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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA

LEILA ANDRÉA BRITO PEREIRA

A CONSTRUÇÃO DAS IRMANDADES DO ROSÁRIO E A PROVÍNCIA DO


MARANHÃO: a participação escrava em Instituições cristãs, na segunda metade do
século XIX.

São Luís
2013
LEILA ANDRÉA BRITO PEREIRA

A CONSTRUÇÃO DAS IRMANDADES DO ROSÁRIO E A PROVÍNCIA DO


MARANHÃO: a participação escrava em Instituições cristãs, na segunda metade do
século XIX.

Monografia apresentada ao Curso de História da


Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção
do título de Licenciatura em História.

Orientador: Prof. Ms. Reinaldo dos Santos Barroso


Junior

São Luís
2013
Pereira, Leila Andrea Brito.
A construção das Irmandades do Rosário e a Província do
Maranhão: a participação escrava em instituições cristãs no século XIX /
Leila Andrea Brito Pereira. – São Luís, 2013.

64 f

Monografia (Graduação) – Curso de Historia, Universidade Estadual


do Maranhão, 2013.

Orientador: Prof. Reinaldo dos Santos Barroso Junior.

1. Irmandade Nossa Senhora do Rosário. 2. Escravidão. 3. Século


XIX. 4. Maranhão. I. Título

CDU: 326(812.1)
A CONSTRUÇÃO DAS IRMANDADES DO ROSÁRIO E A PROVÍNCIA DO
MARANHÃO: a participação escrava em Instituições cristãs, na segunda metade do
século XIX.

LEILA ANDRÉA BRITO PEREIRA

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão,


para obtenção do título de Licenciatura em História.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Ms. Reinaldo dos Santos Barroso Junior


(Orientador)

Profª. Drª Tatiana Raquel Reis Silva (UEMA)

Prof. Dr. Yuri Michael Pereira (UEMA)


In Memorian

Aos meus avós maternos Maria do Nascimento,


Zacarias Brito e ao meu avô paterno Ribeiro, à
minha prima Taís Pereira, à minha bisa Biá. A
todos meus antepassados familiares, amigos e
vizinhos que contribuíram por cada pedacinho do
meu Eu.
AGRADECIMENTOS

À Deus pelas várias oportunidades na vida.


À meus pais José de Ribamar Evangelista e Maria Inês, assim como, ao meu
irmão Leandro Zacarias que estiveram presente em cada dificuldade e felicidade de
minha vida acadêmica e pessoal.
Agradecer a meu namorado Francelmo Siqueira pelo companheirismo e
pelos sacrifícios direcionados a mim.
À minha prima Historiadora Michelly de Kássia que me deu muita força
neste percurso.
Aos meus familiares: primos, tias, sobrinhos, afilhados.
À minha avó Vicência de Paula, meus padrinhos de Batismo e Crisma, José
Carlos Amorim, Meire Borges e Welton.
Aos meus amigos da UEMA – HST/2006.2 Haniery, Laércio, Benedita,
Elielson, Talita Fernanda pela participação e amizade. Aos conquistados Jany Kerly,
Yanna Arrais, Lycia Gabriella, Ariane, Emylle, Alysson, Gustavo, Adriana, Lilian,
Carol Vieira. Aos amigos novinhos Diogo, Lucas Parrerrão, Pablo, Ingrid Campelo.
Agradecer aos meus professores que contribuíram para minha
aprendizagem. Agradecer imensamente ao meu orientador Reinaldo Barroso que mesmo
diante dos meus atropelos pôde me dar embasamento e se dedicou para a conquista
desta meta. MUITO OBRIGADA MESMO! VOCÊ FOI ESSENCIAL.
Agradecer as minhas Professoras monitoras de sala de aula, as quais obtive
uma proximidade maior nos últimos períodos, à Prof. Adriana Zierer e a Prof. Tatiana
Reis agradeço pelo espaço e pelas aprendizagens adquiridas neste espaço de prática.
Agradecer aos meus amigos do serviço principalmente a Ana Patrícia Vieira
(minha revisora) e Lúcia Dutra, vocês são as melhores amigas-irmãs-gêmeas. Agradecer
aos meus chefinhos Marcio e Karen pela paciência e compreensão.
São tantos a agradecer não só pelo imediato, mas pelas fases que me fizeram
chegar até aqui.
Às minhas amigas do Farina Suzzy do Nascimento, Nayre Lauande,
Marjorie Maranhão, Maureen Cerveira, Luana Moraes.
À minha grande amiga da Igreja Diana.
Ao meu amigo “letrista” Ulysses Pinheiro.
Aos meus amigos da UFMA Débora Andrade, Yuri Andrei e Keila Vale que
me deram bastante força. E a Jadson Ramos pela contribuição.
Reafirmo meus votos a cada palavra, gesto e atitude relacionada a minha
vida. Aos que foram e aos que ficaram: MUITO OBRIGADA!
“Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”
(Jorge Santayana)
RESUMO

A escravidão representou, na relação Portugal-África-América portuguesa uma grande


corrente de dependência. Esta literatura visa apresentar e analisar a construção da
Irmandade Nossa Senhora do Rosário no contexto escravocrata do século XIX ligada à
identidade negra, e como este elemento perpassou o imaginário africano, português e
chegou ao Brasil como uma válvula de escape ao cativo. Inicialmente levantamos
apontamentos que apresentaram o escravo ora como propriedade ora como partícipe no
complexo modo de produção escravista. E como a este modelo na África, mesmo por
questões significativas diferentes, foi primordial para o contínuo comércio destes
personagens pela Europa. Diante de uma análise apurada, detalhamos as cartas de
Compromisso da Irmandade do Rosário do Maranhão, especificamente a de São Luís de
1851 e da cidade de Caxias de 1865, buscando relacionar a forma de participação destes
cativos africanos e nascidos no Brasil dentro da sociedade por meio da Igreja. Foram
pontuados elementos que permearam a formação cristã do escravo diante do sincretismo
como forma de resistência ou adaptação ao cristianismo. O século XIX foi o grande
cenário do modo de produção baseado na escravidão e da reformulação simbólica da
Igreja por meio da Irmandade negra.

Palavras-chave: Irmandade Nossa Senhora do Rosário. Escravidão. Século XIX.


Maranhão.
ABSTRACT

The slavery represented in the relation Portugal-Africa-Portuguese America a big chain


of dependence. This literature aims to present and analyze the construction of the
Brotherhood of Our Lady of the Rosary in the context of slavery in XIX century linked
to the black identity, and how this element got through the African imaginary,
Portuguese and came to Brazil as exhaust valve to the captive. Initially, we have made
some appointments that present the slave sometimes as property, sometimes as a
participant in the complex way of production in the slavery scenario. And this model in
Africa, even for significantly different questions, was primordial to the continuity of
commerce of these characters through Europe. By the means of an accurate analysis, we
have detailed the commitment letters of Brotherhood of the Rosary of the Maranhão,
specifically the ones in São Luis at 1851 and Caxias at 1865, aiming to relate the
participation of these African captives and natives from Brazil in the society through the
Church. There were pointed some elements that permeated the Christian formation of
the slave facing the syncretism as a form of resistance or adaptation to Christianity. The
XIX century was the major scenario of the way of production based on slavery and the
symbolic reformulation of the Church through the Black Brotherhood.

Keywords: Brotherhood of Our Lady of the Rosary. Slavery. XIX Century. Maranhão.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1.AS IRMANDADES NA RELAÇÃO PORTUGAL-ÁFRICA-AMÉRICA PORTUGUESA .. 15

1.1. As Irmandades religiosas ......................................................................................... 15

1.2. Irmandade Negra..................................................................................................... 24

2. A IRMANDADE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO: a construção histórica .................... 28

2.1. A escravidão: a propriedade e o participe .................................................................... 28

2.2. O Rosário: uma resistência ao modo de produção escravista........................................ 34

3. IRMANDADE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO NO MARANHÃO: um processo de

resistência. .............................................................................................................................. 41

3.1. Irmandades do Rosário: a construção de suas cartas.................................................... 42

3.1.1. A Capital .............................................................................................................. 46

3.1.2. Caxias ................................................................................................................... 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 58

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 60
INTRODUÇÃO

A Construção das Irmandades do Rosário e a Província do Maranhão: a


participação escrava em Instituições cristãs, na segunda metade do século XIX. O título
remete à formação ideológica e cultural que foi empregada durante a relação escravo e
Igreja nos oitocentos permitindo uma aproximação do grupo escravizado à religião
cristã por meio da assimilação, do sincretismo, da heterodoxia. Elementos formadores
de uma nova perspectiva.
As irmandades foram uma das instituições mais próximas da população e
por essa característica foi a repartição católica que mais sofreu mudanças, adaptações
para serem aceitas nos mais diversos ambientes onde a cultura por vezes divergia
totalmente da linha cristã, contexto africano. Na América portuguesa esta ação é
facilmente percebida quando nos debruçamos na historiografia brasileira do século XIX,
que tece sobre as ações destas Irmandades para controle social da população queira de
brancos ou negros, um ambiente social e econômico repleto de regras, julgamentos e
secções.
As irmandades, essas comunidades fraternais, tiveram seu desabrochar na
Baixa Idade Média com a instalação das primeiras freguesias e paróquias.
Buscando a satisfação espiritual de seus integrantes assumiram um papel
complementar ao da Igreja Católica, sendo seus objetivos essencialmente
assistenciais e espirituais. (COE, 2005, p.28)

Em diversos lugares do Brasil encontramos pesquisadores que se interessam


pelo tema irmandades. A Irmandade Nossa Senhora do Rosário faz parte deste grupo e
elenca alguns trabalhos: Martha Abreu, do Rio de Janeiro, com a obra: Festas religiosas
no Rio de Janeiro: perspectivas de controle e tolerância no século XIX; Carlos Ott da
Bahia com: A irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos pretos do Pelourinho e
Vânia Alves, de Minas Gerais com: Os festejos do reinado de Nossa Senhora do
Rosário em Belo Horizonte/MG: práticas simbólicas e educativas. A professora
Doutora Lucilene Reginaldo com seus trabalhos acerca da temática de sua tese: Os
rosários dos angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades
africanas na Bahia setecentista. Em âmbito local, Agostinho Júnior Holanda Coe é um
dos estudiosos interessados em trabalhar com as irmandades de São Luís do Maranhão
diante da perspectiva salvacionista da mesma.
Os elementos que agrupavam irmãos para as Irmandades iam desde o culto
ao santo, a origem étnica, assim como, status social. Essas Irmandades tinham várias

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atividades de sustentação tanto financeira quanto ligada ao número de seguidores,
irmãos. Suas principais ações rodeavam o mundo fúnebre com a realização de missas e
por vezes a efetivação do enterro de seus membros. Representava um elo social, a
exclusão ou não participação destas simbolizaria o não pertencimento.
A cristianização e a escravidão nos oitocentos simbolizou a grande mão de
domínio sobre a América portuguesa, o escravo estava atrelado a esses mundos, e se
remodelar, talvez tenha sido uma das saídas de está presente nesta sociedade mesmo
subjugado. Como falar sobre a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, uma instituição
que deu abertura para os escravos e seus descendentes, sem tomar nota acerca da
escravidão dos africanos, em Portugal, na América Portuguesa e na própria África e
assim poder compreender a efetividade em participar deste grupo?
A Irmandade Nossa Senhora do Rosário é o maior símbolo desta relação de
origem portuguesa, foi remodelada e reconhecida pelos moldes africanos ao ponto de
ser intitulada em vários locais como Nossa Senhora dos Pretos, em sua maioria
reconhecida como uma das Irmandades que aceitava a comunhão de irmãos negros, na
condição de escravos e libertos.
As regras da Igreja matriz são reformuladas, a Mesa administrativa muda de
condição e a festa do reisado compõe outro elemento de reformulação africana. A
condição de escravo devido sua localização também é determinante para o afloramento
do culto. Identificamos por meio da literatura que os escravos poderiam ser divididos
em escravos urbano e rural, o primeiro possuía uma abertura muito maior para participar
das Irmandades devido à proximidade com os costumes citadinos e a possibilidade de
ganho sobre seus trabalhos, mesmo que seu senhor não permitisse. Em contraponto no
âmbito rural os escravos eram obrigados a seguirem sua fé nas capelas construídas no
próprio engenho contribuindo para a não diversidade de conhecimento vindo da cidade,
o controle era bem mais ofensivo.
Podemos identificar estas características no nosso objeto de análise: as
cartas de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de São Luís e
Caxias, cidades da Província do Maranhão quando sobre a entrada e admissão de novos
irmãos era necessário que este oferecesse à casa certa quantia de dinheiro e joia para
adentrar a mesma. Isso só seria possível, por meio de nossa inferência, por escravos no
caso de São Luís que fossem urbanos, de ganho ou aluguel, visto a suas profissões
serem de alguma forma comparada com a dos rurais independentes. Mediante esses
elementos levantados e outros, a vir buscamos compreender o papel do escravo africano

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no contexto da Irmandade Nossa Senhora do Rosário na ideia de identificar sua
participação enquanto resistência ou prosseguimento da prática cristã europeia. O
grande diferencial desta discussão é o que E. P. Thompson (1998) aponta como uma
história vista de baixo. Uma entidade mesmo com os moldes de controle do Estado e da
Igreja consegue sobrepor suas práticas culturais e de identidade africana.
A visão de vários autores sobre o mundo cristão atrelado à escravidão serão
nossas estruturas para a formação de uma análise acerca da reconstrução da identidade
do homem africano na condição de produto e ator do contexto social da metade do
século XIX por meio das cartas de Compromisso do Rosário no Maranhão.
Partindo desta literatura nosso trabalho será apresentado em três momentos.
O primeiro tratará as irmandades na relação Portugal-África-América portuguesa
contendo o histórico das irmandades religiosas neste recorte territorial e uma escrita
sobre a irmandade negra, instituição esta correspondente a toda discussão que
teceremos.
O segundo capítulo abordará sobre a construção histórica da Irmandade
Nossa Senhora do Rosário permeada pela escravidão onde o africano e seus
descendentes são constituídos ora como propriedade ora como partícipe. Em um
segundo momento ainda perpassando esta formação histórica: a identificação do rosário
como um modelo de resistência ao modo de produção escravista e por fim a significação
desta resistência pela Irmandade dentro do universo maranhense do século XIX
mediante as cartas de Compromisso da cidade de São Luís e Caxias, acrescentando a
busca de identificar elementos que justifique tais narrativas levantadas em nossa escrita.

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1. AS IRMANDADES NA RELAÇÃO PORTUGAL-ÁFRICA-
AMÉRICA PORTUGUESA

1.1. As Irmandades religiosas

A crise da Igreja Católica contribuiu para o aumento de instituições dentro


da própria Igreja, como as Companhias de Jesus que se multiplicaram; as ordens de
padres seguidores de diferentes correntes, como franciscana, capuchinha; além de
irmandades ligadas e geridas diretamente pelo povo. “O século XVIII está marcado, em
todo o Ocidente cristão, pela crise da cristandade constantiniana desencadeada pelo
surgimento do Estado Moderno”. (SOARES, 2000, p. 133) Tem-se conhecimento de
irmandades espalhadas pela Europa inteira e reformuladas nas terras colonizadas pelos
mesmos. Elas tiveram um papel muito importante na conquista das terras ameríndias e
na permanência do próprio Estado. A sociedade do século XIX continuou possuindo
como base social a Igreja Católica onde esta colaborou diretamente com as inúmeras
ações do Estado.
A Igreja Católica, não sendo diferente da maioria das instituições
formadoras do Estado, possuía segmentações. Com o Direito Canônico definia-se: as
Ordens Terceiras, ou Terceiros Seculares; as Pias Uniões; as Irmandades; as Confrarias.
As Irmandades como de Santo Elesbão, Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, da Sé
e outras fizeram parte deste grupo. A propagação da fé cristã contribuiu para a criação
de inúmeras e diversas associações religiosas leigas, responsáveis em interligar-se
diretamente à comunidade. O papel de cada setor facilitou a conversão de grande parte
das nações conquistadas pelos europeus.
O discurso da salvação, em conjunto à obrigação trabalhada nesses grupos
construíram elementos prontamente mais entoados na matriz da Igreja Católica. Foram
assimiladas e inventadas de acordo com a necessidade de convencimento de ambas as
partes: colonizador e colonizado. Exemplo disto está na relação Igreja e escravo,
escravo e Igreja, a segunda ligação fez surgir o sincretismo religioso de forma mais
avassaladora. Apesar do conhecimento das Irmandades no mundo africano, as práticas
religiosas na própria África eram bem diversas o que desembocou em um conflito
social, ideológico e político.

