Você está na página 1de 67

E D M U ND O H.

U S S E R L

FILOSOFIA COMO
CIÊNCIA DE RIGOR

TRADUÇÃO DE

A L BIN BE A U

PREFÁCIO 0E

JOA 9 UIM DE C4R VA LHO

#
'FOM]30..:36296

U
b\bL':'' \

COAM B.RA - MC ML ll
l
)

193.93
DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL
H972fi Filosofia como ciencia de rigor As Ideologiaspodementrar em disputas,
e.l só a Ciência é que pode trazer deci-
sões, e essas são etenms.

Hl iíli/iillllllHlll#Mll/lili/l
llill HUSSERL

O objectivo nuclear da inquirição de Edmundo


Husserl, aplicada«em decéniosde meditação dirigida
exclusivamentepara esta meta», consistiu, como ele
próprio declarou, em.«converter em .realidade o
começoradical de uma filosofia» que«possa apre-
sentar-se como ciência», para repetir as palavras kan-
tianas» (:).

(') Vid. E. Husser], ]VacÂworf zu meinen«Ideen zu e;ner .íeinen


Phânomeno/oÉ;e und. p/zânomeno/ogíscbenPbí/ósophie, $ 7, publicado
como prefácio da tradução inglesa das Ideen... (Nova York, 1931).
1-1usserl
publicou sòmente a ].' parte das ]deen, a qual saiu no vol. l
do /abrbucã fur Pb;iosop/zfe und pbànozrzeno/og;sc/ze Forscbung, Halle,
1913,mas deixou em ms. as partes ll e 111,cuja publicação.seanuncia.
1,
l
Além da referida trad. em inglês, de W. R. IBoyceGibson,existema
tradução em caste]hano, ]'dias re7af;v'as a una feHoa2eno/oõófa para y

una f;losof;a fenómeno/ÓÉ;ca,


por José Gaos(México, 1949),com a
tradução do Epí/ogo indicado no começo desta nota; e a francesa, /dées
Como. e impresso na Tip. {Atlântidu dfrecfrices Doar une p/zénozzaéno/og;eles une p/z;/osopbie phénomeno-
R. Fernandes Tonaás, 44-4ó -- Coimbrã Zog;que pures], de. Paul Ricoeur>- Pauis, 1950.

L.
9

O objectivo e o propósito significavam, dentre; serl se impunha, por forma que se removessedefini-
a consti-
outras muitas coisas,a constituição de uma filosofia
diversa das filosofias construídas«sobo ponto de Ei=T'==:==:J;=u==='
e absolutamente válido, sobre o qual viriam a estabe-
vista de>üou derivadas dedutivamente de dado ponto
de partida, por forma que a filosofia assimconstituída lecer.sé«futuros sistemasdoutrinais de rigor cientí-
11 viesse a ser a «mais rigorosa de todas as ciências,a fico». Olhos postos no desenvolvimento das ciências
representante imperecível da Humanidade para- o exactas, cujos conhecimentos acerca dos objectosadi- de
conhecimentopuro e absoluto»(.17;c,P. 2) ('). que se ocupam aumentam e se aprofundam por do tra-
Na linha dos poucos filósofos verdadeiramente ins- ções sucessivas,constituídas pelos resultados
tauradores de novas basese de novos rumos, Husserl balho de sábiosdiversos,llusserl pretendeuque o
desenvolvimento futuro- da Filosofia fosse também
sentiu, como nenhuma outra mente sua contemporâ-
'nea, que esta era a tarefa urgente e necessária. Como
o de uma«ciênciarigorosa»,e em vez de tentar
mais um «sistema»,cujo destino seria «o silêncio do
ele próprio diz (/7;c, pág. 13), a situação da Filosofia
museu da jlistória», procurou estabelecer«funda-
no princípio do nosso século faz lembrar a situação
\

da«turva filosofia renascentistada Natureza perante mentos seguros» a que viessem juntar-se futuros
acrescentamentos seguros,«pedra por pedra» ('/7;c,
a vigorosaMecânicaexacta.de um Galileu». Então,
não faltaram os construtores de sistemasda Natureza,
P q)' tento implicava«uma viragem da Filosofia».
como hoje não faltam na Filosofia os construtores de
teorias e de concepções mais ou menos sistemáticas.
,/ O impulsoque deu vida a tais sistemasda Natu-
reza, . hoje só lembrados pelos historiadores, estan-
e fecundo. Husserl assim o compreendeu, sendo sobre
cou-se quando Galileu fundou as basesda Física,
e """:'="'cto que, quase exclusivamente, consagrou a
tornando possívela continuidade da investigaçãocien-.
tífica e os progressosda ciência moderna. Era obra sua genial capacidadereflexiva e se relaciona quase
idêntica no domínio da Filosofia que a juízo de Hus- tudo o que deu a público.
As páginas que constituem o presente volume
assinalam um aspecto e um momento desta ingente
(') De futuro . todas as transcrições entre aspassem indicação de meditação. Saíram.a público em.1911 no tomo l
lugar são referidas a passosdo presente volume.
/x
g
(págs. 289-341) da revista .Logos (Tubinga) sob ol tiveram a divulgação destes dois monumentos, que
L título de P /osopb;e aís sfrenge wfssenscãaff(;).l para sempre .assinalaria os dois primeiros decénios
Não foram reeditadasno original nem traduzi. do nossoséculo,mas a concepçãoque expõemdifun-
das em qualquer língua ('), e quando Husserl as diu-se pela expressividadedo título e pela irradiação
r
l
de objecções críticas(-') A presente tradução é, pois,
a primeira que destas páginas se faz em. qualquer
língua, e o facto merece atenção, principalmente por
significar a introdução.de um escrito que foi pensado
Destinadasa uma revista que pretendia«docu. em função da mais instante e árdua dificuldade que a
mental uma viragem da Filosofia e preparar o terreno filosofia tem de enfrentar e cujas páginassão lição
para o futuro s;sfema dela», e escritas dez anos depois viva de escrupulosidade,de profundidade e de origi-
l
dà publicação das /nvesf;galões /óg;cas(') e dois nalidadede pensamento:/ITanto ou mais do que as
anos antes da publicação das /de;as para uma fenó- próprias ideias em si mesmas consideradas, importam

l
meno/og;a pura e uma f;/osof;a fenómeno/óéjca, as o modo e o teor do pensar, e de um e de outro, llusserl,
páginas de .4 F';/osof;a coze'zoc;énc;a de rJÜor não a par de Platão, de Aristóteles, de S. Tomas de Aquino,
de Descartes,de Kant, é mestre na arte difícil de deli-
;

mitar e de cingir o assunto em vista,- de enfrentar a


aridez e a dureza, que são as companheiras insepará-
veis dos grandesdescobrimentosda Razão, e de o
.1

esclarecer com exigências de .rigor e de radicalidade.


Figura suprema da filosofia do nossoséculo,do

#$%B$W
%uã'zn (') Entre os expositores sobressaem o art. de Paul-L. Landsberg,
!íusserl et I'idée de la philosophie (Revue Internationale de Philosophie,
n.' 2, (1939), pães. 317-325) e algumas páginas dos Pb;/osopb;ca/ .Essays
fn afemory of Edmund Husser/ edited by Marvin Farber(Cambridge,
Mas., 1940) ; e entre os críticos, Léon Chestov, in Jlfemenfo mora incluído
ho vol. .Le poupo;rdes c/ef$ Paras,1928. Vid. G. IBerger,ob. c;f.,
págs. 149-150.
l

x' x/

magistério de Husserl escreveuum teólogo famoso manha, na França, na ltália e nà América do Norte,
+,
que«a atmosfera de inaudita solidez que o seu ensino
sendolegítimo conjecturar que ela alcanceno futuro
filosófico respirava, apoiado inteiramente sobre esfor- mais vasta dimensão e perspectiva, quando se torna-
ços que se mentiaserem evidentementepessoaise l refn còmodamente legíveis as «pelo menos, 30 mil
dolorosamente obstinados, arrancou-nos como que l páginas em 8.' de autógrafos, na quase totalidade
de um salto aos icebéí'gue!.movediços das «opiniões l escritas em estenografia ('Cabe/sberger Sfenograph;e),
pessoais»,para nos transportar para a que o Mlestre l com um número considerável de sinais próprios cria-
gostavade chamar a terra firme da filosofia. O que l dos por llusserl. Sabe-se que, - segundo especialistas
nos impressionavaacima de tudo era a substanciali- nesta matéria, os iBéditç2sde Husserl são muito mais
dade dos seus cursos», escreveu ainda o mesmo devo- importantes que a sua obra publicada, e que é semente
tado discípulo ('), e estas qualidades passaram do nestespapéis que se encontra uma exposição completa
magistério oral para a lição silenciosa dos livros que das suas ideias filosóficas» ('). Então, mais extensa
llusserl deu a público, tornados também modelos e profundamentedo que hoje, se poderá avaliar a
vivos e impressiculantes de esforço pessoal, de clarivi-
dência no profundo e de substancialidade.
Se as lições do insigne Mlestre e Pensador impres- (') Vid. Herman Leo Van Breda, Les arca;l'es Husser/ à Louvada.
sionavam os discípulos, revelando-lhes a «terra firme l,eur éfaf actuei,in Tbeoí;a. A SwedishJoumalof Philosophy
and
Psychology,v. Xlll (Lund, 1947), pág. ü5, n.
da Filosofia», os livros que escreveunão deixam o A simplesmirada do espólioliterário e da livraria de liusserl, per-
leitor indiferente,obrigando-aa um esforçoe man- tencenteshoje ao Instituto de Filosofia de Lovaina, logo infunde ve=cn
ração por uma mente e por um trabalhador cuja contenção. incansàvel-
tendo-o numa tensão que sòmente esmorececom a mente poríiada emparceira com a de Kant e sugere o que teria sido a de
concordância, com a divergência ou com o corte em Aristóteles.
Sob o título de .27ussei".Z.fama.Auf Grund des Nachlasses verõf-
sentido antagónico. Por disso,se compreendee jus- fentlicht vom Husserl-Archivunter Leitung von IEll.L. Van Breda,foram
tifica a influência renovadora que a sua concepção publicadosjá os seguintesvolt., ed. na baia, em 1950: 1.--Cartas;a-
/

fenomenológica exerceu e continua exercendo na Ale- n;sebe Ãled;faffonen und Parfser 7orfrâge, pub. por S. Strasser; ll -- Z);e
/dee der PãânozEieno/og;e. Fi;nf yorlesunéen, pub. per W. Bieme!;
li lll -- /deen zu e;ner re;nen Pbãnomeno/ogfe und pbãnomeno7ogfscbea
Pbf/osobbie.Erstes Buch. .4/]gemefneE;nfüáíung ;n dfo reine PÃáno-
(') Vid. Jean Héring, Z.a p/zenoméno/og;e
d'Ecimund Husser/ f/ y- meno!og;e.(neue, auf Grund der handschriftlichen Zusâtze des Verfas-
a atente ans. Souvenirs et téílexiotas d'ün étudiant do 1909, \n. Revtn sers erweiterte Auflage) pub. por W. Biemel. Anunciam-se as partes ll
Infernal;ona/e de Pãf/osop2He
cit., vol 1, pág. 367.
e 111, inéditas como já dissemos.
:'';'=' :;=É-;;:=b;=BÉeÉe=

1:'
L
assombrosaactividade de pioneiro que Husserl apli-
cou a terrenos inexplorados e a sentido profundo das
seguintes palavras que ele escreveu no parágrafo. final
do epílogo das .íde;aspara uma fenomeno/agia pura
r
B
e uma f;/osof;afenómeno/óg;ca:«Sepor um 'ladoo
Autor teve que rebaixarpràticamenteo ideal das
suas aspiraçõesfilosóficas ao de um simples princi-
piante, por ç)utro lado chegou com a idade à plena
l certeza de se poder intitular um efecf;vo principiante:
E
Quase poderia ter a esperança, se Ihe fosse concedida
a velhice de Matusalém, -- de poder chegar a ser um
filósofo».

As páginas de .A F;/osof;a como ciênc;a de r;gor


podemser consideradas
em funçãodo lugar que

1,
e rigorosa.
ocupam na continuidade do pensamentode Husserl #

e podem sê-lo em si mesmas,como expressãode uma 8 #

concepção da filosofia.
O primeiro critério obrigaria a situa-las entre a
crítica do psicologismo das Invesfiéações /óg;cas e a
l ínstit&ição da fenomenologia como ciência das .Ide;as
para ur ia fenómeno/oé;a pura e urzla fi/osof;a fenó-
meno/óg;ca; seria o mais adequado em virtude do
pensamento de Husserl se ter desenvolvido com conti-
x/y xr

artigo sobre o mestre ('), a quem também dedicou a e colectivo, de todos e para todos, não dando, em
Fi/osof;a da Ár;fméf;ca, Parte i,(única publicada), geral, .margem para «opiniões», «pareceres» e «posi-
L com o subtítulo: .rnT'esf;galões ps;co/39icas e /óé;cas ções particulares».
(Halle, 1891). Se este foi, porventura, o germe da Ao contrário destes conhecimentos, os conheci-
r concepçãoque nos ocupa, a formação de matemático
e o confronto ulterior do estada dos conhecimentos
mentos filosóficos oferecem o espectáculo-de tudo
nelesser discutível e dos juízos que exprimem depen-
filosóficos com o estada dos conhecimentos científicos, derem«da convicçãoindividual, da escola,da posi-
assimno ponto de vista histórico como no da res- ção». Se esta foi e é a situação, o contraste só pode
pectiva situação actual, convenceram definitivamente superar-semediante a orientação que coloque a Filo-
Husserl de que a Filosofia jamais conseguiuconsti- sofia e a Ciência sob a mesmo ideal de rigor.
tuir-se como ciência rigorosa, tal como o conseguiram ,# O estabelecimento deste ideal exige que a Filoso-,
as ciências exactas. Daqui, a instância das seguintes fia se constitua desde a raiz como ciência, e conse-
perguntas: em que consiste a incientificação da Filo- quentementesefirme o terreno de objectividade sobre
sofia, qual a sua razão de ser e como instituir a Filo- o qual terá de se exercera reflexãofilosófica,por
sc?fia como ciência de rigor? forma tal que esta reflexão adquira a impessoalidade
As ciências matemáticas e naturais são, como todas da investigaçãocientífica e como ela se possatornar
as ciências, imperfeitas: por um lado, por terem diante colectiva e desenvolver-see aprofundar-se no decurso
de si«o horizonte infinito de problemas.por solucio- das geraçõescomo se desenvolveme aprofundam os
nar», e por outro, por conteremdeficiênciasna dou- conhecimentos matemáticos, físicos, biológicos, etc.,
trina e na justificaçãoprobatória. Apresentam,não pela continuidade .de esforços e adição de resultados
obstante, um conjunto de conhecimentoscertos, que de sucessivosinvestigadores. Assim entendida, a Filo-
não só aumenta como se ramifica, de tal sorte que nin- sofia virá a ser «ciênciade rigor», e para que o seja
guém duvida da«verdade objectiva» de tais conheci- claramente cumpre remover do horizonte o propósito
mentos. O saber destasciências é um saber impessoal do «sistema»,a atitude da «filosofia sob o ponto de
vista de», a assimilação da Filosofia ao tipo das ciên-
cias da Natureza e a sua subordinação à intenção
(') Vid. Ed. ilusserl,Er;nnerungen
an F. Brenfano,in O. graus, doutrinal de ideologia e de concepçãoprática da
Franz Brenfano, págs. 154-155. .4pud Sofra Vaími Rovighi, Z,a f;/oso/;a
di .EdzEzundo27usser/J Melão, 1939, págs.; 7-8. Vida.
Z

O sistema,pela própria estrutura e intrínseca vir-i de pensamento dos genuínos problemas filosóficos, \

'1

tualidade, não pode constituir-se sem a existência del que cumpre formular plenamentede novo e que
L pressupostos e de pré-conceitos cujas consequências oul sõméüte nos torna acessíveiso horizonte desanuviado
implicações obrigam o espírito a seguir por caminhos por todos os lados». ('.Zd., intrC)d.).
r
l
determinados,afastandcy;odo contacto directo com al A incientificação da Filosofia justificava que H.us-
objectividade; e porque a desenvoluçãodo pensa-l serl, por um lado, se desprendessede vínculos histó-
mento dentro do sistema se faz a partir ou em conde-l ricos e das instâncias mais ou menos recebidas pelo
quência de afirmações iniciais que não são apodicti-l comum dos filósofos, e por outro, procurassefunda-
camente certas mas que cumpre manter, sem o quem mentar uma nova viragem da Filosofia a partir de
l o sistema deixaria de ser intrinsecamente coerente, bases que, ab ovo,e firmemente, Ihe garantissem a
ele gera a estreiteza do espírito e conduz a deforma-l posição e a desenvolvimento no sentido estrito e rigo-
ções e erros. roso de autêntica ciência.
Abandonando a concepçãoda Filosofia como sis-l O desiderato consistia primàriamente em estabe-
tema, ]llusserl tampouco se deixou enlear pela ideial lecer a radicalidade última do território objectivo da
de uma«filosofia sob o ponto de vista de», porque ol Filosofia, e o caminho para descobrir este território,
seu propósito era radicalizar a Filosofia eü bases apósa Críffca da RazãoPura, tinha de seguiro iti-
anteriores a todo e qualquer ponto de .vista e a tomarl nerário epistemológico,«que é a condição primacial
por ponto de partida «o que é anterior a toda a.posi- do carácter filosófico-científico», como diz Husserl
ção doutrinal» ('/d., $ 20). ('Híc, p 5). Esta tinha de ser, e foi, a primeira grande
Nem sistemade interpretaçãototal nem condu- tarefa de Husserl.
ção unilateral do pensamento. Ambos são sinónimo Com efeito, aa invés das Ciências, a Filosofia não
de limitação, e Husserl, que aspirava a firmar a inqui- se constitui de maneira«ingénua», para empregar a
rição filosófica em basesinabaláveis, tomou decidida- expressão de Husserl. Constitui-se entitativamente
/
mente, ou antes, heròicamente, a resolução de enfren- a si mesma, mas para que se torne plenamente auto-
tar estas «duras exigências: eliminar todos os hábitos suficiente carecede fundamentar o seu objecto; e
mentais existentesaté agora; reconhecere quebrantar desdeque o seu objecto seja o de ciência rigorosa,

!.
os limites do espírito com que cerram o horizonte do «univêKsal e absolutamente fundamental» ('.Zd, epal.),
nosso pensar, e assenhorear-secom plena liberdade incumbéhlhe estabelecer um começo radical e último,
Xlx
XVlll

evidência absolutamente forçosa» ('.Zb;d.);-e, conse-


tal que sobre o absoluto desta base ela se possafir-
ma inabalàvelmente, sem carecer de quaisquer supos- quentemente,a renúncia, ou talvez mais pròpria-
tos.«Uma filosofia com basesproblemáticas,com mente a suspensãoda sua meditação em relação aos
temas teocêntricos, antropocêntricos, de concepção do
paradoxos que descansemna falta de clareza dos con-
ceitos fundamentais, nãa é filosofia, e contradiz'se Mundo e da Vida, de ontologia(no sentido tradicio-
com o seu próprio sentido como filosofia», escreveu nal) e de axiologia, assim como a tomada de posição
em relação às soluçõesfilosóficas designadasde rea-
no citada epílogo das /delas. É que a indagação. filo-
lismo e de idealismo,de monismo,de dualismo,de
sófica«não pode começareln forma literalmente ingé-
nua», nem instalar-se, «como as ciências positivas, na pluralismo, etc.
«Nada pressupusemos nas nossas afirmações fun-
experiência do mundo prèviamente dado e pressu-
damentais,nem sequero conceito de Filosofia, e assim
posto como existindo em forma de si compreensível»
(Ibid.). queremos ir fazendo em adiante. A epocbé (:') filo-
Porque assim procedem na sua constituição, isto sófica que nos propusemos praticar deve consistir...
em nos abstermospor completode julgar acercadas
é. considerandoo ideal científico imanente à própria
doutrinas de qualquer filosofia anterior e em levar a
investigação científica,«as ciências positivas não-filo-
cabo todas as nossas descrições no âmbito. -desta abs-
sóficas, não são ciências últimas, absolutas, que se
fenção>, (.rd. $ 18).
justifiquem por últimos fundamentos cognoscitivossõ,
Como o Descartes do Cog;fo, mas não como o
e encerram «problemas básicos» e «paradoxos», que
#

ulteriormente à sua constituição se«procura remediar Descartes que apressadamente abandonara o mundo
mediante uma teoria do conhecimento tardia e até das cog;faf;odes pelcymundo extra-mental do cogifa-
,/ fum, llusserl empreendeu o ingente cometimento,
demasiado tardia». ('/b;d.).
A investigação da radicalidade extrema do funda- que Ihe absorveu a ;vida, de fy1l:galpentare de refazer
a Filosofia desde a raiz última a que pode :chegar.o
mento e o tratamento da«Filosofia como ciência de
pensamento esçrjtamente .racional pondo ao mestho
rigor» afastaram completamente ]llusserl do«ideal
do filósofo compor de uma vez para todas uma Lógica, tempo a nu a sem razão.do cepticismoe do relati-
uma Ética e uma Metafísica sistemàticamentecerra-
das que ele pudessejustificar a todo o momento aos
(") Adiante indicaremos o significado desta expressão
seuspróprios olhos e aos de outrem, partindo de uma
xx xx/

vismo. Esta era, no. seu próprio dizer, a«grande cia rigorosa; por isso, a par da edificação, teve tam-
tarefa do nossotempo»,a qual só podia ser levadal bém de demolir e de afastar as justificações racionais
a cabo fora das posições doutrinais que a Hist(5rial que impediam ou desviavam o caminho do seu pen-
do: pensamento mostrava terem- sido impotentes samento no sentido da constituição autónoma da
e, portanto, começando de novo e. com métodos
Filosofia como ciência rigorosa, au mais prõpna-
novo. mente, como a ciência de rigor.
Não seria, porventura, uma pretensão sem base? As .Invesf;gaçõeg /óg;cas, cujo primeiro volume
A «marcha triunfal» da Ciência, «a que nada sel saíra em 1900 e o segundo em 1901,.haviam refutado
oporá», a universalidade dos «seus fins legítimos>> e o psicologismo,mostrando de forma exemplar a inde-
o facto da Ciência ser «pensada na perfeição ideal», pendêí!çjg .dQ ..Lógica.ulativamçp11ç....à..psicoIQgia. do
pelo que pode considerar-seexpressãoda «própria pensamento. Dentre outras muitas coisas,as /nves-
Razão, que não poderia ter outra autoridade igual ou f;cações /óg;cas mostravam que o pensamento estrito
superior»,não tornam, porventura, desnecessária a que justifica e nutre a filosofia não era identificável
tarefa que se proponha a fundamentação absoluta- nem assimilávelpela Psicologia,nem par qualquer
mente radical da Filosofia como ciência de rigor? outra ciência particular; agora, passados dez anos, e
Se se pretender que a Filosofia deve ser ciência como que nas vésperas da publicação das /c7e;aspara
rigorosa à maneira das ciências da Natureza, basta uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomeno-
coloca-lana linha das ciênciasnaturais,em cujo /óg;ca, cujo primeiro volume saiu em 1913, Husserl
âmbito entram «todos os ideais teóricos, axiológicos dava algumas precisões acerca do que entendia por
e práticos» e que constantementese afirmam pela F;/osof;a como c;ênc;ade r;gor e, sobretudo, descrimi-
«superabundância de conhecimentos rigorosos»; e se nava este conceito de Filosofia do propósito«de uma
se pretender que a Filosofia pertence às Ciências do. reforma rigorosamentecientífica da Filosofia» no sen-
Espírito, integra-seno Historicisma, qüê«resultou tida das ciências da Natureza e da função doutrinal
da «descobertada H.istória»e da fundamentaçãodas e ideológica de qualquer mundividência com basehis-
ciências morais que se foram multiplicando». toricista.
Ambas estas concepções da filosofia se apresen- Vejamos, pois, separadamente, a crítica de Hus-
tavam com vitalidade na época em que H.usserlmedi- serl a estesdois objectivos do ideal da Filosofia e por
tava a fundamentação radical da Filosofia como ciên- fim, como remate, o conceito que lhes opõe.
k
+

XXll XXlll

8 Com efeito, a ideia de relativismo,ou seja o


desterro da concepção da existência de princípios
absolutos, dominava intelectualmente a época da
o ideal da Filosofia como ciência de rigor, ou pari transição da século passado para o século actual.
outras palavras, como Ciência fundamental tendo pool Dissesseíh-se positivistas, empiristas, psicologistaé,
objecto «o esclarecimento decisivo sobre as condiçõesl historicistas, cépticos, etc., todas estas correntes coin-
de uma ciência de rigor, ingènuamente ignoradas oul cidiam no repúdio da metafísica como sistema de
mal compreendidas pela filosofia anterior»,é o ideall reflexõessem fundamento real e, de modo geral, na
que orienta e anima as «viragensdecisivaspara o pro-l reduçãoda Filosofia ao plano das ciências. Daí, a
gresso da Filosofia.» Nestas ocasiões, «a energia pen-l convicção universal de que semente o pensamento

