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UNIVERSIDADE DO MARANHÃO-UEMA

CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CAXIAS-CESC


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA-DHG
CURSO DE HISTÓRIA

ALLEF GUSTAVO SILVA DOS SANTOS

“DEIXOU DE PADECER, A MORTE O AMPARE. HUM ASILO JÁ TEM NA


SEPULTURA”: sepultamentos eclesiásticos e o culto civil aos mortos em Caxias-MA na
segunda metade do século XIX (1850 a 1899)

Caxias-MA
2021
ALLEF GUSTAVO SILVA DOS SANTOS

“DEIXOU DE PADECER, A MORTE O AMPARE. HUM ASILO JÁ TEM NA


SEPULTURA”: sepultamentos eclesiásticos e o culto civil aos mortos em Caxias-MA na
segunda metade do século XIX (1850 a 1899)
Monografia apresentada ao curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão para o grau de
Licenciatura plena em História.
Orientadora: Prof.ª Dra. Antonia Valteria Melo
Alvarenga.

Caxias-MA
2021
S237d Santos, Allef Gustavo Silva dos

Deixou de padecer, a morte o ampare. Hum asilo já tem na


sepultura: sepultamentos eclesiásticos e o culto civil aos mortos em Caxias-
MA na segunda metade do século XIX (1850 A 1899) / Allef Gustavo Silva dos
Santos.__Caxias: CESC/UEMA, 2021.

127f.
Orientador: Profª. Dra. Antonia Valteria Melo Alvarenga.

Monografia (Graduação) – Centro de Estudos Superiores de


Caxias, Curso de Licenciatura em História.

1. Morte. 2. Cidade. 3. Sepultamento - Cemitério. 4. Culta I. Título.


CDU 393.92(093)

Elaborada pelo bibliotecário Wilberth Santos Raiol CRB 13/608.


ALLEF GUSTAVO SILVA DOS SANTOS

“DEIXOU DE PADECER, A MORTE O AMPARE. HUM ASILO JÁ TEM NA


SEPULTURA”: sepultamentos eclesiásticos e o culto civil aos mortos em Caxias-MA na
segunda metade do século XIX (1850 a 1899)
Monografia apresentada ao curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão para o grau de
Licenciatura plena em História.

Aprovado em: 16/08 /2021

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Antonia Valteria Melo Alvarenga (orientadora)


Doutora em História Social
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Doutora em Direito –UNLZ-AR

Prof. Dr. Alcebíades Costa Filho


Doutor em História
Universidade Federal Fluminense (UFF)

Prof. Me. Benilton Tôrres de Lacerda


Mestre em História
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
À minha família.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pela condução de minha mente e imaginação em


tudo o que me dedico a refletir e desenvolver. Agradeço a minha família, na pessoa de minha
mãe Francinete da Silva, pela paciência mesmo nos momentos em que me encontrei muito
atarefado, bem como, pelo zelo, firmeza, simplicidade e honestidade com os quais buscou
caracterizar nossa família. Agradeço ao professor Benilton Tôrres de Lacerda pela ideia de
desenvolver um projeto de bolsa cultura sobre arte tumular em Caxias, projeto que deu
fundamentos a esta pesquisa. Ao meu amigo Emanuel Pereira, por ter sempre se disponibilizado
a ir comigo fotografar as igrejas e os cemitérios, muito paciente e dedicado. Agradeço a
professora Antonia Valteria por ter aceitado meu projeto para orientação, assim como, as
observações, questionamentos e contribuições sempre necessárias e instigantes. Meus sinceros
e cordiais agradecimentos à professora Cláudia Rodrigues da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro-UNIRIO, pelas contribuições teóricas e metodológiacas, de peso muito
importante na pesquisa dado que é uma especialista com grau de doutourado na área. Ao padre
Ribamar da Igreja de São Benedito e Mons. Rios da Igreja Nª Senhora da Conceição e São José,
o primeiro tanto pelas conversas e reflexões quanto pela disposição em conhecer a história da
Igreja na qual é sacerdote, ao segundo pela humildade e paciência com que me recebeu, se
dispondo a mostrar os altares e imagens da Igreja sob sua responsabilidade. Agradeço aos
professores Akman Viana e Mercilene Barbosa, pelas conversas, reflexões, incentivo e ajuda.
E não poderia deixar de fazer um agradecimento ao senhor bispo D. Sebastião, pela recepção
atenciosa que me proporcionou no palácio episcopal, onde de pronto me autorizou a fotografar
o interior da Igreja Catedral de Nª Senhora dos Remedios. Agradeço por fim, ao Júnior da Igreja
de São Benedito e ao Pedro da Igreja de Nª Senhora da Conceição pela visita guiada que me
proporcionaram a estas igrejas.
“Ele podia ter descido da Cruz, mas preferiu levantar-se do túmulo”
(Santo Agostinho)
RESUMO

Este trabalho, de caráter historiográfico, tem por finalidade descrever e contextualizar o


processo de instituição dos cemitérios eclesiásticos de São Benedito e Nª Senhora dos Remedios
em Caxias-MA, observando as especificidades do contexto histórico de transição de uma
sociedade católica religiosa para uma civil-secular na segunda metade do século XIX,
fundamentado na perspectiva do discurso médico-higienista e reformulação do espaço urbano.
Busca-se fornecer informações e dados que possivelmente suscitaram a transição dos
sepultamentos das elites no interior das igrejas aos espaços cemiteriais a céu aberto, utilizando
como fonte: periódicos, coleções de leis e decretos, compromissos das irmandades religiosas
locais e regulamentos. Fundamenta-se e teoriza-se o processo através dos autores: Ariès (2012)
“História da morte no Ocidente”, Vovelle (2010) “As almas no Purgatório”, Rodrigues (1997 e
2005) “Lugares dos mortos na cidade dos vivos”, “Nas fronteiras do além: a secularização da
morte no Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX)”, Reis (1991) “A morte é uma festa: ritos
fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX” e Coe (2008) “Nós, os ossos que aqui
estamos, pelos vossos esperamos: a higiene e o fim dos sepultamentos eclesiásticos em São
Luís (1828-1855).

Palavras-chave: morte, cidade, cemitério, sepultamento, culto.


RESUME

This work, of historiographical character, aims to describe and contextualize the processo f
istitution of the ecclesiastical cemeteries of São Benedito and Nª Senhora dos Remedios in
Caxias-MA, observing the historical contexto of transition from a religious to a civil Catholic
Society-secular in the second Half of the 19th century, based on the perspective of the medical
hygienist discourse and the reformulation of urban space. The ai mis to provide information
from the burials of elites inside churches to open-air cemetery spaces, using as a source:
periodicals, colletions of laws and decrees, commitments of local religious brotherhoods and
regulations. The process is based and theorized through the authors: Ariès (2012) “History of
death in the West”, Vovelle (2010) “Souls in Purgatory”, Rodrigues (1997 and 2005) “Places
of the dead in the city of the living”, “On the frontiers of the beyond: the secularization of death
in Rio de Janeiro (18th and 19th centuries)”, Reis (1991) “Death is a party: funeral rites and
popular revolt in 19the century Brazil” and Coe (2008) “We, the bonés that are here, are waiting
for yours: hygiene and the endo f ecclesiastical burials in São Luís (1828-1855).

Keywords: death, city, cemetery, burial, cult.


INDICE DE IMAGENS

Figura 1: Lápide de João Manoel Bacharias. Igreja de São Benedito. Imagem atual .............. 71
Figura 2: Lápide do Coronel Pretextato. Igreja de São Benedito. Imagem atual ..................... 72
Figura 3: Lápide do Padre João Joaquim Guimarães. Igreja de São Benedito. Imagem atual . 72
Figura 4: Lápide de D. Antonia Emilia dos Santos Carvalho. Igreja de São Benedito. Imagem
atual .......................................................................................................................................... 73
Figura 5: Lápide de D. Hortência Rodrigues Villa Nova. Igreja de Nª Senhora dos Remedios.
Imagem atual ............................................................................................................................ 73
Figura 6: Lápide de Antonio Rodrigues da Silveira. Igreja de Nª Senhora dos Remedios.
Imagem atual ............................................................................................................................ 74
Figura 7: Lápide de Manoel Pinto Ribeiro. Igreja de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual
.................................................................................................................................................. 74
Figura 8: Lápide de Eusebia Maria da Conceição. Igreja de Nª Senhora do Rosário. Imagem
atual .......................................................................................................................................... 75
Figura 9: Lápide do capitão Francisco Antonio Antunes. Igreja de Nª Senhora do Rosário.
Imagem atual ............................................................................................................................ 75
Figura 10: Lápide de D. Genoveva de Oliveira Pereira. Igreja de Nª Senhora do Rosário.
Imagem atual ............................................................................................................................ 76
Figura 11: Faixada do cemitério São Benedito, Caxias-MA. Imagem atual ............................ 90
Figura 12: Mausoléu do fim do século XIX no cemitério São Benedito. Sem identificação.
Imagem atual ............................................................................................................................ 90
Figura 13: Mausoléu decorado externamente com pedras de granito. Dentro, um crucifixo
médio e o teto semelhante ao de uma capela. Imagem atual .................................................... 91
Figura 14: Vista frontal interna do lado direito do sentido ao interior do cemitério São Benedito.
Ao fundo pode-se notar o topo da Capela cemiterial. Imagem atual ....................................... 91
Figura 15: Rua central do cemitério São Benedito sentido a Capela. Do lado esquerdo dois
mausoléus modernos. Imagem atual ......................................................................................... 92
Figura 16: Túmulos com cruzes e oratório no cemitério São Benedito. Imagem atual ........... 92
Figura 17. Faixada do Cemitério de Nª Senhora dos Remedios. Imagem recente ................... 94
Figura 18: Capela cemiterial de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual ............................. 94
Figura 19: Túmulo do século XIX pertencente à família Cruz no Cemitério de Nª Senhora dos
Remedios. Imagem atual .......................................................................................................... 95
Figura 20: Túmulo do século XIX no cemitério de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual95
Figura 21: Cruz do cemitério de Nª Senhora dos Remedios e, desfocado ao fundo o Anjo
espreme-limão. Imagem atual................................................................................................... 96
Figura 22: Vista diagonal, sentido interior para a frente do cemitério de Nª Senhora dos
Remédios com enfoque nos túmulos paralélos à lateral da Capéla Cemiterial. Imagem atual 96
Figura 23: Túmulos do interior da Capela cemiterial de Nª Senhora dos Remedios, ao todo 6
túmulos. Imagem atual ............................................................................................................. 97

INDICE DE TABELAS
Tabela 1: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora dos Remedios. ............................... 77
Tabela 2: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora da Conceição e São José. .............. 77
Tabela 3: Relação de sepultados na Igreja de São Benedito. ................................................... 78
Tabela 4: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora do Rosário. .................................... 78
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

1 OS ESPAÇOS DOS MORTOS NO OCIDENTE MEDIEVAL E A


INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS CEMITÉRIOS MODERNOS ..................................... 19
1.2 RUPTURAS E CONTINUIDADES ............................................................................ 19
1.3 O RITO E SEU LUGAR COMO PROBLEMA........................................................... 24
1.4 O CEMITÉRIO NO BRASIL OITOCENTISTA ......................................................... 26

2 A ARTE DO “BEM MORRER” NOS TESTAMENTOS E OS RITOS NOS


REGISTROS DE ÓBITO EM CAXIAS (1877-1883) ......................................................... 31
2.2 “NA FORMA DO RITUAL ROMANO”: OS ÓBITOS COMO REGISTROS DOS
RITUAIS FÚNEBRES (1877 a 1883) ..................................................................................... 38

3 “A NECROLOGIA DE MEIO SÉCULO”: MEDICALIZAÇÃO DA SOCIEDADE


E A SECULARIZAÇÃO DA MORTE ATRAVÉS DO DISCURSO HIGIENISTA....... 44
3.2 “A TERRA TE SEJA LEVE”: A SECULARIZAÇÃO DA MORTE ......................... 53

4 O SERVIÇO DAS IRMANDADES E A ARTE TUMULAR AD SANCTUS EM


CAXIAS ................................................................................................................................... 63
4.2 O OFÍCIO FÚNEBRE NAS PAREDES E NA HISTÓRIA DAS IGREJAS EM
CAXIAS ................................................................................................................................... 67

5 A INSTITUIÇÃO DO CULTO CIVIL-SECULAR AOS MORTOS E AS


NECRÓPOLES ECLESIÁSTICAS DE CAXIAS ............................................................... 79
5.2 CEMITÉRIO DE SÃO BENEDITO ............................................................................ 88
5.3 CEMITÉRIO DE Nª SENHORA DOS REMEDIOS ................................................... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 98

FONTES ................................................................................................................................ 100

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 102

ANEXO A – Testamento do major Alexandre Bernardo de Siqueira ................................... 105


ANEXO B – Testamento de João de Sá................................................................................. 109
ANEXO C – Regulamento do Cemitério provisório da cidade de Caxias (1857)................. 110
ANEXO D – Orçamento do Cemitério público ..................................................................... 112
ANEXO E – Tabela de óbitos catalogados (1877-1883) ....................................................... 113
ANEXO F –Túmulos dos bispos D. Luís Marelim e D. Luís de Andreas na Igreja de Nª Senhora
dos Remedios.......................................................................................................................... 118
ANEXO G – Relação de temáticas fúnebres nos jornais locais (1850-1899) ....................... 119
ANEXO H – Igreja de Nª Senhora da Conceição e São José ................................................ 123
ANEXO I – Igreja de São Benedito....................................................................................... 124
ANEXO J – Igreja de Nª Senhora dos Remedios .................................................................. 125
ANEXO K – Igreja de Nª Senhora do Rosário ...................................................................... 126
ANEXO L – Planta do Cemitério de Nª Senhora dos Remédios........................................... 127
13

INTRODUÇÃO
Observar na instituição dos espaços, as formas e necessidades, que permeiam a
narrativa historiográfica das cidades. É com este intuito que buscaremos desenvolver nas
páginas deste trabalho uma descrição dos espaços fúnebres da cidade de Caxias-MA, na
segunda metade do século XIX e, apontar a sua correlação com o contexto histórico de
separação entre vivos e mortos como aspecto da urbanidade e civilidade propagadas no
oitocentos. A pergunta norteadora da pesquisa será: como se deu o processo de transição dos
sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam1 em Caxias na segunda metade do século XIX?

A morte no contexto caxiense, que preferivelmente figurará nas páginas deste


trabalho, é a morte católica, tomada em pontos específicos, como os ritos, as atitudes do jacente
diante da morte, as imagens que o imaginário religioso concebe da morte, caracterizando-se
neste período pelas práticas de sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam, cuja classe social que
mais se utiliza deste local de sepultamento e status ao mesmo tempo é a elite local. E do interior
das igrejas para os espaços extramuros, os cemitérios eclesiásticos ou campos santos,
preservarão este sistema até a criação dos cemitérios civis, com características seculares, dado
que em Caxias os dois primeiros espaços de sepultamento oficiais e de boa estrutura, fora das
igrejas, pertenciam às irmandades de Nª Senhora dos Remedios e do Glorioso São Benedito
respectivamente.

Desta forma, a temática morte de acordo com uma observação histórica, foi tomada
como natural em outras épocas2 a exemplo do medievo3, e na passagem da baixa Idade Média
para o período moderno com o barroquismo4, ela se enriquece de representações, do morto, do
além, dos santos intercessores e da própria morte, isto dentro dos templos e em capelas5

1
Expressão em latim para sepultamentos realizados no “interior e entorno” das igrejas.
2
Remete-se às pesquisas de Ariés (2012) e Vovelle (2010). Onde a primeira busca historicizar a morte através das
atitudes diante da morte e das transformações de concepções sociais e religiosas principalmente durante a Idade
Média até os primórdios da modernidade e, a segunda busca desenvolver conexões entre representações do além
em retábulos de igrejas a partir do século XVI.
3
Na Idade Média se constrói o conceito de “boa morte”. Uma morte preparada, organizada. A pessoa sabe em que
momento falecerá e, portanto, prepara seu próprio funeral, em algumas vezes até o dirige, porém, a ideia é a
percepção de uma estreiteza entre a vida e a morte, a última como fiel cumpridora dos desígnios de Deus.
4
Estilo artístico e literário, surgido do contexto de contra reforma nos fins do século XVI, primeiramente na Itália,
que tinha entre outras características, a da expressividade das imagens, por exemplo, e impressões gestuais
“comoventes”. Alguns traços desta arte nas representações do purgatório, podem ser vistas nos retábulos das
igrejas europeias com a inserção de São Francisco de Assis e da Virgem comedida, pois algumas representações
mais antigas trazia a mesma como os seios de fora, e, com o cristo em forma de criança. Obviamente existe muito
mais, no entanto não nos alongaremos neste assunto.
5
A Não é algo distante do que poderia ocorrer no Maranhão e em outras partes do Brasil, pois, se para muitos o
destino de seu cadáver poderia ser uma estrada, mato ou o quintal da própria casa, as elites tinham tanto o espaço
das igrejas quanto suas capelas particulares e, um exemplo é encontrado no Jornal A imprensa, 1858, n°15, p.04.
Diz o periódico que o Tenente Procopio Pereira da Costa, natural de Caxias, faleceu em sua fazendo e teve “seus
14

particulares na Europa ocidental para depois serem colocadas em um espaço distinto, o


cemitério público ou campo santo, uma das formas de definição deste espaço no Brasil do
século XIX.

Fora das igrejas e das catedrais a morte e os espaços de sepultamento descolados


dos templos religiosos e para além dos muros das cidades, viraram referencias para a urbe ainda
com ares medievais nesta transição para a modernidade, porém, auxiliada pelo estilo artístico
barroco insere no espaço urbano um processo de monumentalização observado nos túmulos e
mausoléus.

Michel Vovelle (2010), por exemplo, em “As almas do purgatório” aborda a


história das representações do além nos retábulos das igrejas católicas europeias, elencando
algumas concepções imagéticas do além, especificamente do purgatório, e como elas passaram
de um lugar a outro do continente alinhando-se às percepções e interpretações que lhes
conferiam as irmandades ou confrarias. Aponta ainda o caráter flexível do sistema de
representações na medida em que destaca as incorporações novas de representações do mundo
post-mortem sob influência do contexto local. Philippe Ariès (HISTÓRIA DA MORTE NO
OCIDENTE, 2012), por outro lado, descreve e analisa o processo de instituição dos cemitérios
públicos no Ocidente, sobretudo europeus e dos EUA, tendo grande mérito esta pesquisa na
percepção do nascimento da “morte silenciosa”, aspecto que separa a morte no século XIX em
relação aos anteriores, além de apontar para a secularização da morte na França entre os séculos
XVII, XVIII e XIX. Por fim, salienta-se que estas obras fazem parte de um campo teórico da
pesquisa, de onde a que se mencionar ainda “Ideologias e mentalidades” (VOVELLE, 1991),
como aporte para concepções acerca do imaginário, as quais acentuam esta transição da morte
na história humana ocidental do medievo à modernidade.

No Brasil especificamente, a morte ritualizada e espetacularizada, foi instrumento


de representações e devoção católica da colônia ao Império, contudo, no regime monárquico
cujo Estado independente continuava confessional católico, algumas medidas foram instituídas,
e para alguns pesquisadores a lei de 1828 que tratava das atribuições municipais seria um dos
marcos político-institucional destas mudanças, pois a mesma lei previa que além de
melhoramentos urbanos, era de competência dos municípios construírem seus cemitérios, mas,
sem o incentivo financeiro as práticas de enterramentos nas igrejas permaneceriam até meados

restos mortaes sepultados em uma Capella particular na sua fazenda, por haver antes de exhalar o ultimo suspiro
pedido, que ahi tivesse seo corpo eterno jazigo”.
15

de 1850, para a população católica livre e de boa condição principalmente. Em “A morte é uma
Festa” (REIS, 1991) o autor traz este conflito entre as práticas religiosas socialmente aceitas e
as novas medidas suscitadas pela lei de 1828, a exemplo da cemiterada na cidade de Salvador-
BA em 1836.

Contudo, é necessário buscar no Brasil, o que elevou a necessidade da instituição


dos espaços dos mortos ou “Lugares dos mortos na cidade dos Vivos” (RODRIGUES, 1997),
dado que, de acordo com Cláudia Rodrigues, mesmo na corte a preocupação com os cemitérios
parece estar muito mais presente entre as décadas de 1850 e 1860, período de intensa
transformação urbana trazendo a iluminação a gás, pequena indústria ferroviária, mas
igualmente de resultados ruins da política urbana até então difundida fazendo proliferar doenças
infecto-contagiosas e epidemias como a febre amarela.

Na província do Maranhão ocorre algo semelhante ao que Rodrigues (1997)


descreve no Rio de Janeiro, no entanto, o processo que se segue em período de tempo mais
rápido na capital, São Luís, é lento no interior. O pesquisador Agostinho Junior Holanda Coe
(2008) em “Nós, os ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos: a higiene e o fim dos
sepultamentos eclesiásticos em São Luís (1828 a 1855)”, remete a dois fatores importantes: as
representações e a ideologia higienista, ambas encontradas em Caxias sob a forma dos discursos
fúnebres, lápides, notícias de jornais e da própria legislação. A cidade entre 1850 e 1860 viveu
um surto de “febre” e de doenças infecciosas a exemplo da “Cólera”6.

Desta maneira, antes da organização urbana e da implementação de práticas


sanitaristas nas cidades, que passariam por um processo de modernização, várias necessidades
humanas eram realizadas de forma desordenada produzindo efeitos danosos para a saúde e o
bem-estar da população. A morte e a vida nem sempre foram tratadas como etapas distintas
desse processo. Assim, os mortos em alguns contextos culturais, não tinham um espaço
exclusivo para seu descanso, passando seus corpos a disputarem espaços com os vivos nos
ambientes habitáveis7.

6
Nos jornais, a exemplo do JORNAL DE CAXIAS. 1851, n°276, p.01; O TELEGRAPHO, 1850, n°248, p.01,
A IMPRENSA. 1857-1860, entre outros, existe uma preocupação em relação a doenças infecciosas e contagiosas,
como Cólera e Febre amarela.
7
Algumas comunidades rurais de Maranhão mantiveram até a pouco tempo, o hábito de sepultar seus entes
queridos nos terreiros de casa, mantendo com os falecidos uma relação de intimidade, proximidade e convívio
diário. Esse tipo de prática pode ser observado, por exemplo, em vários trechos da BR --- que liga Caxias-MA a
Teresina-PI.
16

A segunda metade do século XIX exibe um processo de transição forte que ocorre por
motivações políticas, sociais e sanitárias. Entre 1850 e 1860, uma epidemia de febre amarela
impele a modificações de pensamento e das estruturas urbanas de muitas cidades8, sobretudo
das capitais. De 1850 a 1889 o regime escravista passava, de uma prática legalmente constituída
a uma forma juridicamente inescrupulosa9 de se tratar um ser humano culminando na abolição
da escravatura. Nesse período igualmente, a monarquia patrocinou a entrada de estrangeiros10
europeus, com o intuito de substituir gradativamente a mão de obra escrava por uma livre e
especializada, elevando o contingente populacional em algumas regiões e, introduzindo novas
práticas culturais, cujo resultado pode ter sido, no campo fúnebre, um aumento dos espaços de
sepultamento de características seculares, denotando nesta sucessão de acontecimentos e
transformações a passagem de um imaginário popular imbuído dos ritos e sacralidades
presentes até meados da segunda metade do século XIX, para, se dissociarem gradativamente
na esfera do Estado e do imaginário da sociedade urbana culminando na separação entrte Estado
e Igreja.

Na cidade de Caxias desde antes da década de 1850 pode-se observar em seus


periódicos a preocupação com o espaço urbano. Parte da elite e classe política se debruçam nas
discussões de melhoria das ruas, calçadas11, iluminação pública e a moralidade urbana12. As
companhias de vapor13 levam as mercadorias, trazem produtos manufaturados14 e notícias da
capital, cujo porto funciona como uma espécie de difusor das ideias, dos acontecimentos de
fora do Brasil e da própria capital provincial, mas levam as informações da cidade de Caxias às
autoridades, entre elas o presidente da assembleia provincial e os demais membros do
legislativo.

De acordo com dados do Almanak Administrativo da Província do Maranhão (entre


1859 e 1875), há no centro da cidade, entorno das matrizes de Nª Senhora da Conceição e São

8
Precisamente entre 1849 e 1850 e, sobretudo a corte, sofreu um surto de febre amarela, surgindo como resultado,
além de muitas mortes, uma série de modificações nos sepultamentos religiosos.
9
Gradativamente o Brasil vai abolindo a escravidão, primeiro com a lei do ventre-livre, a lei dos sexagenários, a
alforria por serviços militares prestados no momento da guerra contra o Paraguai e, por fim, a lei Áurea de 1888.
10
Uma ideia que toma forma mais presente na segunda metade do século XIX. O intuito parece ser o de
substituição gradativa dos escravos por estrangeiros europeus, especializados ou não, mas, engajados em trabalho
livre e assalariado nas terras, principalmente, dos grandes cafeicultores do sudeste.
11
Assunto para o capítulo 2 no qual delinearemos a implementação do discurso “higienista” na cidade.
12
Implementada sobe o olhar vigilante do código cultural religioso de época e, em seu aspecto legal através dos
códigos de postura mais rígidos.
13
Companhia caxiense de navegação por vapores. O FAROL, 1850, n°17, p.04. Almanak Administrativo da
província do Maranhão, 1870, p.154 a 155.
14
Para mais informações sobre preços e quantidade de exportação e importação, podem ser consultados os números
49, página 04 e, 52, página 03, do jornal DIÁRIO DO MARANHÃO de 1855, apenas a título de exemplo sobre
a puljança econômica da cidade de Caxias no período.
17

José, Nª Senhora de Nazaré e de São Benedito, um nicho de prestadores de serviços15,


progredindo e se especializando lentamente, em quantidades necessárias para se extrair da
mesma um conceito de pequena indústria, aos moldes de uma vila no interior da província.

Outro fator da dinâmica sociocultural, são os periódicos que trazem em suas


páginas as correspondências da elite provincial e local, criticando e elogiando a atuação política
de seus amigos e correligionários, a saber, liberais, conservadores e republicanos. Na cidade,
entre 1850 e 1890, existe um total de 24 periódicos com longevidade entre 10 e 14 anos e de
importância significativa para a pesquisa, pois os mesmos, propagam as ideias e as necessidades
da elite da época.

Assim, a pesquisa buscou nas fontes documentais e materiais: jornais (1849 a


1900); almanaques da província do Maranhão (1858 a 1870); coleções de leis, decretos e
regulamentos (1836 a 1890); mensagens de presidentes da província (1870 e 1890); lápides
eclesiásticas (1850 a 1878), observar e descrever a transição dos sepultamentos ad sanctus apud
ecclesiam para os cemitérios das irmandades de São Benedito e Nª Senhora dos Remedios e o
nascimento de um culto civil à memória dos mortos Caxias-MA entre 1850 e 1890. As
metodologias utilizadas serão de pesquisa documental, catalogação e análise seriada de fontes
hemerográficas, catalogação das lápides eclesiásticas e metodologia paleográfica para
transcrição das informações dos registros de óbito de 1877 a 1883.

Do capítulo 1 ao 2, o trabalho discorreu sobre o contexto histórico dos


sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam na Europa medieva e em Caxias, a arte do “bem
morrer” nos testamentos e os rituais fúnebres nos registros de óbito. O capítulo 3 contempla a
ideia de medicalização da sociedade através das leis e do medo das epidemias, principalmente
de febre amarela e cólera, amparadas no discurso médico-higienista da época propagado nos
jornais locais. O capítulo 4 trata dos sepultamentos no interior das igrejas Nª Senhora da
Conceição e São José, São Benedito, Nª Senhora do Rosário e Nª Senhora dos Remedios entre
1850 e 1860, buscando conhecer o cuidado que a sociedade urbana de Caxias tinha para com
os seus mortos através dos compromissos das irmandades. No capítulo 5, a pesquisa aborda a
instituição dos cemitérios eclesiásticos no contexto da preocupação social com o ambiente e a
higiene urbana, sobretudo por causa das doenças infecto-contagiosas, o mau cuidado que
tinham os párocos com as sepulturas eclesiásticas, a perniciosidade do ambiente religioso e

15
barbeiros, sangradores, carpinteiros, comerciantes, fabricas de licor, chapelarias e charutarias. (ALMANAK
ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1860, p.518 a 519).
18

social ocasionada pela decomposição dos cadáveres, o nascimento do culto civil aos mortos e
dos cemitérios secularizados.
19

1 OS ESPAÇOS DOS MORTOS NO OCIDENTE MEDIEVAL E A


ISNTITUCIONALIZAÇÃO DOS CEMITÉRIOS MODERNOS

O capítulo visa contextualizar a morte historicizável contemplando algumas


continuidades e rupturas culturais. Possibilitando a compreensão de que ocorreram
transformações importantes entre os séculos XII e XIII, em um contexto de abertura comercial
marítima da Europa, reformulações das relações entre indivíduo e Igreja e, a necessidade que a
instituição religiosa percebeu em normatizar os costumes fúnebres, difundi-los, bem como, o
nascimento de um culto moderno ao cemitério enquanto instituição da urbe e representante do
processo de reformulação dos espaços citadinos.

1.2 RUPTURAS CONTINUIDADES


O primeiro aspecto a ser retratado sobre a morte em Caxias na segunda metade do
século XIX, é a estreita relação entre hierarquias sociais, ressoando nos lugares de
sepultamento, representações e ofícios de irmandades. Sobre este ponto, melhor retomar um
pouco do contexto medieval, que representa uma herança para as sociedades ocidentais
colonizadas pelos europeus16, no caso do Brasil os portugueses. No plano de fundo das
representações fúnebres os livros de horas e a ideia do bem morrer como parte das atitudes
religiosas, católica-cristã, diante da morte. As mudanças descritas brevemente acontecem entre
os séculos XII e XIII, podendo ser estendidas para o século XIV, o que na compreensão de
Souza (2015, p.17) representou:

...uma profunda mudança na concepção da santidade leiga: não bastava mais cumprir
as exigências de seu estado e dar o exemplo de virtudes religiosas e morais, mas era
necessário imitar o Cristo em sua humilhação e em seus sofrimentos, tentando fazê-
los através de gestos e ritos. (SOUZA, 2015, p.17)

Os livros de horas são manuais de auxílio ao cristão leigo, parte mais atuante na
estrutura interna da Igreja entre os séculos XIII e XIV (SOUZA, 2015, p.17), com o intuito de
aproximar o fiel e a instituição que antes se fazia presente no meio do laicato através das atitudes
de devoção, caridade e desprendimento das riquezas materiais nos votos de pobreza, os quais
remeteriam mais a um status devocional contemplativo que participativo. Desta maneira,
atitudes “Antes reservadas aos clérigos” passam a fazer parte da “experiência da devoção
pessoal e da meditação” dos leigos que “praticam a devoção a fim de se sentirem agraciados

16
O que não significa esquecermos a pluralidade cultural brasileira que se verifica em muitos cantos do seu
território, a partir de contribuições culturais indígena e africana, aportados algumas vezes neste trabalho como
comparação à ideia da temática central.
20

pela santidade, participando, desse modo, da vida dedicada a Deus” (SOUZA, 2015, p.18). As
iconografias complementam esse acompanhamento religioso através de uma pedagogia da
imagem que, nos séculos XVII e XVIII transformam-se em objetos sacros dos cemitérios,
estabelecendo o que Ariès (2012, p.73 e 75) considera como ruptura entre o imaginário medievo
e contemporâneo, a ideia de um culto ao cemitério e, a visita melancólica ao túmulo, assim
como a identificação do lugar de descanso do morto, referenciado antes apenas por uma lápide
dentro da Igreja. No cemitério o fiel católico pode rezar pelos seus mortos, tomando o espaço
cemiterial como lugar de culto civil aos mortos.

Na península Ibérica, o culto aos mortos foi cristalizado entre os séculos XI e XIII,
pelos monges clunyacenses, possibilitando o que Petrucio Pessoa (2016, p.25 a 27) chamou de
“secularização do culto fúnebre”, depreendendo-se de tal perspectiva que, a secularização
enquanto processo histórico da difusão e massificação das práticas fúnebres e os cultos ou
liturgias a ela relacionados, deve ser concebido como um processo de intensa participação social
dos leigos na estrutura da Igreja:

A partir do século XII, os cistercienses passam a exercer uma forte crítica às práticas
de Cluny, exatamente por esses terem “secularizado”46 o culto dos mortos. Cister
compreendia que grande parte dos rituais do culto dos mortos exercido por Cluny
dizia respeito apenas à comunidade monástica, e que por esse motivo não deveria ter
a participação de leigos, todavia não os excluíam totalmente, porém não permitiam
que estes participassem dos rituais ou que tivessem direito a túmulos junto aos irmãos
da ordem. Também resolveram simplificar os rituais do culto dos mortos, reduzindo-
os à comunidade dos mosteiros. (PESSOA, 2016, p.27)

Deste processo, temos que, manuais serão criados para serem utilizados, pelos fieis
leigos e sacerdotes do baixo clero na liturgia, as exéquias17 por exemplo. Nos ofícios e nas
orações diárias, os livros de horas baseados nas sagradas escrituras, que contém, em alguns,
uma pequena parte especial para o cristão católico, é o que mostra a vida da vigem Maria,
escrito a partir de um fragmento no lecionário ou leccionári. É uma espécie de manual que visa
aproximar as famílias de uma vida diária de fé. Contemplam as necessidades que a Igreja
entende serem essenciais ao cristão, como “preparação para a hora da morte e para se alcançar
a salvação” (SOUSA, 2015, p.21), e traz em sua estrutura ofícios como do “espírito santo” da
“santa Cruz”, “salmos”, o Calendário e o já mencionado “pequeno Ofício da Virgem” (SOUSA,
2015, p.21 e 23). Como muitos desses aspectos teológicos e pedagógicos sobre a morte foram
massificados entre os séculos XIV e XVII a menção à Idade Média se faz necessária.