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A aceitação do catolicismo não significou, de modo algum, o abandono das
antigas crenças e dos costumes tradicionais. Os soberanos do Congo tinham
seu próprio quadro de referências culturais, bem como interesses objetivos na
adoção do cristianismo. Questões em torno da poligamia ou da prática de
cultos tradicionais foram fontes inesgotáveis de conflitos entre os convertidos
centro-africanos e missionários de várias épocas. (REGINALDO, 2005, p.
21)

A aculturação portuguesa na África representou vários vieses onde o catolicismo


capturou muitos africanos e escravos para a crença e, os soberanos de Congo, as
representatividades governamentais diante deste envolvimento tiveram uma abertura
econômica e política maior, Portugal-África. Uma das consequências desta adaptação é
o que chamamos de sincretismo religioso, uma reelaboração das práticas religiosas
reprimidas, entrelaçado à religião predominante ou dominante. Quando o rei de Congo
promove a abertura para as práticas religiosas como o catolicismo compreende-se que a
criação deste laço com o governo português abre fronteiras para o comércio de escravos
e para a influência dentro do território africano. O que acontece nesta mescla do antigo
com o novo é um conflito previsível, visto as raízes de cada crença. A Igreja Católica
construiu dogmas e referências que tão como as práticas religiosas africanas possuem
raízes bem profundas. O que acontece neste discurso é que o interesse mútuo entre
Portugal e África passou sobre algumas características sociais e culturais em nome da
lucratividade econômica do comércio de escravos e da abrangência de poder sobre
outros reinos africanos com a aliança portuguesa. Constituiu uma heterodoxia, a quebra
dos dogmas da Igreja com o culto de bantos dentro das práticas da Igreja funcionaram
como uma abertura a irmãos africanos. A instituição aos poucos se reformulava em
nome da cristianização.
Acreditar que tudo isso estava ligado apenas à religião é não perceber o
quanto cada conversão significava um branqueamento ideológico, o escravo conduzia-
se a uma formação social voltada a uma visão cristã europeizada. O cativo era
catequizado para ser obediente e reconhecer sua posição de servir. A construção
ideológica remete à construção de uma identidade branca onde a proximidade com este
status simbolizaria a civilidade do escravo. Somente salvação não levaria o homem a
terra tão remota e imprecisa. É necessário elencar os benefícios, prós e contras de todo
esse envolvimento religioso. E perceber neste universo comercial a relação das
Irmandades e da Igreja em si com a escravidão, até que ponto as leituras e práticas
cristãs fortaleceram a prática escravista?

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O importante de fato é espalhar a fé cristã? Se o é até que ponto o
catolicismo deve ser preservado em sua íntegra? Reformular preceitos confirmar o que
verdadeiramente está em jogo, o domínio político-religioso. Exemplo disso são as
irmandades mescladas à heterodoxia, comportamento religioso que mistura elementos
da ortodoxia com práticas da cultura popular. Elas são apresentadas como o terceiro tipo
de associação religiosa. “Necessitavam de uma legislação interna que definisse cargos
como o de presidente, tesoureiro e outras funções necessárias” (COE, 2005, p.29).
Segundo SALLES,

As irmandades tinham que possuir uma hierarquia interna bem definida, ter
um santo de devoção que desse nome a uma capela ou um templo, além de
possuírem personalidade jurídica já que “as confrarias só podem ser eretas
por decreto formal de ereção; enquanto às pias uniões basta aprovação do
ordinário.” (Apud. COE, 2005, p. 16)

A irmandade é uma sociedade mista, pois envolve interesses e ações civis e


religiosas. O contexto que a Igreja Católica tem passado desde a Idade Média
desembocou em ações manipuladas de acordo com o quadro social-econômico da
época. A disseminação de suas práticas pela África, América e Ásia descentralizou o
poder religioso ficando quase impossível prevê quais efeitos seriam causados diante da
necessidade de atender a convenção do mundo profano ao cristianismo. E foi por meio
desta que muitas correntes evangelizadoras puderam intervir na formação social e
econômica da América portuguesa mais tarde intitulada Brasil.
A presença do cristianismo de acordo com os estudos de Lucilene Reginaldo
deu-se inicio na África através do Congo e confirmou que a absorção do mundo cristão
por outras nações significava uma valorização diferenciada em meio aos seus pares. Os
africanos viram na conversão ao catolicismo uma abertura ao mercado econômico e
político. E os portugueses uma maneira de fazer-se presente no mundo do conquistado.

O batismo cristão foi entendido, pelas elites do Congo, como uma espécie de
iniciação à nova religião, que abria as portas para uma série de segredos e
privilégios em termos sociais e políticos. Mani Soyo, senhor da província do
Soyo e primeira autoridade a manter contato com os portugueses na costa do
Congo, entrou para a história como primeiro conguês a ser batizado em solo
natal. Nas palavras do cronista português, malgrado a impressionante
opacidade com relação à cultura do outro, discretamente ecoavam as
interpretações conguesas do batismo. (REGINALDO, 2005, p.17)

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O fato da entrada do cristianismo ter sido feita por meio da própria gestão
política, do Congo, contribuiu para toda uma crença e reafirmação da crença pelo país.
O povo passou a desejar a conversão ao cristianismo, e o controle social já não estava
ligado diretamente a uma nação externa, Portugal, mas ao próprio Congo que viu por
meio de seu Rei uma forma de aproximação do reinado português. A religião cristã na
América Portuguesa surge como reafirmação do branqueamento e privilégio de um
grupo pequeno, a corte, eis que se faz presente mais uma forma de controle e separação
que contribuirá na América Portuguesa como uma reação contra o próprio colonizador.
Eis: “saber se foi o cristianismo, interpretado à luz das tradições africanas, vitorioso, ou
se foram as religiões africanas, que reelaboraram o cristianismo” (REGINALDO, 2005,
p.6).
A incorporação da crença cristã pelos africanos fez inverter os papeis de
fundadores e renovadores da fé já destacada. A escravidão contribuiu demasiadamente
para o fortalecimento da prática católica e as irmandades principalmente a Nossa
Senhora do Rosário contribuíram para o que buscamos entender como resistência ou
adaptação às imposições de evangelização.

Embora continuasse cara aos brancos, no decorrer dos séculos XVII e XVIII,
o Rosário foi se constituindo numa devoção preferencialmente de negros,
ainda em terras africanas. No final do século XVII, sob o patrocínio dos
dominicanos, foi fundada uma confraria do Rosário na Ilha de Moçambique.
Faziam parte desta irmandade portugueses e “cristãos da terra”. No início do
século XVIII, na Ilha do Príncipe, uma “fervorosa” irmandade de devotos
pretos, dedicada ao Rosário de Nossa Senhora, instituía oficiais com os
títulos de rei, rainha e príncipe. Em São Tomé, os negros sentiam-se tão
“donos” da devoção que fizeram o possível para impedir que uma irmandade
de brancos, também devotos da Senhora do Rosário, fosse ali instituída no
início do século XVIII. A confraria dos brancos foi aprovada “sem embargo
de ser muito impugnada e perseguida dos pretos da outra irmandade”. A
irmandade dos negros era bem mais antiga. Em 1526, em resposta a uma
petição dos negros locais, “o rei D. João III (1521-1557) permitiu a fundação
da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e deu liberdade a todos os seus
membros”. (REGINALDO, 2005, p.37-38)

Em Portugal, as Irmandades já eram uma prática constante. Os jesuítas


foram uma das ordens mais fortes dentro da reconstrução religiosa católica, a prova do
Concilio de Trento, contra a Reforma Protestante, contribuíram demasiadamente para a
expansão do Império português diante do discurso de salvação, mas foi por meio das
Irmandades que observamos o efeito sobre a população reconhecida como pagã. A
aproximação da população gerou uma maior confiança e doação. Já as irmandades

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coexistiam da relação de liderança de seus próprios irmãos às vezes sem origem na
própria fé.
Dentro da organização efetivada pelos africanos ora livres, ora escravizados
em suas terras e no mais tardar em Portugal e no Brasil, Lucilene Reginaldo (2009, p.
297) conduz a compreensão de como se dava a entrada deste nas Irmandades e o que o
fazia prosseguir e até mesmo diferenciá-los mediante a maior procura em participar
destas instituições. Ela elenca um tema bem importante para compreendermos as futuras
discursões acerca da cor como elemento de desfragmentação dentro da própria nação
africana.

A classificação de “cor”, como quesito importante na organização das


confrarias leigas, surgiu com o crescimento do número de africanos no Reino
e sua entrada na cristandade. Até então, nas irmandades lusitanas, eram
diversos os critérios de pertença. Podiam estar baseados na hierarquia do
antigo regime, em vínculos corporativos ou de afinidade profissional, no
gênero, ou ainda, na origem nacional (PENTEADO, 1995, p.30).

A constituição da Igreja católica no Brasil desde a colônia até o século XIX


mais explicitamente, passou por reformulações institucionais. A distância da Igreja
matriz, o contexto escravocrata e a necessidade de propagar a cristandade deram
oportunidade de multiplicar o número de irmandades e como estas tinham um
envolvimento maior com leigos, acabou descentralizando a prática religiosa. Em
SOARES (2000) a ausência da matriz, devido à distância e a descentralização do poder
da Igreja oportunizou o destaque da prática do Padroado no Brasil dificultando a
efetivação das determinações do Concilio de Trento do século XVI e a possíveis
inovações derivadas de ideias iluministas.
A participação em Irmandades no Brasil, principalmente no século XIX
simbolizava uma maior tentativa de socialização, o homem negro, escravo ou forro
utilizou-se deste pertencimento para adentrar a sociedade vigente, esta prática acontece
desde o contexto português dos 1700. A Irmandade Nossa Senhora do Rosário
simboliza claramente este pareamento de significados, o escravo via nestes grupos uma
das maneiras de resistir à exclusão social e de também adquirir direitos como alforria, e
a não agressão pelos seus senhores. Deram continuidade às práticas de homenagem aos
santos da Igreja. A depender dos milagres e da própria vivência do santo inúmeros
seguidores. A posição social despertou em muitos a necessidade de se ligar a estas
instituições. A pesquisa de CRUZ (Apud FARIAS, 2006) elenca no Brasil alguns santos

19
de devoção das irmandades de pretos: como Nossa Senhora do Rosário, São Benedito,
Santa Efigênia, São Elesbão, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio, São
Gonçalo, São Domingos e Nossa Senhora da Lampadosa.
Lucilene Reginaldo (2005) elenca que “a importância e a forma do exercício
de poder protagonizado pelas confrarias negras parecem ter sido o grande diferencial em
relação às confrarias dos brancos”. Ela destaca que tanto as irmandades de brancos,
quanto a de negros cumpriam um papel religioso e de ajuda mútua, estas características
fortaleceram claramente diante do contexto de opressão e resistência presente na relação
escravo e branco como uma intensa ligação e uma ideia de pertencimento agora
enquanto irmãos, visto a amplitude de direitos, e também deveres acerca da prática
cristã. A válvula de escape, as irmandades, em Portugal foi determinante para a
abrangência desta prática em outros territórios como o Brasil e a própria África.

No século XVIII, as irmandades são uma das poucas formas de associação


permitidas aos pretos pelo Estado português. Por outro lado, do ponto de
vista da Igreja, longe de serem apenas um resquício da religiosidade
medieval, elas são o espaço possível para a doutrinação coletiva e o incentivo
às obrigações sacramentais prescritas pelo Concílio de Trento e tão
penosamente implementadas. (SOARES, 2000, p. 166)

Por meio das Irmandades era possível repassar as práticas cristãs como as
rezas, o dízimo. Neste espaço era possível cristianizar um número expressivo de fieis e
também disseminar as atividades católicas em cada contexto social e familiar do
escravo, liberto. A diversidade de pessoas que essas confrarias coletavam por estar mais
próximo da sociedade ampliava as práticas do dogma da Igreja.
No Rio de Janeiro o número de irmandades era muito grande. Mariza Soares
(2000) explica que não só pela distância já destacada na escrita acima, mas também a
própria prática autônoma já elaborada desde a chegada dos portugueses dificultou a
ação de outras leis canônicas. Apontando que “mesmo nas cidades onde existiriam
condições para isso como era no caso do Rio de Janeiro” a efetivação completa não era
feita. A autonomia, a descentralização velada, é vista nesta relação como determinante
para os desencontros e para a grande diferenciação a respeito das práticas cristãs e como
um caminho de quebra com os engessamentos acerca dos africanos escravizados.
A diferenciação social é o marco das irmandades no Rio de Janeiro, a
posição social determina qual santo irá ser o devoto e em quais Igrejas haviam de
frequentar. No Maranhão muito se difere, como seria este processo diante da divisão
social que também existe neste local e dos outros arcabouços que determinariam a

20
participação em cada Irmandade? No Rio de Janeiro cada santo remetia mais claramente
ao grupo de seus devotos como descreve Mariza Soares em seu livro Devotos da cor:
identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII.

No Rio de Janeiro, São José é a irmandade das famílias mais ilustres da


cidade. Os pretos e crioulos são devotos de São Benedito e Nossa Senhora do
Rosário, e os pardos, de Nossa Senhora da Conceição. No Rio de Janeiro dos
séculos XVII e XVIII e impossível pensar a hierarquia social sem levar em
conta a hierarquia dos homens e dos santos. (SOARES, 2000, p. 136)

Um dos elementos importantes no desenvolvimento das irmandades são os


conflitos entre elas, devido a sua origem étnica, o santo eleito, a posição social,
somados ao do poder eclesiástico. A origem étnica: banto, angola, congo, mina faziam
parte da mescla de escravos vindo da África, povos que por vezes possuía língua,
costumes, crenças diferentes mesmo com a proximidade de seus territórios. Os conflitos
entre estes causou um desconforto social onde se viam obrigados a trabalhar no mesmo
engenho e agora nas mesmas Irmandades, inúmeros anúncios demonstravam a esquiva à
formação de irmandades que permitiam a filiação de irmãos que não possuíssem a
mesma origem étnica. Quando não possível formavam grupos de irmãos que
acreditassem e fossem devotos de uma mesma entidade, de um mesmo santo,
representando neste recorte uma diversificada formação de identidade. A posição social
também demarcava a constituição destas Instituições. As Igrejas se dividiam de acordo
com rendimento de seus associados. O poder eclesiástico, apesar das lacunas do
sincretismo e da heterodoxia ainda conseguia influenciar as atividades das Irmandades,
ora seja pela construção das cartas de Compromisso, ora por direcionamento de
representantes da Igreja para o acompanhamento destas entidades. É interessante
complementar que diante de todos os empecilhos gerados por esses elementos o número
de irmãos que se ligavam às Irmandades era bem expressivo.

