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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

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FOLHA DE ROSTO
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Lúcia Maria Vaz Peres
Andrisa Kemel Zanella

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Organizadoras

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ESCRITAS DE AUTOBIOGRAFIAS
visã
EDUCATIVAS... O QUE DIZEMOS
E O QUE ELAS DIZEM?
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EDITORA CRV
Curitiba - Brasil
2011
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura

V
Coordenação Editorial: Simone Santos

r
Diagramação: Marcos Roberto P. de Aguiar

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Capa: Roseli Pampuch
Revisão: Os Autores
Fotos: iStockphoto Brasileiro

R
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aC
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
são
Casagrande, Jacir Leonir
Comunidade orgânica no trabalho
Estratégia para a vida saudável do trabalhador e da organização / Jacir Leonir Casa-
grande, Zuleica Maria Patrício. -- 1. ed. -- Curitiba : Editora CRV, 2010.
ISBN 978-85-62480-66-9
i

129p.
rev


or

1. Ambiente de trabalho 2. Empresas 3. Engenharia de produção 4. Ergo-


nomia 5. Organizações - Administração 6. Pessoal - Motivação 7. Práxis (Filosofia)
8. Qualidade de vida no trabalho 9. Relações de trabalho 10. Trabalho - Produtivi-
ara

dade I. Patrício, Zuleica Maria. II. Título.


ver dit

10-03666 CDD-670

Índices para catálogo sistemático:


op

1. Comunidade orgânica no trabalho : Qualidade de vida do trabalhador e da organi-


zação : Concepção de ambientes interativos : Engenharia de produção 670
E

2011
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela:
Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418
www.editoracrv.com.br
E-mail: sac@editoracrv.com.br
Sumário

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Apresentação.........................................................................7

R
Prefácio

oa
Reflexividade autobiográfica:
jogos do imaginário, esquecimento e memória......................9

aC
Onde está a biografia do meu corpo?..................................13
Andrisa Kemel Zanella
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Reelaboração de uma trajetória através


visã
da escrita de um diário.........................................................27
Bárbara Pires Wegner
a re
itor

Trajetórias, lugares e identidades: imagens-lembranças


em processos narrativos de (auto)formação........................37
Cleuza Maria Sobral Dias
par

Aluno – professor, os dois lados de uma mesma moeda:


que aprendizado ficou das duas experiências?...................53
Jiani Torres Alvaro
Ed
são

No vai e vem da vida a escrita de si como


um processo de (auto)formação..........................................65
Lúcia Maria Vaz Peres
ver

Resgatando a infância: valorizando as lembranças


e a criatividade.....................................................................79
Lucimar Oreques
Recordações-referências da pedagoga em formação
(re)significadas em seminário de investigação-formação....85
Maria Helena Menna Barreto Abrahão

V
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uto
Uma conversa à sombra das memórias
e outros percursos autobiográficos......................................97

R
Marcio Xavier Bonorino Figueiredo e Rita de Cássia Tavares Medeiros

a
do
A afetividade como facilitadora do ensino
e da aprendizagem............................................................. 111
aC
Raquel Bastos Trindade

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são
A escrita como dispositivo na formação de professores....123
Valeska Fortes De Oliveira
i
rev

Sobre os autores................................................................137
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E

APRESENTAÇÃO

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A publicação deste livro é resultado de um projeto desenvolvido
ao longo de quatro anos, no Curso de Pedagogia da Universidade Fe-
deral de Pelotas, direcionado às imagens autoformadoras na formação

R
de aprendizes de professoras. Intitulado “Garimpando imagens, me-

oa
mória, representações e arquétipos nas trajetórias e (auto)biografias
de alunas em formação inicial do Curso de Pedagogia da UFPEL:
um estudo longitudinal (2006/2009)”, o projeto teve como objetivo
“realizar um estudo com um grupo de 07 alunas, no período de 4 anos
aC
(2006/2009), a fim de garimpar imagens da infância, representações e
arquétipos presentes no processo de formação inicial”.
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Tendo como foco as “influências matriciadoras” na formação


de aprendizes de professoras, organizou-se este livro, buscando dar
visã
visibilidade às imagens de infância, representações sociais e cultu-
rais sobre as questões de aprendizagem, escola, docência e a trajetó-
ria de vida de cada acadêmica. Os estudos do Imaginário inserem-se
neste contexto como potencializadores para discutir as expressões
a re

das representações e dos saberes assinalados da trajetória educativa.


itor

Assim, esta coletânea reúne textos das protagonistas deste


cenário, bem como de colaboradores, que no decorrer da trajetória
investigativa contribuíram com sua abordagem para um aprofunda-
mento sobre o tema.
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PREFÁCIO

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REFLEXIVIDADE
AUTOBIOGRÁFICA:

R
jogos do imaginário,

oa
esquecimento e memória
aC Quando penso nos meus primeiros anos, reconheço em
primeiro lugar os temores, de uma riqueza inesgotável.
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Muitos deles só descubro agora; outros que jamais


encontrei devem construir o mistério que me provoca
visã
o desejo de uma vida eterna. (Elias Canetti)1

“Não tenho lembranças da infância”: eu colocava


essa afirmação com segurança, com quase
um tipo de desafio. (Georges Perec)2
a re
itor

Sempre acreditei que a infância me tinha


sido negada. (Lucimar Oreques)3
par

O que dizemos nas autobiografias educativas? E o que essas


escritas nos dizem? Aprendemos, há muito tempo, que as perguntas
nos ensinam mais do que as respostas, pois muitas “verdades” foram
desmentidas pela própria História e, também, já sabemos que nossas
Ed

“ficções” vão sendo inventadas a cada versão da história que contamos


são

sobre nós mesmos. Restam-nos as perguntas para encantar a procura.


Os textos reunidos nessa coletânea socializam múltiplas gra-
fias de uma pesquisa longitudinal que foi “garimpando imagens,
memória, representações e arquétipos” com alunas de Pedagogia, de
ver

1 Elias Canetti, A língua absolvida. História de uma juventude. 5ª. reimp. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005, p.65-66.
2 George Perec, W ou le souvenir d´enfance , citado por Ute Heidmann, em L´Hstoire avec sa
grande hache, In: Arcadia,Walter de Guyter: Berlin, New York, Band 38, 2003, p.55.
3 Lucimar Oreques, Resgatando a infância: valorizando as lembranças e a criatividade, nesta coletânea.
mãos dadas, com Lúcia Maria Vaz Peres. A coletânea coloca lado a
lado as autobiografias educativas, elaboradas pelas alunas-autoras, e
textos escritos por professores-pesquisadores-formadores, reconheci-

V
r
dos em âmbito nacional e internacional por seus estudos em Educação.

uto
A riqueza e originalidade da coletânea residem no diálogo entre os auto-
res que entrelaçam o retorno sobre si com diversas perspectivas teóricas
e práticas de formação, partilhando um ponto comum: as potencialida-

R
des formadoras das escritas de si para os narradores da vida que somos

a
cada um de nós. Nesse sentido, cada texto aponta férteis caminhos na
direção das indagações que compõem o título do livro.

do
O que dizemos nas autobiografias educativas? E o que essas
escritas nos dizem? Aprendemos nesses textos que nelas dizemos
aC
o que também nos forma. E elas nos dizem, por sua vez, como se

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esboçam nos jogos do imaginário o esconde-esconde da memória
são
e do esquecimento.
Para abrir este Prefácio4, escolhemos as epígrafes acima, que re-
tomam imagens exemplares da infância para ilustrar as tramas desses
jogos, onde estão imersas tantas outras imagens que afloram nos textos:
i

a do corpo ressignificado, as imagens de si nos diários como relicários,


rev

a ludicidade na infância como núcleos simbólicos...


“A infância feliz é um mito”, nos diz Isabel Allende5. O mito
or

da infância feliz no imaginário ocidental tem começo e peripécias e é


custoso reinventar seu final em nossas histórias de educadores da in-
ara

fância, de jovens e de adultos. Maria Helena Menna Barreto Abrahão


nos fala das recordações-referências que atravessam nossas trajetórias
ver dit

e da possibilidade de ressignificá-las por abstrações mais aguçadas


nos processos de formação. Somos assim tocados pela imagem da
op

“infância negada”, trazida por Lucimar Oreques: “Sempre acreditei


que a infância me tinha sido negada”. E partimos em busca do desfe-
cho: “fui percebendo que aquela menina teve oportunidades de criar,
de inventar e criar seu próprio mundo”.
E

Para Valeska Fortes de Oliveira, a formação, na perspectiva da


reflexão autobiográfica, toma o sentido do que Foucault6 chamava de

4 Prefácio, que não pudemos recusar, pela honra e a alegria de nos juntar às organizadoras - Lúcia
Maria Vaz Peres e Andrisa Kemel Zanella - e a tantos outros amigos e autores desta coletânea,
entre eles, Maria Helena Menna Barreto Abrahão, Cleuza Sobra e Valeska Fortes Oliveira.
5 Isabel Allende, Meu país reinventado, trad. Mário Pontes, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.13.
6 Michel Foucault, Tecnologias del yo y otros textos afines. 2ª ed. Barcelona: Ediciones Paidós
Ibérica, S.A., 1995, p.48.
“Tecnologias do Eu”. A escrita se si seria uma das técnicas pertinen-
tes a essas tecnologias por permitir aos indivíduos efetuar operações

od V
r
sobre seu corpo, sua alma, seus pensamentos e (trans)formar a si mes-
mos. A autora lembra também, com apoio em Nietzsche, o lugar do

uto
esquecimento, nos jogos do imaginário, como possibilidade de cria-
ção, de invenção, de geratividade. Nesse sentido, Elias Canetti, nos
fala da riqueza inesgotável dos temores da infância, que ele só desco-

R
bre no momento de escrever a sua vida. Essa riqueza “esquecida” o

oa
constitui como ser em devir. Os outros temores, “que jamais encontrei
devem construir o mistério que me provoca o desejo de uma vida
eterna”, nos ensina Canetti sobre a força do que tememos sem saber.
aC
Para Georges Perec, que perde, na guerra, aos quatro anos, o
pai judeu, e aos seis anos, a mãe nos campos de exterminação, a
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escrita literária lhe permite retomar a frase tantas vezes repetidas:


“Não tenho lembranças da infância”, com que evitava falar de suas
visã
memórias. “Eu estava dispensado: uma outra história, a Grande His-
tória com seu grande agá, já havia respondido em meu lugar: a
guerra, os campos.” (ibidem). A infância “roubada”, que cabia em
poucas linhas, renasce pela escrita, como meio utilizado por Perec
para reconstruir a memória de sua mãe e de sua infância.
a re
itor

É, portanto, inegável que as lembranças da infância constituam


recordações-referências para toda vida. Tudo o que nos acontece mais
tarde já nos aconteceu alguma vez na infância, nos diz Canetti, em sua
autobiografia (ibidem). Será por essa razão que esses fantasmas da in-
par

fância vagueiam no universo velado de nossas memórias em busca de


outras vidas? Nessa direção, Marcio Xavier Bonorino Figueiredo e Rita
de Cássia Tavares Medeiros definem os educadores que cuidam da in-
fância como aprendizes de uma cultura do esquecimento e de uma cul-
Ed

tura memória. Se aceitarmos o que nos diz Foucault7, eles seriam apren-
dizes de outra forma de cultura, que poderia se chamar de “cultura de
são

si”, ou do “cuidado de si”. A atenção despertada sobre a própria infância


lhes permitiria melhor compreender imagens cristalizadas no imaginá-
rio social e ter clareza do conhecimento histórico que delas emanam,
de modo a reconsiderar, por um lado, o que essas histórias herdadas
ver

fizeram com eles, por outro lado, que histórias deixarão de herança para
os pequenos aprendizes dos ofícios e das artes do humano.

7 Michel Foucault, A hermenêutica do sujeito. Trad. Márcio A. da Fonseca, Salma T. Muchail, São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p.58.
Para não concluir, retomamos as perguntas de Nietzsche8, cita-
das por Valeska Fortes Oliveira.

V
r
Até que ponto o indivíduo pode se desligar do seu passado?

uto
Até onde for capaz? E se ele se der conta de que nesse passado
atuavam falsos julgamentos e falsas considerações em favor
de mera utilidade? E se percebermos que a auréola ao redor do
bem e o brilho sulfuroso ao redor do mal desaparecem com ele?

R
E se os motivos mais fortes, extraídos da honra e da vergonha

a
do próximo, não exercerem mais nenhuma influência, já que
ele pode contrapor a verdade a esse julgamento?

do
No trabalho de biografização, nós buscamos para nossas me-
aC
mórias outros sentidos que venham avivar ou apagar interpretações

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mais antigas. Se a literatura, o teatro, o cinema, as artes de modo
são
geral, há muito nos encantam com os jogos arriscados da memória
e do esquecimento imersos no imaginário humano, precisamos jus-
tificar, ainda, a importância do uso das escritas de si em Educação?
Deixo essa pergunta para os leitores, que certamente irão desdobrá-
i

-la em outras perguntas com os autores-narradores desta coletânea,


rev

que sabiamente tecem lembranças e esquecimentos para pensar a


or

formação de si e de outros educadores.

Natal, 24 de abril de 2011


ara

Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi


Professora titular do Centro de Educação
ver dit

Coordenadora do GRIFAR|UFRN-CNPq
Universidade federal do Rio Grande do Norte
op
E

8 Friedrich Nietzsche. Sabedoria para Depois de Amanhã, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 70.
ONDE ESTÁ A BIOGRAFIA
DO MEU CORPO?

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uto
Andrisa Kemel Zanella

R
oa
Este texto tem por objetivo problematizar a vivência corporal
como um elemento biográfico e (auto) formador de futuras profes-
soras. Tal problemática é resultado de minha inserção na pesquisa
aC
longitudinal realizada com as acadêmicas do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Pelotas, a partir de uma proposta focada
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no corpo destes sujeitos, buscando na escuta do corpo que “fala”,


através de expressões e gestos, a exploração das descobertas de vi-
visã
vências que foram fundantes em suas vidas.
Inicio a escrita relatando a minha trajetória de vida, com o in-
tuito de apresentar o caminho que percorri até chegar ao trabalho
que foi desenvolvido e aqui tematizado. Busco em Marie-Christine
a re

Josso e Christine Delory-Momberger a base teórica para problema-


itor

tizar tais experiências vividas. Também, relato a vivência corporal


realizada na referida inserção na pesquisa, trazendo como interlo-
cutoras as acadêmicas que participaram do trabalho. Finalizo com
algumas palavras sobre o vivido.
par

A busca pela biografia do corpo

No decorrer de uma vida muitos são os acontecimentos vividos


Ed

pelo ser humano: nascimento, crescimento, entrada na escola, ama-


são

durecimento e daí por diante. Todos esses podem ficar impressos


em algum lugar de nosso organismo. A maneira como estes acon-
tecimentos tocam cada sujeito, vão sendo registrados corporalmen-
te, encaminhando toda uma maneira de assimilar, sentir e interagir
ver

com o mundo a sua volta. Segundo Strazzacappa (2001, p. 69), “o


indivíduo age no mundo através de seu corpo, mais especificamen-
te através do movimento. É o movimento corporal que possibilita
às pessoas se comunicarem, trabalharem, aprenderem, sentirem o
mundo e serem sentidos”.
14

Em minha trajetória formativa, o corpo também foi muito


evidenciado. Desde a minha entrada na escola fui “colecionando”
impressões, sentimentos, valores, modos de ir sendo a menina que

V
r
deveria satisfazer as expectativas da família, talvez por isso, anos

uto
mais tarde escolhi cursar Artes Cênicas, que de algum modo foi dan-
do vazão “às coisas” guardadas.
Ao longo dos cinco anos do Curso, minha atenção esteve volta-

R
da totalmente para o corpo, uma vez que é através dele que se concre-

a
tiza o trabalho do ator. Além dessa intensa vivência corporal, muitas
foram as oportunidades de inserção no ambiente escolar com projetos

do
de extensão. Por meio do teatro buscava outras maneiras de dar vazão
à expressividade dos estudantes que mesmo sem saber estava dando
aC
vazão aos meus próprios guardados. Parafraseando Antonio Cícero

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(1996) estava vigiando e iluminando meus próprios guardados.
são
Nestas inserções no contexto educativo pude perceber o quan-
to o corpo foi colocado como coadjuvante no processo de formação
daqueles estudantes com quem eu trabalhei. Observei que haviam
momentos instituídos para se trabalhar o corpo e se expressar de ma-
i

neira mais espontânea na escola, sendo que a maior parte do tempo


rev

privilegiava-se somente o ato de ouvir e executar. Tais observações


vêm ao encontro com Strazacappa (2001) que também problematiza
or

sobre essa questão. Para ela, a escola vem “aquietando” o corpo


como um todo, visto que a noção de disciplina no espaço escolar
ara

“foi entendida como um ‘não movimento’”.


