. Cultural Rights.
ECONÔMICOS, SOCIAIS
E CULTURAIS

PACTO Pacto Internacional sobre International Covenant on DECRETO No 592, DE 6


INTERNACIONAL DOS Direitos Econômicos, Sociais Civil and Political Rights DE JULHO DE 1992
DIREITOS CIVIS E e Culturais.
POLÍTICOS

PACTO DE SÃO JOSÉ Convenção Americana sobre Convencion Americana Decreto no 678, de 6 de
DA COSTA RICA Direitos Humanos (Pacto de sobre Derechos Humanos novembro de 1992.
São José da Costa Rica) suscrita en la conferencia
especializada
interamericana sobre
derechos humanos

TRATADO DAS Convenção Internacional Convention on the Rights Decreto nº 6.949, de 25


ORGANIZAÇÃO DAS sobre os Direitos das Pessoas of Persons with de agosto de 2009.
NAÇÕES UNIDAS PARA com Deficiência Disabilities and Optional
OS DIREITOS DA Protocol.
PESSOA COM
DEFICIÊNCIA

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 16 de 17
DIREITOS AUTORAIS - TABELA LEGISLATIVA NACIONAL

TÍTULO LINK e NÚMERO


Lei de Direitos Autorais BRASIL. Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Código Civil BRASIL. Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Constituição BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Lei dos Artistas BRASIL. Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978.
Lei dos Radialistas BRASIL. Lei nº 6.615, de 16 de dezembro de 1978.
Lei de Software BRASIL. Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998.
Lei de Inclusão das Pessoas BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
com Deficiência

Lei Antitruste (Lei Brasil. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.


12.529/2011)
Código de Defesa do BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Consumidor (CDC)

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Allan ROCHA e Luca SCHIRRU
Capítulo 01: Marcos Legais
Página 17 de 17

Você também pode gostar