O crescimento das irmandades faz também crescerem os conflitos. Já no final


do século XVII, o cabido está decidido a expulsar da Igreja de São Sebastião
a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (formada por
pretos de Angola e crioulos) e a Irmandade de São Domingos (formada por
pretos da Guiné), como se fossem elas as responsáveis por seu abandono. (...)
de um lado, os conflitos entre irmandades e o poder eclesiástico, e de outro,
as disputas entre as próprias irmandades sobre o uso das igrejas e a
precedência nas procissões. (SOARES, 2000, p. 136)

As Irmandades possuíam uma autonomia em relação ao poder eclesiástico.


A proximidade da comunidade, dos grupos excluídos da matriz direcionava uma

21
adaptação, a heterodoxia, a remodelação do ambiente por vezes não seguindo as regras
gerais à risca. O fato de nem todas possuírem uma Igreja para praticarem sua fé e suas
reuniões, em conjunto às disputas pelo número de cristãos/irmãos e pelo próprio espaço
de abrangência somada aos dízimos e aos enterros foram agravantes para inúmeras
disputas entre Irmandades da região em que se encontravam na maioria dos locais
estudados.
Dentre as funções que as Irmandades estavam responsáveis a caridade e a
devoção, deram embasamento para o prosseguimento de suas ações. A análise feita por
Mariza Soares (2000) na carta de Compromisso da Irmandade de Santo Elesbão e Santa
Efigênia identificou que o funeral dos irmãos representava significativamente a prática
de caridade, ela descreve: “Os dois pilares das agremiações religiosas leigas são,
tradicionalmente, a devoção e a caridade ou, para usar a palavra de Russell-Wood, a
“propagação da doutrina” e a “filantropia social”” (SOARES, 2000, p. 166). Quando se
fala de “propagação de doutrina” e “filantropia social” se observa que o campo de
atuação destas Irmandades e o número de seguidores do santo da casa demonstrava o
valor da mesma e sobre o segundo elemento tornou-se evidente que muitos se afiliaram
também pelo fato de contribuir para que não fossem enterrados como indigentes,
principalmente os escravos, visto que, era altíssimo o valor empregado para que
acontecesse um funeral. Com a prática do funeral feita pelas irmandades era possível
identificar as contribuições de cada membro e o valor do indivíduo perante a sociedade,
de acordo com o valor, a condição de escravo, liberto, branco, era possível perceber sua
postura social, desta forma o aumento da busca de fazer parte destes agrupamentos era
compreendido.
Devido à diversidade de etnias o número de conflitos entre irmandades era
ainda mais acentuado, não era apenas determinado por conflitos de local, procissão e
rezas, como já descritos no início do texto. Na formação das Irmandades na Bahia tem-
se destaque a prática de eleições de reis. Estas contribuíram para a estruturação das
Irmandades. A escolha de um líder foi primordial para a reconstrução social destes
grupos, significou um elemento importante de análise, pois esses reinados possuíam
diferentes maneiras de efetivação o que possibilitou o equilíbrio institucional das
confrarias. Além das cartas de Compromisso, os decretos foram determinantes para a
formação estrutural destas instituições tanto por meio da Igreja que por horas se ausenta
de algumas decisões como pelo próprio Estado que busca regularizar suas práticas.

22
Marina de Mello e Souza (2002) destaca que as eleições de reis negros se
deram predominantemente nas “irmandades de homens pretos” que seriam associações
leigas formadas por negros, escravos, forros ou livres, em torno de um santo protetor e
de um altar no qual este era cultuado. Possuíam funções de ajuda mútua, socialização e
diversão. Ela ainda aponta que existiram grupos de negros que elegeram reis negros sem
estarem organizados. Este dado é muito importante, pois percebemos que foram apenas
uma das formas que os escravos encontraram de se manifestar. Que a eleição dos reis
era feita no interior destas com uma corte festiva, já havia como plano assumir outros
cargos que remetiam às cortes europeias e às cortes africanas. Souza (2002) elenca
ainda: é nos documentos produzidos pelas irmandades da América portuguesa que
aparece com maior detalhe a composição e ocorrência dessas cortes festivas, eleitas
junto com o rei e a rainha, onde cada um tinha um papel na preparação e nos atos rituais
da festa.
A necessidade de vários membros para participar deste cortejo reforça em
nossos estudos o quanto este momento fortalecia os laços destes irmãos para com sua
Irmandade, não só no papel de ouvinte, mas de participe. Souza (2002) aponta sobre o
papel do rei após a festividade: no entanto o rei e sua corte não formavam uma
representação administrativa da irmandade e não eram obrigados a participarem das
reuniões seus encargos eram voltados especificamente para a realização da festa do
orago e para a coleta de donativos ao lado de suas contribuições. Um elemento
interessante sobre esta participação é que o candidato a rei teria que financiar toda a
festa, demonstrando aqui a necessidade de um poder aquisitivo notável.

As eleições de reis negros e as festas que celebravam estas eleições, criadas


a partir do encontro entre culturas africanas e a cultura ibérica, e aceitas pelos
senhores e agentes administrativos, foram um dos meios encontrados por
grupos de escravos, forros e negros livre de se organizarem em comunidades,
de alguma forma integradas `sociedade escravista. Nelas estavam presentes
tradições comuns a todo mundo banto, eventos da história de alguns povos
específicos que foram incorporados como símbolos de africanidade, e
elementos da sociedade portuguesa, reinterpretados à moda dos africanos e
seus descendentes. (SOUZA, 2002, p. 155)

A corte praticada em Portugal difere-se tanto da realizada na África quanto


na América portuguesa e mais a frente do Brasil. Esta afirmativa contribui para
comprovar a resistência dos povos colonizados, especificamente na leitura do povo
escravo negro e liberto. As práticas festivas adotadas pelos escravos na América
portuguesa e na África se diferenciavam das praticadas em Portugal visto a soma de

23
elementos culturais, que os africanos possuíam em sua bagagem: suas danças, o bater de
tambores e suas vestimentas são elementos introdutórios para uma análise inicial sobre
estes reisados. Tão diversificados que por ora causaram certa estranheza por meio dos
colonos.

As cortes festivas, antes de serem adotadas pelos negros na América


portuguesa, já existiam em Portugal, associadas às corporações de ofícios,
quando estas realizavam danças especificas nas festas de rua, geralmente
como parte de comemorações de datas que marcavam a vida de corte e a
política. (...). As cortes das festas de irmandades de “homens pretos”, não se
ligavam apenas a tradições portuguesas, pois também na África Centro-
Ocidental o rei (...), cercava-se de um grupo de auxiliares diretos que
formavam a sua corte, assim como de rituais e festas que legitimavam e
difundiam seu poder. (SOUZA, 2002, p. 215-216)

A estrutura das irmandades de maneira geral era composta de um grupo


administrativo e outro com a função tanto de patrocinar os festejos como angariar
patrocínio para os mesmos. E as cartas de Compromisso de Nossa Senhora do Rosário 1
eram documentos que identificavam quais as funções de cada cargo da administração:
do juiz ou provedor, tesoureiro, escrivão, procurador e outros.

1.2. Irmandade Negra

Destaca-se nos estudos das Irmandades negras que mesmo sendo de origem
europeia tenha absorvido características africanas e se mesclado às práticas do contexto
da América portuguesa ao ponto de termos uma dificuldade em determinar sua origem,
visto o entrelaçamento à cultura africana.

1
Para as irmandades funcionarem, fazia-se necessário um compromisso, conjunto de regras com a
aprovação do rei, que determinava os objetivos da associação, as modalidades de admissão de seus
membros, além de seus deveres e obrigações. Era a partir da aceitação do compromisso que os membros
da irmandade se comprometiam a venerar o santo padroeiro, mantendo seu culto e promovendo sua festa.
(COE, 2007, p.3)

24
A primeira irmandade de negros de Lisboa nasceu na Igreja do Convento de
São Domingos. Neste convento havia uma irmandade de N.S. do Rosário
instituída por pessoas brancas, provavelmente no final do século XV, mas a
partir do século XVI, paulatinamente, os negros foram ocupando espaço na
instituição. Em 1551, a Confraria do Rosário do Convento de São Domingos
estava “repartida em duas, uma de pessoas honradas, e outra dos pretos forros
e escravos de Lisboa”. Uma série de conflitos entre “os irmãos pretos” e as
“pessoas honradas", levou à cisão definitiva do grupo. Em 1565, os irmãos
negros tiveram seu primeiro compromisso aprovado pela autoridade régia.
Apesar disto, o acirramento das disputas, que chegou a envolver os
superiores do convento e até o Papa, levou à expulsão da irmandade dos
negros do templo dominicano no fim do século XVI. (REGINALDO, 2005,
p.47)

O papel da Virgem Maria no imaginário cristão naquela região era


correlacionado à saúde. Estas instituições por estarem a uma aproximação maior do
povo e da própria devoção contribuíram para um local de socialização e reabilitação
social, estes aspectos também remetem a heterodoxia, visto a proximidade e a
remodelação das práticas cristãs ortodoxas a práticas do cotidiano. Santos (2012)
possibilita, em sua escrita, identificar que as devoções a entidades como Nossa Senhora
do Rosário, no contexto português do século XVIII ampliou a crença ao catolicismo ao
que se entende enquanto sagrado, o mistério da transubstanciação na Eucaristia e a
hiperdulia mariana, elementos condenados pela Reforma.
A relação das irmandades principalmente a de Nossa Senhora do Rosário
aos africanos e com a condição de escravos em Portugal fez surgir com mais frequência
documentos e movimentações reivindicando direitos e a própria liberdade. O
interessante de todo este processo é perceber que a África na condição depreciativa de
sociedade conseguiu por meio do sincretismo religioso e da própria absorção cristã
mesclar e exigir seus direitos enquanto homem social europeu, mesmo não o sendo e
que esta prática irá se perpetuar na América Portuguesa. A Igreja foi uma grande
válvula de escape para os institucionalmente desprovidos de direitos. Pode-se ter
embasamento para tal colocação quando Reginaldo (2005) confirma que ao ponto de
enviar várias petições aos reis de Portugal em nome das irmandades para o resgate de
irmãos cativos, ocorre a existência de privilégios concedidos às irmandades de homens
pretos do Reino, bem como para alguns processos encaminhados a outras instâncias do
Antigo Regime no tocante às questões de liberdade e direitos dos escravos em Portugal.
Este elemento que causa surpresa a partir dos estudos escravocratas que coloca o
escravo como uma propriedade, um produto do comércio, sem elementos humanos.

25
Conceber a existência de uma irmandade escrava negra diante da influência
europeia desperta a curiosidade ainda mais em saber qual interesse estaria por traz deste
envolvimento inicialmente contrário. Na América portuguesa diante da prática
escravista, mesmo em declínio é possível percebermos a necessidade dos cativos e ex-
cativos em fazer-se presente nas práticas cristãs.

(...) das pesquisas sobre irmandades negras no Brasil, para além do binômio
resistência ou acomodação, que durante décadas limitou os estudos sobre
estas associações. Interessava-me, cada vez mais, pelas análises que
privilegiavam as irmandades negras como espaços de expressão da
diversidade na comunidade escrava e liberta. Assim, no tocante a diversidade
étnica, buscava alternativas de análise que superassem as meras constatações
da divisão das confrarias com base nas origens africanas. (REGINALDO,
2005, p.2)

Os africanos tiveram mais proximidade com a Irmandade Nossa Senhora do


Rosário do que outras confrarias ou ordens.

A defesa dos sacramentos, dogmas e figuras santas, levou a Igreja a pôr em


relevo personagens e linguagens que aproximassem os fiéis do culto católico.
Os passos de Jesus na Via Sacra, a consternação de Maria aos pés do filho
crucificado, a ressurreição de Cristo e ascensão da Virgem aos céus,
inspiraram sermões e autos teatrais. O rosário, fórmula recitativa
desenvolvida pelos monges medievais para que a massa iletrada de fiéis,
incapazes de ler o saltério, acompanhasse as orações, foi reabilitado. O
estímulo à repetição rítmica do terço, em honra aos quinze mistérios gozosos,
dolorosos e gloriosos da vida de Jesus, impulsionou a devoção popular a
Nossa Senhora do Rosário e a organização de irmandades sob sua proteção.
(SANTOS, 2012, p. 304)

Reginaldo (2005) considera as irmandades negras como lugares de recriação


de identidades étnicas em que se leva em conta todo processo de investigação de como é
construída essa identidade, o que estaria em questão ao unir-se um mina com um
congo? Recriar essa etnia talvez fosse uma das mais racionais estratégias para que a
opressão direcionada a eles fosse combatida ou ao menos amortecida. Até mesmo as
que negassem união de etnias diferentes criavam uma identidade forte dentro da própria
Irmandade. Um dos maiores exemplos desta modelagem é o que perpassa durante as
eleições de reis negros e suas festas. Outro elemento que poderia fortalecer este enlace
improvisado seria de grupos oriundos de regiões próximas pertencentes a um mesmo
complexo sociocultural, as afinidades reformularam as relações antes de parentesco.
No Brasil os lugares que tiveram mais destaque nas ações da Irmandade
foram o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, e Maranhão. Levantaremos

26
estudos mais aprimorados sobre a de Nossa Senhora do Rosário no Rio de Janeiro, na
Bahia e no Maranhão por seus estudos já serem mais encontrados e o último por ver a
necessidade de aprofundamento teórico sobre os documentos primários encontrados no
APEM.

Dentre as irmandades de pretos, a mais antiga é a Irmandade de Nossa


Senhora do Rosário, criada em Pernambuco como a primeira na América
Portuguesa no final do século XVI, por missionários jesuítas. Contudo, fora
do Brasil essa prática remonta ao século XV, quando foi fundada em Lisboa
(1496) como concretização da política de incentivo á organização de
irmandades para a população africana conduzida pelo Papa Gregório XII.
Inicialmente, a criação de irmandades de pretos surge com o objetivo de
doutrinar os escravos na liturgia católica (CRUZ Apud ISHAQ, 2006, p.67-
70).

A Irmandade Nossa Senhora do Rosário é responsável pela absorção da


maioria dos escravos e negros libertos. Mariza Soares (2000) destaca que não há
registros sobre o ano de criação da devoção a Nossa Senhora do Rosário, mas em 1639
já constituía a Confraria de Nossa Senhora do Rosário e em 1669 seu estatuto foi
aprovado.
Na Bahia o número de Irmandades Nossa Senhora do Rosário é muito
marcante. Com a influência que as etnias têm sobre elas é possível diferenciá-las de
maneira geral pela origem de seus irmãos, a nação de Angola e os crioulos se destacam
neste leque de influências.

A história das irmandades do Rosário apenas ratifica outros registros


documentais que, ao longo dos séculos XVIII e XIX, atestam a presença de
africanos de “nação angola” na cidade de Salvador, no Recôncavo e nos
sertões da Bahia. Estes registros problematizavam um pressuposto
cristalizado na antropologia e na historiografia feitas na Bahia, qual seja, o da
insignificância dos centro-africanos na constituição da população escrava
baiana. (REGINALDO, 2008, p. 3)

Destacando como elemento em comum a constituição da Irmandade Nossa


Senhora do Rosário objeto de nossa pesquisa, já incorporada a características africanas
servia de “escudo” de proteção e resistência ao domínio europeu. Cada estado acima
citado possui características diferenciadas tanto devido ao ano em que estas instituições
surgem quanto ao próprio contexto de formação. E somatiza a tentativa de compreensão
do processo escravocrata neste contexto onde o escravo é tido como propriedade, mas
vai adquirindo um papel dito social no meio urbano e rural do então Brasil.

