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RIO DE JANEIRO

Escritório do Crime: Rio das Pedras é o local


que une a milícia e o grupo de pistoleiros de
aluguel
Investigações do Ministério Público do RJ mostram que quadrilha se reunia em locais dentro
da favela antes de cometer os assassinatos.

Por Leslie Leitão e Marco Antônio Martins, G1 Rio


06/07/2020 05h01 · Atualizado há 2 anos

A comunidade de Rio das Pedras — Foto: AFP

“Não é um escritório com porta, sala, janela e secretária. Mas quem queria matar
sabia onde achar alguém pra fazer”. A definição de um investigador que atuou no
desmantelamento do Escritório do Crime ajuda a entender a conexão entre os
pistoleiros e milicianos de Rio das Pedras, o berço da milícia no país.
Na terça-feira (30), uma operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Delegacia de
Homicídios, da Polícia Civil prendeu dois integrantes do chamado Escritório do
Crime. Dois deles ainda permanecem foragidos.

Iirmãos Leandro e Leonardo Gouvêa da Silva -- o Tonhão e o Mad, foram presos em operação na terça (30) — Foto:
Arquivo
Muitas vezes esses papéis se misturaram, formando um grande núcleo criminoso. A
região habitada em sua maioria por retirantes nordestinos, ainda nos anos de 1960,
se protegeu como pode dos avanços das facções de narcotraficantes que se
começaram a dominar territórios duas décadas mais tarde.

Rio das Pedras resistiu a guerras sangrentas. E viu surgir a falsa proteção de grupos
paramilitares que prometiam a tranquilidade que moradores não teriam em favelas
onde drogas eram vendidas.

O Escritório do Crime apresentado a partir de investigações do Grupo de Atuação


Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de
Janeiro, não é exatamente uma novidade em Rio das Pedras. Uma penca de
pistoleiros de aluguel da cidade surgiu ali. Mas jamais de maneira tão organizada e
metódica.

A relação entre esses assassinos e milicianos pode ser retratada na conexão entre
os chefes dos dois grupos: Adriano Magalhães Nóbrega, o ex-capitão do Batalhão
de Operações Especiais (Bope), um dos criadores do Escritório, e Maurício Silva da
Costa, o Maurição ou Careca, um dos chefes da milícia de Rio das Pedras.
Maurício Silva da Costa, o Maurição, chefe da milícia de Rio das Pedras — Foto: Divulgação

Ambos policiais militares, segundo investigações, eles mantinham contatos diários,


quase sempre presencialmente. Em janeiro de 2019, o Ministério Público, com a
ajuda de agentes da Polícia Federal, desencadearam a ação que foi o primeiro
grande golpe no desmantelamento de todo o esquema criminoso que se
perpetuou nas últimas décadas.

A impunidade dos grupos era tão grande que a operação foi batizada de
‘Intocáveis’.

O Ministério Público denunciou 13 criminosos, entre eles, Maurição e Adriano -


além de um major da PM, Ronald Paulo Alves - como os homens que comandavam
a milícia em Rio das Pedras e nas favelas vizinhas da Muzema e da Tijuquinha.

O MP descreveu o grupo:

“...são os principais líderes da organização criminosa,


coordenando e mantendo controle de todas as empreitadas
criminosas, dentre as quais, ramo imobiliário com a venda e
locação ilegal de imóveis, grilagem de terras, extorsão de
moradores e comerciantes da região com cobranças ilegais
de taxas referentes a ‘serviços’ prestados, ocultação de bens
adquiridos com proventos das atividades ilícitas, falsificação
de documentos públicos, agiotagem, utilização de ligações
clandestinas de água e energia e todas as demais atividades
para a tomada e mantença da dominação de territórios,
sendo certo que nenhuma ação é realizada sem o comando
ou autorização do mesmos”.

Adriano havia estabelecido sua conexão com os milicianos, principalmente, na


exploração de moradia. As construções irregulares foram bancadas com parte
desse dinheiro criminoso. E o líder do Escritório passou a ter dezenas de imóveis
para aluguel na região.