17
Cerimônias ou honras fúnebres.
21

Entre os séculos XI e XVII, as práticas fúnebres sofrem algumas transformações e,


“os mortos que, durante parte da Idade Média, eram temidos e mantidos a distância, a partir do
século XI, passaram a participar do mundo dos vivos em uma relação solidária e convivência
pacífica” (PESSOA, 2016, p.20). O século XVII pode ser tomado como marco adversativo
temporal concernente a estas relações entre vivos e mortos, pois, Ariès (2012) encontra
novamente a desagregação das práticas fúnebres na França. Nesse interim, as novas relações
são motivadas pelas circunstancias, como o crescimento populacional em decorrência da
melhoria do mercado e da alimentação, aumentando o contingente de pessoas vivas e, por
consequência, de cadáveres e demandas por sepulturas melhor adequadas. As igrejas não eram
o destino de todas as pessoas falecidas, dado que, existe a concepção patrimonialismo religioso
que consiste em fazer da propriedade religiosa em fazendas afastadas da cidade uma extensão
da propriedade privada. Para os camponeses, geralmente um cemitério comum em florestas ou
estradas seria o destino frequente.

Este fator da hierarquia nos sepultamentos representa uma diferenciação das


práticas fúnebres medievais entre as classes sociais, de onde se percebe no contexto de morte
medieval a cristalização das características de sua própria sociedade. De acordo com Michel
Lauwers (2015, p.50 e 51) desde a antiguidade a Igreja havia preservado e resguardado a
separação do cuidado com as sepulturas dos membros da nobreza e do clero em relação aos
pobres, sendo que os cadáveres destes últimos nem sempre figuraram como pertencentes a
Igreja. De acordo com o autor só “a inumação dos mais pobres era de responsabilidade das
cidades, notadamente por questões sanitárias”18 (LAUWERS, 2015, p.51).

Desta maneira, a doutrina cristã no que tange ao lugar de sepultamento e a lida


quotidiana do homem com os mortos, da preparação para a morte ao ritual funerário e o cortejo
fúnebre, sofreram modificações ainda na Idade Média. Os mortos, que antes não poderiam estar
no meio dos vivos e eram inumados fora das cidades, passaram a coabitar em cidades dos vivos,
guardados pelas igrejas, mosteiros e catedrais acrescentando-se o poder da Igreja nos
sepultamentos dos mais pobres. A diferença entre um espaço e outro tornou-se confusa na urbe:

Chegou um momento em que desapareceu a distinção entre os bairros periféricos -


onde se enterrava ad sanctos, porque se estava extra urbem - e a cidade, sempre

18
Esta observação é válida para analisar o aspecto da doutrina da Igreja em relação aos mortos. Desta maneira, os
cuidados com “todos” os mortos não figuravam como uma posição uníssona da instituição, aliás, falar em unidade
da instituição entre os séculos IV e VI é ainda perigoso. Por este motivo, o que se quer afirmar nesta passagem é
que atitudes de cuidado em relação aos falecidos entre as camadas mais pobres, por parte de alguns monges e
santos, evidenciadas durante esse período, não podem ser tomadas, ainda, como uma “posição doutrinal” da
instituição religiosa.
22

proibida às sepulturas. Sabemos como isto se deu em Amiens, no século VI: o bispo
Saint Vaast, morto em 540, escolhera sua sepultura fora da cidade. Mas quando os
carregadores quiseram lcvanrá-lo, não puderam remover o corpo, que de repente
tornara-se demasiadamente pesado. Então o arcipreste rogou ao santo que ordenasse
"que sejas levado ao lugar que nós (ou seja, o clero da catedral) preparamos para ti":",
Interpretava bem a vontade do santo, pois logo o corpo tornou-se leve. Para que o
clero pudesse, dessa forma, contornar o interdito tradicional e prever que guardaria na
catedral os santos túmulos, além das sepulturas que o santo túmulo atrairia, era preciso
que se atenuassem as antigas repulsas. (ARIÈS, 2012, p.43).

As linhas divisórias entre a cidade dos vivos e dos mortos apaga-se, e o desejo de
enterrar os mortos em locais que os mártires estão também enterrados, contribui para o
crescimento da estrutura da Igreja, ajuda financeiramente em suas reformas arquitetônicas,
acrescentando as pinturas, os mosaicos, as famosas galerias com gavetas e ossuário. A
população medieva parece aceitar isso muito bem, pelo que, então “a separação entre a abadia
cemiterial e a igreja catedral foi então apagada” (ARIÈS, 2012, p. 43).

Os mortos, já misturados com os habitantes dos bairros populares da periferia, que


se haviam desenvolvido em torno das abadias, penetravam também no coração histórico das
cidades” (ARIÈS, 2012, p. 43). Note-se que, a periferia por ser o lugar mais distante do centro
de poder, tomado pelo autor como centro “histórico”, representa o ponto espacial de nascimento
dos cemitérios e, as explicações possíveis estão no fato de que as cidades medievais passaram
a aumentar seu contingente populacional, aumentando assim suas fronteiras, fazendo-se apagar
a linha divisória que existia entre o cemitério extramuros e as habitações dos vivos, por sinal
os da periferia.

Assim, entre os séculos XVII e XIX, essa proximidade precisa ser abandonada e a
divisão é tornada mais clara e definitiva. Os cemitérios ou campos santos19, passam a atrair a
atenção da sociedade, pela sua imponência arquitetônica recém saída das paredes das catedrais
para o ar do público. Este ato dava importância ao indivíduo morto, haja em vista que dentro
da igreja muitas vezes pouco importava de quem era o osso do morto, e sim, que era necessária
sua permanência próxima aos santos, perto do lugar sagrado, no intuito de facilitar as preces
pela purgação dos pecados:

Na Idade Média ou ainda nos séculos XVI e XVII, pouco importava a destinação exata
dos ossos, contanto que permanecessem perto dos santos ou na igreja, perto do altar
da Virgem ou do Santo Sacramento. O corpo era confiado à Igreja. Pouco importava
o que faria com ele, contanto que o conservasse dentro de seus limites sagrados.
(ARIÈS, 2012, p.47).]

19
Como ficarão reconhecidos os primeiros cemitérios, dado sua extensão em terreno a céu aberto e a benção
sacerdotal “benzimento” do mesmo pelo sacerdote católico.
23

No que concerne as iconografias nos missais e livros de horas, parte fundamental


para as representações artísticas nos espaços dos mortos, representam antes um aspecto da
ruptura do imaginário medievo em relação a morte no espaço tumular. O culto aos mortos e ao
lugar dos mortos, o cemitério. Não são instituídos do dia para a noite, mas, resultado de um
processo interativo da sociedade medieval em relação à abertura do comércio de largo alcance,
maior participação religiosa, navegações e nascimento de uma burguesia mercantil,
universidades e, o renascimento artístico em ralação ao além, principalmente o purgatório20 na
Itália, França e Espanha.

Segundo Ariès eles (os mortos) não serão mais enterrados nas igrejas, e seu espaço
denominar-se-á cemitério21 e, “também neste asilo intitulado cemitério, onde se enterrava ou
não, decidiu-se construir casas e habitá-las. O cemitério designava, então, se não um bairro, ao
menos um quarteirão de casas gozando de certos privilégios fiscais e dominiais”. (ARIÈS, 2012,
p. 49).

Nas cidades, o cemitério começa a representar uma característica da organização


do espaço urbano. Traz em si a arte restrita às igrejas e projeta para o vislumbre social o que o
teto e o solo das catedrais guardavam debaixo de si. As esculturas em estilo barroco, nos países
ibéricos e na Itália por exemplo, atuam para dar o aspecto sacralizado ao local e, ao mesmo
tempo para manter um pouco da concepção religiosa de que o lugar dos mortos deve sempre
estar sob o olhar de um anjo ou de um santo.

O espaço cemiterial oficial reaparece “necrópole eclesiástica”. Segundo Lauwers


(2015, p.160) “a sacralização da terra dos defuntos foi uma das consequencias do laço que se
estabeleceu entre as igrejas e as zonas de inumação que lhes eram adjacentes”. Por estas razões,
o cemitério é um espaço que preserva em si a busca da manutenção do status quo eclesiástico
e o desejo modernista de “civilização”:

Assim, o cemitério retomou um lugar na cidade, lugar ao mesmo tempo físico e moral,
que havia perdido no início da Idade Média, mas que havia ocupado durante a
Antiguidade. O que sabemos das civilizações antigas sem os objetos, as inscrições e
a iconografia que os arqueólogos encontraram nas escavações dos túmulos? Nossas
sepulturas encontram-se vazias, mas nossos cemitérios tornam-se eloquentes. Trata-
se de um fato de civilização e de mentalidade muito importante. (ARIÈS, 2012, p. 78-
79).

20
VOVELLE, Michel de. O apogeu do Purgatório na Idade Clássica. In: As almas no Purgatório. Trad. Aline
Meyer e Roberto Cattani: Unesp, 2010. P.121 a 208.
21
De acordo com os estudos de lexicógrafos, a palavra cemitério apresentava diferenciações que foram sendo
corrigidas ao longo do tempo. ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. 2012, p. 44;45.
24

Para Ariès (2012) o cemitério, rechaçado pela alta sociedade eclesiástica do início
do período medieval que ficava restrito aos limites extramuros será ao mesmo tempo local de
culto aos mártires, seus principais habitantes passando a ser nos séculos seguintes a um lugar
de convívio, público:

Na Idade Média, o cemitério era um lugar público, um lugar de encontro e de jogo,


apesar dos ossos expostos nos ossários e do afloramento de pedaços de cadáveres mal-
encobertos. Os odores, mais tarde denunciados primeiro como maléficos, depois como
insalubres, seguramente existiam e não se lhes prestava nenhuma atenção. (ARIÈS,
2012, p.171)

E parece ter preservado esta característica pública, transferindo posteriormente aos


espaços dos mortos descolados das igrejas e capelas sofrendo, entre os séculos XVI e XIX,
adaptações para o que veio a ser conhecido como culto civil-secular aos mortos, dado que o
culto aos mortos não era novo e sim a flexibilidade de participação social que provocou por sua
vez a facilitação da liturgia para tornar-se mais acessível aos novos participantes. O último
ponto a ressaltar com relação as observações do autor é a ideia de que a insalubridade e
malefícios causados pela inumação de cadáveres dentro dos templos sempre esteve lá, mas, a
sociedade só toma consciência disso nos séculos seguintes, principalmente entre o XVI e XVIII,
dado que nesse momento a Europa vive uma abertura mais intensa ao comércio, às novas ideias
das universidades, da ciência e da imprensa.

Assim, das igrejas para os bairros os cemitérios viraram referência nas cidades, e
noção historiográfica de transformação da estrutura do imaginário social ou continuidade, para
a historiografia. No Brasil, por exemplo, as práticas evidenciadas acima, de sepultamento dentro
das Igrejas irão vigorar até a necessidade de saúde pública e ordenamento do espaço urbano
tomar a cena através das elites do império entre 1840 e 1870. Alguns fatores deram cabo dessa
atuação mais forte do poder político, como o avanço da urbanização no século XIX, a
redistribuição do espaço econômico, e crises sanitária e de saúde trazendo à tona as doenças:
febre amarela e cólera, entre outras, nas décadas de 1850 e 1860.

1.3 O RITO E SEU LUGAR COMO PROBLEMA


As exéquias e discursos fúnebres fazem parte do morrer brasileiro desde a colônia
ao império (SARAIVA, 2010, p.15). Os ritos que dizem respeito ao velar um morto vão desde
a preparação do próprio corpo ao repicar dos sinos, sob número de dobres simbólicos que
diminuem à medida em que avança a chamada “vigilância auditiva” (RODRIGUES, 1997,
p.61) como forma de tornar a morte silenciosa e privada, alegando os médicos, que os dobres
dos sinos e a “morte ruidosa amedrontavam e deprimiam tanto o são como o doente”. Segundo
25

Saraiva (2010, p.15), a transição do sermão fúnebre enquanto manifestação da piedade cristã,
reveste-se de eloquência, de maneira que este é o aspecto mais presente nos discursos fúnebres
proferidos em velórios caxienses na segunda metade do século XIX.

Mas, a preparação não diz respeito só ao corpo desfalecido, dado que existem
manuais do “bem morrer” que ajudam o fiel católico a preparar-se para sua morte ainda em
vida22. Assim o ser humano busca dar a morte vestes simbólicas e ritos, que se transformam em
tradição e a tradição em história. Diz Ariès sobre o ato de morrer da idade média até os séculos
XVII e XVIII:

Primeiramente, são advertidos. Não se morre sem se ter tido tempo de saber que vai
morrer. Ou se trataria da morte terrível, como a peste ou a morte súbita, que deveria
ser apresentada como excepcional, não sendo mencionada. Normalmente, portanto, o
homem era advertido. (ARIÈS, 2012, p. 31)

O indivíduo sabe quando está próxima a hora finda de sua vida, e isso é algo que
encontra ressonância, em alguns casos, no Brasil do século XIX. Não significa com isso dizer
que o homem assume o controle sobre a morte, e sim condiciona seus efeitos aos fatores sociais
e históricos, construindo em torno da mesma uma ritualística que vira tradição, parte da cultura.
Evoca-se, portanto, um preparo para a “passagem” natural, mas que se entende necessário dotá-
la de uma aura de simbolismos, de lida mesmo com o momento e com o falecido. Para melhor
detalhar, em O Homem diante da morte o autor expressa que:

Não morrem de qualquer maneira: a morte é regulada por um ritual habitual, descrito
com complacência. A morte comum, normal, não surge traiçoeiramente, mesmo se
for acidental na sequência de um ferimento, mesmo se for o efeito de uma emoção
demasiado grande, como acontecia. (ARIÈS, 2000, p.13)

No século XVII, falar-se-á em manuais do bem morrer23. São códigos de posturas


para auxílio dos leigos no preparo para morte, num momento em que, por exemplo, a Igreja sai
do século XVI com um embate teológico com o protestantismo e busca preservar os fiéis em
relação aos novos ensinamentos instituindo manuais e pregando mais fortemente em cima de
uma teologia e representações do purgatório24.

22
Pode ser destacado como exemplo “O Breve aparelho e modo fácil para ensinar a bem morrer um cristão” de
Estevam de Castro. (RODIGUES, 2005, p.59-72)
23
Conhecidos como ars moriend, representam um esforço gradativo da Igreja de se apropriar ou ocupar o lugar
de mestra no ofício fúnebre, ensinando o fiel a se portar diante da morte através da arte do bem morrer.
(RODIGUES, 2005, p.52).
24
VOVELLE, Michel. O apogeu do purgatório. In: As almas do purgatório: ou o trabalho de luto. Trad. Aline
Meyer e Roberto Cattani: Unesp, 2012.
26

Essas perspectivas artísticas da religião serão absorvidas na construção de muitos


espaços de sepultamento ao longo do tempo, conferindo o que se pode chamar de secularização
da morte e das imagens da morte. A capela é outro exemplo importante. Ela não veio
exatamente em simultaneidade à instituição do cemitério, e sim como um fator a mais para
garantir que as encomendações fúnebres fossem feitas igualmente neste novo espaço. As
motivações que levaram a isso, podem estar associadas ao costume da época de se encomendar
os cadáveres dentro das igrejas, de maneira que a busca pela mudança no espaço de
encomendação dos defuntos, no Brasil oitocentista, por exemplo, estava interligada com as
recomendações das juntas de saúde e higiene instituídas por ocasião de vários surtos epidêmicos
ao longo do século XIX e a possibilidade de conciliar as práticas fúnebres aos novos parâmetros
sociais:

Em virtude da proibição das encomendações de corpos nas igrejas, em 30 de maio, o


chefe de polícia expediu ofício a Ordem Terceira de São Francisco de Paula,
mandando que fosse construída, "com decência e muito ligeiramente", uma capela
provisória no cemitério do Catumbi, para que no prazo de seis dias fossem feitas ali
as encomendações. Tal medida foi possivelmente tomada em função da desobediência
de várias irmandades em cumprir a medida do regulamento sanitário que continha a
mesma proibição. (RODRIGUES, 1997, p.65)

E de circunstancia em circunstancia, ou proibição em proibição, mediante a


impregnação na sociedade, do discurso médico, os rituais serão igualmente transferidos de
lugar, passando a serem desenvolvidos dentro dos cemitérios, como possibilidade de evitar
qualquer realização de ritual fúnebre dentro das igrejas. Os caixões deverão ser lacrados e os
cadáveres contaminados por doenças recebiam sepulturas mais afastadas ou em cemitérios mais
distantes, criados especialmente para esse fim.

1.4 O CEMITÉRIO NO BRASIL OITOCENTISTA


No Brasil, a preocupação com os lugares de sepultamento dos mortos parece estar
relacionada ao processo de melhoria urbana das cidades e da higiene, a cargo dos municípios
pela lei imperial de 1828:

[...] em 1° de outubro de 1828 houve uma tentativa de reorganização das obrigações


referentes aos municípios. Sentiu-se a necessidade, ao menos nas grandes cidades, de
constituir o espaço urbano como unidade, de organizar o corpo citadino de uma
maneira coerente e homogênea, segundo padrões vigentes na época, partindo-se da
idéia de que, para a construção de uma cidade mais saudável para os seus habitantes,
era preciso dar autoridade aos municípios, pondo em prática as questões referentes à
salubridade urbana. (COE, 2008, p.16)

O processo se daria de maneira lenta e distinta pelo resto do império, denotando


especificidades concernentes a localidade, necessidade, dificuldade orçamentária, e poder
27

político. Nos centros urbanos das capitais acontece com certa facilidade por se concentrar nestas
áreas o poder político e econômico de quase todas as províncias, podendo ser ainda mais
dinâmico no caso do Rio de Janeiro, sede do poder político nacional, provincial e municipal ao
mesmo tempo. Os cemitérios enquanto espaços descolados das igrejas existem nas periferias
para a classe pobre, que sepulta seus entes queridos até mesmo em uma extensão do terreno da
própria casa.

Caxias por exemplo, necessitaria de autorizações da presidência da província, bem


como, o desígnio de um orçamento para realizar tais melhorias urbanas. O jornal Diário do
Maranhão, por exemplo, entre 1850 e 1880, retrata um pouco da relação política entre as
autoridades locais e provinciais através de ofícios entre as instituições políticas da cidade e da
capital, São Luís.

O cemitério seria então institucionalizado ao longo da segunda metade do século


XIX, como reconhecimento gradativo que a sociedade lhe conferia enquanto espaço de
memória e de culto aos mortos ilustres de cada local. A atuação do poder político, no entanto,
para fazer desta instituição parte fundamental das novas relações higiénico-urbanísticas,
sofreria repreensões e resistências por parte de alguns seguimentos sociais.

Na cidade de Salvador-BA, por exemplo, João José Reis (1991) “A morte é uma
festa” descreve a revolta denominada cemiterada. Ela representou o imaginário da época ainda
arraigado nas concepções religiosas de sepultamento dentro dos cemitérios paroquiais, ou das
próprias igrejas. De acordo com o autor, o recôncavo baiano chamava a tenção dos visitantes
pela disposição natural de seus morros, do mar e da própria cidade de Salvador, com suas ruas
e becos do centro calçados e bem movimentados, e igrejas imponentes (p.27-30). A este cenário
agrega-se a disputa social pelo espaço, todos eles, inclusive os espaços dos mortos, numa
sociedade escravocrata e latifundiária. Para Reis (1991):

A distribuição desigual da mortalidade refletia a desigualdade social de Salvador. Em


primeiro lugar, havia a escravidão, que punha nas costas de milhares de africanos e
seus descendentes o peso maior da produção de riquezas. Entre os homens e mulheres
livres, as diferenças também eram muito grandes. A pobreza era muito grande. (REIS,
1999, p. 37).

Dessa maneira, o cemitério da cidade de Salvador criado em 1836, que foi


depredado por uma revolta socialmente articulada, numa clara resposta contra a “desagregação”
dos valores das pessoas daquela cidade à quela época, condiciona o processo de
institucionalização do espaço cemiterial em um determinado local, a separação entre vivos e
mortos e, a resistência a ele imposta. De acordo com Rodrigues (1997), isto se deveu ao fato de
28

que o discurso médico não havia se materializado enquanto prática na sociedade, em outras
palavras, não tinha ganhado força concreta. Segundo a autora, entre as recomendações médicas
para os novos parâmetros educacionais de saúde urbana eram:

Além da vigilância auditiva, a medicina também preconizava uma nova sensibilidade


olfativa. O dr. Feita1 recomendava a necessidade de se fecharem perfeitamente os
caixões, de se evitar a permanência do cadáver tanto em casa como na igreja e de se
manter a casa bem arejada, tendo em vista ocultar dos vivos o
cheiro dos mortos. O mesmo procedimento era prescrito em Salvador. Segundo João
José ReisZZ, os médicos "ensinavam a vigiar o cheiro da morte, a temê-lo e inclusive
a não disfarçá-lo, por exemplo, com aromas de incensos". Eles insistiam na
"adjetivação negativa do cheiro cadavérico", que deveria ser considerado
"insuportável, desagradável, pernicioso, insultante, repugnante, ingrato,
atormentador, mau". (RODRIGUES, 1997, p.62)

Para as elites, os lugares de descanso desde a idade média à modernidade é


geralmente uma Igreja ou Capela particular, porém, quando a resolve-se institucionalizar o
cemitério enquanto espaço comum para onde iriam os cadáveres de ricos e pobres, religiosos e
laicos, alguns reproduzem as estruturas hierárquicas dos sepultamentos ad sanctus apud
ecclesiam. São os cemitérios eclesiásticos, controlados pelas irmandades religiosas. A
secularização da morte e por consequência do espaço da morte dá início ao patrimonialismo
cemiterial evidenciado nos mausoléus e túmulos suntuosos:

Nos cemitérios, distantes de suas casas e igrejas, de suas paróquias, a céu aberto, os
mortos encontrariam abrigos nos túmulos. Por isso, muitos deles reproduziram
cenários de igrejas e de capelas, em escalas reduzidas, enquanto outros, com
morfologias laicizadas, assemelhavam-se às residências de seus proprietários.
(MOTTA, 2010, p. 56).

O lugar dos mortos correspondia ao núcleo de referência existencial, e da devoção


aos sacramentos religiosos. A cemiterada proporciona-nos conhecer a temperatura e conjuntura
de uma sociedade como a de Salvador em 1836. As relações e práticas religiosas opostas às
novas diretrizes sociais, concernentes aos sepultamentos de cadáveres no interior e adro das
igrejas, que levaram ao movimento de resistência social. Segundo Reis (1991, p. 49) “a
cemiterada foi um episódio que teve motivação central na defesa de concepções religiosas sobre
a morte, os mortos e em especial os ritos fúnebres, um aspecto importante do catolicismo
barroco”.

O catolicismo de estilo barroco, popularizou-se no Brasil através das irmandades


religiosas, confluindo para normatizar as atitudes humanas diante da morte, amparadas nos ritos
fúnebres e, na solidariedade das confrarias, que possibilitavam enterros dignos às pessoas, pois,
o cuidado com os mortos era uma prática socializada no meio popular e da elite, diferenciando-
se nas características de ordem econômica.
29

As irmandades, foram um dos principais meios de popularização do cristianismo


católico entre os negros e as demais classes sociais menos favorecidas. Elas estarão por trás do
nascimento dos cemitérios eclesiásticos, criando, controlando, administrando e estabelecendo
um comércio de sepulturas eclesiásticas enquanto o espaço cemiterial não é secularizado. Além
disso, a teia de solidariedade entre os membros destas irmandades dava possibilidade de
encomendação, velório e sepultamento adequado aos mesmos e seus parentes.

Assim, a força da religião crescia à medida em que penetrava no ceio social e,


impregnava o imaginário, fazendo com que o sujeito, mesmo distante da prática, concebesse a
mesma como normal e essencialmente importante para as encomendações dos mortos. Estas
mesmas irmandades representavam o poder social de grupos e indivíduos representados dentro
das estruturas das igrejas:

As irmandades eram associações corporativas, no interior das quais se teciam


solidariedades fundadas nas hierarquias sociais.

Havia irmandades poderosíssimas, cujos membros pertenciam à nata da elite branca


colonial. (REIS, 1991, p. 51-52)

No Brasil seguiu-se, até o século XIX, nos núcleos urbanos a linha divisória entre
vivos e mortos parecia inexistir, e isto se tornara uma necessidade, até que reviravoltas
acontecessem e, a medicina científica penetrasse no aparelho estatal começando assim a
reorganizar, inclusive desde os ritos fúnebres, até as disposições dos locais de sepultamento
(RODRIGUES, 1997, p. 59).

Na cidade do Rio de Janeiro, cede do poder político do Brasil no século XIX, os


cemitérios são melhor aceitos graças à boa inserção do discurso médico, caracterizando as
diferentes receptividades que o processo de instituição dos espaços dos mortos enquanto
cemitérios públicos, privados e eclesiásticos tiveram em partes da sociedade brasileira
(RODRIGUES, 1997, p.59 a 66).

São Luís, por exemplo, institui uma junta sanitária para acompanhar casos de
epidemias na cidade, e recomendar medidas de saúde e melhorias na estrutura urbana (COE,
2008, p.37 a 44). São estas ideias, que adentram o interior da província pouco a pouco para
fundamentar o discurso das elites locais e o medo propagandeado nos jornais a respeito da
perniciosidade do ambiente e seus efeitos. A cidade de Caxias passou a discutir o mesmo
processo através dos códigos de postura, leis e regulamentos.
30

Os cemitérios São Benedito e Nª Senhora dos Remédios corroboram como


exemplos desta discussão. As igrejas representam muito da história local, das representações
humanas da morte e do processo de desagregação das práticas fúnebres ad sanctus apud
ecclesiam, pois, as paredes de pelo menos três ainda preservam algumas poucas lápides datadas
entre 1850 e 1870 mais ou menos. E por outro lado, a existência de cemitérios não oficiais para
o cumprimento de algumas posturas municipais que ditavam a respeito do cuidado com
cadáveres contaminados, e outros que serviam como locais de descanso dos falecidos entre as
classes mais pobres, sobretudo escrava, faz com que se debruçar a respeito do morrer em Caxias
no século XIX signifique conceber a complexidade da sociedade da época, dado que, se a Igreja
não era o destino de todos, onde a maior parte dos cadáveres eram sepultados? Mesmo a elite,
principalmente o senhorio das fazendas tinham lugares privados para depósito dos corpos de
seus parentes e familiares, como capelas particulares25.

25
A IMPRENSA, 1858, n°15, p.04.
31

2 A ARTE DO “BEM MORRER” NOS TESTAMENTOS E OS RITOS NOS


REGISTROS DE ÓBITO EM CAXIAS (1877-1883)
Morrer era uma arte inserida na pedagogia católica da morte, a qual leremos por
pedagogia “fúnebre”, pois, não só o falecido deveria preparar-se para a morte tendo como
parâmetros as ordenanças dos manuais de “bem morrer”, mas os vivos observariam igualmente
uma série de protocolos guiados pelo sacerdote ou uma pessoa instruída com base em tais
manuais. Desta forma:

A Igreja Católica fornecia manuais com as formas de “bem morrer”, que tinham como
objetivo organizar um imaginário social fundamentado pelo temor acerca da morte.
Desta forma, o medo da morte era uma aprendizagem diária, a Igreja transmitia aos
seus fiéis a possibilidade de salvarem ou não suas almas, de acordo com certas
atitudes. O padre português Bernardo Queirós recomendava em seu manual publicado
em 1802, que os católicos na hora da morte não esquecessem de seus parentes mais
necessitados e também aconselhava que não morresse deixando qualquer bem
indevidamente adquirido (REIS apud TAVARES, 2010, p.02).

Assim, Ariès (2012), Reis (1991) e Rodrigues (1997) parecem estar de acordo que
o “morrer como uma arte” ou “atitudes diante da morte” podem ser verificadas, nos
monumentos, nos lugares dos mortos, nos testamentos e nos registros de óbito e, pode ser
conceitualizada segundo Rodrigues (2005) como um conjunto de práticas devocionais
instigadas ainda na baixa Idade Média, entre os séculos XIV e XV, pelos santos e pregadores
da Igreja, possivelmente em resposta ao contexto da nascente modernidade e maior acúmulo
material por grupos, proporcionando o nascimento da burguesia que mais tarde influenciaria
muitos aspectos da vida cotidiana, política e religiosa:

[...] a ars moriendi significava uma resposta àquela ansiedade dos indivíduos diante
da morte incentivada pelos pregadores. Desenvolvida entre os séculos XIV e XV, ela
representou um gênero de literatura devocional, composto por textos e imagens que
procuravam ensinar os cristãos a se prepararem para a “boa morte” [...]
(RODRIGUES, 2005, p.53)

Dessa forma, nos testamentos encontramos características pontuais de uma “boa


morte”26. Salienta-se ainda que, os testamentos encontrados em completude são apenas dois,
um da cidade de Coroatá, porém, por motivos de subordinação à comarca de Caxias,
compreendeu-se necessário trazê-lo como objeto de análise. O segundo documento pertence a
um caxiense falecido, no entanto, em São Luís, e em suas últimas vontades remete ajuda para
a construção de um altar na Igreja de Nª Senhora da Conceição e São José, bem como, liberta
um escravo de sua propriedade na cidade e pede a seus parentes que cuidem dele. De outro
lado, dois falecidos na década de 1870 em Caxias deixam testamento, dos quais a pesquisa

26
A saber: pagamentos por missas; últimos desejos; doações à igreja e obras de caridade.
32

encontrou apenas informações sobre o lugar de sepultamento, causa da morte, libertação de


escravos e instituição de herdeiro.

Em Caxias e seu entorno, por exemplo, estão presentes nestes documentos e, notas
de jornais “atos de caridade”. Partindo desta primeira observação, em alguns periódicos
noticiosos locais, os testamenteiros27 noticiam o início do processo de ratificação dos últimos
desejos do falecido em testamento, não é propriamente o registro transcrito no jornal, conforme
o exemplo:

- D. GERTRUDES MAGNA BAcharias Bastos (grifo do autor), da cidade de Lisboa,


viúva e testamenteira de José Fernandes Bastos, tendo procedido a inventário no juízo
de Direito da 3° vara da dita cidade, escrivão Gentil, e tendo em tempo competente
chamado e citado por éditos a todos os credores do dito cazal, repete por este meio o
chamamento de todos os afilhados e afilhadas que legalmente mostrarem sê-lo do dito
marido, afim de se apresentarem por si ou por procuradores no praso de 6 mezes ao
dito escrivão, com competente certidão de baptismo, e de sua actual existência, para
receberem o legado de 100;000 reis que a cada um delles foi deixado pelo dito
fallecido marido, pena de serem atendidos os que deixarem de comparecer. (O
FAROL, n° 187, 1855, p.04)

Uma lápide pertencente à família “Bacharias” ainda existe na Igreja de São


Benedito28, o que comprova alto grau de participação da família na vida religiosa e política
local, mas, a exposição em noticiário, das vontades expressas no testamento do falecido, neste
caso, o esposo da dita Gertrudes, revela dois fatores da sociedade (leia-se elite) imperial: além
da forte teia parental as relações de compadrio e, a necessidade de publicizar a morte e os atos
do testamento contendo suas últimas vontades do morto.

No que concerne às vontades dos testadores, Rodrigues (2005), diz que os


testamentos demonstravam “o caráter normatizador dos manuais de preparação para a morte,
como para o significado de sua apropriação pelos fiéis.” (p.111). Por outro lado, é necessário
apontar o constante avanço da legislação do Estado em cima de atributos antes considerados
estritamente religiosos, dos quais pareceram dar conta tais manuais.

A este respeito pode ser observado nas leis sobre heranças, porcentagens de
encargos a serem pagos pelos falecidos em testamento para o governo, uma espécie de
“imposto”. Não se buscou demonstrar serialmente este avanço na província do Maranhão29, e
sim pontualmente, por exemplo, em sua fala a assembleia, o presidente da província em 1884,

27
Pessoa, cujo testador, escolhe em testamento para fazer cumprir suas promessas expressas, antes de falecer, no
próprio testamento.
28
Figura 1 página 69.
29
Por que não é intuito deste trabalho, mesmo que, as características de legislação e administração do Estado
possam ajudar muito na compreensão mais aprofundada do “processo de secularização da morte”, mediante uma
construção linear progressiva da atuação, deste ente, sobre processos específicos, neste caso a morte.
33

propõe que 4 classes de contribuintes estejam sujeitas a 4 taxas proporcionais de encargos sobre
suas respectivas partes em um testamento:

Creio que o regimen desta contribuição ficará consideravelmente melhorado,


formando-se, em vez de duas, quatro classes de contribuintes, sujeitas
respectivamente às taxas de 1, 10, 15 e 20%. Na primeira classe entrarão somente os
herdeiros necessários; na segunda os irmãos germanos, os sobrinhos, filhos destes, e
o cônjuge por testamento; na terceira todos os collateraes até o 2ª grão, não
compreendidos na segunda classe; finalmente na quarta os demais parentes, o cônjuge
ab intestato, os religiosos secularizados, qualquer que seja o grão de parentesco, e os
estranhos. (FALA DE OVÍDEO JÃO PAULO DE ANDRADE A ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO NA 1° SESSÃO DA 25°
LEGISLATURA, 1884)

A década de 1880 é um momento de perturbação política e acirramento das posições


políticas, principalmente por que é no fim desta que se torna “legalmente” abolida a escravidão
e proclama-se a República que institui a separação entre Igreja e Estado. Porém, a taxação dos
testamentos não era algo novo, dado que, as Coleções de leis e decretos da Província do
Maranhão30 vez ou outra trazem novos regulamentos concernentes a arrecadação de tributos e,
um dos recursos é o testamento.

