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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano X, n.

29,
Setembro/Dezembro de 2017 - ISSN 1983-2850
/ Sepulturas e hierarquias sociais numa paróquia rural do Rio de Janeiro:
Santo Antônio de Jacutinga entre o século XVIII e o início do XIX, 43-77 /

Sepulturas e hierarquias sociais numa paróquia rural do


Rio de Janeiro: Santo Antônio de Jacutinga entre
o século XVIII e o início do XIX
Claudia Rodrigues1
Vitor Cabral2

DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhranpuh.v10i29.37939

Resumo: Este artigo analisa a relação entre sepulturas, sepultamentos e hierarquias sociais
entre os moradores livres e libertos da paróquia de Santo Antonio de Jacutinga, no
Recôncavo da Guanabara/RJ, entre o século XVIII e início do XIX. Ao investigar as
particularidades dos espaços destinados às sepulturas numa freguesia rural do Rio de
Janeiro escravista, buscamos identificar de que forma as desigualdades e hierarquias
presentes ao longo da vida numa sociedade que tinha como base características do Antigo
Regime adaptado aos trópicos se expressavam por ocasião da morte e de um dos ritos
mais importante da escatologia católica, que era o sepultamento em sagrado.
Palavras-chave: Morte católica; Sepulturas, Hierarquias sociais; Freguesia rural; Santo
Antônio de Jacutinga/RJ

Graves and social hierarchies in a rural parish in Rio de Janeiro:


Santo Antônio de Jacutinga between the eighteenth and early nineteenth centuries
Abstract: This article analyzes the relationship between graves, burials and social
hierarchies between the free and liberated inhabitants of the parish of Santo Antonio de
Jacutinga, in the Recôncavo da Guanabara/RJ, between the eighteenth and early
nineteenth centuries. In investigating the particularities of the spaces destined for graves
in a rural parish of Rio de Janeiro slave, we sought to identify how the inequalities and
hierarchies present throughout life in a society that was based on characteristics of the
Old Regime adapted to the tropics were expressed on occasion of death and of one the
most important rites of Catholic eschatology, which was the burial in the sacred.

1 Doutora (em 2002) e Mestre (em 1995) em História Social pela Universidade Federal Fluminense.

Graduada em História pela mesma universidade (em 1991). Atualmente é Professora Adjunta da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Email:
claudiarodrigues.3@hotmail.com
2 Possui mestrado em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO). Atua

como professor de História do Ensino Médio no Colégio Teresiano CAP/PUC e no Colégio


Miguel Couto. Também é professor de História do Ensino Fundamental no Município do Rio de
Janeiro. Email: vitorcabralb@gmail.com

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano X, n. 29,
Setembro/Dezembro de 2017 - ISSN 1983-2850
/ Sepulturas e hierarquias sociais numa paróquia rural do Rio de Janeiro:
Santo Antônio de Jacutinga entre o século XVIII e o início do XIX, 43-77 /

Keywords: Catholic death; Graves, Social hierarchies; Rural parish; Santo Antônio de
Jacutinga / RJ

Sepulturas y jerarquías sociales en una parroquia rural de Río de Janeiro:


San Antonio de Jacutinga entre el siglo XVIII y el inicio del XIX
Resumen: Este artículo analiza la relación entre sepulturas, inumación y jerarquías sociales
entre los habitantes libres y manumisos de la parroquia de San Antonio de Jacutinga, en el
Recôncavo de la Guanabara/RJ, entre el siglo XVIII y el inicio del XIX. Al investigar las
particularidades de los espacios destinados a las sepulturas en una parroquia rural de Río
de Janeiro esclavista, buscamos identificar de qué forma las desigualdades y jerarquías
presentes a lo largo de la vida en una sociedad que tenía como base características del
Antiguo Régimen adaptado a los trópicos se expresaban en ocasión de la muerte y de uno
de los ritos más importantes de la escatología católica, que era la inumación en sagrado.
Palabras clave: Muerte católica; Sepultas, Jerarquías sociales; Población rural; San Antonio
de Jacutinga / RJ

Recebido em 02/07/2017 - Aprovado em 04/08/2017

Na América colonial, para além do recurso aos sufrágios e demais rituais, a


busca pelo sepultamento em local sagrado foi uma das principais práticas fúnebres
adotadas pelos fiéis católicos com vistas à almejada salvação da alma após a morte.
Acreditava-se que esta ficaria comprometida caso os restos mortais não recebessem
sepultura considerada adequada. Nesse sistema de crenças, os templos ou espaços a eles
contíguos representavam uma das portas de entrada no Paraíso, com base no pressuposto
de que a proximidade física entre cadáveres e imagens divinas nos templos representava
um modelo de contiguidade espiritual que se desejava obter no outro mundo. O que
levava os mortos a habitarem “os mesmos templos que tinham frequentado ao longo da
vida”, não rompendo “totalmente com o mundo dos vivos, inclusive para que estes, em
suas orações, não esquecessem os que haviam partido” (REIS, 1991, p. 171).
Partindo destas crenças, o propósito deste artigo é refletir sobre as
especificidades dos espaços de sepultura, bem como da busca pelo sepultamento católico
entre os paroquianos de condição livre e liberta na freguesia de Santo Antonio de
Jacutinga, ao longo do século XVIII e início do XIX, atentando para as diferentes
hierarquias presentes nestas práticas de inumação. Localizada no Recôncavo da
Guanabara, ela se constituía numa paróquia rural e distante das demais freguesias centrais
da cidade do Rio de Janeiro que possuíam maior concentração populacional e níveis de
urbanização que as primeiras, apresentando uma oferta mais diversificada de sepulturas,
seja na igreja matriz ou nas das várias irmandades religiosas, ordens terceiras e conventos,
estruturadas segundo princípios da hierarquização social que abrangiam vivos e mortos
(SOARES, 2000, p. 143-154 e 174-178; MARTINS, 2009, p. 387-412; BRAVO, 2014, p.
102-103). Em contraposição a esta área urbana, nos perguntamos como se dava a oferta

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de espaços para sepultamento em uma freguesia localizada nos fundos da Baia da


Guanabara que, apesar de ser mais povoada que outras mais distantes, era caracterizada
pela inexistência dos aspectos da urbanidade referidos acima em relação à cidade do Rio
setecentista. A partir da pesquisa em registros paroquiais de óbito 3, breves apostólicos 4
para construção de capelas particulares e uma visita pastoral, enfocaremos as formas pelas
quais os livres e libertos se distribuíam pelas sepulturas de Jacutinga. Não consideraremos
aqui os escravos por não termos tido acesso ao livro de óbitos dos cativos desta freguesia
a tempo de concluir este artigo, embora não possamos ignorar que ela tenha sido uma das
que mais possuía escravos (SOARES, 2017, p. 7), dado o significativo papel de Santo
Antonio de Jacutinga na economia local e regional, entre os séculos XVII e XVIII, como
já apontaram diferentes trabalhos (FRIDMAN, 1999; GOMES, 2006; OLIVEIRA, 2007
e 2014; DEMÉTRIO, 2008; FRAGOSO, 2001; RODRIGUES, 2013 e 2017; SOARES,
2015). Comparativamente a estes ainda são poucos os trabalhos enfocam o aspecto da
religião e das religiosidades nas freguesias do Recôncavo (RODRIGUES, 2010;
FRANÇA, 2013 e 2014; RODRIGUES, 2010; FRANÇA, 2013 e 2014), em especial os
que se dedicam exclusivamente à temática das práticas funerárias (PAIXÃO, 2015;
BRAGA, 2015). E é no sentido de contribuir para as reflexões sobre o ritual do
sepultamento como parte das atitudes diante da morte católica que nos deteremos neste
texto, em busca das especificidades dos locais e das práticas de inumação em uma área
que, embora rural, não estava alijada das injunções de uma sociedade marcada pelas
desigualdades sociais e princípios hierárquicos característicos do Antigo Regime nos
trópicos (FRAGOSO, et al, 2001).
A freguesia de Santo Antônio de Jacutinga possuía uma posição privilegiada na
economia do Rio de Janeiro, entre os séculos XVII e XVIII. Com a descoberta de ouro
no final do seiscentos, a região das minas gerais passaram a ser um polo de atração
populacional e as freguesias dos fundos da Guanabara se tornaram um entreposto que
ligava a região mineira à área portuária da cidade do Rio de Janeiro, após a construção do
chamado Caminho Novo e os demais a ele ligados, que propiciavam uma viagem mais
rápida para a região aurífera do que o trajeto anterior, feito por Parati (GOMES, 2006, p.
29; OLIVEIRA, 2007, p. 102-103; DEMÉTRIO, 2008, p. 66; RODRIGUES, 2013, p.
54).

3 Agradecemos o acesso aos registros de óbitos da freguesia de Santo Antonio de Jacutinga


concedido pelo grupo Antigo Regime nos Trópicos/ART, que possui uma cópia do livro paroquial
digitalizado no Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu (ACDNI).
4 Parte dos Breves Apostólicos para construção de capelas particulares, coletados no Arquico da

Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (ACMRJ) nos foi gentilmente cedida por Ana Paula
Rodrigues e Live France, a quem agradecemos.

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MAPA 1: Rios do Recôncavo da Guanabara

FONTE: Adaptado de BERNARDES, Lysia e SOARES, Maria Therezinha de Segadas. Rio de


Janeiro: cidade e região. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura; Divisão de Editoração,
1995, p. 24.

Com a transferência da capital da colônia para a cidade do Rio de Janeiro, em


1763, o Recôncavo passou a receber um fluxo mais intenso de população e os portos
fluviais atracados nos rios Iguaçu, Pilar, Meriti, Sarapuí e outros se transformaram em
pontos de partida para a construção de novas rotas que conjugavam rios e caminhos
terrestres para se alcançar a região das minas com mais velocidade e segurança
(OLIVEIRA, 2007, p. 99), como se pode identificar no Mapa 1. Nesse contexto, a
freguesia de Jacutinga apresentou relativo crescimento populacional, entre 1779 a 1789,
alcançando a quantidade de 3.700 pessoas e se tornando a segunda freguesia em
quantidade populacional, estando atrás apenas da de Nossa Senhora do Pilar
(MEMÓRIAS PÚBLICAS, 1884, p. 27).
A reunião destas condições favoreceu o surgimento de igrejas e capelas que
seriam de extrema importância para o cotidiano dos habitantes do Recôncavo, algumas
das quais acabariam se tornando igrejas matrizes e passariam a organizar a vida religiosa
de seus fregueses, registrando nascimentos, casamentos, óbitos e outros rituais católicos.
As freguesias mais prósperas seriam aquelas que possuíam portos próximos a centros
religiosos (OLIVEIRA, 2007, p. 96-97), sendo em torno das igrejas matrizes, em geral

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com distâncias que variavam de uma a três léguas (ou um pouco mais), que muitos
engenhos estavam localizados, alguns dos quais com suas capelas para acolher as
demandas diárias por missas e demais ritos da devoção católica quando não se podia
atravessar a distância até o templo paroquial. Passemos a identificar os templos sagrados
em busca daqueles nos quais seriam disponibilizadas sepulturas para destino dos restos
mortais dos fregueses que ali viviam. Para isso, dividiremos o artigo, doravante, em duas
partes: na primeira, identificaremos os templos de Santo Antonio de Jacutinga que se
constituiriam em espaços sagrados nos quais poderiam haver sepulturas, sendo uns
destinados ao uso dos paroquianos de modo geral (matriz) e outros pertencentes à
famílias (capelas ou oratórios) ou a uma comunidade religiosa (mosteiro de São Bento);
na segunda, teceremos uma análise das diferentes formas de uso destes espaços para
sepultamento ad sanctos entre os livres e libertos segundo os princípios hierárquicos
daquela sociedade escravista.