.@ cativa» é dominada «pela vontade conscienteda reor-l


ganizaçãoradical da Filosofia no sentido de uma
cientificado é.digno de acessoe de credibilidade; con-
sequentemente,a superação deste ponto de vista
ciência de rigor»; assim, as filosofias socrático-pla-l careciade fazer-secom inteira submissãoàs exi-
tónica e cartesiana foram animadas por este propósito, gências do espírito científico,; isto- é, não opondo
o qual se renovou «com a violência mais radical na crenças a juízos, predicações a resultados científicos,
crítica da Razão pura de um Kant e dominando ainda ideais subjectivos a realidades demonstradas,mas
o filosofar de Fichte>õ. mostrandocom a luz da Razão,e sòmentecom
Em todas estas ocasiões, a consciência reflexiva ela, que a Filosofia tem por objecto assuntosque
tomou uma posição instauradora e Constituinte e a se não opõem à Ciência nem ao pensamento cien-
tificada.
./ Filosofia teve por objecto capital a indagaçãodo ponto
Filosofia e Ciência não são, pois, antagónicas,mas
de partida, o exame do método mais adequado e a for-
mulação dos problemas fundamentais em ordem à a relaçãoa estabelecer
entreuma e outra podeser
diversamente entendida. Pode pensam-se com alguns
reorganização da Filosofia ab ovo sob as exigências
/ de ciência rigorosa. A instância deste ideal relacio- positivistas que à Filosofia pertence a generalização
dos resultados das diversas ciências particulares, em
na-se sempre com uma conjuntura dominada por ten-
dências cépticas ou relativistas. Foi assim com Sócra- ordem à unificação dos conhecimentos,e com os neo-
tes, com Platão, com Descartes,e assim foi também :kantianos,da escolade Marburgo, que ela tem por
com ]llusserl. objecto próprio a teoria do conhecimento,entendida
P

xx/y xxy

principalmente' coma reflexão crítica das condições incondicionado,' cuja apodicticidade intrínseca, tendo
que possibilitam a existênciada Ciência. lem si mesmo a sua razão de ser, servisse de base ina-
Estas duas concepçõesassentamno dado da exis- balável-à constituição de um sistema coerente de ver-
tência da Ciência consf;lula e pressupõem que sõmenté dades que se encadeiam.
pela metodologia científica se pode atingir o que nos Esta concepção da Filosofia como pensamento
seresnaturais é cognoscível,mas a conexãoda Filo- que procura a rigorosidade«a partir de» e em ordem
sofia com a Ciência pode ser pensada diversamente; à constituição de um«sistema» de verdadesexerceu
isto é, não com os resultadosda ciência constituída e exerce uma atracção'sedutora, mas não foi a concep-
mas com as exigências lógicas que cientificam o pensa- ção de liusserl.
mento. Assim entendido o problema, pode procurar- r Como Descartes, o pensador das .Invesf;galões
-se-lhe a. solução no estabelecimento de um princípio ]ók;cas também procurou um fundamento incondi-
absolutamente certo, primeiro e incondicionado, que cionado à Filosofia, mas indagou-o com sentido
sirva de fundamento ao Saber. Foi o que Descartes diverso do filósofo das ]lZed;rações nz2efafís;cas. A sua
exprimiu, ao escrever na segunda das ]Ued;cações mente, prodigiosamente capacitada para o descobri-
mefafís;cas que «Arquimedes,.para tirar o globo terrá- mento de problemas e para a respectiva análise, não
queo da sua situação e transporta-lo para outro lugar, só se libertou da intençãosistemática,senãoque foi
pedia sàmeüte um único ponto que estivesse firme e hostil à concepçãoda Filosofia «a partir de» e, mais
imóvel; assimtambém eu terei o direito de conceber ainda, à de«sob o ponto de vista de». Anta-relativiãta,
altas esperançasse for assazfeliz em achar sòmente mas não anta-positivista, se por positivismo se enten-
uma coisa que seja certa e indubitável». Diversa.. der .o respeito total às próprias«coisas>õ,tais quais se
./
mente de Aristóteles, cujo filosofar começanormal- apresentam na imediatidade da intuição, a problemá-
mente com o re-pensamento dos antecedentes históri-. tica de Hlusserl não radica na existência de uma subs-
cos do problema que o ocupava, as «altas esperanças»' tância incondicionada, que, como em Espinosa, funde
que Descartesconcebia consistiam no refazimento ab uma ontologia e um saber absoluto,nem tampouco
ovo da arquitectónica da Filosofia, como se anterior- incidiu, como a epistemologia kantiana, sobre as con-
mente ninguém houvessefilosofado. Para isso, careceu dições que possibilitam o conhecimento cientifica-
de estabelecerum «ponto de partida» que não fosse mente exacto. Considerou que o objecto da Filosofia
uma hipótese nem um. postulado, mas um princípio como ciência de rigor. exigia Q estabelecimentodo
.xxy/
xxVll

método fenomenológicae a constituição de uma íiio-l esta última feição que importa considerar, dado as
sofia fenomenológicacomo ciência filosófica funda-l páginas da presente tradução terem principalmente
mental, cujas verdades pudessem ser indagadas con.l por fim mostrar que o ideal da Filosofia autêntica se
tinuadamente, por sucessivasgerações,e como qud tem de constituir independentemente
do ideal e dos
impessoalmente. métodos das ciências da Natureza e se não identifica
Estes objectivos arrancam.a Filosofia aos deva-l com ideologias e concepçõesda Vida criadas fora das
netos arbitrários da subjectividade para a situarem eml exigências da exactidão.
posição objectiva, ou ém idéias existentesem si, poial A juízo de Husserl,a situaçãoda Filosofiana
como expressivamentediz na refutação do relativismo l segunda metade do século xix; em relação ao pro-
específico, o q\le é verdadeiro é verdadeiro absoluta-l blema que o ocupava, encontrava-se sob a influição de
mente e em si, de tal sorte que a «verdade é uma el duas consequências
do sistematismode Hegel: o
idêntica, quer sejam homens ou outros seres não. enfraquecimento e a adu/geração «do impulso da consr
-humanos, anjos ou deuses,os seresque a apreendam tituição de uma ciência filosófica de rigor».
pelo juízo» (:). Daqui, as reflexões de Husserl terem Pensar a Filosofia como ciência de rigor é pensa-la
a magestade das grandes filosofias clássicas, mormente como«Filosofia absoluta», isto é, como indagação de
pela pretensão de reintegrarem o pensamento em cer-l verdades absolutas e que existam em si, e não como
tezas de universalidade racional. A explicitação deste expressão de anseios e de satisfações humanasLgliçgel
ingente esforço comporta uma feição positiva, de ins- enfraguçaeu-esta.condiçãodo impulso filosófico-cien-
tauração, que é a mais original e se tornou de influên- tífico.com a suadoutrina da legitimidade relativa de
./ cia decisiva, e uma feição negativa, isto é, de repúdio toda e..qualquer.filosofia para alespectiva. época,
da problemática vigente na época em que a consciência dando ensejo.acl.gKhistoricismo céptico» e à «f;/osof;a
reflexiva de Husserl retomou com originalidade a ;deo/óg;ca»,-<Kem geral anta-naturalística e por vezes
fundamentaçãodo ideal da Filosofia como ciência de até anta-historicista». mas. desprovida da 'ktel1liggç-
/
rigor. Apesar de ligadas íntima e indissoluvelmente, é radical de ser doutrina. cientí1liça».Demais,não só
enfraqueceu esta«vontade radical» senão que deu
(') Vid. /nv. ]Óg. 1, $ 36. Relativismo específico significa a con-
ocasião a que o ideal próprio da Filosofia fosse adul-
cepçãoda relatividade da verdade consoantea constituiçãoou as leis terado pela subordinação ao ideal e métodos das ciên-
do pensamento de+cada espécie de seres.
cias exactas. É que llegel, pela audaciosa pretensão
XXlx
xxVlll

do seu Éan-filosofismo,. de deduzir racionalmente as ralismo resulta do descobrimentoda Natureza como


determinações concretas do mundo natural} suscitou unidade do Ser no tempo e no espaço, segundo leis
L a reacção do Cientismo e a supremacia do'Natura- exactas naturais».
lismo, os quais, fitando os olhos nos resultadosine- Daqui, a mentalidade naturalista ver no mundo
gáveis das ciências exactas, renunciam à indagação físico e no mundo humano sòmente Natureza, apreen'
filosófica e se tornam cépticosrelativamente«a toda dadae explicada pelas mesmas categorias mentais; e
a idealidadee objectividade
absolutado valor, na porque a natureza que imediatamente. *apreende é a
ideologia e na filosofia». do mundo físico, essamentalidade reduz a esta natu-
O Naturalismo e o Historicismo, enquanto atitudes reza tudo a que existe,. admitindo que os fenómenos
filosóficas que enfraquecem ou adulteram«a vontade psíquicos são variações. pan#çl21ou epi....=.' ecos dos
radical» de pensar a Filosofia como ciência de rigor, fenómenosfísicos. q%aterialis.ma.pf)pular,! que con-
são, pois, as duas orientações do pensamento contem- sidera o psíquico como secreção do orgânico, o(@.o-
porâneo que o filósofo carecede afastar do seu hori- hismo sensorial de Ernesto Haeckel, que atribui aos
sensibi-
zonte, por desatenderema instância irrecusável da elelmentosgtl1]31asü..1la
realidade movimenta. e
Filosofia ser pensadacomo ciência de rigor. lidade, <Í'Energétilã) de Ost:wald, segundo o qual
sòmente 'existe uma realidade, a energia, de que a
8
matéria, a ...çlç:çti:icilãad%--J2xpensamento, etc., sâo
modos, e d..empíria-criticas!!gl) sustentando com Mach
o estabelecimento de um critério que se mantenha o
Por Naturalismo entende-secomummentea orien- mesmo quando se passa da factualidade física para a
tação que ou explica todos os acontecimentos sòmente psíquica, e com Avenarius que os problemas surgem
por leis estritamente naturais, com exclusãodo sobre- e desaparecem por virtude de condições biológicas. e
natural e do traí.scendente, ou considera os fenómenos psicológicas, exprimem por palavras diferentes as duas
psíquicos e morais explicáveis pelas categorias das características da mentalidade naturalista, que Husserl
ciências da Natureza. Os dois sentidos têm de comum designade nafurai;zação da canso;êric;ae de nafura-
a concepçãoda Naturezacomo todo unitário e indi- /;zação das ;delas.
visível, ontológica e categorialmente uqo, sendo esta O Naturalismo é incontestàvelmente legítimo
noção que Husserl tem em vista, ao dizer que o «Natu- enquanto«procura realizar o princípio do rigor cien-
xxx
xxXI

tífico em todas as esferasda Natureza e do Espírito, de Husserl não teve outra aplicação ao longo
na teoria e na prática», pois«talvez não haja outra sua existênciade infatigável trabalhador, mas,
ideia mais poderosa,mais progressiva,em toda a vida é óbvio, sòmente importa considerar a sua refle-
moderna, do que a da Ciência», a cuja «marcha triun- demonstrativa de que o ideal da Filosofia como
fal nada se oporá». Cientificar a Filosofia, ou por de rigor não é redutível ao ideal da Ciência
outras palavras, desterrar do ideal da Filosofia a idea- jda Natureza, ou por outras palavras, que na reflexão
çao acercado Mlundo e da Vida na qual a opinião lque se aplica à Filosofia como ciência de rigor se
subjectiva ocupa o lugar do juízo exacto, é aspiração anãodá, como na ciência da Natureza, a «naturali-
não só legítima mas necessária, mas a divergência das ideias» e a«naturalização da consciência».
logo surge quando se examina a maneira como deve Por «naturalização da consciência e das ideias»
ser levada avante a cientificação.
jentende Husserl a concepção que nivela, ou antes
O Naturalismo assume uma posição franca, a qual jequipara, os dados da consciênciaa factos naturais e
consiste em «naturalizar as ideias e a consciência». jas normas da razão lógica a leis naturais do pensa-
e, portanto, em subordinar,ou talvez mais exacta. jmento. O Naturalismo,fazendoa equiparação,
obe-
mente, em reduzir o ideal .da Filosofia como ciência jdece com mais ou menos consciênciaao propósito de
de rigor ao ideal das ciências da Natureza«O Natu- jreduzir o ideal da Filosofia como ciência de rigor ao
ralista, escreveuHusserl, não depara senão com a plano do ideal das ciências empíricas, de sorte que o
Natureza, a começar com a Natureza física. Tudo jproblema que cumpre examinar é o do fundamento
o que é, ou é, ele mesmo, físico, ou, apesar de psíquico, destas «naturalizações». Atentemos em cada uma.
e mera variação dependentedo físico, na melhor das de per si.
hipoteses,«facto paralelo, concomitante»secundário.
Tudo o que é, é de natureza psico-física, inconfundi-
velmente determinado segundo leis firmes».
Resgatar a Filosofia desta adulteração impôs-se A constituição e desenvolvimento da Psicologia
ã consciênciareflexiva de llusserl. como tarefa urgente experimental no último quartel do século passada
e imperiosamente necessáriaà própria existência da abriu largo crédito de esperançaà recém-vinda «ciêií.;
Cultura, a cujo destinoo cepticismoé fatal. A assom- cia», dando ensejo, dentre outras concepções,er'que,
brosa capacidade de problematização e de análise do por um lado, os fenómenos psíquicos fossem conside-
xxXll
xxXlll

bgico:formais, as chamadas leis do pensamentoÍnão


devem ser interpretadasJ;no sentido de leis naturais
do pensamento».
A magistral argumentaçãode Husserl nos Pro/e-
gózr?entes
põe a claro que as leis lógicas não implicam

H$#?::zH
a .materialidadede facto nem.são leis em relaçãoa
fenómenos da vida psíquica. A sua normatividade
puramente ideal é condição da verdade e a necessidade
que lhes é inerente é a prior; e não generalizaçãoda
experiência': se as normas estritamente lógicas se fun-
dassem na Psicologia considerada como ciência natu-
ral tornava-se inexplicável a necessidade inerente às
demonstrações matemáticas e científicas, em geral.
A refutação da«naturalização das ideias» condu-
zia à concepção,de extraordinário alcance,dos con-
ceitos, ' juízos e raciocínios serem considerados ana-
Bll rll
logamente.aosnúmeros e às operaçõesnuméricas, as

./
8 quais pelo facto de também serem fenómenos psíquicos
ninguém dirá que a Matemática tem o seu fundamento
ou .é um capítulo da Psicologia.

@ $

{ nomia do pensamento
A crítica da«naturalização das ideias» mostra que
a Lógica, «índice exemplar de toda a idealidade», não é
estritamentelógico, ou por redutível à Psicologianem está para a esfera dos
$ outras palavras mais precisas,que os«princípios conhecimentos psicológicos como «a agrimensu;a para
xxxy
xxx/y
J

a geometria» ('/nv. Loê., i, 17-); com a crítica da «natu- íâneos ainda não imaginam, e que, apesar de ser ciên-
ralização da consciência» Husserl vai mais longe, por
cia da consciência,nãa é psicologia:-- a Fenomeno-
L que, aprofundando e desenvolvendo a mesma concep-: /og;a da consc;ência oposta à C;ênc;a natura/ da cons-
c;êncza.
ção, pretende mostrar que a Ciência natural em geral
e a IE)sicologia
experimentalcomo seuramo e como Consequentemente,
a segundaparte da crítica
expressãomais recente,«emboraainda rudimentar, da à « Filosofia naturalística» da presente tradução
filosofia exacta, análoga à mecânica exacta», não são, (págs. 13-47) aponta primeiramente as razões por
nem podem vir a ser a «Ciência fundamental de rigor», que a Ciência Natural e a Psicologia consideradano
e portanto,«a ser Filosofia no sentido específicolb nem plano das ciências da Natureza não podem servir de
a «servir de base à Filosofia». base à Filosofia e portanto dar fundamento cientí-
As largas esperanças depositadas na Psicofísica, fico nãQ só à Lógica, como já vimos, mas também
fundada por Fechner, e mais amplamente na Psicolo-.
à Teoriado Conhecimento,
à Estética,à Ética e à
gia experimentalque se Ihe seguiu, levaram alguns Pedagogia.
Com efeito, a Psicologia experimental e as ciências
pensadoresa crer, pondo os olhos na«turva filosofia
renascentista da Natureza, perante a vigorosa Mecâ- "naturais são«ciências de factos», o que desdelogo as
nica exactade um .Galileu, ou na .Alquimia perante impossibilita de proporcionarem«fundamentos às +

a Química exacta de um Lavoisier», que gKaPsicolo- disciplinas filosóficas que lidam com os princípios
gia exacta seria naturalmente a basede todas as Ciên- puros de toda a sujeição a normas, portanto à Lógica
cias do espírito e bem .assim da Metafísica, embora pura, à Axiologia e Prática puras». . Além disto são
no caso desta não seria a base preferida, visto a ciência ingénuas, isto é, apercebem a existência das coisas e
./
física concorrer de modo igual. para a fundamentação dos factos simplesmente, descrevendo-as«emsimples
desta teoria mais geral da realidade». A«naturaliza- juízos empíricos». A Ciência natural ex.placaos factos,
mas não explica o pensamento científico-experi- \

ção da consciência» é a expressão que condensa esta


1. mental que a estrutura e constitui, propondo um con-
concepçãoda Psicologia e das esperançasnela depo-
/

sitadas, de sorte que a crítica de liusserl tem em vista jwito de problemasque saemdo âmbito da Ciência
mostrar que para além, ou mais exactamenteaquem natural para formarem objecto da Teoria do Conhe=
/

cimento.
da Psicologia experimental enquanto ciência natural,
outra«ciência, Cuja amplitude os contempo- A refutação da«naturalização das ideias» deixara
xxxVI
xxxVll

estabelecidoque a Lógica pura não é mero produt


pode ser estudada sob dois pontos de vista' diversos
de mecanismos psicológicos; anàlogamente, ü refuta.
com a ajuda de um método que'«seguisse o exemplo
ção da«naturalização da consciência» vai estabetecel do método físico-químico», isto é, a «C;ênc;a natura/
que na consciênciapsicológicaoriginária se não dá da consc;ênc;a», ergueu Husserl a sua concepção da
a identidade do .facto psíquico e do objecto conhecidas /'enomeno/og;a da Consc;éncia, isto é, a descrição da
E tópico do psicologismoempirista quà o eu se dá consciência pura e originária,ou sejaa análisedo
à intuição imediata como-uno e indivisível, e que a que se apresenta primária e fundamentalmente ante-
parte. do eu conhecida pelos .sentidos externos dá o rior a toda e qualquer relação ou explicaçãocientífica.
conhecimento dos corpos, e que a parte conhecida pelo Mediante esta análise, que se perfaz, como veremos,
sentidointerna dá o conhecimentodo eu, no signifi- com a«pez'cepçãok.fenomeno/ó.g;ca do Ser» e conse-

'@ cado restrito. Stuart Mlill, por exemplo, afirmara a


quente distinção categorias do ser rea/ e do sef ;dual,
identificação da sensaçãocom as propriedades do que do ser espéc;e e do ser ;nd;v;dua/, e descrimina-
é sentido; e Wundt, talvez o psicólogo que liusserl
ção das «ontologias regionais>D, ou fenomenologias
H
]

mais,directamente tem em vista quando alude à cen- particularesf Husserl dissipa o erro nuclear da«natu-
sura das investigações fenomenológlcas serem «esco- ralização da consciêxicia»,o qual consisteem coisificar
lásticas», repudia no Grundziss dez Psycão/og;e a a consciência,isto é, em a considerar categorialmente
noção de Psicologia como ciência da experiência
como coisa que existe sòmente à maneira dos objectos
interna, por dar ensejo a pensar-se que os objectos que constituem a Natureza, tida aliás como expressão
que a Psicologiaestuda são diversos dos da expe- única e total do Ser.
riência externa, objecto das Ciências da Natureza.
./ As representações são umas e as mesmas na Psicolo- $

gia e nas Ciênciasda Natureza, porém com a diferença


de que na Psicologia são estudadas tal qual se dão na
experiênciaimediata e nas Ciências da Natureza o são Pelos pressupostos e fundamentos, a Ciência natu-
enquanto dadas na experiência mediata, isto é, não ral e a Psicologia experimental enquanto ciência
em relação com o sujeito mas com os objectos. <Knaturalizada» não podem fundamentar nem cons-
Contra esta concepçãoda identidadedo psíquico tituir o ideal da Filosofia como ciência de rigor. Quer
e do físico, como expressão de uma única realidade que isto dizer que este ideal sòmente pode ser prosseguido

1.
xxXlx
xxxVlll
tambémcontra o relativismo historicista,tanto mais
pelas ciências particulares e que, por consequência, à Filosofia como
que sobre este .se erguera o ideal da H l ....IA.
Filosofia sòmenteresta a Ideologia, isto é, conver-
mundividência, isto é, como expressão de anelos
ter-se em concepçãogeral do Mundo e em ideário da;
sociais, de . ideários e de simbologia cósmica, cujos.
Vida; sem as exigênciasdo rigor científico ? fundamentos são Opostosao ideal da Filosofia como
A concepçãoda Filosofia com base na «natura-
ciência de rigor.
lização das ideias e da consciência>õ
radica, como acal As .investigações
/ógicasnão tiveram em conta a
bamos de ver, no êxito indiscutível das ciências da
consideração histórica, assim no sentido da indaga-
Naturezae representa
a desvirtuação
do ideal da cão como no de desenvolvimento e mutação. Husseri
Filosofia como ciência de rigor. Algo de seüelhanté relativismos pst-
@ pensou-as, como vimos, contra os . . ..l:
se passa em correlação com as ciências morais, ou
cologistas, olhos fitos no absolutismo e atemporali-
@ do espírito, como ulteriormente se disse,porque tam-
bém surgiram teorias do conhecimento e concepções
dade das verdades estritamente lógicas, e, portanto,
não considerou a problemática relativa à mutabilidade
gerais em directa consonância com o extraordinário das condições genéticas e evolutivas. A sua reflexãoi
U desenvolvimento dos estudoshistóricos, ou mais prò-
porém, não podia subtrair-se à ascendênciada«nls
}
priamente do mundo da cultura. tonicidade» do espírito no mundo .do pensamento e
Com terem objectos diferentes, o Naturalismo e
o lllistoricismo obedecem, não obstante, à mesma ao apelo dos complexosproblemas e sugerênciasque
ela desentranha.. .
«superstiçãodos factos», pois interpretam as ideias não
A primeira oportunidade, segundo cremos,
como factos e concorrem para«transformar toda a
foi alheia à influência de Dilthey e deu ensejo à secção .+
./ realidade, toda a vida, numa mistura incompreen' final de A F;/osof;a como c;ênc;a de rigor; a segunda,
cívelde«factos>De de ideias». Enquantoo Natura-
radica na b.stância da existência pessoalmentevivida,
lismo radica nos «factos» (]a Natureza; o Histori- prõpno
cismo«toma posição na esfera dos factos da vida porque, como escrevePaul Ricoeur, foi«o
mental empírica» e como ele conduz igualmente ao trágico àa história que inclinou Hlusserla pensarhis-
/

tòricamente. Suspeitoaosnazis por não-ariano,por


Relativismo, com análogas «complicações cépticas», e,
pensadorcientífico, mais fundamentalmente, por gemo
portanto, com idêntica incompatibilidade com o ideal socrático e interrogador,. reformado e condenado ao
da «Filosofia como ciência de rigor». Consequen-
temente, Husserl não podia deixar de tomar posição
X'L XL/

que o espírita tem uma história que importa a toda a .Üvências('Er/ebnis.) a condição das«formações cul-
história, que. o espírito pode estar doente e que a turais» e respectivasestruturas, tipologia e«relações
história é para o próprio espírito o lugar do perigo, da evolucionais».
perda possível» ("). As últimas reflexões (1935-1938), Consequentemente,Husserl teve por sem dúvida
que se coordenam na Crise das diénc;aseurope;as e que as «formações mentais» e «culturais» possuem
a fenozrleno/og;a franscendenfa/, aliás, em grande estruturas que lhes são peculiares, apresentando tipos
parte ainda inéditas, incidiram sobre a própria cons- e formas, intrínsecas e extrínsecas, que nascem, se
tituição da llistória, mas as primeiras, directamente transformame dão lugar a novas formações. No
relacionadas com o ideal da Filosofia como ciência de mundo natural existem espécies fixas, estruturadas
rigor, tiveram sòmentepor objecto a refutação do rela- por elementos fixos; no mundo histórico, não, por-
tivismo historicista e da concepçãoda Filosofia como que«tudo o que parece fixos é uma corrente da evolu-.
ideário e mundividência. São estasas que mais direc- çao».
tamente importa notar. O mundo da história é, assim, o mundo da mu-
Husserl coincidiu. com Dilthey (1833-1911) 'êm dança e do particularismo, de sorte que sòmente se
reconhecer«oimensovalor que a História tem para torna«compreensível»,«explicável» na particulari-
o filósofo» e em considerar«a descoberta do espí- dade do «Ser» que é justamente «ser hnêntal», unidade
rito colectivo tão significativa como a da Natureza». de momentos, de intrínseca postulação mútua, de um
É que a seu juízo, a exploração do mundo do espírito sentido, e ao mesmo tempo unidade de formação e
oferece«ao filósofo um material mais original e fun- evolução adequada à motivação intrínseca».
damental do que o da penetração na Natureza»; A concisa densidade destes períodos é suficiente\
e além disto,...coincidiu
ainda com o pensadorda para mostrar que Husserl coincidiu com Dilthey em
Estruturação do mundo /zisfór;co pe/as q;énc;as do que o .!11ç)sotax--sòmente.pode-.firmar-se.p.Q.=oncleto
espírito na«impossibilidade da psicologia psico-física da.. experiência- vivida- que a psicologia verdadeira-,
servir de fundamento às ciências morais» e enl encon- mente instrutiva é a psicologia descritiva e intuscep-
trar na capacidadede expressãoe de objectivação das tiva, e que o saber histórico-cultural não é saber de
objectos, como o saber natural, porque é um saber
(") Vid: 21usser] ef /e seno de Z'bfsfo;re, in Recue de ]tfefapby. que vai da expressão ao expressado, dos materiais iner-
s;que ef de ]Wora/e,vo1. 54 (Julho-Outubro 1949), pág. 281. tes à vida que os alentou.
XLlll
XLll