As vontades reveladas pelo “jacente”, momentos ou até mesmo anos antes da morte,
estas devem ser cumpridas pelo testamenteiro, o qual é guardião e promotor do que foi expresso
no testamento. A respeitabilidade aos desejos do falecido, de alta patente ou classe, é tão forte
que mesmo diante da proibição dos sepultamentos nas igrejas em São Luís, no ano de 1856, foi
concedida, por meio da câmara municipal desta cidade, uma sepultura eclesiástica a José
Olímpio Machado:

Após o falecimento de José Olimpio Machado, o vice-presidente da Província, o


comendador José Joaquim Teixeira Vieira Belfort, que havia assumido a
administração da cidade, tratou de cumprir os últimos desejos do primeiro
administrador desta Província (grifo nosso), que nela findou seus dias. Ofereceu
para a família do ilustre finado um jazigo na Igreja Catedral, marcando o plano da
Capela de Nossa Senhora da Boa-Morte, que forma o braço da cruz da Igreja, ao lado
do Evangelho, onde se abriu a sepultura, que encerrou os seus restos mortais. (COE,
2008, 125)

Já nas práticas das boas ações, podem corresponder propriamente a uma busca de
obtenção de redução de penas purgatórias que o falecido poderia enfrentar no além
(RODRIGUES, 2005, p.118, 119, 120). Desta maneira, temos dois testamentos de informações

30
Coleção de Leis, Decretos e Regulamentos da Província do maranhão, 1852, p.84-92.
34

parciais republicadas no jornal Diário do Maranhão31, o primeiro da ênfase à quantidade de


escravos libertos pelo testador, neste caso uma mulher da elite caxiense:

NOTICIÁRIO

Lê-se no Commercio de Caxias:

Foi dada sepultura em 30 de janeiro próximo findo, no cemitério de N. S. dos


Remedios, ao cadáver da Exm. Srª D. Guilhermina Rita de Almada Chagas, espoza
do Sr. Major Antonio das Chagas Pereira de Britto, a quem apresentamos os nossos
cordiaes e sinceros pezames.

Era a finada dotada de raras e excellentes qualidades, generosa, e de coração tão


caridoso que deo liberdade à 24 escravos, 15 dos quaes sem condição alguma, e 9 com
a condição de servirem a seu marido até a morte.

Foram alforriados sem condição os seguintes: Pacifico, Vicente, Maria Margarida,


Joaquina, Tito, Roberto, Joanna Baptista, Ritta, Luzia e Lauriana: e com ella estes –
Auto, Luzia, Lazara, Custodia, Benedicta, Torquata, Antonina, Melanea e Philomeno.
(O COMMERCIO DE CAXIAS apud DIÁRIO DO MARANHÃO, 1876, n°763,
p.02)

Nas informações sobre o segundo testamento, o testador, irmão de Gonçalves


Dias32, faz herdeira a menor, que segundo o periódico “perfilhava” (1879, n°1776, p.02),
denotando a complexidade em se analisar as estruturas sociais tomando como pressuposta a sua
inércia e falta de dinamicidade, para Rodrigues (2005, p.98) e “[...] possível afirmar que a
vivência do catolicismo por parte dos negros africanos e seus descendentes não deva ser
interpretada segundo as afirmações que justificam com base na dissimulação [...]” de maneira
que, o mesmo deve servir de pressuposto quando se tratar de parte das elites e sua relação para
com seus escravos ou filhos destes tendo como condicionante o apelo católico. Desta maneira,
o testamento pode ser um registro da fluidez das relações sociais e religiosas estabelecidas entre
negros e brancos. De acordo com o periódico O Diário do Maranhão (1879) chegava do “Vapor
da linha fluvial do Itapecuru” através do jornal O Commercio de Caxias (1879) a notícia de
que:

- As 5 horas da tarde de 25, victima de uma paralysia, de que sofria há tempos, o


agricultor João Manuel Gonçalves Dias, irmão do nosso chorado poeta A. Gonçalves
Dias.

31
Periódico de circulação na capital, São Luís, mas, que influenciava alguns outros periódicos do interior e era
igualmente fonte de informação parta muitos destes. Os números referentes aos testamentos estão entre os anos de
1876 e 1879, e são transcrições de um outro jornal, o qual não encontramos os números, a saber O Commercio
de Caxias.
32
Poeta romancista da segunda metade do século XIX nascido em Caxias e tido como uma das referências em
literatura e poesia de caráter indigenista, nacionalista e ufanista nacional.
35

Tendo-se verificado o seo passamento em sua fazenda Cajueiro, foi d’ali trazido e
chegando no dia seguinte, foi seo cadáver dado a sepultura no cemitério de N. S. dos
Remedios.

Conservou-se sempre em estado de solteiro e deixando livres, por testamento, dois de


seus escravos, (Torquato e Eusebia), e perfilhando a menor Zulmira, que criava, a
quem instituiu sua única herdeira. (O COMMERCIO DE CAXIAS apud DIÁRIO
DO MARANHÃO, 1879, n°1776, p.02, grifo nosso)

Por outro lado, não se deve esquecer que pela lei do ventre livre de 1871, filhos de
escravos nascidos a partir desta data passavam a ter condição de libertos, de maneira que, não
se poderia afirmar que a menor, criada como filha, seria ainda escrava ou não neste contexto,
pois a idade não é mencionada.

O testamento do major Alexandre Bernardo de Siqueira, caxiense falecido e


sepultado em São Luís, do qual serão abordados trechos específicos em que ressoam as práticas
de caridade e partilha dos bens, fornece a ideia de uma preocupação terrena, caracterizada mais
pela necessidade de que seus bens sejam efetivamente destinados a seus legatários,
manifestando preocupação inclusive que todos recebam o valor integral da partilha e menos
com o funeral, se bem que, pede que lhe seja dada sepultura eclesiástica em Igreja ou cemitério:

Quero que quando fallecer seja o meo corpo sepultado sem pompa, n’uma catacumba
do cemitério mais próximo à minha parochia, cujo parocho dirá por minha alma uma
missa de corpo presente, fazendo-se em devido tempo a trasladação dos meos restos
mortaes para um carneiro, ou catacumba na egreja de Santo Antonio, ou em outra
qualquer que as venda, e quero que no acto desta trasladação o meo testamento mande
celebrar por minha alma os officios fúnebres, segundo o ritual da egreja, mandando
dizer logo em seguida ao meo falecimento, cinco capellas de missas, sendo três pelas
almas de meo pae, de minha mãe e de meos irmãos, e, finalmente dusa pela minha
alma. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1879, n°1913, p.01)

Ele inicia seu testamento empregando os dizeres “achando-me doente, mas em meu
perfeito juízo e entendimento, temendo a morte pela incerteza da hora, faço o presente
testamento contendo as disposições da minha livre e espomntanea vontade para terem legal
execução depois do meu falecimento” (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1879, n°1913, p.01),
deixando claro que a sua necessidade de testar se fazia pelo estado de saúde.

Cláudia Rodrigues (2005) ao analisar um total de 277 óbitos da freguesia da Sé


entre os séculos XVIII e XIX, aponta que “Destes, 165 (73,6%) redigiram suas “ultimas
vontades” por ocasião de uma doença” e só “59 (26,4%) redigiram-nas com saúde”
(RODRIGUES, 2005, p.125 a 126), mas deixa claro que isto não significava inexistência de
outros motivos para testar, como o medo da própria morte por exemplo. Em Caxias parece
existir um quadro semelhante.
36

O major Alexandre Siqueira não faz confissão de arrependimento por um pecado


cometido, mas, a constante rememoração de atuação legal nos serviços que o mesmo
desenvolveu durante a vida, e deixa claro que se vier a falecer nas próximas horas não estaria
em débito com ninguém:

Declaro tambem que durante a minha vida commercial, nesta província, e


ultimamente no decurso da minha longa estada em Portugal, tratei de vários negócios
judiciaes pertencentes a diversas pessoas residentes n’este império, dos quaes
negócios prestei contas em seus respectivos tempos, ficando salvo e quite com todos
os meos committentes. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1879, n°1913, p.01)

Destina parte de seus bens para obras de caridade. Esmolas a pobres que por ventura
queiram acompanhar o seu cortejo fúnebre ou simplesmente pedi-las no dia. Ajuda financeira
a instituições religiosas de ensino. construção de altar religioso em uma Igreja de Caxias e
outras cidades. Libertação de escravos, bem como, imóveis e terrenos a amigos próximos,
lembrando a necessidade da amizade e afetividade humanas desenvolvidas no processo da
vivencia em sociedade:

Deixo a quantia de 100$ reis para ser distribuída em esmolas de dous mil reis, á 50
pobres mendigos que se apresentarem a pedi-las no dia do meo enterro.

Deixo 500$ rs., sendo 200$ rs., para o recolhimento de N. S. da Annunciação e


Remedios, e 300$ rs., para as obras da egreja de Santo Antonio d’esta cidade.

Deixo 1:000$ rs., sendo 200$ rs., para a illuminação da capella do altar do Santissimo
Sacramento da Matriz da conceição da cidade de Caxias, e 200$ rs., para cada uma
das seguintes quatro egrejas – Conceição, Rosario, S. Benedito e Remedios – todas
d’aquela mesma cidade, ficando assim completa a presente verba.

Por especial devoção que consagor ao Senhor Bom Jesus de Mathosinhos, nas
vizinhanças da cidade do Porto, e ao Senhor Bom Jesus do monte, em Braga, reino de
Portugal, deixo três arrobas de cêra, ou o seo equivalente em dinheiro para o culto de
cada uma das referidas Santissimas imagens.

Deixo 200$., a cada um dos seguintes meos afilhados – D. Maria Aurora, filha
legitima do sr. Raimundo Pereira da Fonseca, morador em Caxias, e João Alexandre,
filho legitimo do sr. Major João Antonio Vaz Portella, morador n’esta cidade.

[...]

Deixo ao meo bom amigo sr. Major Antonio Justiniano de Miranda, o meo relógio de
ouro com trancelim e sinetes do mesmo metal, e os demais seguintes moveis de meo
uso: - uma bengala de canna da India com castão de outro lavrado, - uma secretaria
de cedro polido com gavetas – uma estante envidraçada com todos os livros de leitura
que contem – um guarda roupa de cedro polido, e dou-me por pago da quantia que
está a dever-me em conta antiga particular como consta dos meos assentos.

[...]

Declaro que por meo fallecimento ficam forros e livres do captiveiro os meos escravos
– Miguel e Francisco, ambos africanos e já velhos. Em attenção aos bons serviços que
o dito Francisco me tem prestado, especialmente depois que tive a infelicidade de ficar
37

paralytico, deixo-lhe a diária de 240 rs, para seo sustento, a contar do dia do meo
fallecimento, até que elle possa trabalhar, e viver á sua custa. (DIÁRIO DO
MARANHÃO, 1879, n°1913, p.01)

Outro testador, João de Sá, residente na vila de Coroatá, inicia declarando seu
estado físico e mental, depois de confirmar sua fé na religião católica. Ditou suas últimas
vontades sob o termo “verba”, ao todo 7. Diz ele que em:

Em nome de Deos – Amem – Eu João de Sá achando-me em meu perfeito juiso e


entendimento que Deos Nosso Senhor foi servido dar-me, e não sabendo o dia e a hora
em que terei de ser chamado ao Tribunal do Altissimo, faço este meo testamento e
disposição da ultima vontade –

Verba primeira – Declaro em primeiro lugar que professo a Religião Catholica


Apostolica Romana, em cuja crença e fé sempre vivi, e desejo morrer, sou natural do
reino de Portugal, da comarca da Freira, e sou filho legitimo de Anna Dias já fallecida,
e não declaro o nome de meo pai, por eu apenas de cinco ou seis mezes de nascido, e
sahido de casa ainda de menor idade para hir aprender o officio de ferreiro na cidade
do Porto, e depois vindo para o Brasil, nunca me ocorreu indagar o seo nome: outro
sim declaro que sou brasileiro adoptivo e que sempre vivi no estado de solteiro, e
porque meos pais já fallecidos, e eu não tenha herdeiros descendentes, passo a dispor
de todos os meos bens pela forma seguinte –

Verba segunda – Declaro e he minha vontade que sejão meos testamenteiros em


primeiro logar Frederico Augusto Saldanha, em segundo Pedro Miguel de Aleancara
Coelho, em terceiro a todos elles peço, e a cada um, em particular que sirvão fazer-
me a esmola de aceitarem e cumprirem esta minha testamentaria.

Verba terceira – Deixo a esmola de cem mil reis moeda corrente para ajuda da
construção da igreja de Nossa Senhora da Piedade desta villa de Coroatá, cuja quantia
será entregue a quem de direito competir, quando a obra tenha seo devido andamento.

Verba quarta – Deixo mais a quantia de cincoenta mil reis moeda corrente a José da
Silva Raposo, em attenção a amisade que sempre me teve, e ser um moço pobre e
muito doente, e bem comportado.

Verba quinta – Declaro que o restante dos meos bens, dedusidos todas as dispesas e
legados, será dividido em trez partes iguaes, a primeira destas trez partes instituo por
herdeiro a minha afilhada Maria, filha de Eufrasia Maria da Conceição, da segunda
parte dos meos bens será herdeira Marcelina Rosa Rabello, em attenção a muita
amizade e bons serviços que sempre me prestou; e da terceira e ultima parte dos ditos
meos bens serão herdeiros o menino Germano filho de Anna Francisca de Souza, e
João Paulo da Silva Cardozo, dividindo-se em ambos com igualdade de direito, e cada
um dos ditos meos quatro herdeiros instituídos, mandarão diser seis missas, sendo trez
por alma de meos pais, e trez pela minha alma, cada uma das esmollas de seicentos e
quarenta reis.

Verba sexta – Declaro que tenho contas de dever e há de haver com Augusto José de
Macedo e Britto, e que este tem em seo poder saldo a meo favor, como melhor se verá
dos meos papeis: bem assim me he devedor de não pequena quantia o padre José
Mauricio Rodrigues de Araujo, e tanto esta divida, como outras mais que se me
devem, constão de meos papeis, e de um termo de conciliação havido entre mim e o
dito padre.

Verba sétima – Declaro que meo enterro será feito á contento de meo testamenteiro.
(A IMPRENSA, 1861, p.03)
38

Esse testamento da vila de Coroatá, foi legalmente registrado no setor


administrativo da comarca de Caxias e serviu à pesquisa para ilustrar a imagem da elite pelos
testamentos de época, diante de suas vontades, observâncias dos ritos, dos códigos da postura
religiosa e neste caso, o testador é nascido em Portugal vindo para o Brasil ainda jovem. Revela
sua ocupação, mas, o ponto de maior importância em relação ao testador anterior está na
maneira como faz a defesa do credo, revelando diferença na apreensão dos manuais de bem
morrer, ou influência do meio social, por ter vivido mais tempo em Portugal que o testador
anterior.

Na região de Caxias os testadores ditam suas últimas vontades, ao que tudo indica,
abordando muitos aspectos de caridade33, como libertação de escravos e doações para
irmandades, um destes testadores, falecido em São Luís não inicia seu testamento da maneira
como o que falece em Coroatá, revelando a ideia de secularização da morte nos testamentos34.

As datas de morte podem ajudar a perceber esta transição. João de Sá falece


praticamente duas décadas antes de Alexandre Siqueira, portanto, o primeiro pode ter partilhado
a presença e, o contato mais forte com a arte do bem morrer no interior da província, enquanto
o segundo vivia na capital, local com maior dinâmica sociocultural e econômica. Outro ponto
importante são os motivos para testar. O primeiro está doente e já vem de três outros
testamentos, porém o segundo, não se sabe sua condição física, prevalecendo a ideia de que os
testadores passavam a testar com mais frequência quando se encontravam doentes.

Desta forma, no Maranhão a ideia de secularização da morte pode ser abordada sob
o prisma da dicotomia capital-interior. São Luís em relação às demais cidades da província,
tinha a preeminência de ser a sede do poder político, econômico e cultural, com um porto onde
chegavam não só mercadorias, mas ideias e isto pode ter influenciado a secularização das
práticas, dos ritos, dos lugares dos mortos e no hábito de testar mais rapidamente.

2.2 “NA FORMA DO RITUAL ROMANO”: OS ÓBITOS COMO REGISTROS DOS


RITUAIS FÚNEBRES
De acordo com Reis (1991), na procissão até a casa de um moribundo em Salvador,
no contexto que precede a cemiterada, eram utilizados [...] “sobrepeliz”, e estola roxa, levando
nas mãos os Santos-Oleos em sua ambula com toda a decência” (p.103). se o jacente estivesse

33
Tomando como exemplo as informações dos testamentos de D. Guilhermina Rita de Almada Chagas e João
Manuel Gonçalves Dias.
34
Anexo A e B nas páginas 105 e 109.
39

em estado muito grave de saúde o padre devia “...abreviar o ritual untando os olhos, orelhas,
nariz, boca e mãos – os instrumentos dos cinco sentidos, peças de pecado”, no acompanhamento
“o pároco e ajudantes – entre os quais podiam incluir outros” (REIS, 1991, p.106). Os
preparativos e cuidados com o corpo do morto, seriam parte de um rito “doméstico” (capítulo
5, p.114).

Os óbitos ajudam a caracterizar os ritos, dado que, durante todo o período da


segunda metade do século XIX, mesmo com as reformulações, o rito romano35 figura como o
principal modo de encomendação de cadáveres na cidade de Caxias36, sofreu modificações, no
sentido de se encomendar cadáveres próximo de seus lugares de sepultamento, e a flexibilização
dos enterramentos sem encomendação, se for tomado como exemplo o regulamento37 do
cemitério provisório de 1857.

Nos artigos 19, 22 e 23 do regulamento do cemitério provisório da cidade,


especificam-se que: a encomendação será feita pelo Vigário; deverá ser conservada a entrada e
interior do cemitério com a liberação de acesso dos parentes de defuntos que quisessem “rezar
sobre a sepultura pela alma do falecido”; e que ruas estratégicas para a passagem do cortejo
fúnebre devem ser mantidas limpas. Neste regulamento, portanto, nota-se o estabelecimento da
ideia de secularização da morte através do culto civil aos mortos, agora que os vivos estavam
liberados para rezar sobre a sepultura de seus mortos.

No mesmo regulamento trata-se a respeito do livro onde são contabilizados os


óbitos38 e numeração das sepulturas recém utilizadas, para que não a abrissem novamente antes
do período de 2 a 3 anos, indicando o registro de morte como documento fundamental na
compreensão dos ritos e da dinâmica de sepultamentos em um Cemitério da segunda metade
do século XIX, porém algo novo se fazia presente, o registro de óbito com a causa mortis
deveria ser feito no próprio cemitério por autoridade pública, o procurador da câmara e para os
falecidos de “súbito”, a autoridade policial teria que ser contactada, não precisando da anuência
da Igreja:

Artigo 15°. A Camara fornecerá ao Zelador cadernetas, rubricadas pelo seo


Presidente, para fazer assentamento dos óbitos em conformidade com as guias do

35
Ele aparece em todos os óbitos consultados.
36
Anexo E deste trabalho, na 113, consultar “características da encomendação e forma do ritual”.
37
O FAROL, 1857, n°227, p.02 a 04. Anexo G página 119.
38
Infelizmente não tivemos acesso ao livro e, apenas consultamos registros de óbito microfilmados
disponibilizados pelo site https://www.familysearch.org/pt/ referentes às encomendações da Igreja de Nossa
Senhora de Nazaré da Trizidela de Caxias, cuja abrangência temporal está entre 1877 e 1908, dos quais
consultamos 60 entre 1877 e 1883. Anexo E página 113.
40

Procurador da Camara, acrescentando no registo e na guia, o numero da sepultura que


tiver dado, sendo obrigado todos os sabbados a fazer conferencia com o Secretario da
Camara, o qual rubricará a conferencia.

Artigo 16°. A Camara fornecerá um livro rubricado e encerrado ao seo Secretario que
servirá para lançamento dos óbitos, cada um em artigos separados extrahido das
cadernetas, conferido com as guias que o Zelador apresentar, ficando as guias
archivadas, e a caderneta em poder do Zelador depois de conferido e rubricado pelo
Secretario, estas conferencias terão lugar toos os sabbados impreterivelmente, e por
cada omissão do Secretario será multado em quatro mil reis, a beneficio do cofre do
Município.

Artigo 17°. O Procurador da Camara soffrerá a mesma multa quando seja omisso no
cumprimento de seus deveres, não dará guia para sepultura daquelles que tiverem
fallecido de repente, de contusões, ferimentos, ou outras mortes que possão causar
suspeitas, sem se intender. FONTE: (O FAROL, 1857, n°227, p.02 a 04)

Os registros de óbito que a pesquisa conseguiu ter acesso, no entanto, correspondem


às décadas de 1877 a 1908, sendo analisados serialmente os de 1877 a 1883, ou seja, depois do
período de 1850 a 186039, momento em que ocorre a transição dos sepultamentos ad sanctus
apud ecclesiam para os espaços cemiteriais eclesiásticos descolados das igrejas em Caxias.
Desta maneira, exemplificar-se-ão os ritos do funeral católico desta época, como por exemplo,
a forma do rito, onde ocorreu, em específico, se estiver descrito no registro de óbito, a causa
mortis, para tentar extrair o máximo de indícios possíveis da flexibilização nas encomendações
por esse período.

Os óbitos correspondem aos registros da Igreja Matriz de Nª Senhora de Nazaré da


Trizidela de Caxias. O templo religioso não foi objeto da pesquisa, porém, seus óbitos
representam parte das fontes documentais das práticas fúnebres na cidade. Na Igreja em 1879,
foi encomendado o cadáver de um rapaz de 18 anos, cuja causa da morte foi registrada como
“febre”:

Aos trinta dias do mes de Março de mil oitocentos e setenta e nove, na Igreja Matriz
de Nª Senhora de Nazareth da tresidela de Caxias, sepultou-se o corpo de Lourenço
Cavalcante de Moraes, detem idade de dezoito annos, sendo filio legítimo de
Tintiliano Cavalcante de Moraes, e sua mulher Fatima Maria Souza, faleceo de febre,
foi encomendado na forma do Ritual Romano e, envolto em hábito branco. ("Vargem
Grande, Maranhão, Brasil Registros," imagens, FamilySearch
(https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939V-BYSP-Z6 : 8 de março de
2021), imagem 940 dos 2404; Arquivo da Arquidiocese de São Luís do Maranhão).

A causa mortis do registro de óbito citado acima, é uma importante informação,


dado que, concerne exatamente a possibilidade de um agente motivador da introdução do
discurso higienista pelo Brasil a dentro, as doenças epidêmicas, endêmicas e comportamentos

39
Período em que se deu a transição dos sepultamentos no interior e adro das igrejas em Caxias para os cemitérios
das irmandades de São Benedito e Nª Senhora dos Remedios.
41

não adequados a salubridade pública ou anti-profiláticos. Em outro ponto, revela a persistência,


das encomendações dentro das igrejas. O rito na forma do ritual romano40; a vestimenta do
defunto ou hábito; o óbito apenas não diz quantas missas exatamente foram rezadas, mas, pode-
se inferir por três a quatro para homens e mulheres comuns, e a extrema unção, dado que o
rapaz deve ter falecido repentinamente, isto não se sabe ao certo. O ritual de encomendação dos
defuntos era muito importante, de acordo com, Coe (2008):

Acreditava-se que qualquer atropelo no ritual fúnebre podia levar o morto a se tornar
uma alma penada. Os que morressem devendo promessa a santo e dinheiro a vivos,
os que ficassem sem sepultura, aqueles cuja família não respeitasse o luto e, sobretudo,
aqueles que falecessem em circunstâncias trágicas ou de repente, sem a devida
assistência religiosa, eram sérios candidatos a ficar vagueando e atrapalhando a vida
dos que ainda não haviam partido deste mundo [...] (COE, 2008, p.27)

Em alguns óbitos aparece a causa da morte, sem muitos detalhes, as vezes


simplesmente “molestia interna 41
” ou “repentinamente de um raio 42”, o que por si só não
responde à pergunta do tópico, porém, o professor Coe (2008) faz uma inferência significativa
a respeito dos surtos epidêmicos no Brasil, cujo teor diz o seguinte:

Na transição do século XVIII para o XIX, exacerbou-se a consciência do perigo das


doenças e, principalmente, das epidemias. Para a sociedade ludovicense, que buscava
entrar no mundo dito civilizado das nações europeias, notadamente vislumbrando o
modelo francês de intervenção sobre as cidades e seus indivíduos, [...] (COE, 2008,
p.33)

O que desta maneira impele a observar além do que o registro de óbito diz sobre a
causa-mortis do falecido, fazendo a seguinte pergunta: existia no imaginário social caxiense o
medo das epidemias a ponto de requererem modificações nos sepultamentos, nas
encomendações e em como se faziam os cortejos fúnebres? Os jornais parecem ter os caminhos
da resposta. Porém, nos óbitos consultados, 43 dos cadáveres foram encomendados na Igreja e
apenas 16 no cemitério e 1 em outro lugar, demonstrando que até os fins do século XIX a Igreja
ainda era o principal local de encomendação dos falecidos entre as elites de Caxias.

40
Pelo concílio de Trento 1546 e 1563, que reforçou a doutrina doo purgatório, ou seja, rezar pelos falecidos e,
dar os sacramentos aos enfermos, este concílio ficou conhecido pela reafirmação dos dogmas da Igreja Católica
Apostólica romana frente ao protestantismo e definia a unidade de fé, doutrina e rituais da instituição em todo o
mundo.
41
Óbito n°02, 1877. "Vargem Grande, Maranhão, Brasil Registros," imagens, FamilySearch
(https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939V-BYSP-Z6 : 8 de março de 2021), imagem 937 dos 2404;
Arquivo da Arquidiocese de São Luís do Maranhão.
42
Como é o caso curioso de três pessoas, um homem, uma mulher e uma criança: óbitos n°14, n°15 e n°16, 1877.
"Vargem Grande, Maranhão, Brasil Registros," imagens, FamilySearch
(https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939V-BYSP-Z6 : 8 de março de 2021), imagem 939 dos 2404;
Arquivo da Arquidiocese de São Luís do Maranhão.
42

Uma notícia de última hora escrita no jornal A imprensa caxiense (1861) dá conta
sobre o andar da epidemia de “febre amarela” em Teresina, além de fazer um alerta, do qual
podem ser retiradas algumas conclusões. A primeira é que existia a preocupação a respeito da
organização espacial e higiênica da cidade. A segunda, que o medo da epidemia pairava no
meio da elite e, as doenças infectocontagiosas não estavam tão longe, nem mesmo se
dissipavam com o passar do tempo, o jovem do qual foi transcrito o óbito de 1879, faleceu de
“febre”. Não se sabe exatamente que a epidemia tenha vitimado caxienses ou um grande
número destes, pois, existe o conhecimento da doença, correspondências com informações
sobre cuidados e alguns óbitos que delimitam a causa da morte simplesmente em febre, contudo,
óbitos de 1877 e, a epidemia é de 1850. De acordo com A imprensa Caxiense (1861), tomando
nota da situação de Teresina, exige das autoridades locais medidas para se preservar a cidade
de Caxias de possíveis surtos:

...a febre amarela que flagella os habitantes d’quella cidade, desde princípios de
novembro, vai tomando um caracter assustador, visto ceifar 6 e 8 vidas por dia 1.

Convem que a camara municipal e as autoridades policiaes (grifo nosso) desta


comarca tomem as mais serias e energicas providencias, não só para evitar o contagio,
como para activar o asseio da cidade, tão recommendado em taes casos pela junta
de hygiena publica. (A IMPRENSA CAXIENSE, n° 65, 1861, p.04, grifo nosso)

A forma do rito permanece durante todo o fim de século, ou seja, segue-se que da
leitura e comparação seriada dos óbitos, a afirmação “na forma do ritual romano” está presente
em todos os consultados. Este ritual romano, significa um cuidado específico, pré-estabelecido
acerca da liturgia fúnebre da Igreja Católica, reafirmando a unidade da instituição na unidade
do ritual, que entre outras práticas sob o corpo da encomendação constavam, a administração
dos sacramentos; o emprego do hábito ou mortalha; cortejo; dobres de sinos; as missas: de
corpo presente e pela alma do falecido (RODRIGUES, 1997, p.176).

Em um universo de 60 óbitos43, 34 deles apresentam como principal causa das


mortes as doenças, contagiosas e infecciosas, entre elas: febre; bexiga; hemorragia;
Tuberculose, e pleurisia. Demonstrando um quadro de mais da metade dos óbitos por causas
relacionadas a agentes patógenos oriundos do meio urbano e recebidos através da circulação de
pessoas entre as cidades e províncias. Tomando como exemplo o caso da pleuris, uma infecção
pulmonar que varia entre uma simples gripe a pneumonia, têm como causas possíveis, fungos
e bactérias, ou seja, a cidade sofria do mal combatido pela ala de médicos infeccionistas, para
os quais, os agentes causadores de doenças estavam adstritos no próprio ambiente, demandando

43
Anexo E página 113.
43

uma higiene da cidade e o seu reordenamento urbano, bem como, mudanças de hábitos, dentre
eles, os relacionados às práticas fúnebres preconizando que “a higiene da cidade se afigurava
como fator de extrema relevância na contenção de epidemias” (COE, 2008, p.82).

A partir do que foi exposto, existe no meio social da elite citadina caxiense a ideia
de “boa morte” nos testamentos, e da continuidade das práticas fúnebres na forma do ritual
romano, porém, com flexibilidade de lugar e o não impedimento para que um corpo pudesse
ser sepultado sem encomendação no cemitério público provisório. O número de casos de morte
por doenças sendo ainda maior do que outras causas entre as décadas de 1870 e 1880 evidencia
perenidade da causa que pode ter levado a elite a pressionar as autoridades locais para
instituição de um cemitério público, fazendo com que um provisório fosse feito em 1857 e que
as irmandades de São Benedito e Remedios construíssem os seus em 1862 e 1863
respectivamente.
44

3 “A NECROLOGIA DE MEIO SÉCULO”: MEDICALIZAÇÃO DA SOCIEDADE


E A SECULARIZAÇÃO DA MORTE

– A vista da mortalidade espantosa que houve, e tem continuado a haver em Caxias,


e achando-se as Igrejas em estado de não poderem receber mais cadáveres, o governo
da província ordenou que se construísse um cemitério provisório, e que esse fosse
destacada para alli serem sepultados os cadaveres. (A IMPRENSA, 1857, n°45, p.01)

Desta maneira, o termo apropriado para o plano de fundo da introdução do cemitério


é a “medicalização social” (FRANCO, 2019, p.23), fundamentada pela gradativa ascensão do
discurso médico higienista mediante a convivência da população com surtos epidêmicos, quiçá
deve ter fomentado um temor urbano que tomava como prática a ser abolida os sepultamentos
ad sanctus apud ecclesiam, entre outros.

A medicalização da sociedade está associada ao discurso médico-higienista e às


reformulações do espaço urbano das cidades oitocentistas. Em Caxias-MA, este processo pode
ser percebido através dos periódicos locais, do código de posturas e de algumas leis proibitivas
de 1871.

De acordo com Rodrigues (1997, p.55 e 57) a vigilância e o controle marcaram uma
nova etapa da administração pública centralizada. Uma das características deste movimento
pode ser a instituição de leis e decretos que regulam a vida social e seus hábitos, e possibilitam
cada vez mais a especialização do Estado sobre as várias formas das manifestações culturais e
ideológicas da sociedade humana:

Nesta perspectiva, um conjunto de leis, decretos, regulamentos, avisos, regimentos


marcaram a ampliação dos poderes do Estado, construindo o primeiro pilar que tomou
possíveis as futuras transformações, na Corte, das práticas de sepultamento.

[...]

Esta medicina, que se impôs durante a primeira metade do século XIX, penetrou no
aparelho estatal com um novo tipo de racionalidade que era assumida pela nova
configuração de Estado que emergia. (RODRIGUES, 1997, p.56 e 57)

O cemitério público provisório é uma das medidas tomadas pela elite local caxiense,
antes da criação dos cemitérios eclesiásticos das irmandades de São Benedito e Remedios, como
forma de amenizar os problemas decorrentes do número crescente de enterramentos nas igrejas.
Quanto ao aumento no número dos sepultamentos, não se sabe ao certo qual a causa, podendo
ser desde doenças a uma maior procura de famílias pelas sepulturas eclesiásticas dos templos
religiosos. Neste ínterim, a pressão das elites toma corpo no sentido de se buscar uma medida
45

de separação entre vivos e mortos, ou pelo menos entre cadáveres contaminados e os não
contaminados.

Neste sentido, o discurso hisgienista que fundamenta as ações da administração


pública suscita a busca pelo reordenamento do espaço urbano. Nesse movimento, os vivos,
procedem continuamente pelo distanciamento dos mortos. Os funerais tornaram-se mais baratos
e menos faustosos, características muito presentes na morte católica, e algumas propostas novas
em oposição aos funerais religiosos, vinham igualmente de modelos introduzidos pelas elites,
agentes de movimentos políticos e defensores de ideias laicas:

Os funerais civis também representaram uma resposta à grande ostentação dos


funerais religiosos, que contavam com muitas luzes, orações, sinos, músicas, além da
presença das irmandades religiosas, o que tornava caro o cerimonial. Em
contraposição a esta ostentação dos enterramentos eclesiásticos, os enterros civis eram
mais baratos. Quase sempre eram adotados por anticlericais, socialistas e
republicanos. (RODRIGUES, 2005, p.209)

No Brasil, a organização de políticas em torno dos lugares dos mortos torna-se


ponto de debate mais intenso no século XIX, sobretudo depois da lei de 1828 que tratava das
atribuições dos municípios no que tangia aos melhoramentos locais, a salubridade e higiene
urbana (COE, 2008, p.16).