A igreja matriz e as capelas de engenho e de mosteiro: uma mescla de templos


para uso coletivo e particular
Tendo passado de capela curada, em cerca de 1612, à freguesia encomendada,
em 1657, Santo Antonio de Jacutinga se transformou em freguesia colada em 1755
(FRIDMANN 2009, p. 105), embora este último reconhecimento não fosse
acompanhado do sustento financeiro da Fazenda Real, sendo o pároco sustentado pelos
moradores (ARAÚJO, 2008, p. 239-240), através meio do pagamento de taxas ou esmolas
por ocasião da quaresma, quando se fazia a confissão anual, e da realização de batizados,
casamentos e funerais (NEVES, 1997, p. 65-69; RODRIGUES e FRANCO, 2011, p. 61-
99). Nesta última categoria estavam os valores cobrados pelas sepulturas e demais ritos
funerários, tais como a encomendação da alma, acompanhamento fúnebre e sufrágios.
Em 1794, quando Jacutinga recebeu o visitador monsenhor Pizarro e Araújo
como representante do bispado do Rio de Janeiro para averiguar o estado das paróquias
do Recôncavo da Guanabara, esta antiguidade da matriz foi por ele registrada ao
mencionar no relato de sua visita pastoral que o templo da matriz apresentava rachaduras
nas paredes, causando-lhe o receio de que a estrutura poderia ruir com o passar do
tempo. Segundo ele, as paredes do corpo da igreja eram construídas de adobe, exceto o
local dos altares, feito de pedra. Havia um sacrário dourado, ornado com um dossel e
cortinas de cambraia branca matizada com ramos de ouro, que seriam novos e tratados
com asseio. A pia batismal era de pedra mármore, estando conservada na forma
determinada pela Constituição e Pastorais do Bispado. Apesar de serem de estanho, as
ambulas dos santos óleos seriam tratadas muito dignamente e quase todas as alfaias se
encontravam renovadas e conservadas pelo vigário da época com zelo e igual asseio. A
capela-mor e a sacristia teriam sido recentemente construídas, em 1785, bem como a
torre e o muro do cemitério, erguidos em 1791. Nesse mesmo ano também foi erguida a
casa da fábrica (ARAÚJO, 2008, p. 239-240), que era o setor da paróquia responsável
pela administração dos rendimentos e gastos da igreja matriz (NEVES, 1997, p. 227-229),
incluindo as sepulturas “da fábrica”, cujos rendimentos pertenciam à paróquia.

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No interior da igreja existiam três altares mantidos pelas esmolas da comunidade


e principalmente pelas quatro irmandades existentes na freguesia, como veremos mais
adiante. Aqui, verificamos a primeira especificidade da vivência do catolicismo em áreas
rurais do Rio de janeiro, que era a concentração das associações religiosas leigas no
interior da matriz, uma vez que não possuíam templo próprio, abrigando-se em altares
laterais da igreja paroquial.
O primeiro era o maior e se localizava próximo ao Sacrário, contendo a imagem
do Santo Padroeiro. Era muito bem conservado, segundo Pizarro, sendo pintado e
dourado “pelo zelo do vigário”. A responsabilidade pela sua manutenção era da
Irmandade do Santíssimo Sacramento e da fábrica. A irmandade do Santíssimo
Sacramento teve seu compromisso aprovado e confirmado pelo Bispo Antônio do
Desterro logo quando de sua criação em 1751, cabendo-lhe prover o altar central das
alfaias necessárias para a administração dos Santos Sacramentos e, principalmente, do
Santíssimo (ARAÚJO, 2008, p. 241). Aspecto que demonstra a estreita relação entre os
altares maiores das igrejas matrizes e as irmandades do Santíssimo Sacramento dedicadas,
não ao culto dos respectivos oragos das matrizes, mas ao das “partículas consagradas
habitualmente conservadas nos sacrários de que eram dotados os mesmos altares
maiores” (CHAHON, 2008, p.112). Sempre ligadas a zelar pela eucaristia, estas confrarias
não se preocupavam com a construção de templos próprios, preferindo tomar os altares
principais das sedes paroquiais como suas próprias igrejas, como demonstra o caso da
matriz de Jacutinga, além de serem irmandades que aglutinavam a elite local, que
dispunha de bens para a manutenção de tal infraestrutura do culto (OLIVEIRA, 2011).
O segundo altar se localizava junto à Epístola, contendo as imagens de Nossa
Senhora do Rosário, Santa Luzia e São Benedito, sendo ornado pela irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos. Fundada em 1724 era uma associação religiosa que,
segundo Pizarro, apresentava grande fervor no início do século XVIII, aplicada ao culto
de seu orago “celebrando grandes festas, tratando com muito asseio o seu Altar [...]
ornado com Sacras e Castiçais de prata, tendo bastante alfaias de seda um bom Guião de
Damasco com remate e cruz de prata, e outras muitas coisas, que bem mostravam o seu
zêlo e devoção” (ARAÚJO, 2008, p. 243).
O terceiro ficava próximo ao Evangelho, onde se encontravam as imagens de
Nossa Senhora do Socorro, Santa Ana e do Espírito Santo, cujo sustento provinha dos
próprios devotos desses santos. Dentre esses, estava a Irmandade de Nossa Senhora do
Socorro dos Homens Pardos, que existiria desde pelo menos 1686 e, da mesma forma
que a do Rosário, teria apresentado “grande fervor” no início do século XVIII, nas
palavras do visitador (ARAÚJO, 2008, p. 243). Além das imagens aqui referidas, este altar
continha a de São Miguel – cujo culto era responsabilidade da irmandade das Almas – e a
de Nossa Senhora da Piedade, que contava com “um Patrimonio de 800$000 reis
incorporados no Engenho chamado Brejo, do Reverendo Antonio Maciel da Costa”
(ARAÚJO, 2008, p. 240). Fundada em 1719, a irmandade de São Miguel e Almas também
aglutinava a elite de Jacutinga. No entanto, seu compromisso foi cassado em 1787 pelo
ministro secular que visitara a região naquela ocasião e ordenara que outro fosse redigido
e remetido à Lisboa para obter autorização da Mesa de Consciência e Ordens. No
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momento da visita de Pizarro, esse documento ainda não havia voltado (ARAÚJO, 2008,
p. 242).
Apesar de estarem aglutinadas no templo paroquial, foi possível verificar uma
hierarquia entre quatro irmandades de Jacutinga, evidenciando a diferenciação social
vigente na paróquia, na medida em que existiam duas associações de elite (Santíssimo
Sacramento e São Miguel e Almas), uma de pardos (em geral composta por libertos ou
crioulos) e outra de “pretos” (na maioria das vezes escravos ou ex-escravos africanos).
Exemplo significativo dessa hierarquização é que, ao fazer menção a tais associações
religiosas, Pizarro não as mencionou segundo a ordem cronológica de fundação (N. S. do
Socorro dos pardos, em 1686; S. Miguel e Almas, em 1719; N. S. do Rosário dos pretos,
em 1724 e SS. Sacramento, em 1751), mas numa ordem que parecia reproduzir o status e a
hierarquia social da época, ao citar primeiro aquelas que sabidamente eram compostas
pela elite local e por último as dos chamados homens de cor, mencionando
respectivamente: Santíssimo Sacramento, São Miguel e Almas, Nossa Senhora do Socorro
e Nossa Senhora do Rosário, mesmo que a primeira citada tenha sido a última a ser
criada.
Para além da preocupação em prestar culto ao santo de devoção localizado nos
altares laterais mantidos por estas irmandades religiosas ou sustentar o altar do Santíssimo
Sacramento, é preciso destacar que os locais nos quais estavam instaladas no interior da
matriz de Jacutinga atendiam ao “obsessivo desejo” da população em garantir um
sepultamento dentro ou em volta dos templos católicos mediante a autorização
eclesiástica que tinham para manter sepulturas nestes altares (BOSCHI, 1986, p. 150-153).
Aspecto que supria as necessidades escatológicas das irmandades que não possuíam
templo próprio (REIS, 1991, p.173). A participação nessas associações garantia de forma
desigual aos livres, libertos e à escravaria que os ritos funerários fossem realizados
conforme os desejos individuais, muitos dos quais deixados em testamento, embora
apenas no caso de livres e libertos, posto que escravo não podia testar. No caso dos
chamados “homens de cor” – escravos, africanos e seus descendentes –, o papel das
irmandades seria evitar que o morto permanecesse insepulto ou que fosse sepultado com
menos honra em locais não sagrados ou menos prestigiados, sem receber de seus irmãos
os devidos cuidados que homenageavam o irmão falecido, reforçando o poder das
irmandades de cuidarem de seus membros (SOARES, 2000, p. 175).
Além do templo paroquial, outros espaços destinados a sepulturas na freguesia
de Santo Antônio de Jacutinga eram as capelas erguidas no interior de engenhos e de um
mosteiro, que se constituíam em espaços mais particulares do que aquele de uso mais
geral entre os paroquianos existente na matriz. Tratavam-se de espaços menores
chamados de oratórios ou capelas, que contavam com a presença de um sacerdote ou
capelão. Nos registros de monsenhor Pizarro, foram mencionadas seis capelas ainda em
funcionamento quando de sua passagem pela região, em 1794, sendo que poucas
possuíam autorização para a realização de rituais católicos, como missas, batizados e
sepultamentos. Apesar disso e por compreendermos que a constituição de tais espaços é
importante para desenvolvimento de nossa argumentação acerca do papel e das
hierarquias entre os espaços destinados a sepulturas na freguesia de Santo Antonio de
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Jacutinga, analisaremos tais espaços particulares. Entretanto, não o faremos de forma


isolada, optando por incluí-las no respectivo engenho, a fim de considerar e identificar a
composição social dos seus proprietários.
Afinal, foram as famílias da elite escravista da região que fizeram as solicitações
para fundar capelas no interior de suas propriedades e viabilizaram a construção de
pequenos templos fora da igreja matriz. Os Correa Vasques, Pina, Maciel da Costa,
Oliveira Braga e outros ramos familiares atuaram com maior destaque nesse sentido,
sendo pela e para a família que convergiam todos os aspectos da vida cotidiana, pública,
privada, econômica, social. E aqui acrescentaremos os aspectos religiosos. Muito pouco
na colônia referia-se aos indivíduos enquanto pessoas isoladas. Um indivíduo sempre
pertencia a um grupo, a uma família consanguínea, a uma irmandade leiga ou aos novos
laços de parentesco formados pelos escravos (Faria, 1998, p. 21). Este tipo de devoção
foi estimulado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, legislação eclesiástica –
seguindo as orientações tridentinas – vigente na América portuguesa, a partir de 1720,
que reputava como positivas as doações dos fiéis/famílias para construção de capelas nas
quais sacerdotes capelães atuariam naquele cotidiano, contribuindo para o sustento do
clero (VIDE, FEITLER e SALLES SOUZA, 2010, p. 308-309).
MAPA 2: A freguesia de Jacutinga e os engenhos de seu território

FONTE: BIBLIOTECA NACIONAL/BIBLIOTECA DIGITAL: Cartas Topográficas da


Capitania do Rio de Janeiro. Cartografia do Rio de Janeiro – Manoel Vieira Leão, em 1767.
Disponível em:
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart268950/cart268950.jpg
Acessado em: 25/04/2017.

Em razão das restrições documentais, mencionaremos apenas aquelas – e


respectivas famílias mantenedoras – mencionadas no relatório de Pizarro de 1794,
embora não ignoremos a existência de outras capelas tanto antes como depois da