Acreditando na possibilidade de renovar o olhar e a abordagem
ver dit

da escola em relação ao corpo, para considerá-lo como fundamental


na formação do ser humano, comecei a trabalhar também com a
op

formação inicial e continuada de professores, pois acreditava que


para haver uma nova abordagem do corpo no contexto educativo,
era necessário promover ações com os professores. Assim, centro
minhas pesquisas nessa área.
E

Ao propor jogos direcionados à exploração corporal com este


público, muitos desdobramentos em relação a momentos vividos ao
longo da vida dos sujeitos envolvidos nestas vivências vinham à
tona, (re) significando o que era experienciado. Diante disso, come-
cei a me questionar sobre a dimensão biográfica do corpo e investi-
gar sobre o assunto, chegando ao trabalho desenvolvido por Danis
Bois (2008) e Marie-Christine Josso (2008).
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 15

Assim, passei a investir nesta perspectiva e ao entrar no Grupo


de Pesquisa a que pertenço desde o início do meu doutorado (GE-

od V
r
PIEM) inicio as primeiras experimentações em torno deste foco, atra-
vés da Prática de Pesquisa realizada no 1º semestre de meu ingresso.

uto
“Garimpando imagens, memória, representações e arquétipos nas tra-
jetórias e (auto) biografias de alunas em formação inicial do Curso
de Pedagogia da UFPEL: um estudo longitudinal (2006/2009)”, foi

R
onde realizei minha primeira experimentação. A inserção neste estudo

oa
trouxe a possibilidade de iniciar a problematização do corpo como um
elemento biográfico e formador da futura professora.
Abordo o biográfico a partir da perspectiva de Delory-Mom-
aC
berger (2008)
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como uma das formas privilegiadas da atividade mental e refle-


xiva, segundo a qual o ser humano se representa e compreende
visã
a si mesmo no seio do seu ambiente social e histórico. Nesse
sentido, somos levados a definir o biográfico como uma catego-
ria da experiência que permite ao indivíduo, nas condições de
sua inscrição sócio-histórica, integrar, estruturar, interpretar as
situações e os acontecimentos vividos (p. 26).
a re
itor

Penso que o corpo ao ser colocado em foco como elemento


biográfico e formador possibilita outras maneiras de pensar a forma-
ção do ser humano. Uma formação que engloba ousar, criar, explo-
rar “as emergências que nos dão acesso ao processo de descoberta
par

e de busca ativa da realização do ser humano em potencialidades


inesperadas” (JOSSO, 2008, p.18).
Por meio de vivências corporais, direcionou-se um trabalho
de aproximação das acadêmicas com o seu corpo e sua corporei-
Ed

dade. Esse direcionamento enfatizou a experienciação e percepção


são

corporal, partindo da ideia de que ao tomar consciência do corpo


é possível apropriar-se dele. Buscando pelo trabalho corporal dar
vazão para as imagens, sensações, sentimentos, lembranças de cada
acadêmica, a abordagem esteve voltada para a seguinte questão: “o
ver

que o corpo me fala?”. O jogo foi o meio escolhido para o sujeito


olhar para si e vasculhar nos guardados de suas experiências, as vi-
vências que foram fundantes ao longo de sua vida.
Ao enfocar as experiências de vida faz-se necessário conside-
rar todas as vivências que perpassaram o sujeito, centrando-se nas
16

marcas e representações que imprimiram uma gama de significados


que são e foram fundamentais para construir seus repertórios. Neste
contexto, os estudos do corpo biográfico, inserem-se como poten-

V
r
cializadores na instauração de um processo de apropriação e tomada

uto
de consciência corporal, visto que o corpo, habitáculo de todas as
representações (JOSSO, 2009), é a matéria onde ficam impressas as
memórias do ser humano decorrente das suas experiências vividas.

R
A proposta de trabalho caracterizou-se por proporcionar uma

a
vivência que se embasou na experiência e reflexão sobre ela, num
processo (auto) formativo. Para Josso (2004, p. 48), uma experiên-

do
cia é considerada formadora quando “ela simboliza atitudes, com-
aC
portamentos, pensamentos, saber-fazer, sentimentos que caracteri-
zam uma subjetividade e identidades”9. E, (auto) formadora quando

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são
o sujeito tem a possibilidade de pensar sobre o que fez e viveu. Em
seu livro “Experiências de Vida e Formação” traz o conceito de ex-
periência formadora que para ela “implica uma articulação cons-
cientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e
i

ideação. Articulação que se objetiva numa representação e numa


rev

competência” (op.cit.).
Para a autora, a partir do momento que há uma tomada de
or

consciência deixa-se de lado a ideia de corpo-meu para centrar-se


no eu-corpo.
ara

O Eu-corpo é outra dimensão, pois estou a saber o que se pas-


sa lá dentro; começo a ter mais consciência das capacidades,
ver dit

consciência das potencialidades do eu-corpo. Ou seja, estou


sabendo o que sinto na minha interioridade, o que se passa lá
op

dentro, para expressar-me lá fora da melhor maneira possível.


Essa dimensão nos dá acesso a muitas coisas, pois não somente
tenho sensações dentro de mim. Estas sensações me provocam
emoções e emergências de imagens, me provocam emergência
E

de ideias, etc”( EGGERT; PERES, 2008, p. 20)10.

Neste sentido, a pergunta “o que o corpo me fala?” foi deto-

9 A exemplo deste livro que tem como intuito dar espaço para as representações das acadêmicas
que participaram da pesquisa juntamente com outros pesquisadores.
10 Em entrevista intitulada “Conversando com Josso: encontros autoformadores”, realizada em Por-
to Alegre durante o ENDIPE.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 17

nadora para cada pessoa olhar para si, centrar-se no seu eu-corpo e
explorar seus guardados. Esta experiência revelou-se como uma pos-

od V
r
sibilidade de reflexão sobre o próprio viver, levando cada acadêmica a
deparar-se consigo mesmo e descobrir vivências que foram marcantes

uto
ao longo da sua trajetória de vida, podendo ser ou não fundantes na
maneira como cada uma vem se constituindo. Ao abrir espaço para a
linguagem corporal na formação inicial de professores, diversas pos-

R
sibilidades corporais foram exploradas, deixando o corpo ser o fio

oa
condutor das ações, dos pensamentos, das lembranças, dos sons, dos
gestos... Buscou-se na relação com o corpo, dar vazão para a sub-
jetividade corporal, como um possível caminho à visibilização das
aC
marcas biográficas que ficaram impressas nos seus corpos.
A proposta desenvolvida com o grupo de acadêmicas do Cur-
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so de Pedagogia contemplou dois momentos: a vivência corporal,


focada num espaço de experimentação sem uma intenção definida
visã
com o objetivo de explorar diversas possibilidades com o corpo; e
a produção escrita sobre o vivido, direcionada para a seguinte ques-
tão: o que o corpo me fala?
Assim, passo a relatar o trabalho desenvolvido, trazendo as
acadêmicas para dialogar sobre a experiência vivida.
a re
itor

O que o corpo falou?


O trabalho, realizado em dois encontros, iniciou com um jogo
de apresentação, em que cada acadêmica se apresentou fazendo um
gesto que a representasse. A partir desse jogo, lançou-se a seguinte
par

pergunta: por que eu escolhi esse gesto para me representar? Tal


reflexão foi compartilhada no grupo. Helena11 ao escrever sobre seu
gesto justifica por que o escolheu.
Ed

Acredito na força das palavras! Mas acredito que elas ficam


mais fortes quando acompanhadas de (diferentes) olhares e
são

gestos. Escolhi este gesto porque, sempre que falo, uso as mãos
para me ajudar. São elas que, muitas vezes, dão o tom para meu
assunto. É um gesto simples, que caracteriza/representa muitos
outros usados a cada conversa, briga, reivindicação, momento
ver

de euforia. Enfim, minhas mãos são uma extensão de minha


boca, e me ajudam muito em meus diálogos.

11 Utilizam-se ao longo do texto nomes fictícios para cada acadêmica participantes desta pro-
posta de trabalho.
18

“Todo o pensamento humano é uma re-presentação, isto é,


passa por articulações simbólicas. (...) O imaginário constitui o co-
nector obrigatório pelo qual forma-se qualquer representação hu-

V
r
mana” (DURAND, 2001, p.41). Ao trabalhar com o jogo do gesto

uto
no contexto da formação de professores, buscou-se dar vazão para
o universo simbólico que motiva as ações dos seres humanos e os
constitui, enfatizando a representação que este tem de si mesmo

R
diante do outro. Esse processo pode se caracterizar como a via de

a
acesso a apropriação de nossas ações, ou seja, nossos gestos.
Os nossos gestos são construídos a partir das vivências no

do
meio (social, cultural e histórico) que estamos inseridos, bem
como pelo movimento subjetivo da relação do homem com e no
aC
mundo, a partir do pensamento simbólico. Cabe ressaltar que eles

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também trazem vestígios de gestos passados, ou seja, “qualquer
são
gesto chama a sua matéria e procura o seu utensílio, e que toda a
matéria extraída, quer dizer, abstraída do meio cósmico, e qual-
quer utensílio ou instrumento é vestígio de um gesto passado”
(DURAND, 2002, p. 42).
i

A linguagem gestual apresenta-se como potente e detonadora


rev

de imagens que muitas vezes a palavra não consegue dar conta.


“Desta maneira, o ‘corpo inteiro colabora na constituição da ima-
or

gem’ e as ‘forças constituintes’ que coloca na raiz da organização


das representações parecem-nos muito próximas das ‘dominantes
ara

reflexas’” (op.cit., p. 50). Percebe-se assim, “uma estreita conco-


mitância entre os gestos do corpo, os centros nervosos e as repre-
ver dit

sentações” (op.cit., p.51).


O segundo momento (Fig. 1) foi marcado por um trabalho
op

de interiorização e reflexão corporal, bem como de exploração das


partes do corpo através do toque, de alongamento e de movimen-
tos. A atenção nesta etapa da vivência centrou-se em estimular as
acadêmicas no sentido de possibilitar apropriações sobre como es-
E

tavam percebendo e sentindo aquele momento de intimidade com


o corpo, sempre se atendo para a seguinte questão: o que o meu
corpo me falou?
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 19

od V
r
uto
R
oa
aC
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visã
a re
itor

Figura 1 – Eu e o outro
par

Para Laura, a “voz de seu corpo” levou-a a fazer a seguinte reflexão:

hoje somos meio máquinas, tomamos banho sem sentir que


Ed

neste momento estamos “acariciando” nosso corpo, penteamos


são

o cabelo sem nos darmos conta que estamos tocando parte do


nosso corpo; vestimos, comemos e falamos como máquinas.
No momento que somos “convidados” a tocar e sentir nosso
corpo, é que nos damos conta dele e tocar cada parte deste cor-
po, sinto uma sensação de bem estar e conforto, bem como uma
ver

forte vontade de continuar meu corpo que a tanto tempo não


parava para fazê-lo. Deveríamos fazer esses exercícios mais
vezes para podermos sentir sensações e lembrar que fazemos
esses gestos automaticamente sem nos darmos conta. Gostei
deste momento e me senti em paz.
20

Para Luisa, o trabalho corporal, em que se explorou ao máxi-


mo as possibilidades do corpo trouxe algumas lembranças.

V
r
Lembrei-me do jardim, de uma festa junina com meu tio

uto
Samuel, minha irmã gêmea e eu, posando para uma foto.
Eu estava brava com o penteado que minha mãe tinha feito,
uma colinha só pra um lado.Também lembrei do pátio do

R
recreio que era enorme, e de um dia que tive de cuidar da

a
minha irmã na hora do recreio, pois, ela não podia pegar
sol, tinha um ferimento, um corte na cabeça, daí minha mãe

do
disse: “cuida dela na hora do recreio, não pode ir pra o sol”.
Me senti super responsável e importante, cuidei. Mas nunca
aC
disse a ela que aquele recreio, foi o maior que já tive e que

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tive medo de errar e deixar minha irmã brincar no sol.
são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

Figura 2 – Vivenciando outras possibilidades em sala de aula

O terceiro momento (Fig. 2) caracteriza-se pela inserção de


diversos objetos pela sala. Incitou-se a curiosidade do grupo, a
exploração e relação com estes. Além dos objetos que haviam sido
escolhidos e espalhados sem uma intenção pré-estabelecida, as
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 21

acadêmicas também trouxeram objetos que marcaram a sua histó-


ria de vida (Fig.3). Ao utilizar os objetos pessoais, teve-se por fina-

od V
r
lidade observar o que os objetos marcantes suscitavam nos corpos
de cada uma, quando era estabelecida uma relação com eles.

uto
O objeto que eu escolhi foi a boneca da Mônica, a qual eu
ganhei quando eu fiz o meu 1º aninho. Adorei a oportuni-

R
dade de poder estar revivendo alguns momentos da minha

oa
infância, pois cada gesto, cada movimento me fazia lem-
brar das brincadeiras, dos diversos cheiros, dos sabores que
sempre se fizeram presente na minha infância. A boneca
aC
da Mônica sempre me acompanhou, e com ela vivenciei as
mais diferentes situações, ela era a minha companheira para
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os banhos de piscina, para as escavações na areia, na hora


das refeições.Foi um momento muito gostoso. Por mais que
visã
nem todas as lembranças sejam boas, é sempre muito bom
relembrar. (SOFIA)
a re
itor
par


Ed

Figura 3 – Interagindo com os objetos marcantes


são

A interação com as demais colegas marcou um novo momento


no trabalho (Fig. 4) que estava sendo realizado, envolvendo ou não
os objetos que exploraram no momento anterior.
ver
22

V
r
uto
R
a
do
aC

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são i

Figura 4 – Exploração dos objetos e jogo entre o grupo


rev
or

O compartilhamento das impressões em relação a vivência,


em que todas falaram e expuseram suas opiniões em relação ao que
foi experienciado, caracterizou o último momento do trabalho de-
ara

senvolvido, culminando numa escrita que contemplou a questão já


referida anteriormente: o que o meu corpo me fala?
ver dit

A interlocução entre os indivíduos proporciona compartilhar


experiências. Nesse compartilhamento cada sujeito escuta e relata a
op

história de sua vida, lembrando, refletindo, analisando (re) signifi-


cando suas vivências. Segundo Delory-Momberger (2008)

o que dá forma ao vivido e à experiência dos homens são as


E

narrativas que eles fazem de si. Portanto, a narração não é ape-


nas o instrumento da formação, a linguagem na qual esta se ex-
pressaria: a narração é o lugar no qual o indivíduo toma forma,
no qual ele elabora e experimenta a história de sua vida (p.56).

Para Afrodite os dois encontros foram muito bons, porém ela


destaca o último como o melhor.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 23

Desde que me tornei mãe, isto a 9 anos atrás, não consigo ima-
ginar e pouco me lembro da minha vida sem a companhia do

od V
r
meu filho. E hoje não foi diferente, lembrei de momentos mar-
cantes junto a ele. Quando rolei no chão lembrei de quando

uto
vamos para fora – interior de Canguçu, e brincamos juntos de
descer a ladeira coberta de capim/grama, rolando junto, ou ain-
da quando brincamos de “rolo-compressor”, onde um vem de

R
encontro ao outro na cama e quem é mais rápido passa por cima

oa
do outro. Às vezes quando to assistindo TV ele me convida:
“mãe vamos nos divertir?” e lá vamos nós brincar de cosqui-
nhas, rolo compressor, guerra de travesseiro... É muito bom.
Outra coisa que chamou minha atenção foram as bolachas Ma-
aC
rias. Lembrei das merendas que comia na escola, as bolachas
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eram ótimas, mas o leite era terrível! Hoje vi que ainda tenho
muito pique e que ainda vou brincar muito!
visã
Penso que a experiência de olhar para si e explorar os reser-
vatórios interiores a partir de um trabalho corporal, possibilitou às
acadêmicas, num exercício de reconhecimento e reflexividade, dar
visibilidade às vivências que foram fundantes ao longo dos seus tra-
a re

jetos de vida. Para Josso (2010),


itor

essas descobertas pressupõem uma visão do ser humano (um


dos sustentáculo de nossa cosmogonia) que autoriza a ima-
ginar e acreditar na possibilidade de poder, querer e ter que
par

desenvolver ou adquirir o saber-fazer, saber-sentir, saber-


-pensar, saber-escutar, saber nomear, saber imaginar, saber
avaliar (...) que são necessários às mudanças, à acolhida do
desconhecido que vem ao nosso encontro assim que deixa-
Ed

mos o caminho de vida programado por nossa história fami-


liar, social e cultural (p. 174-175).
são

Neste sentido, a proposta de trabalho com o corpo abriu espaço


para a investigação do patrimônio vivencial, num processo de reco-
nhecimento, estranhamento e apropriação das experiências de vida,
ver

enriquecendo o conhecimento que cada ser humano tem da vida e o


sentido atribuído a ela.
24

Algumas palavras sobre o vivido...

Direcionar o foco para o corpo possibilitou visualizar a dimen-

V
r
são e importância de considerá-lo como elemento fundamental na

uto
formação do ser humano. A partir das escritas do grupo, foi possível
perceber que o corpo tem voz e que conforme ele é escutado, abre-se
espaço para todo um reservatório de imagens, lembranças, senti-

R
mentos, sensações que compõe a história de cada ser humano que se

a
disponibiliza a viver um processo de aproximação e exploração das
potencialidades do seu corpo e sua corporeidade.

do
Penso que ao tomar consciência do corpo, o ser humano dilata
a sua percepção, apreendendo as relações que o envolve, estando
aC
mais disponível às interações com o mundo a sua volta. Diante dis-

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so, outras potencialidades podem ser descobertas a partir do mo-
são
mento que há a apropriação corporal pelo indivíduo.
Nessa perspectiva, acredito que o corpo concretiza-se como
elemento biográfico e formador, levando o sujeito a compreender
e representar a si mesmo a partir do ambiente em que está inseri-
i

do, sendo ator de sua formação, capaz de atuar efetivamente na sua


rev

transformação a partir de “uma compreensão biográfica do processo


educativo, integrando a globalidade do ser em todas as suas dimen-
or

sões do ser-no-mundo como sujeito-ator de sua formação, de suas


transformações e de seu vir-a-ser” (JOSSO, 2008, p.15).
ara

O desenvolvimento desta proposta de trabalho aconteceu num


curto espaço de tempo, porém aposto na potência anunciada ao lon-
ver dit

go do processo vivido, de se abordar a dimensão biográfica do corpo


como um dos elementos formadores da condição humana. A manei-
ra como o grupo envolveu-se na experimentação, demonstrou que é
op

possível trazer essa temática para a “roda” discutindo e vivenciando


diversas maneiras de deixar o corpo falar.