Em síntese,Husserl coincidiu em parte com Dil- soal, e pela intransferibilidade das condições, a Histó-
they em reconhecera existência do elemento histórico ria desentranha da Vida tantas filosofias quantas as
L como inerente à constituição humana, dado o homem maneiras possíveisde pensar o todo com alguma coe-
ser conscientedo seu passado,e, portanto, em atri- rência lógica e alguma consistênciacientífica, e tantos
buir à História, isto é, às ciências do espírito, a função problemas quantos os fitos da dúvida ou da inquie-
de proporcionar a compreensãoda estrutura morfoló- tude.. Não há, pois, para o profundo teorizador das
gica da Arte, da Religião e da Filosofia enquanto ciênciasdo espírito, uma só filosofia verdadeirae não
realizações culturais. E dizemos em. parte, .porque, a há, porque o Mundo e a Vida como objectos pen-
de acordo com o penetrante juízo de Emmanuel Levi- sáveisnão são separáveisdo pensamentoque os
tas, I'historicité.'de la consciencen'apparait pas pensa; e porque cada ser humano é uma determina-
comme son phénomêne oriÉinaire parte que I'altitude ção limitada da natureza humana, cada pensador, e
supra-histotique de la théotie étaye, d'aprês Husserl, consequentemente cada filosofia, encarna sòmente
fonte nutre vie consciente. La représentation admire uma das múltiplas possibilidadesdo viver, do gentil

1..
l
comme base de tons les antes de la conscience -- voilà
ce qui compromet I'historicité de la conscienceet con-
íêre, par consêquent,
un caractereintellectualisteà
e do pensar. A história das atitudes e dos sistemas
filosóficos, se por um lado mostra que o impulso filo-
sófico é constante,por outro também mostra que
/'infu;f;on» ("). as concreções do pensamento filosófico são subjecti=
A partir daqui, a divergênciafoi diametral. Das Vas e estão situadas por coordenadas limitativas do
sondagenspenetrantíssimas na fenomenalidade viven- tempo e do lugar. Por isso, sòmente ficava aberta
cial e.cultural, Dilthey extraíra a lição de que a Filo- a delineaçãóde uma«Filosofia das filosofias»,ou
./
sofia.énma expres$ãQ.t.empQlg1.4o pensamento,a qual seja a configuração do Homem total pelo conheci:
radica em dadossubjectivose vividos e se dirige à mento total das suas expressõeshistóricas.
concepçãodo Universo como todo ou à apreensãodo A concepção da «Filosofia das filosofias» campa'
/
ser latente sob a aparência das coisas e dos aconteci- gina-se com as concepções positivistas da Filosofia
mentos. É sempre uma construção pessoal, e só pes- como «saber unificado» ou como «sistematizaçãodas
concepçõescientíficas», mas quaisquer que fossemas
(") Vid. Z.a fbéor;e de /';nfu;f;on dons /a Phénoméno/oé;e de H'zs-
respectivas correlações o fundamento historicista em
ser/, Paras, 1930, pág. 221. que se apoiava privavam-na de valor absoluto. O
XLy

ideal que a nutre é fofo coe/o antagónicodo ideal de da Filosofia como ideologia, isto é, como concepção do
llusserl, que considerava a Filosofia, «por essência, Mundo e da Vida. Husserl reconheceos«altos valo-
uma ciência dos inícios verdadeiros»e «do radical», res» que a filosofia ideológica põe em jogo, mediante
cujo impulso indagador«não é das filosofias que deve os quais,«uma vez surgida da consciência colectiva
partir, mas, sim, das coisas e dos problemas». Con- da sua época, e impondo-se ao indivíduo com o vigor
sequentemente, o Historicismo é «uma aberração gno- convincentedo valor objectivo, com todas as suas
seológica, tão severamente refutável em virtude das disciplinas deve tornar-se uma potência sumamente
suas consequênciasabsurdas como o Naturalismo». significativa para a Cultura, um foco das mais valio-
É que«a HlistÓria não tem argumentos relevantes sas energias informativas para as mais valiosas perso-
a opor, nem à possibilidade de valores absolutos em nalidades coetâneas». f
geral, nem à possibilidade de uma Metafísica abso- Os valores de sabedoriae virtude que nutrem o
luta, isto é, científica,e de outra Filosofia, em espe' ideal da Filosofia como Ideologia são valores supre-
cial». As razões históricos-!ê!!!gDlç:. podem originar mos, mas não são valores únicos, porque também
«resultados históricos»; e porque é contrasenso refutar são valores supremosos que nutrem o ideal da Filo-
i(leias-com'factosí-b-velhçt.glgÜIDÊ1111g céptico da anar- sofia como ciência de rigor. No passado,os grandes
'guia--dõg''$ísté;has filosóficos sòmente prova que as sistemasfilosóficos conjugaram na construtura o ideal
filosofias h stõríêãniente prZ)dü2idasoperaram«com da sabedoriacom o ideal da ciência rigorosa. Foram,
ãllüÉb95$'Equçv- p'obÍêÜã"íiibi8ãêi;i'nãó a um tempo, Ideologia e Ciência, mas a consciência
moderna separou«para toda a eternidade» estes dois
,5gçyÊ.:SLpg!!jyeL3certá-los e diva"hãVõi:"Õ;6Hê;;kG' objectivos, tão «rigorosamente» que «devemos» acei-
acertados». tar a distinção das . ideias de Cultura ou Ideologia
Da situação de facto não é, pois, legítimo passar e de Ciência«como facto contínuo que tem de deter-
para a questãode pr;ncíp;o, visto não ser com«resul- minar correspondentemente as nossas posições prá-
tados históricos» que se decide do valor das doutrinas. ticas>b.

o qual reside«nas esferasideais» e não na tempora- Pode «lastimar-se»a separação,mas o filósofo


lidade dos acontecimentos. tem de tomar partido, e o partido que liusserl tomou
Í O Historicismo, de par que contesta a possibilidade
foi o único à altura da sua admirável e exemplar
.Jda Filosofia como ciência de rigor, estabeleceo ideal intransigência de racionalista,..:sòmente obediente às

U
xz,y7

exigênciasdo ideal da pureza e rigorismo científico. $

Como escreveuEnzo Pari,«.17usser/s; poneva;/ pro- 8 '' 8


blema di una verità absolutacome un problema di
vira o di morte, quaseche ]a sua mandata risoluzione
implicasse [a distruzione de[['espere e ]a fine de]]a O cepticismo'implícito no Psicologismo,no Natu-
c;v;/fà..una fa/e tens;oneper /a pura verité de raison ralismo e no llistoricismo, e, de modo geral, em todos
non la si puà concepirese non in un'atmosferain cui osideais que.não pensam a Filosofia como ciência de
si ta sempre valere, tácita ma possente, I'esiÉenza 'rigor, sòmente podia ser vencido por uma «ciência
ineminabile della vetité de coeur. Husserl ha avuto do radical», e a esta ciência chamou Husserl Fenó-
dal destino la missione paradossale di difendere, in un meno/og;a. Vejamos, pois, sumàriamente, em que
mondo che atava sperimentandoil crollo di tutte le consisteesta ciência, que o derradeiro período da-FI/o-
mitoloÉie razionalistiche, il valore supremo ed i diritti sof;a.como c;ênc;a de rigor vaticinava,. e a filosofia
eterna della chiareza della raÉionoõ (1' ).. actual confirma, «abrir um campo imenso de traba-
Não se lêem, por isso, sem emoção, as páginas lho e levar a uma ciência que, sem os métodos indi-
finais do presente livro, nas quais o processoda con- rectamente simbolizantes e matematizantes, sem o
cepção diltheyana da «Filosofia das filosofias» e, de aparelho das conclusões e provas, não deixa de chegar
modo geral, o do ideal da Filosofia como concepção a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas
do Mundo e como ideário da Vida, é instaurado e para foda a Filosofia ulterior». /
conduzido com a responsabilidadede quem sente em A investigação fenomenológica consiste na des-
jogo o destino da Humanidade e com a luz da convic- criminação do que é dado imediatamente na cons-
ção de que«só a Ciência pode trazer decisões, e estas ciência como Vivência ('Er/ebn;s.), isto é, como presen- A
são etemasx». cialidade vivida.~-A investigação não pressupõeuma
consciência
em si ou em.geral nem tamp(cuco
um
objecto extramental cuja entidade ou comportamento
devam ser apreendidos pelo sujeito cognoscente. Os
conteúdosda consciênciavivente e actual, isto é, o
(") viá. Pensfero, Es;sfenza e ya/ore. Sfud; su/ bens;ero confem-
sentido enquanto sentido e o pensada enquanto puro .k
poraneo, Melão, 1940, pág. 31. pensado, são os «fenómenos», isto é, o que aparece à
@ ',

«:'«*!3F$ q«,: '''

1::i
{l UAv\"ou6abav a-L'&lvulçlxviuBlça (4uç lllç' ç pi'upi'la Ilha se
liiH apresenta como investigação psicológica, no sentido
[i,] experimental, introspectivo ou extropectivo, nem tam- comum a todas as ciências. l
l ::l$ pouco transcendental no sentido kantiano, cujo mé-
li:. todo pressupõe a existência de algo cujas condições
Í:.j{
l.ü'll de possibilidade a prior;
pr;or; são criticamente indagados.

1{
M E::,:''!'E :!=:;.?:.
",;.-'''-:,;
-''"T;:::::: Ty"'': PJn.s@@"
l:="-,"..i""g"@"
rl11 1 .êiêntífica da.EonsciêBcia, para aquilo que"ela própria
:2=''''=;;'= .:=.:= ''':
i <ê l na sua essência,.e simultâgçqlBeí1ltç.bqlg..àquilo
que«s;gn;f;ca» em todas as suas formas distintas, bem

IÉiil
l
ÇQncrefo...». i:"!= '
como para os JnQdoidiyçr®osde.ela..::.se referir ao tende a existência do eu considerada como sujeito em
":e':e.:i? i$i.;==;::'=J='=
si, nem a de coisasconhecidas
ou a conhecer
que
]8
.ii
.,+ ltl Este passoindica os objectivos capitais da Feno- sejam objectos em si.
l@il
li T":''€11 ou
mente/agia, T y:"=.'bçQ@'.J'-a-en',:':f:-
sejam a dç:çl8ê9..gal..glJg..g,.çgUsciên- Na epistemologia tradicional, a temática radica na H
Éll . .J=ie.,,.é,isto é, dos actos.psíquicos tal..qual W..gão relação do eu cognoscente e do objecto conhecido, quem .l ÊI

lHl .R-çgqgclçqcia,
r;ênrin
ciencía, pinta
dg .!gfeilçjl2BlgZldade inerente
n pnnqPiAnPinep'' an''"nrn '"'anda;ânn:'-
vi$tQ.,.a.consciência sec--semplç..«consciência
à cons- -.- =;'.«;;===;.;='==;.=1::'===:' 1x;

R l.'f
ve-se hos problemas da origem, .condições, certeza e .ll i,!
i de algo», isto é, os actos psíquicos contêm inten-
'!i cionalmente;
um objectoque se lhes opõe,e do
%l: /' s;gn;f;cada dos actos psíquicos, isto é, do sentido ou
nbT:&=:+$j:;
RbT:B=:+$jl;
L .1

: $
U

r J
\

l
Llll

tório, isto é, noético, a noesis é o aspeçto subjectivo


diante os quais se esclarecerão ulteriormente, e rêgo-J do elemento noético, e o poema, o aspecto objectivo
rosamente, as diversas regiões da realidade.
deste mesmo elemento. Donde a possível direcção de
A primeira característica,fundamental, do nliundo
duas indagações: a das noesis, ou seja a fenomenologia
do cog;fo óu, o que é o mesmo, dos actos de consciência
orientada para o sujeito ..(Fenomenologia da cona-=
enquanto tais, é a iptenciodãlidade. Significa esta
ciência), e a dos poemas,. ou seja a fenomenologia
palavra, que Husserl colheu êiÜ"Brentano e quéimpre= orientada para os correlatos da intencionalidade(Per:
gnou de densidadee de alcance,que a consciênciaé
cepção fenomeno[ógica do ser). ' ]Voes;s e poemas
l sempre «consciência de algo», isto é, acompanha-se
são, assim, os polos extremos entre os quais se move
l sempre da referência a alga, sobre o qual se projecta
a análise fenomenológicade Husserl, pois jamais se
\. ou para o qual se orienta. A consciência é, pois, con-
deve deixar de ter presenteque o noezzlanão é o
siderada como centro de intencionalidadeg==ÍÕ'que
objecto ou a coisa extramental, mas o acto noético
importa a distinção do facto psíquico, enquanto tai,
enquanto se reporta a um .objecto. .... --
e do objecto intencional, ou seja o correlato ou refe-
nolggjê..dç..HuslçELé.J;jêBçja-.dQ.guç..gl2arç.çe-.à.cons-
rência do acto psíquico.q
ciência, e do «ue ç.não çjênçiq..fle factos
Aprofundando esta distinção, nas /nvesf;galões
ou de !çglidgdes.dQ.B:updo.çspáciQ-temporal, .no sen-
/óg;cas(n) e principalmente nas .ideias, Husserl con- tido das ciências naturais.
siderou que as sensaçõessão a matéria ou momento
Assim situado, a análise mostrou-lhe que o poema,
b;/ético do conhecimento e a intencionalidade, o mo-
quanto ao conteúdo,contém um«significado» e uma
mento noéf;co, de sorte que a vida da consciênciatem
«posição»; sendo a congruência destes dois elementos
um aspectomateria], ou hi]ético, e um aspectoformal,
que' formam a «proposição»; e quanto à estrutura,
ou noético. Um e outro são momentosda vida da
implica a existênciacomo que escalonadade níveis
consciência, mas não esgotam completamente o acto
diversos. ~.Na base, um «dado» .da experiência sensí-
de consciência na respectiva imediatidade. É que
vel ; depois, as .«essênciashiléticas», ou essências eidé-
l a consciência, sendo intencionalidade e noesis, contém
ticas materiais, ou sejam as formas que exprimem a
,l a referência a poemas, isto é, os actos de consciência
lei constitutiva das regiõesdo mundo empírico(cír:
1. cognoscente apresentam-se postos perante objectos
cujo, azul, homem, etc.) e as essênciaseidéticas «for-
i ~percebidosou entendidos, que Ihe são correlatos.
mais» (igualdade, relação, etc.) .ou categorias,. que
l Por outras palavras: no acto cognoscentee idea-
exprimem a correlação dos conteúdos conscientes com trqglgnde a mente quQ.olWeFgpçionaç se apresen-
a estruturaformal da consciência
cognoscente.
As tam.coiQ-dçÇçrminações constantes. Husserl coloca
essências,hiléticas ou formais, são objectivas, porque, tudo isto«entre parêntesis», como já dissemos,porque
ao contrário de Kant, que viu nas categoriaspuras a sua pergunta consiste em saber, como no exemplo da
formas do entendimento,Husserl admitiu que, embora macieira em flor,«com que nos encontramos essencial-
seja o entendimento que apreende as essências, elas mente no complexo de vivências noéticas da percepção
são apreendidas como objectivas, isto é, como estru- e da valoraçãa que é o agrado» ('.Id, $ 88).
turas do ser. Daqui, a existência do a pr;or; material, O primeiro«dado» é a presencialidade baque/a
em contrastedo kantiano a pr;or; formal. macieira em flor agradável à vista, mas a análise
Um exemplo, colhido nas .Zde;as ($ 88), como que encontra outras presencialídades,
como a macieira,
concretiza esta concepção da estrutura lógica do saber, enquanto árvore, a floração, o agrado, etc. Quer dizer
indicando os diversos planos de presencialidadesque que sências, sendo
se dão no .acto de consciência noétiêa. Suponha-se factos fique/a macieira e fique/e agrado, isto o que é
que alguém vê com agrado uma macieira em flor: é mutável, e sendo essências a macieira, a floração, o
óbvio que o ver e o self;r agrado não são fique/a ma- agrado, isto é, o estável e que contêm a possibilidade
cieira em flor, isto é, o objecto que é visto e suscita de se dizerem de múltiplos objectos. Estas essências.
agrado. na terminologia de Husserl essênciaseidéticasmate-
As componentes da percepção (ou vivência): riais, reportam-se a certas regiões, mais ou menos
daqui/a macieira em flor podem ser diversamente vastas, do mundo empírico, mas estão, por assim dizer,
encaradas. Assim, pode ver-se nelas o ser humano próximas dos«dados» concretos da experiência sen-
que percepciona, a percepção enquanto categoria de sível. .A floração, com ser uma denominação poten-
fenómenospsíquicos,e a macieira como objecto ou cialmente aplicável a incontáveis plantas em flor, é
realidade extramental, que apresenta certas determi: como que contígua ao«dado» de fique/a macieira em
naçõese relaçõesreais e constantescom a mente flor. Acima destas essências, porém, a análise encon-
cognoscente. Quer dizer, podem estudar-se separada tra ainda as«essências eidéticas formais», as quais,
e autonomamente os estados psíquicos de percepção e no exemplo, estabelecem a: correlação da floração
de agrado, enquanto fenómenos psíquicos<]111gg.gl2]ec- daquela macieira com as puras formas: objecto, rea-
tos.pçrcepcionados, enqulgÇg re$.cuja.existência lidade, afinhação, indubitabilidade, agrado, etc.
A toda a experiência singular e concreta, isto é.!
a todo o«fenómeno» ou dado patente à consciência.. sequentemente,.. que. têm de ser estudados com ag
correspondem, assim, essências('eixos,), mediante as categorias da Ciência natural. A existência de regiões
quais as experiências, dados ou fenómenos se situant antológicas diversas, correspondendo a cada uma
e ordenam nutna «região»,que representa a suprema delas,essênciashiléticas e formais que fundamentam
unidade genérica relativa a essas experiências, fenó- as ciências relati\ras às diversas regiões, arruína pela
menos ou dados. jíaiz a«naturalização das ideias e da consciência» e
É que os objectos não têm todos a mesma estou. põe a claro a«percepção fenomenológica>do ser»: a
tura ontológica nem a mente os intui, representa ou qual «abre um campo imenso» de «amplas intelec-
pensa da mesma maneira. Assim, por exemplo, os çõesdas mais rigorosase decisivaspara toda a Filo-
objectos físicos, materiais e tangíveis, agrupam-se na sofia ulterior» e converte a F'enomeno/o.g;aem ciência
região a que chamamos«natureza», que é formada por. radical, a cujas«ontologias regionais», ou fenome-
um conjunto de essências,como materialidade,cor, nologias particulares, as ciências Obj8ctivadas vão
espaço, extensão, etc. ; e a maneira como estes objectos )uscar os respectivos fundamentos.
são intuídos, representados ou pensados não é a mesma Com ser elementaríssima, esta exposição é sufi-
como são intuídos, representados ou iente para mostrar que a Psicologia naturalista não
pensados os
objectos ideaisda Matemática ou os valores da Ética tomaconta do mundo ideal das essências,semas quais
ou da Estética. Por isso, cada região de objectos tem senão pode constituir em condiçõesde explicabili-
uma«ontologia regional» própria, ou por outras pala- ade; e consequentemente,é incapaz de fornecer os
vras, os objectos de cada região possuem uma maneira lementosconstitutivos de um saber absolutamente
,J
de ser que lhes é própria e uma maneira especial de. fundadoe,.portanto, de ser ou de vir a ser, a Filosofia
se tomarem objectos da consciência. como ciência de rigor.
O psicólogoexperimental, fiel à mentalidade natu- O erro do psicologismo ressalta, pois, assim como
ralista, pensa os fenómenos psíquicos como se fos- do nominalismo, pois quando se formula uma pro-
sem coisas ou acontecimentos do mundo espácio-tem- )osiçao ou Juízo com pretensão de verdade, o signi-
poral Atribui-lhes o mesmo tipo de existência, isto cado que exprimemnão é f/alas voas neih acto
é, natura/;za-os, pensando que há 'sòmente. uma :ssoalde quem julga, visto ser o' mesmoquein-
maneirade ser, que é o ser da Natureza,e con- ler que seja .que o exprima. Por isso a Feno-
leno/og;a, indo à raiz última e não admitindo coisa
alguma que não seja esclarecida,apresentava-se
ao
pensamento de Husserl não só como a primeira das
ciências, por ser a ciência que se ocupa das essências
eidéticas e das ontologias regionais sem as quais senão
explicam a constituição das diversas ciências partícula.
res, mas ainda como a única consideração legítima da
«Filosofia como ciência de rigor».
Assim pensada,a Filosofia é a um tempo meto
dologia e metafísica objectiva a priori, ou por outras
palavras, «ciência pura de essências». Como escreveu
Paul Landsberg (:'), «Husserl renovou a antiga ideial
da episfeme, da unidade de um saber necessário englo.
bando de jure o conjunto de uma estrutura apriórica
do Universo. A Filosofia não é, pois, falseada, comol
no cientismo, pela subordinação da sua ideia a unll
ideal de ciência tirado de alhures; aqui a própria ideial
de ciência acha-se primariamente determinada pela
relação a uma aspiração filosófica e universal. Paul
Husserl, a Filosofia não é uma ciência ou uma espécie
de anexo às ciências; é a C;ênc;a».
./
Coimbrã, Janeiro de 1952

JOAQUIM DE CARVALHO

o'Flq
(") Vid. Husserl ef i'fdée de /a ph;/osopbíe, in Rel'ue /nfernafi
na/e de PbiÍosoplüe, n.o 2(Bruxelas, 15-1-1939), pág. 319.
D
])esde os seus inícios, a Filosofia pretendeu ser ciência de
rigor propriamente susceptível de satisfazer às supremas neces-
sidadesteóricas, e de possibilitar uma vida ético-religiosa regu-
lada por nonüas puramente.racionais. Se foi com intensidade
ora maior, ora menor, que esta pretensão se afirmou, nunca se
chegoua renunciamcompletamente a ela -- nem sequer quando
ameaçaram degeneraros interessese as aptidões votadas à
teoria pura, ou quando as potências religiosas suprimiram a
liberdade de investigação teórica.
Em nenhuma das épocas da sua evolução, a Filosofia
soube satisfazer a pretensão de ser ciência de rigor--nem
sequerno último períodoque, apesarde toda a multiplicidade
e discordânciade orientaçõesfilosóficas, progride numa evo-
lução uniforme e contínua desdea Renascençaaté à actua-
lidade. É verdaiie que o efAos dominante da B'il(Lofia
moderna consiste justamente na sua vontade de se consti-
tuir como ciência de rigor, por meio de reflexões críticas,
em investigaçõessempre mais penetrantes do método, em vez
de se abandonarirreflectidamente
ao impulso filosófico. o
único fruto maduro, porém, destesesforços,foi a fundamenta-
ção e autonomia das Ciênciasnaturais e morais como ciên-
cias de rigor, e de novas disciplinas puramente matemáticas.
A Filosofia, ela própria, no sentido particular que só agora
começa a destacar-se,continuou a carecer do carácter de uma
ciência de rigor. Mesmo o sentido deste destacar-seficou
sem definição cientificamente segura. Ainda hoje continuam
a ser discutíveis a posição da Filosofia em relação às Ciências
g$ q lil
naturais e morais, a questão da exigência de orientações novas,
em princípio, e estabelecendo fins e métodospara o seu tra-
balho que,' especificamentefilosófico, não deixa de relacio-
nar-se essencialmentecom a Natureza e o Espírito, e portanto
a questão do que é filosófico levar como que a uma dimensão gico; por outro lado),há vários defeitos na sua doutrina já for- .t
nova, ou de ele se situar no mesmoplano do das ciências made, aparecendo por vezes'restos da obscuridade ou imper- f
empíricasda Natureza e da vida intelectual. Vê-seque nem feições na ordem sistemática das provas e das teorias.. Mas .l

\
sequer o próprio sentido dos problemas filosóficos chegou a
ser cientificamente esclarecido.
Portanto, a Filosofia,' pelas suas intenções históricas a mais
:'==:=:: ==::===:='====T=: .!ÊIEF
objectiva ou da probabilidade objectivamente fundamentada

=xsn;:n;iizK«=' 18
alta e mais rigorosade todas as ciências,a representanteda
aspiração imperecível da Humanidade para o conhecimento
puro e absoluto(e intrinsecamentepara a valorizaçãoe voli-
ção puras e absolutas), não sabe constituir-se em verdadeira
ciência. A mestra cuja vocação é ensinar a obra .etema da ::.==W=::':::====='.=='.=;=H
e é geralmenteconsideradacomo tal(ly.
] 8}
Humanidade, nem sequer sabeensinar objecüv.amante. Kant
costumava dizer que não se podia ensinar a Filosofia, mas
apenaso filosofar. Que é isto senãoconfessarque a Filosofia
não é ciência? O ensinoe o estudopodem ir até onde chega
a .verdadeiraciência,e o sentido é o mesmopor toda a parte.
.+ Pois o estudo científico não é nunca recepção passiva de mato- l
7 rias. alheias ao esp rito a sua base é sempre a auto-actividade,
a reprodução íntima, dedutiva e indutiva, das intelecções
/ racionais dos espíritos criadores. A Filosofia não pode apreen-
der-se, porque nela não existem semelhantes intelecções
objectivamente compreendidas e fundamentadas, e, o que
significa o mesmo, porque ela carece ainda dos problemas,
métodos e teorias bem definidas nos seus conceitos e plena-
mente esclarecidasno seu significado.
Não digo que a Filosofia seja uma ciência imperfeita. Digo
simplesmente que ainda não é ciência, que não chegou a sê-lo, a
julgar pelo critério de um conteúdo-- ainda que reduzido--
teórico,; objectivamente fundamentado, que possa ser doutri- ';
4