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passagem do visitador. Para visualizarmos os engenhos nos quais existiam tais espaços
sagrados, apresentamos no mapa 2, de 1767, que nos permite ter uma noção da posição
de certos engenhos/capelas em relação à igreja matriz.
Este mapa foi elaborado quase três décadas antes da chegada do monsenhor
Pizarro à região e, por isso, não apresenta todos os engenhos citados pelo visitador. A fim
de facilitar a localização das propriedades, consideramos que a paróquia de Santo
Antonio de Jacutinga estava, grosso modo, contida na forma ovalada em azul que
inserimos no mapa, sendo o espaço da igreja matriz, marcado com a legenda “J” no mapa
original e aqui destacado com uma cruz azul. É bem provável que a fração de tempo
entre a indicação de certas propriedades no mapa de 1767 e a visita de Pizarro em 1794
alguns dos engenhos que aparecem sem nome no mapa tenham sido nomeados pelo
clérigo no fim do século, mas não temos no momento como identificar quais seriam eles.
Certamente, são alguns dos que aparecem citados apenas como “engenhos” sem nome.
Outro aspecto a ser destacado é que as terras de Jacutinga eram atravessadas por um dos
“caminhos novos” e que aparece marcado originalmente com linha vermelha e legenda
“a”, representando a “estrada do Rio a Minas”. Vejamos, então, tais espaços particulares
do sagrado existentes em algumas das propriedades da paróquia de Jacutinga.
Iniciaremos pelo Engenho do Brejo, resultante do desmembramento de um
engenho estabelecido desde o século XVII, cujos descendentes – os Maciel da Costa –
permaneceram na localidade “com honra e distinção” (RODRIGUES, 2015, p. 9). Em
1739 estava sob a posse de Dona Páscoa Maciel e seu marido, Cristóvão Mendes Leitão.
Em 1746, o casal obteve autorização para erguer uma capela, mediante um Breve
Apostólico, que dez anos depois foi renovado a pedido do casal, que também adquiriu a
permissão para celebração de missas. Um ponto que merece destaque nesse processo é
que os indivíduos que solicitavam oratórios privados deveriam demonstrar que
pertenciam à elite colonial, sendo constante a afirmação ao longo do documento de que
os proprietários viviam “à maneira e o costume da nobreza” (ACMRJ-BA: nº. 146, fl. 3),
que se constituía em elemento de forte distinção social. Nesse sentido, uma das funções
mais importantes de um breve apostólico era identificar se os impetrantes eram de fato
pessoas aptas a receberem autorização para manter um oratório privado, sendo necessário
comprovar a identidade dos solicitantes e se o oratório construído estava, de fato, de
acordo com os parâmetros condizentes com um espaço sagrado (RODRIGUES e
FRANCO, 2011).
As testemunhas que avalizaram as condições do casal foram o Reverendo Padre
Alexandre Pinheiro, o Capitão João Correia Bittencourt e o Capitão Manoel Pereira
Ramos, todos com altos postos na hierarquia daquela sociedade, reforçando a distinção
não só dos impetrantes, mas dos que lhes serviram de testemunhas. Uma das exigências
era que o espaço estivesse isolado do restante da casa, livre dos usos domésticos e bem
paramentado para o exercício religioso (ACMRJ-BA, nº. 86, fl. 4). Para a realização de
missas em altares particulares, algumas regras deveriam ser observadas. A mais
importante era que não podiam acontecer simultaneamente às da igreja matriz, para não
prejudicar os direitos paroquiais, principalmente nos “dias de Páscoa de Ressurreição,
Pentecostes, e do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, e outras mais solenes
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festas do ano” (Idem). Ou seja, apesar de possuídos por famílias com distinção, os
altares/capelas particulares ocupavam um lugar inferior na hierarquia do cotidiano
religioso, sendo subordinados às igrejas matrizes e destinados somente às missas
ordinárias de devoção aos santos e de sufrágios às almas de membros das famílias que
detinham a posse do oratório. O controle da presença dos fiéis às missas da igreja matriz
era responsabilidade dos párocos e os paroquianos só poderiam ouvir celebrações em
dias santos nas capelas se fosse impossível o deslocamento (FRANÇA, 2013, p. 56).
Porém, essa não era a única restrição. No breve apostólico de 1756 aparecem algumas
determinações pontuais: as missas só seriam celebradas na presença de padres seculares
aprovados pelo Bispado; as celebrações no oratório só poderiam ocorrer de fato se um
dos dois impetrantes estivessem presentes; e além de reafirmar que Cristóvão e Páscoa
não estavam livres de comparecer à matriz em dias solenes, o oratório celebraria missas
somente na presença de membros da família que compartilhassem laços sanguíneos com
o casal e “hóspedes nobres”. Tal fato deixa claro que os altares particulares seriam
frequentados somente por uma minoria (ACMRJ-BA, n°. 146, fl.8).
Três décadas após a autorização inicial, nos anos de 1760, o engenho foi
transmitido como patrimônio aos filhos de Páscoa e Cristóvão – o capitão Apolinário
Maciel da Costa e o padre Antônio Maciel da Costa –, que representaram, portanto, uma
nova geração a reproduzir o domínio senhorial sobre aquelas terras (ESTATÍSTICAS,
1913, p. 328). Na época da visitação de Pizarro, já no fim do século XVIII, a propriedade
era administrada somente pelo já mencionado reverendo Antônio Maciel da Costa,
mencionado anteriormente como responsável pela manutenção da imagem de Nossa
Senhora da Piedade localizada num dos altares laterais da igreja matriz de Jacutinga
(ARAÚJO, 2008, p. 250).
Os próximos dois engenhos a serem citados também pertenciam a uma mesma
família. Tratam-se do Engenho de Maxambomba e do Engenho da Cachoeira, que podem ser
vistos no mapa 2 localizados um ao lado um do outro. Pertenciam, desde 1673, à
proeminente família dos Correia Vasques, descendentes dos Conquistadores da
Guanabara quando da instalação da produção açucareira na região do Recôncavo, tendo
permanecido neste ramo familiar por mais de cem anos (RODRIGUES, 2015, p. 9). Em
1710, o mestre de campo Martim Correia Vasques faleceu em combate, por ocasião da
invasão francesa ao Rio de Janeiro, deixando quinze filhos, dos quais onze eram mulheres
e quatro homens, todos com direitos de receber partes daquele patrimônio. No entanto,
os Correia Vasques se utilizaram de diversas estratégias para evitar a fragmentação das
terras. Ao analisar o testamento de Martim Correia Vasques, Ana Paula Rodrigues
identificou que o patrimônio foi deixado para ser administrado pelos herdeiros homens: o
alcaide-mor Tomé Correia, Salvador Coreia de Sá, o doutor Manoel Correia Vasques e o
tenente Martinho Correia de Sá. Em relação às mulheres, duas filhas se casaram e as
demais foram enviadas para a carreira eclesiástica; de modo que somente em duas
ocasiões foram efetuados pagamentos de dotes, uma vez que a vida monástica das outras
filhas permitiria a preservação do patrimônio. A partir de 1730, vinte anos após a morte
do pai, os engenhos de Maxambomba e Cachoeira ficaram sob a administração do doutor

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Manoel Correia Vasques, embora seus irmãos ainda recebessem rendimentos deles
provenientes (ARAÚJO, 2008, p. 88).
O doutor não teve filhos com sua esposa Maria Paes de Almeida. Porém, os
teve em duas relações de concubinato. Na primeira, com Damásia Cordeira, gerou três
filhos: Manoel, José e Guiomar. Na segunda, com a preta mina Tereza Correia de Jesus,
gerou uma filha de nome Inês Correia de Jesus. Com sua morte, dois de seus filhos
naturais da primeira relação provaram ser seus descendentes, obtendo cartas de
legitimação que lhes permitiu herdar o sobrenome e os bens do doutor e serem
reconhecidos na região, agora como o capitão Manoel Correia Vasques (homônimo de
seu pai) e o tenente José Correia Vasques. Antes de sua morte, o doutor Manoel Correia
Vasques vendeu o engenho de Maxambomba a um sobrinho – Martim Correia de Sá –,
em 1740, e passou ao seu filho homônimo a administração do engenho da Cachoeira. No
final do século XVIII, Monsenhor Pizarro registrou que o Engenho de Maxambomba já
se encontrava na posse do padre José Vasques de Souza, herdeiro do segundo filho do
doutor Correia Vasques (o tenente José Correia Vasques), enquanto o engenho da
Cachoeira permanecia na posse do filho homônimo do doutor. Como afirmou Ana Paula
Rodrigues, para que as propriedades permanecessem em posse da família Correia
Vasques, diversas estratégias foram utilizadas: filhos enviados para o clero, casamentos
arranjados ou impedidos pela força e venda de terras para parentes. Perpetuação que se
deu com a evidente presença da mestiçagem (RODRIGUES, 2015 e 2013).
Seria no Engenho da Cachoeira que a família escolheu edificar uma capela com
a invocação de Nossa Senhora da Conceição, várias vezes reconstruída. Em 1731, ela foi
erguida pela segunda vez, por requerimento de Manoel Correa Vasques, pois a antiga
construção havia se deteriorado pela umidade. A autorização para tal foi obtida do bispo
Antônio de Guadalupe e a nova construção foi erguida junto à casa da família
proprietária, tendo permanecido em sua posse por muitas décadas. Tanto que em 1794,
momento da passagem de Pizarro, ela ainda era administrada pela família, tendo recebido
elogios do visitador pelo tratamento que o espaço sagrado recebia. Segundo este, ela era
“tratada com asseio e decência” (ARAÚJO, 2008, p. 245). Detalhe importante é que ela
possuía concessão para ter sepulturas. Até agora, a primeira de nossa relação. A questão
que se coloca e que ainda não conseguimos ter bases seguras para responder é sobre
quais seriam os critérios para uma capela ter direito a realizar sepultamentos e outra não,
já que não possuímos o breve de autorização desta capela. Um ensaio de resposta pode
ser o fato de se tratar de propriedade com grande número de escravos, talvez, conjugado
com a proeminência da família, além da eventual necessidade de espaço para
sepultamento de cativos e outros cadáveres diante da relativa distância da matriz, como
podemos verificar no mapa 2. Aliás, se voltarmos a este mapa, poderemos identificar que,
enquanto as terras do Engenho de Maxambomba eram atravessados pela “Estrada Geral
para Minas”, as do Engenho de Cachoeira estavam mais distantes deste local de
passagem. O que pode explicar, possivelmente, uma eventual opção da família por
manter a capela no engenho mais preservado do trânsito das pessoas, mas ao mesmo
tempo com disponibilidade de fazer sepulturas, exatamente pelo fato de as terras da