E

Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 25

Referências

od V
r
BOIS, Danis. Da fasciaterapia à somato-psicopedagogia – análi-

uto
se biográfica do processo de surgimento de novas disciplinas. In:
BOIS, Danis; JOSSO, Marie-Christine; HUMPICH, Marc (orgs.).
Sujeito sensível e renovação do eu – as contribuições da Fasciate-

R
rapia e da Somato-psicopedagogia. São Paulo: Paulus, Centro Uni-

oa
versitário São Camilo, 2008.
CÍCERO, Antônio. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996
DELORY-MOMBERGER. Christine. Biografia e Educação – figuras
do indivíduo-projeto. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.
aC
DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginá-
rio. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

______. O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia


da imagem. 2ªed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001.
visã
EGGERT, Edla; PERES, Lúcia Maria Vaz. Conversando com Josso:
encontros autoformadores. Cadernos de Educação, Universidade
Federal de Pelotas. Ano 17, Nº 30, Janeiro-Junho de 2008. Pelotas:
FAE/PPGE/UFPel, Semestral.
JOSSO, Marie-Christine. As narrações do corpo nos relatos de vida
e suas articulações com os vários níveis de profundidade do cuidado
a re
itor

de si. In: Vicentini, Paula Perin; ABRAHÃO, Maria Helena Menna


Barreto (orgs.) Sentidos, potencialidades e usos da (auto) biogra-
fia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
______. A Imaginação e suas formas em ação nos relatos de vida e
no trabalho autobiográfico: a perspectiva biográfica como suporte
par

de conscientização das ficções verossímeis com valor heurístico que


agem em nossas vidas. In: PERES, L.M.V., EGGERT, E.; KUREK,
D. L. (orgs.) Essas coisas do imaginário… diferentes abordagens
sobre narrativas (auto) formadoras. São Leopoldo: Oikos; Brasí-
Ed

lia: Líber Livro, 2009.


são

______Introdução – As instâncias da expressão do biográfico singular


plural – junção de uma abordagem intelectual à abordagem sensível na
busca de doações do corpo biográfico In: BOIS, Danis; JOSSO, Marie-
-Christine; HUMPICH, Marc (orgs.). Sujeito sensível e renovação do
eu – as contribuições da Fascioterapia e da Somato-psicopedagogia.
ver

São Paulo: Paulus, Centro Universitário São Camilo, 2008.


______. Experiências de Vida e Formação. tr. José Cláudino e
Júlia Ferreira. São Paulo: Cortez, 2004.
STRAZZACAPPA, Márcia. A educação e a fábrica de corpos: a dan-
ça na escola. Cadernos Cedes, ano XXI, no 53, abril/2001, p. 69-83
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REELABORAÇÃO DE UMA
TRAJETÓRIA ATRAVÉS DA

od V
r
ESCRITA DE UM DIÁRIO

uto
R
Bárbara Pires Wegner

oa
Uso a palavra para compor meus silêncios [...]
aC Só uso a palavra para compor meus silêncios.
(Manoel de Barros, 2003)
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O texto que ora apresento é fruto do fechamento da pesqui-


visã
sa da qual participo como bolsista e sujeito. Este texto resulta da
12

análise da minha trajetória, a partir das reflexões feitas ao longo da


pesquisa e no Grupo de Estudos sobre Imaginário, Educação e Me-
mória (GEPIEM). Nelas, pude perceber que a escrita de fragmentos
a re

da minha vida foi um elemento muito importante para potencializar


itor

as reflexões acerca das experiências vividas, bem como qual a con-


tribuição destas para minha formação profissional.
Assim, este trabalho está estruturado em três partes. A primeira
apresenta o surgimento da narrativa de minha vida e qual o sentido que
par

ela tem. A segunda problematiza as questões subjacentes à referida es-


crita, tendo como base as teorias sobre (auto)formação. A última secção
mostra as reflexões consequentes da união das anteriores: uma prática
pessoal que nasce “de repente” encontra-se com teorias que tematizam
Ed

sobre isso, refletindo-se na (futura) prática profissional.


são

As discussões feitas a seguir estão ancoradas em conceitos de


Cecília Warschauer, Marie-Christine Josso, Christine Delory-Mom-
berger, dentre outros estudiosos do campo da (auto)formação.
ver

12 Garimpando Imagens, Memórias, Representações e Arquétipos nas Trajetórias e (Auto)


Biografias de Alunas em Formação Inicial do Curso de Pedagogia da UFPEL: um Estudo
Longitudinal (2006/2009).
28

As primeiras páginas... o surgimento do relicário

A escrita do meu diário13 começou como uma forma de depo-

V
r
sitar ali, naquelas linhas, os sentimentos que não cabiam mais em

uto
mim. Dores causadas pela distância de casa, saudade das pessoas
amadas, “necessidade” de permanecer longe, insegurança, medo da
perda, estranhamento ao novo, etc. Tudo que era sentido precisa-

R
va ser compartilhado e o diário pareceu-me um confidente perfeito,

a
pois tudo sabia sem julgar-me.
Aos poucos, esses sentimentos foram diminuindo, como se “sain-

do
do de mim” e sendo guardados no meu diário. Relendo-o, percebo
que essa escrita funcionava (e funciona) como uma válvula de escape.
aC
Como se fosse possível tirar de mim esses sentimentos de dor e sofri-

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mento e transferi-los ao caderno. Entretanto, da mesma forma que meu
são
diário era um “depósito de tristezas”, as alegrias eram ali “guardadas”
para que pudessem ser revividas sempre que assim fosse desejado.
Penso na imagem do relicário para representar o que o diário
significa para mim, e assim dar forma à expressão “sair de mim
i

sendo guardados no meu diário”. Na definição encontrada no dicio-


rev

nário, relicário é:
or

S.m. 1.Recinto especial, ou urna, cofre, caixa, etc., próprio para


guardar as relíquias de um santo; osculatório. 2. Abditório. 3.
Espécie de bolsinha com relíquia (1) que muitos fiéis trazem ao
ara

pescoço. 4. Coisa preciosa, de grande preço e valor. (FERREI-


RA, 1986, p. 1480).
ver dit

Dessa forma, cada vivência narrada é uma relíquia de minha


op

trajetória que me constrói e constitui, formando-me a cada dia. E o


diário é o local onde guardo cada uma dessas preciosidades, não as
deixando cair no esquecimento, pois todas elas, mesmo guardadas,
ainda são minhas e ali estão para, sempre que eu quiser, revisitá-las.
E

Essa escrita, usando-me das palavras de Rubem Alves (2005),


é brinquedo: “[coisas] inúteis. Porque não são para serem usadas,
mas para serem gozadas” (p.14), e ferramenta: “melhorias para o
corpo” (p.09), e ainda: “[são] meios para se viver” (p.11).

13 Atualmente essa escrita não acontece todos os dias, pois, como será elucidado a seguir, não
sinto necessidade de fazê-la diariamente. Ela ocorre conforme as vivências me afetam.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 29

Ferramenta simbólica utilizada para suportar os “desencon-


tros” da vida, seguindo adiante, possibilitando reinventar sentidos

od V
r
para o vivido. Brinquedo pelo imenso prazer que sinto ao fazê-la,
bem como por essa escrita dar novo sentido principalmente aos fatos

uto
tristes vividos.
Nesse sentido, encontro a função formadora de minha escrita
resumida nas palavras de Rubem Alves: “As ferramentas não nos

R
dão razão para viver. Elas só servem como chaves para abrir a caixa

oa
de brinquedos” (p.15). Penso assim, que cada um deve procurar a
chave para abrir a sua caixa.
aC
Contexto teórico...
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A narrativa é uma das heranças mais antigas da humanidade.


Desde sempre as pessoas contam histórias. É através delas que co-
visã
nhecemos as histórias dos povos. Ela configura e constitui a história
humana e de cada ser.
Contar sua história permite à pessoa anunciar-se ao mundo,
mas mais que isso, permite que ela anuncie-se a si própria, ou como
disse Abrahão “ao narrar-se o sujeito desvela-se para si e revela-se
a re
itor

para os outros” (p. 202). Essa narrativa pode ser feita de diferentes
maneiras: oral/escrita/imagética, pública/particular... O “gênero”
que me movimentou para a narrativa foi o diário. Escrever sobre
meus dias, angústias, desejos, alegrias, sonhos..., contar para mim
par

mesma o sentido dos acontecimentos e poder, mais tarde, pensar


sobre eles, foi algo de muito valor em minha trajetória.
Na perspectiva da autoformação, defendida pelos estudos de
Marie-Christine Josso e Cecília Warschauer, dentre outros, a narra-
Ed

tiva é um viés muito importante para o sujeito conhecer a si e seus


processos de aprendizagem. O livro Biografia & Educação deixa
são

bem claro o papel da narrativa biográfica:

[...] ela prepara e dispõe o sujeito para a formabilidade, ou seja,


para sua capacidade de tomar consciência de si como apren-
ver

dente, de saber observar o que aprende e como aprende, e de


decidir sobre o que fazer com o que aprendeu. (DELORY-
-MOMBERGER, 2008, p.19)
30

É a partir da escrita que a pessoa cria uma representação de


si, de suas experiências e as apresenta ao mundo. Nesse sentido,
Delory-Momberger (2008) diz que: “nós não fazemos a narrativa

V
r
de nossa vida porque temos uma história; temos uma história por-

uto
que fazemos uma narrativa de nossa vida” (p. 97). Pensando assim,
valorizo a fala e a escrita de histórias de vida, neste caso voltada
para minha trajetória escolar, uma vez que este é um dos caminhos

R
possíveis de conhecimento sobre o singular e o plural, parafrasean-

a
do Josso (2004).
Acreditando, então, no vivido como conteúdo formativo; refle-

do
tir sobre a experiência pode auxiliar no processo de conhecimento
de si com vistas a ajudar em outras situações; saber como se aprende
aC
e o que foi formador, de forma a interferir nesse processo de cons-

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trução (interminável) do ser, adaptando determinado aprendizado a
são
outros momentos semelhantes. Desse modo, Josso coloca sobre a
narrativa de formação:

[...][a] construção da narrativa de formação, oferece-se como


i

experiência formadora em potencial, essencialmente porque o


rev

aprendente questiona suas identidades a partir de vários níveis


de atividades e registros. (JOSSO, 2004, p.40)
or

Ao narrar-se e/ou narrarmo-nos, a escrita da narrativa pode


possibilitar a tomada de consciência dos próprios atos, tendo assim,
ara

o sujeito, a possibilidade de distanciar-se da sua história vivida para


um exercício de ressignificação e reinvenção de si mesmo. Anali-
ver dit

sando os acontecimentos de outra forma e percebendo os saberes


envolvidos, caminhamos em direção a este processo. O qual permite
op

ainda (re)criar posturas frente ao saber e à formação. Parafraseando


o que disse Warschauer, em conferência em Pelotas (2009), escrever
ajuda a reelaborar os acontecimentos, em consonância com o eu. Na
obra “Rodas em Rede”, ela apresenta:
E

a busca das palavras e dos tempos verbais mais pertinentes para


as narrativas, que melhor expressassem o sentido do vivido, foi
algo formativo, [...] E ao “olhá-la de fora”, a partir do que sou
hoje, das experiências, reflexões e condições que tenho hoje, pude
ressignificar aquelas experiências, liberando-me de alguns senti-
dos particulares e mais limitados. (WARSCHAUER, 2001, p.117)
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 31

É possível, então, no momento em que se volta à narrativa, revi-


ver o acontecimento - que agora se encontra no plano da consciência,

od V
r
não só no das emoções - com o mesmo sentido/sentimento ou não, de-
pendendo do “repertório” atual. Ou seja, o sentido dado a essa escrita é

uto
feito de acordo com o que se está vivendo no presente; nas palavras de
Waschauer: “é com olhar de hoje que construo o sentido dessa história.
O distanciamento permite um olhar panorâmico e a descoberta [...]”

R
(p.22). Por isso há uma ressignificação, revaloração do vivido.

oa
Além de Warschauer, as autoras citadas, Josso e Delory-
-Momberger, refletem sobre a importância da escrita narrativa para
o processo de reflexão. Na medida em que vamos transferindo para
aC
o papel um determinado fato (ou mesmo “toda” nossa história14),
podemos organizar nossos sentimentos, emoções, valorações e re-
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presentações sobre o mesmo, transformando-o em conhecimento.


Delory-Momberger ressalta que: “[...]É, em particular, pelo trabalho
visã
de formalização operado na escrita, que a experiência pode se trans-
formar em saberes transferíveis a outra situações [...] (p. 92).
No que diz respeito à formalização das vivências, Josso salienta
que uma experiência é formadora na medida em que refletimos sobre
ela. No seu livro “Experiências de Vida e Formação” ela nos diz que:
a re
itor

[...] estas vivências atingem o status de experiências no mo-


mento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se
passou e sobre aquilo que foi observado, percebido e sentido
[...] O conceito de experiência formadora implica uma articula-
par

ção conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade,


afetividade e ideação [...] ( JOSSO, 2004, p. 48).

Assim pode-se inferir que escrever diários no sentido ao qual


Ed

me referi acima – diário como guarida de sentimentos que vão sain-


são

do de mim – passa a ser uma “ferramenta imaginal” de produção de


si. Ferramenta no sentido que através dela surge uma possibilidade
de fazer emergir aspectos não visíveis da formação do ser. Imaginal
no sentido de guardar nossa representação acerca da vida, da mesma
ver

forma que impulsiona nossas ações. Como diz Juremir Machado

14 Vale destacar que não acredito ser possível uma narrativa que traga todos os fatos e/ou sen-
timentos vividos. Sempre que contamos uma história alguns fatos serão suprimidos, seja pelo
momento vivido, que evidencia algumas coisas deixando outras de fora, seja pela nossa memó-
ria que não armazena tudo.
32

da Silva (2004), esse imaginário é reservatório, onde “[...] se acu-


mulam nossas sensações mais importantes e significativas” (p.22) e
motor porque serve “para nos impulsionar para ação, para fazer com

V
r
que a gente aja de uma maneira e não de outra.” (idem).

uto
As imagens ali depositadas são reais e fazem parte da cons-
trução deste sujeito, mostrando que valor ele atribuiu e quais suas
representações acerca do vivido. Pois o imaginário é algo construído

R
a partir das experiências vividas, logo, variando de acordo com o

a
que se vive em determinado momento. Nas palavras do autor citado
“todo Imaginário é real e todo real é Imaginário” (p.21).

do
Essa ferramenta, a escrita do diário, é um meio de presentificar
o passado, a qual auxilia e faz uso da memória, podendo ser vista
aC
como a memória registrada. Memória essa que favorece o conhe-

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cimento de si e de escolhas que, sem esse exercício reflexivo, nos
são
parecem circunstanciais, pois conforme Peres (2009) “a memória
como eco do passado pode recriar imagens mentais, cogitando no-
vos caminhos e soluções para problemas cotidianos” (p.115).
Esse complexo processo de (re)criação de imagens e busca por
i

novos caminhos dá-se, então, através da escrita do diário, que per-


rev

mite ao sujeito contar a si sua história, distanciando-se da mesma.


Ou seja, o papel dessa escrita é desvelar (para si), os sentidos e sig-
or

nificados do vivido, tornando-o formador.


ara

As próximas páginas... o diário de uma professora


ver dit

Trabalhar (auto)formação através escrita do diário permitiu-me


ressignificar momentos marcantes de minha vida, possibilitando tam-
op

bém mudanças de pensamentos. Existe um trabalho constante de re-


flexão acerca das experiências vividas a fim de torná-las formadoras. É
um processo inesgotável de distanciamento do vivido para assim poder
perceber como se aprende e o que fazer com esse aprendizado.
E

Essa caminhada exige dedicação e sensibilidade. Não basta


conhecer a si, é preciso usar esse conhecimento para mudar. Saber
da tua história, quais os momentos mais importantes e apreender o
que eles (trans)formaram em ti.
É nesse sentido de sabedoria e (auto)(trans)formação de si que
as teorias de auto formação são relevantes para a docência. A possi-
bilidade de reconhecer-se como ser-professor, sabendo que muitos
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 33

fatores subjetivos e não técnicos perpassam pelo âmbito da sala de


aula, é de suma importância no exercício da docência. A sensibili-

od V
r
zação para o aprendiz que fui e o (re)conhecimento de que há uma
história de vida a ser valorizada reorientam a prática docente.

uto
Essa sabedoria citada acima pode ser representada pela capa-
cidade de (re)conhecer os limites próprios e saber os limites que têm
os alunos, aceitando a realidade da sala de aula, possibilitando que

R
os diferentes tipos de professora que habitam em ti possam emergir

oa
em diferentes situações/alunos.
É a sensibilidade para ter conhecimento sobre si e sobre os
alunos, sabendo os limites e as diferenças que há entre esses dois
aC
seres. No que ele me afeta? Por que o trato assim? O que há em mim
que faz emergir esse sentimento? Sendo possível, então, repensar a
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prática e a postura, percebendo em que aspectos, para essa criança,


preciso ser uma professora diferente.
visã
A partir do conhecimento de si, o sujeito tem a capacidade de
se adaptar a diferentes situações, acreditar em coisas que não acre-
ditava ser capaz, tendo oportunidade de encontrar novos caminhos
dentro de uma mesma sala de aula, com diferentes crianças ou em
diferentes situações pelas quais se passa diariamente.
a re
itor

Acredito que é nesse sentido que está o caráter de ferramen-


ta do diário. Ele é que permite o distanciamento do vivido, dando
capacidade ao ser para entender e aceitar seus limites e diferenças,
em vez de fixar-se numa situação ideal. Para o professor, é a possi-
par

bilidade de identificar cada individualidade existente na sala de aula


e respeitá-las, porque ele também tem a sua individualidade e esse
caminho de respeito e aceitação deve ser uma via de mão dupla.
Assim, a partir do conhecimento de si, o sujeito aceita a realidade,
Ed

adaptando-se a ela e mudando-a no que for possível.


Esse conhecer a si, para o professor, é uma busca por compre-
são

ender que as vivências que tivemos deixaram marcas positivas e/ou


negativas, nos tornando o que somos hoje. É um caminhar em busca
de saber quais imagens e representações nos formaram o professor
que somos, as quais se revelam através de nossos sonhos, princípios,
ver

valores, sentidos dados aos fatos.


No sentido de marcas e construção de representações acerca do
mundo, o professor deve refletir sobre o seu papel de exemplo frente
aos alunos. Isso acontece trabalhando com narrativas (auto)formativas,
34

analisando e tomando consciência dos fatos vividos, em especial do


período escolar, pois permite ao docente escolher qual postura assumir,
possibilitando-lhe dar novo significado aos fatos passados.