5
As construçõesesboçadaspela literatura universal da Fila.
sofra dos tempos antigos e modernospodem basear-senuQ ras, pedra por pedra se Ihe juntem, consolidando-o? É esta
trabalho intelectual sério, e até enorme; e mais: podem pre- a questão divisória dos espíritos e dos caminhos.,a seguir.
parar em alto grau o estabelecimento de futuros sistemasdou-
trinais de rigor científico. Não há, nelas,porém, nada que por As
enquanto se possa reconhecer constituir um fundo de ciência aquelas em que a pretensão das fito;Õiiás anteriores de serem
filosófica, e não há esperançade a tesoura da crítica conseguir ciência se .vai desmoronando em virtude da çrítica do seu
cortar, aqui e acolá, fragmentosde uma doutrina filosófica. suposto procedimento científico, passando então os seus tra- #

É mister voltar' a pronunciar esta convicção,com toda a balhos a ser orientados e organizados pela vontade consciente
rudeza e sinceridade, e precisamente aqui, nos inícios da publi- da reorganizaçãoradical da Filosofia no sentido de uma ciên-
caçãoda revista Logos (i) que pretende documentar uma vira- cia de rigor. Toda a energia pensativa começa por concen-
gem significativa da Filosofia' e preparar o terreno para a trar-se nas consideraçõessistemáticas destinadas a traje.
futuro sfsfema da Filosofia. rem o esclarecimento
decisivosobreas condiçõesde uma
Pois, com a afirmação brusca do carácter não-científico ciência de rigor, ingènuamente ignoradas ou mal compreen-
de toda a Filosofia até agora, levanta-selogo a questãode a didas pela filosofia anterior, --para depois passar a tentar a H
Filosofia .continuar a pretender chegar a ser ciência de rigor construção de uma nova doutrina filosófica. Semelhantevon-
.-- de ela poder t dever pretender chegar a sê-lo. Qual para tade plenamente consciente de ser ciência de rigor, dominou
nós o significado dá nova «viragem»? Será abandonar a ideia â viragem socrático-platónica da Filosofia e igualmente, nos
de uma ciência de rigor? E qual para n6s o significadodo princípios da época moderna, as reacçõescientíficas contra a
«sistema»que ansiamose que queremosseja o ideal que nos Escolástica, nomeadamente à viragem cartesiana. O seu
ilumine as inferioridadesdo nossolabor investigador?Seria impulso transmite-seàs grandesfilosofias dos séculosxvii
um«sistemmDfilosófico no sentido tradicional, como que outra e xviii, renovando-secom a violência mais radical na crítica
Mlinervaa nascerperfeitae armadada cabeça. de um génio da Razão pura de um Klant, e dominando ainda o filosofar
./ criador -- para em tempos posteriores ser .conservado,ao lado de Fichte. A investigação
volta semprea incidir sobreos;
de outros semelhantes, no silêncio do museu da História? verdadeiros inícios, as formulações decisivas dos problemas, >
l Ou seria um sistemadoutrinal, filosófico, que, apósos ehor: o método justo. )
mes preparatórios de geraçõesinteiras, e como todas as bons: Isto modifica-se apenascom a filosofia romântica. Embora'
truções sólidas, se inicie na base de fundamentos seguros e se o próprio Hegel insista no valor absoluto do seu método e da
erga na medida em que, conforme às intelecções orientado sua doutrina, o seu sistemacareceda crítica da Razão,que é'
a condição primacial do carácter filosófico-científico. Rela-
ciona-se com isto, porém, estafilosofia, como aliás toda a filo-
H
(') Referência à publicação do original deste estudo no l. volume sofia romântica, ter actuado posteriormenteno sentido de um
da revista Logos, (1910-11). N. do T. er#raquecfzzzenfo ou de uma adu/geraçãodo impulso da cons-
tituição de uma ciênciafilosófica, de rigor.
Quanto à segundadestastendências,a adulteração, o revi-l Esta intenção não é de modo algum alheia à actualidade.
goramento das ciências exactas fez com que o l1legelianismo Anima precisamente o Naturalismo dominante. Desded prin-
provocasse, como é sabido, reacções que levaram à suprema- cípio, ele segueresoluto a ideia de uma reforma rigorosamente
cia do ]Vafura/;smo
do séculoxvin, e ao predomíniodo seu científica da Filosofia, julgando até constantementetê-la
cepticismo, renunciador a toda a idealidade e objectividade conseguido já, quer pelas suas realizações anteriores, quer
absoluta do valor, na ideologia e filosofia dos tempos recentes. pelas recentes. Mas, em princípio, tudo isto é efectivado
Por outro lado, a filosofia hegelianateve por efeito enfra- por forma teoricamente errada desde os seus fundamentos,
quecer o impulso filosófico-científico, com a sua doutHna e constituindo pràticamente um perigo crescentepara a nossa
da legitimidade relativa de toda e qualquer filosofia, para a cultura. É hoje em dia importante submetera filosofia natu-
respectiva época -- doutrina essa cujo sentido foi, porém, ralista a uma crítica radical. Importa muito em especial
dentro do sistema de pretenso valor absoluto, completamente uma crítica positiva dos fundamentos e dos métodos, a sobre-
diverso do significado historicista com que a acolheram as por-seà crítica meramentecontraprovativaque parte das
gerações que, perdendo a fé na filosofia hegeliana, perderam consequências. SÓ aquela é susceptível de manter intacta a
a fé em toda a Filosofiaabsoluta. Ora, a transformação da confiança na possibilidade de uma filosofia científica, amea-
filosofia metafísica da História, de }legel, num Historicismo çada pelo conhecimento das consequênciasabsurdas do Natu-
céptico, é essencialmentedeterminada pelo advento da nova ralismo que se baseia na rigorosa ciência empírica. A seme-
«ff/osof;a idem/óg;ca»que precisamente em nossos dias parece lhante crítica positiva é que se destinam as considerações da
propalar-seràpidamente,e que de resto, ela própria, na sua primeira parte desteestudo.
polémica em geral anta-naturalística e por vezes até anta-histo- Quanto, porém, à viragem muitas vezes observada da nossa
ricista, não tem as mínimas pretensõesde cepticismo. Como época,esta, embora de tendênciaprincipalmente e legitima-
elà, porém, pelo menos em todos os seuspropósitos e procedi- mente anta-naturalística, parece estar prestes a desviar-se das
mentos já não se apresenta dominada por aquela vontade radi- linhas da filosofia científica para acabar numa mera filosofia
cal de ser doutrina científica, que constitui o granderasgoda ideológica, sob a influência do Historicismo. Na segunda
filosofia modernaaté Klant, é particularmentea ela que alu- parte trata-se de discutir em princípio a diferença destasduas
dimos ao falar do enfraquecimentodo impulso filosófico-cien- filosofias, e de considerar a sua legitimidade relativa.
tífico
l

As considerações seguintes baseiam-se no Pensamento de


os supremos interessesda cultura humana exigirem a informa-
ção de uma filosofia rigorosamentecientífica; e de, portanto,
uma viragem filosófica do nosso tempo, se há-de ser legí-
tima, não poder prescindir da intenção intrínseca de fundamen-
tar a Filosofia novamenteno sentido de uma ciênciade figo;.
FILOSOFIA NATURALÍSTICA

O Naturalismo resulta do descobrimento da Natureza como .8

unidade do Ser no tempo e no espaço, segundo leis exactas


naturais. O Naturalismo propala-se na medida da realização
progressiva desta ideia em ciências naturais, que constante-
mente se multiplicam, fundamentando uma superabundância
de conhecimentos rigorosos. Analogamente, o Historicismo
resultou mais tarde da«descoberta da l:história:üe da fundamen-
tação de Ciências morais que se foram multiplicando. É que
em conformidadecom as concepções
habituais, o cientista
dedicado às Ciências naturais tende a considerar tudo como
natural, e o erudito dedicadoàs Ciências.morais,a considerar
tudo como espiritual, como histórico, errando, por conse-
guinte, üa interpretação daquilo que não possa ser conside-
rado desta maneira. Portanto, passandoa tratannos em espe-
cial do Naturalista, este não depara senão com a Natureza, a
começar pela' natureza física. Tudo que é, ou é, ele mesmo,
físico, ou, apesarde psíquico, é mera variação dependentedo
físico, na melhor das hipóteses,«facto paralelo, concomi-
tante», secundado. Tudo que é, é de natureza psico-física,
inconfundivelmente determinado segundo leis firmes. Para
nós, esta concepçãonão sofre modificação essencialcom a dis-
solução sensualista da natureza física, ém cores, sons, pres:
iões, etc., nem tão-pouco com a do chamado psíquico, em
complexos complementares daqueles, .:ou de outras«sensa-
ções»,no sentido do Positivismo(quer se apoie numa enter-#
pretaçãonaturalista de Kant, quer na renovaçãoe continua-
ção consequentede Hume).

3üt
O que caracterizatodas as formas do Naturalismo extremo fundamente e simultâneamenterecomendevalores ou normas
e consequente,a começarpelo Materialismo popular até aos práticas como os mais belos e melhores,-- as premissasdas
mais recentes Monismo sensorial e Energeüsmo, é por um lado suaspróprias teorizações,da sua instituição de valores.objec-
/
a naftíra/;cação da conscfênc;Q,incluindo todos os dados inten- tivos propriamente adequadospara a valorização, e igualmente
cionais e imanentesda consciência,e por outro lado a nafta de regras práticas que se imponham à vontade e acção de
ralfzação das ;delas, e de todos os ideais e normas absolutos. todos. O Naturalista é doutrinador, pregador, moralizador,
A este último respeito, ele elimina-se a si mesmo, sem dar reformador(i). Mas nega aquilo que é a premissa do sentido
por isso. Se consideramosa Lógica formal como o índice exem- de todo o sermão e de todo o postulado como tais. Apenas não
plar de toda a idealidade,o Naturalismo, comose sabe,in&r- ensina, tal qual o cepticismo antigo, express;s verbas, que a
preta os princípios lógico-formais, as chamadas leis do pen- única Coisa razoável seria negar a Razão, tanto a teórica como
samento, no sentido de leis naturais do pensamento. Noutro a axiológicae a prática. Insistiria até em distanciar-sedisto.
lugar(1) se provou por extenso que isto implica um cont:ra- O contra-sensoque há nele, não é patente, mas oculta-se a €1e
-sensodaquele género que caracteriza todas as teorias cépticas
i próprio, residindo na sua naturalizaçãoda Razão.
num sentido expressivo. Podem-sesujeitar a idêntica crítica A este respeito, o litígio está objectivamente decidia),
radical tambéma axiologia,a prática, e com ela a ética embora continue a subir a maré do Positivismo e do Pragma-
rlaturalista. País os contra,sensos teóricos são inevitàvelmente tismo,~ainda mais relativista do que aquele. Contudo, é preci-
seguidos por contra-sensos (discordâncias evidentes) no pro- samente nesta circunstância que se evidencia a exiguidade (!o
cedimento actual, teórico, axiológico. ético. Em geral, pode vigor efectivo de argumentos que partem das consequências.
dizer-se que o Naturalista é idealista e objectivista no seu pro- Os preconceitos cegam, e quem não ver senão factos empíri-
cedimento. Anima-o o intuito da intelecçãocientífica e por- cos e intimamente não reconhecer valor senão à ciência empí-
tanto concludentepara todos os seresracionaisdaquilo que seja rica, não se sentirá muito perturbado com consequênciasabsur-
H
por toda a parte a verdadeira Belezae o autêntico Bem da sua das que não podem ser comprovadasempiricamentecomo
definição geral, do fnétodo de os conseguir no caso singular, contraditórias com os factos da Natureza. DeÉj5rezá-las-á
como
.4 Julga o fim atingido, no que tem de mais importante, pelas «Escolasticismo». Mas a argumentação baseada nas conse-
Ciênciasnaturais e pela filosofia científica, naturalista, e com o quênciaspode também falhar fàcilmente entre aquelesque são
entusiasmo desta consciência, defende agora, qual doutrinados acessíveisao seu vigor concludente. Com o descréditoapa-
e reformador prático, a Verdade, o Bem e a Beleza «naturalis- rente.do Naturalismo, que pretendeuinformar a Filosofia na
tas, científicas».Ele é, porém,um idealistaque.estabelece
e baseda ciênciade rigor e comociênciade rigor, o seupróprio
julga fundamentar teorias que negam precisamente as premis: fim metódico 'aparece desacreditado,' e tanto mais quanto
sas do seu procedimento idealista, quer construa teorias,'quer é certo que neste lado tambémreina::a tendênciade w

(') Cf. as minhas /nvesf;galões /óéfcas,vo1. 1, 1900: (') Haeckel e Ostwald podem servir de exemplos excelentes.
/2

poder imaginar a ciência de rigor apenas como ciência posi- quíssimo se deve à refutação, aliás útil e imprescindível, do
tiva, e a filosofia científica apenascomo baseadanuma tal Naturalismo na base das consequências. Outra coisa resulta
da crítica necessária,positiva e semprefeita em princípio, dos
ciência. Porém, isto também não passa de um preconceito, e
seus fundamentos,' seus métodos e suas realizações. Distin-
seria um erro fundamental desviar-sepor isso da linha da
ciência de rigor. Os méritos do Naturalismo e ao mesmo guindo e esclareçEnçll?!xobrigándQ..3Aexaminar o próprio.sen-
tido dos motivos filosóficos, geralmente formulados tão vaga
tempo uma parte principal do seuvigor,na nossaépoca,resi-
dem precisamentena energiacom que ele procura realizar o e ambiguamente como problemas, q: clíÜQa .é !usçeptíyel de des-
princípio do rigor científico em todas as esferasda Natureza pertar aq noçõe?de fin!-e. de caminhos.melhores, e de ger posi-
tivamente propícia para o nosso propósito. Nesta intenção
e do Espírito, na teoria e na prática,-e cola que aspira à solu-
é qüe discutimos mais por extensoo carácter particularmente
ção científica -- ao seu parecer, :de«exactidão naturalista» ---
l dos problemasfilosóficos do Ser e dos Valores. Talvez nãa acentuadoatrás, da filosofia combatida, o da na/ura/;zaçao
da consciência. As relaçõesmais profundas com as consequên-
haja outra ideia, mais poderosa,mais continuamente'progres-
siva, em toda a vida moderna, do que a da.Ciência: À sua mar- cias cépticas aludidas, revelar-se-ãoespontâneamente,e com-
cha triunfal, nada se oporá. De facto, ela é universal nos seus preender-se-á igualmente toda a amplitude do significado e
da motivação a atribuir a nossasegundacensura,que diz re8;
fins legítimos. Pensadana perfeiçãoideal, ela seriaa própria
peito à naturalizaçãodas ideias
Razão que não poderia ter outra autor'idadeigual ou superior.
Portanto, todos os ideais teói'idos,axiológicos,práticos,' que 8
o Naturalismo adultera, impondo-lhes a interpi'etação empa-/
rica, entram certamentetambém no domínio da ciênciade
rigor.
Naturalmente as nossas análises críticas não se referem
Entretanto, as convicções gerais pouco significam, quando
às reflexões mais populares de naturalistas filosofantes, mas
não se sabe fundamenta-las, e pouco significa a esperança
preocupam-se, sim, com a filasofía erudita que dispõe de meios
numa ciência,quando não se descobremos caminhosque
realmentecientíficos,. e pai'ticulafmente dé um método e de
levam aos seusfins. Sepois se quer que a ideia de uma Filo-
uma disciplina com que julga ter definitivamente chegadoà
sofia como ciênciade rigor dos problemasindicadose de
categoria de umâ ciência exacta. Ela está tão certa disto que
t:odesos restantes,congéneres,
não fique sem vigor, é pre-
olha com desprezotodos os outros modos de filosofar que,
ciso. encalgrmos possibilidades claras da sua realizaçãoc é
em relação ao carácter científico, exacto, do seu, se Ihe afigu-
'p!.SciW Suei fl;cEarêõi;;;êllfõ"aã'biobiéháÍS ;1 6ên etÜção ói'
ram comparáveis à turva filosofia renascentista da Natureza;
Bçp sentido pura iioslevé a llermõs tambiãm a noção plena
perante a vigorosa Mecânica exacta de um Galileu, ou à
d(B métodos adequados .a estes l)!gblelna!, pgr .ferem.pos- Alquimia perante a Química exacta de um Lavoisier. Se
tulados pela sua própria essência. É esta a ê)bra a realizar, perguntarmos, qual seria a filosofia exacta, embora ainda
para se chegarimplicitamenteà confiançaviva e activa rudimentar, análoga à mecânica exacta, indicam-nos a psicó,
na Ciência, e ao seu verdadeiro início. A este respeito, pou-
/5

física e muito especialmente a Psicologia expedmenfa/, indis-.


reza no sentido amplificado, psicofísíco, e respectivamente para
cu6velmente ciência de rigor. Esta, afirmam ser a psicologia as ciênciasque a investigam, portanto particularmente para a
científica e exacta, procurada desdetanto tempo e finalmente psicologia. O psíquico não contitui um mundo para si, é dado
tomada realidade. Com ela, a Lógica e a Teor'iado Conhe- comoEÜ ou comoexperiênciavivida de um Eu(num sentido
cimento. a Estética, a Ética e a Pedagogia teriam acabado aliás muito heterogéneo), que empiricamente apreendemos
por encontrar o seu fundamento científico, e até já estariam manifestar-se relacionados com certas coisas físicas, chamadas
em plena via de se transformarem em disciplinas experimen- corpos. Esta é também uma antecedênciaque logo se com-
tais. De resto, a Psicologia exacta seria naturalmente a base preende. Ora, cabeà Psicologiaa investigação científica deste
de todas as Ciênciasdo espírito e bem assim da Metafísica, psíquico evidente, integrado na natureza psicofísica, a sua
embora no caso desta, não seria a base preferida, visto a ciên- detenninação objectivamente válida, a descoberta das leis da
cia física concorrer de modo igual para a fundamentaçãodesta sua formação e transformação, do seu aparecer e desaparecer.
teoria mais geral da realidade. Toda a determinação
psicológicaé eo ipso psicofísica,no
mais amplo sentido(a que por diante nos atendemos), de ela
Em contraposição, as nossas objecções. Em primeiro lugar, estar sempre acompanha(h pof um co-significado físico.
bastaria uma reflexão breve para se compreender que a Psico- Ainda quando a Psicologia-- a ciência empírica -- se refere a
logia, como ciência de factos, não está de maneira alguma habi- merossucessosda consciência,e não a dependênciaspsicofísi-
litada a proporcionar fundamentosàquelasdisciplinas filosófi- casno sentido ordinário, mais restrito, estessucessosnão dei-
cas que lidam com os princípios puros de toda a sujeiçãoa xam de ser pensados como integrados na Natureza, isto é per-
normas,portanto à Lógica pura, à Axiologia e Prática puras: tencentesa consciênciashumanas ou animais que por seu lado
Podemos dispensar-nos de pormenores que evidentemente espontâneamente se compreendem ou então se subentendem
reconduziáam aos contra-sensos cépticos já discutidos. com.o relacionadas com corpos humanos ou animais. A eli-
Quanto, porém, à Teoria do Conhecimento, distinta da Lógica minação da relação com a Natureza privaria o psíquico do
pura, no sentido da pura mafhesfsuniverso/fs(que não serela- carácter .de facto natural de determinação objectiva e tem-
ciona com o acto da intelecção), muito se poderia opor ao Psi- poral, numa palavra, de facto psicológico. Fixemos,pois,
cologismo e Fisicismo. Eis a indicação de algumas objecções- que todos os juízos psicológicos incluem -- explicitamente ou
l
Pelos seus pontos de partida, toda a Ciência natural é não -- a posição existencial da Natureza.
/ ingénua. Para ela, a Natureza que pretende investigar, existe. Depois disto, compreende-se
o seguinte. Se houver argu-
simplesmente. A ex;sfênc;a de coisas-- estáticas, móveis, mentos decisivos para a ciência física da Natureza nunca
variáveis, no espaçoinfinito, e temporais, no tempo infinito poder vir a ser Filosofia no sentido específico,e nunca poder
-- compreende-se desde logo. 4:Apercebemo-nos delas, descre- servir de baseà Filosofia, e para ela ter valorizaçãofilosófica
vemo-las em simples juízos empíricos. O conhecimentoobjec- para fins metafísicos apenas na base de uma filosofia prece-
tivo, rigorosamente científico, destes dados evidentes é o dente -,-- todos esses argumentos aplicar-se-iam igualmente à
desígnioda Ciêncianatural. O casoé idêntico para a Natu- Psicologia.
Orai tais argumentosnão faltam de maneira alguma.
Basta lembrar a«ingenuidade» com que, conforme o exposto responder a estas questõesi não tendo chegado até agora, a dar
atrás, a Ciência natural aceita a Natureza como dada, -- inge- respostas cientificamente claras, uníssonas, decisivas, apesar
nuidade essaque nela é, poi' assim dizer, imortal, repetindo-se do pensamentolaborioso que Ihe votaram os maioresinves-
tigadores.
p ex. em todos os pontos do seu procedimento, onde recorre
ao simplesempirismo-- e por fim é que todo o métodocim. Para se compreendero Contra-senso de uma«Teoria do
típico experimental reconduz ao empirismo. Contudo, a Ciên. Conhecimento naturalista, científica», e portanto também de
cia natural é muito crítica, à sua maneira. A experiência qualquer Teoria psicológica do Conhecimento, basta ser rigo-
isolada, embora acumulada, tem ainda pouquíssimo ralar. rosamente consequentena manutenção do nível desta proble-
a a experiênciase atHbui o seu grau de valor, e toda a mática (-consequência essa que, porém, al:é agora tem faltado
intelecção objectivamente válida da Natureza se opera na a todas as Teorias do Conhecimento). Se, geralmente falando,
ordenação e no relacionamento metódicas das experiências, na certos problemas são em princípio imanentes à Ciência natu-
reciprocidade do experimentar e do pensar que segue as suas ral, é evidente que as suas soluções são em pHncípio trans-
regras logicamente fixas. Mias, por mais que este modo de cendentes,nas premissase nos resultados. Esperar da pró-
crítica da experiêncianos possa contentar, enquanto a nossa pria Ciência natural a solução de todos os problemas ineren-
posição estiver dentro da Ciência natural e o nosso pensamentotes a eja qua/ C;éncfa natura/ -- e portanto inerentes a ela toda.
orientado por ela-- há ainda uma crítica inteiramente diversa de o princípio até ao fim --, ou julga-la sequer susceptível
i da experiência, possível e imprescindível, que põe em dúvida a de oferecer quaisquer prezrz;smas para a solução de um pro-

l totalidade do empirismo e ao mesmo tempo o pensamento


científico-experimental.
blema deste género, significa mover-se num círculo vicioso.