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família serem constantemente visitadas, abrigando hóspedes em trânsito. Mas estas são
apenas hipóteses que ainda merecem ser melhor investigadas.
Outro exemplo de engenho que permaneceu por quase todo o século XVIII em
propriedade de uma mesma família foi o Engenho da Posse. Sua fundação aconteceu no
início do setecentos por obra do casal João de Veras e Dona Ana Maria Nascente, que
deu início ao processo de estabelecimento da primeira capela da propriedade, concedida
por um breve apostólico de 1733, que possuía exigências parecidas com as mencionadas
no caso da capela do Engenho da Posse, citado anteriormente, e que não repetiremos
aqui por limites de espaço. Bastando citar que o pedido foi avalizado por testemunhas
igualmente pertencentes à elite local, que comprovaram viver o casal segundo a “lei da
nobreza”, assim como bem cuidarem do espaço sagrado, paramentá-lo com objetos e
alfaias e mantê-lo “livre dos usos domésticos” Um dado complementar foi a declaração
de uma das testemunhas, Manoel Pereira de Ramos, de que João de Veras Ferreira era
senhor de engenho e não possuía nenhum “trato mecânico”; ou seja, não exercia
atividades manuais (ACMRJ-BA, nº. 25, fl.02). O que, para a nobreza portuguesa e para a
elite colonial luso-brasileira, era um sinal positivo de distinção social. Afinal viver sem
realizar trabalhos mecânicos era viver sem realizar tarefas feitas por escravos, forros e
seus descendentes (GUEDES, 2006, p. 379-422). Esse oratório não foi citado por Pizarro
em 1794, sendo provável que não estivesse mais de pé no momento da passagem do
visitador ou tenha sido incorporado à outra capela, bem maior, que seria construída no
engenho, como veremos mais abaixo.
O auge da capacidade produtiva do Engenho da Posse ocorreu na geração que
administrou essa propriedade, a partir de 1764, composta pelo filho do casal, Francisco
de Veras Nascentes, juntamente com seu cunhado e sócio, Manoel Alves da Silva. Nesse
período, o engenho possuía 120 escravos, produzia açúcar, alimentos e extraía grande
quantidade de madeira. (RODRIGUES, 2017, p. 151). Trinta anos depois, quando da
visitação de Pizarro, a propriedade se encontrava nas mãos de uma nova geração da
família, sendo administrado por Francisca Casemira Xavier de Vera, filha do falecido
Francisco de Veras Nascentes e esposa de Bento Luiz de Oliveira Braga. Com essa união,
o patrimônio da família cresceu consideravelmente, uma vez que este era dono do
Engenho de Nazareth, em Irajá, e depois de seu casamento com Francisca Casemira
passou a comandar o da Posse, além de construir mais a engenhoca de Caioaba em terras
de seu sogro. A família também possuía mais três sítios em Jacutinga, uma olaria em
Iguaçu e duas fazendas produtoras na freguesia de Sacra Família (ARAÚJO, 2008, p. 93-
95 e 2017, p. 151).
Quando Pizarro passou por aquelas terras, fez menção a uma capela sob
invocação de Nossa Senhora da Madre de Deus, que teria sido ereta pelo Capitão
Francisco de Veras Nascentes e seu cunhado Manuel Alvares da Silva, provavelmente, em
de 1767, mediante autorização do bispo Antônio do Desterro. O visitador elogiou a
capela afirmando que a havia encontrado com “gosto e asseio” e que seu capelão era o
Reverendo José Alvares, natural do Arcebispado de Braga, de 39 anos, ordenado neste
mesmo arcebispado em 1784. Morava na freguesia de Jacutinga desde 1792 e tinha
faculdades de usar suas ordens e ser confessor. Segundo o visitador, o capelão era
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“moralista”, possuía “bons costumes” e vivia “de suas ordens e suas lavouras”, servindo
muito a capela (ARAÚJO, 2008, p. 250).
Os próximos engenhos a serem citados possuíam como características o fato de
terem sofrido mudanças de proprietários, não permanecendo na posse de um mesmo
ramo familiar. Iniciaremos pelo Engenho de Nossa Senhora da Conceição de Sarapuí, que
abrigara a antiga igreja matriz da freguesia homônima que havia sido extinta, em 1736,
por receber poucas doações dos paroquianos e nenhuma da Fazenda Real. Em virtude
disso, foi incorporada à paróquia de Jacutinga como capela, apesar de ter sido reduzida à
ruínas até a propriedade ser adquirida por Francisco Antunes de Lima, em 1757. No
breve apostólico por meio do qual obteve a autorização para o reerguimento da capela,
Francisco justificara que precisava participar da celebração de missas por padecer de
grave enfermidade que o levava a colocar sangue pela boca e estar, por isso, impedido de
apanhar sol e de se locomover até a matriz de Jacutinga. Também argumentou que a
grande distância de uma légua e meia até a Matriz dificultava que seus vizinhos e escravos
participassem da missa. Problemas que, segundo ele, seriam revolvidos com a autorização
para que fossem celebradas missas na capela de Nossa Senhora da Conceição, tendo ele
apresentado uma detalhada lista de todos os objetos e alfaias que continha aquele espaço
sagrado para a realização de tal ritual (ACMRJ-BA, n°. 158, fl.3-4).
Duas décadas depois, as terras mudariam novamente de mãos e, segundo os
relatórios do Marquês do Lavradio, de 1769-1779, o engenho já pertencia a Inácio Gomes
e seus herdeiros, os quais se dedicavam ao cultivo de mandioca (ESTATÍSTICAS, 1913,
p. 328). Nesta nova administração das terras, a capela voltaria a decair. No final do
século, a propriedade passou para novas mãos, sendo adquirida pelo capitão João Soares
de Bulhões (ARAÚJO, 2008, p. 250), natural de São João Del Rei que se transferiu para o
Recôncavo da Guanabara no século XVIII. O que indica que estas terras não foram
daquelas mantidas por várias gerações dentro de uma mesma família, embora o novo
morador tenha buscado criar relações com uma das famílias mais tradicionais da região,
ao se casar com Dona Maria Maciel, filha de Apolinário Maciel da Costa, dono do
Engenho do Brejo, acima analisado. Possivelmente devido a esta sua inserção na
comunidade, buscando ligações com a elite local, o engenho ganharia mais estabilidade
sob o novo comando. Além desta propriedade em Jacutinga, Bulhões se tornou dono do
Engenho de Caioaba, na freguesia de Inhomorim. Em suas terras produziam-se açúcar,
mandioca e aguardente. Quando se casou, alcançou o topo da hierarquia social de
Jacutinga, deixando de ser considerado “de fora”, buscando se dedicar ao engenho e
fazendo com que sua produção aumentasse consideravelmente. Foi neste sentido que no
início do século XIX a propriedade possuía 128 escravos, 50 cabeças de gado, 30 burros,
ampliando também suas benfeitorias com a construção de olaria, carpintaria, casas,
estrebaria e uma tenda de ferraria. Sua posição social lhe rendeu os títulos de capitão da
nova companhia de Jacutinga e cavaleiro professo da Ordem de Cristo (RODRIGUES,
2013, p. 99). Outra ação significativa que tomou foi a reabertura da capela de Nossa
Senhora de Sarapuí, que havia sido fechada por morte do antigo proprietário.
Se o engenho parece ter adquirido mais estabilidade em finais do século XVIII
sob a administração do capitão João Soares de Bulhões, quando Pizarro chegou a
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Jacutinga, a capela parecia não manter as mesmas condições da época de sua reconstrução
cerca de três décadas antes da chegada do visitador. Apesar disso, o capitão Bulhões
solicitou permissão ao monsenhor para fazer uso dela, mas o representante da hierarquia
eclesiástica do bispado não se furtou a registrar as “graves irregularidades” que
identificava no templo e o fato de João Soares Bulhões não possuir a documentação
necessária para a sua manutenção. Pizarro determinou que o capitão poderia fazer uso da
mesma por seis meses, mas se nesse período de tempo não fossem providenciados os
documentos legais junto à Câmara Eclesiástica, a capela seria interditada (ARAÚJO, 2008,
p. 246). Infelizmente, não temos notícias sobre o desenrolar deste processo.
A quinta capela a ser citada é a que existia no Engenho do Pantanal, de Antônio
Ferreira Quintanilha, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição do Pantanal,
construída em 1754, mediante autorização do bispo Antônio do Desterro. Em 1766, as
terras foram vendidas e no fim do século XVIII já pertencia a João Teixeira Malheiros.
Apesar desta troca de proprietários, Pizarro encontrou a capela em bom estado no ano de
1794 e registrou que possuía autorização de uso de pia batismal, mas não possuía
permissão para uso de sepulturas. Porém, o livro de óbitos de Jacutinga indica que a
mesma recebeu um sepultamento, como veremos no próximo item, sugerindo que o
engenho no qual a referida capela estava construída pode ter passado para a posse de uma
nova família, no lugar dos Teixeira Malheiros, que obteria autorização para realizar
sepultamentos. Segundo Live França (2013, p. 45), a capela do Pantanal apresentou
intensa atividade no que se refere aos sacramentos de batizados e confirmação,
superando a própria igreja matriz, confirmando 63 pessoas, contra somente 50 crismados
pela matriz.
A próxima propriedade a ser citada é a fazenda de Antonio de Pina, no lugar
chamado São José do Rato, situada bem distante das demais, a 3 léguas de distância, na
direção do rio Iguaçu. Antônio de Pina era filho do negociante Brás de Pina, rico
proprietário de terras do recôncavo e do Rio de Janeiro que possuía o monopólio da
pesca de baleia no litoral paulista. Ao fundar o Engenho do Rato, Antônio de Pina estava
promovendo o crescimento do patrimônio da família Pina. Além desta propriedade,
herdou a sesmaria de Madureira, comprou outras terras em Jacutinga e acumulou títulos
militares. Em 1803, foi vereador do senado da Câmara do Rio de Janeiro e, em 1806, foi
reformado com a patente de tenente-coronel, recebendo o título de cavaleiro da Ordem
de Cristo, com remuneração de 12$000 réis (RODRIGUES, 2013, p. 109). Com isso,
podemos afirmar que o poder da família Pina estava muito além das terras que possuía.
Em uma delas, a Fazenda Caioaba, foi construído um oratório. Não há descrição detalhada
do local, a não ser que tinha permissão para realizar missas. Um dado significativo dos
registros de óbito analisados foi a menção de um sepultamento no “cemitério da Fazenda
do Capitão Antonio de Pina” (ACDNI, 1785-1809), cuja exata localização – em termos
de engenho – não conseguimos ainda identificar.
Por fim, cabe mencionar uma capela não vinculada a um engenho familiar, mas
ao Mosteiro de São Bento. A presença de monges beneditinos em Jacutinga remonta ao
início da colonização da Guanabara, na segunda metade do século XVI, quando se
instalaram na região ao redor do rio Iguaçu. Live França (2013, p. 19-20) chama atenção
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para o fato de que este foi o primeiro território ocupado pelos beneditinos na América
portuguesa. Com a consolidação da colonização das terras do recôncavo, os monges
acabaram por se associar à elite colonial que surgia nos fundos da Guanabara e passou a
doar terras aos monges para que estes permanecessem na região (SOUZA, 2012, p. 72).
Do século XVII em diante, em virtude das doações recebidas, passaram a compor parte
significativa da elite colonial, tornando-se “senhores de engenho” e de escravos.
Em seu interior, estava instalada a Capela de Nossa Senhora do Rosário que, no
momento da visita de Pizarro, se encontrava asseada e bem paramentada, possuía pia
batismal da qual fazia uso com autorização do reverendo pároco, bem como podia ter
sepulturas. A análise do livro de registro de óbitos de livres e libertos da freguesia de
Jacutinga revela que entre 1788 e 1806, dezessete pessoas foram sepultadas nas covas
desta capela, que parecia ser um ponto de referência sagrada para os moradores da
paróquia. Vejamos melhor como se dava a distribuição dos locais de sepultamento na
freguesia e o seu uso por parte dos paroquianos, conforme sua posição e distinção social.

As sepulturas em Jacutinga e suas hierarquias


Considerando que o sepultamento se constituía no ponto culminante dos ritos
fúnebres, como argumenta Milra Bravo (2014, p.14), focaremos nosso olhar sobre de que
forma os diferentes espaços sagrados acima identificados eram utilizados – ou não –
pelos moradores livres e libertos de Santo Antonio de Jacutinga para inumar seus
parentes mortos.

TABELA 1 - Sepultamentos nos Assentos Paroquiais de Óbito de Jacutinga


LOCAL DE SEPULTAMENTO Nº %
Cova de Fábrica - MATRIZ 562 51,8%
Adro - MATRIZ 243 22,4%
Irmandade do Santíssimo Sacramento - MATRIZ 91 8,4%
Irmandade de São Miguel e Almas - MATRIZ 74 6,8%
Irmandade de N. Sra. do Rosário - MATRIZ 57 5,3%
Irmandade de N. Sra. do Socorro - MATRIZ 12 1,1%
Cova dos Vigários - MATRIZ 1 0,1%
Sepultura perpétua de Francisco Sanchez Castilhos - MATRIZ 3 0,3%
Capela Particular 3 0,3%
Mosteiro de São Bento 17 1,6%
Fora da Freguesia 8 0,7%
Sem Identificação 14 1,3%
TOTAL 1085 100,0%
Fonte: ACDNI: Assentos paroquiais de óbito da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga (1785-
1809).

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Os dados da Tabela 1, demonstram a concentração dos sepultamentos na igreja


paroquial, fosse no seu interior (em covas da fábrica e das irmandades) ou do lado de fora
(no adro ou cemitério). Embora as sepulturas externas fossem gratuitas, vale destacar que
eram administradas pela fábrica da matriz. Esta gratuidade se devia ao impedimento de
qualquer tipo de cobrança no adro, segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia (CAMPOS, 2004, p. 174); o que atraía para este espaço os indivíduos que não
tinham como pagar pelo sepultamento em covas no interior do templo paroquial.
Vale destacar que se o espaço da sepultura no adro não era cobrado, o mesmo
não se dava quanto ao cerimonial que viesse ser realizado na intenção dos que ali fossem
inumados. O pároco receberia $640 pela encomendação, $160 pela vela e $640 por duas
missas caso se tratasse de escravo. Outro aspecto que demonstra a diferenciação das
sepulturas do adro é que, enquanto a fábrica da paróquia receberia $320 pelo uso da cruz
no momento da encomendação do cadáver, não se cobrava nada pela encomendação
feita no cemitério/adro (ARAÚJO, 2008, p. 256-257). Um assentamento de óbito que vai
ao encontro desta informação é o de Manoel da Costa, solteiro e viandante na freguesia,
morto por vômitos em 22/04/1787, que teve como justificativa para seu sepultamento
ter ocorrido no adro o fato de “ser muito pobre” (ACDNI, 1785-1809).
Se voltarmos nosso olhar para as sepulturas do interior da matriz, verificamos
que 1.040 (95,8%) dos mortos da freguesia estavam ali enterrados, sendo que 805 (74,2%)
nas covas da fábrica e 234 (21,6%) nas sepulturas das irmandades que se localizavam nos
altares laterais e central (no caso do Santíssimo Sacramento). Provavelmente por esta
última se encontrar no altar mor (espaço maior fisicamente que os laterais e considerado
portador de maior valor salvífico, não só por ser o principal e mais adornado dos altares,
encontrando-se disposto em frente da entrada principal da igreja, mas por ser de onde o
pároco celebrava a missa e onde estava guardada a eucaristia/Santíssimo Sacramento, no
sacrário), foi a irmandade que mais sepultou na freguesia, na comparação com as demais.
A irmandade que ficou em segundo lugar em número de sepultamentos no interior da
matriz foi a outra associação que agregava a elite local, São Miguel e Almas, que dividia o
espaço do terceiro altar lateral com a irmandade de Nossa Senhora do Socorro dos
pardos. Embora não tenhamos tido acesso ao compromisso destas duas associações,
podemos aventar que a precedência hierárquica da de São Miguel e Almas –
provavelmente com mais covas que a dos pardos – explique o fato de ela ter sepultado 74
cadáveres enquanto a de Nossa Senhora do Socorro inumou 12. Apesar de agregar os
pretos, como seu próprio nome indicava, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário
representou a terceira quantidade de sepultamentos na matriz. O que acreditamos se
relacionar ao fato de ela não dividir o segundo altar lateral com outra associação religiosa.
Os dados da tabela acima também indicam que, em que pese os índices
percentuais não chegarem a 2,0%, 17 cadáveres foram sepultados na capela existente no
Mosteiro de São Bento. Ainda assim, um quantitativo significativamente maior do que os
3 sepultados em capelas particulares. O que pode ser explicado pela representação e papel
que os monges beneditinos e, por extensão, sua capela possuíam na localidade,
ultrapassando o significado dos sepultamentos nas capelas particulares dos engenhos.
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Dos três sepultamentos em capelas particulares, dois se localizaram no oratório de