V
r
Cabe dizer que acredito que a (auto)formação alarga o leque de

uto
caminhos a ser seguidos, mostrando, numa revisitação ao passado,
quais as possíveis consequências ao assumir este ou aquele papel.
Lembrando sempre que o significado dessas ações para os alunos

R
dependerá do repertório de cada um; o que poderá nos tornar bruxa

a
ou fada frente a eles.
Penso, então, que esse caminho de conhecer a si, reflexiva-

do
mente, e valorizar a história do aprendiz, com todas as subjetivida-
des existentes, permita, a exemplo do que Warschauer propõe:
aC

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


[...] uma transformação da relação que professores e alunos es-
são
tabelecem com o conhecimento e entre si, assim como a trans-
formação dos papéis de professores e alunos: educador que
se educa no ato de educar e de alunos que ensinam no ato de
aprender [...] (2001, p.14)
i
rev

Assim, o papel da escola será outro que o de educar tecni-


camente: educar integral e constantemente o ser, tornando-o ator
or

desse processo, numa troca constante com o outro, em que todos


aprendem e educam.
ara
ver dit
op
E

Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 35

Referências

od V
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Ed
são
ver
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
TRAJETÓRIAS, LUGARES
E IDENTIDADES:

od V
r
imagens-lembranças em processos

uto
narrativos de (auto)formação

R
oa
Cleuza Maria Sobral Dias

aC
O presente texto foi elaborado para apresentação no “III Ciclo
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Sobre Processos Autoformadores, reconstruindo e ressignificando tra-


jetos formativos da aprendiz de professora”15, o qual enfatizou a im-
visã
portância das imagens-lembranças como repertório para a formação
da futura pedagoga. Com este propósito, abordo reflexões, experiên-
cias e resultados de pesquisa e práticas de formação de professores. E,
principalmente, apresento fragmentos da minha história e trajetórias de
a re

formação, como modo de contextualizar a perspectiva de educação de


itor

professores que venho defendendo ao longo do meu percurso enquanto


professora e pesquisadora do processo identitário docente.
A discussão em pauta no referido evento – formação de professo-
res – é um tema que nos desafia continuamente, pela multiplicidade e
par

diversidade dos processos educativos pelos quais passam estes profis-


sionais ao longo da suas trajetórias de vida. A formação docente é um
processo complexo que se produz ao longo de uma história de vida, nos
diversos contextos sociais Dias (2005). Por isso, podemos dizer que
Ed

a formação inicial vivida na academia é uma etapa fundamental que


são

legitima a condição de ser professor, mas não é único lugar de aprendi-


zagens da docência. Nas palavras de Dominicé:
A formação assemelha-se a um processo de socialização, no
decurso do qual os contextos familiares, escolares e profissio-
ver

nais constituem lugares de regulação de processos específicos


que se enredam uns aos outros, dando uma forma original a

15 Este evento foi organizado por pesquisadores e acadêmicos que integram o Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Imaginário, Educação e Memória (GEPIEM), da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel).
38

cada história de vida. Na família de origem, na escola, no seio


dos grupos profissionais, as relações marcantes, que ficam na
memória, são dominadas por uma bipolaridade de rejeição e de

V
r
adesão. A formação passa pelas contrariedades que foi preciso

uto
ultrapassar, pelas aberturas oferecidas (1988a, p. 60).

Deste modo, não se pode pensar em formar professores, sem


considerar suas “imagens-lembranças”, enquanto repertório para

R
a
formação. É preciso oportunizar-lhes espaços e tempos para rever
memórias, como possibilidade de autoformação, pois são elas – as
memórias – um “agregado de energias que nos fez e nos faz viver no

do
hoje” (PERES, 2010, p.83).
aC
Decorre desta perspectiva o fundamento para que, ao falar e

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


escrever sobre os processos educativos vividos por professores, eu
são
também tenha tido oportunidades de rever minhas memórias e de
narrar minhas experiências pessoais e profissionais, num processo
reflexivo que resulta, como diz Nóvoa, em “uma história que nós
contamos a nós mesmos e aos outros...” (2001, p.8). E ao contá-
i

-las vou estabelecendo novos sentidos e significados, na direção do


rev

que defende Peres: “Compreender a memória como eco do passado


passível de recriar imagens na busca de soluções e ressignificações,
or

mostra que ela não tem tempo cronológico, mas o tempo da necessi-
dade de restabelecer sentidos e significações” (2010, p.82).
Assim, envolvida por este processo de ressignificação, ao reler
ara

o texto inicialmente elaborado com o propósito de organizar minha


fala no evento mencionado e ainda as anotações feitas, enquanto
ver dit

falava e ouvia outros colegas, revi [reconstruindo experiências] e


reescrevi minhas memórias. Disso, resultou o texto ora apresentado.
op

Uma escrita narrativa de trajetórias que dão sentidos e significados


às concepções que tenho hoje acerca dos processos de formação
docente. Quero dizer, as trajetórias aqui narradas falam do lugar
de onde eu falo: lugar que constitui meu processo identitário, meu
E

modo de ser, de pensar e de agir.


Afinal, parafraseando Galeano, todos temos uma história a
contar aos outros. E é preciso contá-la sempre, para que também
possamos nos conhecer melhor. Ao narrar nossas histórias provoca-
mos mudanças no modo como compreendemos a nós e aos outros.
“O prazer de dizer-se ou contar-se, e em alguns casos, o fato de
dispor de uma escuta ou leitura atenta já por si contribui para que o
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 39

indivíduo, aluno/professor, inicie a reflexão sobre sua própria histó-


ria e os processos formadores” (CATANI, 1998, p.29).

od V
r
Mas, vamos a minha história...16

uto
Trajetórias: lugares, saberes e sabores

Comecei minha experiência profissional há 26 anos, em duas

R
turmas de alfabetização, uma em escola pública e outra em escola

oa
privada. Meus saberes sobre a docência e a alfabetização, na época,
se resumiam às aprendizagens elaboradas no curso de Magistério e,
ainda, aos saberes acerca da alfabetização adquiridos no convívio
aC
com a minha escola e com a escola dos meus filhos, o qual me fez
conhecer os limites, sucessos e fracassos que envolvem a alfabetiza-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

ção no contexto escolar.


Não preciso dizer que esta primeira experiência na docência foi
visã
muito angustiante, pois, talvez como a maioria das professoras recém
formadas que buscam um contrato na rede pública, acabei tendo que as-
sumir a turma sobrante na escola - geralmente a turma de alfabetização.
Esta constatação apresenta-se em muitas das pesquisas rea-
lizadas com o propósito de compreender os desafios e os dilemas
a re
itor

que envolvem o processo de alfabetização nas classes populares


(ENGERS,1987; SILVA, 1996; GARCIA, 1993; DIAS, 1996, 2000,
2003). Os estudos mostram que a rotatividade de docentes na pri-
meira série é muito grande, prejudicando todo um trabalho coletivo
par

de organização de uma proposta pedagógica adequada aos contex-


tos, o que acaba por “(...) caracterizar o trabalho docente como ativi-
dade marcada pela impessoalidade” (SILVA, 1996, p.128).
As imagens-lembranças do diário de aula de uma professora –
Ed

manual para as minhas primeiras ações pedagógicas – estão também


presentes na minha formação. É importante narrá-las neste texto:
são

além das vivências enquanto aluna e mãe, também tive o apoio de


colegas professoras. Uma delas ocorreu no início da docência em
uma das escolas que tinha como proposta o Método Natural de Al-
fabetização17. Como meus conhecimentos em relação ao ensino e
ver

16 Parte dos fragmentos da história narrados neste texto integram o capítulo inicial da Tese
de Doutorado Processo Identitário da Professora-Alfabetizadora: mitos, ritos, espaços e
tempos (DIAS, 2003).
17 Sobre o Método Natural, ver Rizzo (1992).
40

aprendizagem da língua materna ainda eram superficiais, eu utiliza-


va como recurso os diários da professora do ano anterior, no qual ela
registrava as atividades desenvolvidas e algumas orientações meto-

V
r
dológicas o ensino da leitura e da escrita.

uto
Benditos diários!!! Fazia-me muito bem tê-los comigo. Eram
como uma receita, que orientava passo a passo o modo como eu de-
veria ensinar. E eu seguia rigorosamente, como forma de segurança

R
para meu trabalho docente.

a
Hoje, quando relembramos, eu e a dona dos diários, damos
boas risadas. Os diários e as experiências de vida eram fontes

do
valiosas de um saber que sustentava e legitimava minha ação no
momento inicial da vida profissional. Estes fatos vêm à lembran-
aC
ça quando participo de encontros com professoras-alfabetizadoras.

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Não raramente, estas profissionais reivindicam um modelo a seguir,
são
mostrando-se inseguras em relação ao processo de alfabetização.
Tal situação é geralmente criticada pela academia, na maioria das
vezes, sem uma avaliação prévia do próprio processo de formação.
Da mesma forma como muitas professoras, posso dizer que
i

nas minhas primeiras experiências com a docência aprendi a co-


rev

nhecer as facetas do ensinar e aprender no fazer cotidiano da


escola, vivendo os mitos que circundam as classes de alfabetiza-
or

ção; os prazeres e os desprazeres do ser professora-alfabetizado-


ra e, ainda, como diz Tardif (2002), tendo que provar a mim e aos
ara

outros que eu seria capaz de ensinar. Aquele foi um “momento


decisivo” (Giddens, 2001) na minha vida profissional ou, como
ver dit

diz Josso (2004), um “momento charneira”, porque, à época, no


lugar que ocupava, precisava tomar a decisão de aderir às con-
op

dições impostas pela cultura escolar ou então tentar romper com


a prática já determinada. Foi o que fizemos, eu e um grupo de
professoras que acreditam na possibilidade de mudança; na ca-
pacidade de aprendizagem das crianças, jovens e adultos em processo
E

de alfabetização; e no lugar que assumimos como professoras. Foi


um momento de grande influência na constituição da minha identida-
de docente, pelas aprendizagens construídas; pelas decisões tomadas;
pelos lugares ocupados [e abandonados]. As primeiras experiências
com a docência “marcam os percursos profissionais por meio das ex-
pectativas frustradas, dos medos sentidos, mas também dos prazeres,
das realizações e dos saberes construídos” (DIAS, 2006, p.94).
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 41

O ingresso na escola como professora-alfabetizadora e o co-


tidiano da alfabetização tornaram visíveis imagens-lembranças da

od V
r
minha infância, quando chegava pela primeira vez no espaço esco-
lar, com seis anos de idade, numa turma de 1ª série. Afinal, como

uto
não lembrar desta experiência? Tudo isso me constituiu.

Saberes e sabores da infância: um lugar chamado 1ª série

R
oa
... neste espelho,
no fundo desta fria luz marinha...
nadam meus olhos à minha procura...
aC Cecília Meireles
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

É a entrada na escola que vem nas lembranças, marcando o iní-


cio de uma etapa da minha vida. Um novo tempo, que deixava para
visã
trás uma infância, vivida à beira da lagoa, a pescar peixinhos, a nave-
gar em um pequeno caíque, acompanhando o movimento das marés
que subiam e vazavam, deixando a beira da praia coberta de “limo”18.
Nesta procura pela memória encontro a aluna em processo de alfabe-
tização. Afinal, era hora de ir para a escola! Assim dizia Geppetto à
a re

Pinóquio com o propósito de transformá-lo em Gente. A Escola São


itor

Luiz, uma escola religiosa, prédio pequeno, situada na cidade do Rio


Grande/RS, onde nasci e na qual moro até hoje. A sala de aula, tam-
bém pequena; as classes altas, feitas de madeira grossa, com lugar
para dois alunos, nos faziam sentir pequeninos; os cadernos de cali-
par

grafia, onde desenhávamos o traçado das primeiras letras; a leitura em


coro das palavras contidas na cartilha; o repicar do sino, que marcava
a hora do recreio; o delicioso pão com mel – hum! sabor de infância
– minha merenda diária; a professora Terezinha, como a chamávamos
Ed

carinhosamente, que com muita competência destacava-se pela sua


são

dedicação, respondendo a nossos anseios; a voz firme, mas suave da


Irmã Celita, diretora da escola, que vinha ao nosso encontro, enquanto
corríamos pelo pátio... As portas entreabertas da Igrejinha – a Igreja
Sagrada Família – que ficava ao lado da escola, com acesso livre para
ver

os estudantes que curiosamente na hora do recreio ficavam a bisbilho-


tar pelos cantos o lugar sagrado, tentando descobrir os segredos que

18 Planta aquática, da família das “algas”, encontrada próximo das praias, estuários e lagoas,
por todas as costas.
42

imaginavam guardados nos Santos e na Sacristia. Passados quarenta


e cinco anos, esta experiência parece recente na memória e guarda a
imagem-lembrança daquele lugar, da professora Terezinha, da Irmã

V
r
Celita, dos saberes aprendidos e do sabores sentidos...”.

uto
A vivência enquanto aluna em processo de alfabetização é,
dentre outras, uma experiência que constitui meu modo de ser pro-
fessora. São imagens-lembranças que compõem um repertório de

R
saberes e fazeres da minha formação.

a
São marcas da minha vivência, presentes através das palavras
e dos gestos, e transportadas, também, para o início da minha ação

do
docente, quando os conflitos cotidianos não encontraram respostas
nas teorias estudadas. A formação se faz neste processo dialético,
aC
nesta trama de aprender ensinar aprender. E, por isso, podemos dizer

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


que os saberes e conhecimentos implicados nas atividades de ensino
são
das professoras são elementos das suas experiências de vida que
constituem seu processo identitário.

Outras lembranças, outros lugares, outras identidades


i
rev

“Lembrança puxa lembrança”, diz Bosi (1979, p.3); deixemo-


-nos levar por elas...
or

As vivências, enquanto alfabetizadora, me instigaram, quando in-


gressei no Curso de Mestrado, a compreender os reflexos dos cursos de
ara

Pedagogia e de Magistério na ação cotidiana das professoras-alfabetiza-


doras. Um grupo de dez profissionais participou desta pesquisa, com-
ver dit

partilhando experiências no trabalho com as classes de crianças na fase


inicial de alfabetização. Foram os depoimentos e os registros das obser-
op

vações que fiz na sala de aula que revelaram necessidades na formação


inicial das alfabetizadoras. Segundo elas, estes cursos lhes ofereceram
poucos conhecimentos sobre a aprendizagem da leitura e da escrita. Fo-
ram, também, esses depoimentos que disseram que o aprender a trabalhar
E

com alfabetização aconteceu durante o exercício da profissão, ou seja,


nas conversas com os colegas [incluo aqui os diários de aula], no dia a
dia com os alunos, nos processos de formação continuada (DIAS, 1996).
As narrativas de professores são experiências vividas e por
isso, como diz McLaren (1995) “nos ajudam a representar o mundo
(...) estruturam nossos sonhos, nossos mitos (...) ajudam a dar forma
a nossa realidade social, tanto por aquilo que excluem como pelo
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 43

que incluem” (p.32). São palavras que precisavam ser ditas e escri-
tas, como as que seguem:

od V
r
- O curso de Magistério teve muitas deficiências na área da

uto
alfabetização. Eu só senti quando fui dar aula na 1ª série, pois
só trabalhamos com atividades do período preparatório e com
cartilhas que usam o método silábico. O resto foram só conteú-

R
dos de 2ª, 3ª e 4ª séries...;

oa
- (...) o período destinado ao estudo sobre alfabetização é muito
restrito, na Pedagogia, e a prática, nenhuma...;
- (...) no curso de Pedagogia, faltou uma visão mais detalha-
da sobre as teorias construtivistas, que embasam as novas
aC
propostas de alfabetização. Por isso eu tenho medo de sair
do tradicional. 19
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Em minhas andanças pelas escolas, tanto nos tempos idos


visã
como no presente, tenho escutado depoimentos e narrativas das his-
tórias das professoras-alfabetizadoras e dos seus alunos, e constata-
do seus sucessos e fracassos. Não raramente, mais fracassos do que
sucessos, não obstante os muitos estudos realizados. Estas consta-
tações justificam minha atenção redobrada nesta área da educação.
a re
itor

São estas experiências que mostram a necessidade de mudança


nos processos formativos dos professores. É preciso olhar o cotidia-
no da escola e as situações de conflito vividas pelos sujeitos envol-
vidos no processo de ensinar e aprender, concebendo a escola como
um ambiente dinâmico e complexo de aprendizagens que desafiam
par

alunos e professores a construir novos conhecimentos no seu dia a


dia (DIAS, 2000).
Volto à memória – as imagens-lembranças – aos meus “pedaci-
Ed

nhos” que, aos poucos, vou juntando, (re)construindo experiências da


minha história, que dão sentido e significam o momento vivido hoje.
são

E as memórias escorrem do pescoço,


do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sono e te perseguem,
ver

à busca de pupila que as reflita.


Drummond

19 Esses fragmentos, retirados dos depoimentos de professoras-alfabetizadoras atuantes em es-


colas da rede municipal da cidade do Rio Grande/RS, são alguns dentre aqueles analisados por
mim na dissertação de Mestrado (DIAS, 1996).
44

Parafraseando Benjamim (1994), de modo artesanal vamos


dando forma às experiências, juntando pedacinhos ao passar a lim-

V
r
po nossa história. Cada rascunho é sempre diferente do outro, pois a

uto
cada narrativa os significados produzidos carregam o olhar do mo-
mento em que a lembrança é capturada.
Mais uma captura, mais um “pedacinho”...