Tudo se torna problemático, desde que a reflexão sêda. ;TU=J==,';:;j:T::\==/::=-


==
mente incida sobre ele: a possibilidadeda experiênciaqual do Conhecimento que conserve o seu sentido uníssono, deve
conçclencla apresentar um objecto ou incidir sobre ele; a em princípio ficar excluída, e cam ela fadas as afirmações
./ possibilidadeda justificação ou correcçãomútuas das expe- que implicam pos;iões existenciais, féffcas, de objectos concre-
riências, além da sua exclusão ou corroboràção subjectivas; tos, com o espaço, o tempo, a causalidade, etc. Isto parece
a maneira,de um jogo da consciência ter o que se estendeainda a todas as posiçõesexistenciaisque se
empíiíco-lógica
significado de um valor objectivo, para coisas que o são em referem à existência do homem investigador, das suas capa-
cidades psíquicas, e coisas semelhantes. + ''
si e para si; a razão de, por assimdizer, as regras do proce-
dimento da consciêncianão seremirrelevantes para as coisas E mais Se,aindaassim,a Teoriado Conhecimento pre-
o modo de a Ciência natural ser inteligível em tudo, ao julgam tende investigar as relações entre a consciência e o Ser. ela
estabelecer e conhecer a cada passo uma Natureza, em si exis, pode encarar o Ser apenas como correlativo com a consciên- l
tente-- peranteo fluxo subjectivoda consciência.Comose cia, como algo, cujo «significado» se correspondebom a cons-
sabe,a Teoria do Conhecimento
é a disciplinaquepretaide ciência: --na sua qualidade de percebido, recordado, espe-
rado, imaginado,fantasiada,identificado,distinto, acredi-
2

l
todo, suposto, estimado, etc.. Vê-se então que a invesügaçãa pria consciência, compreendendo-se,' por conseguinte, -.perfei-
precisade ser dirigida para"uma intuição essenciale cien- tamente. Para isto, é preciso o estudo da consciênciafofa/,
tífica da consciência,para aquilo que a consciência,ela pró- visto ela por todas as suas formas.assumir funções possíveis
pr;a«é», na sua essência,e simultâneamentepara aquilo que de intelecção. Sendo,porém, toda a consciência,uma «cons-
«s;gn;f;ca» em todas as suas formas distintas, bem como para ciênciade ...», o estudoda sua essência
inclui tambémo do
os modas diversos de ela -- em conformidade cóm a essência seu significado e do seu objectivo como tais. O estudo de
destas formas -- $e referir ao conczefo,«provandoEP porventura qualquer espécie de «objectividade», na sua essência geral
o «valor» e a «realidade»da sua substância,de uma maneira (estudo essequepodeseguir interessesalheios à Teoriado l
quer clara, quer não, ora presente,ora actualizada, significa-= \.,onneciniento
Conhecimento e a invesugaçao
e à investigação aa consciência),
da consciência), é
é orientado
orientado ll
uva ou figurativa, simples ou intelectualizada, xnesteou naquele pelas modalidades de elas serem dadas, ê exaustivo da sua d
modo atencional, e assim por diante, num infinito de outras essência,nos processosrespectivosda «clarificação». Embora l
formas. nãa orientado no sentido das modalidades da consciênciae da
Todos os géneros objectivos que se' quer sejam objectos investigaçãoda sua ciência, o método da clarificação implica,
de um díscul:goracional, de' uma intelecção pré-científica e ainda aqui, a imprescíndibilidade da reflexão sobre as modali-
depois científica, devem manifestar-se na intelecçãa, e pof'- dades cío seu significado e da sua apresentação,como dadas.
tanto na própria consciência, e deve ser possível aprese=itá-los Em todo o cabo, porém, a clarificação de todos os génerosfun- .l
como dados, em conformidade com o sentido de toda a inte- damentais de objectividades é, vice-versa, indispensável, e por
lecção. Todos os géneros da consciência, ordenados por conseguinte, implícita, à análise da essência da consciência:
assim dizer teleolàgicamente sob o título de intelecção e, mais e mais ainda na análise epistemológicaque considerasua a
proximamente, dispostos segundo as diferentes categorias dos tarefa da investigaçãodas correlações. Em consequênciadisto
objectos-- quais grupos de funções inteligentes que especial- compreenderemos todos estes estudos, embora relativamente
mente lhes correspondem-- é preciso que possam ser estuda- distintos, sob o título de fenonieno/óg;cos.
dos na continuidade do seu ser e na sua relação com as for- Neles, deparamos com uma ciência, cuja amplitude os
mas respectivas da consciência da sua apresentação como contemporâneosainda não imaginam, e que, apesarde ciência
dados. Assim, é preciso entender o sentido da questão de da consciência,não é psicologia:-- deparamoscom a Feno-
legitimidade, a formular em relação a todos os actos de inte- meno/agia da conscfénc;a, oposta à Cféncfa natura/ da cons-
lecção, esclarecer-se completamente a essência de uma legiti- cfênc;a. Como não há de tratar-se de uma equivocaçãocasual,
maçãofundada,e da fundamentabilidade
ou do valor ideal, é de esperar de antemão que a Fenomenologia e a Psicolo-
e para todos os graus da intelecção, sendo o grau supremo o gia .gçvemKesta! próximas.umada.gytra, referindo-se ambas à
da intelecçãocientífica. çonsciênciaJL-embora.de modos diversos e em.«orientação»
O significado da afirmação de a objecf;v;ande concreta diversa, podendo.dizer=se.que â.Psicologia interessa a«cona- {=
existir e provar-se inteligível como existente.e no modo da ciencig:.emplrica>»J...a consciência.na.orientação empírica como
sua existência, é qüe deve evidenciam-semeramente com a pró- algo de existente na continuidade da Natureza, ao passoqüe
à Fenomenologia.
interessaa consciência«pura»,istoé, a cona.;
secamente inteligível, sem aquela análise da consciência. É que
ciência na=.orientação fenomenológic%.
para o registo experimental das suas regularidades psicofísicas,
Se assim estiver certo, resultaria daí a Psicologia estar mais
chegam as classificações rudimentares de percepção, imagi-
chegadaà Filosofia-- por meio da Fenomenologia
-- em vir-
nação, afirmação, cálculo e erro de cálculo, avaliação, -reco-
tude de razões essenciais, e.o seu destino continuar intimamente
nhecimento, esperança, recordação, .esquecimento, etc.; e é
ligado a ela, apesar de ser verdade que a Psicologia não é nem.
verdade que, vice-versa, o fundo destes conceitos com o qual
pode ser Filosofia, tão pouco como a Ciência física. Seria de
ela opera, determina a posição das questões e as averiguações
prever, por fim, que toda a Teoria do Conhecimentopsicologís= acessíveis a ela.
rica há-de formar-se na confusão, que presumivelmente se
Bem se pode dizer que as relaçõesentre a Psicologiaexpe-
impõe, da consciência pura com a en\pírica; ou, o que significa
rimental e a Psicologia originária são análogasàs da esta-
o mesmo, na«naturalização>õ da consciência pura, errando
tística social e da ciênciasocial originária. Semelhanteesta-
assim o próprio sentido da problemática epistemológica.
tística reune ,factos preciosos, e descobre neles regularidades
É este de facto o meu parecer, a explicar adiante ainda:
mais pormenorizadamente. preciosas, mas muito indirectas. A sua compreensão interpre-
tativa, a sua verdadeira explicação, podem apenas ser realiza-
8 das por uma ciência social originária, isto é uma ciência social
que encara os fenómenos sociológicos como directamente
dados, e os investiga no seu ser. .Analogamente, a Psicologia
experimental é um método para se registarem porventura
As alusões gerais que ac:abam de fazer-se, e muito especial-
mente as afirmações .sobre a grande afinidade catre a Psi- factos preciosos e regulações Ípsiéofísicas, mas que carecem

cologia e a Filosoíià, é certo que pouquíssimoge aplicam à


de toda a possibilidadeda compreensãomais profunda:e da /
definitiva valorização científica, sem a ciência da consciência
Psico/og;a êxacfa moderna, que é tão alheia à Filosofia quanto
imanentemente investigadora do psíquico.
é possível. Mas por mais que esta Psicologiajulgue ser a
.A psicologia exacta não chega a ter a consciência de aqui
/ única científica, em virtude do seu método experimental, des=
haver um grande defeito no seu procedimento, tanto menos
prezando a«Psicologia elaborada na escre/anínha», a sua' opi-: quanto está certo que ela zela contra todos os métodos da auto-
pião de ser a Psicologia, por definição, a ciência psicológica
.-observação, e que se esforça enèrgicamente por vencer, pelo
na plenitude do sentida,devo declara-laum enganotranscen-
método experimental, os defeitos deste mesmo método: mas
dente. O rasgo contínuo desta psicologia é a renúncia a toda
a análise directa e pura da consciência, -- isto é, à «análi;le»'
isto significa vencer os defeitos de um método que aqui, como
e«descriçãoxP sistemáticas do:. dados que se oferecem às dever:
sé pode provar, não é o indicado. Porém, o poder dos objec-
©-' tos que são precisamente psíquicos, revela-se demasiado forte
sas direcções possíveis da visar imanente -, a faç'or de todas ]

para não se realizarem, entretanto, análises da consciência.


aquelas fixações indirectas de factos psicológicos ou psicolà-.
ricamente relevantes que têm um sentido pelo menos extrin- SÓ que estassão, em regra, de uma ingenuidade fenomenoló-
gica que está em curioso contraste com a seriedadeindubi-
b.

22 23

tável da aspiração desta psicologia para a exactidão que em jimental, sabendoapreciaro impulso de Brentano,que marca
muitas esferastambém consegue(desdeque seja modestanos uma época no grande sentido do termo, e esforçando-sedepois
seus fins). Assim acontecesempreque as averiguaçõesexpF- por continuar os seus inícios de uma investigação analítica e
rimentais incidem sobre os fenómenos perceptíveis subjectivos. 1. descritiva das l.Vivências intencionais, i-- ou não merecem a
cuja descriçãoe designaçãohá de fazer-seprecisamentecomo consideração dos fanáticos experimentalistas, ou, quando se
a dos fenómenos«objectivos», sem intervenção das noçõese dedicarem à actividade experimental, são considerados ape-
elucidações que levam à própria esfera da consciência ; e acon. nas a este respeito.
tece ainda, quando as averiguações se referem a categorias E não deixam de ser atacadoscomo Escolásticos. As gera-
rudimentares de algo de propriamente psíquico, como, seH çõesfuturas admirar-se-ãobastantede ter sido possívelcen.
qualquer análise mais profunda da consciência, de antemão se surat como escolásticas e. desprezar as primeiras tentativas
oferecem suficientes, desde que se renuncie a examinar o SCRL modernas de investigar o imanente a sériç)e à maneira que é
tido pròpriamente psicológico das averiguações. a única possível de uma análise imanente, ou melhor enten-
A razão, porém, de as análises ocasionais errarem tudo que ' de uma análise do Ser. E é apenaspor os pontos de par- E
é radicalmente psicológico, está em que apenas na Fenomeno.tida naturais destes estudos serem as designações-correntes de
logra sistemática se acentuam o sentido e o método do tra- algo de psíquico, e depois, por se perguntar, ao penetrar-se nos
balho a realizar aqui, e ao mesmotempo, a riqueza enorme significados, pelos fenómenos aos quais semelhantes designa-
de diferenças de consciênciaque metodicamente inexperiente çõesse referem,a princípiovagoe equivocamente.É certo
não sabe distinguir. Desta guisa, a psicologia exacta moderna. que o Ontologismo.escolásticotambém se deixa levar pela
precisamente
por julgar o seu métodojá perfeitoe rigoro- Língua(o que não quer dizer que toda a investigaçãoescolás-
samente científico, carece de facto de qualidade científica. tica tivesse sido ontológica), mas perde-se em - deduzir dos
sempre que pretenda examinar o. sem:ido daquele psíquico significados das palavras, juízos analíticos, julgando ter che.
\

que entra nas regularidadespsicofísicas,isto é quandopre- gado assim à intelecção de factos. O analista fenomenoló.
tende penetrar na compreensão verdadeiramente psicológica ; gico, que não deduz juízo algum dos significados das palavras,
./ e vice-versa, em todos .aqueles casos onde os defeitos das mas cuja contemplação.penetra nos fenómenosque a.Língua
noções não esclarecidas do psíquico levam a posições não claras sugere com as palavras respectivas, ou qüé mergulha naqueles
l dos problemas, e por conseguinte a resultados fictícios. no .que constituema plena.concreçãode noçõesempíricas,mate-
esforço de chegar a intelecções mais penetrantes. O método máticas, etc., -- por isso haverá de ser também estigmatizado
de escolástico?
exllgg!!!ental é ndíspensável, semore aue=se trate da fixação
d(! . correlações enter-sqbliili;uvas de factos..-Mias. elq.tlylií'Dõf É de considerar que todo o psíquico, na acepção daquela
base.a .análise da próppa. consciência, que nenhuma experiên- plena concreção em que deve ser o primeiro objecto do exame
cia é capaz de réalizar. fenomenológico, tem o carácter de uma inconsciência de:..»,
Os poucos psicólogosque, como Stumpf, Lipps e outros, maisq-oumenos complexa; -.= que esta «consciência de. ..]b tem
próximos deles, reconheceram este defeito da Psicologia expe' uma plenitude perturbadora de formas; -- que tôdas os termos
24
25

susceptíveis de servir à compreensão subjectiva e descrição


exclusivamentenela, não se orgulhatn pouco de terem elabo-
objectiva no princípio da investigação, são vagos e ambíguos. rado o método experimental de modo que utiliza a experiência
e que assim naturalmente não se pode começarsenãopelo directa apenas na forma de«experiências casuais, não espe-
esclarecimento dos equívocos mais grosseiros e que são os pri.. radas e não propositadas»(1), eliminando por completo a
melros a evidenciar-se. A premissa da fixação definitiva da mal-afamada auto-observação. Se nisso há certamente algo
linguagem científica seria a análise completa dos fenómenos. de bom, a urn respeito, apesar de grandes exageros,não pode
--fim esse que está envolvido nas trevas do futuro--, e deixar-sede acentuarpor outro lado e em princípio, ao que
enquanto não se tiver realizado esta.análise, grande parte do me parece, um erro desta Psicologia':-- o de éla equiparar a
progresso da investigação, extrinsecamente não passa da análise efectuada na cómpenetração de experiências alheias
demonstração de outros equívocos, que sòmente agora che- e bem assim baseada nas experiênciaspróprias, não observadas
gam a evidenciar-senas noçõesque se julgaram já fixadas ao serem feitas, com uma análise(embora indirecta) da expe-
nas investigaçõesprecedentes. Pareceser inevitável, por ser riência da ciência natural física, julgando de facto ser deste
intrínseco à natureza das coisas. Daí se deve avaliar a pro- }nodo ciência empírica do psíquico num sentido em princípio
fundidade da compreensão e o desprezo com que os defen- jjr análogo ao da ciência natural física, como ciência empírica do
sores oficiais da exactidão e do carácter científico da Psicolo- físico. Ela não toma em consideraçãoa particularidade espe-
gia falam em análises «meramente verbalísticas», «gramati- cífica de certas análises da consciência que' devem preceder
cais» e «escolásticas».
para que.as experiênciasingénuas(quer observadorasquer
Na época da reacção viva contra a Escolástica, a divisa era. não, quer integradas na presença actual da consciência, quer
acabar com as análises ocas das palavras, considerando-se na memória ou compenetração)se tornem experiênciasnum
preciso interrogar as próprias coisas, e postulando-se o regresso sentido científico.
ao empirismo, à visão concreta, a única susceptível de conferir Tentemos esclarecer.
jum sentidoe uma.razãoàspalavras.Excelente!E a que Os psicólogos julgam dever todas as suas intelecções psi-
l experiência devemos remontar na Psicologia? Serão par- cológicasao empirismo e pol'tanto às recordaçõa ingénuas
l ventuí'a as coisas constituídas pelas respostas das pessoas ou compenetxaçõcs nelas que se pretende sejam bases de con-
lsujeitasa experimentou
e interrogatórios?E seráa interpre- clusões empíricas, em virtude das artes metódicas do expe-
l tação das suas respostas a «experiência» de algo de psíquico? rimento. Entretanto, a descrição dos dados empíricos, ingé-
Os próprios experimentalistas dirão que seria apenasuma expe- nuos,e a sua análiseimanentee concepção
abstracta,que
riência secundária, e que a experiência primária estaria nas pró- a acompanham, faz-se por meio de um fundo de conceitos
jpnas pessoassujeitas ao experimento, e nas percepçoesanterio- Ü..cujo vala!. científico é decisivo para todos os restantes passos
jres dospróprios psicólogosque experimentame interpretam, as -l metódicos. Com alguma reflexão, torna-se evidente que, dada
iguais, por boas razões, não deviam ser auto-observações.
Os experimentalistas, quais críticos superiores da auto-observa-
ção e da«psicologia da escrevaninha»,que afirmam basear-se (') W. Wundt,Z,óg;ca,'
n, 170
2Õ 27

a índole da posição dos problemas, e do método experimenta- lidade científica? Enquanto não tivermos outros, podemos
lista, todo o processo ulterior nãó lhes toca, passando..leões emprega-los, confiados de que com eles se designam distinções
assim a introduzir-se nos próprios resultados finais e portanto rudimentares, suficientes para os fins práticos da vida. Ma='l
também nos pretensosjuízos científicos. Por outro lado, o seu pode uma Psicologia pretender ser exacta, se deixa de fixar l
valor científico nem pode ser inicial nem pode derivar das expe- cientificamente e de elaborar metodicamente os conceitos
riências -- por mais frequentes que sejam --: dos próprios expe- deferminaffvos dos seus objectos? Naturalmente que não, tãoJ
rimentados e experimêntadores,e também não pode ser obtido pouco como uma Física que se contentassecom os conceitos
logicamente por nenhuma averiguação empírica. E é aqui vulgares de pesado, quente, massa, etc. A Psicologia moderna
que reside a análise fenomenológica do Serque,.por mais invul- já não pode ser ciência da «alma», mas sim dos «fenómenos
gar e antipático que isto se afigure aos psicólogosnaturalísti- psíquicos». Sendo assim, é mister ela saber descrever e deter-
cos, não é e não pode ser nada menos.do que uma.análise minar s fenómenos com vigor definidor. É mister ela apro-
empírica. priar-se, .em trabalho metódico, dos conceitos rigorosos neces -
Desde Locke, e ainda hoje, a convicção tirada da história safios. Onde é que se realizou estetrabalho metódico da Psi:
da evolução da consciênciaempírica (e que portanto já pres- cologia «exacta»? Em vão o procuramos na literatura. imensa.
supõe a Psicologia), de que todas as noções«derivam)ü de expe- A questãoda transformaçãoda experiêncianatural,«con-
riências anteriores, é confundida com a convicção inteiramente fusa», numa experiência científica, da' obtenção de juízos
heterogéneade"todas as noçõesatribuírem à experiênciaa empíricos de valor objectivo, é a questão metódica e cardeal
razão da sua aplicação possível, porventura em juízos descriti- IX-de todas as ciências empíricas. Pião é preciso ser posta e res-
vos; isto aqui significa que as razõesdo seuvalor, da suaessen- pondida ;n abstracto ou com pureza filosófica:-- a sua r«-
cialidadeou falta de essencialidade,
e subsequentemente
da postahistóricaé a realização,
a concepção concretae intui-
sua aplicação legítima em casos concretos, apenas podem ser tiva do sentidodo méto(lioempíriconecessário,
por pioneiros
encontradas conzl respeito aqui/o que as percepções ou recor- geniais, a realização de um fragmento de determinação empí-
daçõesreais oferecem. É descritivamente que empregamosos rica de valor objectivo, na aplicaçãopura destemétodonuma
termos de percepção,recordação,imaginação, afirmação, etc. esfera empírica, acessível, e com ela, a iniciação da ciência.
Que plenitude de componentesimanentes não indica um único Os motivos do se\Lprocedimento,não.os devem=anenhuma
destes termos, componentes essas que atribuímos ao descrito revelação, alas sjm à penetração.no sezd;dodas.pEÓptias-expe-
q.
«concebendo-o», sem analiticamente os ter encontrado .nele! ;.jências, : .respectivalnçnte-pq. !ç!!!!gg®KSer».çlgdQielas.
'+

Será suficiente empregar estestermos no sentido popular, vago, Pois embora «dado»,é apenasdado «confusamente»na expe'
completamente caótico que assumiram, não sabemos como, na riência«Vaga»; daí a questão que se iiilÓõe;-ao modo da sua
«história» da consciência? E que o soubessemos: para que nos realidade, do modo da determinação do seu valor objectivo,
serviria esta história, em que modificaria ela o. facto de os -- do modo,-isto é das «experiências»melhores e da maneira de
conceitos vagos serem simplesííiente vagos, e em virtude as melhorar--do método. Para a intelecção da natureza
deste seu próprio carácter, evidentementeisentos de qua- extrínseca, Q passo decisivo da experiência ingénua para a
28 29

científica, e de conceitos vulgares, vagos, para conceitos cien- esta eliminar em principio o fenoménicopara procurar a natu-
t:íficos, perfeitamente claros, foi, como se sabe, dado apenas por reza que nele se apresenta;ao passo que a Psicologiasem:
Galileu. Quanto à intelecçãodo psíquico,da esferada cons- pre pretendia ser ciência dos próprios fenómenos?
ciência, é verdade que temos a Psicologia«experimental. e Ora; tudo isto não podia deixar de escaparà Psicologia,em
exactax$que se consideracomo o símile muito legítimo da virtude da sua orientaçãonaturalista, e do seu zelo de imitar
Ciência natural, exacta -- contudo, embora não -esteja cânscia
as Ciências naturais, e de atribuir a máxima impor'tância ao
disto, nos pontos mais importantes encontra-senuma posição processo experimental. Nas suas reflexões laboriosas, às vezes
que é anterior à época de Galileu. muito perspicazes, sobre as possibilidades da experiência psico-
O facto de ela não estar cânsciadisto pode realmentegêr física, nos seus projectos de ordenação experimental, nas cons-
de admirar. Compreendemosque a erudição naturalista ingé. tituições dos mais finos aparelhos,na sua descobertade fontes
nua, anterior à ciência, não carecesse de nada na experiência possíveis de erros, etc., parece que sempre se esqueceu de pene- l
natural, isto é, de nada que não pudesseser destacadoem rela- tear mais profundamente na questão do modo, do método de se
ção à experiência natural, por meio dos conceitos .empíricos, conseguir dar. clareza e valor objectivo àqueles conceitos con-
naturais e ingénuos. Na sua ingenuidade, estava !onge de fusos que entram essencialmente nos juízos psicológicos.J
supor que haja uma «natureza» das coisas,e que esta possa ser Esqueceu-sede reflectir sobre g.modo de.o síquico,em lyez
determinada por certos conceitos exactos, num processo lógica de ser a representação de .yma natureza, ter antes.um.«será
empírico. A Psicologia, porém, com os seus métodos, sente-se próprio dele, a investigar.!igorosa ! adequadamente, e ante-
-- e com razão -- superior à ingénua psicologia empírica dos riormente a toda a Psicofísicq. . Não reflectiu sobre o 3signj-
tempos antigos. E também não deixou de entregar-se a refle-
1l
ficado»- da experiência psicológica, e. sobre .os <Kpostulados:,
xões cuidadosas, sempre renovadas, sobre o método. Como é quq.Q.Ser 110 sentido psíquico,.de per si impõe aQ método:.
que Ihe podia escaparaquilo que em princípio é o mais essen- 8
cial? Como é que Ihe podia escapar que atribui necessària-
mente aos seus conceitos puramente psicológicos e imprescin-
díveis, um conteúdo que não..é.simplesmentetirado dos dados
\ empíricos, mas sim!..aplicado a eles? Que Ihe é inevitável O que está,pois, a perturbar constantementea Psicologia
ao aproximar-se do sentido do psíquico, realizar análises empírica, logo desde os seus inícios no século xviii, é a qui-
de conteúdosdestesconceitose reconhecer
comoválidasas mera de um método científico que seguisseo exemplodo
respectivas relações fenomenológicas, que aplica à experiência, método físico-químico. Dá-se o convencimentode que, consi-
mas, que em relação à experiência, são a pr;or;? Como é que derado na generalidadede princípio, o método de todas as
Ihe podia escapar que as premissasdo método experimental, ciências empíricas é o mesmo, e portanto na Psico]ogia igual
quando pretende levar a intelecções 'verdadeiramente psico- ao da Ciênciada naturezafísica. A imitaçãofalsa,ora do
lógicas, não podem ser fundamentadas por elas próprias, e que método geométrico,ora do físico, que durante tanto tempo
o seu processose distingue principalmente do da Física, por prejudicou a Metafísica, está a repetir-se agora na Psicologia.
Não deixa de ser significativo, que os iniciadores da Psicologia l 'j.. ,l
experimental e exacta tenham sido filósofos e físicos. O ver. l ser descrita por muitos sujeitos. São as mesmasobjectivida-

':'.='\=i,H*l==;H=!:=-1
='==== .:=...?=:,=.=.;r:==n ='1'===="k,'===:
32 y
33
{

Tudo isto não é algo de inventado e atribuído aos objec-l


cípio não é uma unidade, acessível como individualmente
tos da experiência e à experiência dos objectos, mas é inüín.'
idêntica à experiêncianuma pluralidade de percepçõesisola-
secoao seuser, de modo que toda a investigaçãointuitiva e das,nem sequei'em percepçõesdo mesmo sujeito. Por outras
consequentedaquilo que o objecto é na verdade-- o objecto \ palavras, não há na esfera psíquica nenhuma distinção entre
que, empinco, aparece constantemente como .algo, como ente. aparência e .Ser, e se a Natureza constitui uma existência
como determinado e simultâneamente como determinável.
evidente em aparências',estas mesmas(psíquicas na concepção
mas como sendo sempre diferente no alterar das suas aparên- dos psicólogos) não são outro Ser evidente em aparências atrás
cias e das suas circunstâncias aparentes, conduzindo neces-
delas -- como todas as reflexões às percepções de qualquer
sàriamente para relações causais e terminando na determinação aparência o evidenciam. - Assim, já se esclareceque, propria-
de qualidades objectivas correspondentes,quais conformesàs mente dito, há só uma Natureza, aquela:que é evidentenas
leis. A Ciência natural, porém, examina apenas consequente-
aparênciasconcretas: Tudo aquilo que se chama fenómeno
mente o sentido daquilo que o próprio objecto empírico como psíquico, na acepção mais lata da Psicologia, considerado
que pretende ser, e dá-lhe a designaçãobem pouco distinta b ém si, é simplesmente fenómeno, e não é Natureza.
dd«eliminação do meramentesubjectivo dos fenómenos»,com Um fenómeno não é, pois, nenhuma unidade «substancial»,
a «conservaçãodas qualidades restantes, primárias». Contudo. tem «qualidades reais», não conhece países reais, modifi-
isto é mais do que uma expressãoindistinta, é uma telha má caçõesreais e causalidades,na acepçãoque estestermos têm
para o seumétodobom:
rias Ciências naturais. Atribuir natureza a fenómenos,inves-
Passemosagora ao «mundo psíquic02b,restringindo-nos aos tigar os componentes reais da sua determinação, as suas rela-
«fenómenos psíquicos» que a nova Psicologia considera como
çõescausais:é simplesmenteabsurdae não é melhor do que
os seus objectos-- isto é deixando de parte, por enquanto.os perguntar pelas qualidades, relações, etc., causais dos números.
problemas referentes à alma e ao Eu. .A questão será pois de É a absurdidadeda naturalização de algo,.cuja própria essên-
saber se haverá .uma objectividade de«natureza» inerente a
cia exclui o seu Ser como Natureza. Os objectos.são o que
todas as percepçõesde algo de psíquico, anàlogamente ao sen- sao, permanentesna sua identidade:.-- a Natureza é eterna.
tido de todo o empirismofísico e de todas as percepções con- As qualidadesreais ou modificações qualificativasde um
cretas? Não tardamosem verificar que as circunstânciasna
objectonatural(e não do objecto concretoda vida prática,
esferapsíquica diferem totalmente das da esferafísíêa: O psí- do objecto«na sua evidenciaçãoconcreta») podem ser deterá
quico.difunde-se entre manadas(na acepçãoparabólica e não
adas com valor objectivo e confirmadas ou corrigidas por
metafórica) seüí'janelas, e conelacionadas apenaspor compe-
experiências sempre novas. Por outro lado, o que é psíquico,
netração. O Ser psíquico: o Ser como«fenómeno»,em prin- o.-queé «fenómeno»,é transitório, não conservanenhum Ser
permanente, idêntico, como tal susceptível de 'determinação
naturais, não constituem o tema científico deste pensamentos.Apode- objectiva no sentido das Ciências naturais, susceptível, 'por
ram-se deles as ciências novas, a Psicologia(à qual pertence parte da exemplo, da divisão em componentes, da«análise» no sentido
Fisiologia), e a Fenomenologia. prÓPrio.
34 35