Antônio de Pina e um na capela de Nossa Senhora do Pantanal, situada na fazenda de
João Teixeira Malheiros (ACDNI, 1785-1809). Vale lembrar que na época da passagem
de Pizarro e Araújo por Santo Antônio de Jacutinga a capela de João Teixeira Malheiros
não possuía autorização para sepultar corpos (ARAÚJO, 2008, p. 245). A inumação em
questão aconteceu em 1803, alguns anos depois da visita do monsenhor, tendo se tratado
de um defunto registrado com um único nome de “José”, filho do capitão Lourenço
Inácio Xavier e Frutuosa Felicidade, sobre os quais não temos outras informações.
Possivelmente, a família Malheiros conseguiu, posteriormente, autorização junto às
autoridades eclesiásticas para realizar enterros. Como as duas propriedades em questão
pertenciam à elite, é possível que suas capelas particulares tenham obtido, ao longo do
tempo, autorização para realizar inumações. O que somente uma investigação sobre
outros breves apostólicos para a freguesia poderia esclarecer a dúvida que fica. Para além
desta, algo que nos surpreendeu foi a reduzida quantidade de sepultamentos em capelas
cuja autorização para ter sepultura não tivemos acesso e o fato de a capela do Engenho
da Cachoeira que possuía autorização para inumar, não ter apresentado nenhum
enterramento mencionado no livro de óbitos analisado. Embora algum sepultamento
possa ter ocorrido fora do período coberto pelo referido livro – 1785 a 1809 –,
cogitamos, por um lado, que para além de haver poucas capelas com autorização para
sepultamentos em Jacutinga, seus proprietários parecem não ter optado por estas no
momento de inumar cadáveres em seus espaços. Por outro, o fato de não haver registros
de sepulturas em Cachoeira não significa que estas não tenham ocorrido; mas que
eventualmente não tenham sido informadas ou registradas à/na paróquia. Se não fosse
por isso, qual seria o fundamento de os proprietários desta capela terem solicitado e
obtido autorização para realizar sepultamentos? Fica evidente que se torna necessário
aprofundar o estudo sobre esta questão dos sepultamentos em capelas de engenhos e
fazendas nas áreas rurais da América portuguesa, a partir da pesquisa em registros
paroquiais que recubram um período maior de tempo.
Mais um aspecto que se destaca entre os índices da tabela acima são as três
menções a sepultamentos na “sepultura perpétua” do Sargento-mor Francisco Sanches
Castilhos. A primeira apareceu no óbito de sua viúva, Inácia Maria Tavares, falecida em
14/10/1786, no qual consta que ela foi inumada na “sua sepultura perpétua”; a segunda
menção foi feita no assento de José Inácio de Faria, sepultado em 01/04/1805, “em cova
dos descendentes” do referido sargento-mor; por fim, no óbito de Miguel Veloso, de
31/08/1808, consta que ele foi sepultado na “cova do sargento-mor Francisco Sanches
de Castilhos”. Num primeiro momento, pensamos se tratar de uma capela ou oratório
particular, mas ao procurar informações sobre a propriedade dos Castilhos, verificamos
que, apesar de o sargento-mor ter sido um dos primeiros proprietários do Engenho de Santo
Antonio do Mato, a propriedade entrou em decadência após sua morte, em 1771, por deixar
de moer cana e ter contraído dívidas. Motivos que a levou a ser arrematada em praça em
1778 pelo mestre de campo Inácio de Andrade Souto Maior Rondon (ESTATÍSTICAS,
1913, p. 328). Ademais, como o texto da visita de Pizarro não faz menção a nenhuma
capela ou oratório de propriedade da família Sanchez de Castilho, cogitamos que por
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algum motivo ainda não identificado, Francisco tenha obtido uma sepultura perpétua
para si e seus descendentes em uma das covas da igreja Matriz. A justificativa para tal
cogitação é que, caso houvesse uma sepultura perpétua na propriedade que entrou em
decadência e foi vendida, não faria sentido que a viúva e os descendentes do sargento
mor continuassem a ser inumados já desde 1786 em uma sepultura no interior de uma
propriedade que não era mais da família.
A referência ao tipo de sepultura existente na matriz identificado como “cova
dos vigários” sinaliza para mais uma hierarquização espacial no interior daquele templo.
Destinada aos párocos que serviram a freguesia, o único registro presente no livro
pesquisado foi o relativo ao clérigo Manoel Pinto de Pinho, sepultado em 1792, com 80
anos, identificado como sendo branco e livre, tendo sua alma encomendada pelo padre
Domingos da Rosa Andrade e recebido todos os sacramentos (ACDNI, 1785-1809).
Segundo Pizarro, ele foi o 17º pároco de Jacutinga antecedendo aquele que recebeu o
visitador, o reverendo Joaquim José de Oliveira (ARAÚJO, 2008, p. 248). Após essa
identificação dos principais tipos de sepulturas encontrados nos assentamentos de óbitos
pesquisados, passaremos a analisar aspectos da dinâmica social dos sepultamentos na
freguesia. Para tal, dividiremos a análise segundo os critérios de cor e condição jurídica
que, ao nosso ver, se constituíam em significativos exemplos de hierarquização social por
ocasião da morte, com reflexos sobre os locais de sepultura.
A complexidade social na América portuguesa apresentava estreitas relações
com as características do Antigo Regime europeu que ao ser transplantado para a
América acabou criando uma sociedade de características únicas, principalmente devido
ao significativo papel da escravidão africana aqui presente (FRAGOSO e GOUVEIA,
2010, p. 14-15). O caráter escravista da América lusa não se pautava somente pelo
predomínio da escravidão como forma de trabalho, mas pelo impacto que esta exerceria
sobre as distinções jurídicas entre homens livres e escravizados, ou ainda, entre os que
nasceram livres e os que alcançavam a alforria; de modo que a relação entre escravidão e
liberdade influenciaria as múltiplas hierarquias que seriam criadas nos diferentes
segmentos sociais (SCHWARTZ, 1988, p. 209).
A recriação das hierarquias conferiam caráter dinâmico às distinções criadas por
aquela sociedade, na qual a mobilidade se fazia presente e se expressava na mudança de
cor ou na sua omissão segundo a posição dos indivíduos em determinado contexto social,
de modo que “as cores não petrificam posições sociais” (GUEDES, 2010, p.103).
Contudo, este dinamismo social não pode ser pensado como um sistema livre de
hierarquias, posto que estas, além de permearem os aspectos socioeconômicos, também
se fizeram adentrava na vivência religiosa do catolicismo em suas várias dimensões, como
afirmam Adalgisa Campos e Renato Franco (CAMPOS e FRANCO, 2004b, p. 4).
Segundo Milra Bravo, esta dinâmica das distinções também esteve presente nas posturas
frente à morte, na américa portuguesa, posto que os espaços para sepultamento não
escaparam da dinâmica dos privilégios sociais que criavam hierarquias e exclusões. A
própria Igreja foi capaz de construir argumentos que legitimaram e naturalizaram a ordem
social, mantendo as hierarquias existentes entre os grupos, através de um poder simbólico
capaz de instaurar um consenso sobre a ordem do mundo (CAMPOS e FRANCO,
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2004b, p. 4-9; BRAVO, 2014, p. 102-103). Seguindo essa linha de raciocínio, nem todos
os que morriam poderiam ser colocados em sepulturas eclesiásticas. Os excluídos da eram
os “judeus, heréticos, cismáticos, apóstatas, blasfemos, suicidas, duelistas, usurários,
ladrões de bens da Igreja, excomungados, religiosos enriquecidos (se tinham profissão de
pobreza), aos refratários à confissão e à extrema-unção, infiéis, crianças e adultos pagãos”
(REIS, 1996, p. 174).
Em Jacutinga, existia uma bem definida hierarquia entre os locais de inumação,
como expressa na divisão entre as covas do interior do templo e as do adro, situadas do
lado de fora a descoberto. Nesta diferenciação espacial, o local de maior prestígio eram as
sepulturas localizadas próximas ao altar-mor e, consequentemente, as mais caras;
enquanto o adro era um local com menos prestígio que, por estar bem distante do altar-
mor, apresentava simbolicamente na escatologia católica menor eficácia para a salvação
das almas dos que ali eram sepultados. Segundo João José Reis (1996, p.176), a crença de
que ser enterrado próximo aos altares era uma garantia maior para o morto representava
uma herança medieval associada à ideia de que locais próximos aos santos e mártires da
comunidade cristã favoreceriam os espíritos no momento do Juízo Final. Adalgisa
Campos (2004a) confirma essa ideia ao dizer que, na sociedade colonial, o homem do
barroco possuía uma concepção social voltada para a manutenção dos privilégios.
Podemos perceber que, em uma sociedade marcada por esse tipo de diferenciação, seria
impossível que a morte fosse algo que nivelasse todos os homens a um mesmo patamar.
Morrer em uma sociedade com tais características implicava levar para o além as
hierarquias existentes entre os vivos. Por isso que, segundo João José Reis (1996, p. 190),
a localização da sepultura era um aspecto muito importante na construção da identidade
do morto.
A geografia da boa morte não contribuía em nada para que o morrer fosse um
meio de se alcançar a igualdade social. Na verdade, as paróquias da América portuguesa
estendiam as distinções de cor tão peculiares em sociedades escravistas aos mortos
(BRAVO, 2014, p. 28-9). O que nos permite afirmar que, embora a salvação fosse um
objetivo comum a todos os homens, parecia ser mais acessível para determinados grupos
sociais. Seria mais fácil para ricos em detrimento dos pobres, pois aqueles possuíam
condições de pagar por locais de sepulturas próximos aos altares e por sufrágios e outros
serviços fúnebres em quantidades e valores que variavam segundo suas posses e pressa
em purgar os pecados que acreditavam ter em vida (RODRIGUES 2005, cap. 1- 2). Isso
pode ser percebido nos preços que as covas possuíam em Jacutinga. Enquanto se cobrava
1$000 pelas sepulturas da porta principal, que seria o local mais próximo ao exterior, as
que adentrassem o templo em direção ao altar-mor eram “taxadas” progressivamente em
2$000 e 4$000 réis; sendo este último valor correspondente às covas mais próximas ao
altar-mor (ARAÚJO, 2008, p. 288). A título de comparação, na vizinha paróquia de
Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu, uma sepultura para adulto no altar-mor chegaria a
custar 12$800 réis (ARAÚJO, 2008, p. 256). Deste modo, se levarmos em conta que
covas situadas próximas ou no próprio altar-mor eram as mais caras – mesmo que
possuíssem variações em cada paróquia – e que esse espaço era considerado o de maior
valor soteriológico na hierarquia das sepulturas, justamente por terem um poder salvífico
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mais elevado, teremos que as covas mais baratas eram o destino daqueles que possuíam
condição material inferior na lógica da hierarquizada sociedade de Antigo Regime na qual
predominava a desigualdade. Talvez, por isso, mesmo aqueles que por algum outro
motivo não puderam estar dentro dos templos fosse significativo estar pelo menos às
suas portas, ainda que pelo lado de fora, como se estivessem para adentrar a igreja.
Situação que verificamos no assentamento da preta forra Jerônima Gomes de Jesus,
viúva, que foi sepultada “no cemitério desta freguesia junto à porta principal”, em
06/04/1793, tendo recebido todos os sacramentos, sido encomendada pelo pároco e
amortalhada em hábito de São Francisco. Ou seja, apesar de se encontrar no adro ou
cemitério, estava próxima à entrada principal do templo. Este registro é bastante
representativo do lugar social ocupado por aquela ex-escrava que, mais do que se
encontrar do lado de fora da matriz, estava a alguns passos do seu interior, marcando a
sua diferenciação em relação aos que ainda eram escravos, ou mesmo forros e livres
pobres inumados no adro, mais distantes da entrada. Entenda-se que, aqui, não se trata
daquela sepultura mencionada por Pizarro que estava do lado de dentro, junto à porta
principal, e que tinha um custo menor que as covas localizadas na direção do altar-mor.
Ao contrário, era uma cova do lado de fora do templo, ainda que contíguo à entrada
principal.
A divisão hierárquica dos locais de inumação naquela sociedade, entretanto, não
acontecia somente por fatores econômicos, embora estes fossem significativos. Outro
importante fator de distinção frente à morte era a questão étnica. Em uma sociedade com
características de Antigo Regime, a desigualdade era um princípio que guardava em si
múltiplas hierarquias, sendo a cor uma delas (GUEDES, 2009, p. 492). Com a expansão
agrária, criavam-se espaços de convivência entre portugueses, africanos, imigrantes livres
e libertos de outras áreas da América portuguesa, numa situação que contribuía para a
formação de uma sociedade marcada pela multiplicidade de cores que se dividiam de
forma hierárquica. Entretanto, como afirma Guedes, as posições sociais não devem ser
congeladas pelas cores, uma vez que a hierarquia e o lugar social manifestos na dinâmica
das cores eram fluídas e dependiam diretamente de circunstâncias sociais (Idem, p. 508).
Nesse contexto, um mesmo indivíduo podia aparecer como pardo em uma fonte e como
branco em outra, ao mesmo tempo em que a presença da escravidão acabava por associar
indivíduos livres à cor branca, os escravos à cor preta e alguns libertos (ou cativos com
posições hierárquicas dentro da escravaria) à cor parda.
Em Jacutinga, como podemos ver na Tabela 2, as diferentes “cores” que
formavam a sociedade dos vivos estiveram presentes nos espaços dos mortos, embora
sejam bem poucos os assentamentos que explicitem esta informação. Encontramos a
referência a 4 (0,3%) brancos, 4 (0,3%) cabras, 21 (2,0%) índios, 123 (11,4%) pardos e 63
(5,8%) “pretos”. Para além desses, dados é significativo que 870 (80,2%) mortos não
tivessem mencionados no assentamento as devidas informações sobre a cor com a qual
foram identificados no final de sua vida. O que poderia representar essa ausência de
informações? Na comparação entre os destinados às covas da fábrica e ao adro, podemos
verificar que os maiores percentuais de pardos e “livres” foram inumados nas primeiras,
enquanto índios, cabras e pretos aparecem sepultados no segundo. Se nos ativermos ao
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campo “sem referência”, vemos que justamente nas covas da fábrica, entendidas aqui
com espaços de maior prestígio que o adro, aparece o maior número de ausência de
referência à cor (55,7%), enquanto no adro estiveram os cadáveres com menor ausência
de referência (16,2%). Tais aspecto podem sinalizar a importância que aquela sociedade
dava para a marcação e qualificação da diferença, em especial dos pertencentes aos
segmentos considerados mais inferiores na escala social se seguirmos a lógica de uma
sociedade de Antigo Regime, marcada pela desigualdade.