R
É o período em que ingressei como professora na Universi-

a
dade, atuando no curso de Pedagogia. Nesta mesma época tam-
bém assumi a direção do Centro de Atenção Integral à Criança e ao

do
Adolescente (CAIC)20, experiência de extrema relevância na minha
formação profissional, uma vez que ocupei um lugar que me exi-
aC
gia tomada de decisões, não mais como professora, mas sim como

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gestora, colocando-me em dilemas constantes. Nesse lugar, debati-
são
-me com a cultura organizacional da instituição escolar e com as
relações de poder estabelecidas nesse cotidiano, as quais, ora assu-
mi, ora transgredi. Essa experiência colocou-me face a face com as
contradições expressas no meu fazer e no meu pensar.
i

Nesse lugar, minha identificação com o grupo das professoras-


rev

-alfabetizadoras possibilitou-me o “conhecimento na ação, reflexão


na ação e reflexão sobre a ação”21. A organização de um espaço cole-
or

tivo de estudo, de reflexão e de tomada de decisões trouxe à discus-


são o modo como a cultura da escola vai “formando” e “deforman-
ara

do” os professores, no exercício da sua profissão. Essa experiência


constitui-se em mais um fio que tece esta rede de vivências, mais
ver dit

uma trajetória, mais identidades: estar-diretora e ser-professora.


op

As questões discutidas no grupo faziam-me, mais uma vez,


repensar a prática no curso de Pedagogia. Por isso, essa experiência
foi desencadeadora de projetos de ensino junto às alunas da disci-
plina de Metodologia de Alfabetização desse curso22. Concordando
E

20 O Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) situa-se no Campus Carreiros


da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Esse Centro está ligado à Pró-Reitoria de
Extensão e Cultura da Universidade. O projeto político-pedagógico do Centro visa oferecer um
espaço de educação integral aos alunos, propiciando, além da escola formal, projetos nas áreas
da saúde, da cultura, do esporte e de profissionalização, envolvendo também os familiares. Os
alunos do CAIC são de famílias economicamente desfavorecidas, provenientes dos bairros e
vilas próximos ao campus.
21 Sobre estes conceitos, ver Alarcão (1991).
22 Tais projetos acabaram por fazer parte da proposta metodológica desenvolvida por mim na dis-
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 45

com Giroux e McLaren (1993), acredito que somente “(...) quan-


do podemos nomear nossas experiências – dar voz a nosso próprio

od V
r
mundo e afirmar a nós mesmos como agentes sociais ativos, com
vontade e um propósito – podemos começar a transformar o signifi-

uto
cado daquelas experiências, ao examinar criticamente os pressupos-
tos sobre os quais elas estão construídas” (p.26).
Neste Centro, entre as ações de direção, também desenvolvi

R
oa
um projeto de alfabetização com as mães dos alunos e, neste perí-
odo, passei a compreender os processos formativos para além dos
espaços acadêmicos. A experiência com as mães dos alunos: mu-
lheres trabalhadoras do lar, domésticas, agricultoras, pescadoras....,
aC
cada uma delas com histórias de vida singulares e ao mesmo tempo
coletivas por participarem de espaços comuns e de situações tam-
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bém comuns como o fato de serem “analfabetas”, foi crucial para


eu aprofundar meus estudos acerca das histórias de vida e formação.
visã
Ainda que a proposta pedagógica de alfabetização imple-
mentada no projeto estivesse voltada para as temáticas de interesse
das mulheres, e mesmo que elas estivessem gostando do trabalho
desenvolvido, eu e o grupo envolvido percebíamos que aquela ex-
a re

periência não trazia mudança na forma de elas pensarem, nas suas


itor

decisões, no modo de agir, no modo como elas se encontravam no


mundo. Questionávamos: afinal, quais os sentidos e os significados
da alfabetização na vida destas mulheres? E qual o sentido daquele
processo formativo que buscávamos implementar no projeto?
par

Foi procurando ouvir as mulheres, com base em teóricos como


Josso (2004), Dominicé (1988a) entre outros que acreditam que a
formação é processo construído ao longo de todos os percursos de
Ed

vida e, por isso, um processo complexo que precisa ser (re)visitado


continuamente pelo sujeito, é que começamos a dar sentido ao que
são

ensinávamos e elas ao que aprendiam. Para isso, passamos a reco-


nhecer a narrativa das histórias de vida como lugar de formação.
Não posso deixar de registrar que:
ver

Vivenciávamos uma experiência ímpar que nos mostrava o pro-

ciplina de Metodologia da Alfabetização, tendo como fio condutor as histórias escolares das
alunas, principalmente aquelas referentes às experiências enquanto alunas em processo de
alfabetização. As histórias narradas no grupo constituíram-se em um primeiro conhecimento a
respeito do ensino e da aprendizagem da língua materna.
46

cesso reflexivo da narrativa, quando, ao relatarem os ‘motivos’,


as condições de vida que as impediram de frequentar a escola
ou as afastaram dela, na infância, as mulheres não só narravam

V
r
suas histórias, mas as reinventavam, trazendo outras possibili-

uto
dades de vida e de escolhas. Ao contar, surpreendiam-se pela
forma como escolheram caminhos ou desistiram deles e pas-
savam a traçar novos percursos, novas possibilidades. Este é o
sentido da abordagem (auto)biográfica como possibilidade de,

R
ao narrar sua história, reconstruí-la, dando outros significados e

a
sentidos para as experiências vividas, e também reconstruindo
suas identidades (DIAS, 2008, p. 228) .

do
Somente depois que iniciamos o processo narrativo das his-
aC
tórias de vida das mulheres, por meio do qual elas podiam contar e

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ouvir histórias suas e das outras, começamos a significar o processo
são
de alfabetização, ao mesmo tempo em que retomávamos os sentidos
das experiências passadas, as imagens e os sentimentos construídos,
as marcas deixadas...
Com base nesses princípios e acreditando igualmente a Domi-
i

nicé (1988b) que a vida é o espaço da educação, passamos a organi-


rev

zar uma proposta pedagógica que considerasse as mulheres em suas


diferentes histórias e trajetórias, nas quais teceram saberes, valores
or

e conhecimentos. Além disso, em suas trajetórias coletivas de lutas e


conquistas, através de movimentos populares, buscaram (e buscam)
ara

novas oportunidades do direito à educação escolar. Diz o autor que:


“A educação é feita de momentos que só adquirem o seu sentido na
ver dit

história de uma vida” (p. 141).


Freire (1982) dá suporte as ideias defendidas aqui. Ao tratar da
alfabetização de jovens e adultos ele diz que: “mais que escrever e
op

ler que ‘a asa é da ave’, os alfabetizandos adultos, no caso da dis-


cussão aqui apresentada, as mulheres, precisam perceber a necessi-
dade de um outro aprendizado: o de ‘escrever’ a sua vida, o de ‘ler’
E

a sua realidade, o que não será possível se não tomam a história nas
mãos para, fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos” (p. 16).
Na vivência do CAIC situo a origem da defesa que tenho feito,
ao longo dos últimos anos, acerca do processo narrativo enquanto
possibilidade de formação, o que implica a “importância de conhe-
cer-se para formar-se”, temática da palestra ministrada no evento
citado no início deste texto.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 47

Foram as histórias contadas pelas mulheres e suas experiências


de alfabetização que me fizeram estudar as narrativas das histórias

od V
r
de vida enquanto possibilidade de formação e de informação sobre
os processos educativos vividos nas trajetórias de vida.

uto
Minhas experiências no contexto da escola e as histórias vi-
vidas por mim e por outras professoras me levaram a continuar
investigando acerca da formação profissional das professoras-al-

R
fabetizadoras, da natureza do seu conhecimento e do seu processo

oa
identitário, no Doutorado. Outras memórias-lembranças:
A partir das ideias de Giddens (2001), Dubar (1997) e Nóvoa
(1992), que entendem a construção das identidades como um pro-
aC
cesso dinâmico que se (re)constrói em meio a uma rede de sociali-
zações, analisei as trajetórias de vida de professoras-alfabetizadoras
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buscando compreender: de que forma a socialização familiar vivida


entre a infância e a juventude influencia as decisões da profissão e a
visã
construção da identidade profissional das alfabetizadoras; como os
múltiplos espaços e tempos de formação escolarizada, inclusive a
profissional, influenciam a construção da identidade profissional das
alfabetizadoras; em que sentido a cultura da escola constitui-se em
um fator de interferência na construção da identidade profissional;
a re
itor

e, de que forma as vivências da vida privada transitam no contexto


da esfera profissional.
No referido estudo, tinha como premissa que a alfabetizadora

de uma forma dinâmica e permanente, (re)constrói, in-


par

fluenciada pelo seu percurso de vida e ao longo dele, uma


identidade profissional, através de um processo reflexivo,
aproximando-se de uma identidade profissional forjada pela
própria história da profissão. Ao (re)construir essa identi-
Ed

dade, ainda é influenciada pelas questões que envolvem a


são

alfabetização na cultura brasileira, carregando elementos


identitários que marcam uma diferença no modo de ser-pro-
fessora, em relação aos demais docentes dos anos iniciais do
Ensino Fundamental (DIAS, 2003, p. 33).
Decorre desta afirmação a defesa que faço acerca do trabalho
ver

com as narrativas dos percursos de vida das professoras nos espaços


de formação, “no sentido de (des)construir imagens e identidades
que vão sendo repassadas como modelo único e ideal a ser assumido
pelos futuros professores (DIAS, 2005, p.507). Precisamos ouvir as
48

narrativas dos professores, pois elas traduzem vivências pessoais e


profissionais; desvelam mitos, ritos, espaços e tempos que podem
orientar a compreensão do processo de ensinar e aprender desde o

V
r
início da escolaridade (DIAS, 2003).

uto
Outros tempos, outras trajetórias, muitos saberes

R
Num jogo dialético entre o presente e o passado, o agora ganha

a
espaço e vem interpelar meus pensamentos, colocando-me no lu-
gar que ocupo agora como educadora, pesquisadora e gestora: outro

do
tempo, outro lugar, outra trajetórias, outras histórias.
Penso nos processos de formação, penso nos professores, pen-
aC
so nos estudantes, penso nos espaços educativos – a escola, a uni-

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versidade, outros espaços...
são
Retomo um fragmento da minha Tese, quando narro:

Penso nas palavras de Sá-Chaves (2000) ao escrever sobre


‘A qualidade da Escola somos nós’. Nas reflexões desen-
i

volvidas a autora diz que ‘as escolas são casas sem alma’23
rev

e se aventura em estudos que possam responder à pergunta:


“O que será a alma da escola?”. Sem encontrar respostas fi-
or

nais, ela sai em busca do sentido de tal afirmação e escreve:


‘A alma se constrói e reinventa no interior dos desejos, das
competências, dos conhecimentos, das expectativas, do grau
ara

de consciência e do nível da capacidade de sonho dos seus


professores’ (DIAS, 2003, p. 30).
ver dit

Reflito sobre o que tenho feito, ou tentado fazer, nestes espa-


ços educativos dos quais eu vivi (e vivo). Parafraseando Sá-Chaves,
op

talvez eu tenha tentado – no interior de meus desejos e das minhas


competências em comunhão com outras professoras - (re)inventar a
“alma” da escola, da universidade... para torná-la um espaço de vida
E

e de educação onde caibam as histórias de seus atores. É um pouco


do que diz Nunes e Pereira (1996):

O desafio que se coloca para a escola é o de descobrir-se parte


da vida, de buscar nessa vida o que foi negado, reinventar o

23 Esta afirmação foi escrita, há alguns anos, por Arsélio Martins, em um jornal da cidade de Aveiro/
Portugal e está citada no livro da autora (SÁ-CHAVES, 2000).
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 49

sentido, desafio que se coloca também para a própria humani-


dade. É preciso não esquecer a astúcia, e, sobretudo, não perder
o nome, não “perder” o tempo, não perder a vida (p.43).

od V
r
uto
Mas o que tudo isso tem de importante no contexto do tema
abordado aqui e no evento citado no início deste texto?
É esta a possibilidade que vislumbro, no trabalho com a formação

R
de professores, uma prática pedagógica voltada para a história de vida:

oa
tomar a palavra e a história nas mãos, com todas as paixões, sentidos e
sentimentos que ficaram aprisionados na história oficial, para, fazendo-
-a, (re)fazê-la, para serem feitos e refeitos, parafraseando Freire (1982).
É isso que podemos chamar de um “caminhar para si”, como diz Josso
aC
(2004). Eu me atreveria a dizer “caminhar para si com o outro”, o que
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resulta em um conhecimento de si para formar-se.


Não há como pensar em formação sem pensar nos sujeitos que
visã
aprendem. E não há como pensar nestes sujeitos sem considerar suas
histórias de vida, pois não podemos pensar no sujeito que aprende
sem considerar sobremaneira o que a vida lhe ensinou, pois dessa
vida resultam os saberes, os sentidos e os desejos que mobilizam os
sujeitos para o ato de aprender e de formar-se.
a re
itor
par
Ed
são
ver
50

Referências

V
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aC

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são i
rev
or
ara
ver dit
op
E

ALUNO – PROFESSOR, OS DOIS
LADOS DE UMA MESMA MOEDA:

od V
r
que aprendizado ficou das

uto
duas experiências?

R
oa
Jiani Torres Alvaro

aC
Este artigo vem com a intenção de refletir sobre a importância
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da pesquisa de formação docente, a qual fui “objeto” e co partici-


pante de pesquisa, realizada durante os quatro anos e meio em que
visã
estive cursando Pedagogia na Faculdade de Educação da Universi-
dade Federal de Pelotas no RS24. Além disto, vem tentar demonstrar
as influências da aluna que fui e dos professores que tive para a
construção da professora que me tornei.
Professor: aquele que ensina uma ciência, arte, técnica; mestre.
a re
itor

Aluno: aquele que recebe instrução e/ou educação de mestre(s)


em estabelecimento de ensino ou particularmente; estudante.
Ensinar: transmitir conhecimento; adestrar.
Estas são definições retiradas do dicionário Aurélio, FERREI-
par

RA (2009), referente à profissão que escolhi. Lembro-me que no


início da pesquisa de formação docente, dizia que o meu maior te-
mor ao enfrentar uma sala de aula era o contato com os pais. Hoje,
depois de encerrado o estágio obrigatório e estar a poucos passos da
Ed

cerimônia de colação de grau, digo: o meu maior temor ao enfrentar


são

uma sala de aula é o de não aprender nada com meus alunos. A ma-
gia da profissão está em ter vivenciado os dois lados da instituição
escola: ser aluna e ser professora.
ver

24 A pesquisa intitulada “Garimpando imagens, memórias, representações e arquétipos nas traje-


tórias e (auto) biografias de alunas em formação inicial do curso de pedagogia da UFPel: um
estudo longitudinal (2006/2009)” que trata dos caminhos percorridos pelas aprendizes de profes-
sora foi realizado pelo GEPIEM – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Imaginário, Educação e
Memória e coordenada pela PRF. Drª. Lúcia Maria Vaz Peres.
54

Ao refletir sobre minhas práticas em sala de aula, compreendi a


importância das histórias de vida, e nela a proposta de JOSSO (2004) de
voltar-se para si, de forma-se através da reflexão das próprias vivencias.

V
r
Durante a auto (re)descoberta foi possível realizar uma viajem profun-

uto
da onde nos deparamos com nossos mais profundos anseios, medos,
lacunas, marcas... E desta forma é possível identificar a professora que
quero ser e principalmente a professora que não queremos ser.

R
A experiência nos dois papéis mostrou-me a importância e o po-

a
der que uma palavra tem. Pois elas podem ferir e refletir ou acarinhar
e refletir, que qualquer maneira, as palavras sempre voltam, com todo

do
seu peso. A maneira como que são proferida, podem causar danos ir-
reparáveis, e muitas vezes imperceptíveis em um primeiro momento.
aC
Uma vez pronunciadas não podem ser recolhidas, neste contexto é in-

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dubitável que devemos pensar antes de ferir alguém com nossas falas.
são
A respeito deste “poder” a autora Lya Luft (2004) diz que:

A palavra faz parte da nossa essência: com ela, nos acercamos do


outro, nos entregamos ou nos negamos, apaziguamos, ferimos e
i

matamos. Com a palavra, seduzimos num texto; com a palavra,


rev

liquidamos – negócios, amores. Uma palavra confere o nome ao


filho que nasce e ao navio que transportará vidas ou armas.25
or

Fica óbvio a necessidade de termos cuidado ao escolher as pa-


lavras, em especial em uma sala onde crianças estão sendo forma-
ara

das, e não apenas formadas para as ditas atribuições da escola, mas


para a vida. Uma fala mal colocada pode causar danos irreparáveis
ver dit

sobre tudo na autoestima destas crianças. Durante o estágio e no


período em que fui aluna e estive sentada atrás da carteira pude per-
op

ceber o efeito destrutivo de uma única palavra proferida possui. Por


este motivo, no momento em que fiquei no outro “verso da moeda”,
ou seja, à frente da classe procurei ser diferente, falei muito, mas
“dando nome ao filho que nasce”, com carinho e pude perceber o
E

efeito construtivo desta atitude, pois sei que podem ser um instru-
mento de libertação e de autoafirmação, mas também podem ser as
portadoras de angustias, construtoras de medo e ódio.

25 O trecho refere-se a crônica “A Força das Palavras” de Lya Luft publicado na edição 1886 de
14 de julho de 2004 na seção Ponto de Vista. Disponível em <http://veja.abril.com.br/140704/
ponto_de_vista.html> Acesso em: 25/05/1010.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 55

Neste vértice revolvi, junto com minha dupla de estágio, que


o nosso trabalho priorizaria o uso da palavra. Desta forma escutei

od V
r
como não fui escutada quando estava atrás da carteira escolar, mas
também falei, disse que eles poderiam mais, que cada um deles era

uto
especial em sua individualidade e no seu coletivo, para tanto usei
não apenas as minhas palavras, mas também de autores renomados
da literatura infantil, como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Mon-

R
teiro Lobato, Ziraldo, dentre outros. Aprendi que definitivamente a

oa
palavra tem poder e usá-la é um dom do ser humano, um dom que
não deve ser desperdiçado ou usado para desterrar, humilhar, ame-
drontar, mas para exaltar e brindar a vida.
aC
A comunicação é primordial a existência humana e a vida em
sociedade. Devemos usar este dom com sabedoria, acredito que este
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pode ser o melhor veículo para se obter o sucesso escolar. Durante a


minha experiência na escola, entendi que esta instituição é um aglo-
visã
merado de diferentes grupos, e que, para alcançar os objetivos ao
qual me propus ao iniciar o estágio era necessário esta comunicação
intergrupos. No entanto, quando aceitei entrar na pesquisa me con-
siderava uma pessoa tímida, acreditava não ter liderança, durante
meus passeios pela memória vi que sempre tive voz ativa nos gru-
a re
itor

pos pelos quais passei, quando fiquei a frente de uma classe decidi
que era hora de crescer, de acreditar mais em mim e neste dom que
é nato ao ser humano. A (re)descoberta através da minha própria
história de vida, de minhas experiências e lembranças, algumas es-
par

condidas no mais fundo da memória e outras mais superficiais, me


fizeram abrir e descobrir novas potencialidades que eu não acredi-
tava possuir. De acordo com JOSSO (2006), a evolução individual
na maneira de pensar e de se relacionar com o próximo podendo, até
Ed

mesmo, mudar as estruturas sociais.


são

[...] as “histórias de vida” tornam-se um instrumento extrema-


mente rico para poder trabalhar com as pessoas, de maneira a
ajudá-las a tomar consciência daquilo que se poderia chamar,
em termos sociológicos, as determinações que pensam sobre a
ver

maneira de estar no mundo. Descobrindo essas determinações,


podem abrir-se outras potencialidades às pessoas (?).