Até que as autoridades conseguissem implementar de forma eficaz e permanente os


novos costumes sociais, os espaços de sepultamento foram adornados com as representações
humanas da morte e tomados como parte da estrutura referencial da sociedade. Representações
culturais, sintomas de um tempo e de uma forma de pensamento, que estabelecem distinções
entre as diferentes camadas de classes que compõem a formação cultural e política do Brasil.
Todos estes aspectos que já existiam na roupagem que o catolicismo conferia a morte passaram
aos cemitérios eclesiásticos, modificando-se nas décadas de 1880 e seguintes através da
implementação dos cemitérios públicos civis.

Na França, entre os séculos XVII e XVIII, aconteciam movimentações no sentido


da busca pela separação entre vivos e mortos, por tanto, da maneira mais adiantada que no
Brasil (ARIÈS, 2012). De maneira que, não era um problema exclusivamente brasileiro e sim
que as autoridades brasileiras só buscariam atuar mais fortemente na institucionalização dos
cemitérios em períodos de maiores surtos epidêmicos e infecciosos. Discorrendo sobre o medo
da epidemia de febre amarela na corte, Rodrigues (1997, p.53) diz que “Este impacto, que
provocou o medo entre os vivos, projetou-se no temor destes em ralação aos seus mortos, na
46

medida em que difundiu a concepção de que as sepulturas e seus cadáveres eram focos de
contaminação”.

Neste processo, de institucionalização dos cemitérios públicos e eclesiásticos,


pensaram a organização e detalhes artísticos a fim de que não houvesse rompimento total com
as representações que se faziam da morte, um exemplo é a caveira, que continuaria a ser
utilizada, sobretudo em cemitérios eclesiásticos cujos principais cadáveres sepultados eram de
pessoas oriundas do meio da elite imperial (LIMA, 1994, p.105).

A necessidade de cemitérios comuns corresponde a uma precariedade histórica


brasileira. Os sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam entre o período da colônia ao fim do
império, eram negados à uma parte da sociedade, o que possivelmente propiciava surtos
epidêmicos e revelava profundas desigualdades no que dizia respeito a sepultamento adequado
para os cadáveres de negros, escravos ou livres, e pessoas pobres, ainda que a Igreja enquanto
instituição passasse a cobrar dos senhores de escravos que concedessem, aos mesmos, os
direitos que lhes eram devidos na hora da morte (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p.342-343).
Estas cobranças eram fundamentadas em um medo residente no imaginário popular de acerto
de contas no mundo espiritual, no purgatório. Desta forma, cultura, ideologia, política e história
se entrelaçam e partem com seus enlaces de um lugar concreto (espaço dos mortos) para nortear
uma percepção de realidade social que pautava a morada dos vivos e suas relações com os
antepassados, residentes no lugar dos mortos:

Havia também diferenças determinadas pela região e época. Em áreas mais


urbanizadas, como Salvador, Recife, Olinda, Mariana, Vila Rica e Rio de Janeiro,
apesar de a igreja matriz reunir parte dos sepultamentos dos seus fregueses, a forte
presença do catolicismo leigo das irmandades religiosas e ordens terceiras
possibilitava que várias dessas associações erguessem suas próprias capelas filiais,
multiplicando os espaços de sepultura e a gestão dos sufrágios por seus capelães.
(SCHWARCZ; GOMES, 2018, p.342-343)

Os cemitérios públicos, eclesiásticos e privados oficiais, espaços distintos e


baseados em nova concepção da morte, criados para separação entre vivos e mortos mediante
fundamentação modernista no discurso de civilidade e salubridade urbana, passaram a servir
como cidades paralelas à própria cidade44. Eles chegam a Caxias pelas mãos da elite política
local, provincial, e das irmandades religiosas, igualmente constituídas em grande parte pela
elite.

44
Necrópole é outro nome que se dá ao cemitério, que remete a uma cidade dos mortos, se for de grande porte.
47

Os cemitérios de São Benedito45 e Remedios (cemitérios eclesiásticos) em Caxias-


MA, foram construídos em 1862 e 1863 respectivamente, portanto, existem a mais de um século
e meio. A riqueza de suas construções está assentada nos mausoléus, túmulos, lápides e, em
suas capelas para ofícios religiosos de encomendação dos defuntos. Estes espaços refletem o
panorama nacional daquele tempo, a busca pelo reordenamento urbano e, o movimento
higienista tonificando a necessidade de se terem lugares adequados para inumação de cadáveres
(VIDAL, 2015, p.15).

Os mortos então foram vistos como um problema que precisava ser sanado sob pena
de não cessarem as epidemias, infecções, miasmas e a “podridão” exalada pelos cadáveres
depositados no interior ou entorno dos templos religiosos prejudicando o convívio social
urbano. Na cidade de São Luís, por exemplo, a classe médica ganhava cada vez mais
importância no contexto social, político e cultural a medida em que fazia ecoar muitas dessas
ideias, não sem motivo, pois de 1844-1856 a ilha viveu pequenos surtos de varíola chegando
ao ápice em número de mortos no ano de 1856:

Dentre as várias construções teóricas, havia o ideário que buscava uma urgente
reorganização e saneamento do espaço urbano ludovicense. Diante desse contexto,
havia uma preocupação com as epidemias que assolaram a cidade principalmente ao
longo do século XIX, e que para as autoridades locais tinham relação com o descaso
da população para com as mínimas regras de higiene. (COE, 2012, p.18)

No entanto, mesmo diante de todas estas observações, até os fins do século XIX,
pode-se conjecturar que ocorreram sepultamentos eclesiásticos e depósitos de restos mortais
trasladados. Em Pastos Bons, região próxima ao entorno de Caxias, os sepultamentos ad sanctus
apud ecclesiam, pelo menos das elites ocorreria até as décadas de 188046 e 1890.

No Maranhão oitocentista, partindo da capital, São Luís, a ideologia higienista foi


inserida no aparelho governamental através da Junta de Higiene Pública que atuava como
conselho de médicos dedicados a orientar as ações do governo provincial e, entre muitas
propostas buscava na educação e imposição pelo poder policial, um meio eficaz de manipular
e reformular os comportamentos sociais, as práticas dos ritos fúnebres, assim como, da
organização das casas, construção de ruas mais largas, cuidado com a água, tratamento de
doentes, destino adequado aos cadáveres contaminados por doenças, entre outras. Desta forma,
“O uso das igrejas como local de celebração aos mortos passava a ser associado a “falta de

45
Largo de São Benedito, Frente à Praça D. Luís Marelim (Praça da Chapada).
46
Na página 80 deste trabalho faz-se referência à tentativa de sepultamento do cadáver do sr. Manoel da Costa
Nunes em 1880 na Igreja da cidade de Pastos Bons, sendo impedido o sepultamento pelo pároco local, dado que
o referido cidadão era maçon. (PACOTILHA, 1883, n°28, p.03).
48

civilidade”’ e essa prática passou a ser considerada resquício de um “barbarismo”’ que


precisava ser superado” (COE, 2008, p.31).

No jornal O Farol (1856, n°210, p.02), um trecho do “relatório” da câmara


municipal entregue ao presidente da província, traz entre seus tópicos o termo “Estado
sanitário” (p.02), o mesmo diz que:

Tem-se desenvolvido desde os fins do anno passado uma enfermidade que já conta
com algumas victimas, a qual em menor escala costuma affligir a população com a
entrada da estação chuvosa; mas que no presente anno tem merecido mais serias
considerações aos facultativos pela sua maior intensidade. (O FAROL, 1856, n°210,
p.02)

Neste caso, as transformações do espaço caxiense influenciadas pela presença de


ideias com teor médico-sanitarista induzem a pensar no sentido de que as preocupações com as
doenças infecciosas e contagiosas existiam, revelando possivelmente proximidade da realidade
local com problemas sanitários. As ações para sanar os resultados da precariedade sanitária
muito se assemelham às empregadas na capital São Luís. Utilizam igualmente argumentos
típicos do higienismo e infeccionismo como tentativa de explicação da origem47 do mal:

Sendo certo que a epidemia reinante se torna mais mortífera nos lugares onde há
menos limpeza e aceio, somos da opinião que a Ilustrissima Camara faça cumprir as
Posturas Municipaes tendentes ao aceio das ruas, praças e terrenos da Cidade,
adoptando igualmente as seguintes medidas de conveniência publica – Prohibir que
depositem immundicias nas vizinhanças das cazas e estradas – fazer distruir curraes
de gado contíguos às cazas de vivenda – evitar que se lancem nos arrebaldes da Cidade
animaes mortos obrigando seos donos a manda-los conduzir para lugar desviado afim
de serem enterrados, ou queimados – recomendar o aceio possível nos matadouros, e
açougues, e que os bois cortados para consumo não sejam enfezados, ou empestados
– fazer esgotar os pântanos estagnados, ou charcos que contenham agoas estagnadas
porque, os destroços animaes, e vegetaes, que encerram, são o germen de muitas
moléstias epidêmicas. A estes pântanos attribuimos as febres intermittentes que há
dois annos tem grassado nesta Cidade. (O TELEGRAPHO, 1854, n°255, p.01)

Em uma correspondência, descobre-se que a cidade de Caxias, vivenciava a


dicotomia das cidades grandes e capitais de províncias a respeito dos lugares de sepultamento,
dos miasmas produzidos pelo cheiro dos cadáveres depositados nas igrejas 48, além da
iluminação pública que aparece como fator de contrapeso na disputa pelo orçamento
municipal49. De um lado queria-se uma cidade mais clara a noite, de outro, veem a necessidade
de construção de um cemitério público, talvez dois, pois o cheiro que os cadáveres
impregnavam no ar da cidade em torno dos templos religiosos já incomodava muito a elite.

47
De acordo com o higienismo, as doenças se originam no meio ambiente e, para o infeccionismo, as doenças e
os males delas advindos são ocasionados por infecção devendo-se evitar o contato com os doentes.
48
Capítulos 3 e 4 deste trabalho.
49
O FAROL, 1851, n°65, p.01, citação na página 81 deste trabalho.
49

Quanto a isto, Luiz de Christo escrevendo a seu amigo Xisto, procurador das causas em
Teresina, relata que:

Está se vestindo de novo (grifo nosso) a velha matriz de N. S. da Conceição e S. José,


e mesmo interiormente alguns reparos se ha feito: - este dispêndio dizem que tem
sahido da fabrica e da bolça de alguns proprietários. As outras igrejas também tem
recebido seus melhoramentos. Apraz-me muito este estado de cousas, que revelam
mais respeito e amor da parte dos homens para com Deus. Com effeito, fazia dó o
estado deplorável dos templos nesta terra! Em todos elles reinava soberanamente o
maior desleixo, a imundície fazia a variedade de seos ornatos parietaes e até mesmo
de alguns altares!! Era intolerável o cheiro, que exalava das sepulturas abertas
intempestivamente pela imperícia dos fabriqueiros e dos sacristães, que extraiam
os corpos ainda em estado de putrefação! (grifo nosso) Entretanto, assim mesmo
respirando tão pestilentos miasmas, ali se reunia a sociedade e christã para render o
culto devido ao seo Creador; ali diariamente se celebrava o sacrifício mais augusto de
nossa religião! [...] (O FAROL, 1854, n°156, p.01, grifo nosso)

Desta maneira, algumas preconizações higienistas sobre os espaços já estavam


circulando em Caxias por esse período, motivadas pela elite e tendo como meio de propagação
os jornais, os quais intelectuais da própria São Luís, médicos infeccionistas e higienistas,
utilizaram para introduzir no discurso político da época as novas concepções profiláticas, do
progresso e do reordenamento urbano, inclusive para o interior da província. Qual o motivo que
levou as elites caxienses a buscarem no discurso higienista os fundamentos para melhoria da
salubridade urbana? O medo:

Sr. Edictor. Grassa há mais de quatro mezes nesta Cidade uma epidemia de febres,
que tem acommetido a um grande numero de pessoas. Com quanto maior numero de
casos o seo typo característico seja o intermitente, em alguns indivíduos tem
apparecido complicações de ___ mas graves; se bem que todos os doentes da minha
clinica se tenham restabelecido, todavia esta moléstia tem assustado a muita gente,
supondo que já existe entre nós a febre amarella. (JORNAL CAXIENSE, 1851,
n°227, p.01)

A epidemia de febre da qual se fala está assolando Teresina, e perturba o sono de


parte da sociedade caxiense. Os periódicos da cidade entre 1850 e 1860, sobretudo O Farol, A
imprensa caxiense, Jornal caxiense e O Telegrapho veiculam notícias vindas de fora a respeito
da epidemia de febre amarela. No periódico O Telegrapho (1850) consta a transcrição de um
ofício em resposta aos questionamentos da câmara municipal a um médico sobre como proceder
se por acaso a cidade enfrentar uma epidemia do tipo da febre amarela, ao que responde o
médico:

Além do que já uma vez disse em um artigo sobre esse ponto, inserto no “Jornal
Caxiense” que a este acompanha, é de suma importância fazer cumprir os artigos 60,
90, 100 e 111 do Código de Posturas: a este ultimo lembro que designado o logar
para se receber os doentes desfalidos, ahi deverá hir diariamente o Facultativo da
Camara para examina-los, fazendo as competentes applicações, e a custa do governo
haverá uma Botica para fornecimento dos precisos medicamentos a aquelas pessoas,
50

que por sua pobreza os não poderem comprar. (O TELEGRAPHO, 1850, n°248, p.01,
grifo nosso)

No código de posturas, os referidos artigos remetem à higiene da cidade quanto a


animais, como porcos por exemplo, toque de recolher, multa por descumprimento das medidas
contrárias à venda de alimentos estragados ou contaminados e, isolamento dos doentes em
espaço longe do convívio com os saudáveis (COLLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS E
RESOLUÇÕES DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1846, p.52, 58, 60 e 62).

Continuando, o médico aborda os sepultamentos dos cadáveres contaminados,


mencionando os artigos 112, 123, 125 e 126, cujo primeiro trata dos cuidados que os senhores
deveriam ter para com seus escravos “morféticos” ou falecidos. Já os outros, referem-se às
observações dos sepultamentos nas igrejas, por conta de não “haver cemitério”, bem como, a
separação entre os lugares de sepultamento dos cadáveres contaminados e os não contaminados.
Diz o artigo 125 que “Os corpos de pessoas, que fallecerem por motivos de moléstias
contagiosas, serão conduzidos para os logares, em que devem ser sepultados, em caixões
fechados, em tumbas, ou esquifes e bem cobertos com panos. – aos contraventores multa de
dez mil reis e o duplo na reincidência” (COLLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS E RESOLUÇÕES
DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1846, p.65).

Desta maneira, a preocupação com a higiene da cidade e os sepultamentos ad


sanctus apud ecclesiam já vinham sendo motivo de discussão na cidade a pelo menos uma
década antes de 1850, dado que o código de posturas ora mencionado é de 1846. No quadro já
exposto, a elite que controla os meios de circulação das ideias começa questionar com mais
força os hábitos religiosos tidos como anti-civilizados, dizendo que “o uzo de se enterrarem os
cadáveres dentro, e á porta dos templos, além de contrastar com nosso estado de civilisação, é
condemnado por outras considerações ainda que importam a saúde, e a moral publica” (O
FAROL, 1856, n°210, p.02).

No jornal O Telegrapho (1854), o colunista informa que “No anno passado, e já


neste mesmo anno, apareceram em alguns indiviiduos – pústulas malignas, e carbúnculos –
ainda não a treze mezes que muitas pessoas foram attacadas de desintherias; e soube-se depois
que haviam comido carne de má qualidade. (1854, n°255, p.01), buscando atribuir ao problema
apontado a falta de cuidado, má fé dos vendedores, mas sobretudo, ele reproduz os fundamentos
do discurso infeccionista, a de que o meio ambiente em que vive o ser humano é responsável
pelas doenças urbanas. De acordo com Vidal (2015):
51

A noção de doença ligada ao meio ambiente, no período anterior à concepção de uma


etiologia parasitária, na década de 1880, evidencia o compartimento entre os médicos
de crenças, valores e técnicas institucionalizadas pela anatomoclínica e pela higiene
[...] a medicina passou a integrar ao seu campo de estudo conhecimentos sobre a
dimensão coletiva da vida humana. (VIDAL, 2015, p.34 e 35)

Fundamentada no discurso médico-científico e visando avançar ainda mais sobre


as normas de sepultamento nos cemitérios públicos, a assembleia legislativa da Província do
Maranhão aprova uma espécie de postura da câmara municipal de Caxias em 1871, na qual
revela-se, além da forte concepção higienista, o medo de surtos epidêmicos mortais ligados a
doenças contagiosas:

Art. 7°. As sepulturas que houverem recebido corpos de pessoas fallecidas de


moléstias contagiosas só poderão ser abertas para novos enterramentos no fim de seis
annos. Exceptuarão-se as sepulturas dos que morrerem de cholera-morbus que serão
perpetuamente encerradas. Aos contraventores que serão sempre os administradores
dos cemitérios, multa de trinta mil reis e oito dias de prisão e o duplo nas reincidências.
(PUBLICADOR MARANHENSE, 1871, n°142, p.01)

o culto público, era outro objeto de normatização por parte das autoridades.
Segundo o mesmo jornal, no artigo 4° a câmara propôs e foi aprovado pela assembleia
legislativa provincial, limitar os dobres de sinos. A chamada “vigilância auditiva” era instituída
na cidade:

Art. 4°. Os dobres de sinos por morte de qualquer pessoa não excederão em nas
respectivas freguesias no numero que tem estabelecido a constituição do bispado, e
não durará enda um mais de três minutos. Ao contraventor que será sempre o
procurador da irmandade que administrar a igreja ou cemitério, multa de trinta mil
reis e o duplo nas reincidências. (PUBLICADOR MARANHENSE, 1871, n°142,
p.01)

Na cidade, a saber, as igrejas: matriz de Nª da Conceição e São José; Nª do Rosário


dos pretos; matriz de Nª de Nazareth50; matriz de São Benedito e Nª dos Remédios, foram
redutos cemiteriais, como bem se pode observar em alguns compromissos das irmandades do
ano de 1855, pela inexistência até a data de lavratura do compromisso pela assembleia
provincial na capital São Luís “Art. 20. Em quanto não houver cemitério nesta cidade e
continuarem os enterramentos nas igrejas, compete a irmandade regular os preços das
sepulturas, de cujas esmolas entrarão para o cofre da irmandade as partes que de direito lhe
pertencerem” (COLEÇÃO DE LEIS E DECRETOS DO MARANHÃO, 1855, p. 30).

Nos periódicos jornalísticos locais, o assunto sobre os espaços dos mortos aparece
com frequência, principalmente em momentos de crises epidêmicas, quando se fazem notar o

50
Ainda que tenha sido uma das mais importantes igrejas da cidade de Caxias, chegando a servir como matriz de
uma freguesia importante (Tresidela), resolvemos abordar apenas as igrejas que ficam a leste do rio Itapecuru.
52

peso da quantidade de mortes e por consequência, do número de cadáveres a serem enterrados.


Mesmo com a proibição dos sepultamentos eclesiásticos, a prática continuou comum no
interior, por exemplo, essa observação de A imprensa sobre as possíveis causas do
desconhecimento estatístico de números reais de mortos, informa ainda alguns aspectos dos
hábitos de sepultamento no interior da província, dizendo que:

[...] Este defeito resulta de que os parochos só registrão os mortos, que se enterram na
matriz, ou no cemitério, e talvez nem todos. Ora é sabido que nas freguesias extensas,
como são todas da província, continuão a enterrar os mortos em qualquer capella, ou
mesmo na beira das estradas em qualquer cruz. (A IMPRENSA, 1857, n°50, p.02,
grifo nosso)

Afim de tentar reverter este quadro, os cemitérios se constituem focos de políticas


sanitárias, assim como pontos estratégicos de uma política urbana moderna. A planta do
cemitério Nª Senhora dos Remédios51 foi desenhada por um visconde de origem francesa52, que
foi designado engenheiro da província do Maranhão, estando a época, entre 1855 e 1856, a
cargo de um empreendimento de desobstrução e melhorias de um dos caminhos da navegação
da província, a barragem de Lajem Grande no rio Mearim.

Desta maneira, o cemitério já nasceria com ares de “necrópole monumentalizada”53,


com ruas, calçadas e um formato cujos lados deveriam ser bem definidos, simétricos, mas
tendendo a harmonizar-se com a disposição de outros elementos a exemplo da Capela
cemiterial. Mesmo que este espaço não tenha saído do papel ao que tudo indica, a concepção
das autoridades da província e da elite acerca de como ele devia ser, permeia o contexto e deve
ter influenciado em muitos aspectos a construção dos cemitérios Nª Senhora dos Remedios e
São Benedito, bem como, as observações em compromissos de irmandades definindo que os
corpos dos irmãos falecidos deveriam ser levados aos últimos jazigos em “esquife” ou caixão
feito pela família e “fechado”.

Portanto, em Caxias até o século XIX, os sepultamentos das pessoas que viviam em
áreas “urbanas”, e ocorriam no “interior”, no “entorno” das igrejas e capelas locais, passou a
representar um problema sanitário entre 1850 e 1870, do qual a elite tomou consciência
mediante o processo de medicalização da sociedade através do discurso médico-higienista e das
leis, decretos e resoluções proibitivos de tais práticas. A separação, que antes era hierárquica,

51
Largo de Nossa Senhora dos Remedios, Bairro Castelo Branco. Planta anexo L na página 127.
52
De acordo com os discursos fúnebres, a serem transcritos nas páginas seguintes, o visconde não era brasileiro e
seu sobrenome remete a uma dinastia francesa com ganho de notoriedade no tempo lá pelos fins do século XII e
início do XIII na França.
53
Consultar o projeto do cemitério público de Caxias de 1849, no capítulo 5 deste trabalho.
53

passa a tomar conotação médico-científica. Os cadáveres contaminados por doenças


infectocontagiosas eram depositados em lugares distintos e longe da cidade.

3.2 “A TERRA TE SEJA LEVE”: A SECULARIZAÇÃO DA MORTE

De ordem da meza administrativa da Irmandade de N. S. dos Remedios, se faz publico,


que este anno se fará a Procissão de ossos comemorativa dos finados, sahisndo da
Igreja de N. S. dos Remedios as 6 horas da tarde do dia 1° de novembro, recolhendo-
se ao cemitério da Irmandade, aonde pregará o muito Reverendo Padre João Joaquim
Guimarães. No dia 2 haverá missa as 6 horas da manhã na capella do cemitério.

A meza pede concorrência dos devotos a estes actos religiosos. (O FAROL, 1863,
n°104, p.04, grifo nosso)

A procissão dos “ossos”, típica de confrarias portuguesas54, serve para evidenciar


estreiteza de laços sociais entre vivos e mortos na Caxias oitocentista, porém, o local de
realização da pregação tinha lugar na Capela do cemitério da irmandade, evidenciando a
mudança de local do culto aos mortos.

As representações da morte, coletadas em linhas de periódicos, as principais fontes


da pesquisa, atestam a dinamicidade e envolvimento social com as práticas fúnebres até o início
do século XX55. Morte não é apenas um acontecimento natural, é referenciação da identidade
histórica local e nacional e, representação biográfico-memorialista das elites locais.

Na cidade, na segunda metade do século XIX, vão sofrendo gradativas


transformações, em parte pelos motivos apontados no capítulo anterior, atuando em conjunto
com o processo de secularização do imaginário. Como chega-se a esta conclusão? Leis e
decretos da província do Maranhão começam a legislar56 sobre os sepultamentos:

- O presidente da província determina que o attestado do facultativo, de que tracta o


art. 23 do reg. De 15 de outubro de 1855, limita-se à declarar a natureza da moléstia,
á que succumbio o finado, devendo as outras declarações do citado artigo ser prestado
pelos parentes e encarregados do enterramento. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1858,
n°27, p.01, grifo nosso)

No código de posturas do municipal de 1846, portanto 4 anos antes do recorte


temporal deste trabalho, serviu como regulamento oficial e padrão até 1864, quando é aprovado
um novo código, o qual não encontramos, especifica como se deve proceder ao destinar

54
Cortejo próprio das confrarias de Misericórdia portuguesas, realizado no dia de Todos os Santos. Procissão dos
ossos. Acesso em: museuvirtualdalusofonia.com. Acessado em: 2020.
55
Anexo G página 119.
56
No Jornal Diário do Maranhão, de 1858, a secretaria de obras públicas estipula um prazo de 3 anos para nova
abertura de sepultura de adultos: “nenhum adulto poderia ser aberto senão três annos depois do enterramento”,
p.01. Já no Jornal de Caxias do ano de 1897 o enfoque recai sobre as diretrizes para se registrar um óbito “dentro
de vinte e quatro horas o interessado deve apresentar atestado médico ou de duas pessoas idôneas com competente
visto da autoridade” (n°89, p.04).
54

sepultura aos cadáveres dentro e fora das igrejas, bem como, os procedimentos para se dar
sepultura a quem houvesse falecido repentinamente a quem a causa da morte já fosse atestada
como “doença contagiosa”, ou seja, o discurso médico já influenciava as práticas de
sepultamento na cidade desde dentro dos templos religiosos culminando na separação entre
vivos e mortos:

Art. 124. Nenhum corpo de pessôa que tenha fallecido repentinamente, será dado à
sepultura sem ordem da auctoridade, à quem competir o direito de mandar proceder
os exames necessários para conhecimento da cauza, que deu logar à morte.

Art. Os corpos de pessôas, que fallecerem por motivos de moléstias contagiosas, serão
conduzidos para os logares, em que devem ser sepultados, em caixões fechados, em
tumbas, ou esquifes e bem cobertos com panos. (COLEÇÃO DE LEIS E DECRETOS
DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1846, p.65)

Dentre os jornais utilizados como fonte, o desaparecimento dos discursos fúnebres


de suas páginas57 revelam o aspecto da passagem da visão secular de morte nos discursos ao
lugar de sepultamento dos mortos, quanto aos testamentos, reduz-se sua ocorrência, as notas de
pesares, chamadas para missas de sétimo dia ficam escassas ou pequenas (GAZETA
CAXIENSE, 1887, n°03, p.04). Aquele culto público vai sendo minguando, pelo menos dentro
dos periódicos e, o que foi outrora sinônimo de uma “pedagogia do bem morrer” e da “morte
espetacularizada” do catolicismo tornam-se práticas fúnebres individualizadas e de cuidado
privativo das famílias (RODRIGUES, 2005, p.40-53).

Além das notas de pesar bem elaboradas que preenchem as páginas dos jornais, O
Farol e A imprensa caxiense, os agradecimentos públicos pelas participações de parentes,
amigos e bandas de música revelam um pouco de como era o cortejo fúnebre das elites
caxienses no acompanhamento ao último jazigo. Esse poder de representação social é fruto de
uma condição diferenciada. Ao comendador João Paulo Dias Carneiro, um editor do jornal O
Farol (1861) rende homenagens e um culto público à sua memória. Diz ele:

Porque senhor, cahos tumultuario tam bela e esperançosa ergueste a vida, se no pé da


vida collaste a morte! (GARRET).

57
O número fica mais escasso quando fora do meio periódico de circulação mais restrita, como: O Farol e A
imprensa caxiense, e mesmo nestes, quando se passa da década de 1850 a menção aos mortos ilustres com páginas
inteiras dedicadas às suas “necrologias” vai diminuindo, contam-se ao todo nestes jornais 23 assuntos relacionados
a discursos fúnebres, missas de sétimo dia e notas de agradecimento para os que acompanharam um enterro. Nos
jornais: Gazeta de Caxias e Jornal de Caxias, os termos são substituídos por “registros de óbitos” e, vez ou outra,
aparece um discurso fúnebre mais extenso, no entanto é muito raro. A primeira dupla de jornais foi consultada
com o recorte temporal de 1850 a 1867, e a segunda de 1880 a 1900.
55

No dia 31 de Janeiro p. findo a portou a esta Cidade bastante enfermo de sua fazenda
o Ilm. Snr. Commendador João Paulo Dias Carneiro, e as 4 horas do dia seguinte teve
logar o seu passamento.

Huma biografia seria talves pequeno monumento erigido em memoria d’uma vida tão
prodiga de actos honrosos, tão caritativa, tão beneficente...

Com tudo não estamos habilitados para tanto.

Huma linha pois, que annuncie, que o venerando ancião já não existe, numa palavra
que chame a attenção da geração presente sobre a vida do finado; uma lagrima de dôr
e de saudade derramada sobre seu tumulo, eis o que podemos.

Sua morte deixou um vacuo... Torrentes de lagrimas derramadas sobre o seu tumulo
não pagarião os benefícios por ele derramados em sua vida.

Levava a generosidade até a abnegação de si mesmo. Seria impossível recordar as


vezes que se – privou dos commodos, que lhe davão sua fortuna, sua posição e
avançada idade.

Não ha invejar a gloria do sabio, a gloria do soldado, quem se – tornou glorioso pela
caridade. – E’ a gloria do finado João Paulo; gloria que está nas conversações do povo,
e que se – transmitte de pais a filhos, gloria que está nos corações de todos.

Pai da pobreza... Era assim, que se – falava do Commendador João Paulo; é com este
honroso e bem merecido título, que sua lembrança será guardada.

O Snr. Commendador João Paulo viveu 74 annos, ocupou altas posições na sociedade.
Foi elle o ultimo Prefeito desta comarca.

Os restos do illustre finado estão depositados na Matriz de N. S. da Conceição e S.


José desta Cidade, onde seos beneficiados poderão ir sobre sua campa derramar uma
lagrima, suplicando ao Altissimo a porificação de sua alma.

Elle está com Deos... E’ bem que a terra tão bem conserve sua lembrança; para isso
não são precisos marmores, nem bronze, e basta que todos aquelles seos amigos
tenhão escripto nos seos corações o seu nome. E vós, chorado amigo, aceitai da
manção onde resides um adeos d’amizade sincera.

A terra lhe seja leve, a misericórdia da senhora seja com elle. (O FAROL, 1861, n°335,
p.01-02)

Ao que tudo indica, a família do comendador desembolsou a quantia de 100$000


reis para dar sepultura ao finado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José58,
correspondendo, segundo consta no jornal A Imprensa (1861, n°11, p.01) já de um reajuste
levando-se em conta o sepultamento de outro membro, da mesma família em período anterior,
no valor de 50$000 reis. É importante ressaltar, que os dados nos quais nos quais se baseia a
pesquisa para tais afirmações estão dentro de uma correspondência no periódico citado, o que
dificulta entender exatamente o porquê de as sepulturas terem se tornado tão caras, e se o
escritor não estava estabelecendo uma crítica ao costume haja em vista que ele mesmo parece

58
A IMPRENSA, 1861, n°11, p.01.
56

ser favorável ao fim dos sepultamentos no interior das igrejas e um crítico aos preços das
sepulturas:

Com a construção destes cemitérios tem de cessar o prejudicial costume de


enterramentos de cadáveres nas Igrejas, com isto tem de soffrer muito os interesses
do Parocho da freguesia de N. S. da Conceição, a quem pertence o producto das
sepulturas da respectiva matriz, [...] (A IMPRENSA, 1861, n°11, p.01, grifo nosso)

A ideia de luto coletivo que pode ser expressa na procissão, no cortejo fúnebre e
nas notas de pesar que trazem os elementos do mesmo, como a possibilidade de grande
quantidade de pessoas, de comoção e solidariedade para além das teias familiares, estão
presentes nos agradecimentos, os quais levam a pesquisa a desenhar as características do funeral
das elites em Caxias. Havia música, quantidade significativa de pessoas, possivelmente a
presença das irmandades, amigos e sacerdotes para guiar os ritos. No passamento da irmã de
Manoel José de Azevedo estiveram presentes 4 padres, público e música, que segundo a nota
de agradecimento foi tocada “voluntariamente”:

Manoel José d’Azevedo, agradece cordialmente aos ilms., e Reverendíssimos Snrs.


Padres Antonio Julião Soares, Raimundo João Alvares Duarte, Rosendo José Jovita,
Alexandre Jacintho Mendes, e obsequio que lhe fizerão de acompanhar o passamento
de sua presada irmã Veronica Rodofina d’Azevedo; assim como, a todas as pessoas
que honrarão aquelle acto com suas respeitáveis presenças: igualmente agradece ao
Snr. Francisco Joaquim de Seixas Dourado que voluntariamente se prestou em
obsequiar-lhe com muzica: minha gratidão será para todos eterna memoria. Caxias,
12 de Maio de 1856. (O FAROL, 1856, n°209, p.04)

Francisco Joaquim de Seixas Dourado participou da cerimônia fúnebre de Maria


Izabel Xavier Cariman, demonstrando que o recurso a melodias no luto e sepultamento destes
indivíduos ocorria com certa frequência. Através dos compromissos das irmandades posteriores
à década de 1850 já se faz notar a forma do cortejo eclesiástico público rumo aos cemitérios,
disponibilizando um “caixão” oficial da irmandade. Não se sabe se isto se o trajeto até o
cemitério se fazia com música, mas, até o fechar da primeira metade do século XIX, a utilização
da banda de música ocorria. Antonio Marcellino Rodrigues Cariman e familiares agradecem:

...a todas as pessoas que espontaneamente se prestarão à serviços caridosos – as – que


só se dignarão acompanhar ao jazigo dos finados os restos mortaes de sua chara
sempre chorada Esposa e Mã, D. Maria Izabel Xavier Cariman, como as que assistirão
a Missa de sétimo dia: - e sinceramente agradecem aos Srs. Dr. Julio Cezar Andreyne,
e Cerurgião-mor Francisco Antonio Firmo, os desvellos que tiveram no tratamento,
exgotando todos os recursos da arte: - e assim também aos Srs. Francisco Joaquim de
Seixas Dourado e Matheus Pinheiro de Oliveira, por terem-se prestado
espontaneamente e gratuitamente com suas bandas de muzica. A todos, seos
reconhecimentos serão immorredouros. Caxias, 16 de Maio de 1859. (O FAROL,
1859, n°284, p.02)
57

Neste “soneto” do ano de 1845, endereçado a D. Cláudia Custódia pode-se observar


a morte dramatizada, a morte do outro que segundo Tavares (2010) não era desejável, era
dolorida, porém bela, as linhas em forma de soneto levando os “pêsames” do escritor
possibilitam conceituar a morte nesse período como o período da “morte do outro” (p.07 e 08).
Desta maneira o interlocutor dirige-se:

A Snra. D. Claudia Custodia dos Anjos, por ocasião da morte de seu Filho Honorio
Barbosa de Brito.
SONETO.