TABELA 2 – Locais de Sepultamento X Cor

COR SEM
BRANCO CABRA ÍNDIO PARDO PRETO TOTAL
REF.

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
SEPULTURA
Cova de Fábrica - - - - 2 9,5 56 45,5 20 31,7 484 55,7 562 51,8
Adro 4 100 2 50,0 19 90,5 43 34,9 34 54,0 141 16,2 243 22,4
Irm. Ss. Sacramento - - - - - - - - 1 1,6 90 10,3 91 8,5
Irm. S. Miguel e
- - - - - - 7 5,8 1 1,6 66 7,6 74 6,8
Almas
Irm. do Rosário - - 2 50,0 - - 10 8,1 5 8,0 40 4,6 57 5,2
Irm. N. S. do
- - - - - - 3 2,5 - - 9 1,0 12 1,1
Socorro
Cova dos Vigários - - - - - - - - - - 1 0,1 1 0,1
Sep. Perp. Fco.
- - - - - - - - - - 3 0,3 3 0,3
Castillo
Mosteiro de S.
- - - - - - 2 1,6 - - 15 1,8 17 1,6
Bento
Capela particular - - - - - - - - 2 3,1 1 0,1 3 0,3
Fora da Freguesia - - - - - - 1 0,8 - - 7 0,8 8 0,7
Sem identificação - - - - - - 1 0,8 - - 13 1,5 14 1,3

TOTAL 4 100 4 100 21 100 123 100 63 100 870 100 1085 100

Fonte: ACDNI: Assentos paroquiais de óbito da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga (1785-
1809).

Outro aspecto a salientar em relação às distinções ligadas à cor é o fato de que


somente quatro indivíduos sepultados no adro foram classificados como brancos.
Nenhum deles teve a condição jurídica registrada. Embora brancos, nenhum deles
poderia ser considerado membro da elite. Na verdade, parece que eram pessoas com
poucas ou pouquíssimas posses: Maria Alves foi a única a receber todos os sacramentos;
José Borges recebeu somente a penitência e a extrema unção e Francisco Gomes não
recebeu nenhum “por não pedirem”. Dos quatro casos, o sepultamento que mais chamou
a atenção foi o de um anônimo registrado somente como “um adulto”. Em seu registro
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consta que “parecia ser branco” (ACDNI, 1785-1809). Ou seja, frente a inexistência de
outros elementos que lhe identificasse, a cor por si só indicou uma diferenciação. Mas
nem por isso deixou de ser sepultado no adro, pois não houve quem pagasse por uma
sepultura no interior do templo a um desconhecido, mesmo que “parecesse” ser branco.
Aspecto que demonstra a complexidade das relações sociais naquela sociedade escravista
que apresentava uma série de distinções e critérios para se obter sepultura no interior do
espaço mais sagrado da paróquia, por estar na proximidade dos santos e se beneficiar das
orações daqueles que por suas sepulturas caminhassem ao frequentar a igreja matriz
cotidianamente.
Para além disso, o caso acima demonstra que a cor na sociedade colonial podia,
muitas vezes, ser uma questão de percepção de quem observava o outro e não um
modelo rígido a ser percebido por todos coletivamente (GUEDES, 2008, p. 99). No caso
do anônimo sepultado no adro da matriz no ano de 1793, não apareceu quem oferecesse
informações sobre ele para o assentamento paroquial do óbito. Em seu óbito consta que
havia morrido em Meriti e seu cadáver fora levado para Jacutinga e deixado em
desamparo, exposto na casa de Félix Souza Costa (ACDNI, 1785-1809). Com isso,
pretendemos demonstrar que nesses quatro exemplos, sendo o mais extremo o último,
tais indivíduos eram reconhecidos como brancos, pois, possivelmente, essa fosse a única
coisa que os destacava frente a sociedade, sendo possivelmente pobres ou remediados e,
por isso, sepultados no espaço menos prestigiado da paróquia mas cuja cova era gratuita.
Seguindo a mesma abordagem utilizada para entender o silêncio dos assentos
paroquiais sobre a classificação dos mortos em relação à cor e à condição social que
possuíam em vida, podemos conjecturar que se o ato de registrar a condição jurídica não
se fazia necessário no caso de indivíduos livres, pois essa era uma característica
publicamente reconhecida pela comunidade local, o mesmo aconteceria em relação à
identificação da cor de quem havia morrido. Isso porque não seria importante registrar
indivíduos que fossem notoriamente brancos, da mesma forma que os que não fossem
notadamente negros, índios ou pardos. Entende-se, assim, o silêncio de algumas
informações como possível sinal de distinção, fosse para ascensão ou decadência social.
Não podemos afirmar com toda a segurança que os indivíduos que não tiveram a cor
anotada nos registros de óbito fossem brancos. Porém, tal como Milra Bravo (2014, p.
30), o que pretendemos sugerir é que no caso de mortos tidos como brancos não parecia
ter sido necessário fazer uma distinção tão evidente à cor do cadáver, como o era no caso
de pessoas de outras cores. Da mesma forma, nos chama a atenção a grande quantidade
de pessoas que foram enterradas sem que fossem anotadas informações relacionadas à
condição jurídica em vida. Em uma sociedade escravista, questões referentes à coloração
da pele, origem étnica e/ou condição jurídica seriam definidoras de uma hierarquia social
presente no cotidiano da sociedade colonial. Por isso, era de se esperar que tais
informações fossem ressaltadas nos assentamentos de óbito, mas são pouquíssimas as
indicadas: 2 (0,1%) indivíduos escravos, 187 (17,4%) forros e 895 (82,5%) sem referência
à condição jurídica. Ainda que o livro de óbitos consultado fosse destinado
especificamente para o assentamento de cadáveres de livres e libertos, nos parece que a
diferenciação entre esses dois segmentos sociais deveriam ser indicadas, se seguirmos os
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argumentos já citados de Guedes e Schwartz sobre os princípios hierárquicos e de


distinção social que explicava a necessidade de diferenciar, por exemplo indivíduos que
nasceram livres daqueles que haviam sido cativos em dado momento de sua trajetória.
(ACDNI, 1785-1809).

TABELA 3 – Locais de Sepultamento X Condição Jurídica


CONDIÇÃO
FORRO “LIVRE” TOTAL

SEPULTURA Nº % Nº % Nº %
Cova de Fábrica 70 37,3% 492 54,9% 562 51,8%
Adro 84 44,8% 157 17,5% 243 22,4%
Irm. Ss. Sacramento 1 0,5% 90 10,1% 91 8,4%
Irm. São Miguel e Almas 7 3,7% 67 7,4% 74 6,8%
Irm. do Rosário 20 10,7% 37 4,2% 57 5,2%
Irm. N. Senhora do Socorro 2 1,0% 10 1,1% 12 1,1%
Mosteiro de S. Bento 2 1,0% 15 1,7% 17 1,6%
Cova dos Vigários - - 1 0,1% 1 0,1%
Sepultura perpétua - - 3 0,3% 3 0,3%
Capela Particular 1 0,5% 2 0,2% 6 0,6%
Fora da Freguesia 1 0,5% 7 0,8% 8 0,7%
Sem Referência - - 14 1,6% 14 1,3%
TOTAL 187 100% 895 100% 1085 100%
FONTE: ACDNI: Assentos paroquiais de óbito da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga (1785-
1809).

Esse mesmo “silêncio” foi identificado por Milra Bravo ao estudar a hierarquia
social da morte na freguesia da Antiga Sé, na cidade do Rio de Janeiro. Sua abordagem
para lidar com essa ausência de informações se baseou na seguinte premissa: em uma
sociedade colonial e escravista, seria mais importante destacar o passado escravista dos
mortos do que a condição dos indivíduos livres. Ou seja, na morte, cativos e forros eram
identificados pela ligação que possuíam com a escravidão – fosse no presente ou no
passado –, mas não seria necessário diferenciar os livres, uma vez que, enquanto tal,
seriam sempre assim reconhecidos. Dessa forma, ela passou a considerar todos os
indivíduos sem menção à condição social no óbito como sendo “livres” (BRAVO, 2014,
p. 29). Aspecto a se destacar é que o silêncio por ela identificado estava presente em
livros de registros de óbito de uma freguesia que não apresentava separação por condição
jurídica, apresentando em um único volume as três condições, uma vez que não havia
livros específicos para escravos, como no caso de Santo Antonio de Jacutinga.
Seguiremos este mesmo método aplicado por Milra Bravo em nossa amostragem e é
somente por isso que na tabela 3 é possível identificar a coluna referente aos livres com
dados, termo que está sendo utilizado entre aspas pelos motivos aqui apresentados.

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Retomando a análise das diferenças sociais e hierarquias presentes na escolha de