Desta forma resolvi aplicar esta descoberta em minha sala de


aula, onde cada aluno foi tratado com sua individualidade, no entan-
56

to sem dissociá-lo do grande grupo, da turma. Uma sala de aula está


repleta de histórias de vida, de individualidades, e trabalhar com
estas múltiplas diferenças sem desagregar não foi uma tarefa fácil,

V
r
no entanto, muito prazerosa.

uto
O caderno de metacognição, chamado pela turma de “meu ca-
derno de descobertas”, me revelou situações incrivelmente comple-
xas e mostrou o que muita gente adulta esquece: crianças também

R
têm seus dramas. Os dramas vivenciados na infância chegam a ser

a
mais perturbadores dos que aqueles vivenciados na idade adulta.
Através deste caderno, que hoje eu acredito ser “mágico”, os alunos

do
se descobriram e conseguiram entender e até mesmo superar seus
alguns de seus dramas e medos. A auto (re)descoberta é primor-
aC
dial em todas as etapas da vida, desde que o indivíduo esteja aberto

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a elas. Neste trabalho, onde a escrita e a socialização não eram
são
obrigatórios, os alunos sentiam-se livres, muitas vezes liam, reliam,
apagavam, reescreviam, brincavam com suas memórias, com seus
medos, com suas vitórias e tragédia, eles sentiam-se a vontade, es-
tavam em um mundo só seu, onde nada poderia lhes atingir, esta
i

segurança foi o que favoreceu o sucesso do trabalho. Apesar desta


rev

atividade ter sido permanente e um dos pontos forte no meu está-


gio, preferi manter meu comprometimento com as crianças, e não
or

comentá-lo durante a exposição do painel de formação do curso de


pedagogia, pois acredito que esta confiança que eles depositaram em
ara

mim me fez crescer como profissional e como pessoa.


A cumplicidade e a confiança entre o professor e o aluno são pla-
ver dit

taformas seguras no processo ensino-aprendizagem. A respeito disto


NASCIMENTO (2004), nos diz que é no convívio diário com o pro-
op

fessor e colegas que se desenvolve os hábitos, os valores e as atitudes.

Esta interação é importante, pois agrega na geração de vínculos


entre professor-aluno, contribuindo de maneira positiva para a
construção do conhecimento. Como o professor tem a função
E

de educador, dele deve estimular o interesse do aluno para o


processo de aprendizagem, por intermédio de um processo pe-
dagógico de interação.26

26 Disponível em: <http://www.gestaouniversitaria.com.br/edicoes/35-37/>


Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 57

Nascimento ressalta que esta interação pode ser alcançada


através da cumplicidade entre o professor e o aluno. Esta cumplici-

od V
r
dade é construída no cotidiano e mais exatamente no respeito e na
confiança. Em um grupo heterogêneo como a sala de aula o elo de

uto
uma turma, principalmente um grupo de séries iniciais onde a crian-
ça começa a sair do seu egocentrismo, é o professor. Logo acredito
que a turma será e terá a “cara” do professor, ou seja, se o professor

R
não escutar seus alunos estes também não escutarão aos colegas,

oa
o professor, e tão pouco escutarão a si próprios, se ocorre a ação
contrária, a sala ficará aberta a discussões e acessível a mudanças.
Entretanto, entendo e concordo que o professor deve mostrar sua
aC
liderança. Além de ser um amigo o professor deve ser um exemplo para
as crianças, no entanto, esta liderança deve ser conquistada e não im-
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posta, acredito que este status deva vir naturalmente a partir do respeito
e da admiração e não do medo. Quando esta cumplicidade é alcançada
visã
as aulas fluem de maneira suave o que facilita o processo de ensino-
-aprendizagem e a troca de experiências de vida. Para que o estágio
fosse realmente formador e recompensador foi necessário entender a
profissional em educação e sobre tudo, a pessoa que sou.
Para pensar na minha formação e no que realmente almejava foi
a re
itor

necessário resgatar em minha memória as histórias que vivi, em espe-


cial a da vida escolar. Nem sempre é fácil mexer em velhos baús que
ficam empoeirados em um canto da memória, no entanto é necessário
reconstruir os caminhos percorridos até o momento em que resolvi me
par

tornar uma professora. Confesso que ainda não entendo o motivo pelo
qual me tornei uma profissional em educação, ou seja, ainda há alguns
baús a serem abertos, apesar disto sei que fiz a escolha certa. No ca-
minho da minha (re)descoberta recordei momentos prazerosos vividos
Ed

em meu primeiro ano de escola, nos baús mais empoeirados encontrei


os momentos mais angustiantes, acredito que dentro de um destes deva
são

estar escondido a minha terceira série e junto com ela o motivo pelo
qual me tornei professora. Contar a minha história a mim mesma é e
está sendo gratificante, finalmente começo a entender a minha comple-
xidade, que é natural do ser humano, como diria JOSSO (2004) enten-
ver

der a minha formação me obriga a realizar “um balanço contábil” do


que realizei ou deixei de realizar, além disto, esta narrativa me permite
“tomar consciência da fragilidade da intencionalidade e da inconstância
dos nossos desejos” (p.45).
58

Na obra “canção na plenitude”, Lya Luft nos brinda dizen-


do “sou uma estrutura agregada pelos anos e pelo peso dos fardos
bons ou ruins”, por tanto sou hoje resultado do meu currículo de

V
r
vida. Está ai a necessidade de relatar a si próprio a trajetória vivida,

uto
rever fatos bons ou ruins não nos dirá o porquê de sermos quem
somos hoje, mas ajudará a refletir sobre as escolhas feitas, e a vivê-
-las da melhor maneira possível. Esta busca da compreensão passa,

R
de acordo com Josso, por quatro eixos essenciais que são a busca

a
pela felicidade, a busca de si em nós, busca do conhecimento e a
busca do sentido, durante o trajeto que percorri na pesquisa a busca

do
do conhecimento do meu eu foi a mais difícil. Pesquisar a história
particular exige atenção e observação, exige escutar-se, sobre tudo,
aC
exige respeitar-se e ter humildade consigo mesmo, é uma tarefa

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difícil, pois muitas vezes tentamos apagar da mente fatos que são
são
extremamente relevantes para a compreensão/reflexão das escolhas
realizadas, principalmente no processo de formação docente.
O período escolar, principalmente os primeiros anos, é uma
das etapas mais conturbadas e difíceis da trajetória de vida de todo
i

ser humano. É praticamente impossível encontrar alguém que se


rev

lembre desta fase e diga que nunca chorou e que não passou por
momentos de angustias.
or

Após vivenciar os “dois lados desta moeda” (a infância/alu-


no e a fase adulta/professora), acredito que os dramas infantis são
ara

tão angustiantes para a criança quantos os dramas enfrentados pelos


adultos. A cada etapa a vida nos defronta com situações que nos
ver dit

auxiliam no desenvolvimento psíquico e é na infância que nos depa-


ramos com a maioria delas, muitas vezes angustiantes, e que se não
op

forem resolvidas/entendidas, podem causar transtornos psicológicos


na idade adulta, a explicação está justamente no fato da criança estar
iniciando a percorrer a vida e portanto, não tem a maturidade do
adulto para resolver seus dramas. Muitas vezes os adultos ignoram
E

tais angustias simplesmente dizendo (e acreditando) que “um dia


passa”, mas muitas vezes não passa. KORCZAK (1981) acredita
que as preocupações dos adultos não são menores do que as preo-
cupações de uma criança, pois a ela está se experimentando e ainda
não conhece seus direitos e seus limites, ainda não tem noção do
certo e do errado, ou seja, ainda “não está temperada pelo sofrimen-
to, pela resignação” (p. 143) ainda são seres puros.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 59

O pedagogo deve ir além das aulas, ao passar pela primeira


experiência de entrar em uma escola na condição inversa a que

od V
r
eu estava acostumada, pude observar que a grande maioria dos
professores esqueceu como é difícil ser criança. É possível ver

uto
nos olhos dos alunos quando se questionam do motivo pelo qual
devem respeitar embora muitas vezes sejam desrespeitados.
É comum ver alguém falando “como é bom ser criança”,

R
mas esqueceram que durante a infância viveram muitos momen-

oa
tos, que hoje são lembrados em forma de piada, da mesma forma
que vivem hoje os dramas da fase adulta. Iniciar a vida esco-
lar não é nada fácil, principalmente se a criança é tímida. Nesta
aC
fase da existência o superego ainda encontra-se em formação e
a criança ainda não tem discernimento do certo e do errado, ou
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seja, o juiz dos códigos morais e dos parâmetros de conduta ain-


da estão se formando, o que faz com que o infante ainda aja com
visã
egocentricidade, acreditando que é o centro do mundo e das si-
tuações, é neste estágio que surgem as implicações com colegas
de sala, e os mais tímidos são os que mais sofrem com apelidos
e provocações. E desta relação é comum encontrar na sala de
aula, e na escola, a concretização do bullying. Durante o estágio
a re
itor

foi possível ver o quanto as crianças sofrem sem ser notadas, ao


refletir sobre a minha própria vida escolar, lembro de ter sofri-
do ataques de bullying ao ser reconhecida pelos colegas como
“peixinho da professora”, o que o professor não percebe é que
par

ao selecionar um aluno está fazendo com que a turma o exclua.


Hoje compreendo que sofrer esta rejeição estava ligado a cons-
trução do superego, a imaturidade e do ciúme provocado por uma
escolha que não foi minha, no entanto, na época, esta seleção me
Ed

causou um grande drama, que entendo como causador da minha


timidez, agora superada pelo trabalho com minhas recordações.
são

Neste ponto acredito na importância da união da comuni-


dade escolar. É necessário que pais, professores, funcionários
e direção unam-se a fim de detectar qualquer possibilidade da
criança estar sofrendo com estas agressões psicológicas, afim de
ver

evitar possíveis transtornos, afinal o desenvolvimento do supere-


go infantil é baseado no superego de seus exemplos diretos, os
pais e acredito, os professores. Sobre isto, BALLONE (2005),
com base em Freud nos diz:
60

A formação de ideais do superego está ligada a seu próprio


desenvolvimento. O superego de uma criança é, com efeito,
construído segundo o modelo não de seus pais, mas do supe-

V
r
rego de seus pais; os conteúdos que ele encerra são os mes-

uto
mos e torna-se veículo da tradição e de todos os duradouros
julgamentos de valores que dessa forma se transmitiram de
geração em geração.

R
Desta forma devemos estar atentos aos exemplos que damos

a
as nossas crianças, uma vez que o adulto, com suas convicções,
anseios, frustrações e medos, está sendo formado, no entanto esta

do
construção não é apenas de responsabilidade da família, mas tam-
aC
bém da escola. Pequenas ações são detentoras de grandes transfor-
mações, o afeto e o relacionamento com a criança é fundamental

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para a sua formação social, tanto pelos pais como dos professor. A
são
respeito deste ponto PERES (2006) nos lembra que:

Nesse sentido, as pequenas e grandes ações de uma professora


ou de um professor, são importantes e, geralmente, definidoras
i

para quem as recebe. E essa ação, tem sempre uma “raiz” na


rev

subjetividade de quem executa. Isso porque a vida com suas


imagens é feita de um inventário de aparentes “miudezas”27
or

Logo, o profissional em educação deve estar atento as suas


ações, pois estas interferem diretamente na formação social da
ara

criança e não apenas no seu letramento.


Cabe lembrar que, atualmente, os dramas infantis estão mais liga-
ver dit

dos aos dramas do chamando “mundo adulto”. A violência doméstica,


a exploração sexual, o uso e o tráfico de drogas estão cada vez mais
op

presentes na infância, forçando as crianças a pularem uma etapa funda-


mental da vida, onde o superego começa a se construir, que é a infância.
A comunidade escolar e a família devem se aproximar para garantir
E

que os infantis tenham a garantia de uma infância segura e voltada a seu


desenvolvimento intelectual e principalmente ao psíquico.
É comum ouvir durante o curso de pedagogia se falar em rea-
lidade do aluno. Mas o que é está realidade? Ao relembrar a minhas
histórias pessoais, e ao juntá-la com a teoria da faculdade percebo
que esta realidade da qual tanto se fala não é apenas saber como e

27 Disponível nos anais do VIII ENDIPE.


Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 61

onde o aluno vive e sim conhecer sua história de vida, mais do que
isso conhecer seus anseios, medos, traumas, entender o aluno na

od V
r
sua individualidade e ao mesmo tempo em seu coletivo. O convívio
com as crianças e com suas famílias me possibilitou conhecer as

uto
diferentes realidades de uma sala de aula, a multiplicidade de histó-
rias, de conflitos, me permitiu compreender o papel, que até então eu
julgava ser o mais complexo dentro de uma sala de aula: o professor.

R
Agradeço muito a pesquisa de formação que me convidou a um pas-

oa
seio por minhas memórias infantis, pois vejo que estava errada, hoje
creio que o lado mais complexo, mais conflitante desta dualidade é o
aluno. Percebo que além de educador das letras, o professor é funda-
aC
mentalmente um auxiliar para a construção psicossocial da criança
e para ser um profissional de sucesso neste eixo é primordial gostar
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de gente, de contato humano.


Durante este processo entrei em conflito com meus fantasmas,
visã
voltei à infância, brinquei e me emocionei, não apenas com minhas
memórias, mas também com as lembranças do grupo. Percebi que
toda criança, não importa o seu tempo, tem seus dramas e fantasmas,
alguns poderiam ter sido evitados se o adulto tivesse recordado de
como é complicado ser criança.
a re
itor

Pensando em todas estas experiências que passaram a fazer


parte do meu currículo pessoal, acredito que os conceitos dados ini-
cialmente poderiam se substituídos por:
Professor: humano com vocação para partilhar o pouco que
par

sabe como contribuição para um mundo melhor – PADILHA – Pro-


fessor de ensino UFRGS28.
Ensino: para ensino fico a definição dada por uma de minhas
alunas do estágio obrigatório do curso ao verbo ensinar – é ajudar a
Ed

entender as coisas da escola e da rua.


Aluno: para este fico com a definição dada por ALBUQUERQUE,
são

COSTA e ALMEIDA29 – o aluno está no inicio de tudo, nascemos alunos,


crescemos alunos e morreremos alunos. Logo: os seres humanos.
ver

28 Professor de Ensino na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


29 Carlos Albuquerque é professor adjunto da Escola Superior de Enfermagem ISPV Adjunto
da ESEnf – ISPV, José da Costa Enfermeiro Especialista em enfermagem médico-cirúrgica
do hospital S. Teotônio, Vera Almeida aluna do 7º curso de Licenciatura da ESEnf – ISPV,
no trabalho Ser Aluno: Porque e Para que se aprende? Publicado na revista da Escola
Superior de Enfermagem de Viseu – 30 anos, p. 148-156. Disponível em: <http://www.ipv.pt/
millenium/Millenium30/12.pdf>.
62

Desta forma, somos todos professores ao mesmo tempo em


que somos alunos.
Ao termino da pesquisa cheguei à conclusão de que ainda tem

V
r
muito de mim que desconheço, ainda sou aluna do meu próprio ser,

uto
e descobrir aos poucos porque sou quem sou, será um lento e deli-
cioso caminho.
Compreender de onde vêm os incômodos, os medos e as frus-

R
trações fazem uma enorme diferença para compreender quem re-

a
almente se é, e se for o caso, encontrar um novo caminho que nos
torne pessoas mais felizes. Se hoje aos trinta e poucos anos o mun-

do
do, por vezes, me parece esmagadoramente grande e aterrorizante,
na infância o peso destes medos é duplamente maior, na chamada
aC
“vida adulta” adquirimos alguns traquejos para enfrentá-la, quando

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crianças esta compreensão, estes artifícios ainda não fazem parte de
são
nossas vivências. Logo, é preciso lembrar-se de como é ser criança
para poder trabalhar com elas, para querer “ensiná-las”. Durante a
minha reflexão e diante dos meus baús a única certeza que fiquei é
que sou uma pessoa em eterna transmutação, em eterno crescimen-
i

to, que sou aluna, que tenho muito de mim a entender e sobre tudo,
rev

tenho convicção que escolhi a profissão certa.


or
ara
ver dit
op
E

Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 63

Referências

od V
r
uto
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nário da língua portuguesa. 7ª Ed.. Curitiba: Editora Positivo, 2009.
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R
Summus, 1981.

oa
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vista. Ed. 1862. São Paulo: Editora Abril, 2004.
aC
PERES, Lúcia Maria Vaz. Narrativas na formação inicial de professo-
ras: Presentificação de Saberes. In: ENDIPE, 14, 2006, Recife. Anais
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

do XIV ENDIPE, Recife: EDITORA, 2006, PÁGINA DO ARTIGO.


MOURA, Magali dos Santos. O amor na lírica de Goethe. In: CON-
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BRASILEIRO DE PROFESSORES DE ALEMÃO, 4., 1999, Curitiba.
Anais do... Curitiba: ABRAPA, 1999. p.343-354. 4.1.11 Medida
BALLONE, G.J.. Sigmund Freud. Disponível em: <http://www.psi-
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qweb.med.br/> Acesso em: 20/07/2010.


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nível em: <http://www.gestaouniversitaria.com.br/edicoes/35-37/>
Acesso em: 21/05/2010.
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par

pessoas – entrevista com M. C. Josso. Disponível em: <http://www.


direitodeaprender.com> Acesso em: 20/07/2010.
PADILHA. Professor. Disponível em: <http://www.padilla.adv.br/
prof> Acesso em: 23/07/1010.
Ed

ALBUQUERQUE, Carlos Manuel de Sousa; COSTA, José Antônio


são

Pereira da; ALMEIDA, Vera Lúcia Femandes. Ser aluno: Porque e


para que se aprende? Disponível em: <http://www.ipv.pt/millenium/
Millenium30/12.pdf> Acesso em: 19/07/2010.
ver
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
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NO VAI E VEM DA VIDA
A ESCRITA DE SI COMO

od V
r
UM PROCESSO DE

uto
(AUTO)FORMAÇÃO

R
oa
Lúcia Maria Vaz Peres

aC Quem quer que sejas: deixa tua alcova,


Da qual já sabes tudo o que desejas;
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Teu lar na tarde, longe se renova,


Quem quer que sejas.
visã
Com teus olhos exaustos, que ainda acusto
Entre os gastos umbrais logram passar,
Ergues inteira a sombra dum arbusto
Posto ante o céu – esguio, singular.
a re
itor

E tens já pronto o mundo: estranho assim


Como palavra que amadurecesse
No silêncio, e que o teu olhar esquece
Quando lhe captas o sentido enfim... (grifos meus)
par

Rainer Maria Rilke


Ed

O presente texto tem duplo objetivo: visibilizar alguns frag-


mentos referentes ao meu processo (auto)formativo e socializar a
são

pesquisa realizada sob minha coordenação, objeto deste livro.