Desditosa, triste. Mãe desconsolada,


Termina o pranto teo, e dor pungente,
Que um Pai, Rei celeste, e Deos clemente,
Ao Bom no Céo premeio: a vida é [...]

A fouce a segar vidas destinada,


Em teo Filho empregou o golpe ingente!
Sua perda foi sentida ardentemente,
De quem a probidade he sempre amada.

De dores teo coração está passado,


Cesse teo pranto; e nos sirva de modelo,
Esse Filho querido, idolatrado.

A vida para o justo é um flagello:


Arrebatou-o ao Céo furor sagrado,
Resolvendo dest’arte a si acolhe-lo.
J. J. G. (BRADO CAXIENSE, 1845, n°11, p.02)

De 1860 em diante, nota-se a frequência em ritmo de diminuição dos discursos


fúnebres, que devem ter cedido lugar aos registros estatísticos de mortos, como já se vinha
fazendo em São Luís, constando nos mesmos apenas o nome do falecido, a causa mortis, idade
e local de sepultamento. O processo das práticas literárias fúnebres, como a elaboração em
memória, préstimo, testamentos e discursos fúnebres, tornam-se seculares a medida em que a
morte como igual para todos não necessita de diferenciação do defunto perante a opinião
pública (RODRIGUES, 2005, p.101). A biografia é reduzida aos epitáfios dos jazigos e os
espetáculos de uma morte pública tornam-se cada vez mais silenciosos.

Dentro desse período de 1850 a 1863, foram realizados sepultamentos ad sanctus


apud ecclesiam de defuntos ilustres, como podem ser destacados o Visconde de Saint-Aand59
e, o comendador João Paulo Dias Carneiro, este último, na Igreja Nª Senhora da Conceição e
São José60. No discurso fúnebre do Visconde, a riqueza de detalhes biográficos e reflexivos, do

59
Notas fúnebres transcritas tanto no jornal O DÁRIO DO MARANHÃO de 1858, como no A NOVA
EPOCHA, 1858, n°120, p.04 e, representa estimada riqueza literária e concepção de um luto partilhado, coletivo.
60
O FAROL, 1861, n°335, p.01-02.
58

momento e estado do próprio corpo, ajudam a vislumbrar um pouco do luto coletivo em Caxias.
Neste discurso fúnebre estão presentes tanto a ideia da morte dramatizada como a de que a
Igreja e os santos estariam ali para guardar, proteger e ajudar os fiéis sepultados. Proclama
Augusto Cezar Marques:

Reparai, Senhores!...

Antes que para sempre desapareça a nossos olhos o cadáver, que como christãos, aqui
viemos confiar guarda ao Senhor, antes que se suma nos segredos do Túmulo este
corpo d’onde há pouco se desprendeo uma alma nobre e generosa, ouvi-me por pouco
tempo.

Sahindo da região das trevas, onde me levou cruel moléstia, e mal podendo encarar a
luz do dia, apenas venho chorar sobre os restos mortaes do visconde Saint-Amand.

Não me envergonho destas lágrimas, acostumado a ouvir dores e lamentos a todas as


horas, gemendo com o pobre e chorando com o rico, mil vezes minha vida, deste
ligeiro transito tão cheio de cardos e de espinhos! Não me envergonho, repito, destas
lagrimas, que choro, porque em falta de palavras, diz o Dr. Goldsmith, a mais
vehemente facúndia de um coração afflicto, - são as lagrimas. Não me pejo, Senhores,
de chorar, porque se o grande Scipião chorou sobre as ruinas de Carthago, ninguém
deve censurar as lagrimas derramadas sobre o corpo de um amigo, que se perdeo, e se
perdeo para sempre! Não venho derramar flores de Rethorica; a linguagem da amizade
é tão franca como a corrente dos nossos bosques, é tão verdadeira, como é verdade a
Religião desse Deos, em cujo seio agora nos achamos. Desfolharei apenas alguns
ramos de cypreste contando a sua vida. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1858, n°126,
p.03)

Em outro trecho, Marques aborda com mais ênfase a vida do visconde e origem de
seu nascimento, não deixando de dar um afago ao “centro da civilização” da época, a saber a
França, de onde veio Amand para o Brasil:

Henrique de Saint-Amand, Senhores, era natural do centro da civilização. Pariz lhe


deo o berço: descendente de paes nobres, o ilustre finado lhes excedeo com nobresa
de alma, sentimentos generosos, e acrisoladas virtudes. Apenas chegado ao uso da
razão o Exercito francez, esse valente Exercito, que tem causado admiração ao mundo
inteiro, lhe abrio os braços, a bandeira tricolor contou mais um strenuo defensor, a
escola dos Engenheiros teve mais um alumno, que muito a honrou, pela sua
esclarecida intelligencia. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1858, n°126, p.03, grifo
nosso)

O visconde em vista de seu estado de saúde, deve ter ditado suas últimas vontades
em testamento, porém não alcançado pela pesquisa, este documento impossibilita descrever
mais como foram realizados os ofícios fúnebres de sua encomendação deixando, no entanto,
que os discurso fúnebres e notas de pesar apontem o caminho de se visualizar o sepultamento
deste indivíduo distinto. Cezar Marques e o alferes Ataliba discutem sobre o ser humano que
partiu e o apresentam ao público, mas, o periódico Diário do Maranhão (1858) dá uma
dimensão do impacto social que a morte causava no ceio da sociedade caxiense, dramatizando
59

no começo o momento do falecimento de Saint-Amand informa que muitas pessoas


compareceram ao seu sepultamento:

...nos braços de sua infeliz esposa suspirou em presença de seo medico assistente, o
Dr. Vaz, e o Dr. Andreini! Apenas correo tal notícia ninguém acreditou, e só a vista
convencia que elle já tinha sido riscado do numero dos vivos! Triste realidade!

[...]

Seo enterro foi muito concorrido; parecia que os habitantes d’esta cidade, desde o
mais alto funcionário publico até o mais pequeno e humilde artista, todos a porfia
querião tributar honras à memória do illustre estrangeiro, que muito nos captivou por
suas maneiras attenciosas e delicadas, só próprias d’um cavalheiro de fina e desvelada
educação. Forão ao caixão os Srs. Coronel Pretextato José da Silva, juiz de direito
interino, Dr. Cezar Augusto Marques, coronel Agostinho da Silva Braga, Faustino
Fernandes Lima, o capitão Agostinho José de Viveiros, e o negociante Joaquim Pedro
dos Santos. Uma companhia de tropa de linha commandada pelo capitão
commandante d’esta guarnição, lhe fez honras militares. Seo corpo foi dado a
sepultura na Igreja de Nossa Senhora dos Remedios, onde os Srs. Dr. Cezar, e alferes
Ataliba, recitaram os discursos que abaixo se seguem. (DIÁRIO DO MARANHÃO,
1858, n°126, p.02)

Desse modo, as elites aproveitavam o momento do sepultamento público no interior


das igrejas em Caxias para se reafirmarem perante a sociedade, se fazerem representadas na
morte, contribuindo para que as sepulturas eclesiásticas fossem associadas ao status quo. Na
transição para os sepultamentos em cemitérios descolados das igrejas e do seu entorno na
cidade, os locais em que a elite passou a estabelecer novamente suas representações e culto
público aos mortos foram os cemitérios eclesiásticos de São Benedito e Remedios. A diferença
entre ricos e pobres continuará a ser verificada nos cemitérios através dos: mausoléus;
catacumbas; criptas; etc.

Há ainda a possibilidade de que, por causa da uniformização das sepulturas


eclesiásticas os ricos passassem a olhar com mais atenção para os cemitérios, motivo pelo qual
eles tenderão a secularizar-se durante o passar dos anos, dando margem para a instituição dos
espaços dos mortos como condição social também e descanso. Esta ideia vem à tona,
principalmente por este fragmento do jornal O Farol:

-Pedimos aos zelladores da capella de N. S dos Remedios, proibão que se deitem a


ossada dos cadáveres que se desenterrão, no monturo que está ao lado esquerdo da
capella: os restos de nossos irmãos atirados com menospreso da lei do christianismo
em um montão de lixo, patente aos oçhos de todos, quando a doutrina dessa mesma
lei manda enterrar os mortos, é mais repulsivo: nós não sommos carolas, mas votamos
contra esses abusos que vemos todos os dias repercutir.

Que de embaraços não lutarão os mortos, quando necessário for, unir-se a alma a seu
barro, estando os ossos, membros e tudo o mais que resta de terrestre, dispersos e
confundidos com os ossos e membros dos irmãos também finados? (O FAROL, 1856,
n°212, p.02, grifo nosso)
60

As concepções higienistas figuram nessa tomada de postura a favor dos


sepultamentos a céu aberto longe das cidades, levando em consideração as medidas de
salubridade adequadas. E o motivo pelo qual concebe-se esta assertiva, é a existência em maior
e menor grau de críticas às práticas de sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam
(RODRIGUES, 1997, p.255-256). Desta maneira, ainda no O Farol (1856) atribui-se aos
péssimos cuidados que tinham os armadores nos sepultamentos eclesiásticos causas maléficas
à salubridade e urbanidade:

-Outro escândalo: no adro da igreja de N. S. do Rosário, enterrão um cadáver


n’uma tão raza cova, e tão mal socada, que a terra rachou depois de três dias, e
pôz a visinhança atônita com o máo cheiro que della exhalava: uma carrada de
matacões, foi atirada sobre a sepultura, não sabemos a mando de quem; e se não fosse
essa lembrança, teríamos talvez de vêr sahir o morto da cova, por sua espontanea
vontade. (O FAROL, 1856, n°212, p.02 grifo nosso)

Termos como: a terra te seja leve, uma lágrima de saudade, denotam a ideia de
morte dramatizada em circulação nos periódicos e, representa a característica literária do culto
aos mortos influenciado pelo romantismo. As expressões desse movimento buscam dar teor
realista de dor aos escritos, descrevendo o momento como “triste” e a tristeza partilhada tanto
pelos que circundam o defunto como pelos que leem o discurso no periódico. No final pede-se
que os fiéis rezem “um padre nosso” pela alma do finado e uma avemaria. Nas lápides
eclesiásticas das igrejas São Benedito, Nª Senhora do Rosário e Nª Senhora dos Remedios existe
o pedido escrito, precedido da biografia reduzida do defunto que guarda.

Nesta nota de pesar, o escritor destaca uma aura simbólica que rodeia a morte do
indivíduo, que havia sido assassinado. A lua nova e o ano da celebração de canonização de um
santo não poderiam deixar impune os assassinos de pessoa de “virtude personalizada”:

A terra lhe seja leve

Oh! Dor!... não comprehendemos como a penna das mãos nos não cabe!... oh!
Saudade!...

Era no anno do Nascimento de Nosso Jesus-Christo de 1845, aos 2 de Setembro, um


dia depois da Lua Nova, e em que celebra a Santa Igreja a canonização do bem
aventurado S. Elpídio; ja a muito declinava o astro brilhante, que vivifica o orbe
terraqueo; escarranchado [...] o velocipedo bandolim, o Cavalheiro Francisco Joze, de
dous Sanchos escoltado, os contornos bordejava da bella Caxias, pelo lado da Olaria,

[...]

Mas Oh! Ceos! de quanto é capaz o fado adverso! = como tão injusto é como a virtude
personalizada! – virtude, virtude, tu es umma chiméra!

[...]
61

Roga-se á todos os fieis que resem um Padre nosso, e umma Ave Maria para descanço
d’alma do finado.

Pax tecum.

(BRADO DE CAXIAS, 1845, n°03, p.03-04)

Assim, nos jornais Farol (1854-1863) e A imprensa caxiense (1857-1867),


encontra-se um número de 23 assuntos relacionados a óbitos, mas não o simples registro do
óbito e sim nota de falecimento, convite para missa de sufrágio ou sétimo dia, bem como,
discursos fúnebres longos que pegam de uma página a outra, isto para mostrar a perspectiva de
informação que detinha um meio de comunicação local, onde, no mesmo dispunha espaço para
as congratulações e pêsames. No entanto, esta forma de representação social sede lugar às
estatísticas de mortos, cuja característica é a apresentação do nome do finado, idade, onde mora
e causa da morte, de onde existe mudança não só no imaginário, mas dos próprios meios de
comunicação na busca de se adequar às transformações políticas, econômicas e, sociais de seu
período.

O homem e sua morte já não são tratados como mistério, como uma passagem, mas
algo muito natural decorrente da condição física e não pecaminosa. As expressões como “uma
lágrima de saudade”, “a terra te seja leve”, “ó dor”61 vão dando lugar as estatísticas e, a morte
é gradativamente silenciada, pelos menos nos jornais, pois, o cortejo do início de século XX
ainda agrega grande número de pessoas, porém, o velório agora é particular, privado e
silenciosa, a morte torna-se individualizada.

Nos fins do século XIX, o corpo do ser humano já não era mais tão misterioso e
fora de questão nos círculos de opinião, demonstrando as relações sociais, históricas, políticas
e científicas que a morte pode influenciar, e na mesma medida sua concepção modificada. No
jornal Gazeta de Caxias (1891), o corpo humano passa a ser um composto químico, de materiais
considerados ou vistos como não muito preciosos para a sociedade, de forma que:

A composição chimica do homem

O homem contém treze matérias principaes, das quaes cinco gaseiformes e oito
sólidas. A principal é o oxygenio em um estado de extrema pressão. Um homem
normal de 70 kilogramas de peso contém 44 kilos de oxygenio, que no estado natural
ocupam um espaço de 18 metros cúbicos; [...]

Vê-se por ahi que o corpo humano não contem metaes preciosos, mas sim em
substancia matérias de preço tão baixo como a amora silvestre.

61
Ao final deste trabalho tem uma tabela com listas de assuntos relacionados a morte que aparecem em alguns dos
periódicos locais entre 1850 e 1899. Anexo E página 113.
62

-Uma verdadeira ninharia que não vale dois corações! (GAZETA, 1891, n°133, p.04,
grifo do autor)

As páginas dos periódicos não mais diferenciarão os mortos ilustres, dependendo


muito do próprio periódico e do morto, sendo que, a substituição das declamações pelos
números matemáticos e termos científicos como necrologia para as famosas “lágrimas de
saudade” e, nosologia para definição de muitas causas mortis por doenças, assumem o novo
formato dos informes sobre óbitos. Cidades como São Luís, por ser mais populosa, já adotava
este tipo de aferição em jornais sob o termo “estatísticas da cidade”. No Jornal O Commercio
de Caxias (1879) vem sob o termo obituário fornecendo logo depois o nome dos falecidos,
idade, filiação ou estado civil:

Obituário. – Cadáveres sepultados no Cemiterio dos Remédios, de 8 a 27 do corrente


mez:

1 Ulysses, 2 annos, filho de Raimundo da Costa e Souza,

2 Marcolino Martins Correa, 38 annos, casado,

3 Gentil, 19 mezes, filho de Leoncio de Souza Machado,

4 Maria José, 3 annos, filha de Josina Alves de Noronha,

5 Agostinha Rodrigues de Miranda, 18 annos, solteira,

6 Maria, 3 annos, filha de Chryspim Odorico de Oliveira.

7 Agis, filho de Henriqueta, escrava. (O COMMERCIO DE CAXIAS, 1879, n°91,


p.04, grifo do autor)
63

4 O SERVIÇO DAS IRMANDADES E A ARTE TUMULAR DAS IGREJAS EM


CAXIAS
As irmandades são organizações sociais religiosas de ajuda mútua, principalmente
nos ofícios fúnebres, mas deliberam a respeito da organização do culto, construção de altares
em honra a santos de devoção, popularizam entre seguimentos sociais diferentes a fé católica
(RODRIGUES, 2005, p.108), bem como estabelece uma flexibilidade de ascensão ao status
quo religioso no momento em que possibilita a entrada de corpos de negros dentro das igrejas,
a exemplo de igrejas sob devoção de Nª Senhora do Rosário, São Benedito, São Domingos,
Santo Antonio, São Gonçalo e São Jorge:

Podemos concluir, pois, que os sepultamentos ad sanctos apud ecclesiam certamente


seriam os mais almejados pelos diferentes segmentos sociais, muito embora nem
todos pudessem ter acesso a eles. Contudo, como reflexo da complexidade
hierárquica, também é possível identificar casos que não corresponderiam com os
espaços predeterminados para cada segmento social, como escravos no corpo da
igreja, por exemplo. (BRAVO, 2014, n°8, p.311)

Mesmo assim, ainda que estas organizações religiosas fossem tão representativas e
importantes nos ofícios fúnebres brasileiros, para Reis (1991) no contexto da cemiterada em
Salvador, a presença das mesmas nos velórios e acompanhamentos estava em “declínio”:

O certo é que, por mais populares que fossem, não houve nenhum período em que a
maioria dos habitantes da Bahia pertencessem a elas. E na conjuntura da Cemiterada
há fortes indícios de que essa participação estivesse em declínio. Os testadores, por
exemplo, pediam cada vez menos suas presenças nos funerais. (REIS, 1991, p.151)

Em Caxias, de acordo com Milson Coutinho (2005, p.205) existiam legalmente,


entre 1851 e 1870, 7 irmandades. São elas: Nª Senhora dos Remedios; São Benedito; Nª
Senhora do Rosário; do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nª Senhora da Conceição e São
José; do Santíssimo Sacramento da Igreja de São Benedito; São Vicente de Paula da Igreja de
Nª Senhora da Conceição e São José; e Nª Senhora da Conceição, as quais tiveram seus
compromissos modificados e ratificados pela assembleia legislativa da província durante este
período. Segundo o Almank Administrativo do Província do Maranhão de 1860, relata-se a
possível existência anterior da irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nª Senhora
da Conceição e São José, que seria classificada como a mais antiga, desfeita, no entanto, no
contexto da guerra da Balaiada62, mas segundo o próprio registro “todos os documentos que o
comprovam, [...] a existencia d’aquella Irmandade, param em mãos particulares, e que até hoje
não tem sido possivel conseguir-se a exhibição deles” (p.499).

62
Entre 1837 e 1839.
64

Mediante a crescente “usurpação”, digamos assim, dos preceitos sempre a cargo da


Igreja pelo Estado, é importante salientar um processo de ruptura. Como assinalou Cláudia
Rodrigues (2005) ao descrever o processo de contínuo questionamento do estado confessional
católico referente aos sepultamentos de não católicos em cemitérios públicos na corte e na
província da Bahia. Sobre o contexto da interdição do sepultamento do general Abreu e Lima
na Bahia, pelo bispo D. Cardoso Aires, expõe alguns problemas da apropriação patrimonial
pública por parte da Igreja, em um Estado atrelado à religião católica, que vivia o momento de
imigração europeia e norte-americana, trazendo em suas fileiras muitos protestantes:

Para os evangélicos, o caso do general expunha o problema da maior parte dos


cemitérios do Império, que não tinham espaço delimitado para o enterramento dos
chamados “acatólicos”. Mas este era apenas um dentre os vários exemplos de restrição
de direitos que os protestantes enfrentavam num país confessional, em que o
catolicismo era a religião oficial. Daí a argumentação de A Imprensa Evangélica em
torno da necessidade de liberalização dos costumes e das instituições imperiais com
objetivo de abrir espaço para a inserção dos costumes e das instituições imperiais com
objetivo de abrir espaço para a inserção cultural dos imigrantes protestantes,
permitindo-lhes, inclusive, o sepultamento nos cemitérios públicos. (RODRIGUES,
2005, p.166)

Desta maneira, as práticas fúnebres no Brasil se defrontavam com a ciência, a


política e, a conjuntura histórica, acentuando-se as diferenças no país a partir da segunda metade
do século XIX. As características legais e institucionais, que continham as irmandades
religiosas no Brasil até meados do século XIX, chamam atenção pela sua estreita ligação com
a política local e a teia de favorecimentos entre os irmãos, e por este motivo, o ofício fúnebre
desempenhado por algumas irmandades na cidade de Caxias pode ajudar a entender melhor as
práticas fúnebres locais.

Por tanto, as irmandades elencadas no início deste capítulo estabelecem os cuidados


que os irmãos devem ter com seus mortos nos sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam e nos
cemitérios eclesiásticos. Por este motivo, tomar-se-ão como exemplos as irmandades: Nª
Senhora dos Remedios, São Benedito e Nª Senhora do Rosário, a primeira em dois períodos
específicos, dado que, existe um compromisso da mesma de 1851 e outro de 1863. Não se
encontrou outro compromisso da irmandade de São Bnedito, sendo utilizado o de 1855. A
irmandade de Nª Senhora do Rosário dispõe de um do ano de 1856 e outro de 1864, servindo
então o último como exemplo de continuidade das atuações das irmandades, sobretudo a sua
relação com o comercio de sepulturas dentro dos cemitérios de outras irmandades.

O compromisso da irmandade de Nª Senhora dos Remedios de 1851, por exemplo,


além de demonstrar a atuação da irmandade para manter o status quo dos seus membros mesmo
65

na morte, revela ainda existência do comercio de sepulturas dentro da Igreja para os não irmãos,
fazendo notar tanto o regulamento dos preços pela própria irmandade, bem como, o fator que
permitia a ocorrência do ato, a inexistência, pelo menos não oficialmente, de cemitérios. Para
adentrar a esta irmandade esra necessário desembolsar a quantia de 5:000$ reis e mais 2:000$
reis anuais, parágrafos 1 e 2 do capítulo 2° do compromisso63.

Art. 5°. A cada um dos Irmãos, que fallecer, se lhe mandará dizer por alma cinco
Missas; uma de corpo presente, ou no dia da noticia de seu óbito, e as mais sem falta
ao terceiro, ao sétimo, ao trigésimo, e finalmente ao dia anniversario.

Art. 6°. O Irmão, que fallecer durante o cargo de Mesario, ou depois de haver servido
de Juiz, em lugar de cinco, terá dez Missas; e por cada vez que tenha sido Juiz terá
mais cinco Missas, todas dentro do anniversario, e as primeiras na forma do artigo
antecedente.

Art. 7º. Os Irmãos, em quanto não houver Cemiterio, terão grátis sepultura no
Cruzeiro do corpo da Capella, acompanhamento da Irmandade, e o maior numero de
signaes que permitte o L.4°. tit.47 n°828 da Constituição do Bispado, os que tiverem
sido Juizes mais de duas vezes serão sepultados grátis na Capella mór.

Art. 8°. Às mulheres e filhos-familias dos Irmãos são concedidos grátis os mesmos
signaes, e acompanhamento da Irmandade, e sepulturas do vestíbulo às portas lateraes
da Capella.

[...]

Art. 19°. Em quanto não houver Cemiterio nesta cidade, e continuarem os


enterramentos nas Igrejas, compete à Irmandade regular os preços das sepulturas na
Capella, cujas esmolas pagas pelos que não forem Irmãos entrarão no cofre da
Irmandade fazendo parte dos rendimentos da Capella. (COLEÇÃO DE LEIS,
DECRETOS E RESOLUÇÕES DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1851, p.12 e
15)

No compromisso da irmandade do “Glorioso Sam Benedicto de Caxias” autorizado


na capital São Luís, existe a mesma preconização a respeito das sepulturas eclesiásticas, o
cuidado dos irmãos com som seus mortos, número de membros, descrição das obrigações,
fontes de renda e regulação dos preços das sepulturas no interior da Igreja. O ingresso nesta
irmandade custava ao interessado 5:000$ reis, artigo 3° parágrafo 1° do capítulo 2 e taxa anual
de 1:000$ reis, parágrafo 2° do mesmo capítulo do referido compromisso64.

A irmandade de Nª Senhora do Rosário de 1864, traz um novo prisma para a


observação deste processo de instituição dos cemitérios em Caxias. Aborda no capítulo sobre
os sufrágios e indultos dos irmãos a respeito do acompanhamento dos mesmos aos seus

63
Coleção de Leis, Decretos e Resoluções da Província do Maranhão, 1851, p.11 a 16.
64
Coleção de Leis, Decretos e Resoluções da Província do Maranhão, 1855, p.31 a 38.
66

“últimos jazigos”, porém, deixando claro que suas sepulturas em cemitérios seriam negociadas
com as irmandades detentoras da administração destes:

Art. 29. Os irmãos, em quanto não houver cemitério próprio da irmandade, serão
sepultados em qualquer cemitério dos existentes, para o que se deverá a
irmandade contractar com qualquer das irmandades, que os tiver, as sepulturas
dos irmãos, mediante uma somma, que será estipulada anualmente, e logo
também suas mulheres e filhos legítimos ou legitimados.

Art. 30. Além do que já fica disposto nos artigos: 26, 27, 28 e 29, terão os irmãos
fallecidos o acompanhamento da irmandade, e o maior numero de signaes, que
permite o livro 4°, tit.47, n°828 da constituição do bispado.

Art. 31. Os irmãos serão conduzidos aos seus últimos jazigos em um esquife, ou
caixão coberto, salvo quando não quizerem os seus parentes, ou amigos, e se
obrigarem a mandar fazer caixão próprio. (COLEÇÃO DE LEIS E DECRETOS DA
PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1863, p.29, grifo nosso)

Nesse período os cemitérios de Nª Senhora dos Remedios e São Benedito já


existiam, bem como eram regulados pelas respectivas irmandades. Assim o compromisso da
irmandade de Nª Senhora dos Remedios de 1863 diz que cabe a mesa administrativa “Conceder
licença para collocar lapidas, abrir carneiros, ou levantar túmulos no cemitério da irmandade,
marcando o preço para ellas, a vista do que fôr requerido” (COLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS
E RESOLUÇÕES DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1863, p.46).

Quando os dois cemitérios são instituídos o monopólio estende-se do interior das


igrejas para fora das fronteiras da cidade, acompanhando as características legais para o
estabelecimento dos chamados campos santos. O fiscal da administração provincial, descreve-
os em 1866 como “...bem construidos, e hoje dão muitos rendimentos ás duas irmandades”.
(ALMANAK ADMINISTRATIVO DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1866, p.480).

No ano de 1863, aprovado o novo compromisso da irmandade dos Remedios, os


valores para ingresso e taxa anuais são mantidos conforme o compromisso do de 1855. No
capítulo 5 “Dos benefícios aos irmãos”, a rede de ajuda não sofre igualmente grandes
modificações, senão no lugar em que seriam agora sepultados os confrades e familiares destes,
o cemitério da irmandade, artigo 1° do capítulo 565. Os ofícios fúnebres de encomendação dos
cadáveres passaram a ser realizados na Capela cemiterial, assim como, a procissão dos ossos e
demais ritos em memória dos mortos, não se deixando de lado a importância da Capela da
padroeira para realização de um único culto aos mortos uma vez ao ano:

Art. 24. Na noite do dia de finados a irmandade fará celebrar na capella do cemitério
procissão dos ossos em comemoração dos irmãos fallecidos, e logo que os meios da

65
Coleção de Leis, Resoluções e Decretos da Província do Maranhão, 1864, p.47.
67

irmandade permittirem, se mandará celebrar na igreja da padroeira um officio solemne


uma vez por anno em dia que a mesa designar. (COLEÇÃO DE LEIS,
RESOLUÇÕES E DECRETOS DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1864, p.48)

Percebe-se então, que existe um setor especializado nos ofícios fúnebres e seus pés
estão fincados na Igreja até o momento, motivo pelo qual, a gradativa secularização da morte e
posteriormente dos espaços dos mortos enfraquece e desagrada parte do clero (RODRIGUES,
2005, p. 212 a 217), mas isto não desarticula a notoriedade e preeminência, social e política,
que a instituição religiosa desempenhou e desempenha na vida e na morte dos membros de sua
congregação, pois, os cemitérios nascem concebendo espaços para capelas onde se realizarão
os ofícios dos mortos guiados por um sacerdote e mantem as distinções sociais das sepulturas
eclesiásticas.

Desta maneira, as irmandades possibilitavam uma distinção social entre seus


membros e competia para demarcar espaço desde a atuação no cortejo e no culto dos mortos,
deliberando sobre os preços das sepulturas nos espaços internos e colados às igrejas, com
possibilidade de extensão destas práticas aos cemitérios ou “campos santos” recém criados,
levando consigo as hierarquias presentes nos sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam.

4.2 O OFÍCIO DOS MORTOS NAS PAREDES E NA HISTÓRIA DAS IGREJAS EM


CAXIAS
A Igreja Nª Senhora da Conceição e São José66, constitui-se atualmente de 7 altares,
sendo um destinado à guarda da imagem em estilo barroco original de Nª Senhora da Conceição,
só retirada nos dias de festejo em honra a santa. Poucos utensílios, como imagens, púlpitos e
altares parecem ser originais em estilo barroco, pois, tais igrejas, pelo menos três delas,
sofreram reformas pontuais ou totais, no piso e demais lugares, constando que apenas a Igreja
de Nª Senhora do Rosário dos “pretos” conserva seu altar central em estilo barroco.

Nesta Igreja, aconteceram sepultamentos67, porém, o compromisso da irmandade


com os detalhes sobre os ritos fúnebres a serem observados pelos irmãos membros da
irmandade, que seria uma prova a mais das práticas fúnebres ad Sanctus e apud ecclesiam, data
de 186368, e não faz menção aos sepultamentos dentro da Igreja. O piso original é hoje coberto
possivelmente por três a quatro camadas de pisos novos colocados ao longo das reformas, o
qual só sabe-se existir por conta de uma abertura no interior da Igreja em que o piso não foi

66
Imagem anexo H página 123.
67
Tabela 3 página 78.
68
Capítulos 3 e 6 do respectivo compromisso.
68

coberto. É dentre as quatro igrejas visitadas a que mais se parece no aspecto artístico da faixada
com a Igreja de Nª Senhora do Rosário, de estilo barroco.

A Igreja de São Benedito69, importante ponto de referência na organização espacial


da vila de Caxias, constituída matriz em 183670. A petição para que esta Igreja fosse construída
(capela), suscitada mediante pedido feito pela própria irmandade de mesma denominação já
instituída na vila por esse período foi feita em 1808:

São Benedito. – Apresentada a petição para sua fundação, foi authorizada em 7 de


junho de 1803 por ordem do governador do bispado, em sede vacante, o dr. João de
Bastos Oliveira.

Foi feito o seu patrimonio por Manoel da Silva Pinto <<n’um quarto de legua de terra
de frente, e meia legua de fundo>> em 13 de agosto de 1803, sendo lavrado o termo
de doação pelo escrivão Gonçalo Lopes de Mattos. (MARQUES, 1870, p. 124-125)

Contam-se nesse templo 8 lápides, sendo 5 na nave lateral esquerda sentido interior
para fora, e 3 na nave lateral direita no sentido interior para fora, com uma dimensão temporal
dos falecimentos e dedicatória dessas lápides entre 1856 a 1875, de onde constata-se que
“encerradas”, histórica e politicamente as prática de sepultamentos no interior das igrejas, pelo
menos culturalmente ela deve ter sobrevivido pelos fins do século XIX, mediante aquisição,
pela elite, de um pedaço de parede para depósito dos restos mortais de um falecido.

Na rua 1° de agosto, ao pé do morro do Alecrim, imponentemente olhando para a


parte baixa da cidade está a igreja de Nª Senhora dos Remédios71, hoje catedral de Nossa
Senhora dos Remédios. É uma construção do século XIX, com ares de um barroquismo mais
português, isto nota-se pela quantidade de urnas e jazigos com a presença da caveira com ossos
em posição de “X”. De acordo com Cezar Marques (1870):

N. S. dos Remédios. – Apenas achamos a provisão do vigário capitular e mestre escola


dr. João de Bastos Oliveira de 20 de outubro de 1817, a requerimento do Cidadão
Antonio de Oliveira, concedendo licença para erigir-se ahi a capela de N. S. dos
Remédios.

Organizou-se uma irmandade para cuidar d’este templo, sendo seu compromisso
aprovado pela lei provincial n. 298 de 10 de novembros de 1851. (MARQUES, 1870,
p.125)

69
Imagem anexo I página 124.
70
De acordo com Marques (1870), esta vila foi dividida mediante um artigo de lei provincial de 1836, em três
matrizes, sendo elas: Nª Senhora da Conceição e São José, Nª Senhora de Nazaré e de São Benedito. (MARQUES,
1870, p.122). Lei n° 26, 02/07/1836. (Coleção de Leis, Decretos e Resoluções da Província do Maranhão, 1836,
p.20)
71
Imagem anexo J página 125.
69

Descendo um poco a rua a direita da paróquia de São Benedito, mais abaixo sob o
olhar vigilante desta capela do início do século XIX, hoje com ares de catedral, fica situada a
igreja de Nª Senhora do Rosário dos pretos72 e, apesar de ter uma faixada mais simples em
relação às demais, é a única que conservou um altar em estilo barroco, graça possivelmente
partilhada pelos altares adjacentes. É de fato a Igreja mais simples das mais antigas, mas, algo
chama a atenção, seus jazigos figuram entre os mais belos, seu altar central é rico das cores
branco e azul, e na parte externa a cor figurante é amarelo. A nave central não se sobressai por
ser exatamente a mais alta das naves e a mais importante dentre as quais, mas por parecer ir a
frente enquanto as outras são puxadas, o que é causado pela ilusão de ótica, pois a construção
foi feita para dar esta perspectiva a medida em que as naves laterais além de estarem um pouco
para trás da nave central, são igualmente baixas e o sino, que nas outras igrejas ocupa as torres
das naves laterais, nesta apresenta-se no topo da nave central e é tão pequeno que passa
imperceptível ao olhar desatento. De acordo com Marques:

Capella de N. S. do Rosário dos pretos. – Os irmãos da irmandade de N. S. do Rosário


dos pretos da freguesia das Aldeias altas (diz o registro) pretenderam erigir uma capela
à dita Senhora do Rosário, para a qual todos prometteram concorrer tambem alguns
devotos brancos, obrigando-se a irmandade pelos seus annuaes a ter sempre aceio e
ornar de paramentos a capella, e fazer-lhe os concertos que pelo tempo carecesse. Este
requerimento, sem data, foi despachado pelo cabido á 17 de fevereiro de 1772.
(MARQUES, 1870, p.125)

Não significando exatamente que a capela tenha sido erigida logo no dia seguinte,
nem mesmo no ano seguinte. Mas, vamos abordar um pouco algumas informações importantes.
A capela é fruto de uma ideia vinda de uma irmandade de escravos, por isso o nome “Nª Senhora
do Rosário dos pretos”.