sepulturas segundo a condição jurídica, em Jacutinga, constatamos que, dentre os mortos
considerados “livres”, 3 (0,3%) foram sepultados no jazigo perpétuo do sargento-mor
Francisco Sanches de Castilhos e os outros dois (0,2%) nas capelas particulares do
coronel Antônio de Pina (dúvida se no Engenho do Rato ou na Fazenda Caioaba) e de João
Teixeira Malheiros (Capela do Pantanal), respectivamente. Outros 15 (1,7%) cadáveres
foram inumados dentro da capela de Nossa Senhora do Rosário do Mosteiro de São
Bento. Se cruzarmos os dados desses mortos do mosteiro beneditino, levando em
consideração o binômio cor/condição jurídica, teremos que todos os indivíduos tiveram
suas informações relativas à cor suprimidas, o que nos faz concluir que esse espaço
abrigava a última morada de cadáveres de livres brancos.
Nas covas das irmandades, a distribuição de corpos de livres se deu da seguinte
forma: 90 (10,1%) foram sepultados em covas da irmandade do Santíssimo Sacramento,
67 (7,4%) nas da de São Miguel e Almas, 37 (4,2%) nas covas da irmandade do Rosário
dos Pretos e 10 (1,1%) nas da irmandade de Nossa Senhora do Socorro dos Homens
Pardos. A esmagadora maioria de indivíduos livres (492), contudo, foi sepultada em covas
de fábrica, representando mais da metade dos mortos. Por outro lado, se focarmos nossa
atenção a indivíduos alforriados que tenham sido sepultados em Jacutinga, teremos que
187 mortos deste segmento foram inumados na matriz, dos quais em 70 casos foram
sepultados em covas que pertenciam à fábrica da matriz. Os outros corpos foram
distribuídos entre as covas das irmandades, com destaque para a de Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos, que sepultou 20 pessoas no final do século XVIII. As outras
confrarias receberam corpos de forros, mas em números consideravelmente menor. A
irmandade do Santíssimo Sacramento recebeu um corpo, enquanto a confraria de São
Miguel e Almas recebeu sete corpos e Nossa Senhora do Socorro dos homens pardos
somente dois. Além das irmandades, outros espaços foram utilizados para enterramentos
de indivíduos que, quando vivos, compunham a categoria de forros: dois mortos
inumados no Mosteiro de São Bento, seguidos de um enterrado fora da freguesia e uma
negra mina alforriada, chamada de Rosa, que teve seu corpo depositado na capela da
fazenda do capitão Antônio de Pina. Índices que demonstram que tais cadáveres
certamente pertenciam a uma fração dos ex-escravos que se distinguiram dos demais
naquela paróquia
Em contraposição a estes dados marcadores de distinção social, o desprestigiado
espaço do adro recebeu 84 sepultamentos de indivíduos forros. Infelizmente, o assento
de óbitos de Santo Antônio de Jacutinga não possui muitas informações sobre a origem
étnica destes cadáveres, apresentando-a somente para dez fregueses mortos. Por isso, não
é possível estabelecer um perfil étnico dos sepultados nessa freguesia, por exemplo, se
eram africanos ou crioulos. Entretanto, dentre os registros que possuem esse tipo de
dado, cinco se referem a pessoas de origem africana (sendo quatro angolanos e uma
mulher mina). Os outros cinco registros são referentes a pessoas que foram sepultadas
em covas da fábrica. Vale destacar que os cinco africanos sepultados no adro eram
indivíduos forros e que nenhum deles deixou testamento. Aqui, para além de libertos,
eram africanos, o que, na hierarquia social da época, os colocaria abaixo dos crioulos, que
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estariam mais inseridos na sociedade, por terem nascido na América; sem contar a
associação em geral feita entre africanos como pretos. Este aspecto pode ser
compreendido ao analisarmos o caso de Isabel, preta forra de origem mina, igualmente
sepultada no adro. Se não escapou deste espaço funerário, seus parentes e amigos
buscaram agregar outros rituais, como a busca dos últimos sacramentos (penitência,
eucaristia e extrema-unção) quando ainda moribunda e a encomendação da alma pelo
pároco, após o passamento. Embora o registro não tenha mencionada como foi
amortalhada e tenha sido inumada em um lugar desprestigiado, podemos observar que
Isabel cumpriu etapas importantes no processo de preparação para a “boa morte”,
considerada como aquela permeada de rituais fúnebres preconizados pela sermonística
católica pregada cotidianamente pelos clérigos aos fiéis, desde a Baixa Idade Média
(SOBRAL, 2014; SANTOS, 2016), com vistas à obtenção da salvação da alma no além-
túmulo. Uma das garantias para o “bem morrer” era a preparação para o passamento com
a devida antecedência que permitisse agregar a maior parte dos ritos, tais como: a redação
do testamento, a administração dos três sacramentos, o uso de mortalha de santos, a
encomendação da alma por um clérigo, a realização de missas de corpo presente e outras
em sufrágios pela alma do morto e das de outrem, o sepultamento em sagrado, a
distribuição de legados pios, dentre outros elementos escatológicos determinados pelo
fiel quando sentisse a morte iminente (ARIÈS, 1989; VOVELLE, 1978; REIS, 1991;
RODRIGUES, 2005). Por trás destas concepções, quanto mais fortuna se tivesse para
empregar na realização dos funerais – que Michel Vovelle chamou de barroco e que Reis
chamou de “festa” –, mais garantias se acreditava ter na maior intercessão possível pela
alma daquele que partia para o além. Se não fosse possível conjugar todos os elementos,
ao menos alguns eram buscados, mesmo para os indivíduos remediados que, embora
tivessem o adro como destino, procuravam incluir alguns dos elementos rituais aqui
citados, como se percebe no caso dos pretos forros Isabel e Manuel, por exemplo. Este
último, apesar de ser inumado no adro da matriz de Jacutinga, recebeu todos os
sacramentos, foi amortalhado em pano branco e teve sua alma encomendada. Com isso,
queremos dizer que o fato de essas pessoas terem como local de repouso final um espaço
conhecido pelo seu caráter de inferioridade na hierarquia social e soteriológica da época,
não impediu que utilizassem de outras estratégias no sentido de encontrar formas de
católicas “bem morrer”.
Apesar de destinado ao registros dos óbitos de livres e libertos, o livro
consultado menciona os registros de dois escravos: Manoel, que foi sepultado no adro da
matriz em 05 de janeiro de 1803, tendo recebido todos os sacramentos pelas mãos do
vigário Mariano José de Mendonça; e Dionísia, que morreu aos cinquenta anos e foi
sepultada também no adro em 14 de agosto de 1808, envolta em uma mortalha branca,
mas sem receber os sacramentos fúnebres porque morreu repentinamente (ACDNI,
1785-1809). O que faria com que as mortes de dois escravos fossem registradas em um
livro reservado aos livres? Em uma sociedade reconhecidamente escravista era de se
esperar que isso não fosse possível. Num primeiro momento, poderíamos pensar em
eventual descuido dos padres responsáveis por esses assentos. Porém, é possível que
outros motivos tenham contribuído para que isso acontecesse.
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Manoel e Dionísia eram escravos, respectivamente, do capitão João Teixeira


Malheiros e de Luísa Ana de Oliveira, dois membros da elite de Jacutinga. João Teixeira
Malheiros era o dono da capela do Pantanal, na qual apareceu um cadáver sepultado. Por
sua vez, Dona Luísa Ana de Oliveira era viúva de Domingos Jacinto Rosa, proprietário
do engenho de açúcar de Madureira. Segundo Ana Paula Rodrigues (2013, p. 102),
quando da morte de seu marido, sua viúva herdou as terras de seu esposo e passou a
administrar os bens da família, tornando-se assim uma senhora de engenho, reconhecida
socialmente como gestora de um grande patrimônio por meio do estabelecimento de
relações sociais sólidas e cujo engenho foi um dos mais abastados de Jacutinga e dos que
mais batizou escravos entre 1796 e 1807 (RODRIGUES, 2013, p. 103). É possível que a
posição social dos seus senhores tenha contribuído para que seus sepultamentos fossem
registrados fora do lugar esperado. Ao estudar as freguesias do interior da capitania do
Rio de Janeiro nos setecentos, João Fragoso identificou ser comum que em sociedades
rurais com as características de Antigo Regime nos trópicos a elite da terra apadrinhasse
os escravos com o batismo, contribuindo para o surgimento de uma elite da senzala
legitimada pelas relações senhoriais que hierarquizava a escravaria. Esse grupo de dentro
das senzalas era capaz de estabelecer relações ativas com os senhores e, por isso, possuía
maiores recursos diante dos demais cativos. Criava-se, assim, uma hierarquia social
costumeira que tinha como eixo principal o paternalismo da elite da terra em relação ao
grupo subalterno dos demais escravos (FRAGOSO, 2014, p. 247-9). Fenômeno
acentuado em territórios como os de Jacutinga, fortemente influenciados pelo
catolicismo, de forma que os cativos apadrinhados pelos senhores passavam a tê-los
como “protetores”. Os escravos Manoel e Dionísia poderiam muito bem ter relações
desse tipo com seus senhores, justificando talvez o “equívoco” da presença do
assentamento dos seus óbitos no livro de livres e libertos.
Apesar das especificidades analisadas acima, o aspecto que mais se ressalta dos
dados pesquisados é que, dentre os espaços destinados ao sepultamento dos mortos em
Jacutinga, a igreja matriz foi aquele que mais recebeu cadáveres. Muitos escolheram o
enterro dentro do templo na proximidade com os santos como espaço para o repouso
final de seus restos mortais, fossem nas covas da fábrica ou nas das confrarias, na dos
vigários ou naquela que cogitamos ter sido perpétua da família Castilho. Embora as
sepulturas da fábrica tenham sido muito mais usadas do que as das irmandades, entre os
anos de 1785 e 1809, não podemos desprezar a atuação das instituições leigas frente à
morte no cotidiano paroquial de Jacutinga. Afinal, em um espaço de tempo que
compreende um pouco mais de vinte e cinco anos, 234 pessoas morreram e tiveram seus
restos mortais depositados em covas das quatro confrarias (ACDNI, 1785-1809).
Retomando os dados da tabela 3, verificamos que a irmandade do Santíssimo
Sacramento, em Santo Antônio de Jacutinga, sepultou 91 pessoas. Todas livres e brancas,
com exceção de um único forro: Boaventura, como era conhecido, que morreu aos
cinquenta anos, em 1808, e era casado com a escrava Maria. Possivelmente, um escravo
próximo ao seu senhor que fosse membro daquela irmandade de elite em Jacutinga ou
mesmo um escravo da própria irmandade. Além dele, nenhum índio ou pardo foi ali
sepultado, sendo o perfil da maioria ali inumada corresponde ao dos brancos livres da
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elite local. Nestas covas do Santíssimo Sacramento haviam sido sepultados membros das
“melhores” famílias da região, como Gabriel Correia Vasques, em 16/07/1801,
amortalhado no caro hábito de São Francisco, que precisava ser adquirido no centro da
cidade onde estava localizado o convento de Santo Antônio, no qual tais mortalhas eram
produzidas e vendidas por cerca de 6$000 réis; ou seja, mais caro do que a sepultura que
custava mais na matriz de Jacutinga. Dos 74 corpos depositados em covas da confraria de
São Miguel e Almas, 7 eram pardos, 1 negro e 66 brancos. Na confraria de Nossa
Senhora do Socorro dos Homens Pardos, os registros revelam a presença de 3 cadáveres
de pardos e 9 sem identificação. Por último, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário
sepultou 57 confrades: 2 cabras, 5 pretos, 10 pardos, sendo que 40 mortos aparecem sem
identificação quanto a cor. Seguindo a mesma lógica de antes, mas a invertendo-a pelo
lado dos pretos, acreditamos que muito possivelmente se trataram de cadáveres de “não
brancos”, uma vez que estaria subentendido que se tratava de irmandade de pretos
(ACDNI,1785-1809).
As irmandades do Santíssimo Sacramento e de São Miguel e Almas, que em
Jacutinga sepultaram majoritariamente livres e brancos, eram confrarias que
tradicionalmente abrigavam membros da elite. Anderson de Oliveira (2011) chama a
atenção para a forte ligação entre os membros do santíssimo e o sustento do culto nas
paróquias. Segundo ele, as exigências das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia em
relação à guarda da hóstia sagrada demandavam gastos consideráveis e, muitas vezes,
eram os irmãos do santíssimo que arcavam com esses custos. Isso permitiu que os
“homens bons” das localidades que assumiam essas funções, por meio destas
irmandades, passassem a reivindicar a prioridade nas festas e procissões. O que pode ter
se refletido no acesso às suas covas. Nesse sentido, compreende-se que uma irmandade
da elite tenha enterrado dentro da matriz de Jacutinga quase três vezes mais que a
irmandade de Pretos do Rosário. Mesmo que não devamos olvidar que, ainda assim, estes
eram “pretos” que se diferenciavam dos demais – sepultados no adro – por poderem
contar com o auxílio confraternal diante da morte, certamente a maioria dos identificados
nos assentamentos como pretos da paróquia foi sepultada no adro.
O mesmo pode ser observado em relação à Irmandade de São Miguel e Almas.
Segundo Adalgisa Campos (2013), o culto às Almas do Purgatório era muito difundido
no imaginário cristão. A institucionalização dessa devoção acabou por criar as irmandades
de São Miguel e Almas, cujo santo principal era considerado o protetor das almas dos
“justos” (DILLMANN, 2015). Sobre a composição social dessas confrarias, embora
fossem populares na questão da devoção e das obras de caridade, seus membros eram
brancos da elite, tal como nas irmandades de Misericórdia (CAMPOS, 2013 e
DILLMANN, 2016). É interessante perceber que uma irmandade seletiva em relação às
regras de ingresso, mas popular na questão devocional, tenha sido a segunda no número
de sepultamentos de Jacutinga, ao mesmo tempo em que permitiu que algumas pessoas
de “cor” tenham encontrado um local de repouso final para seus cadáveres.

À guisa de Conclusão...