O que o Ser psíquico «éxp,a experiência não o pode ensinar Como será agora possível, nesta esfera, algo de investiga-
no mesmo sentido que se aplica ao físico. Pois o psíquico nã{ ção razoável, de afirmação válida? Como são possíveis sequer
é aparência empírica; é «vivência», averiguada na reflexão. as afirmações que acabamos de apresentar como descrições
auto-evidente, num fluxo absoluto, como actual e já«esmo. (calando dimensões inteiras)? Ora, naturalmente a investi-
recendo», perdendo-se constantemente e evidentemente nuQ gaçãoaqui será razoável, quando se entregar pura e simples-
passado. O psíquico também pode ser algo de recordadoe mente ao sentido das «experiências» que se oferecem como
assim experimentado de um Perto modo modificado, e o«recor- experiências de algo de «psíquico», e quando nisto conside-
dado» contém algo de «passadopercebido»; e pode ser algo rar e procurar determinar o«psíquico» precisamenteconforme
de«repetidamente» recordado, em recordaçõesunidas numa este, ideado assim, como que exige ser considerado e deter-
consciência por seu lado cânscia das próprias recordações como minado. Portanto, quando não se admitirem naturalizações
de algo de recordadoou de ainda fixado. Apenasnestacon- absurdas. Afirmava-se que era preciso considerar os fenóme-
tinuidade, qual identidade de tais«repetiçõess$, é que algo de nos,como-se oferecem, isto é como aquela consciência subjec-
psíquicopode ser«experimentado»e identificado como exis- tiva, opinião e aparência fluentes, que eles são, como aquela
tente. Todo o psíquico experimentado assízzz, está depois, consciênciasuperficial e profunda, actual ou pré-actual, fan-
como igualmente podemos dizer com evidência, integrado tasiada,significativa, ou imitada, concreta ou abstracta, etc.,
numa continuidade geral,«monádica» da consciência,unidade e também como modificada e transformada de uma maneira
\ essa que em si nada tem que ver com a Natureza, .o Espaço au doutra, com a alternaçãodas orientaçõese dos modos
e o Tempo, a substancialidadee a causalidade,luas que tem atencionais. Tudo isto intitula-se«gp;iÊiÊ=glg..gÊ. . . .», eKtem»
as suas«formasxb inteiramente únicas. É um fluxo dupla- um «significado»,e «entende»algo de «objectivo)P que-- cha-
mente ilimitado de fenómenos, com uma linha intencional.con. me-se ele «ficção» ou.«realidades», sob qualquer aspecto --
tínua que é como que o índice da unidade omni-penetrante: pode ser descrito como «imanentementeobjectivo», «enten-
-- a linha do«tempo» imanente, sem princípio e fim, -- tempo dido como tal»., e entendido neste ou naquele modo de
esse que nenhum cronómetro mede. entender.
Seguindo o fluxo dos fenómenos na ideação imanente, pas- É absolutamente evidente que aqui pode haver investiga-
/'
samos de fenómeno a fenómeno (cada qual unidade dentro do çõese afirmações de evidência, quando se submete ao sen-
fluxo e fluente ele próprio), semnunca atingirmos .outra coisa tido desta esfera«empírica». A dificuldade, porém, reside
que não sejam fenómenos. O fenómenoideado e o objecto precisamente no cumprimento da exigência indicada. A con-
\

experimentado relacionam-se sòmente quando se chega à sín- cordânciaou absurdidadedos examesa efectuar aqui depen-
tese da ideação, imanente e da experiência concreta.= Por dem absolutamente da consequência e pureza da orientação
intermédio da experiênciaconcreta e da experiênciade uma tal «fenomenológica».Não é fácil vendermoso hábito primitivo
relação, surge ao mesmo tempo a compenetração como uma de vivermos e pensarmosnuma orientação naturalística, fal-
espéciede ideação indirecta do psíquico, caracterizado em si Bifícando assim o psíquico naturalisticamente. E depende
como introspecção de uma segunda continuidade monádica. muito da intelecção do facto da possibilidade de uma inves-'

tigação «puramente imanente» do' psíquico (na acepção mais


titui a condição fundamental de uma ps;co/agia p/enamenfe
lata do termo utilizado aqui do fenoménicocomo tal), como
acabamos de a caracterizar e que se opõe à sua investigação çfenfíffca,e por outro lado, o campo da autêntica crí(fca da l/.
Razão. O encanto do Naturalismo autóctono reside também '
psicofísica,que ainda não considerámos,e que naturalmente
é também legítima. em nos dificultar a todos vermos «seres»,«ideias»,.ou antes,
como não obstante, por assim dizer, constantemente os vemos.
$

reconhecermosa sua índole, em vez de absurdamente,os natu.


ralizar. A ideaçãodo Ser não contém mais dificuldadesou
«mistérios» do que a percepção. Se intuitivamente chegamos
Ora, se o imanentementepsíquico não é Natureza, em si à plenitude da clarezae apresentaçãode «cor»,o facto apre-
mesmo, mas o seu objecto, o que é que investigamos nele como sentado constitui um«ser», e se do mesmo modo, por pura
seu «Sénü?ySe não é determinávelnuma identidade «objec.. intuição, porventura olhando de percepção para percepção,
uva», como unidade substancial de qualidades reais, de percep- chegamos
à apresentação
daquiloque é a «percepção»
em si
ção sempre repetida, a determinam' e a confirmar pela ciência mesma-- qual identidade de quaisquer singularidades fluem.
empírica; se não se deixa tirar do fluxo eterno, e se é incapaz tes da percepção --, então é que intuitivamente compreendem
de ser objecto de um valor intersubjectivo: -- que é que pode- mos a percepção como Ser. A possibilidade da «ideação:b
mos perceber, determinar, fixar nele como unidade objectiva, (como eu costumavadizer nas /nvel;ügações/óg;cas), ou da
permanecendonós na mera esferafenomenológicae abstraindo «intuição do Ser», chega respectivamente até onde chega a /'
dás relaçõescom o corpo empírico-concreto,e com a Natu- intuição qual consciênciaconcreta. O Ser ideado é o ade-
reza? A resposta será esta: Se os fenómenos colho tais não quadamente, absolutamente apresentado, na medida em que
são ]Vafureza, têm um Ser perceptível na ideação directa, e a intuição é pura, não abrangendo nenhumas opiniões acessó-+
adequadamenteperceptível. Todas as afirmações que descre- rias, transientes. Por conseguinte,o domínio da intuição pura
vem os fenómenospor meio de conceitosdirectos, servem-se. abraça também a totalidade da esfera que o psicólogo. consi-
/ enquanto válidas, de conceitosrelativos ao Ser, e portanto dera sua como a dos «fenómenos psíquicos», desde que se
de significados conceptuaisde palavras que deve ser possível limita a considera-los puramente em si, na imanência pura.
desempenhar na ideação dos Seres. Para todos que estão livres de preconceitos,é claro que os
Trata-se de compreender bem este último fundamento de «seres» ideados podem pelo menos amplamente ser fixados
em conceitos firmes, e que assim, oferecem possibilidades de
todos os métodospsicológicos. O encanto da orientaçãonatu-
ralística a que todos começamospor estar sujeitos, e que nos afirmações firmes e, no seu género, objectivas e absolutas.
impossibilita de abstrair da Natureza e bem assim de fazer do As diferenças ínfimas de cores, as mais extremas matizações
psíquico objecto da investigação intuitiva da orientação pura, podem subtrair-se à fixação, mas não há nada de mais seguro
em vez de psicofísica, obstruiu aqui o caminho para uma ciên- do que a distinção entre «cor» e«tom». E não são apenas
cia de vulto, de consequênciassempar, que por um lado cons- os «conteúdos» e aparências perceptíveis («vistas», quimeras
e coisas semelhantes) que constituem tais seres susceptíveisdé
38

distinção, respectivamente de fixação, mas igualmente os seres posiçãoerrada de.seres-- então trata-se de serespuramente
de todo o psíquico no sentido expressivo,de todos os«actos» supostos,contraditórios,como o ensinaa transiçãopara a
''-. ê estados do Eu que correspondem a títulos conhecidos, como intuição da sua incompatibilidade; o valor da posiçãovaga,
p. ex os da percepção, fantasia, recordação, juízo, sentimento, porém, também pode ser confirmado com o regressoà intui-
vontade, com todas as suas intrínsecas formações especiais. ção da apresentação do Ser.
Ficam excluídas as«matizações» extremas, pertencentes ao Todos os juízos que exprimem adequadamente,por con-
indeterminável do«fluxo», enquanto qué ao mesmo temPO o ceitos firmes, de formação adequada, aquilo que reside em
hipismo descritível da fluência, por sua vez, tem as suas seres,as correlações
entre certosseresgenéricoso\l indivi-
«ideiaub que, ideadas e .fixadas, possibilitam a inteligência duaise outros,a conjugação p. ex. de <Kparecer»
com«opi-
absoluta. Todos os títulos psicológicos,tais como os de per- nião vã», «fantasia»com «percepção»,
«conceito»
com
cepção ou vontade, são títulos de um domínio máxima de «visão», etc., e a sua «compatibilidade» necessária, baseada
«análises da consciência», isto é de investigações de seres. Tra- em certos componentesdo Ser, porventura como«intenção»

.8
ta-se aqui de um terreno amplo qué a este respeito só pode ser e«realização»;
ou, ao contrário,a suà incompatibilidade,
a
comparado com o da Ciência natural -- por estranho que isto sua fundação de uma «consciência da desilusão», etc.: --
possa parecer. todos estes juízos constituem intelecçõesabsolutas de valor
Tem, porém, significadodecisivo compreender-se
que a gel'al, e,. quais juízos de um Ser, são de um géneroque seria
ideação nada tem com a «experiência» no sentido de percepção, absurdo pretender motivar, confirmar ou contestar empiri-
recordação ou actos equiparáveis, nem com uma generalização camente. Fixam uma«re/affon of fdea»,um a pr;orf naquele
empírica cuja posiçãode existênciasindividuais como ela a sentido genuíno que liume teve em mira, mas que não podia
entende, implica a posição existencial de pormenores empíri- deixar de errar em virtude da sua confusão positivista de Ser
b. cos. A ideação é a concepçãodo Ser como Ser de uzn ser, e e«fdea>D -- como contrária à <ifmpress;on». Não obstante
não é de maneiraalguma a posiçãode uma exisfênc;a. Con- isto, o seu cepticismoaqui não ousa ser consequente e duvi-
formemente, a íntelecção. do Ser não é nenhuma intelecçãa dar desta intelecção, até onde chega a sua vista. Se o seu ..
de maffer of faca, e não abrangea mínima afirmação acerca Sensualismo não o cegasse para toda a esfera da intenciona-/>(
de uma existência individual(porventura natural). A base, lidade da «consciência de...», se Ihe investigasse
o Ser, ele #
ou melhor o acto inicial da ideaçãode um ser, p. ex., do ser não seria o grande céptico, mas sim, o fundador de uma teoria
da percepção, da recordação, do juízo, etc., pode ser a percep- verdadeiramente«positivaE$ da Razão. Todos os problemas
ção de uma percepção,de uma recordação,de um juízo, etc., que tanto o apaixoname confundemno 7'reafíse,e queele,
mas também pode ser mera fantasia, apenas «clara», que como dada a sua orientação, não pode formular adequada e clara-
tal não é experiência e não concebe.nenhuma existência: Isto mente, cabem absolutamente no domínio da Fenomenologia.
não afecta a concepção do Ser, que como tal é intuitiva, e esta Eles têm solução completa no seguimento das correlações
intuição é que é heterogénea do empirismo. Naturalmente essenciaisdas formaçõesda consciênciabem como das suas
é possível uma imaginação vaga, porventura significante, e atribuições correlativas e essenciaisnum entendimento geral-

1,.
11'
n
4a

mente intuitivo que já não deixa margem a nenhuma questão sucessosda consciência humana, recebem um sentido cíenüfi-
razoáve/. Ê este o caso dos problemas enormes da identidade camente inteligível e prestável para a solução.
do objecto perante a multiplicidade das impressões,respecti- Mas tudo depende de vermos e de nos compenetrarmos
vamente das percepçõesdiferentes de/e. De facto:-..-.a inteiramente de que é possível chegarà intuição directa de um
maneira como percepções ou aparências múltiplas chegam «Ser», dos Seres de «tom», «aparência objectiva», «objecto
a «evidenciar»o mesmo objecto, de sorte que pode ser «o visual», «imaginação», «juízo», ou «vontade», etc., anàloga-
mesmo» para e/as próprias e para a consciência conjuntiva mente à audição directa de um som, e de que na intuição é pos-
da unidadeou identidade--eisuma questãoque podeter sível pronunciar-sesobreos seres.
. Por outro lado, porém,
a sua posição e resposta clara apenas na investigação feno- é mister acautelar-seda confusão de Hume, e por conseguinte
menológicado Ser (de certo já assinaladapelo modo da nossa da confusão da intuição fenomenológicacom a«auto-obser-
formulação). Pretender uma solução empírica, própria. das vação:P,com a experiênciaintrínseca, numa palavra, com actos
Ciências naturais, para esta questão, significa não a compreen- que substituemos Serespor pormenoresindividuais que lhes
der e interpreta-laerradamente
comoabsurda. O facto de

11
conespondem (i).
uma percepção de qualquer experiência ser precisamente a A Fenomenologia pura como ciência, enquanto pura e
percepção de um objecto determinado, de orientação, colorido, prescindindo da posição existencial da Natureza, pode ser
formação, etc. especiais, é específico dela, independentemente ùnicamente investigação do Ser, e não pode de maneira alguma
'+
da «existênciaxb
do objecto. O facto de estapercepçãoentrar ser investigação de existência; toda a«auto-observação», e
numa continuidade, embora não seja qualquer, de percepções, 'todos os juízos baseados numa tal«experiências$ não cabem
em que constantemente«o mesmo objecto se apresenta numa nela. O singular da sua imanência só pode ser posto e quando
orientação constantemente diversa», é por seu lado específico muito subordinado aos conceitos rigorosos do Ser devidas
dos Seres. Em resumo, é aqui que se encontram os grandes à análise dos seres, como indicado, como percepção, recorda-
campos, ainda não Cultivados literàriamente,«da análise da ção transitória, etc.,indicadas. Pois, emborao indivíduo não
consciência», numa acepção do termo da consciência que, ana- seja Ser, ele fem um Ser, cuja afirmação pode ter valor eví-
logamente ao do psíquico tratado atrás, e independentemente
da sua justeza, havia de ser tão ampla que designasse todo
o imanente e portanto também todas as referênciasda cons- (') As /nvesfigaçõoslógicas, cujos fragmentos de uma Fenomeno-
logia sistemática foram os primeiros a praticar a análise dos Seres no
ciência como tais e em qualquer sentido. Os problemasda sentido caracterizado aqui, foram constantemente interpretadas mal
origem, tão discutidos durante séculos,quando libertos do seu como se se tratasse de tentativas da reabilitação de um método de
X naturalismo :falso e pervertedor, são problemas fenomenoló- «auto-observação». Admito que isto se deve também à caracterização

'\
gicos. É esteo casodosproblemas
da origemdasnoçõesde defeituosa do método na «Introduçã02pà l.' investigação do 2.' vol.,
espaço, tempo, objecto, número, causa e efeito, etc. SÓdepois com a designação
da Fenomenologia
como psicologiadescritiva. Os
esclarecimentosnecessários,insere-osjá a minha 3.' Relaçãode publica-
da formulação e solução razoável, precisa, destes problemas
ções alemãs sobre a Lógica no$ anos de 1895-99, no vol. IX do Arquivo
puros, os problemas empíricos do género daquelas noçõesquais da Filosofia sistemática(1903), págs. 397-400.
dente.- Esta mera subordinação,porém, aparentementenão na percepçãoimanente e entendido na sua formação essencial
pode chegar a fixa-lo como indivíduo, a situa-lo num«mundo» particular, relaciona-se com o sensualmente percebido, e
de existência individual. Para ela, o singular é etemàmente o assim. com a Natureza. SÓ com este relacionamento é que
ãrct cv. Com valor objectivo, apenas pode chegar à inte- ganha objectividade natural, indirecta, e, indirectamente,post'
lecçãode Serese de relaçõesde Seres,e assim,a realizar-- e ção no espaçoe tempo cronomêtricamentemedido, da Natu-
definitivamente -- tudo quanto for preciso para o entendi- reza. Numa amplitude não determinada a <Kdependência»
mento elucidativo de toda a intelecçãoempírica, e de toda empírica do físico ofereceum meio de determinaçãoenter-sub-
e qualquer intelecção: o esclarecimentoda«origem» de todos jectiva do psíquicogeral qual ser individual, e ao mesmo
os princípios lógica-formais, lógico-naturais e de qualquer tempo, da investigação progressiva das relações psicofísicas.
modo orientadores, e de todos os problemas intrínsecos a eles, E' este o domínio da«Psicologia como Ciência natural» que
da correlaçãode «Ser»(da Natureza, de valores, etc.) e «cons- na acepçãoliteral da palavra é Psicologiapsicofísicae assim,
ciência» ('). naturalmente, ciência empírica, em contraposição à Fenomeno-
$
logia.
Não é, porém, muito correcto, considerar a Psicologia, ciên-
cia do «psíquicoyb,apenas como ciência dos «fenómenos psí-
quicose das relaçõesfísicas. Pois de facto ela não deixa
Passemosagora a tratar da orientação psicafísica. Nela, o de obedecer àquelas objectivações originais e inevitáveis, cujos
«psíquico» com todo o Ser que Ihe é próprio, é relacionado com correlativos são.as unidades empíricas de Homem e Animal,
um corpo e com a unidade da Natureza física -- o concebido e por outro lado, Alma, Personalidade,respectivamenteCarác
ter, disposição da Personalidade. Entretanto, para os nossos
(:) A certeza com que me exprima entre contemporâneosque con- fins, não precisamos de examinar a análise dos seres destas
unidades,
e o problema
de elasdeterminarem
o temada
trabalhos minuciososl,assaz úteis, na esfera da auto-observação,em vez Psicologia.'É que hoje é claro que estasunidadessão em
de. a considerar a ciência fundamental, sistemática, da Filosofia, da
princípio heterogéneas das concretizações da Natureza, que,
entrada para a Metafísica genuína da Natureza, do Espírito, das Ideias,
pelo seu Ser, são dados por evidenciaçõesmatizantes, ao passo
parte sempre das investigações de muitos anos e incessantes,em que se
baseiam as tainhas lições filosóficas na Universidade de Gotinha, que assim não acontece de maneira alguma com as unidades
desde 1901. Dado o entrelaçamentointrínseco e funcional de todas as em questão. SÓo fundamento constituído pelo «corpo humano»
camadas fenomenológicas, e bem assim das investigações, e em face da é uma unidade de evidenciação concreta, mas não é o próprio
dificuldade extraordinária que a própria elaboração da metódica pura
Homem, e menos ainda a personalidade, o carácter, etc:
implica, não julguei propício publicar resultadosisoladose ainda nãü
isentos de dúvidas. Em breve espero poder dar publicidade maior à$ Aparentemente, todas estas unidades remetem-nos à unidade
investigações, já completamente consolidadas e chegadas a unidades imanenteda vida do fluxo respectivo
da consciência
ea
amplas e sistemáticas, sobre a Fenomenologia e a crítica fenomenológica particularidades morfológicas que distinguem diversas destas
da Razão. unidades imanentes. Conformemente, toda a intelecção psi-
45

cológica, até quando primàriamente se refere a individuali- formaçõesdo Ser da consciênciae dos seuscorrelativosima-
dades, caracteres, disposições humanas, vê-se também leme-. nentes, investigadas e fixadas na pura intuição, oferecem as
tida para aquelas unidades da consciência e, assim., para o normas para o sentido e conteúdo dos conceitos de qualquer
estudo dos própr;os fenómenos e dos seus entrelaçamentos. espéciede fenómenos,-- dos conceitos,portanto, com que o
Agora, nomeadamentedepois de todo o exposto,já não é psicólogo empírico exprime o próprio psíquico nos seus juízos
precisomais nada para se entenderclaramentee pelas mais psicofísicos. A compreensão do«psíquico>p -- na esfera da
profundas razões, aquilo que atrás já ficou demonsl:rado:-- o consciênciaindividual e colectiva -- proporciona-a apenasuma
facto de toda a intelecção psicológica no sentido vulgar Fenomenologia deveras radical e sistemática, não praticada
'\ pressupor a ;nfe/facçãodo Ser do psíquico, e de ser ó cúmulo de passageme em reflexões isoladas, mas praticada na dedi-
do absurdo esperar que os experimentas psicofísicos e aquelas cação exclusiva aos problemas variadíssimos e complicadíssi- \

percepções e experiências íntimas não intencionais, levem à mos da consciência,


e num espíritointeiramentelivre, não
investigaçãodo Ser da recordação,do juízo, da vontade,etc., cegado por. preconceitos naturalísticos. SÓ então é qüe, com
e que assim-se obtenham os conceitos rigorosos ùnicamente a crítica valórativa e a interpretação psicológica, hão de resultar
susceptíveisde valorizar cientificamentea designaçãodo psí- fecundos o enorme trabalho experimental da nossa época e à \

quico nas afirmações psic(5físicas,e estaspróprias afirmações. plenitude de factos empíricos recolhidos, e de regularidades
O erro fundamental da Psicologiamoderna,que a impede em parte muito interessantes.: Então também se poderá admi-
de ser Psicologiano sentido verdadeiro, plenamente.científico, tir, o que é completamente
inadmissível
com respeitoà Psi-
está em não ter reparado neste método fenomenológico e de não cologia actual: -- a grande e até a máxima afinidade entre a
â
o ter desenvolvido.Ela admitiuquepreconceitos
históricosa Psicologiae a Filosofia. Então também o paradoxodo anü-
detivessem de aproveitar os inícios de um tal método, que há -psicologismo, de uma Teoria do conhecimento não psico: /

em tôda a análise esclarecedora dos conceitos. Relaciona-se lógica, deixará de ser escandaloso,desde que é mister toda a
verdadeira Teoria do conhéêimento ter a base necessária na
com isto a maioria dos psicólogos não terem compreendido
as começos já existentes na Fenomenologia e de frequente- Fenomenologia, que deste modo constitui o fundamento comum
mente até terem tomado a investigação do Ser realizada na de toda a Filosofia e Psicologia. E por fím, também deixará
\. orientação puramente intuitiva, por uma substracç3o meta- de ser possível toda a espécie de literatura liseudo-filosófica,
física, escolástica. Porém, aquilo que foi percebido e descrito tão exuberante hoje em dia, e que nos oferece as suas Teorias
na atitude intuitiva, apenaspode ser compreendidoe verifi- de conhecimento,teorias lógicas, éticas, filosóficas, da Nâtu:
cado na mesma atitude. reza, pedagógicas,na base naturalística e sobretudo«psico-
Depois de todo o exposto,é claro e, como tenho razão de lógico-experimentais, reivindicando para si a mais séria quali-
esperar, não tardará a ser mais geralmente admitido, que uma dade científica(1). De facto, em face desta literatura, não há
ci:ncia empírica realmente suficiente do psíquico nas suas rela-
ções naturais, só pode efectuar-se,quando a Psicologia se ergue (') ; Não Ihe foi pouco propícia a circunstância de se ter tomado
na base de uma Fenomenologia sistemática; quando, pois, as axioma fixo a opinião de a Psicologia-- e naturalmente a «exactas:--
47

senãoespantar-se com a degeneraçãodo sentido dos problemas Abandonamosagora o campo da discussãodo Naturalismo
e das .dificuldades profundíssimas a que os maiores espíritos a
psicológico. Talvez seja lícito dizermos que Q Psicologismo,
da Humanidadededicaramo labor da sua vida,'-- e infeliz- avançando desde os tempos de Locke, no fundo era apenas
mente também com a degeneração do sentido da verdadeira uma forma turva pela qual havia de passar a única tendência
solidez que ainda na própria Psicologia experimental nos impõe legitimamente filosófica para uma fundamentação fenomeno-
tanto respeito, apesar dos defeitos de princípio que a nosso lógica da Filosofia. Acresce que a investigação fenomeno- .
ver Ihe são inerentes. Estou firmemente convencido de que lógica, qual investigação do Ser, e portanto apriórica, faz \
a História se há de pronunciar um dia muito mais severamente
simultâneamenteplena justiça a todos os motivos justificados
sobre esta literatura do que sobre a Filosofia popular tão cen.: do apriorismo. Em qualquercasoa nossacrítica deviater
furada do século xvm (i). evidenciado que reconhecer -no Naturalismo uma filosofia
errada por princípio, ainda não significa abandonar a ideia
de uma filosofia rigorosamentecientífica, de uma«Filosofia \
ser o fundamento da Filosofia científica, belo menos nas secçõesnatura- desdea bases».A distinção crítica dos métodospsicológicoe
listas das Faculdades de Filosofia, e de estas, cedendo à pressão dos natu--
fenomenológico indica no segundo o verdadeiro caminho de
racistas,zelarem agora em entregar üma cadeira de Filosofia após outra
a investigadores que, porventura muito excelentes na sua especialidade, uma teoria científica,da Razãoe igualmentede uma Psicolo-
não têm mais contactoíntimo com a Filosofia do que, v. gr., os quími- gia suficiente.
cos ou os físicos. Seguindoo nossoplano, passamosagora à crítica do His-
(:) Ao escrever este estudo, dá-se o acaso de me chegar às mãos toricismo e à discussãoda Filosofia ideológica.
a comunicação
do Dr. M. Geiger,em Munique,Sobrea essênc;a
eo
sfgn;f;Gadoda infufção, no«Relatório sobreo IV congresso
de Psicolo-
gia experimental,
em Innsbruck»(Lípsia,1911). O autor trata de dis-
tinguir, de uma maneira muito instrutiva, os problemas psicológicos
genuínos que, até agora, ora nitidamente se destacaram, ora indistintas
mente se confundiram, nas tentativas de uma descriçãoe teoria da com-
penetração, e discute os resultados das suas soluções tentadas ou conse-
guidas. O congresso ficou-lhe pouco grato por isso, conforme se
depreendedo relato das discussões(p. 66). A Sr.' Mártir, foi aplau-
didíssima ao afirmará«Quando cá cheguei, esperava ouvir alguma coisa
sobre os experimentou no campo da compenetração. Mas o que foi que
pròpriamente ouvi? Meras teorias antigas e antiquíssimas. Nada de
experimentou neste campo! .Esta não é nenÀazzla soc;edade f;/osóf;ca. compenetrpção na sugestão de investigações experimentais, como aliás
Parece-me chegado o tempo de aquele que pretende apresentar-nos teo- neste campo também já se realizaram. A posição. do método dos repre-
rias destas, demonstrar se os experimentos as confirmam. No campo sentantes da teoria da compenetração, perante o método da Psicologia
da Estética, tais expetimentosforam feitos,.p. ex. os de Stratton sobre experimental, é frequentementeanáloga à posição do método dos pré
o significado estético dos movimentos dos olhos, e os meus sobre a teo- -socráticosem relação à Ciência natural moderna». Nada tenho a acres-
ria da percepção interior». E} Marbe «vê o significado da teoria da centar a estes factos.
HISTORICISMO E FILOSOFIA IDEOLÓGICA