27
2. A IRMANDADE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO: a
construção histórica

2.1. A escravidão: a propriedade e o participe

Como falar sobre a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, uma instituição


que deu abertura para os escravos e seus descendentes, sem tomar nota acerca da
escravidão dos africanos, em Portugal, na América Portuguesa e na própria África e
assim poder compreender a efetividade em participar deste grupo? A prática da
escravidão na África somatiza uma diversidade de características quando transportada a
outros locais já citados, se no continente africano a escravidão girava em torno das
guerras e das dívidas, seus conterrâneos vendidos às mais inúmeras nações fizeram
parte de um violento processo de lucro.
Como versa Gorender sobre o Brasil e o modo de produção escravista
(2001), na sua condição de propriedade, o escravo é uma “coisa”, um bem objetivo, um
elemento que faz parte de um processo e não o elemento primordial em si. A condição
humana é descartada neste processo, a Província o vê como mercadoria. Ele considera
na verdade que o primeiro ato humano realizado pelo escravo é o crime, quando ele
tenta contra seu senhor e remete à fuga do cativeiro. Fora estas práticas ele é uma peça
de quebra-cabeça a ser direcionada pelo comércio onde deve estar e quais
funcionalidades devem acumular.

A característica mais essencial, que se salienta no ser escravo, reside na


condição de propriedade de outro ser humano. (...) O escravo, instrumento
vivo como todo trabalhador, constitui ademais “uma propriedade viva”. A
noção de propriedade implica a de sujeição a alguém fora dela: o escravo está
sujeito ao senhor a quem pertence. (...) uma relação assimétrica, no sentido
de que a propriedade se sujeita ao proprietário e nunca o contrário. (...) Ser
propriedade constitui o atributo primário do ser escravo. Deste atributo
primário decorrem dois atributos derivados: os da perpetuidade e da
hereditariedade. O escravo o é por toda vida e sua condição social se
transmite aos filhos. (GORENDER, 2001, p. 46-47)

A leitura acima deixa clara não haver nenhuma exceção neste processo
comercial. O escravo perpetuará sua existência como dependente e transmitirá está
condição a todos que derivarem dele. Estes atributos de escravo, perpetuidade e
hereditariedade de fato aprisionaram grupos e grupos sobre as mãos dos seus senhores,

28
do Estado em si e da própria Igreja. Concepções formalizadas e internalizadas
diariamente nesses indivíduos foram determinantes para de um lado fortalecer por tanto
tempo a prática da escravidão na América portuguesa.
A escravidão é uma marca hereditária que consome a individualidade e o
ato de escolha e as transformam em conceitos engessados e forçadamente encaixados a
culturas diferenciadas. Neste contexto dúbio os termos trabalho, castigo e vigilância
refletem a base de sustentação da estrutura escravocrata somada aos indivíduos.
Gorender (2001) apresenta em seus estudos o escravo como inimigo visceral do
trabalho, esta reação derivaria da reação humana do escravo à condição de coisificação.

Do modo de produção abstraímos duas categorias essenciais: as relações de


produção e as forças produtivas. Os homens sempre produzem como seres
sociais, ainda quando produzem como indivíduos isolados. No processo de
produção, os homens estabelecem entre si relações objetivas, independentes
de sua vontade, o que não implica que não adquiram alguma forma de
consciência delas. Tais são as relações de produção ou relações econômicas,
que constituem a base das relações dos homens na generalidade dos aspectos
sociais, quer os associem em comunidades ou as dividam em classes.
(GORENDER, 2001, p. 10)

O modo de produção aponta duas categorias: as relações de produção e as


forças produtivas como bases para a produção. Deixa aberto a analise que sempre irá
haver alguém que se submeta ao processo comercial em nome das relações econômicas.
O autor pontua nesta citação que o modo de produção é que determina as relações,
independente da vontade do indivíduo. Um recorte que dá amparo para a condição
escrava.
Thornton (2004) levanta vários apontamentos acerca de como se deu a
escravidão na África questionando o processo escravo como algo além do comercial.
Apontando estudos demográficos, onde a transação de mão-de-obra em grande escala
deva ter causado um enorme desequilíbrio econômico e social, onde perguntas como:
quais pessoas substituiriam estes indivíduos vendidos à escravidão? Com a perda de
adultos do sexo masculino como se definiu a divisão sexual do trabalho? O efeito
demográfico foi avassalador e o âmbito social também foi atingido como argumenta
Walter Rodney (Apud THORNTON, 2004) visto que o comércio de escravos tenha
provocado uma ruptura social alterando de maneira adversa os sistemas jurídicos
aumentando a desigualdade.

29
A grande diferenciação do processo escravocrata europeu e africano está na
condição apontada por Thornton (2004) que a escravidão era difundida na África
atlântica porque os escravos eram a única forma de propriedade privada que produzia
rendimentos reconhecidos nas leis africanas, divergindo dos europeus que a terra
possuía esse papel. As terras na África pertenciam ao rei, ao Estado como uma
corporação e o governante como um funcionário do Estado, responsável em colher os
impostos. Esta problemática reforçou para que os africanos intensifica-se a venda de
escravos, a moeda de troca se tornou mais rentável até mesmo pela mobilidade e
diferenciação do produto.
A exacerbação do tráfico escravista como também elenca Thornton (2004)
reforçou o poder dos chefes de Estado e das castas aristocráticas, acentuando
características despóticas e espoliadoras. Esta afirmação nos embasa para a discussão a
respeito da posição ativa que os africanos tiveram mediante o painel escravocrata.
Resistência ou aceitação são termos a serem descritos neste panorama, passividade não
seria a melhor concepção. O que podemos destacar nesta construção social é a presença
de grupos étnicos em posições mais fortes sobre outras fortalecendo para a depreciação
e captura de alguns que não conseguiram fugir dos confrontos ou no enfrentamento
perderam posses, posições administrativas e a liberdade.
A mão dupla que a escravidão tornou-se deu embasamento para o processo
de continuidade e de lucro. Gorender (2001) apresenta no tráfico de africanos, duas
faces: uma em que os vendedores africanos praticavam o escambo para a obtenção de
valores de uso e do outro lado os traficantes europeus representando um genuíno
comércio, intercâmbio, circulação mercantil objetivando a lucratividade.
Para adentrarmos a prática escrava dentro do próprio contexto português é
importante destacarmos uma passagem de Thornton (2004) que demonstra a formação
estrutural equilibrada do comércio atlântico de escravos dentro da África pontuando que
o processo escravista esteve na ativa devido às raízes da prática dentro do próprio
território africano. Contrapondo Gorender (2001) que defende o escravo sendo o fruto
do modo de produção europeu, sendo o sujeito, mas uma consequência das práticas
econômicas portuguesas inicialmente.

30
(...) o comércio atlântico de escravos e a participação da África tinham
sólidas origens nas sociedades e sistemas legais africanos. A instituição da
escravatura era disseminada na África e aceita em todas as regiões
exportadoras, e a captura, a compra, o transporte e venda de escravos eram
circunstâncias normais na sociedade africana. A organização preexistente foi,
assim, muito mais responsável do que qualquer força externa para o
desenvolvimento do comércio atlântico de escravos. (THORNTON, 2004,
p.152)

Tanto em Portugal quanto na África, Thornton (2004) aponta a importância


da escravidão e que estes espaços tendem a definir o escravo como membros
subordinados da família, de muitas maneiras equivalentes a pequenas crianças. De
acordo com Thornton (2004) a marcante diferenciação está na forma de utilização dos
escravos o que produziu a ideia que os escravos eram bem-tratados pelos africanos a
contraponto dos europeus. A justificativa para tal perspectiva estava pelo escravo
africano ter substituído a mão-de-obra assalariada na Europa e América, enquanto na
África sua atividade era aproveitada ao máximo tal quanto os camponeses da região se
diferenciando neste terceiro grupo – escravo/camponês devido à origem e o fato do
acumulo de escravos de geração a geração. Outra pontuação acerca deste tratamento
esteja que na Europa diferentemente da África a propriedade privada esteve contida nas
terras, na relação fundiária, enquanto a segunda o escravo simbolizava esta propriedade
que dentre suas características a de multiplicidade de ações dentro do ambiente de
trabalho condizia à força produtiva.

O volume, bem como as vias de abastecimento do tráfico de escravos para


Portugal e Península Ibérica, em geral são ainda pouco conhecidos. Na
verdade, isto reflete um grande silêncio no que diz respeito ao tema da
escravidão, tratado pela historiografia portuguesa “quase na surdina”.
(REGINALDO, 2009, p. 293)

A falta de compreensão de como se dava o processo do tráfico de escravos


para os portugueses representaria o pouco esclarecimento sobre o assunto. Observa-se
um levante cristão mesclado com o interesse econômico. A justificativa inicial tenha
sido a exploração de pedras preciosas e outros produtos, a cristianização mediante um
mundo “pagão” e findando em um marcante ganho financeiro. Desembocando nas rotas
de tráfico de escravos lucrativos para os colonos e devastador para os viajantes.
Em Russell-Wood (2005, p. 53) a presença negra na América portuguesa
resultou do intenso comércio de escravos entre os portos do Brasil e da África ocidental
e oriental durante cerca de trezentos anos. O comércio de escravos do atlântico era feito
diretamente entre a América portuguesa e a África, no entanto as práticas escravistas

31
portuguesas obtiveram marcante influência sobre a escravidão na América portuguesa.
Ao começarem a colonização do território brasileiro, os portugueses já traziam consigo
a experiência conjugada da escravidão e da plantagem. (GORENDER, 2001, p. 117) O
conflito neste contexto facilmente era percebido. O africano era considerado por vezes
inábil a socialização.

Os colonos do Brasil (...) aceitaram a escravatura como instituição e


continuaram a ver a África subsaariana como fonte para suprir suas
necessidades de mão-de-obra. Mas nunca nem em lugar algum os brancos da
América portuguesa esqueceriam a ameaça potencial à vida e à integridade
física a que estavam sujeitos em razão de sua minoria numérica. (RUSSELL-
WOOD, 2005, p. 22)

A convivência dos escravos com os senhores de engenho no Brasil de fato


demonstrou o número desigual. A dependência que os colonos teceram diante da mão-
de-obra escrava, barata, foi representada na forma de controle por meio de torturas
corporais e alimentares, com a separação de familiares e de grupos com a mesma etnia.
A lucratividade com a utilização destes escravos vindo especialmente da África
subssariana sobrepôs a condição de alerta. A revolta era possível pelo contingente, mas
o ganho recompensava a continuação da prática, as medidas repressivas condiziam às
armas para esse embate.

O tráfico arrebanhou negros procedentes de numerosas etnias, heterogêneas


do ponto de vista da evolução social, da língua, das tradições, costumes (...).
O nível social dos povos africanos já era bastante diferenciado no século XV.
(...) sociedades tribais sem Estado, situadas em variados graus do comunismo
primitivo. (GORENDER, 2001, p. 133)

O embate social e conjuntural dos africanos escravizados e os colonos,


senhores arrebataram as características culturais e de identidade deste povo africanos
ocasionando em diversas maneiras de resistência, ora por meio dos suicídios, das fugas
para quilombos, dos assassinatos ora pela adaptação.
Como levantado por Thornton, a mão-de-obra africana servia como
substituta de outra “mão”, o que dificultava o aproveitamento integral do escravo.
Russell-Wood (2005) pontua que durante a segunda metade do século XVI os negros
tinham substituído gradualmente os ameríndios como mão-de-obra das grandes
plantações. Esta condição deixava claro uma sobreposição de interesse desconsiderando
as características de cada povo e desdobrando em uma resistência cada vez mais
violenta por meio dos cativos.

32
No Brasil, a densidade da população escrava, o grau de miscigenação e a
proporção numérica de pessoas de cor livres na população em geral variavam
muito de região para região e de um período a outro. Os escravos negros,
trazidos originalmente da África para trabalhar nas plantações de cana-de-
açúcar do Nordeste, tornaram-se pedras angulares da economia brasileira.
Como tais, estavam inevitavelmente suscetíveis a mudança das circunstâncias
econômicas. Durante os séculos XVI e XVII, os maiores núcleos de escravos
ficavam na Bahia, em Pernambuco e, em menor grau, no Rio de Janeiro. Em
sua maior parte, os escravos eram empregados nos canaviais da zona fértil do
litoral. Uma minoria era transportada para o interior para trabalhar em
fazendas de criação de gado das capitanias da Bahia, de Pernambuco, do
Ceará e do Piauí. (RUSSELL-WOOD, 2005 p. 55)

Na América portuguesa mais tardiamente reconhecida como Brasil foi


percebido diversas modalidades do trabalho escravo. Na escrita de Russell-Wood
(2005) podemos identificar: nas áreas de extração de ouro; nas oficinas de artesãos e de
donos de venda; como carpinteiro, pedreiro; no comércio; na prostituição; nas áreas
rurais. De todos esses espaços o último constituía ser o mais difícil de ser desligado, os
outros diante do acúmulo de dinheiro ou através dos testamentos deixados pelos seus
donos era possível que os escravos pudessem comprar ou recebe suas alforrias. Soares
(2011) pontua a alforria como uma modalidade da resistência à ordem escravista
permitindo a sociabilidade deste forro. Diante da abertura social se inferi a possibilidade
deste indivíduo agora liberto buscar desempenhar outra ligação com a sociedade, a
entrada e formação de Irmandades ligadas a acolher os libertos e então escravos. No
entanto este indivíduo não deixa de ser castigado ora por não seguir os preceitos da
Igreja ou por não conseguir conquistar um espaço neste status social de participação.

Os escravos empregados nas áreas rurais de economia menos intensiva


tinham menos esperanças de conseguir comprar sua liberdade. Por lei, todo
senhor tinha de garantir a seus escravos um dia por semana (além do
domingo) para cuidarem de suas próprias roças. Na prática, este direito
costumava ser negado aos escravos, obrigados a corta lenha, consertar redes
de pesca ou limpar o mato pelos donos, decididos a fazer seus escravos
trabalharem até o limite máximo. (RUSSELL-WOOD, 2005, p. 66)

Na leitura do escravocrata o castigo do escravo é necessário e justo. O


controle diante deste conflito de significados só seria possível com a vigilância 2
contínua, como sustentar por tanto tempo uma ação sobre um indivíduo, o escravo,
quando este não se percebia como coisa? Um dos derivados desta percepção está
contido na função dos feitores. A sociedade, os senhores de escravo dispunham de
feitores e capatazes podendo estes ser de origem escrava. A construção econômica

2
O alto custo de vigilância tem caráter estrutural na produção escravista. (GORENDER, p. 59)

33
formatava suas regras mediante suas necessidades financeiras e estes elementos de fato
contribuíram para que de alguma forma a coisificação do escravo não acontecesse de
maneira total. O aspecto religioso está contido nestas manifestações quando no início
das práticas cristãs se deu abertura para a participação dos escravos africanos e seus
descendentes em entidades religiosas como a Irmandade Nossa Senhora do Rosário.