Algumas igrejas poderiam ou não aceitar conceder sepultura a negros, libertos ou


escravizados. Pelo nome que leva a última igreja descrita “Nª Senhora do Rosário dos Pretos”,
pode-se concluir que a mesma deve ter aceitado dar sepultura a pessoas de diferentes tipos de
condição social e econômica, porém não se encontrou nenhuma nota de falecimento ou lápide
que remetesse à condição de negro ou escravo sepultado.

Na cidade de São Luís, por exemplo, os escravos e demais pessoas livres, pobres
ou não, eram sepultadas direto no cemitério do Santa Casa de Misericórdia, Cemitério dos
Passos73, e quando se tratava de morte por uma doença contagiosa, epidemia, entre outras, o

72
Chamada assim por ter em sua base uma irmandade oriunda do meio escravo, homens e mulheres livres, e alguns
brancos. Imagem anexo K página 126.
73
Pelo menos os jornais: Diário do Maranhão; Publicador Maranhense; Nova Epocha e Jornal do Comércio, trazem
suas “estatísticas da cidade” ou “Cadáveres sepultados...”, com o número de falecimentos, causa e condição social,
70

cadáver era sepultado em um cemitério separado das imediações da zona urbana, demonstrando
este caráter de diferenciação que a sociedade impunha aos indivíduos até na hora da morte:

Os falecidos forão sepultados, segundo informações do Costa, em um logar, distante


do Lazareto, denominado Barreirihas, que é desde muitos annos o cemitério dos
logares circunvizinhos, sendo os proprietários doentes, que estavão em melhores
circunstancias physiscas, os que iam fazer esse ultimo acto de caridade, [...] (JORNAL
DO COMÉRCIO, 1859, n°122, p.02)

Conforme exposto, a cidade de Caxias por meio de suas igrejas centenárias, viveu
o período cultural dos sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam atrelado ao imaginário católico
popular e elitista, que possibilitou vivencias coletivas nas práticas fúnebres, evidenciadas
através de um luto coletivo, mas que, sofreu a transição para a morte silenciosa e individual, e
monumentalização dos túmulos cemiteriais posteriormente. Outro ponto a ser observado é que,
dentro das igrejas já parece existir um processo de secularização através da estética empregada
nas lápides, demonstrando flexibilidade na disciplina interna dos templos católicos quanto a
harmonia da arquitetura dos mesmos e “As covas dentro das igrejas eram anônimas, sendo
proibida a construção de sepulturas que viessem a alterar a arquitetura original dos templos
religiosos” (COE, 2008, p.22). O exemplo da lápide de D. Hortência Rodrigues Villanova,
instituída em 1860, pode servir de ilustração, pois a defunta foi sepultada em 1857, portanto 3
anos antes da lápide ser colocada, possivelmente uma nova:

- O abaixo assignado, possuído do mais intimo sentimento de amizade e respeito para


com todas as pessoas que lhe fizerão o caridoso obzequio de assistirem ao officio e
missa solemne, celebrados por ocasião de se collocar uma lapida sobre os restos
mortaes de sua muito prezada e sempre chorada mulher D. Hortencia da Natividade
Marquez Villanova; vem por este meio dar-lhes um publico testemunho de sua
gratidão, protestando-lhes que será eterna. Caxias, 14 de Fevereiro de 1860. (O
FAROL, n°308, p.04)

Existe ainda a possibilidade de que na busca por mais lucros os párocos e as


irmandades das igrejas não seguissem à risca as observações e legislações prescritas quanto a
organização da estrutura arquitetônica dos templos religiosos concernente aos sepultamentos,
flexibilizando a colocação e disposição de lápides mais detalhistas e suntuosas (COE, 2008,
p.51).

É, portanto, deste contexto que emergem mais fortemente os espaços de


sepultamento descolados das igrejas, fora dos limites das cidades e, a céu aberto, enquanto
instituições públicas e privadas, necrópoles eclesiásticas até os fins do século XIX, quando

e apenas observando alguns números desses diferentes jornais o leitor pode notar que os números de sepultados
nos mesmos, em sua grande maioria, paira entre as classes sociais com menos poder aquisitivo e escravos. A título
de sugestão deixa-se o n°28, p.04 de 1858, do Jornal do Comercio.
71

passam a secularizar-se mediante regulação do Estado e abertura de espaço para sepultamentos


de pessoas não católicas. Ocorre no fim da segunda metade do século XIX o início da
secularização dos espaços cemiteriais em Caxias com a monumentalização dos túmulos sendo,
no entanto, levados a estes locais como referência ao que já acontecia dentro das igrejas locais
a respeito das lápides sobre os restos mortais dos falecidos o que pode ser observado nas
imagens a seguir.

Figura 1: Lápide de João Manoel Bacharias. Igreja de São Benedito. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


72

Figura 2: Lápide do Coronel Pretextato. Igreja de São Benedito. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)

Figura 3: Lápide do Padre João Joaquim Guimarães. Igreja de São Benedito. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


73

Figura 4: Lápide de D. Antonia Emilia dos Santos Carvalho. Igreja de São Benedito. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)

Figura 5: Lápide de D. Hortência Rodrigues Villa Nova. Igreja de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


74

Figura 6: Lápide de Antonio Rodrigues da Silveira. Igreja de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)

Figura 7: Lápide de Manoel Pinto Ribeiro. Igreja de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


75

Figura 8: Lápide de Eusebia Maria da Conceição. Igreja de Nª Senhora do Rosário. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)

Figura 9: Lápide do capitão Francisco Antonio Antunes. Igreja de Nª Senhora do Rosário. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


76

Figura 10: Lápide de D. Genoveva de Oliveira Pereira. Igreja de Nª Senhora do Rosário. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


77

Tabela 1: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora dos Remedios.

NOME OCUPAÇÃO DATA FONTE

Antonio Rodrigues da Conego e 1847 Lápide na Igreja de Nª Senhora


Silveira Cavaleiro da ordem dos Remedios
de Cristo
D. Balduina Nunes de Não sabemos 1849 Lápide na Igreja de Nª Senhora
Almeida dos Remedios
Manoel Vicente Canejo Tabelião 1850 JORNAL CAXIENSE, 1850, p.04
Dr. Fernando Mello Não consta 1855 O FAROL, 1855, n°191, p.01
Coutinho de Vilhena
Agostinho da Costa Comerciante 1855 O FAROL, n°195, p.02-03
Moreira Lima
D. Hortência Marques Não consta 1857 Lápide na Igreja de Nª Senhora
Villa Nova dos Remedios
Gastão74 Não consta 1858 Lápide na Igreja de Nª Senhora
dos Remedios
Henriqueta da Não consta O FAROL, 1860, n°308, p.04
Natividade Marquez
Villanova
Manoel Pinto Ribeiro75 Não consta 1873 Lápide na Igreja de Nª Senhora
dos Remedios
D. Luiz Gonzaga da Primeiro Bispo da 1977 Túmulo na Igreja de Nª Senhora
Cunha Marelim76 cidade dos Remedios
D. Luiz de Andreas Bispo da cidade Túmulo na Igreja de Nª Senhora
dos Remedios
COM BASE EM: O Farol (1854 a 1863), Jornal Caxiense (1850) e Lápides da Igreja de Nª Senhora dos
Remedios.

Tabela 2: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora da Conceição e São José.

NOME OCUPAÇÃO DATA FONTE

Coronel Francisco Não consta Não A IMPRENSA, 1861, n°14, p.01


Dias Carneiro77 consta
João Paulo Dias Comerciante. Título 1861 O FAROL, 1861, n°335, p.01-02
Carneiro de comendador.

COM BASE EM: O Farol (1861) e A Imprensa (1861).

74
Filho de D. Balduina. A lápide em memória da mãe também menciona o filho.
75
Faleceu em São Luís, mas, de acordo com a lápide dedicada ao mesmo na página 63 figura 07, o filho diz que
seus restos mortais foram trasladados para a cidade e depositados sob essa lápide.
76
Apenas o mencionamos por este ter tido seus restos mortais sepultados também no interior da Igreja com um
túmulo completo de mármore junto com D. Luiz de Andreas, mas ambos são do século XX e XIX,
respectivamente. Anexo F página 118.
77
Possivelmente um parente do comendador João Paulo Dias Carneiro. Assim diz a correspondência: [...] e com
quanto nos conste que é de um desinteresse verdadeiramente evangélico o nosso actual vigário nessa freguezia,
com tudo sabemos que elle acaba de elevar os preços das sepulturas naquella Igreja, e tanto assim é, que tendo
exigido pela sepultura para o Coronel Francisco Dias Carneiro, a quantia de 50$000, exigio pala que se deo ao
cadáver do commendador João Paulo, 100$000!. (A IMPRENSA, 1861, n°14, p.01)
78

Tabela 3: Relação de sepultados na Igreja de São Benedito.

NOME OCUPAÇÃO DATA FONTE

José Firmino Lopes de Coronel 1856 Lápide na Igreja de São Benedito


Carvalho78
D. Antonia Emilia dos Não consta 1875 Lápide na Igreja de São Benedito
Santos Carvalho
Rev. Padre João Padre e político local 1869 Lápide na Igreja de São Benedito
Joaquim Guimarães
Franco de Almeida Não consta 1863 Lápide na Igreja de São Benedito
Pereira da Costa79
João Manoel Major 1856 Lápide na Igreja de São Benedito
Bacharias
D. Maria Martins Não consta 1858 Lápide na Igreja de São Benedito
Vianna Alves
Raimundo Jansem Não consta 1859 (O FAROL, 1859, n°296, p.04)
Ferreira80
Pretextato José da Coronel e Delegado Não Lápide na Igreja de São Benedito
Silva de paz consta

COM BASE EM: O Farol (1856 e 1863) e Lápides da Igreja de São Benedito.

Tabela 4: Relação de sepultados na Igreja de Nª Senhora do Rosário.

NOME OCUPAÇÃO DATA FONTE

Capitão Francisco Capitão 1867 Lápide na Igreja de Nª Senhora do


Antonio Antunes Rosário
D. Genoveva de Não consta 1871 Lápide na Igreja de Nª Senhora do
Oliveira Pereira Rosário
D. Maria Francisca Não consta 1871 Lápide na Igreja de Nª Senhora do
de Carvalho Oliveira Rosário
Eusebia Maria da Não consta 1878 Lápide na Igreja de Nª Senhora do
Conceição Rosário
COM BASE EM: Lápides da Igreja de Nª do Rosário.

78
É dedicado a este falecido um discurso fúnebre no jornal O Farol, 1856, n°205, p.02.
79
É dedicado a este rapaz que faleceu com 13 anos um discurso fúnebre no jornal A imprensa caxiense, 1863,
n°97, p.02.
80
- José Jansem Ferreira, e sua mulher D. Hermelinda da Costa Nunes Ferreira, agradecem e protestão sua gratidão
a todas as pessoas, que se prestarão acompanhar a seu ultimo jazigo, o corpo de seu prezado filho Raimundo
Jansem Ferreira em 8 deste mez, a Igreja de Sam Benedicto desta cidade. Caxias, 12 de Outubro de 1859. (O
FAROL, 1859, n°296, p.04)
79

5 A INSTITUIÇÃO DO CULTO CIVIL-SECULAR AOS MORTOS E AS


NECRÓPOLES ECLESIÁSTICAS DE CAXIAS
Uma das características que mais atestam o fato de uma secularização do espaço
cemiterial a céu aberto pode ser a verticalização das habitações dos mortos. Antes eram
conhecidos como “campos santos” que remete à extensão e o benzimento do terreno para que
passasse a receber os cadáveres:

A necessidade de tornar os cemitérios territórios sagrados foi definida desde a lei de


1° de outubro de 1828, que, ao dar nova ordem às atribuições das câmaras municipais,
determinava, no parágrafo 2° do artigo 66, que o estabelecimento dos cemitérios fora
do espaço dos templos fosse feito “com a principal autoridade eclesiástica do lugar”.
Daí que os novos locais de sepultamento eram comumente chamados de “campos
santos”. (COE, 2008, p.107)

A verticalização das sepulturas pode ser tomada como um dos aspectos mais
importantes da “monumentalização” dos cemitérios, correspondendo ao impacto concreto mais
visível da secularização da morte no espaço fúnebre, observado como contraponto ao que era
comum até meados do século XIX: sepultamentos no interior e no adro das igrejas, com lápides
de estética disciplinada, de modo a não desarmonizar a arquitetura dos templos religiosos (COE,
2008, p.22).

Desta forma, até meados da segunda metade do século XIX, parte das sepulturas na
cidade de Caxias eram horizontalizadas e outras desconhecidas, que passam nas décadas
subsequentes, com a implantação dos cemitérios eclesiásticos, à verticalização. Os túmulos
mais suntuosos são os que denotam altura em meio aos outros mais baixos, o detalhe da arte e
matéria prima empregadas na construção dos mesmos acrescentam o toque de secularidade
patrimonial já flexível dentro das igrejas por motivos de lucro para as irmandades e párocos
(COE, 2008, p.51).

Na segunda metade do século XIX nota-se mais fortemente o processo de


secularização da morte. É um conceito importante, que ajuda a conceber a modificação dos
espaços cemiteriais extramuros tornando-os, no início da república em espaços suntuosos e
disponíveis para sepultamentos de pessoas dos mais variados credos religiosos através da
criação dos cemitérios civis. As modificações gradativas que possibilitaram a instituição dos
cemitérios e o aspecto do culto “romântico à memória dos mortos” que para Reis (1991, p.74)
era “em sua dimensão literária, mas que no cotidiano doméstico desejava-se privada [...]”, são
caracterizações da modificação do imaginário social em ralação a morte e o lugar dos mortos.
80

Assim, este capítulo busca partir dos espaços eclesiásticos em meados da década de
1850, descrevendo sua transição para os cemitérios extramuros entre 1859 e 1865, não deixando
de notar a diferença entre a instituição deste e o processo de secularização do mesmo mais tarde,
pois, de acordo com Franco (2019):

[...] há uma tendência na historiografia de entender equivocadamente os novos


cemitérios extramuros como secularizados. Desta forma, a maior parte dos trabalhos
que enfocam a secularização dos cemitérios costuma confundir este processo com o
da criação dos cemitérios públicos extramuros, caracterizando as necrópoles recém-
criadas como secularizadas [...] (FRANCO, 2019, p.147)

Embora a autorização para que se construísse cemitérios adequados na cidade de


Caxias tenha ocorrido por volta de 1857, as discussões sobre a necessidade de separação entre
vivos e mortos já aconteciam a pelo menos uma década81 e, existiam dois cemitérios, um
provisório compreendido entre 1850 e 1862, quando foram terminadas as obras dos cemitérios
de Nª Senhora dos Remedios e São Benedito, quanto ao outro, pode-se definir sua existência
na seguinte correspondência no jornal datado de 1828:

[...] em Caxias (se é verdade o que a pouco se nos contou) tem havido
aproximadamente algumas mortes: nesta Cidade, na rua do Cemiterio foi, não há
seis dias, huma infeliz, e fraca mulher barbaramente assassinada, por um
desmoralizado: na noute do dia 3 do corrente, foi assaltado estando a sua janela o
Tenente Coronel Francisco do Valle Porto, [...] (FAROL MARANHENSE, 1828,
n°02, p.02)

Pela data do jornal, 1828, o cemitério já existia a pelo menos 34 anos, o que revela
a separação em Caxias, até meados de 1862, dos mortos não só concernente ao status social,
conquanto destinava aos falecidos da elite e membros de irmandades os sepultamentos ad
sanctus apud ecclesiam. Ou seja, estes cemitérios eram quase em sua totalidade destinados aos
sepultamentos de indivíduos das camadas sociais menos abastardadas da cidade, mesmo que o
regulamento do cemitério provisório revele que as sepulturas tinham uma hierarquia, preços e,
eram negociadas inclusive pela câmara municipal82, não parece ter prosperado em boas
condições. Destaca o inspetor da província que “Ficou em projecto. Escolheu-se o terreno,
destocou-se, limpou-se, cercou-se de talos de pindova, pou-se-lhe um portão, gastou-se muito
dinheiro, e hoje não existe nem a cerca, nem o portão, e só o terreno coberto de mata-pasto e
outras plantas”. (ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DA
PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 1860, p.308).

81
Fica claro que a necessidade de um cemitério público na cidade de Caxias já se fazia sabida desde pelo menos
a década de 1840, conforme encontramos no jornal Publicador maranhense, de 1843, n°119, p.01.
82
Artigo 20 do regulamento do cemitério, anexo C página 110.
81

Outros pontos específicos, são tocados nas discussões legislativas sobre o


melhoramento da cidade, apresentam em seu âmago uma ideologia reformista que pairava no
Brasil da segunda metade do século XIX83, por isso, outro trecho do jornal O Farol (1851)
coaduna com a assertiva, e ainda que seja desse período, acrescenta que a necessidade de
construção de um lugar destinado aos mortos em Caxias já existia a pelo menos mais de uma
década antes da construção do primeiro cemitério:

Quando, nesta mesma sessão, o Sr. Florencio Manuel de Mattos pedia, que se
votassem para a construcção de um cemitério publico nesta Cidade, a fim de remover
dos templos sagrados a podridão dos cadáveres; quando elle pedia dinheiro para
reparo da igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, que está sendo um
escarneo feito ao Culto Divino, quando pedia dinheiro para calçamento de algumas
de nossas ruas, que se acham completamente intransitáveis; essa mesma maioria,
sempre cega e desabrida, sempre recalcitrante e perversa como o genio máo que a
creou, levantou um brado de indignação e de despeito contra o ousado Sr. Mattos, que
se atrevera a fazer uma requisição dos cofres provinciaes, da qual nenhum proveito
lhe poderia resultar, e nem à Camarílha torpe que a arregimentára.

Na cegeira e franzi com que se conduzia a maioria da assemblea, encontrou Caxias


um benelicio; porque, discutindo-se a lei do orçamento e as emendas, a maioria votou,
sem o pensar, a favor da comenda do senhor Mattos, consignando fundos para a
construcção do cemiterio. (O FAROL, 1851, n°65, p.01, grifo nosso)

Possivelmente o cemitério tratado no Amanak (1860) como tendo ficado “no


projeto” seja o de 1848, cuja planta, plano da obra e contrato para leilão foram feitos pela
Secretaria de Obras públicas da Provincia. Seguindo as especificações da Secretaria, o
cemitério seria uma necrópole harmônica no conjunto das suas estruturas, como calçadas de
pedraCapela que serviria aos ofícios fúnebres ao centro, e rica na disposição material, por
exemplo, o portão e grades de ferro. Diz o plano da obra:

O Cemiterio será quadrado e terá cada face exterior do muro trezentos palmos de
comprimento, nos alicerces trez de grossura e cinco de profundidade, nos pés direitos
dez de altura, e dous de grossura. No centro da face da frente colloca-se-há hum portão
de grades de ferro de quinze palmos de altura e oito de largura da forma indicada pela
planta, formado lateralmente por duas columnas de cantaria de dezoito palmos de
altura e quatro de lado no socco, e trez e meio na pilastra. De huma parte e d’outra
destas columnas assentar-se-hão duas janellas de grades de ferro pelo modo e com as
dimensões da planta isto he sete palmos de altura e cinco de largura. Ao lado de cada
huma destas janellas, e bem assima em cada hum dos ângulos do Cemiterio, colocar-
se-há huma columna de onze palmos e hum quarto de lado no socco e dous e meio na
pilastra. O interior do Cemiterio compor-se-há de quatro compartimentos symetricos,
como indica a planta, correspondendo àos quatro ângulos do Cemiterio, separados
huns dos outros po duas ruas perpendiculares entre si e parallelas àos muros exteriores.
Estas ruas terão trinta palmos de largura, sendo quinze de calçada e quinze de passeios
destribuídos por metades para cada lado das ruas. No ponto de seo encontro formarão
hum circulo de cincoenta palmos de raio, cujo centro será occupado pela Capella do

83
A professora e pesquisadora Cláudia Rodrigues em Os espaços dos mortos nas cidades dos vivos, aborda muito
bem os detalhes que margeiam uma reformulação urbana na capital imperial (Rio de Janeiro) recorrendo desde
uma historiografia do sanitarismo e das doenças, até os aspectos ideológicos que transitavam o pensamento da
medicina brasileira deste período entre 1840 e 1860, dentre os quais, a separação entre os vivos e os mortos.
82

Cemiterio. Cada hum dos compartimentos terá duas entradas de sete palmos de
largura, hum em cada huma das ruas que o limitem. Os muros interiores terão trez e
meio palmos de profundidade e dous e meio de altura e hum e meio de grossura nos
pes direitos. A Capella será edificada bem no centro do circulo de encontro das ruas,
terá trinta e quatro palmos de comprimento e vinte e cinco de largura exteriormente.
O seo comprimento ficará perpendicular ao muro de entrada, e a porta principal
defronte do portão deste muro. As paredes lateraes deste edifício terão vinte dous e
meios palmos de altura, cinco de profundidade e trez e meio de grossura nos alicerces.
Os vértices dos triângulos das paredes da frente, do correr de traz e do meio collocar-
se-hão a trinta palmos a cima do solo.

As dimensões destas paredes nos alicerces, e bem assim a grossura delas nos pes
direitos serão as mesmas que nas paredes lateraes. O cubículo, indicado na planta por
traz da Capella para arrecadação dos objetos indispensáveis á celebração dos offícios
fúnebres, terá de comprimento vinte e cinco palmos, de largura dez, e será disposto
de modo que a primeira destas dimensões fique no sentido da largura da Capella.
Todas as paredes serão de pedra e cal. A pedra será da melhor que houver a exclusão
da q’ em Cachias se denomina cabeça de jacaré. Evitar-se-há quando for possível o
emprego de matacões lavando-se convenientemente as pedras. Na construcção ellas
se amarrarão perfeitamente humas com outras, ficando sempre hum vão de frente de
hum cheio e o tição perpendicular a face da parede.

Nos ângulos das pedras colocar-se-hão de tição alternativa e relativamente a cada


huma das faces. Os tijolos dos arcos das portas dispostos de modo que as junctas
produzidas concorram todas ao centro do circuito. A argamassa compor-se-há de trez
partes de areia comum huma de cal de pedra a exclisão completa da cal de marisco.

A madeira do tecto será toda de pao d’arco, johasba, massaranduba, ou aroeira. As


portas serão de bacori. Os hombrais, soleiras, e vergas das janellas de grades de ferro
do muro exterior serão de cantaria de Lisbôa. Todo o circulo central e as quatro ruas
e seos respectivos passeios serão calçados de pedras.

As calçadas terão huma forma abaulada, e inclinada de cinco a dez millavos, as


lateraes para o centro do Cemiterio, a principal para o portão de entrad. Todo o telhado
da Capella será perfeitamente encaliçado. Directoria de Obras publicas, 12 de
Novembro de 1849. (JORNAL CAXIENSE, 1849, n°81, p.02 e 03)

O orçamento inicial da obra estava previsto em 14:000$000 réis, com dispêndio por
parte do governo em 6:000$000 (PUBLICADOR MARANHENSE, 1851, n°1163, p.01),
portanto menos da metade do valor total, e levando-se em conta que obra seria levada a cabo
por uma companhia particular estes valores parecem não ter agradado muitos os possíveis
interessados, motivo pelo qual o cemitério ficou no “projeto”.

O atraso nas obras provoca críticas na imprensa. Diz O Farol que Assim então “De
novo nos asseguram que o Sr. Comandante superior por causa do memorável cemitério de
Caxias, esta resolvendo a ir deitar perolas pela boca [...]” (O FAROL, 1851, n°71, p.01) e, em
mais uma correspondência, com autor que usa possivelmente o pseudónimo João Saboroso ao
seu compadre José Dependurado, a construção do cemitério é incerta “Sobre o que você
pergunta da obra do cemitério, inda p’ra mim é um mistério: não sei se a arrematação está
cantractada ou não” (O FAROL, 1854, n°162, p.02).
83

Sob o título de Alviçaras... Alviçaras, este colunista dá a entender, que o orçamento


do cemitério não aparecia desde a sua autorização em 1851. Assuntos desse tipo movimentavam
algumas páginas dos jornais locais. A demora na construção, para ele, estava associada tanto a
não disponibilização do orçamento para construção do cemitério, como pela “mesquinhez” dos
engenheiros:

Appareceo o orçamento do Cemiterio de Caxias, que há 6 annos, passou ao arbítrio


de engenheiros mesquinhos, e por ultimo sepultado na Secretaria do Governo; e se
não fosse o novo Presidente, ali ficaria sepultado até algum dos barrigas tomar conta
d’elle. Não veio a planta, por falta de desenhista; assim se exprime o inspetor das
obras Publicas. O orçamento, é muito mesquinho, em tudo parecido com seu author.

A Camara Municipal, vai pôr esta obra em hasta publica, e estamos convencidos que
inda desta vez não achará licitadores: bastante tem sofrido os Caxienses deste barriga
Inspector! (O FAROL, 1856, n°201, p.02)

O jornal O Publicador maranhense (1856) aponta o que seria a causa mais precisa
do atraso nas obras do cemitério. Ao transcrever um ofício da câmara municipal de Caxias, o
periódico expõe que “no dia designado para sua arrematação, não concorreram licitantes;”
(n°66, p.01).

De outro lado, as dificuldades em se obter um consenso entre a iniciativa pública e


privada para dar cabo da construção do cemitério, as quais são testemunhas alguns periódicos
jornalísticos, acabou por esticar o período de inumação de cadáveres nos templos religiosos
locais e em lugares inapropriados para este serviço, o que na verdade, foi prática mais ou menos
comum nos lugares distantes dos grandes centros urbanos das Capitais, ou seja, o discurso
médico higienista e seu impacto efetivo nas práticas fúnebres locais chegaram em momentos
diferentes, a última um pouco atrasada. De modo que, até o fechar do século XIX o debate sobre
o lugar de sepultamento dos mortos permeou a opinião pública local, por exemplo, no Jornal
Gazeta de Caxias (1893) torna público o conhecimento e faz uma crítica sobre a inumação de
cadáveres em lugar impróprio:

A inhumações na Ponte

Já por mais de uma vez temos reclamado contra o enterrado de cadáveres em frente
ao morro de S. Antonio, na Ponte, por ser o local improprio para cemitério (grifo
nosso), por estar muito perto do riacho e de casas já edificadas (grifo nosso) e que
continuam a edificar-se por ali.

[...]

Ninguém ignora o quanto é anti-higiênico (grifo nosso) um cemitério dentro ou a


barlavento (grifo nosso) de uma povoação. O da Ponte não está exactamente no centro
da povoação, mas fica a barlavento de parte della e a uma distancia que talvez não
chegue a 200 metros de algumas casas; além disso é encima de um morro. (GAZETA
DE CAXIAS, 1893, n° 153, p.02, grifo do autor)
84

Enfim, os cemitérios acabam sendo incorporados ao ceio social e o que antes era
feito dentro, ao lado ou na porta das igrejas passa a ter lugar separado, longe da cidade, com
regulamento, cuidado pelas autoridades públicas e pelas irmandades que manterão a relação
comercial das sepulturas. Dessa forma, as necrópoles caxienses reafirmariam a diferenciação
social dos sepultamentos de maneira quase idêntica na utilização dos espaços cemiteriais para
preservação das hierarquias eclesiásticas, antes observadas dentro dos templos religiosos:

[...] os sepultamentos nas igrejas preparavam cuidadosamente o terreno do cemitério


para explicitar as distâncias sociais”. Desde o início, o espaço do cemitério público
“encontrava-se segregado, onde as famílias mais ricas sempre estiveram disponíveis
a construção de monumentos funerários, enquanto as mais pobres a
monumentalização era vetada” [...] (CYMBALISTA apud FRANCO, 2019, p.164)

Na Capela, além dos ofícios fúnebres, era possível sepultar padres e membros da
elite, mantendo uma espécie de continuidade da prática do sepultamento ad sanctus apud
ecclesiam em um contexto espacial diferente. No cemitério de São Benedito e de Nª Senhora
dos Remedios, por exemplo, existem estes traços culturais em suas respectivas capelas.

De acordo com o Almanak administrativo do Maranhão (1866) os cemitérios davam


lucros às irmandades que os geriam, denotando a existência de um comercio, não novo, mas
continuado e aprofundado, pois, os compromissos destas irmandades já dispunham a respeito
de se precifica as sepulturas dentro das igrejas, estando isto a cargo das irmandades. Assim diz
escreve o inspetor:

Cemitérios públicos

A irmandade de N. S. dos Remédios possue um cemitério do qual é sachristão –


Raymundo Pereira da Fonseca, r. Direita.

A irmandade de San’Benedito possue outro do qual é sachristão – Jesuino Antonio de


Freitas, r. das Cajazeiras.

Ambos são bem construídos, e hoje dão muito rendimentos às irmandades.


(ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DO
MARANHÃO, 1858 a 1868, p.216, grifo nosso)

Quando Caxias ganha seus dois primeiros cemitérios eclesiásticos, por volta de
1862, a cidade de São Luís, capital da província, já tinha pelo menos 5 cemitérios84, não
significando, porém, que as práticas de sepultamentos nas igrejas desta cidade já fossem
totalmente abolidas, senão com fiscalização mais rigorosa:

No que diz respeito à continuidade dos enterramentos nas igrejas, com a


construção do novo cemitério da Misericórdia, ou Cemitério do Gavião em 1855, as

84
Além do cemitério da Santa Casa de Misericórdia, tinha o dos Passos, cemitério Inglês e, cemitério do Gavião.
85

referências aos sepultamentos em templos religiosos ficam ainda mais esparsas em


São Luís. A partir de 1856, a legislação proibindo os enterros nas igrejas parece ter
sido mais severamente seguida, visto que o então presidente da província José Olimpo
Machado, que aprovou diversas resoluções em favor dos novos cemitérios, precisou
que a câmara municipal baixasse uma lei permitindo o seu sepultamento em uma
igreja da capital. (COE, 2012, p.28)

Dessa forma, nota-se que parte da elite não estava muito satisfeita com os
sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam. O medo de doenças “infectocontagiosas” e,
“epidemias”, como a de febre amarela e cólera, assolava o núcleo urbano da cidade, a exemplo
do que se tratou no capítulo 3 deste trabalho. A correspondência no jornal O Farol (1854, n°156,
p.01) elenca o mau cuidado dos responsáveis pela preservação das sepulturas e do ambiente,
não observando precauções sanitárias de encerramento das covas e abertura das mesmas fora
do tempo estimado em dois anos.

Os planos para o primeiro cemitério público de Caxias datam de antes da década de


1850, porém haviam ficado no “projeto”85, estendendo o período dos sepultamentos ad
sanctuas apud ecclesiam dos membros das irmandades e das elites caxienses, e só se tornou
uma necessidade urgente entre 1858 e 1860, não sendo por acaso a década de 1850 um período
marcado pela epidemia de febre amarela e a de 1860 pela de cólera. São possibilidades de
motivação mais forte que podem ser aventadas, não sendo as únicas, dado que não foram
analisados registros de óbitos dessas décadas, apenas as notícias de jornais que parecem levar
a este rumo.

Desta maneira, ainda que os sepultamentos continuassem, não era unanimidade e


sim motivo de crítica por parte da sociedade urbana da época. Assim nasciam os primeiros
cemitérios oficiais da cidade pelas mãos das irmandades de Nª Senhora dos Remedios e do
Glorioso São Benedito.

No contexto regional, no entanto, a relação com os sepultamentos de mortos no


meio do convívio com os vivos se dava de maneira distinta. Se por um lado a cidade de Caxias
vislumbrava o fim dos sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam, outras cidades circunvizinhas
manteriam a prática até meados de 1880. No jornal Pacotilha (1883), o correspondente além de
informar a continuidade dos sepultamentos no interior das igrejas de Pastos Bons, nota outro
caráter desse tipo de prática, a elite maçônica por vezes não conseguia o direito ao jazigo eterno
dentro de uma Capela provocando uma medida de forças entre as elites locais maçônicas e os
clérigos e párocos:

85
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província Do Maranhão, 1860, p.308.
86

Da villa de Pastos-Bons communicaram ao Commercio de Caxias que tendo, falecido


ultimamente o sr. Manoel da Costa Nunes, mais conhecido por Badé, o vigário da
freguezia prohibiu que o seu cadáver fosse sepultado na Igreja, como é de costume
ali, por não haver cemitério.

Não se conformando com isto os amigos do finado mandaram abrir a Igreja e


nella exhumaram o cadáver, não obstante a viva opposição do vigário, que por
fim declarou a Igreja interdicta, por Badé ter sito maçon. (PACOTILHA, 1883,
n°28, p.03, grifo nosso)

Este aspecto ilumina agora a assertiva de capelas particulares no interior das


propriedades do senhorio provincial. A fim de evitar a contenda e queda de braço com os
sacerdotes, estes acabavam criando suas próprias capelas para depositarem seus cadáveres.
Local de descanso e ao mesmo tempo de culto, as capelas particulares cederiam lugar durante
a segunda metade do século XIX e início do XX a mausoléus e jazigos perpétuos dentro dos
cemitérios, um lugar escolhido e comprado dentro do cemitério eclesiástico ou civil que
passaria a pertencer à família de geração em geração.