Através de ditos e sentidos em mim guardados descreverei e
problematizarei alguns aspectos sobre o vivido nestas duas experi-
ências implicadas. Ou seja, por que penso que pesquiso o que pes-
ver

quiso? Que ministério teria sido isso o de acompanhar a história de


vida em formação de oito alunas do Curso de Pedagogia no período
de quatro anos?
66

Por que penso que pesquiso o que pesquiso?

Essa é uma pergunta que sempre me acompanha, desde meu

V
r
doutoramento (PERES, 1999). Naquele momento cunhei o concei-

uto
to de matriciamento aplicado ao campo da formação docente, com
o intuito de mostrar que somos movidos por forças que ainda não
tornamos consciente30. Atualmente, venho aprofundando-o com o

R
intuito de problematizar as matrizes existenciais e simbólicas que

a
regem as escolhas profissionais. Em linhas gerais, o conceito de
matriciamento refere-se aos conteúdos existenciais que se tornam

do
motores de buscas e projetos de vida (JOSSO, 2004).
Inicialmente, esse conceito foi forjado (como enunciei) com
aC
base na Antropologia do Imaginário de Gilbert Durand (1989), Lá

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ele foi cunhado como potencialidades simbólicas de imagens funda-
são
doras das escolhas pessoais e profissionais

... deixando marcas tipo hologramas que podem matriciar as


futuras reações. Logo, todas as ações posteriores dependem
i

da cadeia destes como um complexo conectado entre si, lem-


rev

brando que a produção individual soma-se à representação do


Imaginário enquanto “capital cultural humano” (PERES,
or

1999, p.37) (grifos meus)

Atualmente venho problematizando-o à luz dos estudos (auto)


ara

biográficos preconizados pela pesquisadora Suíça, Marie-Christine


Josso (2004), no que se refere as histórias de vida em formação e,
ver dit

pela noção de biografização, proposta por Christine Delory-Mom-


berger (2008). A partir destas autoras venho refletindo este conceito
op

como sendo originários, também, dos aspectos cognitivos e sócio-


-históricos pelos quais nos apropriamos de mundos sociais preexis-
tentes e damos continuidade à sua construção.
Sendo assim, penso que pesquiso o que pesquiso porque des-
E

de... Não sei quando isso começou... Aprendi que é preciso manter
um pé nas coisas do mundo que nos afeta – as intuições primeiras

30 Óbvio é que Sigmund Freud já havia descoberto o inconsciente como mola propulsora das ações
humanas. Ele elaborou a hipótese de que a causa da doença era psicológica, não orgânica,
servindo de hipótese e base para os conceitos do inconsciente. Suas ideias são frequentemente
discutidas e analisadas como obras de literatura e cultura geral em adição ao contínuo debate
ao redor delas no uso como tratamento científico e médico. A ideia de matriciamento está sendo
tratada com foco educativo e autoformativo.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 67

– e o outro para dar conta destas em direção ao mundo dos saberes


científicos – as problematizações teóricas - . E, os dois pés, para unir

od V
r
a pessoa e o pesquisador, pois quem produz o sentido são as intima-
ções da pessoa revestida do profissional que a habita. No meu caso, a

uto
professora-pesquisadora.
Meu processo de constituição como professora-pesquisadora,
apoiou-se em estudos que foram da epistemologia psicogenética até

R
as histórias de vida com vistas à formação existencial. Nesse proces-

oa
so, fui entretecendo teorias e epistemologias que me levaram a enten-
der que o ser humano é, fundamentalmente, um “animal simbólico”,
ideia que Ernst Cassirer (1994) já havia proposto no âmbito da An-
aC
tropologia. Traduzindo tal premissa, para pensar a formação inicial
de professores penso que ela aposte numa formação que ultrapasse a
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instância, meramente, cognitiva e mensurável para superar as duali-


dades existentes entre o conhecimento sensível e conhecimento cien-
visã
tífico. Ou seja, das valorizações do que é da ordem das exterioridades
em detrimento às interioridades. Isso tendo em vista, que sujeitos em
processo de formação, neste caso formação inicial de professores,
possam valorizar as biografias transformadas com o conhecimento
acumulado. Com isso, apostei na emergência de um novo Eu como
a re
itor

possibilidade de apontar para um novo Outro. Podemos dizer que “a


pesquisa (auto)biográfica superou a ideia de um mero modismo e de
‘ilusão biográfica’”. (PASSEGGI, 2010, p. 109-110). A autora está
reforçada nos estudos de Antonio Nóvoa, um dos principais repre-
par

sentantes das histórias de vida em formação, quando o autor salienta


(NÓVOA, 1992) que as dimensões desta modalidade de pesquisa vão
continuar causando “reviravoltas curiosas” (p. 19).
Portanto, minha inserção neste campo de pesquisa tem dupla
Ed

implicação. Uma por estar associada ao tipo de implicação pessoal


da pesquisadora onde, também se coloca como pessoa em processo
são

de novos projetos como busca e obra (JOSSO, 2004). Outra, pelo


investimento subjetivo que cada sujeito procurou convocar no de-
curso da pesquisa, tendo como dinâmica (auto)formativa a narrativa
refletida da experiência singular.
ver

Não sei, exatamente, porque pesquiso o que pesquiso, mas


o mais importante talvez seja os movimentos que daí decorreram e
das perguntam que continuam em meu pensar, fazendo-me cada vez
mais apaixonada pelas palavras que dançam em mim. A exemplo
68

da ideia enunciada por uma criança31, de seis anos, no momento em


que começava a descobrir a potência das palavras. O enunciado é
mais ou menos assim: “as letras falam comigo na minha cabeça, e

V
r
eu nem preciso ler em voz alta”. Mas, ao contrário da menina, como

uto
professora-pesquisadora pertencente ao locus acadêmico, algumas
destas palavras necessitam soar em voz alta em forma de escrita.
Como no poema inicial de Rilke intitulado “Iniciação”, o que

R
importa é deixar as alcovas que muitas vezes não nos permitem

a
olhar para o nosso entorno, talvez tenha sido isso a grande meta
da professora/pesquisadora com a sua pesquisa “Garimpando, ima-

do
gens, memórias... No vai e vem da vida a escrita de si como um
processo de (auto)formação, “desculpa ou o mote”, utilizo-me das
aC
palavras e das questões que estão em minha cabeça na tentativa de

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traduzir em ditos e sentidos o quantum que ficou impresso na minha
são
história de formadora de formadores.
Um destes impressos parece ser o ganho de que ao ajudar o ou-
tro a deixar sua alcova para dar conta de adentrar naquilo que pensa
já saber e desejar, é também, um processo autoformativo para quem
i

o provoca. Característica das abordagens que tem a história de vida


rev

como o próprio percurso de (auto)formação (NÓVOA e FINGER,


2010). Isso é o que venho aprendendo com os mestres ( John Dewey,
or

Marie- Christine Josso, Gaston Pineau, Pierre Dominicé, Antônio


Nóvoa, só para citar alguns) que me antecederam, numa tarefa que
ara

não é tão nova (data desde a década de 80, na Europa) mas, que ain-
da hoje, é pouco conhecida como objeto de investigação-formação
ver dit

nos cursos de formação inicial de professores.


A partir da paráfrase do poema de Rilke, penso que o que des-
op

creverei aqui será um pouco, o de ter feito um exercício autoformador


com estas oito alunas e comigo mesma, exercitando a palavra sobre si
na perspectiva do autoconhecimento para captar o sentido daquilo que
nos habita e nos é tão próximo, e que não raras vezes está tão longe e
E

intocável: como estamos nos tornando o que estamos sendo?


No percurso da minha vida história de formação, penso que seja
fundamental nos apropriarmos do lugar que ocupamos neste mundo,
bem como, refletir sobre o que fazemos neste lugar que ocupamos.

31 Esta criança é uma menina que chamo de “a menina dos meus olhos”. Ela me instiga a
mais pensar e fortalece a certeza de que o imaginário é a força aonde estão assentados os
“conceitos primeiros”.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 69

Em outras palavras, refletir constantemente sobre o nosso ser/estar no


mundo. Opto pelo olhar, para dentro e para fora, para sentir e discernir

od V
r
sobre o que é essencial no percurso de autoformação e no convívio
com os demais. Entretanto, isso não é decorrente de uma ação sim-

uto
ples e linear, mas de imensas e profundas complexidades. Seja pelas
demandas decorrentes das lições que o meio vem me oferecendo, seja
pelas interações pessoais e profissionais que venho buscando ou que

R
me buscaram? Segundo a pesquisadora Suíça, Marie-Christine Josso

oa
(2004), todo o ser humano passa por quatro buscas: a busca de fe-
licidade, a busca de si e de nós, a busca de conhecimento ou busca
do ‘real’ e a busca de sentido. Sintonizada com esta ideia apresento
aC
recortes das buscas que se tornaram obra até aqui.
Em 1977, chegava eu na cidade de Pelotas em busca do novo...
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Nascida no interior de Pinheiro Machado RS e “crescida” em Bagé,


trazia em minha bagagem muitas expectativas. O grande sonho era
visã
adquirir minha independência através do trabalho, bem como ser
uma boa psicóloga. Assim eu comecei! Mas, de formação me tornei
pedagoga e psicopedagoga.
Meu ingresso no “mundo escolar”, como profissional, foi atra-
vés de uma “atitude caseira”. Uma amiga, coordenadora de uma
a re
itor

escola de excepcionais, olhou para mim e disse: tens jeito para a


turma que estamos precisando. Assim foi a minha “iniciação” neste
mundo escolar tão complexo, bem como, meu primeiro emprego na
cidade de Pelotas. Este primeiro ensaio com crianças ditas “excep-
par

cionais” serviu de base para toda a minha vida futura. Momentos de


grandes descobertas pessoais e profissionais, que culminou no meu
trabalho de dissertação de mestrado, publicada em livro intitulado
“Significando o não- aprender” (PERES, 1996). Naquele momento,
Ed

a dissertação foi um desafio que me incitou a coragem para arriscar,


buscar outro olhar para questões tão familiares e paradoxalmente
são

tão estranhas a mim, apesar da experiência de doze anos, como pro-


fessora (1978-1983), supervisora de classes especiais (1983- 1986)
e depois psicopedagoga (1985-1990).
Em 1989, ingressei na Universidade Federal de Pelotas onde
ver

estou até hoje. Como docente, o não-aprender continuava a ser mo-


tivo de ques­tionamentos e reflexões. Minhas questões se direcionam
na concepção de que o ser humano constitui-se, interiormente, numa
totalidade dinâmica capaz de autorregular-se a partir de interações
70

positivas. Aos poucos foi delineando-se a necessidade de pensar a


formação inicial de professores, a partir de uma visão menos dog-
mática, portanto, mais alargada e aprofundada, a respeito do oficio

V
r
de ser professor.

uto
Minha trajetória como sujeito no mundo do conhecimento, sem-
pre me apontou que ser é fazer e criar! Sabendo, entretanto, que nossa
existência, porém, não depende unicamente de nossa vontade própria,

R
porque o nosso fazer e criar depende em grande parte do inconsciente

a
e de uma trama de relações exógenas; Tão complexa quanto difícil.
Tal complexidade situa-se numa rede tão tênue quanto invisível, situ-

do
ada aqui, lá e acolá... Mas apesar de tudo, muito depende do sentido
ou significado segundo o qual aprendemos, reproduzimos e criamos
aC
ou, em outras palavras, do sentido segundo o qual vivemos. O não sei,

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o talvez, devem ser concebidos como chances (fontes) para desafiar
são
nosso saber e “verdade”, e não para catalogar possíveis dificuldades.
Penso que esta concepção de sujeito tem me auxiliado a administrar
minhas dificuldades e diferenças com os meus pares profissionais e
pessoais. Esse também é um jeito pelo qual vou construindo meus
i

objetos de conhecimento e de pesquisa.


rev

Percebo, a cada dia mais, que fazemos parte do infinito


macrocosmo, que é o universo com suas complexidades. Estamos
or

num mundo de reconstruções caóticas, cuja ordem pressupõe a de-


sordem. E o reflexo disso tudo, acontece no microcosmo de nossas
ara

subjetividades, nas relações, e nos “novos/velhos” jeitos de ser, pen-


sar, que acabam criando e revisando paradigmas científicos, muitas
ver dit

vezes, “a cabresto” de revoluções sociais: objetos acessados pela


vida de hoje, diferentemente de ontem, dos nossos pais e avós.
op

Diante do exposto, penso que alavancando outras possibilida-


des para pensar as experiências (auto)formadoras, podemos dizer
com Josso (2007) que o acompanhamento da formação é o do con-
dutor. Nesta perspectiva, a de formador-condutor, caberia pergun-
E

tar ao formando sobre: Aonde você quer ir? Qual o seu projeto hoje?
Quais são seus motivos, necessidades, desejos? Como você sabe
que fez uma boa escolha ao vir aqui? O que você espera de mim?
Pelo que você quer começar?
Espera-se que tenhamos sabido exercitar tais questionamentos
e reconhecer que estamos no ponto do caminho em que conhecemos
esse pedaço de rota. E, assim tais problematizações sobre os proje-
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 71

tos de cada um, podem ser os meios que colocamos a disposição dos
alunos e alunas em processo de autoconhecimento para lhes ajudar a

od V
r
fazer o próprio caminho. A história de um ser humano em devir, se-
gundo Josso (op.cit) é a tarefa a que se propõe o formador-condutor

uto
ou o professor-condutor respondendo à demanda de formação que
lhe é dirigida implícita ou explicitamente.
Que ministério teria sido isso o de acompanhar a história de

R
vida em formação de oito alunas do Curso de Pedagogia no período

oa
de quatro anos?
Talvez a de ser uma formadora-condutora, a partir de uma pes-
quisa que teve como intuito epistemológico a investigação-formação
aC
(NÓVOA, 2010). Por certo, um sentimento me acompanhou no de-
curso desses quatro anos: o de pensar a necessidade de chegar mais
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próximo do que sustenta a “ponta do iceberg”. Neste caso, buscar sa-


ber as “bases” que fundaram o projeto de formação destas aprendizes
visã
de professoras; das “intimações primeiras” (BACHELARD, 1998);
dos “matriciamentos” (PERES, 1999, 2004). Ou seja, a busca de sen-
tido acerca dos saberes pessoais que vem sustentando a formação das
competências e do saber fazer na formação inicial de professores.
Este não é um enfoque recente. A partir dos anos 80 começa
a re
itor

um grande movimento nos estudos direcionados para a formação de


professores, deslocando a centralidade das teorias e práticas peda-
gógicas para a mudança de eixo e de concepções32. Estas se carac-
terizam pela valorização da experiência de vida do sujeito (profes-
par

sor). É então a partir do final desta década que os professores vão se


conscientizando acerca do repertório de um saber docente que lhes
pertence por ofício. A experiência do trabalho docente é percebida
como elemento de formação capaz de valorizar o papel dos saberes
Ed

da experiência no meio de outros saberes.


Tal movimento toma força nos anos 90 de acordo com as injun-
são

ções que marcam a conjuntura histórico-social, política e econômica


deste período. Os docentes vão assim sendo reconhecidos como por-
tadores de um saber plural, crítico e interativo, fundado numa práxis.
ver

32 O precursor desse movimento na Europa foi o grupo de Antônio Nóvoa através do projeto PRO-
SALUS 86, onde a tônica era o trabalho com as histórias de vida na formação de gestores
da formação para o estabelecimento e serviço do Ministério da Saúde. Este projeto surgiu da
necessidade de dar a conhecer o público português a problemática das Ciências da Educação
e da formação de adultos. Daí surge o importante livro organizado por Antônio Nóvoa e Mathias
Finger e reeditado como clássico no IV CIPA, 2010: O método (auto)biográfico e a formação.
72

Anuncia-se um período de ressignificação da voz dos professores e


eles passam do estatuto de objeto das análises para o de sujeito, pro-
liferando-se os métodos biográficos. Dentre os autores fundamentais

V
r
para tal virada, podemos citar com Antônio Nóvoa, Mathias Finger,

uto
Franco Ferraroti, Pierre Dominicé, Michael Hubermann, Ivor Good-
son e, posteriormente Marie-Christine Josso, dentre outros.
Estes autores plantaram a semente fecunda, até os dias atu-

R
ais, sobre o uso das histórias de vida e de narrativas autobiográficas

a
como alternativas que possibilitam formar o indivíduo a partir da
tomada de consciência de si e da história de seu tempo. Desse modo,

do
possibilitando uma conjunção da história de sua vida com o seu fa-
zer pedagógico e, por consequência, a construção da autoria. Isso
aC
porque as narrativas autobiográficas, além de estar inseridas num

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contexto social e histórico, podem visibilizar escolhas e opções que
são
vão dando forma a sua construção pessoal e profissional.
Os estudos de Nóvoa (1986, 2010) mostram que a produção de
práticas educativas eficazes só surge de uma reflexão da experiência
pessoal partilhada entre os pares. Para o autor, a escola é o locus pri-
i

vilegiado onde acontece o processo de formação e autoformação. É


rev

nesta medida que um processo de formação continuada pode ocorrer,


ou seja, na junção entre a figura do professor como agente do processo
or

de formação e a escola como o local onde esta formação acontece.


Influenciada por estes estudos e também pelas perspectivas
ara

que vimos trilhando no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Ima-


ginário, Educação e Memória (GEPIEM/FAE/UFPel), pensamos
ver dit

que tal abordagem devesse adentrar nos cursos de formação inicial.