(...) como um fenômeno de longa duração – a escravidão produzia e reiterava


procedimentos socialmente determinados que visassem amortecer os
conflitos potenciais inerentes à relação senhor-escravo. Desse modo, o tráfico
atlântico (responsável pela introdução contínua de estrangeiros
desenraizados), a situação de escravidão (produto da socialização que
transformava o cativo num escravo, cujo objetivo final era fazer com que o
mesmo reconhecesse a autoridade do senhor), o horizonte da alforria e a
experiência social dos libertos e de seus descendentes devem ser entendidos
como partes de um processo que produzia e reproduzia a ordem escravista.
(SOARES, 2011, p. 36)

Quando a sociedade reconhece a responsabilidade penal dos escravos, como


homens na condição de sujeito e objeto de delito. O escravo então é visto como
participante? Essa abertura jurídica por mais dúbia que seja devido às dificuldades
impostas pelos escravocratas e suas influências representou na construção histórica da
escravidão uma das válvulas de escape. O embasamento para o protesto dos escravos se
construía aos poucos e por mais que não fosse tão expressivo a inclusão em alguns
setores da sociedade foram determinantes para dar inicio a rachadura do processo
escravocrata.
Dentre os aspectos que foram descritos nestas falas acima é importante
destacar, por mais que tenham sido as complicações relacionadas à escravidão, o
escravo, o senhor e a diferenciação de manejo por meio das influências africanas e
portuguesas os cativos não representaram um status passivo, de aceitação do que estava
ocorrendo sobre suas ações. Um dos métodos de resistência que irá ser explorado além
dos já citados está na participação destes escravos nas Irmandades.
.

2.2. O Rosário: uma resistência ao modo de produção escravista

A necessidade de se ter uma narrativa acerca da escravidão é fundamental


para a compreensão da aliança entre os escravos africanos e as irmandades inicialmente
brancas. Toma-se nota que a compreensão deste processo contribuiu para se

34
compreender a importância que as Irmandades obtiveram principalmente a do Rosário, a
respeito do deslocamento parcial e sucessivo destes escravos para uma formação social
onde suas obrigações excediam os direitos.
Reginaldo (2009) aponta que a conhecida fama de Portugal enquanto um
lugar das misturas e o processo de cristianização propagou nos primeiros séculos de
contatos, o levante de inúmeros africanos a Portugal para serem instruídos na fé, na
cultura e nas línguas ocidentais. O reino de Portugal aproximou-se inicialmente do reino
de Congo como meio de adquirir a mão-de-obra escrava e nesta troca de produtos
implantou as práticas cristãs, Reginaldo (2009), alguns desembarcaram em Lisboa como
homens livres, eram representantes da corte do Mani Congo, embaixadores, parentes da
família real. Destes, alguns poucos se tornaram intérpretes (então chamados “línguas”),
catequistas e sacerdotes.
Russell-Wood (2005) pontua que em Portugal continental, em Angola e no
Brasil colonial os negros e mulatos, escravos e libertos, tinham suas próprias
irmandades. Onde na América portuguesa, entre as inumeráveis instituições de
indivíduos de ascendência africana, as duas mais importantes eram a de Nossa Senhora
do Rosário e a de São Benedito.
A presença da Irmandade Nossa Senhora do Rosário em Portugal foi
marcante para a estruturação da mesma. Lucilene Reginaldo (2005) destaca que a
devoção ao Rosário em Portugal já havia sido estabelecida desde o final do século XV.
Quando em 1490, “os nobres e o povo acudiram à intercessão da Virgem, por ocasião
da peste que nesse ano assolou Lisboa, e logo resolveram levantar, e levantaram uma
capela com grande aparato”. Desde então, o culto ao Rosário foi muito popular em
Portugal.

Foi adotada como padroeira de vários segmentos sociais e profissionais,


como os marinheiros no Porto. Em todo o reino criaram-se igrejas dedicadas
a seu culto. As irmandades sob sua invocação foram as mais importantes e
numerosas, rivalizando com as confrarias do Santíssimo Sacramento e das
Almas. (REGINALDO, 2005, p.55)

Sobre a simbologia das contas do Rosário por conta da tradição católica que
Domingos de Gusmão, religioso dominicano e pregador na região de Albi, sul da França
(local onde se proliferam os “heréticos albigenses e cátaros”), teve uma revelação da
Virgem que lhe ensinou um método de oração no qual seria invocada com a ajuda de
contas unidas por um cordão (SOUZA Apud REGINALDO, 2009, p. 303).

35
Um aspecto interessante na trajetória das irmandades negras foi o fato de
haverem sido inicialmente cultuadas pelos brancos para então serem adotadas pelos
negros como descreve Pinto (2000). Este elemento nos faz levantar varias hipóteses
acerca da mobilidade do processo cristão, a cor cada vez mais a se dissolver. As
aberturas na prática cristã ascenderam aos escravizados a um patamar onde sua voz
apesar de não ser reconhecida era pronunciada.
Resistências no recorte português não são elementos raros mais a ponta de
um grande iceberg a emergir. Questionamentos e mobilizações por parte dos escravos
ora ou outra eram percebidas, a Irmandade significou claramente uma grande válvula de
escape em meio a tantos desencontros no âmbito social e do direito. Lucilene Reginaldo
(2009) destaca em sua obra uma das passagens do ano de 1709, onde umas “pretas que
vendem milho, arroz e chicharros cozidos ao povo nas escadas do hospital do Rossio”
apresentaram ao Rei uma petição reclamando das perseguições, maus tratos e
espancamentos que vinham sofrendo da parte do corregedor e do alcaide daquele bairro.
A narrativa sobre os escravos africanos no contexto europeu só esclarece ainda mais a
posição ativa dos mesmos diante os conflitos, personagens passivos já não cabem mais.

(...) a busca de proteção divina, o auxílio nos momentos difíceis da vida, a


garantia de um funeral cristão e a multiplicação dos tempos de sociabilidade
eram os grandes fatores de motivação. Segundo o autor, as irmandades
abriam uma possibilidade de exercício de poder para os grupos sociais menos
privilegiados “aumentando assim seus níveis de protagonismo social”.
(PENTEADO Apud REGINALDO, 2005, p.28).

Sobre as resistências em Portugal Reginaldo (2005) narra que a maioria dos


processos de resgate de irmãos cativos seria impossível de saber o veredito, mas da nota
sobre o numero de petições e a insistência das irmandades acerca destes processos
apontando que o envolvimento das irmandades católicas representou neste apanhado um
importante canal de defesa dos escravos em Portugal. É impossível negar a importância
que a Igreja católica propagou sobre a escravidão africana, ora como condenadora ora
como acolhedora. A aproximação das irmandades, onde seus patronos eram negros,
tiveram como principais seguidores e em decorrência a diversos fatores foram sendo
assimilados pelos escravos africanos que participaram da formação de Portugal, como
escravos de ganho, de guerra, transitórios.
A imagem e devoção pelos africanos, principalmente escravizados a Nossa
Senhora do Rosário significou no âmbito da América portuguesa a implantação de

36
inúmeras instituições mescladas a mais diversa motivação. Alguns se agruparam por
possuir a mesma origem como angolanos, pretos-minas e outras nações3 e etnias4,
outros por estar em um mesmo ambiente, mesma fazenda, cidade, povoado. Esta
mistura é apontada em Souza (2002): diante da separação dos grupos de origem e da
quebra das relações de linhagem os indivíduos escravizados foram obrigados a
encontrar outros laços na organização social, ao longo do percurso que levou da aldeia
africana à América, os primeiros a serem invocados.

Com o estilhaçamento das relações familiares provocado pelo tráfico, os


africanos escravizados buscaram reconstruir em novas bases os laços
fundamentais que uniam as pessoas, sendo a ligação entre malungos, (...)
ainda durante a travessia do Atlântico. A reunião em grupos oriundos da
mesma etnia ou de regiões próximas, pertencentes a um mesmo complexo
sociocultural, foi outra forma encontrada para recriar as afinidades antes
fundadas nas relações de parentesco. Roger Bastide disse, a respeito das
confrarias, que a reunião em torno de um santo, mais do que mística,
expressava uma espécie de parentesco étnico. (SOUZA, 2002, p. 182)

Lucilene Reginaldo (2009) destaca que como devoção dominicana no seu


principio, desde o século XVI, o Rosário passou a ser uma das principais invocações do
movimento de conquista e conversão dos gentios, passando então a ser divulgada por
todas as ordens religiosas missionárias. Elenca que o sucesso do Rosário entre os
“gentios conversos” explica-se, num primeiro momento, pelo destaque desta invocação
nas atividades missionárias. E por seguinte reconhece esta irmandade, com a invocação
do Rosário, em espaço próprio e reservado. Há muito, os estudiosos vêm buscando
interpretar as razões desta associação tão estreita e duradoura. Saunders lançou a
hipótese de que “a natureza semi-mágica, quase talismânica do rosário pode ter
constituído um apelo aos africanos acostumados a feitiços” (SAUNDERS Apud
REGINALDO, 2009, p. 304-305). A assimilação desta representatividade, a mãe de
Deus, as práticas religiosas africanas são observadas principalmente nesses espaços
reservados onde a prática cristã entrelaça-se aos rituais religiosos da África. Outra ideia
acerca da aproximação dos africanos à Irmandade Nossa Senhora do Rosário de acordo
com a escrita de Lucilene Reginaldo (2005):

3
Nação era um conceito utilizado pelos colonizadores para classificar os escravos traficados, geralmente
acrescentando-se ao nome cristão a nação a ele atribuída. (SOUZA, 2002, p. 140)
4
Etnia busca identificar características internas aos grupos, considerando as relações de poder nas quais
estão inseridos. (SOUZA, 2002, p. 142)

37
José Ramos Tinhorão propôs uma interpretação de difícil sustentação, se é
que assim podemos dizer sobre a primazia da devoção ao Rosário entre os
negros em Portugal e nas Américas. Segundo Tinhorão, “os negros se
fixaram em Nossa Senhora do Rosário pela ligação estabelecida com seu
orixá Ifá, através do qual era possível consultar o destino atirando soltas ou
unidas em rosário as nozes de uma palmeira chamada okpê-lifa”. Isto é o que
poderíamos chamar de uma leitura “nagocêntrica” por excelência! A tese de
Tinhorão também peca pelo anacronismo e pelo equívoco no tocante ao
tráfico atlântico de escravos. (p.55)

Como já explanado diante da escravidão e da quebra forçada de suas


origens, os escravos conseguiram adentrar e construir várias maneiras de resistência. No
Rio de Janeiro, Russell-Wood (2005, p. 68) aponta que a Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário e Resgate fora fundada especificamente para ajudar os irmãos escravos que
desejassem comprar sua liberdade. No final do século XVII, a mesa da irmandade levou
seu caso diretamente ao rei, afirmando que alguns de seus membros escravos sofriam
“um cativeiro ruim”, mas que tinham acumulado quantia suficiente para comprar sua
liberdade. Esta formação é a mais identificada nas pesquisas sobre as Irmandades na
América portuguesa, onde é possível perceber o aumento gradativamente do número de
escravos, forros e libertos que adentram esta instituição e outras ligadas também a
componentes escravizados para conseguir a intermediação de sua liberdade e de outros.
A construção de locais para a prática cristã ligada à Irmandade Nossa Senhora do
Rosário não foram imediatas, por muitas vezes realizava suas missas e atividades em
Igrejas cedidas por outras. Diante do processo de cristianização é observado por vezes
além do ceder espaço o patrocínio do Estado ou até mesmo por meio do acúmulo de
bens que adquiriu com as ofertas.

Nas proximidades do mar, nas ruas calçadas, concentram-se as melhores


casas, o melhor comércio, as igrejas mais ricas. Alguns endereços de pretos
forros, entretanto mostram que dentro dos limites da vala a cidade cresce
misturando pretos e brancos, ricos e pobres num espaço onde a hierarquia
parece mais inscrita no corpo e mesmo nas casas que na distribuição do
espaço urbano. (...) na primeira metade do século XVIII, os pretos vão
receber doações de pequenos terrenos para construir suas capelas e abrigar os
santos de sua devoção. Em 1700, junto à vala, começa a construção da Igreja
do Rosário. (SOARES, 2000, p. 137)

Além da busca da liberdade, alforria, e o status social privilegiado a


participação dos escravos nas Irmandades rodeava o processo do sepultamento, a
Irmandade Nossa Senhora da Misericórdia detinha a única permissão do Estado para
realizar os enterros. Este fato gerou por tempos um conflito entre as Irmandades, com o
crescimento do número destas e os mais diversificados irmãos a Misericórdia foi

38
perdendo aos poucos o monopólio. Muito dos escravos adentravam as Irmandades com
o intuito de estas administrarem seus sepultamentos visto que tal prática necessitava de
um grande valor aquisitivo. Os que se tornavam irmãos dependendo também do dízimo
teriam um tratamento diferenciado em seu enterro com direitos a um número de missas
e outras regalias.

Os mortos são levados ao cemitério ou às igrejas em esquifes alugados à


Santa Casa, que detém o monopólio desse serviço. Em 1687, a Irmandade
Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos recebe licença
especial para possuir esquife, pagando a Misericórdia apenas pelos
sepultamentos, e não mais pelo translado dos corpos. (...) Dessa forma os
pretos e pardos barateiam seus funerais e escapam com mais frequência às
covas coletivas da Santa Casa, onde são enterrados os que não possuem
recursos para pagar um funeral. (SOARES, 2000, p.143)

Dentre outras justificativas da criação das irmandades Soares (2000, p. 144)


identifica que a criação das irmandades de pretos vem frequentemente associada ao fato
de os escravos serem abandonados por seus senhores depois de velhos e doentes, tendo
seus cadáveres jogados nas praias e nas portas das igrejas. O que se percebe é a criação
de uma identidade para com essas Irmandades onde o reconhecimento e o aparato
jurídico e social são possíveis de ser exercidos e conquistados aos poucos. Mesmo com
o tratamento cristão aos cativos Soares (2000) destaca que a maior parte da sociedade
ainda vê os corpos destes povos como não merecedores de tratamento cristão.
Estes pontos levantados acerca dos funerais e da alforria identificados no
Rio de Janeiro são comuns às outras regiões de Pernambuco, Minas Gerais, Maranhão e
Bahia acrescentados de outros aspectos serão mais bem explanados no próximo capítulo
tendo como representatividade as Irmandades do Rosário do Maranhão. As irmandades
do Rosário tal como outras para serem reconhecidas legalmente e poderem interferir
nesses pontos discutidos precisam de uma estrutura: carta de compromisso, cargos
definidos, em algumas existe a presença de um rei e um reinado dentre outras regras e
práticas reconhecidas pela Igreja Católica.
No Maranhão a população negra teve um destaque expressivo destaca
Ferreti (2008) “onde o contingente negro é um dos mais expressivos na população
maranhense atingindo cerca de 70% dos habitantes”. Ele descreve a passagem do
africano, de sua terra de origem para o Brasil, para se tornar escravo, estando no nível
mais baixo socialmente deixando claro enquanto um ser desprovido de cultura, sendo
coisificado.

39
Já que não só o status, mas a própria “cor”, diante dos pensamentos e ações
abolicionistas, passou a ser um grande elemento de diferenciação entre os grupos.
Contribuindo para a formação de inúmeras maneiras de interação social. Como
demonstra citação seguinte:

As irmandades religiosas em São Luís formavam-se basicamente levando em


consideração a cor da pele, sendo o branco e o negro os extremos, enquanto
as outras categorias representavam graus intermediários. Era principalmente
na construção dos templos religiosos que se percebia a necessidade de se
diferenciar brancos e negros. Os brancos construíam as igrejas mais
suntuosas em locais privilegiados, enquanto que pardos e negros erigiam suas
igrejas em locais de menor destaque no panorama urbano. Todavia, a
preocupação em construir um templo pomposo era um objetivo tanto de
irmandades de negros quanto de brancos. (COE, 2007, p.4)

O fato da Igreja matriz se encontrar em uma distância muito grande das


colônias, do pouco investimento da Coroa portuguesa na construção de templos e o
número pequeno de sacerdotes oportunizou de acordo com Souza (2002) que essas
instituições se moldassem de tal maneira a não seguir a risca os preceitos da Igreja
Católica, formalizando seus próprios conceitos, principalmente no Maranhão. O
comando leigo das irmandades oportunizou a participação do homem negro nesta
instituição, de forma alguma fugiu do contexto escravocrata mesmo diante das regras e
limites impostos pela Igreja, na Capital do Maranhão, São Luís e em Caxias. O que se
observa é que com o passar dos anos, expressivamente no século XIX a cobrança não
era tão forte em consideração ao início da escravidão a respeito da entrada de escravos.