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A análise dos registros de óbito da freguesia de Jacutinga revelou que, frente à


morte, o peso das hierarquias típicas de uma sociedade do Antigo Regime nos trópicos se
fez fortemente presente. Em uma sociedade dos vivos desigual em sua natureza,
pudemos constatar a extensão das hierarquias por ocasião da morte, expressas na
diferenciação das sepulturas não só por critérios socioeconômicos mas também ligados à
cor e à condição jurídica do morto. Em diferentes situações, havia possibilidades variadas
para se dar destino aos cadáveres dos antigos fregueses de Santo Antonio de Jacutinga,
nos fundos da Baía da Guanabara.
Ao mesmo tempo que concentrava a maioria dos mortos da paróquia, o templo
da matriz apresentava uma diversificada posição das covas nas quais os seus fregueses
seriam inumados: desde uma ainda intrigante sepultura perpétua de uma das famílias
tradicionais da região, passando pela cova dos vigários, pelas covas da fábrica e pelas
sepulturas gerenciadas por cada uma das quatro irmandades que se abrigavam no templo
paroquial, fosse no altar mor, fosse nos laterais. Tal variedade encontrada no interior
contrastava com o espaço externo do adro ou cemitério, cujas covas eram destinadas aos
menos privilegiados. Mas mesmo neste local, havia uma hierarquização das posições das
sepulturas, de modo que para alguns era possível estar mais próximo da porta de entrada
no interior do templo, ainda que pelo lado de fora. Com a exceção de alguns brancos
pobres ou remediados, a maior parte dos que ali estavam sem o abrigo físico do templo,
ainda que em espaço sagrado possuía um passado remoto ou uma vinculação vigente com
a escravidão. O que os unia era o fato de não terem conseguido adentrar na igreja matriz
de sua freguesia após sua morte, por não terem podido pagar por uma das sepulturas do
seu interior. Fosse pelos valores a serem pagos, fosse por não serem membros de alguma
das irmandades ou por não serem os destinatários da cova dos vigários ou da sepultura
perpétua da família Castilhos.
Não por acaso, a maioria dos que podiam pagar por covas do interior, buscavam
a inumação no templo da igreja matriz. Mesmo entre os que pertenciam à elite senhorial e
que obtinham autorização para construção de capelas ou oratórios privados nos seus
engenhos, não constatamos significativo índice de uso das covas de seus cemitérios
particulares. Ao contrário, foram nas covas da fábrica ou nas de suas irmandades que seus
cadáveres tiveram inumação. Outrossim, constatamos inclusive que os espaços do
interior da matriz de Jacutinga obedeceram às hierarquias vigentes na sociedade colonial.
Nas confrarias do Santíssimo Sacramento e São Miguel e Almas, a maioria dos corpos
pertenciam a pessoas que quando vivas faziam parte de grupos sociais dos brancos e
livres. Nenhum pardo, índio ou cabra foi inumado em covas da irmandade do Santíssimo,
por exemplo. Nas covas da irmandade de São Miguel e Almas identificamos apenas um
preto forro, Miguel Vieira, inumado em 1787 (ACDNI, 1785-1809). Porém, morreu sem
receber sacramentos por falecer repentinamente e não foi amortalhado. De uma forma
ou de outra, é interessante perceber que o único enterro de um descendente de africanos
tenha acontecido com tamanha simplicidade. Por sua vez, as covas das irmandades de
Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Socorro eram destinos mais possíveis
para e pretos pardos livres – e também alguns escravos – de Jacutinga.

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Santo Antônio de Jacutinga entre o século XVIII e o início do XIX, 43-77 /

Outro aspecto a se destacar é que nem todos os membros da elite foram


sepultados na paróquia onde se localizavam seus engenhos. Os “homens bons” que
possuíam cargos e mercês da res publica, atuando como oficiais da câmara do Rio de
Janeiro, com patentes militares e/ou, ainda, com significativos negócios na capitania não
necessariamente foram sepultados na matriz que reunia praticamente todos os
paroquianos, sendo inumados na área mais urbanizada constituída pelas freguesias
centrais da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto possuidores de fortuna, status e cargos no
centro político e administrativo do Rio de Janeiro, era nesse espaço que também
buscavam se irmanar, recorrendo às outras associações religiosas que concentravam a
elite; sendo nos seus templos ou, eventualmente, no de uma das três igrejas paroquiais
desta área central (Sé, Candelária e São José) que buscavam sepultura, por vezes com
suntuosos funerais que reverberavam tanto na cidade (onde também possuíam moradias)
como na freguesia rural na qual possuíam seus engenhos e estava parte do seu núcleo
familiar.
Como exemplo, podemos citar o caso de Bento Luiz de Oliveira Braga, dono do
Engenho da Posse. Embora fosse um proprietário de terras e possuidor de capela privada
em uma de suas propriedades, foi enterrado na Igreja da Candelária, na cidade, perto de
onde possuía uma casa de sobrado na Rua do Rosário, n.º 35, com considerável pompa:
com a realização de 219 missas de corpo presente, gastos com tochas, cera, ofícios nas
freguesias de Nossa Senhora da Candelária e na freguesia de Jacutinga, encomendação da
alma e outros gastos que chegaram ao valor de 1:186$520 contos de réis (AN-RJ,
Inventários, 1814). O que se justificava pela posição política que lhe permitiu exercer
importantes cargos na cidade (RODRIGUES, 2017, p. 152).
O mesmo se passou com o coronel Antônio de Pina, proprietário do Engenho do
Rato e filho de importante dono de terra em Irajá que possuía monopólio, cargos e
mercês na cidade do Rio. Em seu testamento de 06 de dezembro de 1815, Antonio
determinou que desejava ser sepultado em um capela de Ordem Terceira na cidade do
Rio de Janeiro, pois não havia Ordem Terceira em Jacutinga (AN-RJ, Inventários, 1817).
A mesma situação reaparece no testamento do português Manoel Ferreira de Souza,
redigido em 02 de dezembro de 1779, no qual deixou registradas duas opções de
sepultura: caso viesse a morrer em Jacutinga, seu corpo seria inumado em cova da
Irmandade de São Miguel e Almas, mas, se viesse a morrer na cidade do Rio de Janeiro,
seu corpo deveria ser colocado na freguesia de onde estivesse (ACMRJ-AP0156, 1778, p.
110). Ou seja, não seria necessário que seu corpo fosse transladado de volta a Jacutinga.
Faleceu na cidade no dia 27 daquele mesmo mês e ano, foi sepultado na matriz da Sé,
recebeu todos os sacramentos e encomendado pelo pároco da Sé mais onze sacerdotes.
Teve um pomposo funeral fora de sua freguesia no Recôncavo. Mesmo que seu cadáver
não tenha retornado às terras do fundo da Guanabara, Souza havia deixado legados pios
que seriam distribuídos na sua freguesia de Jacutinga: 5$000 para seu reverendo vigário;
6$400 para sua irmandade de São Miguel e Almas, devendo seu testamenteiro quitar a
dívida em anuais que devia à irmandade para que ela lhe mandasse realizar os “Sufrágios
Como [era] uso e Costume” (ACMRJ-AP0156, 1778, p. 110).

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Esses três casos demonstram que nem todos os potentados de Jacutinga foram
sepultados na sua igreja matriz. Vários podem ter sido os motivos para tal: terem
eventualmente morrido enquanto estavam fora da paróquia de origem, por estarem
doentes e se curando em casa de outrem ou nas suas casas de morada na cidade, por
estarem de passagem pela cidade a negócios ou, ainda, por terem buscado maior
intercessão divina e/ou maior distinção social frente ao morrer nas sepulturas dos
templos de importantes igrejas da cidade (fosse no da freguesia da Candelária, no de uma
ordem Terceira inexistente em Jacutinga ou outro motivo que por ora desconhecemos).
Certamente, estes são exemplos que demonstram a que ponto podiam chegar as
distinções e hierarquizações nas escolhas das sepulturas que abrigariam os cadáveres
daqueles que tinham parte de suas propriedades em Jacutinga.
Diferentemente de casos como estes, contudo, outro grupo da elite de Santo
Antonio de Jacutinga se manteve no espaço paroquial do recôncavo após a morte, mas
seguindo critérios particulares de escolha da sepultura que abrigaria seu cadáver no sono
que dormiria até o momento da Ressurreição para o Juízo Final. Como exemplo,
podemos citar os integrantes da família Correia Vasques, que possuíam um cemitério em
torno da sua capela no Engenho de Cachoeira, mas que não destinaram os cadáveres dos
seus mortos para lá. Gabriel Correia Vasques foi sepultado numa cova da Irmandade do
Santíssimo Sacramento em 16/07/1801. José Vasques de Brito, pardo forro, agregado na
fazenda da Cachoeira, foi sepultado numa cova da fábrica em 28/09/1790. Se a família
Correa Vasques era reconhecidamente poderosa proprietária de terras que possuía capelas
particulares, nos perguntamos por que então seus membros seriam sepultados na igreja
matriz? Podemos considerar que as sepulturas da matriz seriam espaços de maior
prestígio social e poder simbólico escolhidos pelas famílias dos homens bons que
buscavam “bem morrer” elegendo uma sepultura na própria freguesia, onde preferiram se
manter após a morte, aguardando pela salvação no fim dos tempos. Desta forma,
adaptavam para o post-mortem algumas das estratégias para se manter nas proximidades
daquelas propriedades que buscaram não fragmentar com o passar das gerações,
alcançando algumas delas um período de mais de um século. Talvez, para essa fração da
elite colonial, manter-se no Recôncavo da Guanabara com a distinção que lhes coubesse
na escolha dos funerais e da sepultura tenha sido mais importante como forma de
devoção e de expressão do seu poder entre os vizinhos paroquianos.
A prosperidade do recôncavo, em especial de Jacutinga, contribuiu para que
vários dos seus fregueses continuassem nas freguesias dos fundos da Guanabara, mas não
somente porque a produção de itens de abastecimento fosse um negócio lucrativo ou
porque aquele entroncamento no caminho para as minas gerais fosse um caminho novo
aberto de possibilidades. As análises aqui feitas nos levam a cogitar que, para além da
prosperidade material, fosse importante manter os laços já construídos com parentes e
amigos, não só vivos como já mortos. Ali permaneciam, mantendo-se próximo de seus
santos de devoção e, em especial, de seus antepassados e, quando mortos, desejavam ser
próximo a estes inumados. Talvez, isso explique a grande quantidade de sepulturas na
matriz, em comparação com os outros espaços igualmente sagrados nos quais poderiam
ser sepultados, como as capelas particulares e a dos beneditinos.
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Todos esses aspectos demonstram a complexa, desigual e hierarquizada


distribuição das sepulturas numa freguesia rural dos fundos da Guanabara que, embora
demonstrasse a preocupação dos seus moradores com o além-túmulo, esta não esteve
descolada das hierarquias e distinções presentes na vida terrena, que lhes possibilitava
diferentes e desiguais formas de se buscar a desejada salvação da alma no post-mortem a
partir das condições por eles estabelecidas em Santo Antônio de Jacutinga no período
escravista .

Fontes Manuscritas
ARQUIVO DA CÚRIA DIOCESANA DE NOVA IGUAÇU (ACDNI).
Assentos paroquiais de óbito da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga (1785-1809).

ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO (ACMRJ):


a) Assentos Paroquiais (AP) de óbitos e testamentos da Antiga Sé
- AP0155 (1746-1758): Testamento de José de Oliveira Pinto, 1751, p. 198v.
- AP0156 (1776-1784): Testamento de Luiz Pereira Pacheco, 1778, p. 110v; Testamento
de Ignácio Gomes Torres, 1778, p. 122v e Testamento de Manoel Ferreira de Souza,
1779, p. 171.
b) Breve apostólico de solicitação de oratórios privados e altares privilegiados:
- N.º 25: Oratório privado, 1733. Fazenda da Posse, Freguesia de Jacutinga. João de Veras
Ferreira e Anna Maria Nascente (dona). Solicitação para celebrar missas no oratório
de sua casa.
- N.º 86: Oratório Privado, 1746. Jacutinga. Cristóvão Mendes Leitão e Paschoa Maciel
da Costa (dona). Solicitação de construção de oratório para celebrar missa em sua
residência.
- N.º 146: Oratório privado, 1756. Jacutinga. Cristóvão Mendes Leitão e Paschoa Maciel
da Costa (dona). Solicitação de construção de oratório para celebrar missa todos os
dias em sua residência.
- N.º 158: Capela, 1757. Sarapui, Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. Francisco
Antunes Lima. Solicitação para celebrar missa na capela de sua fazenda de invocação
Nossas Senhora da Conceição.
- N.º 306: Altar privilegiado, 1796. Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguassu.
Antônio José Maria. Solicitação para altar privilegiado de Nossa Senhora do Rosário.

ARQUIVO NACIONAL-Rio de Janeiro (AN-RJ):


- Inventários. Fundo: Juízo de Órfãos e Ausentes – Inventário de Bento Luiz de Oliveira
Braga, nº 102, caixa 3873; gal. A; ano inicial 1814.
- Inventários. Fundo: Vara Cível do RJ - Inventariado Antônio de Pina, nº 1990, maço:
2285, 1817.

Fontes Impressas

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