O Historicismo toma posição üa esfera dos factos da vida


mental, empírica, e situando-a ele em absoluto, sem justamente
a naturalizar(tanto mais quanto está certo que o sentido espe-
cífico da Natureza é alheio ao pensamentohistórico. não exer-
cendo nele influência geralmente determinativa),: vem a surgir
um Relativismomuito afim do Psicologismo
naturalísticoe
que leva a análogas complicações cépticas. Aqui, interessa
apenaso que é particular ao cepticismo histolicista, e em cujos
pormenores vamos entrar.
Toda a formaçãomental--na acepçãoa mais ampla
da palavra, susceptívelde abrangertoda a espéciede unidade
social, a começarpelo indivíduo, e também toda e qualquer
formação cultural -.-tem a sua estrutura intrínseca, o seu
tipismo, o. seu património admirável de formas extrínsecase
intrínsecas,que surgemcom a própria corrente da vida men-
tal, transformando-se e originando, elas próprias, com o modo
da transformação,novas diferenças estruturais e típicas. No
mundo externo, visível, a estrutura e o tipismo das \:ealizações
orgânicas oferecem analogias exactas; Aqui não há espécies
fixas, e estastambém não são estruturadas por elementos orgâ-
nicos fixos. Tudo que parecefixo, é uma corrente da evolução.
Se a nossaintuição íntima nos leva a compenetrar-nosda uni-
dade da vida mental, podemos chegar a sentir as motivações
que a dominam, e a «compreender»assim também o Ser e a
evolução dos respectivos vultos mentais na sua dependência
dos motivos mentais da unidade e da evolução. Deste modo,
todo o histórico torna-se-nos «compreensível», «explicável» na
4
50
5/

particularidade do «Ser»,que é justamente «Ser mental», uni- Religião é da Filosofia, desvanece-seperante o olhar que
dade de momentos, de intrínseca postulação mútua, de um abrange a Terra e todos os passados. Assim, a informação
sentido, e ao mesmotempo unidade da formação e evolução da consciênciahistórica,ainda mais radicalmentedo que o
L adequada à motivação intrínseca. Deste modo é portanto panorama do litígio dos sistemas, destrói a fé no valor geral
também possível investigar intuitivamente a Arte, a Religião de qualquer das filosofias que empreenderamexprimir, de
os Costumes,etc., e bem assim a !deologia que lhes é afim e made concludente, a continuidade do Universo, numa conti-
nelas se exprime, e a que costuma chamar-se Metafísica ou nuidade de conceitos» (6).
também Filosofia, quando assumeas formas da Ciência, com Parece que não há dúvida na vez'dadoque de facto há nes-
pretensõesa valor objectivo, à maneiradela. Impõe-se,pois. tas afirmações. A questão,porém, é de saber se em pr;ncípfo
com respeitoa tais filosofias, a grande tarefa de investigar a seria justo atribuir-lhes venera/idade. De certo, a Ideologia
sua estrutura ifiorfológica, o seu tipismo e as suas relações e a Filosofia ideológica são realizações culturais que, de deter-
evolucionais,e de levar as motivaçõesmentais qué determi- minado conteúdo espiritual, motivado pelas circunstâncias
nam o seu Ser, à compreensãohistórica, revivendo-asintima- históricas existentes,surgem e desaparecemno curso da evo-
mente. O que há de significativo e de realmenteadmirável lução da Humanidade. Mas assim aconteceutambém com as
a realizar a este respeito, revelam-no os escritos de Dilthey, ciências de rigor. Cgreç.em.pç?4:.8$cl.de valor objectivo.?.,Um
nomeadamente o tratado sobro os tipos ideológicos (1). historicista:extremistatalvez que o afirme, fazendo lembrar
Até agora falámos da história, mas não do llistoricismo. a mudança das opiniões científicas, a anulação de teorias ante-
Os seus motivos percebem-secom aqmaior facilidade através riormente consideradas como-provocadas, as divergências ter-
de alguns períodos da exposição de Dilthey. Lê-se nela :«Uma minológicas, quando uns chamam leis seguras àquilo que
das razõesmais eficientesa alimentar semprede novo o cepti- outros designamcomo meras hipótesesou então, como fan-
cismo, é a anarquia dos sistemas filosóficos» (3). «As dúvidas, tasia vaga. E assim por diante. Será pois verdade que em
porem, que surgiram com a evolução progressiva da consciên- face desta mudança constante das opiniões científicas não
cia histórica, ultrapassam em profundidade a das conclusões havia razão nenhuma de falarmos de ciênciasnão semente
cépticas que resultam da incongruência das opiniões huma- como de realizações culturais, mas como de unidades de valor
nas»(4); «A teoria da evolução[qual teoria científica natu- objectivo? ' É fácil' ver-se que o Historicisiho consequente
ralista entrelaçada com a inteligência histórico-evolutiva das acaba no extremo subjectivismo céptico. Então, as ideias
realizações culturais] relaciona-se forçosamente com a inteli- de Verdade, Teoria, Ciência, como todas as ideias, perderiam
gência da relatividade da forma histórica da Vida. O valor o seu valor absoluto. Atribuir valor a uma ideia significaria
absoluto de qualquerforma singula! da constituiçãovital, da ela ser uma forma intelectual de facto, consideradade valor
e determínativa do pensamento,nestede facto do seu valor.
Não haveria um valor que meramente ou«em si» o fosse, que o
(1 ) CÍ. o vol. WeltanschauunÉ, PhiZosophie und Religion in Darstal- fosseainda que ninguém o realizassee que nenhumaHumani-
/ungen, de W. Dilthey e outros(Berlim, 1911).
dade histórica chegassea rçalizá-lo. E portanto também não o
52 53

haveria para o teorema da contradição, nem para a Lógica. ber ensinamento sobre a verdade das teorias matemáticas; não
aliás já em pleno desenvolvimento,actualmente. Talvez que « Ihe há de ocorrer relacionar a evolução histórica das noções
princípios lógicos da coerência acabem por transformar-w e dos Juízos matemáticos com a questão da Verdade. Como
no seu contrário. . E numa consequência ulterior, nem teriam havia, pois, o historiador de decidir sobre a Verdadedos sis-
valor em si todas as afirmações agora formuladas, nem seque temas filosóficos existentes, ou até sobre a possibilidade de
as possibilidadesponderadase utilizadas como de valor. E uma ciência filosófica, em si de valor? E que havia ele .de
assim por diante. Não é preciso continuar, repetindo consi- fazer para abalar a fé do filósofo na sua ideia, que é a de
deraçõesque noutro lugar já se discutiram (:). Bastará, para uma Filosofia I'erdade;ra? Quem nega um determinado sis-
se concordar, que é mister reconhecera diferença e o contraste, tema, assim como quem nega toda a possibilidade ideal de
por maiores que sejam as dificuldades que a relação entre o um sistema filosófico, precisa de apresentar razões. Os factos
valor latente e o valor objectivo, entre a Ciência como reali- históricos da evolução, mesmo os mais gerais do modo da evo-
zação cultural e como sistema de uma teoria de valor possa lução de qualquer sistema,podem constituir razõese até
oferecer à compreensão ilustrativa. Mas uma vez admitida boas razões. Mias as razões históricas não podem originar
a Ciência como ideia de valor, que razão haveria ainda para senãoresultadoshistóricos. Pretender fundamentar ou refutar
não deixarmos pelo menos em aberto diferenças semelhantes ideias com factos, é um contra-senso -- ex pamzce aquém,
entre os valores históricos-- quer a nossa«razão crítica» m segundo a citação de Kant (:)
entenda,(quernão? A História e toda a ciênciamoral empí- Por conseguinte, a História não tem argumentos relevan-
rica, por si mesmas, nada podem decidir, nem no sentido posiú tes a opor, nem à possibilidade de valores absolutosem geral,
tivo, nem no negativo, sobre se há que distinguir entre a Reli- nem à possibilidadede uma Metafísica absoluta, isto é cien-
l gião como realizaçãocultural e como ideia, isto é como Reli- tífica, e de outra Filosofia, em especial. Até como História,
gião de valor, entre a Arte comorealizaçãocultural e a Arte de nunca pode apresentarrazõespara a afirmação de que afé
valor, entre o Direito histórico e o Direito de valor, e final- agora não tenha havido nenhuma filosofia científica, -- as suas
mente, entre Filosofia histórica e Filosofia de valor; sobre se, razões pode ir busca-las apenas a outras fontes de intelec-
/ platõnicamente falando, entre umas e outras existirá ou não a
relação da ideia para com a. forma turva da sua aparição.
E se é verdade que as realizações intelectuais podem ser con-
(') Dilthey (!. c.,) refuta igualmente o cepticismo historicista} mas
sideradas e apreciadas sob o aspecto de semelhantes contrastes eu não compreendocomo ele pode julgar que a sua análise,tão instrutiva
de valor, não é à Ciência empírica que cabe a decisãosobre da estrutura e do tipismo das ideologias,Ihe haja proporcionadorazões
o próprio valor e sobre os seus princípios ideais, normativ(is. decisivascontra o cepticismo. Pois, como está expostono texto, urna
O matemático também não irá dirigir-se à }iistória para rece- ciência moral, mas empírica, não pode argumentar nem contra, nem a
favor de algo que pretendater valor objectivo. O casomodifica-se--e
parece ser isto que ültimameãte preocupa o seu pensar ' quando a orien-
tação empírica que mira à compreensãoempírica, é substituída pela
(') Vol: l das minhas /nvesf;cações /ógfcas. orientação . fenomenológica que mira o Ser.
54 55

ção, e estas parece que já são filosóficas. Pois é claro ainda premissas que estavam à disposição de um filósofo histórico,
que a crítica filosófica, desdeque realmentepretendaser de podemos eventualmente reconhecer e até admirar a «Conse-
valor, é filosófica, implicando no seu sentido a possibilidade quência» relativa da sua Filosofia, e por outro lado desculpar
ideal de uma Filosofia sistemática qual ciência de rigor: A afir- as inconsequências com desviaçõesdos problemas e confusões
mação aliso/ufa de toda a Filosofia científica ser quimérica. inevitáveis na fase em que naquela altura se encontraram a
em virtude das tentativas pretendidas no decurso de milénios problemática e a análise dos significados. Podemos estimar
tornarem provável a impossibilidade intrínseca desta Filosofia. como grande obra a solução conseguida de um problema cien-
não só é enada, porque não seria boa indução concluir dos pou- tífico que hoje pertence à categoria de problemas fàcilmente
cos milénios de cultura superior para um futuro ilimitado, -- é dominados por um estudante do liceu. Coisas análogas,
um contra-senso absoluto como 2 X 2 :: 5. E é-o pela razão há-as em todos os campos- En face disto, mantemosnatu-
aludida. Se a crítica filosófica depara com algo cuja refutação ralmente que os princípios até destas valorizaçõesresidem
possater valor objectivo, haverá também campo para funda- nas esferasideais que o historiador que va/odza, e que não
mentaçõesde valor objectivo. Se, porém, se provou que os quer limitar-se a compreendermeras evoluções,apenaspode
problemas não foram postos exactamente, deve ser possível pressupor, não os podendo, porém, motivar como historiador.
acerta-los e deve haver problemas acertados. Se a crítica prova A norma matemática reside na Matemática, a lógica -- na
que a Filosofia histórica opera com conceitos confusos, confun- Lógica, a ética -- na Ética, etc. Nestas disciplinas é que teria
dindo conceitose sofismas,isto implica -"=quandonão se quer de procurar as razões e os métodos da motivação, desde que
cair em absurdídades--- a distinção, clarificação e diferenciação também na valorização quisesse proceder cientificamente. Se
ideal dos conceitos, a possibilidade de se chegar, no campo a este respeito não há ciências rigorosamente desenvolvidas,
dado, a conclusõescertas, etc. Toda a crítica justa, penetrante, então é que ele próprio toma a responsabilidadeda suavalo-
ela própria, já ofereceos meiosdo progresso,indicando fdea- rização, porventura qual personalidade ética ou religiosa
/ffez' os fins e os caminhos certos, e assim, uma ciência de valor e crente, mas certamente não como historiador (científico.
objectivo. Naturalmente poderia objectar-se ainda que a Se por conseguinteconsideroo Historicismo como uma
insustentabilidadehistórica de uma realização espiritual como aberração gnoseológica, tão severamente refutável em virtude
facto nada tem com a insustentabilidadeno sentidodo valor; das suas consequênciasabsurdas como o Naturalismo, não
o que, comotodo o expostoaté aqui, tem a sua explicaçãoem quero, na entanto, deixar de acentuar expressamenteque ple-
todas as esferas de valor pretendido: namente reconheço o imenso valor que á História na sua acep-
O que ainda podo iludir o historicista, é o facto de a com- ção mais ampla tem para o filosofa. Para ele, a descoberta
penetração de uma realização do espírito histericamente do espírito colectivoé tão significativa como a da Natureza.
reconstruída, no seu significado dominante e nas realizações A penetraçãona generalidadeda vida intelectual ofereceuaté
correspondentes da motivação, não nos levar apenas a com- ao filósofo um material mais original, e por isso mais funda-
preender o seu sentido, mas ainda a apreciar o seu valor rela- mental de investigação,do que a penetraçãona Natureza.
tivo. Transpondo-nos
porventura
assumptivamente
paraas Pois o reinoda Fenomenologia
qual teoria do Ser,partindo
'q

R
57

espírito individual, estende-se


logo ao campo inteiro do
bem que a sua'filosofia não está em condiçõesde preten-
esp&'ito geral, e se Dilthey tão impressionantemente salientou
der rigor científico, e alguns deles pelo menos concordam
a impossibilidade
de a Psicologiapsicofísicaservir de«fun-
franca e sinceramente em atribuir pouca categoriacientí-
damentodas Ciênciasmorais»,eu diria que a teoria fenome- fica aos seus resultados. Apesar disto, estimam de altíssima
nológica do Ser é a única susceptível de fundamentar uma valor aquele génerode Filosofia que insiste em ser mais Ideo-
ff/osof;a do espírito.
logia do que Ciência, sendo a estima tanto maior quanto maior
#

é o cepticismo com que eles, precisamentesob a influência do


Historicismo, encaram a tendência para a Filosofia como ciên-
cia de rigor. Eis mais ou menos os seus motivos, que ao
mesmotempo definem melhor o significado da Filosofia ideo-
Passamosagoraa meditar o Significadoe o direito da Filo- lógica. B
sofia ideológica, para a confrontar a seguir com a Filosofia
Todas as grandes Filosofias não constituem apenas factos
como ciência de rigor. A Filosofia ideológica dos tempos
históricos,.mas cabe-lhes ainda uma função teleológica, grande
B'
modernos, como já se deu a' entender, é filha do Cepticismo
e até única, na evoluçãoda vida intelectual da Humanidade:
historicista. Normalmente, este não atinge as ciênciaspositi- a. dg...$}4premaintensificação da::experiência da vida.da cul-
quais atribui valor real, na inconsequência de todos
tura, da.sabedoria do seu tempo. Demoremo-nos um instante
os cepticismos. Em confonnidadecom isto, a Filosofia ideo- a esclarecer estêê conceitos.
lógica pressupõe todas as ciências singulares como depósi-
A expor;êncfa como hábito pessoal é o,.resultado de actos
tos de verdades objectivas, e propondo-se Satisfazer, na medida €u
precedentes. no decurso da vida, de d89Íçõ:g"'iiatur'''s 'tcllgàd;iga
do possível,.. à nossa necessidade de uma intêlecção tenni-
experientes. ." É essencialmente condicionada pelo modo de a
nante e {unifomiizante, universal, considera todas as ciências
personalidade, qual determinada individualidade especial, ser
singulares como fundamentos seus. Com respeito a isto é
susceptível da motivação por actos de experiência própria,
que às vezes,ela se chama a si mesma Filosofia científica, pre-
e bem assim da actuação de experiências alheias e tradicionais
na sua maneira de concordar com elas ou de recusa-las. Quanto
aos actos de intelecção, abraçados pelo título de experiência.
podem constituir intelecçõesde todos os génerosde existên-
constituído apenas pelo carácter científico dos fundamentos.
mas também pelo dos problemas determinativos dos seus cias naturais, quer simples percepçõese outros actos de uma
intelecção directa, visual, ou os actos de pensamento.basea-
fins, dos métodos, e em especial ainda por uma certa harmo-
dos naqueles, em graus diferentes de elaboração e legitimidade
nia lógica, entre os problemas directivos de um lado, e do outro
lógicas. Mas isto não é suficiente.- Experiências, temo-las
lado precisamente aquelesfundamentos e méto:ios.' E de facto.
também com respeito a obras de arte e outros valores esté-
em geral esta designaçãonão se compreendena sua plena ticos; e bem assim de valores éticos, quer baseadasno nosso
gravidade A maioria dos filósofos ideológicos. sente muito
próprio hábito ético, quer na introspecçãodo hábito ético de
59
58

outrem, e igualmente de bens, utilidades práticas, utili; e relativamente às suas formas maia. qaract.çrísticas é c$im boa
técnicas. Em resumo, não semente fazemos experiências teó- razão que se fala não semente da 'Cultura.b -ideolt)gia de uxh
ricas como ainda axiológicas e práticas. A análise mostra que indivíduo determinado, como ainda.das de uma época. Assim
estasindicam vivências valorativas e volitivas como basesda sucedeem especial com as formas a esütdar agora.
visão. Nestas experiências também é que se constroem inte- A concepção intelectual da sabedoria, intrinsecamente mais
lecções empíqcgs ge.uma:.dignidade superior, lógica. Confor- rica, mas ainda obscura,incompreensívela si mesma,e viva
memente,o "'ornzíi=êxpênenciaao, ou, como também se diz, o numa grande personalidade filosófica, abre as possibilidades
«homem culto» não sòmente tem uma experiência geral do de uma utilização lógica e, num grau superior da cultullã, lçvna
mundo. como ainda experiênciaou '&culturalõreligiosa,esté- à aplicação do método lógico, formado nas ciências de rigor.
tica, ética, política, prática e técnica,.etc. Entretanto, esta E',evidente que neste grau o conteúdo total destas ciêncms,
palavra, realmente muito gasta, de cultura, emprega-se apenas postuladosvalentesdo espírito colectivo que o individuo tem
para designaras formas relativamentesuperioresdo hábito de enfrentar, fazem parte do fundamento de uma culüua ou
descrito,visto existir ainda o termo contrário de incultura. ideologia valiosas. itO desdobramento lógico e a restante
1.
Às valorizações particularmente elevadas .referem-se a palavra utilização intelectual dos motivos vivos e por isso mais convin-
antiquada de sabedoria(do Mundo e da Vida), e geralmente centesda cultura da época,além da sua noção,.recíprocaunifi-
também o termo agora popular de ideiassobre o Mundo e a cação científica e consequente perfeição dos resultados assim
Vida, ou simplesmente /deo/ogia. obtidos, e de novas visõese intelecções,levam a uma ampli'
Teremos de considerar a sabedoria ou a -ideologia neste ficação e intensificação extraordinária da sabedoria original-
sentido como componenteessencialdaquele hábito humano mente incompreendida,./ Nasce uma f;/osof;a idem/ógicaque
mais valioso ainda, que adivinhamos na ideia da virtude per- nos grandes sistemasrespondecom a máxima perfeição rela-
feita e que designaa virtude .habitual em relação a todas as tiva aosproblemasda Vida e do Mundo, levando do melhor
orientações possíveis' de $àsiçõés humanas, no sentido da inte- modo possível à solução e ao esclarecimento satisfatório das
lecção, valorização e }lglição.. Pois evidentemente corresponde discrepâncias teóricas, axiológicas, práticas da Vida que a expe-
a esta virtude a capacidade,.bemformada do. raciocínio sobre riência, a sabedoria, as meras opiniões sobre o Mundo e a Vida
os libjdeüvoélde tais ambiente, os valores, os só muito imperfeitamente podem vencer. Mas a vida intelectual
bens, os efeitos etc*.,.ou.então, a capacidade da justificação da Humanidade com a sua plenitude de formação, lutas ante:
expressadas posiçõestomadas. Isto, porém, pressupõe a sabe- lectuaís, experiências, valorizações e finalidades sempre novas,
doria e pertencetambém às suas formas superiores. continua; o horizonte amplificado da vida, em que entram
A sabedoria ou a ideologia neste sentido determinado, todas as novas realizaçõesmentais, fazem com que se modifi-
emboraimplicador de uma multiplicidade de tipos e gradua- quem a e:ttltura, a Sabedoria, a J4ãei3logia, e a Filosofia,
subindo a cumes cada vez mais altos.
ções de valor, não é, como não será preciso pormenorizar, mera
realização da personalidade singular, que aliás não passaria Condicionado
o valor da filosofia ideológicae implicita-
de uma abstracção; pertence à comunidade cultural e à época, mente a aspiraçãopara ela, primeiro pelo valor da sabedoria
r L

e da aspiraçãopara ela, já não é muito necessáriaa pondera- todas as suas:disciplinas deve tornar-se uma potência suma-
ção da sua finalidade.l E' que na acepçãolata do conceitoda mente significativa para a Cultura, um foco das mais valiosas
sabedoria que adoptámQ9,ela exprime uma componente essen. energias informativas para as mais valiosas personalidades coe-
cial do ideal da\éfic;ênêia' perfeita atingível em conformidade tâneas. 't ePxv'-Bn+f'o
com a fase respectivada vida da Humanidade, ou, com outras +

palavras, de uma matização relativamente concreta da ideia da


É llumanidade. É portanto ..dar(2:.quç.3 todos. s.ç.impõe serem
personalidades da"-xnaioi-eficiência-.bóssívei 'êiH'todos os sen-
tidos fundamentaisda vida, correspondentes
por seu lado aos Feita plena justiça aos altos valores da filosofia ideoló-
génerosfundamentaisde posiçõespossíveis,e terem a maior gica, poderia parecer que nada devia impedir-nos de recomen-
«experiência», «sabedorialDe portanto. também o maior «amor dar fncondicfona/mente a aspiração pára uma tal filosofia.
da sabedoria2p
possíveis,em qualquer destessentidos. Ideal- Todavia, talvez seja possível demonstrar que, .com respeito
mente, todos os homens diligentes são forçosamente«filósofoub à ideia da Filosofia, ainda restam outros valores, e sob cezfos
na acepçãomais original d3 palavra. aspectos superiores, aos quais há-de satisfazer-se. Trata-se
As reflexõesnaturais dobreos melhorescaminhos de atingir nomeadamente dos de uma c;ência f;/osóffca. llá-de conside-
o objectivo alto da Humanidade e implicitamente da sabedoria rar-seo seguinte. A nossameditaçãoparte da cultura cientí-
perfeita, leveqrqm,Xçol(l:ljU:adido,
à teoria da arte de ser homem fica da nossaépoca, que é uma época propícia para poderosas
virtuoso ou :êlicilllliti1l.ÉBêfinida, como .geralmente o é, como forças de ciências objectivadas de rigor. . Na consciência
teoria da arte da acção justa, aquelateoria tem eXi4enl;çmçnte moderna, as ideias de Cultura ou Ideologia e Ciência, na acep-
o mesma significado. Pois a acção conseqüehténiedteêficiénte ção de ideias práticas, são rigorosamente distintas e ficam-no
a'que se"refere,reconduz ao carácter virtuoso e prático, e este de aqui para toda a etem.idade. Podemos lastima-lo, mas
tem por base a perfeição habitual no sentido axiológico e inte- devemosaceita-lo como facto contínuo que tem de deter-
lectual. A aspiração para a perfeição, por seu lado, tem por minar correspondentementeas nossasposiçõespráticas. As

1,! base a ânsia da sabedoria omnilateral. Materialmente,


disciplina remete quem a pretende aos diversos grupos de valo-
res, nas Ciências,nas Artes, na Religião, etc., que todos os
esta filosofias históricas foram certamente filosofias ideológicas,
desde que o impulso da sabedoria dominasse os seus auto-
res; mas foi precisamenteigual o seu carácter de filosofias
indivíduos actuantes têm de reconhecer como su$er=liubjecü- científicas, desde que os animasse o objectivo da ciência de
vos e obrigatórios.' E a ideia desta sabedoriae virtude per- rigor. Ambos os objectivos, ou ainda não estavam distintos
feita, é ela própria,:um valor supremo. Naturalmente,esta de maneira alguma, ou a sua distinção não era muito rigo-
teoria da arte ética, quer popular, quer científica, cabe tam- rosa. Nas aspirações práticas, confundiram-se, e também
bém no quadro de uma filosofia ideológica que, um.a vez sur- eram finitos,. por mais alto que os julgassem os interessados.
gida da consciênciacolectiva da sua época,e impondo-seao Isto modificou-se radicalmente com a constituição de uma
indivíduo com o vigor convincentedo valor objectivo, com un;versÍfas eterna de ciências de rigor. Seguem-se as gera-
b.