40
3. IRMANDADE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO NO
MARANHÃO: um processo de resistência.

A abordagem histórica das Irmandades e o embasamento sobre a escravidão


nos capítulos iniciais somatizou em nossa análise o indicativo de pertencimento e
influências destes à prática, ao universo a ser analisado sobre o Maranhão. O século
XVIII abordou em nossos estudos sobre as Irmandades Nossa Senhora do Rosário
elementos históricos e situacionais que identificaram a modelação de tal atividade. O
culto inicial em Portugal, a apropriação pelos africanos e o transporte desta soma
refletiram na América portuguesa, mais tardiamente Brasil um desembocar de
Irmandades desta linha pelo território. Reservamo-nos a pontuar sobre nosso estudo às
do Rio de Janeiro, Minas Gerias e Bahia para então compreender tanto por meio de
comparações como por elementos diferenciados a postura desta no Maranhão, na
Capital São Luís, e em Caxias. O interesse surge pelo fato das poucas irmandades que
aceitam a participação de escravos em suas práticas cristãs. Sendo o Maranhão como
um dos locais que mais receberam escravos durante a escravidão no Brasil é de notável
importância perceber como estes fizeram para se adaptar ou não neste universo.
As Irmandades Nossa Senhora do Rosário podem ser identificadas tanto
quanto na Europa, na África como em outras províncias do Brasil como uma válvula de
escape, a escravidão para os africanos escravizados e seus descendentes os aprisionou,
mas a abertura cristã ora pela distância, ora pela busca contínua de cristianização
oportunizou, mesmo indiretamente, para que os cativos obtivessem uma delimitada
participação no universo religioso europeu onde suas maiores práticas eram cerceadas.
Dentre a participação em irmandades a de Nossa Senhora do Rosário
simboliza claramente esta discussão, pois a participação do escravo negro e liberto em
sua formação, somado ao contexto de branqueamento da sociedade que perdurou o
século XIX, estas foram as verdadeiras marcas da expansão cristã e do embate com o
próprio governo. As regras cristãs entravam em conflito com as provinciais e as
proibições do Estado acabaram por fortalecer as práticas externas a adentrar e serem
efetivadas dentro das próprias Igrejas. Em nome da cristianização muita “vista grossa”
foi feita, a cristianização e a abrangência ao maior número de fieis que superava as
características da Igreja na Idade Média.

41
Luiz Mott (1997) pontua o panorama religioso reconstruído até agora,
agrupando os colonos do Brasil desde os autênticos e fervorosos aos indiferentes e até
hostis à religião oficial: os católicos praticantes autênticos aqueles que seguiam os
dogmas e ensinamentos impostos pela Igreja; os católicos praticantes superficiais, que
encenavam socialmente seus rituais e deveres obrigatórios cristãos; os católicos
displicentes com indiferença e por vezes praticando o que o autor chama de
“sincretismos” heterodoxos e por fim os pseudocatólicos, onde Mott (1997) inclui os
cristãos-novos que em sua maioria eram os escravos, de culto aos ancestrais, libertinos
e, que por conveniência e camuflagem frequentavam os rituais cristãos, mas mantinham
crenças heterodoxas ou sincréticas. A pontuação feita nos deixa com alguns
questionamentos: será que os religiosos destas Igrejas não desconfiavam de tais
práticas? Por que não intervir?
Quando elencamos o século XIX no Brasil, buscamos compreender
mediante as Irmandades de São Luís e a de Caxias, elementos que atestassem que o
escravo se fez pertencer ou se esquivou ao processo. Encontramos no Arquivo do
Estado Maranhão - APEM documentos que permitissem tal aprofundamento. Estes são
as Cartas de Compromisso das Irmandades Nossa Senhora do Rosário destes locais. O
escravo adentra as irmandades do Rosário e se tornam irmãos não deixando sua
condição inicial. A participação social significou uma resistência ou adaptação?
Para José d’Assunção (2009) as chamadas irmandades de negros
apresentavam-se como estruturas bastante úteis que cortavam transversalmente a
população afro e afrodescendente do mundo colonial, estas irmandades da modernidade
escravista-colonial organizavam também os pardos, brancos pobres, brancos abastados,
em seus próprios compartimentos sociais intencionando relacionar com o objetivo de
recolher possíveis benesses.

3.1. Irmandades do Rosário: a construção de suas cartas

As Irmandades da Capital, São Luís e a de Caxias são nossos objetos de


pesquisa para compreender e estabelecer diretrizes e permanências dos discursos feitos
sobre as Irmandades do Rosário de outras localidades já pontuadas. Temos em mãos as
cartas de Compromisso dessas localidades da Província do Maranhão regidas na
segunda metade do século XIX. A de São Luís foi aprovada no ano de 1851, e a carta da

42
Irmandade de Caxias, 1865. Foram levantados inicialmente a estrutura deste conjunto
de leis e o processo necessário para que se efetivassem. O andamento jurídico perpassa
inicialmente dentro da própria Igreja. A mesa eleita vigente da Irmandade é responsável
em elaborar o Compromisso e enviá-lo ao Bispado, sendo aprovado, é direcionado a
Assembleia Legislativa Provincial e esta efetua outras análises, com as devidas
considerações ligadas aos preceitos e regras que regem a Igreja e o Estado. A Mesa
eleita também era responsável pela avaliação e cumprimento da carta.
Devido ao crescimento econômico que a Capital passava no início dos
oitocentos, com a cultura de algodão São Luís desenvolveu um processo de urbanização
implantando e aperfeiçoando leis e regras para melhorar a configuração urbana da
cidade e diminuir a proximidade com outras capitais de grande destaque como Rio de
Janeiro, Paris. A grande questão de São Luís circunda a falta de estrutura urbana para
que os costumes e práticas europeias pudessem ser colocados em prática. O saneamento
básico, a iluminação pública deixava a desejar, não se tendo um controle das endemias.

Na segunda metade do século XIX, São Luís, capital da província do


Maranhão, era uma sociedade complexa e cheia de contrastes em que as
contradições eram evidentes e afloravam no dia-a-dia dos ludovicenses,
sendo estes ricos ou pobres. Sociedade escravista como o restante do Brasil,
São Luís tentava lidar com essa situação através de práticas que camuflassem
os verdadeiros costumes de sua população. (Gouveia Neto, 2008, p. 07)

De acordo com Diniz (2005) a fase de prosperidade econômica influenciou


também no aumento da população maranhense visto a entrada dos africanos
escravizados na Província nas primeiras décadas do século XIX, como mão-de-obra nas
lavouras e nos serviços urbanos. Esta afirmativa deixa claro que com a prática continua
de civilidade grande parte dos africanos de São Luís se transformaram em escravos
urbanos. Caracterizando uma construção social mais aberta do ponto de comparação
com os escravos rurais. Devido à proximidade com os meios de comunicação, e com
departamentos jurídicos, religiosos e governamentais.

Esse contingente negro significou também a presença significativa de uma


cultura que influenciou de diversos modos: a vida das pessoas na cidade;
através de palavras do dialeto africano, o vestuário, a alimentação com o forte
tempero, a religiosidade, com seus voduns, tambores, deuses e danças.
(DINIZ, 2005, p.18)

O contingente escravo diante do tráfico lucrativo de cativos se tornou


expressivo e a necessidade de controle por meio do governo foi inevitável. No entanto

43
com o fim do tráfico negreiro em 1850 e com a crise econômica que pairava sobre a
segunda metade do século XIX na Capital, em contraponto à exploração das minas em
outras regiões como Minas Gerais, o Maranhão não mais os comprava, e sim fornecia
escravos para outras localidades em auge econômico, sendo assim, o número de cativos
diminuíram.
A cidade de Caxias é a segunda cidade mais importante da Província do
Maranhão, uma região envolvida por revoltas como a Balaiada (1838-1840).

O outro espaço sertanejo atingido pela Balaiada foi o da região do Baixo


Sertão, onde localiza-se a cidade de Caxias, na zona do Itapecuru. Da cidade
de Caxias via rio Itapecuru os rebeldes atingiram o baixo Munim e ocuparam
a vila de Icatu, localizada na baía de São José, em frente à ilha de São Luís,
fato que se constituiu numa grande ameaça ao governo da capital. (SANTOS,
2011, p. 01)

Santos (2011) aponta que a historiografia consagrou a data 13 de dezembro


de 1838, como o início da revolta, quando do arrombamento da cadeia da Vila da
Manga pelo vaqueiro Raimundo Gomes adquirindo maior expressividade após a tomada
e ocupação de Caxias, ocasião em que os rebeldes de fato consolidam sua posição ao
assumir o poder político e administrativo da cidade. Esta revolta envolve-se com as
problemáticas entre as camadas sociais do sertão e o poder provincial. A falta de
assistência foi o grande precursor deste embate. Além do vaqueiro Raimundo Gomes a
historiografia aponta o negro Cosme como líder. As motivações do conflito foram sendo
somados e vários grupos se juntaram em nome da insatisfação.

Quando da eclosão da Balaiada, a Província do Maranhão, em especial o


interior, vivia uma situação de profunda violência, oriunda dos recrutamentos
indistintos, prisões indiscriminadas, trabalhos forçados. Como reação era
comum naquele contexto o arrombamento de cadeias, fugas de membros da
Guarda Nacional, assassinatos, suicídios e tantas outras formas de reação que
a população mais humilde adotou para demonstrar sua insatisfação, seu
descontentamento contra todos aqueles que para eles eram os culpados de sua
situação. (SANTOS, 2011, p.10-11)

É considerada na escrita de Meireles, Pacheco e Assunção (Apud


PINHEIRO, 2007, p.9) como o lugar de progresso, sendo considerado nos anos de 1800
o “grande empório do sertão”, “Caxias (...), o maior centro industrial e comercial da
zona sertaneja”. Localizada na interseção de várias rotas comerciais ligando o nordeste
com o sul do Maranhão e o litoral.

44
A cidade de Caxias revestia-se de grande importância, pois além de ser o
principal centro de população do interior da Província, destacava-se pela
atividade agrícola e pastoril. E principalmente pela sua posição geográfica, "a
cabeça” da linha fluvial do Itapecuru e a chave dos sertões do Parnaíba, do
Alto Itapecuru e mais, indiretamente, do Tocantins, tornaram-na, depois de
São Luís, a mais próspera, a mais rica cidade do Estado. (LOPES apud
Santos, 2011, p.02)

As caracterizações levantadas destas cidades contribuem para compreender


o contexto histórico em que se encontravam e assim perceber a construção destas
Irmandades embasadas no processo escravocrata.
O estudo sobre as Irmandades do Rosário possibilitou o levantamento de
vários elementos como: a entrada na Irmandade; os cargos; o dízimo; quem podia
participar; o negro; as regras; as documentações necessárias; a aceitação da Igreja; a
localização de irmandades em Igrejas de outros santos e a rivalidade entre as
Irmandades ora por fieis, ora por monopólio de algumas ações como o enterro, como
neste caso a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia.

Praticamente em todos os lugares em que houve a criação de uma irmandade


da Misericórdia, ela monopolizou vários serviços assistenciais, notadamente
os relacionados aos hospitais, cemitérios e recolhimentos. Essa centralização
de alguns trabalhos assistenciais ocasionou em São Luís conflitos entre ela,
as outras irmandades e diversas autoridades eclesiásticas, descontentes com
os privilégios dados aos irmãos da Misericórdia. Fervorosos embates são
encontrados entre a Misericórdia e outras instituições religiosas interessadas
em dividir os pomposos lucros adquiridos com os serviços praticados pela
instituição. As Santas Casas de Misericórdia, no caso de São Luís e de
algumas outras regiões do Brasil, controlavam vasta rede de hospitais,
recolhimentos, orfanatos e cemitérios. (COE, 2011, p. 1)

Em conjunto aos aspectos sociais a respeito da funcionalidade sobre os


funerais; a abertura social e a conquista da alforria. As festas de reis também foram um
dos elementos encontrados nestas escrituras de maneira diferenciada nas cartas que
seguem. O elemento diferencial da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário é o fato de
permitir a participação dos chamados “negros” enquanto escravos, libertos. O
assistencialismo entrelaça todas as práticas das Irmandades brancas como a da
Misericórdia e não seria diferente com as do Rosário onde o público algo se encontrava
em grande maioria à margem do sistema.

45
3.1.1. A Capital

Para a estruturação de uma Irmandade além do local de culto faz-se


necessária a construção de uma Carta de Compromisso, documento religioso e jurídico
que dá embasamento para sua formação. Ela é elaborada pelo grupo religioso com suas
propostas, capítulos, parágrafos e artigos, e direcionada à Assembleia Legislativa para
análise e aprovação. A carta funciona como um conjunto de regras internas e externas
que regem as práticas da Irmandade de acordo com o regimento da Província e da
Igreja. Ela descreve as funções de cada cargo, identificando suas principais obrigações
quando relacionados a enterros, missas, a festa do reisado. Neste caso como a Festa do
Rosário deve ser dirigida e sobre os valores que devem ser repassados à Igreja como
doação, dízimo e oferta. Determina quem pode participar da Instituição; sobre as
eleições de cada gestão anual e do patrimônio que a Irmandade contém. O parágrafo
inicial reza sobre o principal objetivo da Irmandade da carta de Compromisso do
Rosário que inicia:

Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário desta Capital.


Capítulo 1º. Da Irmandade em geral. Artigo 1º. O serviço e culto da Virgem
Nossa Senhora do Rosário constitui a parte essencial de seus deveres, a base
fundamental da obrigação de todos os seus Irmãos, na consideração do que
ordenamos este nosso Compromisso, o qual queremos e somos de commum
accordo que esta nossa Confraria vá por nós em augmento, (no qual até agora
temidos) e pelos mais vindouros Irmãos confrades. (IRMANDADE NOSSA
SENHORA DO ROSÁRIO, 1851, p. 1)

O elemento que agrupava os irmãos neste caso específico era a adoração à


Santa e a participação de irmãos escravos e libertos, característica esta percebida no
recorte acima quando retrata serem temidos – o aumento destes irmãos.

(...) irmandades religiosas no século XIX em São Luís do Maranhão, haja


vista que todos os indivíduos, quer negros (escravos ou não), mulatos ou
membros da elite branca, buscavam a participação nessas associações leigas
para adquirir projeção social e/ou confirmar o seu status perante a sociedade.
(COE, 2007, p.1)

Contudo na festa da Irmandade de Rosário os organizadores, como reza a


carta de Compromisso, deveriam ser brancos. Demonstrando a necessidade de outro
participante que possuísse outro grau financeiro podendo financiar a festividade, mas
não excluindo a existências de libertos ou até mesmo escravos como pontuaremos
adiante que possuam bens.