Nos fins do século XIX nota-se uma efervescência do culto à memória dos mortos,
já iniciado e massificado no meio civil através do culto público do dia de finados realizado
pelas irmandades nas capelas cemiteriais de seus respectivos cemitérios. A especialização nos
serviços de decoração e gravura em lápides ganha fôlego e começa a aparecer nos periódicos:

LARGO DA MATRIZ

José Pedro da Silva gravador em lapidas para sepulturas, em madeira, & pode ser
procurado para os serviços concernentes à sua arte no Pé da Ladeira da Cruz.

Garante a perfeição do seu trabalho e modicidade. (GAZETA CAXIENSE, 1895,


n°194, p.04)

O cemitério torna-se então secularizado ou passível de secularização mediante


introdução dos pensamentos e ideias propagadas nos jornais. A elite passa a representar-se nos
espaços dos mortos a céu aberto, nascidos necrópoles eclesiásticas, como hierarquicamente
melhores em relação aos outros e busca preservar a sua memória, mesmo depois da morte nos
monumentos fúnebres. O além não seria mais a última preocupação e sim o mundo terreno e
sua volatilidade, onde cristalizar uma imagem distinta significa representação e cristalização de
uma memória:

Completa hoje mais um anno de inexistência o nosso esforçado e digno colaborador


Leoncio Filho.

- A Semana por tanto, cobre-se de galas para sauda-lo – e atirar-lhe na estrada da vida
um punhal de flores – alentadas no cruel da mais sincera gratidão.
87

Salve 12 de Abril. (A SEMANA: FOLHA LITERARIA, COMMERCIAL E


NOTICIOSA, 1896, n°07, p.03)

A secularização viria como um processo gradativo que teve sua culminância na


separação entre Estado e Igreja”, onde os cemitérios públicos passaram a ser regulados pelo
poder público e a instituição dos cemitérios civis designando sepultura a pessoas de “todas as
condições”. Para Silva e Rodrigues (2019, p.106) o papel dos cemitérios durante a segunda
metade do século XIX e mais fortemente no século XX com a secularização,
“monumentalização” das sepulturas e do espaço cemiterial “novos olhares foram lançados à
necrópole de modo que esta ganhou status de instituição cultural e memorialística”.

Os restos mortais de membros da alta sociedade caxiense, que de alguma forma


contribuíram com a estruturação do comercio, da política e da cultura locais, passam a ser
trasladados para os espaços cemiteriais eclesiásticos, mas, como observou-se no caso do
comendador João Paulo Dias Carneiro, seriam guardados por um mausoléu que preservaria
inclusive a “memória” do mesmo em relação à cidade:

Os filhos do Dr. Francisco Dias Carneiro leram em um dos jornaes que se pupblicam
na cidade de Caxias, que V. S. aventou a idéa de abrir ahi uma publica subscripção,
afim de ser erigido no cemitério dessa cidade um mausoléo ou túmulo condigno
que perpetue a memoria do nosso falecido Pae. (JORNAL DE CAXIAS, 1897,
n°64, p.01, grifo nosso)

Em 1902, o vereador Libânio Lobo propõe um projeto de construção do cemitério


“civil”, asseverando em alguns artigos que concretizado o mesmo, os cemitérios das irmandades
de São Benedito e Nª Senhora dos Remedios seriam fechados, proibindo ainda a instituição de
outros cemitérios particulares. Começa-se então, no início do XX a busca mais efetiva pela
secularização dos cemitérios em Caxias:

O CEMITÉRIO CIVIL

Art. 1°. E o Intendente Municipal autotrisado a mandar construir um cemitério civil


municipal, em logar apropriado para o mesmo fim.

Art. 2°. Logo que esteja o referido cemitério construído, serão fechados os das
irmandades de N. S. dos Remedios e de S. Benedicto.

Art. 3°. O Intendente formulará uma tabella de preço das sepulturas do cemitério
municipal, e devendo submete-la a approvação da Camara, em sua primeira reunião
ou em outra para esse fim convocada.

Art. 4°. É expressamente prohibida a construcção de cemitérios particulares, depois


da publicação d’esta lei, sendo demolidas judicialmente os que se construírem e
multados em 50$000 réis os contraventores.

Art. 5°. Revogam-se as disposições em contrário. (JORNAL DE CAXIAS,


1902, n°358, p.04)
88

O cortejo fúnebre civil é outro aspecto da morte secularizada e do culto aos mortos.
Por exemplo, o cortejo de Maura Pedreira de 13 anos, cujo corpo chegou de Teresina onde
estava em tratamento por conta de uma doença, veio para Caxias com os pais e demais
familiares e, foi recebido por “numerosíssimas pessoas de ambos os sexos” (JORNAL DE
CAXIAS, 1899, n°198, p.01), sendo conduzido o cadáver já no caixão a “pulso” até a casa de
D. Maria José de Moura Betencourt, ou seja, não foi levado à Igreja, e seu caixão foi feito sob
encomenda. Assim diz:

As 3 horas da tarde chegou a esta cidade, em trem expresso, o cadaver da victima


acompanhado de seos desolados paes, irmãos e muitos amigos da família.

Numerosíssimas pessoas de ambos os sexos compareceram na Estação para


demonstrarem o pesar de que se achavam possuídos.

Dali foi conduzido, o caixão a pulso, por amigos do sr. Pedreira, até a casa da exm.ª
srª. D. Maria José de Moura Bitencourt, d’onde seguio as 6 horas da tarde para o
cemitério dos Remedios, com grande acompanhamento, sendo o caixão preparado
ricamente pelo hábil artista sr. A. Campos. (JORNAL DE CAXIAS, 1899, n°198,
p.01)

Desta forma, diante das informações até aqui apresentadas e discutidas, ressalta-se
que entre as décadas de 1850 e 1870 a cidade de Caxias vivenciou um período literário da morte
“dramatizada” influenciada pelo romantismo oitocentista, mas, ao mesmo tempo, parte da elite
reveste-se dos discursos médico-científico e higienista para criticar e exigir uma mudança nos
hábitos sociais e religiosos, este último ponto, evidenciado no apelo à interrupção dos
sepultamentos no interior e entorno das igrejas e, por fim, promove a secularização das
sepulturas eclesiásticas através da instituição de lápides mais suntuosas e construção de
mausoléus nos cemitérios como guarda de memória. Entre 1880 e 1900 a cidade vivencia um
período de secularização do espaço cemiterial a céu aberto e as práticas fúnebres de culto civil
aos mortos, com o corpo sendo velado em casa para depois partir rumo ao cemitério em grande
acompanhamento.

5.2 CEMITÉRIO DE SÃO BENEDITO


O cemitério São Benedito fica situado na praça Don Luís Marelin86, popularmente
conhecida como “praça da chapada”, e leva o nome da Igreja datada do início do século XIX.
A autorização para que a irmandade do Glorioso São Benedicto construísse “um cemitério a
expensas suas” foi dada em 1858 pela lei 477 afirmando que “Fica concedida á irmandade de
São Benedicto da cidade de Caxias a autorisação para erigir um cemitério, á expensas suas, fora

86
Primeiro bispo da cidade de Caxias, que tomou posse em 1940, e hoje está sepultado na Igreja Catedral (Nª
Senhora dos Remédios).
89

do recinto da cidade, e no logar designado pela câmara respectiva, de accordo com o Exm.
Bispo dioceses” (COLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS E REGULAMENTOS DA PROVÍNCIA
DO MARANHÃO, 1858, p.40), tratando-se, portanto, de um cemitério eclesiástico.

Foi terminada sua construção por volta de 1862, e ampliado no século XX. A
escassa relação de fontes concernentes ao próprio cemitério, como regulamento e planta,
impossibilita muitas análises, tendo que liga-lo à história da Igreja de São Bendito e à
irmandade.

O cemitério foi construído no largo pertencente à freguesia de mesmo nome. Seu


formato é quadrado87, e na entrada observa-se uma cruz metálica. Sua faixada é composta por
sete colunas dispostas ao longo da fronte, estas em estrutura original, dado que a ampliação
realizada foi do fundo da capela para trás. A cor original do cemitério era o branco, mas com a
reforma em 2012, passou a adotar a tonalidade goiaba. Mesmo figurando como um dos mais
antigos da cidade, não foram encontrados muitos jazigos do século XIX, escondidos
possivelmente pela sobreposição dos túmulos e modificação das lápides. Sua faixada é tombada
como patrimônio histórico, e os cuidados do cemitério ficam a cargo da paróquia de São
Benedito. Quanto à relevância histórica vai desde os ilustres enterrados lá até os mausoléus e
esculturas, além das formas arquitetônicas que imitam o barroco.

No cemitério de São Benedito estão enterrados, o poeta Nereu Bittencourt. O


coronel Cesário Lima, importante político e comerciante da cidade de Caxias. O militar e
político Aluísio Lobo88, além de padres e educadores importantes para a cidade. Em relação as
suas construções, dos epitáfios às esculturas, hoje um tanto mal conservadas, atrai os olhares
para as formas, a imponência e as curiosas inscrições, como este epitáfio: “Aqui jaz Amélia
Gulig natural da Inglaterra falecida a 7 de setembro de 1885. CA – Lembr de seu F Johnn
Bridge”89.

87
Atualmente ambos os cemitérios apresentam o formato geométrico retangular, e a capela fica ao centro, o que
se pode inferir pela expansão dos terrenos exatamente na parte de trás de cada capela. Isso ficará melhor mostrado
nas fotografias que serão inseridas adiante.
88
Chegou a ser prefeito da cidade durante 1978 a 1983.
89
O túmulo fica nos limites da área original do cemitério e está deteriorado.
90

Figura 11: Faixada do cemitério São Benedito, Caxias-MA. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 12: Mausoléu do fim do século XIX no cemitério São Benedito. Sem identificação. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


91

Figura 13: Mausoléu decorado externamente com pedras de granito. Dentro, um crucifixo médio e o teto semelhante ao de
uma capela. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 14: Vista frontal interna do lado direito do sentido ao interior do cemitério São Benedito. Ao fundo pode-se notar o
topo da Capela cemiterial. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


92

Figura 15: Rua central do cemitério São Benedito sentido a Capela. Do lado esquerdo dois mausoléus modernos. Imagem
atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 16: Túmulos com cruzes e oratório no cemitério São Benedito. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


93

5.3 CEMITÉRIO DE Nª SENHORA DOS REMÉDIOS


O cemitério da irmandade de Nª Senhora dos Remédios, que leva o mesmo nome,
fica localizado no Bairro Castelo Branco, por traz da escola Duque de Caxias em um ponto alto
da cidade. A autorização de sua construção foi concedida em 1858 pela lei 509 de julho. A
autorização é um pouco mais longa e específica que a do cemitério anterior. Lê-se, pois, no
Publicador maranhense (1858):

Art. 1. Fica concedida á irmandade de Nossa Senhora dos Remedios da cidade de


Caxias permissão para o levantamento de um cemitério na mesma cidade, á expensas
suas, no logar designado pela câmara, de acordo com o Exm. Bispo diocesano, afim
de serem nelle sepultados não só os irmãos que fallecerem e os membros de suas
famílias, na forma do seu compromisso, como também os cadáveres de outras pessôas,
que para elle possão ser conduzidos, sujeitando-se seus parentes á satisfação da
quantia, que para isso fôr estipulada nos respectivos estatutos. (PUBLICADOR
MARANHENSE, 1858, n°189, p.02)

Assim, o cemitério da irmandade aceitaria outras pessoas desde que pagassem o


necessário pela sepultura. Não se pode afirmar que o cemitério de São Benedito não tenha
praticado o mesmo comércio de sepulturas eclesiásticas pelo simples fato de não se encontrar
no compromisso as especificações quanto a isto, parece ter sido uma prática de ambas as
irmandades pelo que foi constatado no Almanaque administrativo de 1866 (p.480) no capítulo
4 deste trabalho.

O cemitério apresenta na estrutura arquitetônica dos muros laterais e frontal, as


colunas iguais às que se encontram no cemitério São Benedito, com formato de cone no topo.
A cor adotada é branca, e o espaço do terreno é quadrado bem definido, constituindo-se de
túmulos, os mais variados possíveis, com decorações, formatos e cores diferentes.

Em seu interior observa-se algumas esculturas em estilo clássico, representando a


cruz e o anjo de joelhos, popularmente conhecido no meio marmorista como anjo espreme-
limão (LIMA, 1994, p.106). Seu espaço original sofreu modificações, a principal delas o
aumento do terreno a partir da parte detrás da capela. Neste cemitério estão sepultadas figuras
ilustres da cidade, contando entre parentes de famílias distintas, educadores e populares.
94

Figura 17. Faixada do Cemitério de Nª Senhora dos Remedios. Imagem recente

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 18: Capela cemiterial de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PREIRA apud SANTOS, 2020)


95

Figura 19: Túmulo do século XIX pertencente à família Cruz no Cemitério de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 20: Túmulo do século XIX no cemitério de Nª Senhora dos Remedios. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


96

Figura 21: Cruz do cemitério de Nª Senhora dos Remedios e, desfocado ao fundo o Anjo espreme-limão. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)

Figura 22: Vista diagonal, sentido interior para a frente do cemitério de Nª Senhora dos Remédios com enfoque nos túmulos
paralélos à lateral da Capéla Cemiterial. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


97

Figura 23: Túmulos do interior da Capela cemiterial de Nª Senhora dos Remedios, ao todo 6 túmulos. Imagem atual

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2020)


98

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade de Caxias, como ficou demonstrado, viveu o período dos sepultamentos
eclesiásticos ad sanctus apud ecclesiam até os fins da primeira metade do século XIX e parte
da década de 1860. A sociedade caxiense estava por este período, imersa nas concepções
religiosas que ditavam as maneiras de se fazer e se proceder diante de um velório e se portar
em relação à morte de outra pessoa, evidenciadas nos testamentos e chamadas para
cumprimento destes, nos periódicos locais e discursos fúnebres, pelos quais nos foi acessível a
prática do luto compartilhado ou coletivo e da morte dramatizada.

Os óbitos dos fins do século XIX ajudaram a perceber que o rito continuava, pelo
menos na região correspondente à Tresidela, a serem feitos dentro da Igreja, mas a flexibilidade
conseguida mediante institucionalização das concepções médicas na sociedade, fez com que o
culto aos mortos e seus ritos passassem a serem feitos nas Capelas cemiteriais, construídas para
este fim.

Outro fator da modificação das práticas fúnebres em Caxias pode ser visto no caso
da jovem Maura Pedreira, falecida aos 13 anos. Ela teve seu corpo preparado em um Hospital
na capital do Piauí, Teresina, ou seja, o cuidado com o corpo do morto foi entregue ao ambiente
médico especializado para este fim, é a terceirização de parte dos chamados “ritos fúnebres
domésticos” (REIS, 1991, p.116). A instituição dos cemitérios oficiais eclesiásticos, por tanto,
foi motivada pela pressão da elite local fundamentada nas concepções médicas, que
compartilhava vertentes convergentes e divergentes em suas teorias, como higienistas e
infeccionistas. A existência de cemitérios periféricos denota as diferenças entre o destino mais
comum das elites e das classes mais pobres entre 1850 e 1870, principalmente escrava.

A monumentalização das necrópoles eclesiásticas na cidade, deve ter seu marco


temporal entre 1880 e 1890, tomando como base a ideia de se construir um mausoléu para
preservar a memória do comendador João Paulo Dias Carneiro e, a secularização viria no início
do século XX, pelo menos em tese, com a tentativa de se construir um cemitério civil
evidenciada no projeto de lei apresentado à câmara municipal pelo vereador Libânio Lobo em
1902.

Desta maneira, a historiografia da morte em Caxias no século XIX encontra nas


fontes, como jornais, coleções de leis e decretos, almanaques administrativos, regulamentos e
compromissos de irmandades, desde a formação dos espaços dos mortos às concepções
ideológicas e culturais que foram capazes de moldar um período e uma localidade através da
99

instituição dos lugares dos mortos descolados das igrejas e seu entorno, assim como, a
institucionalização do discurso médico nas práticas sociais que antes eram normatizadas pela
religiosidade. Os problemas que decorrem do modelo tido como antigo, arcaico e anti-civilizado
de sociedade tomam forma geralmente em crises de larga escala. Deste modo, os surtos
epidêmicos e infecções, locais e regionais, motivaram a gradativa desagregação de algumas
práticas socialmente institucionalizadas na cidade.

O discurso médico-científico passa a ser propagado pelas elites locais através dos
jornais e institucionalizado mediante decretos de leis, códigos de posturas, compromissos das
irmandades e concretizado na separação dos lugares de inumação de cadáveres dos ambientes
de convivência e socialização dos vivos. Os cemitérios eclesiásticos de São Benedito e Nª
Senhora dos Remedios surgem como expoentes oficiais destas novas práticas, mas refletem a
transposição das hierarquias dos sepultamentos ad sanctus apud ecclesiam das igrejas para os
cemitérios a céu aberto e descolados dos templos religiosos.

Desta forma, a transição das práticas religiosas, concenentes aos sepultamentos de


cadáveres nas igrejas em Caxias na segunda metade do século XIX, ocorrem de maneira lenta,
porém, em consonância com o que acontecia na capital São Luís. De outro lado, a pesquisa
abordou um pequeno núcleo e uma parte desta sociedade complexa, o núcleo urbano e a elite
política e econômica locais, percebendo que existe uma lida com os mortos na classe pobre e
escrava de maneira diferente, e em alguns locais os mortos eram sepultados numa extensão da
propriedade privada. A medicalização da “sociedade” é outro fator a ser observado com
atenção, pois, não deve ter se desenvolvido de maneira equânime, fazendo com que as
populações da zona rural partilhassem dos costumes, em desagregação na zona urbana, por mais
tempo. Estes são problemas que requerem mais pesquisa e fundamentação.
100

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MARANHÃO, 1859, 1860, 1864, 1869 e 1870. Acesso em: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx.
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105

ANEXO A – Testamento do major Alexandre Bernardo Siqueira

- E este o com que falleceu o major Alexandre Bernardo Siqueira, aberto pelo juízo da provedoria dos
resíduos e capelas, desta capital, no dia 20 do corrente.

Em nome da Santíssima Trindade Amem.

Eu Alexandre Bernardo de Siqueira, achando-me doente, mas em meu perfeito juízo e entendimento,
temendo a morte pela incertesa da hora, faço o presente testamento contendo as disposições da minha
livre e espomntanea vontade para terem legal execução depois do meu fallecimento.
Sou súbdito brasileiro, nascido e baptisado na cidade de Caxias, filho legítimo do Sr. Joaquim de
Siqueira Almeida Loureiro e de sua mulher a senhora D. Quiteria Joaquina Feijó de Siqueira naturaes
do reino de Portugal, e ambos já fallecidos.
Declaro que apenas tive um irmão e uma irmã; esta morreu solteira e aquelle casou, e poucos mezes
depois falleceu ab intestato em Pernambuco, dem deixar descendência.
Declaro que sou solteiro, e que não tenho filhos naturaes, nem adoptivos. Nada devo, e se por accaso
dever será cousa tão insignificante que por isso mesmo não me lembro. Tambem não sou depositário de
bens públicos, ou particulares, nem estou compromettido com fiador de pessoa alguma.
Declaro que a sr. Viúva de meo irmão, devidamente representada por seu segundo marido, remetti de
Lisbôa e ella recebeo em Pernambuco, em dinheiro descontado, a importância integral do quinhão que
lhe coube em partilha amigável, como herdeira da meação da legitima materna do meo irmão, seo
primeiro marido, como tudo consta da escriptura de quitação que me passou.
Declaro tambem que durante a minha vida commercial, nesta província, e ultimamente no decurso da
minha longa estada em Portugal, tratei de vários negócios judiciaes pertencentes a diversas pessoas
residentes n’este império, dos quaes negócios prestei contas em seus respectivos tempos, ficando salvo
e quite com todos os meos committentes.
Declaro mais que a minha singela escripturação _________clara e modesta fortuna que Deus foi servido
confiar-me, está quasi liquidada, consistindo actualmente em apólices geraes de seis por cento em
dinheiro à minha disposição em poder dos srs. Delfim Guimarães e C., desta cidade, vencendo tambem
o juro de seis por cento o restante em letras e obrigações a receber , alem dos escravos meus serventes
e moveis do meo uso: qualquer alteração que houver na collocação actual d’estes fundos, constaria dos
meus assentos.
Portanto, à vista do que tenho fielmente exposto e declarado, considero-me em circunstancias de poder
livremente e dispor do que é meo como as leis permittem, e o faço do modo seguinte:
Quero que quando fallecer seja o meo corpo sepultado sem pompa, n’uma catacumba do cemitério mais
próximo à minha parochia, cujo parocho dirá por minha alma uma missa de corpo presente, fazendo-se
em devido tempo a trasladação dos meos restos mortaes para um carneiro, ou catacumba na egreja de
Santo Antonio, ou em outra qualquer que as venda, e quero que no acto desta trasladação o meo
testamento mande celebrar por minha alma os officios fúnebres, segundo o ritual da egreja, mandando
dizer logo em seguida ao meo falecimento, cinco capellas de missas, sendo três pelas almas de meo pae,
de minha mãe e de meos irmãos, e, finalmente dusa pela minha alma.
Deixo a quantia de 100$ reis para ser distribuída em esmolas de dous mil reis, á 50 pobres mendigos
que se apresentarem a pedi-las no dia do meo enterro.
Deixo 500$ rs., sendo 200$ rs., para o recolhimento de N. S. da Annunciação e Remedios, e 300$ rs.,
para as obras da egreja de Santo Antonio d’esta cidade.
Deixo 1:000$ rs., sendo 200$ rs., para a illuminação da capella do altar do Santissimo Sacramento da
Matriz da conceição da cidade de Caxias, e 200$ rs., para cada uma das seguintes quatro egrejas –
Conceição, Rosario, S. Benedito e Remedios – todas d’aquela mesma cidade, ficando assim completa a
presente verba.
106

Por especial devoção que consagor ao Senhor Bom Jesus de Mathosinhos, nas vizinhanças da cidade do
Porto, e ao Senhor Bom Jesus do monte, em Braga, reino de Portugal, deixo três arrobas de cêra, ou o
seo equivalente em dinheiro para o culto de cada uma das referidas Santissimas imagens.
Deixo 200$ ., a cada um dos seguintes meos afilhados – D. Maria Aurora, filha legitima do sr. Raimundo
Pereira da Fonseca, morador em Caxias, e João Alexandre, filho legitimo do sr. Major João Antonio
Vaz Portella, morador n’esta cidade.
Deixo 2:000$ reis, á minha afilhada D. Maria Alexandrina Palmira, esposa do sr. Lourenço Leite Bastos,
morador nesta cidade, e no caso de não sobreviver-me quero que este legado reverta á sua filha, tambem
minha, D. Maria das Neves.
Deixo ao meo bom amigo sr. Major Antonio Justiniano de Miranda, o meo relógio de ouro com
trancelim e sinetes do mesmo metal, e os demais seguintes moveis de meo uso: - uma bengala de canna
da India com castão de outro lavrado, - uma secretaria de cedro polido com gavetas – uma estante
envidraçada com todos os livros de leitura que contem – um guarda roupa de cedro polido, e dou-me
por pago da quantia que está a dever-me em conta antiga particular como consta dos meos assentos.
De tudo quanto actualmente possuo, nada preso e venero tanto como o meo santuário com as sete
belíssimas imagens e ornamentos que encerrão, e é por essa razão que deixo e muito recomendo á sra.
D. Rita Joaquina Marques, esposa do meo amigo particular sr. Dr. Cezar Augusto Marques, a quem me
confesso muitíssimo grato pelo zelo e cuidado com que tem me tratado como medico assistente.
Cumpre-me declarar que a urna ou commoda a quem serve de poanha ao dito Santuaria, faz parte
componente do mesmo.
Deixo 1:000 $ rs., á menina D. Philomena, filha legitima do meo prestimoso amigo Pedro de Souza
Guimarães, e de sua esposa a sra. D. Maria Basilia de Freitas Guimarães, para ser por seo pae a dita
quantia empregada como melhor convier aos interesses da jovem legatária, e se esta não sobreviver-me,
será o mesmo legado dividido igualmente por todos os seos irmãos, filhos do dito sr. Pedro de Souza
Guimarães, havidos do seo consorcio com a referida senhora D. Maria, para os fins já mencionados.
Deixo 1:000 rs., á meo primo Victorino Feijó Brabo, morador da villa da Chapada, ou de Santa Cruz da
Barra do Corda, no interior d’esta província.
Deixo 1:000$ rs., a meo primo Antonio Guimarães d’Almeida Azevedo, recém vindo de Portugal para
esta cidade, aonde se acha empregado no armazém do seo tio o sr. João d’Almeida Azevedo.
A meo primo José Antonio Alves Junior, morador em Caxias, dou plena quitação da quantia que está a
dever-me, como consta d’uma obrigação existente na minha carteira.
Deixo 2:00$000 rs., á minha ex-cunhada srª. D. Carlota Emilia Carneiro da Cunha, residente em
Pernambuco; e no caso de não sobreviver-me quero que este legado reverta em favor da srª. D. Francisca
Benedicta Pereira Lapa, moradora n’esta cidade, em companhia de seos irmãos.
Deixo 3:000$000 rs., á minha prima srª. D. Maria José de Quadros Sequeira, filha legitima de meo
fallecido tio paterno sr. Dr. José Sequeira Seixas Cardoso Barros, morador, quando vivo, na sua quinta
de Couto d’Esteves, conselho de Séver do Vouga, distrito de Aveiro no reino de Portugal; e no caso da
legatária não sobreviver-me, quero que este legado reverta em beneficio das nossas primas, filhas
legitimas do fallecido sr. Dr. José Simões Couceiro, moradores em Souto de Lafões, conselho de
Oliveira de Frades, em companhia de seo irmão José Cerveira Cabral, a quem dou plena quitação da
quantia que está a dever-me constante de uma escriptura passada na cidade do Porto, hypothecando-me
a sua quinta denominada – Abraveses – conselho Vizeu.
Tendo eu há quatro annos, alforriado em louvor do Glorioso Sam Benedicto, a mulatinha Eponina
Celeste, filha de minha escrava Antonia Cafusa, e desejando acautellar o seo futuro, contra as incertesas
da sorte, deixo-lhes por uma só vez, a esmola de 1:000$000 rs., cuja quantia será pelo meo testamento,
empregada em acções do banco, das quaes acções, assim como dos seos rendimentos só poderá a
legatária tomar conta, e dispor como propriedade sua, depois que casar, ou atingir a sua maior idade,
tudo comprevio consentimento do seo tutor, e auctorisação do sr. Juiz dos órfãos, e no caso deste legado
não sobreviver-me quero que este legado reverta aos meos herdeiros.
107

Deixo mais á dita Eponina Celeste, para seo uso e a minha marqueza de angico, com os competentes
clchões, e travesseiros, e cobertas de chitas finas, e uma das minhas commodas, á sua escolha, para lhe
servir de guarda roupa.
A minha patrícia srª. D. Benedita Amada, esposa do sr. Gervasio Vieira de Souza, deixo 2000:$000 rs.,
por uma vez somente, para auxilia-la nas despesas que tem a fazer com a entrada de sua filha Adalgiza
para um collegio de educação.
Deixo por uma vez somente esmola de 100$000 rs., a cada uma das seguintes senhoras. D. Maria
Francisca de Lima, e Monica Maria da Conceição, ambas moradoras nesta cidade.
Deixo a esmola de 30$000 rs., ao velho Antonio Lisbôa, para tratamento de sua filhinha doente.
Deixo a meo primo Joaquim Feijó Brabo, o uso fructo dos serviços do meo escravo Julio, por espaço de
quatro annos consecutivos a contar desde o dia do meo falecimento, pois que preenchido esse tempo
poderá o dito escravo gozar de liberdade como forro e livre que ficará sendo desde então para sempre,
com a condição de fazer companhia à sua mão, e de prestar-lhe todos os serviços que poder.
Declaro que sendo eu um dos quatro herdeiros de meo tio materno o sr. Victoriano Gomes Feijó,
fallecido abintestato em Caxias, há mais de trinta annos, fiquei de acordo com os mais interessados, com
o escravo Miguel, pela quantia de 600$ rs., moeda corrente, em pagamento das despesas dos nossos
direitos de sucessão quando disputado pelo sr. Emiliano Ferreira da Silva, e sua mulher, ficando todavia
intactos, e em seo inteiro vigor os direitos dos ditos quatro herdeiros, os quaes direitos, pela parte, cedo
e transfiro a minha prima d. Antonia Feijó, para d’elles usar em seo proveito ou no de seos herdeiros,
como sempre prometti, e agora confirmo.
E’ muito de minha vontade que a decima dos legados constantes do presente testamento a partir do valor
de 30$ rs até 1:000$ rs., inclusive seja paga à minha custa, pois quero que os respectivos legatários
recebam integralmente as quantias que lhes deixo.
Em quanto não forem plenamente cumpridas todas as disposições contidas neste meo testamento, não
será permitido aos legatários acima designados, transferir, vender ou negociar de qualquer modo que
seja, os direitos que lhes competem em virtude destas minhas disposições testamentarias sob pena de
perder em favor da Santa Casa da Mizericordia desta cidade, o seo respectivo legado aquelle que o
contrario fizer.
Esta mesma condição é igualmente extensiva aos meos herdeiros, e por isso julgo conveniente que os
interessados tenhão dela conhecimento para não allegarem ignorância.
Declaro que por meo fallecimento ficam forros e livres do captiveiro os meos escravos – Miguel e
Francisco, ambos africanos e já velhos. Em attenção aos bons serviços que o dito Francisco me tem
prestado, especialmente depois que tive a infelicidade de ficar paralytico, deixo-lhe a diária de 240 rs,
para seo sustento, a contar do dia do meo fallecimento, até que elle possa trabalhar, e viver á sua custa.
Quanto ao escravo Miguel, que tem estado em Caxias desde que fui para a Europa, limito-me a
recomendá-lo á protecção dos meos herdeiros.
Por meo fallecimento ficam igualmente forras e livres do captiveiro as minhas escravas Antonia Cafuza,
e Jovina, mulata e lhes recommendo que aproveitem o melhoramento da sua actual condicção pessoal
para formarem os eos constumes, tornando-se mais morigeradas, e serviçais do que teem sido como
minhas escravas, serventes: guiado por estes sentimentos de caridade christão, deixo a cada uma destas
escravas por uma só vez, a esmola de 50$ rs., para principiarem a sua vida, e deixo-lhes mais os
utensíllios de cozinha e alouça do meo uso com que se achão na vidraceira da varanda e a minha afilhada
d. Maria Alexandrina, conjunctamente a minha patrícia, d. Bendicta Almada, se estas senhoras
precisarem de alguns delles.
Declaro que logo depois de minha chagada a Europa, alforriei gratuitamente o rapazinho Roque, filho
de minha escrava Jovina, como consta de uma carta de liberdade que passei, e entreguei á srª d. Candida
Lapa, sua generosa protectora.
108

Fica desde já sem effeito o meo testamento de 15 de agosto de 1863, approvado pelo tabellião Antoni
d’Abranches Coelho, assim como fica inteiramente revogado para sempre o meo testamento de 05 de
agosto de 1870, approvado n’esta cidade em 29 do dito mez e anno pelo tabellião Saturnino Bello.
Depois de satisfeitas todas as disposições contidas neste meo testamento, quero determinar que a
importância total dos meos remanescentes seja dividida em duas metades iguaes, a sber: d’uma dessas
metades instituo herdeiros as minhas primas, senhoras D. Umbelina, D. Aurora (filhas legitimas do sr.
José Antonio Alves negociante em Caxias)) e a ______filha mais velha de seo irmão, nascida do seu
consorcio co a fallecida senhora D. Maria Martins Viana, e da outra metade são herdeiros os meos
primos Joaquim Feijó, José Feijó Brabo, e sua irmã a senhora D. Antonia Feijó todos moradores na
comarca de Caxias, se algum dos meos herdeiros – Feijós – sobreviver-me, nem por isso o que, ou os
que ficarem existindo deixará de receber por inteiro a herança que lhes deixo, observando-se a mesma
regra a respeito das minhas primas senhoras D. Umbelina e D. Aurora, com sua sobrinha e filha mais
velha do senhora José Antonio Alves Junir.
Aos dito meos herdeiros peço o favor de prestarem a sua caridosa protecção á mulatinha Eponina
Celeste, fazendo tudo quanto lhes for possível para que ella acabe de aprender as primeiras letras e
possuir todas as prendas próprias do sexo, pois que tendo-a eu criado como se fora filha minha, sendo
apenas minha protegida, muito desejo que ella proceda bem para poder ser feliz neste mundo em que a
deixo creança, pobre e sem amparo. Deos a proteja.
Instituo por meo testamenteiro n’esta cidade, em primeiro logar o sr. Delfim da Silva Guimarães, se ao
tempo do meo fallecimento já tiver regressado de Portugal – em 2° logar o sr. Major Antonio Justiniano
de Miranda – em terceiro o sr. José Joaquim Pereira dos Santos – e finalmente em quarto logar o sr.
Antonio Marcolino Campos Costa, todos moradores n’esta cidade, os quaes hei por abonados
independente de prestação de fiança alguma, e aquelle dos ditos srs. que dignar-se a acceitar a regência
d’este meo testamento segundo a ordem de sua nomeação, rogo que cumpra e faça cumprir todas as
disposições aqui contidas, para cujo fim lhe confiro e outorgo todos os poderes em direitos necessários,
assim como para receber, e administrar tudo quanto me pertencer, por cujo trabalho receberá comissão
concedida pela lei.
Marco para a residência deste meo testamento o praso de dous annos, contados do dia da sua aceitação;
mas se este praso fôr insuficiente, terá o mesmo testamenteiro mais um anno para prestar suas contas.
Por esta forma tenho concluído este meo testamento, com as disposições de minha ultima vontade, e
suplico ás justiças de sua majestade o imperador, que se sirvão dar-lhe o cumprimento, pois quero que
somente este tenha toda a validade tanto em juízo como fora delle, revogando, como já declarei, outro
qualquer – sedula – ou codicillo, que anteriormente tenha feito.
Impossibilitado de escrever por estar paralythico, pedi ao sr. Theodoro José da Silva Bessa, que este por
mim escrevesse o qual vai por mim assignado depois de o lêr, e achar em tudo conforme ao que eu havia
dictado. – Maranhão, 18 de Setembro de 1874. – Alexandre Bernardo de Siqueira. – como facto rogo
do testador . – Theodoro José da Silva Bessa.
FONTE: (DIÁRIO DO MARANHÃO, 1879, n°1913)
109