62

Cães que ' continuam a trabalhar entusiásticas na construção por ambas) se aproximariam
ções destas ideias (supostas a
assimptõticamente
e coincidiriamno infinito, desdeque nos
poderosa da Ciência, integrando nela as suas contribuições
modestas, sempre conscientes de esta construção ser imensa representássemos
o infinito da Ciênciacomo fictício, qual
e jamais poder ser concluída., A Ideologia também é uma «ponto infinitamente distante». Seria preciso entender o con-
«ideia», porém de objectivo finito, realizável em princípio, ceito da Filosofia numa amplitude correspondente,de sorte
numa vida individual, em contínuaaproximação,tal coma que além das ciências especificamente filosóficas abraçasse
a moralidade,que perderiao seu sentidose fossea ideia todas as ciências singulares, depois de transformadas em filo-
de um infinito, em princípio transfinito. A«ideia>p da Idem-. sofias,pela elucidaçãoe exploraçãocrítica da Razão.
logra é diferente em.cada época,como o evidenciaa análise A concepçãodas duas ideias distintas como conteúdosde
do seu conceito, que atrás se fez; a «ideia» da Ciência, pelo objectivosda vida, torna possívelopor à aspiraçãoideológica
contrário, é eterna, o que aqui significa que não é limitada uma aspiração investigadora inteiramente diferente, que, em- n
bora plenamente cânscia de a Ciência nunca chegar a ser cria-
em qualquer relação ao espírito de uma época. Com estas
distinções relacionam-se outras, essenciais,de finalidades prá- ção perfeita do indivíduo, não deixa de empregaras máximas
ticas. É próprio dos objectivos da nossa vida serem duplos,
energiasem colaborar na realização e na evoluçãoprogressiva
de uma filosofia científica. .A grande questãoda actualidadeé,
temporais uns e eternos outros, servindo uns à nossa própria
alémda distinçãonítida, a valorizaçãorelativa destesobjecti-
perfeição e à vida dos nossoscontemporâneos, e outros ainda à
vos e implicitamente a da sua compatibilidade prática.
perfeição dos vindouros,até às geraçõesmais futuras. A Ciên- Admita-se de antemão que não há decisão geralmente
cia é um título de valores absolutos, eternos. IJma vez desco-
aceite e prática possívelem favor de um ou outro génerode
l berto, cada qual destesvalores acaba por fazer parte de foda a
Humanidade vindoura. determinando já evidentemente o con- filosofar, sob o aspecto dos indivíduos filosofantes. Nuns,
predomina a tendência teórica, a inclinação para a investiga-
teúdo material da ideia da Cultura, Sabedoria,Ideologia, bem
como o da filosofia ideológica. ção rigorosamentecientífica, desde que o campo que os atrai
se llxes afigure propício para ela. E pode sucederque o inte-
Distinguem-se, pois, rigorosamente a Filosofia ideológica
e a científica, como duas ideias de certo modo correlacionadas, resse,,e até o interesse apaixonado por este campo tenha a
mas inconfundíveis. É de considerar também que a primeira sua origem em necessidadesafectivas, porventura ideológicas.
1: não é a realizaçãotemporal porventura imperfeita da segunda. O caso é, porém, diferente, quando se trata de índoles práti-
Pois se a nossa concepçãoé certa, ainda não existe nenhuma cas (artistas, teólogos, juristas, etc.). Estes vêem a sua voca-
realização daquela ideia, isto é nenhuma filosofia actualmente ção na realização de ideais estéticos ou práticos, e portanto
extra-teóricos. Contamosentre eles também os investigado-
em acção,qual ciênciade rigor, nenhum«sistemadoutrinal»
res e escritores teológicos, jurídicos, técnicos na acepção mais
que, embora imperfeito, se haja apresentado objectivamente no
lata do termo, desde que os seus escritos não se proponham
espírito uniforme da comunidadedos investigadorescontem-
adiantar a teoria, mas sim, influenciar em primeiro lugar a
porâneos. Por outro lado, já tem havido Filosofias ideoló-
gicas desde há milénios. Todavia pode dizer-se que as realiza-
prática. Contudo, a distinção não é inteiramente nítida, na
própria realidadeda vida; e precisamentenuma épocaem tisse a Ciência, ainda que se suponha que.ele já conhecesse a
que os motivos práticos surgem preponderantes, as índoles ideia de uma ciência de rigor.
teóricas poderão ceder ao vigor destes motivos mais do que Ora, por outro lado, toda a Ciência, até a mais exacta,ofe-
admitiria a. sua vocaçãoteórica. Aqui, porém, é que reside receum sistemadoutrinal de desenvolvimentoapenaslimitado,
especialmente um grande perigo para a Filosofia da nossa circundado pelo horizonte infinito de uma ciência que ainda
época.
não chegou a ser realidade. O que haverá de ser o objectivo
A questão não se põe, porém, apenas sob o aspecto do justo deste horizonte, o desenvolvimento ulterior da doutrina
indivíduo, mas do da Humanidade e da História, desdeque se rigorosa, ou a «intuiçãolP, a «sabedoriaxb? O Homem teórico,
considereo que significaria para a evoluçãoda Cultura, para o naturalista por vocação, não hesitará na sua resposta.
a possibilidade de uma realização contínua e progressivada Quando é possível a Ciência pronunciar-se, ainda que leve
ideia eterna da Humanidade -- e não do indivíduo humano-. séculospara ela chegara isso, ele refutará com desprezoas
a preponderânciade um ou outro sentido,na decisãoda ques- «intuiçõeslõ vagas. Julgaria pecar contra a Ciência, se reco-
tão, ou por outras palavras, o domínio exclusivo na época. mendasseque se projectassem «intuiçõess$da Natureza. .Cer-
da tendência para um. destes géneros de Filosofia, que levaria tamente, defende assim um direito da humanidade futura. As
a outra -- p. ex. a tendência para a Filosofia científica -- a des- ciênciasde rigor devem grande parte da sua grandeza,da con-
vanecer-se. Isto também é uma questãoprática. Pois as nos- tinuidade e do vigor da sua evolução progressiva,precisamente
sas influências históricas e portanto também as nossasrespon- a semelhante radicalismo mental. Certamente todos os inves-
sabilidades éticas chegam até às maiores amplitudes do ideal tigadores exactos chegam a «intuições», transcendendo o firme-
ético, até àquelas que a ideia da evolução da Humanidade mente fundamentado, na contemplação, divinação e suposição;
indica.
mas apenas com o intuito metódico, para projectarem novas
Não há dúvida sobre o modo como esta decisão se afigura- partes de uma doutrina de rigor. Esta posiçãonão exclui o
ra a uma índole teórica, se já existissem inícios indubitáveis de grande papel que a experiência no sentido pré-científico desem-
uma doutrina filosófica. Consideremos as outras ciências. penha dentro da técnica das Ciências naturais, embora rela-
Toda a «sabedoria»e doutrina de sabedoriamatemáticaou cionada com as intelecçõesda Ciência, como o próprio natu-
naturalista, que tem a sua origem na Natureza, deixou de ser ralista não o ignora. Impõe-se'.realizaras tarefastécni-
legítima na medida de o fundamento da doutrina teórica cor-
cas e construir as máquinas, não se pode esperar até que a
respondente ter valor objectivo. A Ciência pronunciou-se.
Ciência natural possa proporcionar informações exactas sobre
agora cabe à sabedoria apreender; A aspiração à sabedoria todos os pormenoresde interesse. Por isso, a decisãodo
das Ciências naturais, anterior à existência da ciência de rigor técnico, qual homem prático, não é a mesma que a do teórico
não foi ilegítima, e não é desacreditadaposteriormente em rela-
naturalista. Este, oferece-lhe a doutrina, e a «experiência»,
ção à épocasua contemporânea.Nos apertosda Vida, na proporciona-lha a Vida.
necessidade prática de tomar posição,o Homem não pede Não é precisamente
assimque acontececom a Filosofia
esperar até que -- porventura milénios mais tarde-- exis-
científica, visto nem sequer se ter chegado ainda à elaboração
5
de um início de doutrina de rigor científico, e a Filosofia que
Yhavia de ser considerado como um tal Ser «absoluto». e sobre
a defende,a história e tradicional tanto como a que estáeu
se este seria de todo inteligível. É antes o mais radical mal
evolução viva, não passar, quando muito, de um produto
v;fa/ aquele de que sofremos e que atinge todos os pontos da
científico não acabado,ou de uma mistura indistinta de idem.
logra e intelecçãoteórica. Por outro lado, infelizmenteaqui nossa vida. Toda a vida é tomar posição, e todas as posições
que se tomam estão sujeitas a postulados, à decisão sobre o
também não se pode esperar. Vence-nosa necessidadefilosó.
valor e o desvalor, segundo normas absolutas que se preten-
fica qual necessidadeideológica,que não deixa de aumentar
com o aumento do âmbito das ciênciaspositivas. A plenitude dem. Enquanto ç?tas normal..!jcaram incontestadas.não
ameaçadas e escarnecidaspelo cepticismo, havia apenas uma
enorme de factos cientificamente exp/fcados que estas nos ofe-
recem, não pode auxiliar-nos, visto que em princípio, com todas questãovital, a da melhor maneira da sua satisfação prática.
Mas que será agora, que todas e quaisquer normas são contes-
as ciências, trazem consigo uma dimensão de problemas cuja
solução se nos torna uma questão vital. As Ciências natu: tadas ou falsificadas empiHcamente e despidas do seu valor
raia não nos explicaram nem um único ponto da realidade
ideal --? Os adeptosdo Naturalismo e do Historicismo lutam
actual, que é aquela em que vivemos, agimos e existimos. pela ideologia, e contudo uns e outros concorrem, sob aspectos
A crença geral de ser esta a função delas, e de apenas ainda diversos,para interpretar as ideias como factos, e para trans-
formar toda al realidade, toda a vida numa mistura incom-
não estarem suficientemente desenvolvidas, a' opinião de -- em
preensível ..de.«factos»l.sem .ideias. A superstição dos factos
princípio -- serem capazesdisto, revelaram-se ilusórias àque- é comum a todos eles.
les que penetraram mais fundo. A distinção necessáriaentre
a Ciência natural e a Filosofia (qual ciência de tendência Não cabe dúvida de que não podemosesperar. Devemos H
em princípio diversa da Ciência natural, embora essencial- tomar posição, esforçar-nos por acordar numa «concepção»
mente relacionada com ela, em alguns campos) está em vias razoável,emboranão científica,do Mundo e da Vida, as
de se impor e de se esclarecer. No dizer de Locke: «Calcular .desarmonias que há na nossa posição perante a realidade da
o curso do Mundo não significa compreendê-lo». Porém, Vida que tem importância para nós, e em que se nos impõe
as Ciências morais não nos são propícias. «Compreender» tomar posição. E se nisto o filósofo ideológico nos pode auxi-
liar, não Ihe havíamos de ser gratos?
a vida intelectual da Humanidade é certamente algo de grande
e belo. Mias infelizmente esta compreensão também não pode Apesardg muita verdadeque haja naquilo que acabade H
auxiliar-nos, e não deve confundir-se com a compreensãofilo- ser objectado, e da pena que tivermos em renunciar à eleva.
sófica destinada a revelar-nos os enigmas do Mundo e da Vida. ção.e edificação que as Filosofias antigas e modernas nos ofe- BI
O mal intelectual do nossotempo tornou-se de facto insu- recem,não se pode deixar de insistir, por outro lado. em ficar-
portável. Não é apenasa incertezateóricado sentidodas mos cônscios da responsabilidade que temos perante a Huma-
«realidades>õinvestigadas nas Ciências naturais e morais, a nidade. Não devemosabandonara eternidade,por amor
perturbar o nosso sossego-- a incerteza sobre se nelas se che- da actualidade e não devemos,para atenuar o nossomalestar.
gou à intelecção de um Ser no sentido extremo, sobre o que legar à'posteridade males e mais males que acabariampor
degenerarnum Mal inexterminável.Aqui, o mal provémda
68

Ciência. Mas a Ciência é a única capaz de vencer definitiva- firmes todos os dados oferecidos pelas ciências especiais
mente o mal que dela vem. Se a crítica ceptiéista dos adeptos de rigor, e também não deixaria de aplicar métodoscientíficos,
do Naturalismo e do llistoricismo acaba pór dissolver o autên. e muito gostosamenteaproveitar-se-ia de .todas as possibili-
tico valor objectivo em todas as postulações, num Contra- dadesde um progressorigorosamentecientífico dos problemas
-senso,-- se a compreensãoda realidade,e a possibilidadede filosóficos. Apenas que, contrária à timidez metafísicae ao
uma posição razoável perante ela são obstruídas por concei- cepticismo da época anterior, não deixaria de abordar auda-
tos vagos, dispares, embora naturais, da reflexão, e por proble- ciosamente ainda os supremos problemas metafísicos, para
mas ambíguos ou reversos, que destes derivam, -- se o hábito atingir o objectivo de uma Ideologia harmànicamentesatisfa-
de uma orientação metódica, especial, mas também necessária tória para o intelecto e para o sentimento, conforme à situa-
para uma grande categoria de ciências,acaba por degenerar ção da época.
na incapacidadede passarpara outras orientações,e se com Desde que a isto se atribui o carácter de uma mediação
semelhantes preconceitos se relacionarem ábsurdidades afli- destinadaa apagar a linha divisória entre a Filosofia ideoló-
tivas da concepçãodo Mundo: -- então é que há só um remé- gicae científica,devemosprotestar. SÓpoderialevar a afrou-
dio contra estes males e todos os seus semelhantes: a crítica xar e enfraquecer o impulso científico e a favorecer uma litera-
científica e, a acompanha-la, uma ciência a partir das bases, tura pseudo-científicaque carecessede sinceridadeintelectual. 31.
seguramente fundamentada e progressiva segundo o mais Aqui não há compromissos,tão pouco como os não há em qual-
rigoroso método -- aquela ciência filosófica que aqui defen- quer outra ciência.. Não poderíamos contar mais com resul- .#

demos. As Ideologias podem entrar em disputas, só a Ciência tados teóricos, quando o impulso ideológico chegassea ser
é que pode trazer decisões,e estassão eternas. omnipotente, iludindo também as índoles teóricas, pelas suas M
formas científicas. Desde que durante milénios os maiores
8 espíritos científicos dominados pela paixão e vontade da
Ciência,não chegarama nenhum rudimento de doutrina pura,
na Filosofia, e desdeque o grandioso que realizaram, embora
numa maturaçãoimperfeita, o não realizaram senãolevados
Sejaqual for a orientaçãoda nova viragemda Filoso- por esta vontade,os filósofos ideológicosnão poderãojulgar
fia, não cabedúvida de que ela não devedesistirde que- que de passagemlhes seja possível adiantarem e definitiva-
rer ser ciência de rigor, e que antes deve opor-se à aspira- mente fundamentaremuma ciência filosófica. Com o seu
ção ideológica, prática, como ciência teórica, dist:inguindo-se objectivo limitado e com a ambição de um sistema obtido em
dela com plena consciência. Pode ser que os advogadosda
#l

tempos para ainda poderem viver segundo os seus preconceitos,


nova Filosofia ideológica objectem que ceder a esta não signifi- não têm competênciaalguma pára isto. O que aqui se impõe M
caria forçosamenteabandonar a ideia de uma ciência de rigor, é ùnicamenteque a própria Filosofia ideológicarenuncie,em
-- que a verdadeira Filosofia ideológica não sòmentehão dei- plena' sinceridade, à pretensão de ser ciência, e que deixe ao
xaria de ser científica na fundamentação,utilizando como ele- mesmotempo de confundir os espíritos e de impedir o pro-
7/

n gressoda Filosofia científica, o que é certamente contrário à vida. A verdadeira Ciência não sabe de nenhuma profundeza

r pureza das suas intenções.


Que o seu objectivo ideal continue a .ser a Ideologia que,
precisamentepor essência,não é Ciência. Nisto, ela não deve
admitir que a desconcerteaquelefanatismo da ciênciadema-
até onde chegara sua doutrina real. Todo o fragmentode
Ciência acabadaconstitui uma totalidade de passosintelec-
tuais, cada qual directamenteinteligível e portanto contami-
nado pela profundeza. Esta é que cabeà sabedoria;à teoria
siado divulgado no nosso tempo, e que depreCia como «não de rigor é que cabe a nitidez e clareza de conceitos. Na trans-
científico» tudo que não seja demonstrável com «exactidão formação das divinações da profundeza em formações incon-
científica». A Ciência é um valor entre outros, equivalentes. fundíveise racionais,é que consisteo progresso
essencial
da
Já esclarecemos que o valor da Ideologia suf gemer;s
estáple- constituiçãonova de Ciênciasde rigor. As Ciênciasexactas
namente assegurado,que ela deve ser julgada como hábito e também passaram por extensos períodos de profundeza e ouso
realização da personalidade individual, mas que a Ciência esperarque a Filosofia passaránas disputas actuais da face
deve ser apreciada como realização colectiva das geraçõesde da profundeza para a da clareza científica, como aconteceu
investigadores. Ambas, distintas pelas origens do seu valor. a aquelas nas controvérsias renascentistas. Para isto precisa
distinguem-se também pelas suas funções e pelos modos da apenas de ser verdadeiramente consequente e conscientemente
sua actuaçãoe doutrinação. A doutrina da Filosofia ideoló- enérgicaao.dirigir-se aos seusobjectivos, com todas as forças
gica é igual à da sabedoria,ministrada por uma personalidade científicas disponíveis. Chamam à nossa época decadente.
a outra. Correspondeao estilo de$fa filosofia sementepermitir Não possoconsiderarjustificada estacensura. Não seráfácil
que o público seja doutrinado por aquelesque têm competên- encontrar na História outra épocacom tantas forças laborio-
cia em virtude de uma índole e sabedoriaprópria, particular- sas em movimento,e a trabalhar com tanto êxito. Podeser
F
mente significativa, ou também por servirem altos interesses, que nem sempre aprovemos os objectivos, e que lamentemos
religiosos, éticos, jurídicos, etc. A Ciência, porém, é impes- que em épocasmais sossegadas,de vida mais cómoda, tenham
soal. O .seu 'colaborador não. precisa da sabedoria, mas sim. desabrochado flores como não as podemos encontrar nem
do talento teórico. A sua contribuição destina-sea um patri- esperar na nossa. Contudo, ainda -que as pretensões e reivin-
mónio de valores eternos,que deve ser profícuo para a Huma- dicaçõesda nossa épocarepugnemao sentido estéticomuito
nidade. É este, porém, o caso da Ciência filosófica, num grau mais sensível à beleza ingénua do espontâneo -- : que valores
extremo, como atrás se viu. imensos não residem na esfera da vontade, desde que as gran-
SÓdepois de se ter imposta na consciênciada época,a dis- des vontades não deixam de encontrar os objectivos adequa-
tinção decidida das duas Filosofias, é que a Filosofia é suscep- dos! Seria, porém, muito injusto para com a nossa época
tível de assumir a forma e linguagem de uma ciência autêntica atribuir-se-lhe a vontade do inferior. Quem souber despertar
e de reconhecercomo imperfeita aquilo que muitas vezesnela a fé, a compreensão
e o entusiasmoda grandezade um objec
l se.louva ou até imita -- a sua profundeza. Esta é um'indicia
do caos que pretende transformar a Ciência:-autênticanum
tive, fàcilmente encontrará as energias que para ele convergem.
Eu acho que a nossaépocaé grandepor vocação,-- ela sofre
cosmos,numa ordem simples,completamenteclara, dissol- Á
apenas do cepticismo que corrompeu os ideais antigos e não
73

esclarecidos. E por isso mesmo é que ela sofre da escassaevo- deve descansarantes de ter chegado aos seus inícios, isto é aos
lução e potência da Filosofia ainda não suficientemente adian- seus problemas absolutamente claros, aos métodos delineados
tada, científica, para poder vencer pelo verdadeiro positivismo no próprio sentido destesproblemas, e ao campo ínfimo da
aquele negativismo céptico (que se chama Positivismo). laboração de coisas de apresentação absolutamente clara.
A nossa época não quer acreditar senão em «realidadesxp. Ora, Sòmente, nunca se deve renunciar à independência radical
a sua realidademais forte é a Ciência,e assima Ciênciafila../ de preconceitos,-- sendo, pois, mister deixar-se de identificar
sófica é aquilo que mais preciso é à nossa época. de antemão semelhantes <Kcoisass$ com«factosxp empíricos e de
Virando-nos, porém, para este objectivo, interpretando o ficar cego perante as ideias, de ampla apresentaçãoabsoluta na
sentido da nossa época, não podemos deixar de esclarecerque ideação directa. Somos demasiado dominados por preconceitos
ele ùnicamente se atinge quando nos recusarmos, com o radi- que provêm ainda da Renascença. Aquele que é deveras inde-
calismo essencialda autêntica Ciência filosófica, a aceitar as pendente de preconceitos, não se importa com uma averiguação
meras afirmações, a reconhecer as tradições como iniciais, ter a sua origem em Klant ou Tomas de Aquino, em Darwin ou
e a impressionar-nos com os mais famosos nomes, procurando em Aristóteles, em Helmholtz ou em Paracelso.: Não é preciso
antes chegar aos inícios, entregando-noslivremente aos .pró- postular-se que se veja com os próprios olhos, mas antes que
prios problemas e aos postulados que deles partem. se deixe de eliminar o visto numa interpretação que os precon-
Certamente precisamos também da História. Não será ceitos impõem. Como nas ciências modernas mais impressio-
ao modo dos historiadores, perdendo-nos nas continuidades nantes, que são as matemáticas e físicas, a parte exteriormente
evolutivas que estão na origem das grandesFilosofias, mas maior dostrabalhos segueos métodos indirectos, somosdema-
será, sim, para que a própria substânciaespiritual delas exerça siado inclinados a sobrestimar os métodos indirectos e a
sobre nós a sua acção sugestiva. De facto, estas Filosofias depreciar o valor das percepçõesdirectas. Mias é precisamente
históricas exalam uma v;da filosófica na plenitude da sua próprio da Filosofia, desdeque remonte às suas origensextre-
riqueza e do seu vigor de motivações.vivas, desde que saibamos mas, o seu trabalho científico situar-se em esferasde intuição
penetrar intuitivamente nelas, na alma das suas palavras e directa, e constitui o maior passo a dar pela nossa época, reco-
teorias. Mas não é com as Filosofias que chegamosa ser nhecer-se que a intuição filosófica no sentido autêntico, a
filósofos. Não passarda história, preocupar-se
com ela percepçãofenomenoJóg;cado Ser, abre um campo imenso de
numa actividade histórico-crítica, e pretender chegar à Ciência trabalhoe leva a uma ciênciaque, semtodos os métodosindi-
filosófica, em elaborações eclécticas ou renascençasanacróni- rectamente simbolizantes e matematizantes, sem o aparelho
cas, não são mais do que tentativas desesperadas. ]Vão é das das conclusõese provas, não deixa de chegar a amplas inte-
Filosofias que deve partir o impulso da investigação,mas, lecções das mais rigorosas e decisivas para foda a Filosofia
sixzz,das co;sase dos proa/elas. A. Filosofia, porém, é por ulterior.
essênciauma ciência dos inícios verdadeiros,das origens, dos
itCcí)paa dpír.w. A ciência do radical tem que proceder tam-
bém radicalmente, e a todos os respeitos. Sobretudo ela não
&

l
E

ÍNDICE
Prefácio
A Filosofia como ciência de rigor
Filosofia naturalística
!'
Historicismo e Filosofia ideológica

*i'

Você também pode gostar