46
Há que se considerar outros personagens que se situam fora do que se
convencionou como normal no contexto escravista, pois se é real que o Brasil
se sustentou por mais de três séculos pela exploração escrava, também não
deixa de ser real que além de negros na condição de escravo, por diversos
mecanismos muitos negros também estiveram neste mesmo contexto na
condição de livre, e como tal, por certo estiveram mobilizando esforços para
se diferenciar dos que estavam como cativos. Mesmo os que estiveram na
condição de escravo não podem ser tomados como um grupo homogêneo.
(CRUZ, 2007, p.23)

A Carta indica que a Mesa administrativa era eleita anualmente contendo


um juiz, um secretário, um tesoureiro, um zelador, dois procuradores, um externo e
outro interno, doze irmãos sendo quatro que já haviam sido reis, quatro que já tenham
sido juízes, quatro irmãos quaisquer, os oito primeiros seriam os oficiais e os últimos
consultores, destes os cinco primeiros são funcionários da Instituição. O papel de cada
membro era efetivo para o trabalho da Irmandade, pois suas atividades estavam
atreladas as atividades que sustentavam a estrutura social desta Instituição. Além da
postura de cada cargo cabia à Mesa assistir todas as solenidades e funções religiosas.
Existe uma escala de importância deste grupo gestor onde o juiz é o primeiro
funcionário, responsável em presidir à Mesa administrativa e relacionar-se diretamente
com o governo e com a Igreja para zelar pelos direitos da Irmandade. A eleição da Mesa
é feita em todo dia 15 julho sendo a posse após o último dia do mês de dezembro do
mesmo ano. Os reis neste conjunto eram os grandes representantes festivos da
Irmandade do Rosário. Souza (2000) aponta que inspirada na tradição portuguesa a
escolha de reis e rainhas é uma tradição também no Brasil. A diferença entre as cortes
estaria que a do Brasil os cargos executivos e os títulos de nobreza da Mesa se separam:
os juízes e a mesa na direção das irmandades, os reis lideram os chamados “reinados”,
“folia”.
O Decreto da carta de Compromisso de São Luís foi sancionado no dia 1º e
publicado no dia 10 de novembro de 1851. Um ponto interessante nesta lógica é a
intervenção da Província nas práticas da Irmandade percebida na leitura do Decreto que
efetiva a carta de Compromisso do Rosário na Capital. A Assembleia Legislativa vetou
o Art. 32 da carta de Compromisso, não reconhecendo que esta Irmandade poderia
possuir bens de raiz. O fato de não poder possuir bens é um dos elementos também de
controle por meio do Estado para que não tornassem uma instituição até mesmo
independente. Quando se toma como análise uma Irmandade que permite a entrada de
escravos na estrutura destas instituições, partindo do apontamento levantado sobre o

47
número de escravos comparado com os colonos no Brasil é perceptível o modo de
controle sobre estes agrupamentos ora por meio do castigo, ora por direcionar, às vezes,
a entrada deste cativo nestes e, assim poder ter uma vigilância mais apurada com a
influência direta da cristianização. Como versa Russell- Wood (2005), independente dos
motivos que levaram à criação de diferentes irmandades, todas tinham de se ajustar aos
mesmos procedimentos para garantir a aprovação oficial.
A Carta de Compromisso de 1851 tece dez (10) páginas com cinco (5)
capítulos e (40) quarenta artigos. Os itens abrangem os aspectos gerais da Irmandade;
do governo e administração; dos oficiais e irmãos da mesa; do secretário; do tesoureiro;
do zelador; do procurador; as atribuições da mesa; das eleições; do patrimônio da
Irmandade e as disposições gerais. Na leitura da carta podemos inferir que a Mesa
administrativa seja negra, com abertura para brancos como descreve o Art. 26. Pela
festa do Rosário ser muito dispendiosa a Irmandade dava abertura para eleição de não-
irmãos para o cargo de Juiz.
Para pertencer à Mesa administrativa e a outras funções da Irmandade do
Rosário percebemos com a carta, que era necessário estar munido de uma boa quantia
de dinheiro. Sendo assim buscou-se analisar como estes escravos ou libertos
conseguiam sustentar tantos dízimos e ofertas. A motivação a essa ideia estaria ligada
com o fato de São Luís possuir mais escravos urbanos, e estes poderem acumular bens
mesmo que não permitidos pela Igreja e Província vindos dos seus trabalhos, de
testamentos e doações. Pereira (2006) pontuou que a partir do perfil das atividades
praticadas pelos escravos, eles poderiam ser classificados como de eito, ligado ao
trabalho agrícola; e urbanos podendo ser divididos em escravos de ganho e de aluguel.

A respeito do trabalho escravo em área urbana, vale salientar que foi mais
dinâmico na cidade de São Luís, a capital da Província, e um grande
entreposto comercial e portuário. Nela, os inúmeros trabalhadores escravos,
na condição de ganhadores ou de aluguel, praticavam as mais diversas
atividades. Os homens, entre outras, as de marinheiros, carregadores,
estivadores, oficiais da construção civil, de marcenaria, de barbearia. As
mulheres, por sua vez, ocupavam-se de serviços domésticos (como cozinhar,
lavar e passar), do comércio informal de alimentos (peixes, vísceras de gado,
frutas, doces) e outros artigos. Cabe observar que ainda eram parteiras e
amas-de-leite, sobretudo de filhos dos que constituíram as classes
dominantes. (PEREIRA, 2006, p.38)

O serviço e culto a Virgem Nossa Senhora do Rosário era o principal dever


da Irmandade, dos irmãos em si como já descrito, somado a admissão como versa a
carta:

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Podem ser Irmãos Todas as pessoas de um e outro sexo, que sendo de
costumes honestos queirão por sua devoção concorrer com seus bens e
serviços para o maior esplendor do culto da Virgem N.S do Rosário; e se for
pessoa escrava deverá apresentar licença por escripto de seu Senhor. (N.
SENHORA DO ROSÁRIO. Art. 2. 1851, p. 3)

O diferencial desta relação de irmãos escravos com o sistema escravocrata


estava nas regras que cerceavam sua liberdade nas ruas por meio dos códigos de
postura. Podendo ser praticadas dentro de uma Igreja reconhecida pelo Estado e
embasada juridicamente. O código de postura que vigorava em São Luís como aponta
Ferreti (2008) caracterizava as proibições deste povo que ficava à margem do social,
mas era um dos elementos que fortaleceram o modo de produção escravista por meio da
mão-de-obra, elemento formador do modo de produção escravista. E não só, como
coloca Gouveia Neto (2008) que para que a sociedade escravocrata tivesse controle
sobre as práticas citadinas da população de maneira geral, devido ao empenho de se
aproximar do estilo europeu. Como reza o Código de posturas que vigorava em São
Luís pela Lei n.º 775 de 04/07/1866, estava proibido aos escravos o trânsito pelas ruas e
praças além das 9 horas, sem autorização por escrito de seu dono; reuniões com mais de
quatro escravos em quitandas ou casas de comércio onde se vendessem bebidas
espirituosas e se praticassem rifas e jogos; a reunião de escravos em setores não
predeterminados pelo Estado como as Igrejas saía do controle acreditando estar sendo
feito um conluio contra a Sociedade. Proibia a realização de batuques fora dos lugares
permitidos pelas autoridades competentes; as práticas musicais do século XIX na
Europa divergiam totalmente a essas atividades simbolizando assim ainda atos bárbaros.
Estas práticas representavam um atraso na sociedade que buscava tanto parecer com os
costumes europeus. “Tornar São Luís uma cidade civilizada, moderna, com bons
hábitos”. (Gouveia Neto, 2008, p. 15). No entanto mais atrasado era o próprio processo
escravocrata.

49
De todas as questões apresentadas até aqui, que refletem a ideia de atraso no
qual se inseria a sociedade de São Luís, em relação aos ideais modernos de
civilidade, o problema da escravidão era um dos grandes sinônimos desse
atraso e refletia a grande distância que os brasileiros e, especialmente, os
maranhenses ainda teriam que percorrer um longo e estreito caminho para
tentar, pelo menos, mostrar-se na aparência civilizados. Apesar de grande
parte da população conviver “tranquilamente” com a escravidão, as práticas
mais cruéis não eram toleradas em público como estabelece o código de
posturas de 1866 no art. 99, ao proibir que os escravos andassem: pelas ruas
da cidade com gargalherias, grilhetas e outros instrumentos de castigo” e
“aquelles que assim forem encontrados, serão retidos por qualquer dos
fiscaes, que depois de tirar-lhes os mesmos instrumentos, os entregará aos
senhores, que pagarão a multa de dez mil reis, e o dobro nas reincidências.
(GOUVEIA NETO, 2008, p.14-15)

Essas medidas provocaram a maior participação dos negros, escravos, e


libertos às Irmandades, como ambiente que mesmo delimitado permitia certa expressão.

Contudo (...) não eram muitas vezes seguidas, o que não quer dizer que as
pessoas fizessem o que queriam. Havia, sim, um “consenso” entre os que
mandavam e os que sofriam as sanções, em que aqueles faziam de conta que
mandavam e estes faziam de conta que obedeciam. (GOUVEIA NETO,
2008, p.15)

É declarado na participação dos irmãos e da Mesa regida pelo


Compromisso citado que os irmãos participassem de todas as reuniões convocadas não
ocorrendo seriam aplicadas multas de uma libra de cira. E que a Mesa deva ir a todas as
solenidades exercendo a função religiosa. Uma das principais funções desta Mesa é
elaborar os regulamentos e dar as instruções adequadas para a execução do
Compromisso.
Diferente das confrarias do Rosário que Lucilene Reginaldo (2005) pontua
as práticas do Rosário no Maranhão, exige-se que para assentar-se como Irmão era
necessário, depois de admitida pela Mesa, desembolsa-se mil reis pelo menos assinando
um termo de sujeição às Leis do Compromisso em questão pagando anualmente a
prestação de trezentos e vinte reis à casa 5.

5
Art. 4° Para se assentar por Irmão é necessário que a pessoa admitida entre para o cofre da Irmandade
com a oblação de mil reis pelo menos, e que assigne termo de sujeição as Leis deste Compromisso, e se
obrigue á pagar em cada anno civil a prestação de trezentos e vinte reis. (N. SENHORA DO ROSÁRIO.
Art. 2. 1851, p. 3).

50
As confrarias do Rosário, por regra estabelecida em sua formação, não
levavam em consideração critérios de riqueza e estatuto social. Admitia todos
os cristãos “assim homens, como mulheres, de qualquer estado e condição
que sejam grandes, e pequenos”. Ninguém deveria ser obrigado a pagar coisa
alguma para entrar na confraria de modo que nenhum pobre deixasse de sê-lo
por estes motivos. (REGINALDO, 2005, p.57)

A principal função do juiz é presidir a Mesa. O tesoureiro deve possuir


bens, e como função guardar as joias, alfais, ornamentos e outros utensílios e levantar o
inventário da Irmandade, além de ser o responsável pelas missas no dia da Santa, do
Rosário. Sobre os bens da Irmandade era determinado em seu Compromisso que só
poderia possuir até a quantia de cinquenta contos de reis.
Sobre a festa para Nossa Senhora do Rosário cabe ao juiz eleito podendo ou
não pertencer à irmandade faze-la no 1º domingo de outubro. Onde os irmãos
responsáveis seriam os brancos. Os festeiros de cada ano são o rei, a rainha, o juiz e a
juíza. E nesta serão coroados os novos Rei e Rainha. E tomará posse os juízes para a
nova gestão.

Enquanto pode-se identificar uma variedade de irmandades com invocação


diferenciada de Santo, não se pode afirmar que nestas confrarias encontravam
se apenas pessoas negras. Em geral, não havia o veto explícito a brancos, pois
muitas vezes por carência de pessoas negras com domínio dos saberes da
instrução, recorriam-se aos brancos para ocupar cargos que exigiam o uso
destes conhecimentos. Havia também o interesse da irmandade de contar com
membros brancos detentores de propriedade que pudessem contribuir com
doações que os favorecessem. (CRUZ, 2007, p.27-28)

Até porque os escravos não tinham poder suficiente para proibir a entrada de
algum membro de cor branca, pois tal censura passava a ideia de que os
negros estariam discutindo em suas reuniões assuntos ilícitos, como a
liberdade de cativos, ou até mesmo organizando alguma rebelião. O máximo
que se poderia fazer era limitar o número de indivíduos brancos nas
irmandades negras. (COE, 2005, p.35)

Característica esta apontada por Coe (2005) de limitar a entrada de brancos


que não identificamos na Carta de Compromisso de São Luís.
O Rei e a Rainha reinavam durante um ano e eram responsáveis em
patrocinar a Festa. Caso não a realizasse eles deveriam pagar à Irmandade uma joia de
dez mil reis e quatro libras de cira. Além do rei e rainha eram eleitos também os
príncipes e princesas, devendo ser irmãos do Rosário também não sendo possível arcar
com as despesas ou por outros motivos deveriam pagar com uma joia e dois mil reis. Se
alguém do reinado morresse no ano em que estivesse servindo teriam direitos de serem

51
enterrados por conta da Confraria; duas missas de corpo presente e como contraponto
seus filhos seriam obrigados a servir em seus lugares.
Sobre o falecimento dos irmãos, a Irmandade se responsabilizava por
celebrar quatro missas em memória, um louvor das cinco chagas de Jesus Cristo. Caso o
irmão houvesse deixado dívidas os herdeiros ou testamenteiros dos falecidos deveriam
pagar as dívidas que excedem um ano, salvo no caso de pobreza. Significando caso
contrário a perda dos privilégios. Sendo mesário e irmão este em sua morte receberia
cinco missas em seu favor. O procurador, o juiz, juízas, tesoureiro, rei, rainha,
secretário, zelador e protetor, oito missas cada um. O sacerdote, sendo irmão, que as
celebrassem receberia a quantia de seiscentos e quarenta reis por cada missa.

Enterrar dignamente seus mortos era uma das prioridades dessas associações.
Todos os indivíduos deveriam tomar as devidas providências para que seus
parentes fossem acompanhados pelo maior número de pessoas na hora da
morte, dando grande solenidade aos enterros e, principalmente, conseguir um
lugar de destaque dentro das igrejas para o seu enterramento e de seus
familiares. (COE, 2007, p.8)

Existia toda uma preocupação da Irmandade em planejar missas tão quanto


que na carta eles detalham os afazeres de cada funcionário diante do processo. Sem
deixar um membro se quer desemparado. Fosse irmão ou funcionário. A preocupação
com a morte diante da leitura desta carta levanta muitos elementos que confirmam a
Irmandade e não só esta, como um grande meio de possuir uma vida pós-morte zelada
onde quanto mais missas, mais digna esta pessoa parecia ser, vale levantar o quão
dispendioso seria para adquirir tantos prestígios.
Outras Irmandades foram eretas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário
pagando anualmente: vinte mil reis, como responsabilidade do Rosário dava os sinais
dos sinos, quando do falecimento dos irmãos destas e de suas festividades, sendo pago
primeiro dois mil e quarenta reis ao sacristão. No entanto, a exposição do Santíssimo
Sacramento seria na quinta-feira santa e somente poderia ser realizada pelo Rosário, e as
outras Irmandades eretas nesta deveriam assistir.
A carta de Compromisso de Nossa Senhora do Rosário – 1851 nos dá
aparato para discutir. Neste documento é possível compreender a função de cada
membro e suas responsabilidades desde o nascimento até a morte, entoadas por rituais
de consagração e permanência. As funções vigentes de: presidente, tesoureiro, zelador e
associado. Divergindo, de acordo com seu status social, quem podia pagar mais pela

52
unção possuía mais privilégios, exemplos como dos enterros, a quantidade de missas
determinadas por quanto o fraterno contribuiu para a ereção da irmandade. O dízimo,
uma contribuição obrigatória tanto na entrada quanto para a permanência na
fraternidade.
A religião católica em São Luís ainda se apresentava como base social então
em sua maioria a população era vista em alguma Irmandade com o objetivo de ser
participe deste contexto social evitando o distanciamento social. Os valores de entrada
mais especificamente na de Rosário eram bem pertinentes o que demonstra o quanto
custava caro ser ligado a essas instituições. O discurso de inclusão contrapunha com os
valores de aceite.
A instituição do Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário-
Lei Nº 302 10.11.1851 ofereceu muitos elementos para contrapor ou até mesmo
acrescentar nos documentos que temos em mãos como a carta de Compromisso de
Caxias datada de 1865.