ANEXO B – Testamento de João de Sá

Em nome de Deos – Amem – Eu João de Sá achando-me em meu perfeito juiso e entendimento que
Deos Nosso Senhor foi servido dar-me, e não sabendo o dia e a hora em que terei de ser chamado ao
Tribunal do Altissimo, faço este meo testamento e disposição da ultima vontade –
Verba primeira – Declaro em primeiro lugar que professo a Religião Catholica Apostolica Romana, em
cuja crença e fé sempre vivi, e desejo morrer, sou natural do reino de Portugal, da comarca da Freira, e
sou filho legitimo de Anna Dias já fallecida, e não declaro o nome de meo pai, por eu apenas de cinco
ou seis mezes de nascido, e sahido de casa ainda de menor idade para hir aprender o officio de ferreiro
na cidade do Porto, e depois vindo para o Brasil, nunca me ocorreu indagar o seo nome: outro sim
declaro que sou brasileiro adoptivo e que sempre vivi no estado de solteiro, e porque meos pais já
fallecidos, e eu não tenha herdeiros descendentes, passo a dispor de todos os meos bens pela forma
seguinte –
Verba segunda – Declaro e he minha vontade que sejão meos testamenteiros em primeiro logar Frederico
Augusto Saldanha, em segundo Pedro Miguel de Aleancara Coelho, em terceiro a todos elles peço, e a
cada um, em particular que sirvão fazer-me a esmola de aceitarem e cumprirem esta minha
testamentaria.
Verba terceira – Deixo a esmola de cem mil reis moeda corrente para ajuda da construção da igreja de
Nossa Senhora da Piedade desta villa de Coroatá, cuja quantia será entregue a quem de direito competir,
quando a obra tenha seo devido andamento.
Verba quarta – Deixo mais a quantia de cincoenta mil reis moeda corrente a José da Silva Raposo, em
attenção a amisade que sempre me teve, e ser um moço pobre e muito doente, e bem comportado.
Verba quinta – Declaro que o restante dos meos bens, dedusidos todas as dispesas e legados, será
dividido em trez partes iguaes, a primeira destas trez partes instituo por herdeiro a minha afilhada Maria,
filha de Eufrasia Maria da Conceição, da segunda parte dos meos bens será herdeira Marcelina Rosa
Rabello, em attenção a muita amizade e bons serviços que sempre me prestou; e da terceira e ultima
parte dos ditos meos bens serão herdeiros o menino Germano filho de Anna Francisca de Souza, e João
Paulo da Silva Cardozo, dividindo-se em ambos com igualdade de direito, e cada um dos ditos meos
quatro herdeiros instituídos, mandarão diser seis missas, sendo trez por alma de meos pais, e trez pela
minha alma, cada uma das esmollas de seicentos e quarenta reis.
Verba sexta – Declaro que tenho contas de dever e há de haver com Augusto José de Macedo e Britto,
e que este tem em seo poder saldo a meo favor, como melhor se verá dos meos papeis: bem assim me
he devedor de não pequena quantia o padre José Mauricio Rodrigues de Araujo, e tanto esta divida,
como outras mais que se me devem, constão de meos papeis, e de um termo de conciliação havido entre
mim e o dito padre.
Verba sétima – Declaro que meo enterro será feito á contento de meo testamenteiro.
E por esta forma, hei por findo este meo testamento e declaração de ultima vontade, e peço a justiça de
Sua Majestade Imperial lhe queirão dar todo devido cumprimento, por eu o achar conforme, e segundo
ditado havia, depois de ouvir ler, e por não saber escrever se não só o meo nome, pedi ao tabelião interino
Joaquim Pereira dos Santos Queiroz a meo rogo escrevesse, e no qual tão somente me assigno. Villa de
Nossa Senhora da Piedade do Coroatá, vinte e dois de março de mil oitocentos e cincoenta.
FONTE: (A IMPRENSA, 1861, p.03)
110

ANEXO C – Regulamento do Cemitério provisório da cidade de Caxias (1857)

Artigo 1°. A Camara nomeará um empregado que tenha a seo cargo a administração deste
estabelecimento, com o titulo de Zelador, recebendo o ordenado de cento e cincoenta mil reis annuaes,
pagos pela Camara, e duzentos reis de risco de cada sepultura, pagos pelos encarregados dos enterros.
Artigo 2°. As sepulturas devem ter sete palmos de profundidade, nove de comprimento e três de largura;
devendo ter entre uma e outra sepultura o intervallo de um e meio palmo, e para que possa regular-se o
sepultamento haverá um quadro de madeira com as dimensões que ficão ditas, e uma escala para medir
a profundidade, largura e intervallo.
Artigo 3°. As sepulturas para Anjos menores de sete annos, seguirão o mesmo alinhamento, com cinco
palmos de profundidade, e dois de largura, e o mesmo intervallo, o cumprimento será regulado pelo
cadáver; pagarão pelas sepulturas o mesmo que pagão os menores de sete annos, e os duzentos reis de
risco.
Artigo 4°. Quando o caixão ou cadáver for lançado na sepultura, os serventes do Cemiterio farão descer
sobre as cordas ou cintas, com decencia e respeito, lançando-lhe depois três palmos de terra em cima,
fazendo então o primeiro socamento, aos seis palmos o segundo, chegando-lhe depois toda a terra para
cima até ficar nivelado com o terreno.
Artigo 5°. Na cabeceira de cada sepultura será collocada uma pedra enterrada ao alto com o numero da
sepultura, paga pelo encarregado do enterro, e que o Zelador conservará sempre em bom estado, para
saber-se na ordem da numeração com a do livro competente, quem alli foi sepultado.
Artigo 6°. As sepulturas serão abertas em seo cumprimento de Nascente a Poente, terão começo do lado
do Norte alinhadas até o fundo da cerea, pelo modo que dipto nos artigos anteriores, e quando se ache
esta linha occupada, voltará seguindo a linha na mesma direcção, estas sepulturas serão consideradas
como de primeira ordem, pelas quaes por cada se pagarão quatro mil reis para a Camara, e duzentos reis
de risco para o Zelador.
Artigo 7°. Seguirá outra ordem de sepulturas começando no fundo da cerca do lado do sol, seguindo as
mesmas regras prescritas, pagando por cada sepultura dois mil reis, e os duzentos reis de risco, ficando
o intervallo de dez palmos em frente da porta em linha ao fundo, intervallo entre as sepulturas de
primeira e segundo ordem.
Artigo 8°. Não tendo a Camara serventes de Cemierio, serão as sepulturas abertas, os corpos sepultados,
e os números collocados nas cabeceiras das sepulturas a custa dos encarregados dos enterros.
Artigo 9°. A Camara fornecerá ao Zelador uma maca para conducção dos corpos a sepultura, duas
alabancas ou cavadores, duas enchadas, duas pas de ferro e dois soquetes, que tudo ficará debaixo da
guarda e responsabilidade do dito Zelador.
Artigo 10°. Não serão abertas sepulturas das que estão occupadas, sem que tenhão decorrido dois annos
depois do ultimo enterramento.
Artigo 11°. Aos fallecidos inteiramente pobres, dar-se-há sepultura de risco gratuito, porem serviço de
abrir sepultura e enterramento serão pagos pela Camara, para o que fica seu Procurador authorizado.
Artigo 12°. Haverá uma sirêta collocada por cima do portão do Cemiterio, que servirá para dar dois
signaes grátis a todos os corpos que alli forem sepultados, e quando exceda os signaes ao numero que
fica dito, sendo pedidos pelos encarregados dos enterros, serão por elles pagos a beneficio do Zelador,
a quantia de cento e vinte reis por cada um.
Artigo13°. O Zeador não dará sepultura sem que receba do Procurador da Camara uma guia, em que
declare a quantidade de sepulturas que deve dar, nome, idade, naturalidade, qualidade da moléstia de
que succumbio o que vai ser sepultado, cuja guta deve rubricada pelo Presidente da Camara, e assignada
pelo Procurador.
Artigo 14°. A Camara fornecerá a seu Procurador um numero de guias sufficientes (com os claros
necessários para encher) parte para as sepulturas de quatro mil reis, e parte das de dois mil reis, ficando
111

o tallão das guias na Camara, e serão cheias pelo Procurador em conformidade com o artigo 13°, ficando
debitado pelo valor total dellas.
Artigo 15°. A Camara fornecerá ao Zelador cadernetas, rubricadas pelo seo Presidente, para fazer
assentamento dos óbitos em conformidade com as guias do Procurador da Camara, acrescentando no
registo e na guia, o numero da sepultura que tiver dado, sendo obrigado todos os sabbados a fazer
conferencia com o Secretario da Camara, o qual rubricará a conferencia.
Artigo 16°. A Camara fornecerá um livro rubricado e encerrado ao seo Secretario que servirá para
lançamento dos óbitos, cada um em artigos separados extrahido das cadernetas, conferido com as guias
que o Zelador apresentar, ficando as guias archivadas, e a caderneta em poder do Zelador depois de
conferido e rubricado pelo Secretario, estas conferencias terão lugar toos os sabbados
impreterivelmente, e por cada omissão do Secretario será multado em quatro mil reis, a beneficio do
cofre do Município.
Artigo 17°. O Procurador da Camara soffrerá a mesma multa quando seja omisso no cumprimento de
seus deveres, não dará guia para sepultura daquelles que tiverem fallecido de repente, de contusões,
ferimentos, ou outras mortes que possão causar suspeitas, sem se intender com alguma das autoridades
policiaes, que poderão pór o visto nessas guias.
Artigo 18°. O Rendimento do Cemiterio e de certidões de óbitos, mandados passar pela Camara, farão
parte de seo patrimônio.
Artigo 19°. Fica pertencendo aos Reverendo Vigarios os acompanhamentos e encomendações dos
finados que tiverem sido seus parochianos, sem que por falta dessas solemnidades possão impedir o
enterramento no Cemiterio.
Artigo 20°. A Camara reunida com numero sufficiente de Veriadores, poderá vender sepulturas com
tempo determinado ou perpetuas, convencionando com as partes qua assim requerem, e sem esta
formalidade e ordem escripta, não poderão os empregados do Cemiterio consentir que coloquem louzas
sobre as sepulturas.
Artigo 21°. O Zelador do Cemiterio terá todos o cuidado no registo dos óbitos, sendo multado em quatro
mil reis por cada registo que deixar de fazer, a mesma quantia pagará por cada contravensão dos artigos
do presente Regulamento, terá sua residência o mais perto possível do estabelecimento, será pontual em
mandar abrir as sepulturas logo que lhe sejão apresentadas as guias de que tratão os artigos anteriores,
não consentirá que dentro do Cemiterio ou perto da porta se fação ajuntamento de pessoas com taboleiros
de comestíveis e mesmo que se ajuntem com batuques, por cada vez que tal acontecer será multado em
mil reis, cujas multas reverterão ao cofre do Municipio.
Artigo 22°. Deverá abrir a porta do Cemiterio todas as vezes que lhe for pedido por devotos, que tenhão
de hir orar sobre as sepulturas de seos finados, conservarão todo aceio possível, tanto no
estabelecimento, como nas ruas que dão serventia em frente do Cemiterio, entendendo-se a tal respeito
com o Fiscal e Procurador da Cmara.
Artigo 23°. O Fiscal e Procurador da Camara Conservarão as ruas que dão serventia para o Cemiterio,
como sejão a da Areia, e a que vai da frente da Matriz de S. Benedito, sempre limpas e capinadas, e no
mesmo estado deverão conservar o largo da Misericordia, por onde tem de transitar os
acompanhamentos dos enterros.
Artigo 24°. O presente regulamento ficará em inteiro vigor como postura da Camara, em quanto a
Assembléa Provincial ou o Exm. Presidente da Província não mandar o contrario. Paço da Camara
Municipal da cidade de Caxias, 13 de Abril de 1857. – Agostinho José de Viveiros. P – Faustino
Fernandes Lima. – Luiz França Freitas. – João Marcellino Barbosa. – Manoel de Cerqueira Ribeiro.
FONTE: (O FAROL, 1857, n°227, p.02 a 04)
112

ANEXO D – Orçamento do cemitério Público

FONTE: (OFAROL, 1856, n°201, p.03)


113

ANEXO E – Tabela de óbitos catalogados (1877-1883)

ANO/ÓBITO NOME CARACTERÍSTICAS DA CAUSA DA


ENCOMENDAÇÃO MORTE

1877(ÓBITO Alcino (7 anos) Realizado dentro da Igreja matriz de


01, p.937) Nª Senhora de Nazareth, na forma do Moléstia
ritual romano.
1877(ÓBITO, “Thestanio” Realizado dentro da Igreja matriz de
02, p.937) Alves de Sousa Nª Senhora de Nazareth, na forma do Moléstia interna
(50 anos) ritual romano e envolto em hábito
branco.
1877 (ÓBITO Bernardo (20 Realizado dentro da Igreja matriz de
03, p.937-938 anos) Nª Senhora de Nazareth, na forma do Moléstia interna
ritual romano e envolto em hábito
branco.
1877 (ÓBITO Ana Joaquina Realizado dentro da Igreja matriz de
05, p.938) Ferreira (50 Nª Senhora de Nazareth, na forma do Apoplexia ou
anos) ritual romano e envolto em hábito hemorragia
branco. interna
1877 (ÓBITO Maria (parda, Neste óbito, não se encontram muitos
06, p.938) nascida a 13 de detalhes sobre o ritual, como
fevereiro do observado nos anteriores, mas, o Desconhecida
mesmo ano) padre menciona “a qual foi baptizada
in “artículo mortis”’ que significa no
momento da morte.
1877 (ÓBITO Anotonia No lugar de todos os santos, na Igreja
07, p.938) Veronica Maria Matriz de Nª Senhora de Nazareth. Ao
de Assunpção que parece, o corpo foi sepultado no Pranto ou
(informações mesmo lugar do falecimento, depressão
não contando com testemunhas.
encontradas)
1878 (ÓBITO Joaquim Na Igreja matriz de Nª Senhora de
08, p.938) Rodrigues Nazareth, encomendado na forma do Inflamação
Canabrava (52 ritual romano, envolto em “hábito
anos) secular”.
1878 (ÓBITO Eugenio Na Igreja matriz de Nª Senhora de
09, p.938) Gonçalves da Nazareth, encomendado na forma do
Conceição ritual romano, envolto em hábito Febre
(pardo, com branco.
idade 96 anos)
1878 (ÓBITO Ana Pereira dos Na Igreja matriz de Nª Senhora de
10, p.939) Santos (25 Nazareth, encomendado na forma do
anos) ritual romano, envolta em hábito de Moléstia (no
Nossa Senhor da Conceição. interior)
1879 (ÓBITO Ignez (3 anos Na Igreja de Nª Senhora de Nazareth,
11, p.939) “ingênua”) ao na forma do ritual romano, envolta em
que se dá a hábito branco. Febre
entender, era
114

filha de uma
escrava.
1879 (ÓBITO Martinho (3 Na Igreja Nª Senhora de Nazareth, na
12, p.939) anos forma do ritual romano.
“inocente”) Febre
1879 (ÓBITO (4 meses) Na Igreja Nª Senhora de Nazareth, na
13, p.939) forma do ritual romano, envolto em Moléstia interna
hábito azul.
1879 (ÓBITO Vicente Ferreira Na Igreja de Nª Senhora de Nazareth,
14, p.939) Soares (30 anos, na forma do ritual romano, envolto Repentinamente,
branco) em “hábito secular”. por causa de um
Raio
1879 (ÓBITO Luís Soares de Na Igreja matriz de Nª Senhora de
15, p.939- Sousa (10 anos, Nazareth, encomendado na forma do Repentinamente,
940) filho de Vicente ritual romano, envolto em “hábito de por causa de um
Ferreira Soares) anjo”. Raio
1879 (ÓBITO Antonia Maria Na Igreja matriz de Nª Senhora de Repentinamente,
16, p.940) do Carmo Nazareth, na forma do ritual romano, por causa de um
(mulata e noiva) envolto em hábito branco. Raio
1879 (ÓBITO Lourenço Na Igreja matriz de Nª Senhora de
17, p.940) Cavalcante de Nazareth, na forma do ritual romano,
Moraes (18 envolto em hábito branco. Febre
anos, pardo)
1879 (ÓBITO José (6 anos) Na Igreja matriz de Nª Senhora de
18, p.940) Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia no
envolto em hábito branco. interior
1879 (ÓBITO Clementina Na Igreja matriz de Nª Senhora de
19, p.940) Dias de Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia interna
Carvalho (1 envolto em hábito branco.
anos, parda)
1879 (ÓBITO João Francisco Na Igreja matriz de Nª Senhora de
20, p.941) de Sousa (60 Nazareth, na forma do ritual romano, Pleurisia
anos) envolto em hábito branco.
1879 (ÓBITO Joana Eugenia Na Igreja matriz de Nª Senhora de
21, p.941) (3 anos, parda e Nazareth, na forma do ritual romano, Febre
filha de uma envolto em hábito branco.
escrava)
1879 (ÓBITO “ilegível” José Na Igreja matriz de Nª Senhora de
22, p.941) Pereira (50 anos Nazareth, na forma do ritual romano,
ou mais; natural envolto em hábito secular. Pleuris
de Portugal e
confessado)
1879 (ÓBITO Raimunda Na igreja Nª Senhora de Nazareth, na
23, p.941) Pereira dos forma do ritual romano, envolto em Moléstia de
Santos (50 hábito branco. parto
anos)
1879 (ÓBITO Bonifácio (10 No cemitério dos Remédios, na forma
24, p.942) anos; pardo; do ritual romano. Afogado em um
filho de escrava; rio
inocente)
115

1879 (ÓBITO Joaquim Alves No cemitério dos Remédios, na forma


25, p.942) Costa ___ (62 do ritual romano. Derrame
anos; capataz) cerebral ou
AVC.
1879 (ÓBITO Domingas No cemitério dos Remédios, na forma
26, p.942) Moreira dos do ritual romano Febre
Santos (67 anos;
natural de
Portugal)
1879 (ÓBITO Maria Leocadia No cemitério dos Remédios, na forma
27, p.942) (26 anos; do ritual romano. Ilegível
solteira)
1879 (ÓBITO Fatima Maria da No cemitério dos Remédios, na forma
28, p.942) Conceição do ritual romano. Aneurisma
_____ (75 anos)
1879 (ÓBITO Maria (9 anos; No cemitério dos Remédios, na forma
29, p.942- filha de escrava; do ritual romano. Febre
943) inocente)
1879 (ÓBITO No cemitério dos Remédios, na forma
30, p.942) do ritual romano. Febre
1879 (ÓBITO Arcangela (68 No cemitério dos Remédios, na forma
31, p.942) anos do ritual romano. Pleuris
1879 (ÓBITO _________ No cemitério dos Remédios, na forma
32, p.943) Cantanhede (30 do ritual romano. Tisica ou
anos; mulato) Tuberculose
1879 (ÓBITO _______ No cemitério dos Remédios, na forma
33, p.943) Geronimo (65 do ritual romano. Bronquite
anos)
1879 (ÓBITO José Gonçalves No cemitério dos Remédios, na forma
34, p.943) da Silva (20 do ritual romano. Tísica ou
anos) Tuberculose
1879 (ÓBITO Agostinho (15 No cemitério dos Remédios, na forma
35, p.943) anos; inocente do ritual romano. Febre
1879 (ÓBITO Maria Stephania No cemitério dos Remédios, na forma
36, p.944) (40 anos) do ritual romano. Febre
1879 (ÓBITO Maria No cemitério dos Remédios, na forma
37, p.944) _________ (28 do ritual romano. Febre
anos)
1879 (ÓBITO Theresa (70 No cemitério dos Remédios, na forma
38, p.944) anos; africana) do ritual romano. Ilegível
1879 (ÓBITO Joaquina No cemitério dos Remédios, na forma
39, p.943) Francisca da do ritual romano. Diarreia ou
Silva ____ (80 desinteria
anos)
1880 (ÓBITO Maria José da Na Igreja matriz Nª Senhora de
40, p.943) Silva Reis (50 Nazareth, na forma do ritual romano, Febre
anos) envolta em hábito preto.
1880 (ÓBITO Raimundo Na Igreja matriz de Nª Senhora de
41, p.944) Nonato da Silva Nazareth, na forma do ritual romano, Febre
Reis (38 anos) envolto em hábito secular.
116

1880 (ÓBITO Josefina Na Igreja matriz de Nª Senhora de


42, p.945) “Eusebia” de Nazareth, na forma do ritual romano. Sarampo
Alencar (38
anos; branca)
1880 (ÓBITO Evaristo (4 Na Igreja matriz de Nª Senhora de
43, p.945) anos) Nazareth, na forma do ritual romano, Hidropisia
envolto em hábito _____.
1880 (ÓBITO Antonio Miguel Na Igreja matriz de Nª Senhora de
44, p.945) Mendes (50 Nazareth, na forma do ritual romano. Desconhecida
anos)
1880 (ÓBITO Antonia __________________ na forma do
45, p.945) Joaquina dos ritual romano, envolto em hábito Complicações
Santos (22 preto. no parto
anos)
1882 (ÓBITO Benedita Na Igreja matriz de Nª Senhora de
46, p.945) ______ (50 Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia interna
anos) envolto em hábito branco.
1882 (ÓBITO Norberta da Na Igreja matriz de Nª Senhora de
47, p.945) Silva Reis (25 Nazareth, na forma do ritual romano, Complicações
anos) envolto em hábito preto. no parto
1883 (ÓBITO Silverio (50 Na Igreja matriz de Nª Senhora de
48, p.946) anos; preto) Nazareth, na forma do ritual romano, Lesão no
envolto em hábito branco. coração
1883 (ÓBITO Pedro ___ Na Igreja matriz de Nª Senhora de
49, p.946) Matos (35 anos) Nazareth, na forma do ritual romano, Hidropisia
envolto em hábito secular.
1883 (ÓBITO José Francisco Na Igreja matriz de Nª Senhora de
50, p.946) Bastos Neto (6 Nazareth, na forma do ritual romano, Mordida de Cão
anos) envolto em hábito secular. danado ou raiva
1883 (ÓBITO Severino (30 No lugar denominado Chico Coelho,
51, p.946) anos; pardo; da freguesia de Nª Senhora de Moléstia da
solteiro; Nazareth, na forma do ritual romano, Bexiga
escravo) envolto em hábito secular.
1883 (ÓBITO Rosália Maria Na Igreja matriz de Nª Senhora de
52, p.946- Ferreira (56 Nazareth, na forma do ritual romano, Complicações
947) anos) envolto em hábito secular. no parto
1883 (ÓBITO Maria Francisca Na Igreja matriz de Nª Senhora de
53, p.944) das Dores (32 Nazareth, na forma do ritual romano, Não consta
anos) envolto em hábito roxo.
1883 (ÓBITO Raimundo (1 Na Igreja matriz de Nª Senhora de
54, p.947) ano; inocente) Nazareth, na forma do ritual romano, Febre
envolto em hábito roxo.
1881 (ÓBITO Raimundo (70 Na Igreja matriz de Nª Senhora de
55, p.947) anos; preto; Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia do
escravo) envolto em hábito branco. Coração
1881 (ÓBITO Domingos Na Igreja matriz de Nª Senhora de
56, p.947) Francisco da Nazareth, na forma do ritual romano. Ilegível
Silva (43 anos)
117

1881 (ÓBITO ______ (3 anos) Na Igreja matriz de Nª Senhora de


57, p.948) Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia interior
envolto em hábito ____.
1882 (ÓBITO Manoel Na Igreja matriz de Nª Senhora de
58, p.948) Rodrigues dos Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia interior
Santos Junior envolto em hábito secular.
(30 anos; pardo)
1882 (ÓBITO Luís Machado Na Igreja matriz de Nª Senhora de
59, p.948) de Araújo (64 Nazareth, na forma do ritual romano, Moléstia interior
anos) envolto em hábito branco.
1882 (ÓBITO Maria Na Igreja matriz de Nª Senhora de
60, p.948) Magdalena da Nazareth, na forma do ritual romano, Febre
Cunha (38 anos) envolto em hábito branco.

COM BASE EM: ("Vargem Grande, Maranhão, Brasil Registros," imagens, FamilySearch
(https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939V-BYSP-YX : 14 de março de 2021), imagens 937 a 948 dos
2404; Arquivo da Arquidiocese de São Luís do Maranhão).
118

ANEXO F – Túmulos dos bispos D. Luís Marelim e D. Luís de Andréas na Igreja de Nª


Senhora dos Remedios

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


119

ANEXO G – Relação de temáticas fúnebres nos jornais locais (1850-1899)

JORNAL ANO NÚMERO TÍTULO/ASSUNTO

O FAROL 1851 N°65 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (soneto pela morte do


Sr. João do Rego Montenegro) *
O FAROL 1851 N°70 NECROLOGIA (Huma lagrima de saudade à
honrosa memoria da digna Esposa do Illm. Sr.
Coronel João José Salles) *
O FAROL 1851 N°70 A PEDIDO (A sentida morte da Illm.ª e Exm.ª
Snr.ª D. Maria Caetana dos Praseres Salles)
O FAROL 1854 N°255 OFICIO (Cumprimento das posturas municipais
relacionadas ao sepultamento de cadáveres)
O FAROL 1855 N°168 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 ILEGÍVEL ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)

O FAROL 1855 N°172 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)


O FAROL 1855 N°173 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°175 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°176 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°177 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°186 CAXIAS: comunicado (críticas sobre a estrada
Caxias-Teresina)
O FAROL 1855 N°188 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°188 CHAMADA PARA HERDEIROS
TESTAMENTÁRIOS
O FAROL 1855 N°191 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°192 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (soneto em
homenagem a um falecido: Doutro Fernando de
Mello Coutinho de Vilhena) *
O FAROL 1855 N°192 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (soneto em
homenagem a um falecido: Doutor Fernando de
Mello Coutinho de Vilhena) *
O FAROL 1855 N°195 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (uma lágrima de dor
e de saudade à sentida morte de Agostinho Costa
Moreira Lima) **
O FAROL 1855 N°196 ANÚNCIO (Cartas de convite para enterros)
O FAROL 1855 N°200 ANÚNCIO (José Villa-nova agradece aos que
acompanharam o cortejo de seu filho ao “jazigo
dos finados”) *
O FAROL 1856 N°201 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (crítica à demora em
aparecer o orçamento do cemitério, constando em
atraso de pelo menos 6 anos de acordo com a
publicação) **
O FAROL 1856 N°201 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (publicou-se os
versos recitados por Francisco Libanio Colás
antes de seu falecimento) **
120

O FAROL 1856 N°201 CÂMARA MUNICIPAL (notícia sobre a


publicação futura dos vencedores da licitação para
construção do cemitério municipal, na página
seguinte descreve-se o orçamento) *
O FAROL 1856 N°204 TESTAMENTO (trata-se de uma sátira ou
crônica) *
O FAROL 1856 N°205 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (na página seguinte,
mais uma publicação em respeito à morte de José
Firmino Lopes no dia 22 de março, em
decorrência de uma moléstia) **
O FAROL 1856 N°209 NOTA DE FALECIMENTO DE UM PADRE **
O FAROL 1856 N°209 AGRADECIMENTO PÚBLICO (Manoel José
d’Azevedo, agradece a companhia de mais outros
em razão do falecimento e posterior sepultamento
da irmã deste) *
O FAROL 1856 N°212 O CEMITÉRIO (nota da câmara municipal) *
O FAROL 1856 N°212 ARTIGO SEM NOME (pedido de atuação do
poder público, descrevendo algumas carências da
ciada, entre elas uma falta de cuidado com as
ossadas na Igreja de Nª Senhora dos Remédios)
****
O FAROL 1856 N°213 AGRADECIMENTO (D. Domingas Maria Vieira
da Silva agradece às pessoas que compareceram
ao enterro de seu filho, Tenente coronel João
Paulo da Silva) **
O FAROL 1856 N°222.1... PUBLICAÇÃO A PEDIDO (publicação
oferecida ao capitão Annibal Cezar Marques em
virtude da morte de sua esposa) **
O FAROL 1857 N°227... REGULAMENTO INTERNO PARA O
CEMITÉRIO PROVISÓRIO DA CIDADE DE
CAXIAS *
O FAROL 1857 N°227... NOTÍCIA DA CÂMARA INFORMANDO QUE
“há de arrematar a hasta para construção do
cemitério municipal”
O FAROL 1859 N°284 AGRADECIMENTO PÚBLICO A
PARTICIPAÇÃO NUM CORTEJO FUNEBRE
(D. Maria Izabel Xavier do “Carmo”) *
O FAROL 1859 N°289 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (nota de falecimento
ilustrada) *
O FAROL 1859 N°293 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (a respeito do
falecimento da senhora Honorina, feita com
bordas) *
O FAROL 1859 N°296 AVISOS (nota de agradecimentos às pessoas que
participaram do cortejo de Hermelinda da Costa
Nunes) *
O FAROL 1860 N°321 TESTAMENTEIRA (a viúva de um falecido
informa sobre o testamento do marido) *
O FAROL 1860 N°335 PUBLICAÇÃO A PEDIDO (publica-se uma
homenagem ao comendador João Paulo Dias
Carneiro, com a informação acrescentada de que
121

seus restos mortais estão guardados em jazigo na


igreja Matriz de Nª Senhora da Conceição e São
José) *
O FAROL 1860 N°335 AGRADECIMENTO ÀS PESSOAS QUE
PARTICIPARAM DO CORTEJO FÚNEBRE
DA ESPOSA DE “José da Silva Campos”
O FAROL 1860 N°335 NOTÍCIA SOBRE UMA REUNIÃO DA
“Irmandade de Nª Senhora dos Remédios” A SER
REALIZADA NO CONSITÓRIO DA CAPELA

A IMPRENSA 1861 N°65 A PEDIDO (Uma lágrima de saudade a memória


CAXIENSE do meo presado amigo Joze Ferreira de Gouvêa
Pimentel Belliza)
A IMPRENSA 1861 N°65 ANÚNCIOS (Não me sendo possível agradecer
CAXIENSE pessoalmente a tantas pessoas, que
acompanharam a meo mui Charo e Prezado Filho
Acrisio d’Aguiar Silva ao seo último jazigo)
A IMPRENSA 1861 N°65 A’ ULTIMA HORA (Obs: trata-se de uma notícia
CAXIENSE do jornal “A’ ultima hora”, sobre a febre amarela
em “Therezina”)
A IMPRENSA 1863 N°97 A PEDIDO “Sobre o sepulchro de Franco Ferreira
CAXIENSE D’Almada”. (Obs: consultar lápid
A IMPRENSA 1864 N°135 A PEDIDO (Obs: trata-se de uma notícia sobre a
CAXIENSEN herdeira de um falecido, que se acha apita a
receber uma propriedade que constava no nome
do pai)
A 1865 N°137 ANÚNCIOS (Obs: trata-se da notícia sobre um
IMPRENSAN inventariante que é, por sinal, filho do falecido, e
CAXIENSE convida aos credores que compareçam para
documentar as dívidas que o finado devia em
vida)
A IMPRENSA 1866 N°169 ANÚNCIOS (Obs: notícia de uma missa a ser
CAXIENSE realizada em memória de uma finada que não
residia na cidade. A missa foi realizada na Igreja
de Nª Senhora dos Remédios. A notícia apresenta
a ilustração da caveira.

O 1879 N°91 OBITUARIO


COMMERCIO
DE CAXIAS

GAZETA 1893 N°13 Festa do senhor morto


CAXIENSE
GAZETA 1894 N°167 Novo cemitério (cemitério na Tresidella).
CAXIENSE OBS: não se sabe exatamente qual é o cemitério.
GAZETA 1894 N°170 Convite para missa de sétimo dia.
CAXIENSE
GAZETA 1895 N°194 Anúncio de serviço de gravura em lápides.
CAXIENSE
122

GAZETA 1895 N°227 Falecimento (nota de pesar pelo falecimento do


CAXIENSE cunhado do juiz Caio Lustosa Cunha).

JORNAL DE 1896 N°29 Necrologia


CAXIAS
JORNAL DE 1896 N°59 § 10. Socorros e sepulturas a indigentes 600,000
CAXIAS reis.
JORNAL DE 1897 N°71 Tributo de saudade
CAXIAS
JORNAL DE 1897 N°71 Necrologia
CAXIAS
JORNAL DE 1897 N°109 § 11. Socorros e sepulturas a indigentes 800,000
CAXIAS reis.
JORNAL DE 1899 N°179 Socorros e sepulturas a indigentes 711,100 reis.
CAXIAS
JORNAL DE 1900 N°253 Socorros e sepulturas a indigentes 631,600 reis.
CAXIAS

COM BASE EM: O Farol (1850 a 1864); A imprensa Caxiense (1857 a 1863); O Commercio de Caxias (1879);
Gazeta Caxiense (1890 a 1895) e Jornal de Caxias (1896 a 1900)
123

ANEXO H – Igreja de Nª Senhora da Conceição e São José

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


124

ANEXO I – Igreja de São Benedito

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


125

ANEXO J – Igreja de Nª Senhora dos Remedios

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


126

ANEXO K – Igreja de Nª Senhora do Rosário

FONTE: (PEREIRA apud SANTOS, 2021)


127

ANEXO L – Planta do Cemitério de Nª Senhora dos Remédios

FONTE: (INVENTÁRIO NACIONAL DE BENS MÓVEIS E INTEGRADOS v.14. MEMORIAL DA


BALAIADA)

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