Quando a primeira fase da operação Intocáveis foi desencadeada, o capitão Adriano


foi o único a escapar. Maurição e Ronald foram mandados para presídios federais.
Meses mais tarde o MP prendeu e denunciou outros 20 envolvidos. E Adriano se
manteve foragido.
Miliciano e ex-capitão do Bope Adriano foi morto em operação da polícia na Bahia — Foto: Reprodução

O ex-oficial da tropa de elite da PM só seria encontrado em fevereiro deste ano, no


interior da Bahia, quando acabou morrendo em confronto com a polícia local.

Os pontos de encontro
Na denúncia do Gaeco contra os matadores de aluguel são descritas as relações do
Escritório do Crime:

“A organização criminosa conhecida como “Escritório do


Crime” mantém conexões com organizações criminosas
independentes, identificando-se no curso desta
investigação, a estreita ligação com a milícia atuante na
localidade de Rio das Pedras”.

Além dessa conexão com Adriano, as investigações mostram que, se não tinha um
escritório físico, os assassinos profissionais tinham dentro de Rio das Pedras alguns
de seus pontos de encontro preferidos.

Um deles é a Pizzaria Sabor da Floresta. O relatório de investigadores da Secretaria


de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, que auxiliou o Gaeco nas
investigações, aponta que a antena telefônica instalada na Estrada de Jacarepaguá,
3145, bloco 2, Jacarepaguá, como a de principal captação dos aparelhos usados
pelos suspeitos.
Padaria Sabor da Floresta, em Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução

“A área abarcada pelo estabelecimento comercial Pizzaria Sabor da Floresta, local de


frequente reunião do grupo criminoso, situado no interior da comunidade de Rio
das Pedras", informa o documento produzido pelos investigadores.

Em seguida, a promotoria relata toda essa conexão entre os grupos:

“Apurou-se que a organização criminosa promove encontros


em locais situados no interior da comunidade Rio das
Pedras para tratar de suas atividades criminosas e de lá os
envolvidos seguem para praticar crimes. Sabidamente, o
acesso de um conhecido grupo de matadores à comunidade
que sofre pela dominação territorial da milícia há mais de
10 anos, somente seria viável com plena aquiescência da
liderança local.

Para os investigadores que confeccionaram os relatórios, dois foram os pontos


eleitos pelo grupo para os encontros.

O primeiro, uma padaria identificada pelo nome fantasia Padaria Sabor da Floresta,
localizada na Estrada de Jacarepaguá. O segundo, um condomínio residencial,
conhecido como Condomínio Floresta, no Itanhangá.
Para os investigadores, foi dessa padaria que os assassinos de Marcelo Diotti
saíram na noite de 14 de março de 2018. Neste local, foram cumpridos mandados
de busca e apreensão.

Mas não foi possível apreender as imagens que comprovassem as reuniões do


grupo no local.

Um policial da Delegacia de Homicídios chegou a pegar imagens gravadas do


condomínio em 14 de março. O objetivo era saber se havia conexão do Escritório do
Crime com a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson
Gomes, ocorridas no mesmo dia. A gravação, no entanto, foi corrompida por
problemas técnicos e algumas horas de filmagem se perderam.

Com quase 40 presos entre milicianos e pistoleiros ao longo dos últimos 18 meses
de investigações, essa conexão Escritório do Crime x Rio das Pedras parece ter
sofrido seu mais duro golpe até hoje.

ESCRITÓRIO DO CRIME

Operação prende 2 integrantes do grupo de matadores

Bando cobrava até R$ 1,5 milhão por assassinato

Imagens mostram assassinatos praticados pelo 'Escritório'

Como o grupo colecionou execuções por uma década

'Herdeiros' de Adriano mantiveram as mortes violentas

Grupo pesquisou compra de ponto 50 para execução

Ex-PM Mugão morre após confronto com agentes, diz polícia


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