3.1.2. Caxias

O compromisso mais detalhista, um elemento interessante nesta Irmandade


observado na Carta é a proximidade do Bispado, na da Capital não identificamos esta
ligação tão clara. O decreto que aprova a Carta de Compromisso do Rosário de Caxias
foi sancionada e publicada no dia 14 de Junho de 1865. Em 7 de julho do mesmo ano a
carta foi aberta constando os seguintes itens: 13 páginas, 14 capítulos e 60 artigos, que
versava sobre Das qualidades e admissão dos irmãos; das obrigações dos irmãos em
geral; da mesa administrativa, de seus membros e empregados; das obrigações da mesa;
do presidente; do secretário; do tesoureiro; do provedor; do procurador; dos mesários;
do sacristão; das substituições; dos sufrágios e indutos dos irmãos; e as disposições
gerais.
Como já descrito era necessário à aprovação da Assembleia Legislativa
Provincial do Maranhão por meio do Decreto, este que rege, identificou quatro
considerações sobre essas leis: a primeira apontava que o artigo 30 não seguia a
Constituição do Bispado; a segunda questionava a existência de bens de raiz na
Irmandade e por fim declarava a necessidade de que a cruz apresentada em suas
formaturas deveria estar com manga nas cores da Igreja. Os dogmas que a Igreja
Católica formalizou e que com as Irmandades se distanciaram no século XIX na

53
América portuguesa não acontece tão claramente nesta reação pontuada acima. A
interferência do Bispado é claramente identificada, e mais ainda essa ligação não
excluiu uma reavaliação quando necessário. O que se percebe é um controle muito
grande das ações a serem praticadas pela Irmandade do Rosário e o esclarecimento
minucioso quanto a cada atividade. Quando o decreto questiona o uso da cruz despida o
questionador esclarece logo que tal atitude indica jurisdição, ou seja, o poder de decisão
e comando que no caso deixa-se claro não poder possuir.

Art. 2° Nesta approvação não se comprehendem:

§ 1.º As disposições do art.° 30 que permittem aos irmãos fal-


lecidos o maior numero de signais merecidos no Tit. 47. M.° 228 na
Constituição do Bispado, devendo estes serem feitos pelo modo determinado
na Constituição;
§ 2.º A autorização concedida pelo art.º 36 para possuir bens de raiz, devendo
os capitais da Irmandade ser empregados em _________ da divida publica
geral.
§ 3.º O direito que no art. 54, arrega a si a Irmandade para corperação uzar da
Cruz despida, direito este que indica jurisdição, devendo a mesma Irmandade
trazer a Cruz com manga, sendo esta da cor que a Igreja Maria nos dias em
que se derem tuas formaturas.

A independência que se concebe a essa Igreja estaria então pelo fato de


possuir sede própria, mas cabendo uma análise ainda mais apurada sobre como se dava
as atividades dentro da Irmandade ligadas ao Bispado. Independência esta destacada que
permitia a outras Irmandades poderem praticar suas atividades neste local, compartilhar
o espaço, mas seguindo as regras da sede.
Sobre o processo de admissão de Irmãos do Rosário da cidade de Caxias
chama a atenção o fato de aceitar somente pessoas livres, ou seja, a abertura para os
escravos não era permitida aos menos por meio do Compromisso. Uma Irmandade de
libertos. No entanto, Mariléia Cruz (2007) aponta em suas análises que A Irmandade da
Virgem Nossa Senhora do Rosário da cidade de Caxias em compromisso aprovado em 4
de maio de 1856 dava abertura para a participação escrava: se for cativo por seus
senhores em que se sujeitem a contribuir com as pensões da irmandade ficando isentos
de todos os empregos, salvo os de juízes, Rei, Rainha e Mordomos (Art. 2º), e para a
cultuação do reinado nas festas, diferente do que vemos no Compromisso de 1865 que
aceita somente libertos. Ela aponta sobre a reformulação do Compromisso e da
desestimulação pelo governo da distinção étnica o que contradiz as práticas das

54
Irmandades do Rosário do Rio de Janeiro onde o principal elo foi a origem étnica
africana.
Após a reformulação do Compromisso desta irmandade, pode-se perceber
com clareza o processo de transformação que vai ocorrer com as irmandades
negras no decorrer do século XIX, quando o governo desestimula as
distinções étnicas nos compromissos dessas confrarias. Essa questão pode ser
confirmada em diversos compromissos. Aprovados no Maranhão durante o
século XIX, dos quais aparecem em impressos de leis provinciais a partir da
década de 40. (CRUZ, 2007, p. 28-29)

O capitulo 1º da carta de compromisso falava Das qualidades e admissão


dos irmãos comprovando o ponto levantado acima sobre a entrada de libertos.

Art. 1° Toda a pessoa, quer de um sexo quer de outro, sendo livre, cathólica,
temente a Deus, modesta, caritativa, de bons costumes, que garanta as
obrigações, que se impuser pelo presente Compromisso poderá ser admitido
para Irmão de Nossa Senhora do Rosário.
Art. 4° Os termos de admissão serão lavrados no livro competente pelo
Secretário, e assignados pelo Presidente da Mesa, e pelo mesmo candidato
depois de satisfeitas a joia, e a primeira anualidade.

As obrigações dos irmãos giravam em torno dos bens, joias e capital,


direcionados no momento de admissão, de ano em ano e na necessidade de outras
atividades a respeito da Irmandade. No Capítulo 2, Das obrigações dos irmãos em geral
vemos mais detalhado as quantias a serem colocadas no processo:

Art. 6° os irmãos serão obrigados


§1° A entrar cada um com a joia de cinco mil reis na conformidade de que
fica disposto no final do art. 4°
§ 2° A pagar a annualidade de dois mil reis, sendo o primeiro pagamento
feito do modo estabelecido no mencionado art.4°, e os mais no fim de cada
anno.
§ 12° O Irmão que não houver pago todas as suas annualidades pelo espaço
de cinco anos será eliminado da lista dos Irmãos, salvo se se achar
compreendido nas disposições do art. Antecedente.

Os responsáveis pela colheita e cobrança era o tesoureiro. Estas quantias


expressavam o quanto era caro participar e perpetuar nesta Irmandade também. A
segunda metade do século XIX já representava um enfraquecimento dos laços da
escravidão, mas acreditar que esses libertos em sua maioria possuíam capital para tal
investimento é perceber que muitos dos irmãos eram indivíduos adverso à maioria
liberta. O reconhecimento social talvez estivesse acima do estabelecimento de gastos, às
vezes, imprevisíveis.

55
A Mesa administrativa era formada por dois presidentes: um vigário, o
Presidente Comissário, responsável pela festa do Rosário e outro Irmão, Presidente
direcionado às negociações econômicas; um secretário; um tesoureiro; um provedor que
também era o juiz da festa; o procurador; e os mesários.
A Mesa fazia todo o possível para que a festa a Nossa Senhora do Rosário
acontecesse anualmente no 1º domingo de outubro, sendo até publicado pela imprensa,
a organização deveria reunir-se quinze dias antes da festa; sendo que nesta festividade
ocorreria a eleição da nova Mesa, onde após 15 dias tomaria posse. O juiz e a Juíza têm
a responsabilidade de fazer a festa; serão escolhidos nove mordomos e nove mordomas
responsáveis por fazer as novenas.
O presidente só poderia gastar dez mil reis em cada projeto proposto. O
procurador era o responsável em convidar os Irmãos aos enterros e mandar
celebrar as missas; aos irmãos que falecessem eram rezadas três missas sendo uma delas
de corpo presente. Ao mesário três missas e ao Juiz seis missas. A Irmandade não
possuía um cemitério e por isso fica ao bel prazer de outras, no entanto a do Rosário
oferecia uma esquife e um caixão coberto. A preocupação com o enterro era de tamanha
importância que esta Confraria remeteu inúmeras medidas para que não deixassem
desolados seus Irmãos.
O historiador Mathias Röhrig Assunção (Apud Ferreti, 2008, p. 2) afirma
que:

As autoridades em certos momentos estavam mais preocupadas com as


revoltas de escravos do que com o “fetichismo” dos negros, mas em períodos
de intranqüilidade, ordenavam o fechamento dos batuques e a destruição dos
tambores. Cita Leis municipais em diversas cidades como (...) Caxias (1846),
(...) proibindo batuques e outras manifestações dos escravos, como por
exemplo: a Lei 225, de 1846 em Caxias, definia que “Fora dos lugares que
pela autoridade competente forem marcados, ficam proibidos os batuques,
cantorias e danças de pretos - Aos contraventores cinco dias de prisão, e dez
na reincidência”. Segundo outro artigo, “Pessoa alguma em sua loja,
quitanda, e outras quaesquer casas publicas consentirão escravos alheios em
ociosidade, ou entretidos com danças, jogos, ou fumando diamba. - Aos
contraventores multa de quinze mil reis, e o duplo na reincidência. Na mesma
pena incorrerão os que venderem bebidas espirituosas a pessoas embriagadas,
quer livres, quer escravas”.

Esta citação nos confirma essa insegurança que vinha por parte do Bispado
de controles diários. Caxias, na segunda metade do século XIX, de fato possuía todo um
histórico pós Balaiada, de desconfiança.

56
Com a Proibição do Tráfico Negreiro em 1831/1850, a Lei do Ventre Livre
de 1871, a Lei do Sexagenário de 1885 e a Lei Áurea 1888. Os escravos foram alguns se
perdendo na falta de aproveitamento da sua mão-de-obra, outros se adaptaram ao
contexto europeu e terceiros criaram seus modos de vida bem diferente do imposto. A
reformulação destes ex-cativos e libertos perpassaram pelos quilombos, pelos terreiros,
pelas Irmandades. Ora como resistência, ora como adaptação à prática da heterodoxia:
foi uma das formas de comportamento religioso que mais tiveram presentes nestas
instituições, a mistura de elementos da ortodoxia com práticas da cultura popular são
continuamente vista como principal exemplo a Festa do Reisado.
A principal diferença entre a Irmandade do Rosário de São Luís e de Caxias
está na datação, na admissão de irmãos quando enquanto que na Capital permitia a
entrada de escravos mediante o documento por escrito do seu senhor, na de Caxias já é
permitido a entrada de libertos, em exceção a escravos, levado em conta que as Cartas
de Compromisso são modificadas de acordo com a necessidade de cada Mesa
administrativa influenciada pela sua gestão e contexto social vigente que no caso de São
Luís por ainda ser uma prática contínua vista a colocação de escravo urbano e as
atividades citadinas estarem ligadas quase que por completo à sustentação social da
estrutura econômica perduram. Percebemos também que a relação étnica ao menos em
meados do século XIX, mediante nossa carta de compromisso e outras literaturas já não
serem tão efetivas sobre a determinação da crença religiosa nas Irmandades do Rosário,
o ponto em comum estaria na crença a Nossa Senhora do Rosário, mas também não
fechando para possíveis laços encobertos ligados a sua origem étnica.
O sincretismo religioso é acusado como o maior integrador desta construção
do Rosário. A abertura dada desde Portugal para uma mescla de práticas culturais e
religiosas permitiu dentre outros aspectos diferenciais da cultura africana de se
destacarem dentro do universo da América portuguesa e mais especificamente do
Maranhão com a reformulação da Irmandade Nossa Senhora do Rosário.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modo de produção escravista de fato foi o cenário para a expansão do


cristianismo e vice-versa. Muitos homens à converter e muitos convertidos para
trabalhar. Identificamos a relação entre Portugal-África-América portuguesa como um
reforçador para a prática de tal modelo imbricado. A Europa colonizou esses espaços,
mas não conseguiu se distanciar do objeto, o sincretismo e a heterodoxia simbolizam tal
relação. O rosário foi um dos elementos europeus assimilados e reformulados pelo povo
africano no âmbito religioso que desembocaram na prática cristã acirrada dentro do
território brasileiro dos oitocentos.
As irmandades construíram um elo muito próximo à comunidade do século
XIX tendo destaque a de Nossa Senhora do Rosário por possuir uma carga de referência
negra em sua formação. A procura por essas instituições dentro deste recorte temporal
significou uma possibilidade de mudança acerca da condição de escravo ora pela
alforria ora pelo reconhecimento social.
A análise das cartas de Compromisso de Nossa Senhora do Rosário no
Maranhão apresentaram elementos importantes para identificarmos a entrada do escravo
neste meio social. Na permissão dada para que participasse da Irmandade, remetendo
um laço próximo, ao menos cristão deste senhor que concebia, percebemos a real
transformação do contexto quando é apresentada a entrada na mesma Irmandade em
tempos diferentes ora a admissão de escravos ora a de condição de libertos, São Luís e
Caxias.
O grande diferencial da condição de escravo neste recorte maranhense, no
caso de São Luís que nos fez compreender a possibilidade de adentrar esta Irmandade,
era seu status de serem em sua maioria escravos urbanos, sendo assim capazes de
acumular bens que possibilitassem a entrada nestas entidades e a manutenção dos
dízimos e contribuições, visto que, as taxas de admissão eram bem altas para a condição
narrada de escravidão.
O imaginário religioso permeou como um enlace entre nações de cada
“canto” do mundo, uma representatividade europeia revestiu-se de características
africanas e se fortaleceu em terras ameríndias. O rosário absorveu o espírito africano e
desde em diante é reconhecido como Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos pretos.
Um espaço de sociabilidade, de amparo, de resistência e por vezes de adequação. A

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ligação à Igreja matriz fora por muitos séculos de forma distante, as regras foram
reformuladas e moldadas de acordo com a comunidade mais próxima.
O escravo reformulou sua crença, a Igreja renovou seus conceitos, mas os
dogmas eram os mesmos. A cristianização passou por cima de muitas leis internas para
a conquista de cristãos. No século XIX vemos como o trabalho das Irmandades foi
essencial para o aumento no número de cristãos. A porta estando aberta a todos, como
controlar a entrada e saída? Nada melhor do que dogmas, preceitos e regras para tentar
reeducar um homem. As cartas de Compromisso estariam nesta função, de controlar as
atividades da casa e a vida dos irmãos, ainda mais sendo estas, elementos que
reforçavam a falta de civilização. O senhor de escravo oprime com violência e
indiferença e a Igreja modela e revela a onipotência.
Neste estudo apresentou-se a formação das cartas de Compromisso: os
membros admitidos, as regras, o bem em comum aos Irmãos do Rosário ligados a figura
de Nossa Senhora. Percebemos que a depender do recorte temporal e às Mesas
administrativas as cartas eram modeladas e reajustadas como identificamos nas cartas
de Caxias.
Esperamos que nossa literatura tenha sido proveitosa ao ponto de ampliar e
acrescentar seus conhecimentos sobre o papel da Irmandade Nossa Senhora do Rosário
como elemento ligante do escravo africano e descendente ao processo de resistência
neste modelo escravista nos oitocentos.

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