A primeira experiência por mim realizada foi com estudantes do
op

Curso de Pedagogia em 2000, com o objetivo de levar as alunas a


se conhecer e a conhecer a própria história: em cada estudante há
uma história singular e coletiva que, por isso, se entrelaça com a
história do outro. Naquele momento constatamos que o uso de nar-
E

rativas como instrumento de ensino e de pesquisa poderia anunciar


a possibilidade de outros aportes importantes na formação inicial de
professores, trazendo à luz o que vai pulsando na vida de cada um.
As histórias de vida em formação vistas como um projeto-for-
mativo (JOSSO, 2004) ou investigação-formação (NÓVOA, 2010)
por muito tempo foram ignoradas, em especial nos períodos anterio-
res à década de 1980. Tais estudos advêm de diferentes disciplinas e,
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 73

portanto, a partir de diferentes pontos de vista. Segundo contribuições


da autora citada, em suas obras, em especial em Experiências de vida

od V
r
e Formação, as histórias de vida tornaram-se, há uns vinte anos, um
material de pesquisa muito em voga nas ciências humanas, pois em

uto
todos os simpósios, colóquios ou encontros científicos este enfoque
tem sido recorrente. Ou seja, parece que está se buscando uma sen-
sibilidade para a história do aprendiz e de sua relação com o conhe-

R
cimento. Além disso, numerosos procedimentos biográficos foram

oa
introduzidos para acompanhar, orientar, suscitar ou facilitar a elabo-
ração dos projetos pessoais de indivíduos em busca de uma orientação
ou de uma reorientação profissional. Isso se deve ao fato de pensar-
aC
mos ser este momento a pedra angular para a futura prática docente,
dada a complexidade dos movimentos autoformativos garimpados ao
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longo destes quatro anos. Sobretudo, o quanto é possível pensar a for-


mação do professor a partir do uso da narrativa de si como fomento de
visã
saberes e competências a serem construídos. Isto quer dizer: buscar,
nas convergências das motivações, das imagens e dos trajetos vividos,
os fomentadores de práticas e de saberes futuros.
Muitos aspectos referentes as descobertas poderiam aqui
serem problematizados, mas não é o intuito deste texto. O que que-
a re
itor

remos ressaltar é o fato de que na medida em que o sujeito se pensa,


muitos aspectos do vivido podem vir a tona para contribuir com o
processo de formação posterior. De algum modo, esse foi o movi-
mento de olhar além das alcovas. Exemplifico com a narrativa de
par

Sofia quando perguntada sobre o seguinte: como tu pensas que estás


te tornando? Ao que ela responde:

Hoje, através destes momentos de reflexão, que a pesquisa tem


Ed

nos proporcionado, posso perceber que as minhas ações de hoje


são o reflexo das minhas escolhas do passado, e que a escolha
são

pelo Curso de Pedagogia não foi por acaso (...) E agora paro
para pensar nas pessoas, nos lugares, nos acontecimentos, nos
sentimentos que de uma certa forma ou de outra contribuíram
para a minha construção enquanto SER. Ser este que ri, que
ver

chora, que ama o que faz...

As perguntas que Josso (2004, 2010, 2010ª) nos faz frequentemente


em suas obras, dentre outros autores: “Que é a formação do ponto de vista
do sujeito?, Como se forma o sujeito, Como aprende o sujeito?”
74

Sabe-se que a palavra formação contém uma dificuldade se-


mântica e também epistemológica. Semântica por designar tanto a
atividade no seu desenvolvimento temporal como o respectivo re-

V
r
sultado. Epistemológica, por tratar de pontos de vistas teóricos que

uto
vão tentar dar conta, da melhor forma possível, do que vem a ser
efetivamente formação. No entanto, não existe a mais certa, mas sim
filiações que fazemos a partir de nossas próprias histórias. Gosto da

R
ideia anunciada por Dominicé (2010, p. 95) inspirada em Jean Paul

a
Sartre, quando diz:

do
A formação depende do que cada um faz do que os outros
quiseram, ou não quiseram, fazer dele. Numa palavra, a for-
aC
mação corresponde a um processo global de autonomização

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no decurso do qual à forma que damos a nossa vida se as-
são
semelha – se é preciso utilizar um conceito – ao que alguns
chamam de identidade.

Talvez seja esse o exercício que Laura fez ao dizer:


i
rev

Hoje entendo coisas, assim...coisas que eu via na minha infân-


cia, na minha juventude, depois que eu comecei a fazer minhas
escritas eu vejo com outros olhos. Eu sempre te disse... Que
or

achava que eu tinha sido uma criança completamente infeliz e


hoje eu vejo, assim, que eu fui muito feliz na minha infância,
muito feliz mesmo. Olhando para trás eu vejo como a gente
ara

conseguia usar a imaginação e driblar toda aquela falta de re-


curso que a gente tinha... a pobreza, a falta de não ter tido, por
ver dit

exemplo, brinquedos fez com que a gente usasse a imaginação


para fazer as coisas, para inventar, tanto que eu estou montando
op

para um professor sobre brinquedos da infância.

Através das narrativas orais e escritas, observou-se que nas


trajetórias destas aprendizes de professora estão subsumidos alguns
E

núcleos simbólicos, sendo eles coletivos e individuais. Os núcle-


os individuais encontrados foram: ideia de predestinação / fracasso
como foco na vida; a escola como palco para novas experiências;
tendência heroica. E como núcleos coletivos foram: o grupo como
um dispositivo de autoconhecimento, valorização do subjetivo e do
objetivo na autoformação e a importância do professor na história
de vida dos alunos.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 75

As alunas33 nos dizem que:

od V
Na primeira série, o que me marcou foi a falsa promessa fei-

r
ta pela professora, que prometeu voltar à escola e nunca mais

uto
apareceu. Acredito que este fato me tornou uma aluna tímida
com relação ao meu comportamento voltado àss professoras
das séries seguintes. (Luisa)

R
Também vou falar um pouco da professora Jacira de história.

oa
Acho que foi na 7ª série[...] a minha irmã estava de aniversário,
aí as colegas falaram para a professora que tínhamos que cantar
os parabéns. Eu falei: - Ela está ficando (mais velha) um ano
mais velha.[...] A professora tirou os óculos do rosto e disse: To-
dos nós sempre ficamos mais velhos, ninguém fica mais novo,
aC
a cada dia que passa ficamos mais velhos, etc... Bem, como a
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professora falou isso tudo me olhando eu queria morrer, sentia


a minha pele queimar, que comentário infeliz eu fui fazer! Aí
visã
eu passei a ter muito receio dessa professora, eu tinha medo de
falar qualquer coisa e ela me passar outro sermão. (Neti)
Um menino chegou para mim e disse assim: “Eu não quero
passar”. E a gente perguntou: ”Mas porque não quer passar?
Todo mundo quer passar”. Ele disse: “Eu não quero passar por-
que eu não gosto da professora do 2º ano”. Poxa, saber assim,
a re
itor

que algum dia um aluno pode dizer isso de mim. Ah! Aquilo
dói. Dá vontade de mudar isso. (Afrodity)

Estes fragmentos resultam das representações sobre ser


professor que habitam o imaginário destas alunas, e este imaginário
par

revela-se através das crenças, valores, dos nossos sonhos, dos signi-
ficados atribuídos aos fatos. Sendo assim, o ir e vir em busca de um
projeto de (auto)formação pode passar pelo trabalho com histórias
Ed

de vida na perspectiva da biografia educativa. Isso porque pensamos


que esta abordagem possibilita que cada um atribua o sentido do
são

vivido de acordo com as suas experiências refletidas.


Das vivências na pesquisa, através de diferentes procedimen-
tos – portfólios, técnicas expressivas, entrevistas abertas, fotografias
familiares e escolares – finalizamos com uma escrita sobre como se
ver

tornaram o que estão sendo. Esta foi socializada à comunidade aca-


dêmica num evento realizado em Janeiro de 2010, onde também tive-

33 Hoje recentemente (outubro de 2010) obtiveram o diploma de Licenciadas em Pedagogia. Das


oito alunas convidadas participam deste livro somente quatro.
76

mos a participação de professoras/pesquisadoras sobre o tema34. Daí


surgiu o desejo de materializar tais aprendizagens, as delas e as nos-
sas, na forma deste livro. Sobretudo, por entender que a escrita sobre a

V
r
prática pode ser o caminho para a autoria, uma vez que esta é uma das

uto
formas de ressignificação do mundo das professoras na perspectiva
de que “o ingrediente que vem faltando é a voz do professor”, (GOO-
DSON, 1992, 69).  E, assim, ao escrever eles podem valorizar suas

R
histórias e suas práticas, bem como compreender suas representações.

a
Inseridos nas atividades investigativas-formativas as alunas e
também nós, professores envolvidos na pesquisa, fomos desenvol-

do
vendo estratégias de apropriação e de aprimoramento sobre o que é
possível fazer do que queriam fazer de nós . Enquanto estratégia de
aC
autoformação as alunas envolvidas, através do relato, da escuta e da

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escrita sobre fragmentos do trajeto formativo puderam reconstruir
são
as suas singularidades.
Finalmente, o ministério aprendido neste percurso foi o de
pesquisar formando, na busca desta terra incógnita e de imagens-
-lembranças dormitantes, mas de suma importância para visibilizar
i

projetos futuros. Ou seja, de garimpos significativos onde apren-


rev

demos que pesquisadoras e pesquisadores necessitam não somente


de um discurso sobre o outro, mas de provocar o futuro com vistas
or

a projetos de si. O mote destas garimpagens só foi possível como


processo de autoconhecimento de um sujeito que postula e, portan-
ara

to, imagina poder vir a ser um sempre outro. Assim, é preciso poder
imaginar ser – e tornar-se efetivamente – tanto único porque singu-
ver dit

lar tanto plural porque coletivo.


op
E

34 As quais também fazem parte deste livro.


Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 77

Referências

od V
r
uto
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Fontes, 1998.
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma fi-

R
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oa
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ras do indivíduo-projeto. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Pau-
lus, 2008.
DOMINICÉ, Pierre. Biografização e mundialização: dois desafios
aC
contraditórios e complementares. In PASSEGGI, Maria da Conceição;
SOUZA, Elizeu Clementino de. (Auto) biografia: formação, territó-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

rios e saberes. Natal RN: EDUFRN; São Paulo: PAULUS, 2008.


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visã
nais In NÓVOA, A.; FINGER, M. O método (auto)biográfico e a
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DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginá-
rio. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
a re

GOODSON, Ivor. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos


itor

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par

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Paulo: Cortez, 2004.
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tórias de vida. Educação Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63), p.


são

413-438, set./dez. 2007.


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ria Helena Menna Barreto. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. 340 p.
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boa: Publicação Dom Quixote, 1992.


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2010, p.129-142. (Pesquisa (auto) biográfica e Educação. Clássicos
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78

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V
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mica. 2010.232 p. (Série Artes de viver, conhecer e formar).
PERES, Lúcia Maria Vaz . Significando o “não-aprender”. Pelo-
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R
_________. Dos saberes pessoais à visibilidade de uma Pedago-

a
gia Simbólica. Tese (Doutorado em Educação). Porto Alegre: FA-
CED/UFRGS, 1999.

do
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cotidiano. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária/UFPEL, 2004.
aC
PERES, Lúcia Maria Vaz; KUREK, Deonir Luís. Teias de Anima:

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Contribuições dos estudos do imaginário para a educação. In:
são
REVISTA @MBIENTEEDUCAÇÃO. V. 1, n. 1 – Jan/Julho, 2008,
São Paulo.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta. São Paulo: edi-
tora: L&pm ano: 2007.
i
rev
or
ara
ver dit
op
E

RESGATANDO A INFâNCIA:
valorizando as lembranças

od V
r
e a criatividade

uto
R
Lucimar Oreques

oa
A criança que fui...
aC
Sempre acreditei que a infância me tinha sido negada. O tra-
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balho diário na lavoura, as mínimas condições de vida, a falta de


conhecer outros lugares e pessoas só vistas nas revistas me faziam
uma pessoa infeliz. visã
Durante muitos anos tive autopiedade por ter sido muito pobre,
por não ter brinquedos comprados, por ter tido que trabalhar muito
na infância e quase não sobrar tempo para brincar.
O único momento feliz de minha infância era a ida para a es-
a re
itor

cola e tudo que isso significava. Era a possibilidade de ver crianças


diferentes, de sair da lavoura, de sonhar com outra realidade.
Relembrando os primeiros anos escolares, lembrei da primeira
professora, que me colocou de castigo de joelhos no milho porque
par

eu não soube a tabuada. Sentia por ela um carinho imenso e uma


profunda saudade e não conseguia entender porque tinha por ela
esse sentimento, já que ela me impôs um castigo.
As brincadeiras eram inventadas de acordo com o recurso que
Ed

tínhamos: sabugo de milho, pedras, folhas, flores, sementes, reta-


são

lhos de pano... e isso era motivo de vergonha e tristeza. Era preciso


usar a criatividade para driblar a falta de recursos financeiros , sendo
a imaginação o portal para “outro mundo”.
Um desses mundos era a sala de aula onde eu era a protagonista
ver

(professora). Uso a metáfora “outro mundo”, pois a única realidade


existente era a da lavoura e ser professora era algo que se restringia
às brincadeiras, estando então em um mundo distante e inatingível.
80

O fato de eu ter tido uma infância pobre e trabalhado muito


quando criança fazia com que eu sentisse pena da criança que, ou-
trora existia, agora refletindo na mulher que sou (fui), afetando a

V
r
minha identidade e representação própria(no meu eu).

uto
A descoberta de si - Transformação

R
A partir da descoberta da existência da possibilidade35 de dar

a
novo sentido ao que foi vivido pude tornar-me “outra pessoa”. Des-
cobrir como acontece o processo (auto)formativo de uma professo-

do
ra36, resgatar lembranças de infância, dos primeiros anos escolares,
da primeira professora... foi uma verdadeira revisitação ao passado.
aC
Ao narrar minha história fui percebendo que aquela menina

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teve oportunidades de criar, de inventar e criar seu próprio mundo,
são
então passei a ter um novo olhar sobre minha infância e minha vida.
Na perspectiva da (auto) formação, ao fazer à narrativa da sua
trajetória de vida, nesse caso focando a infância, a pessoa está também
fazendo uma releitura dessa história. Sendo possível descobrir felicida-
i

de onde só enxergava tristeza, aprendizagem onde só via dor, etc., pois


rev

se distanciou do vivido e tomou consciência do mesmo. Tendo a nar-


or

rativa, como sugere Marta Regina da Silva, o papel de tornar “possível


ao próprio sujeito questionar-se acerca das suas escolhas, dinâmicas,
saberes, faltas, enfim, pensar sobre sua própria existencialidade” (p.1)
ara

O resgate da infância e/ou de outros momentos da vida permi-


te ao sujeito reativar sentimentos e lembranças sobre o que viveu,
ver dit

tornando-se outra pessoa ou reafirmando convicções acerca de de-


terminado fato. Em consonância com Peres, que diz:
op

O que significa que as experiências pelas quais cada sujeito


passou no decurso de sua vida importam já que a sua perso-
nalidade, os seus valores e a suas crenças são fomentos para o
projeto autoformativo. Podendo ser revistados e possivelmente
E

ressignificados a partir do referido potencial a priori. (PERES,


in PERES, EGGERT, KUREK, 2009, p.6)

35 Essa possibilidade deu-se através da participação na já referida pesquisa.


36 Estaremos nos referindo ao gênero feminino, tendo em vista que este texto refere-se a uma
pesquisa cujo universo é feminino.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 81

Nesse sentido, Josso (2004) defende que é preciso voltar-se para


si e procurar o outro que coabita em nós, pois esta volta ao passado atra-

od V
r
vés da narrativa da história de vida, onde o sujeito tece sua própria teia
de acordo com as lembranças mais sutis, faz com que ele ressignifique

uto
cada momento com um olhar diferente e dando um valor maior, ou não,
às brincadeiras e pessoas com as quais conviveu.
Ao narrar sua história vivida o sujeito tem a oportunidade de

R
repensar seus atos, questioná-los e dar-se a chance de trilhar dife-

oa
rentes caminhos bem como de valorizar-se como formador de sua
própria história. É um exercício de reflexão sobre o que foi vivido,
transformando as vivências em experiências, conforme Josso (2004)
aC
defende: “estas vivências atingem o status de experiências a partir
do momento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que
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se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido.” (p.48)


Essas premissas de (auto) formação, que permite ao ser tomar
visã
consciência da existência da possibilidade de ressiginificar sua tra-
jetória, possibilitou a mim um novo olhar sobre o passado, em espe-
cial minha infância. Através desses estudos foi possível perceber a
riqueza daqueles momentos e que os sonhos tão distantes, hoje são
reais. Nas palavras de Momberger:
a re
itor

Aprender e apropriar-se dos saberes, seja qual for sua natureza,


é, em graus diversos, retocar, revisar, modificar e transforma-
ção um modo de ser no mundo, um conjunto de relações com os
outros e consigo mesmo; é, de maneira mais ou menos sensível,
par

lançar novos olhares sobre seu passado e sobre suas origens,


projetar ou sonhar, de outro modo, seu futuro, biografar-se de
outro modo. (DELORY-MOMBERGER, 2008, p.138)
Ed

No sentido de dar novo sentido à história de vida as teorias (auto)


são

formativas são de grande valor à educação, pois permite ao docente


ressignificar e até superar fatos negativos de sua vida escolar, afetando
assim sua postura em sala de aula. Segundo Peres, “as tensões do pro-
jeto autoformativo nas intimações do imaginário nada mais é do que
a busca de novos caminhos que possam conduzir à compreensão e à
ver

superação daquilo que chamamos realidade.” (2010)


A reconstrução das trajetórias e valorização da história de vida
deve agir no âmbito da educação de forma a (re) orientar a prática
docente, possibilitando à professora escolher quais papéis assumir
frente ao aluno em determinada situação.
82

Outro aspecto relevante é o reconhecimento e valorização da


história de cada aprendiz adotado pelos educadores, formando as-
sim, sujeitos mais humanizados. Concordando com Peres que pro-

V
r
põe a “valorização da história de vida de cada educando, realizando

uto
um trabalho que leve em conta a singularidade de cada um, com
vistas à organização do coletivo” (PERES, 2010).
Um professor, ao permitir que seus alunos falem sobre suas

R
experiências vividas, valoriza-os como ser e oferece a oportunidade

a
deles voltarem para si, falarem de si percebendo-se como ativos no
seu processo de aprendizagem. Mais ainda, proporciona aos mes-

do
mos aprender através da experiência dos outros, entendendo que os
conhecimentos trazidos “de casa” são tão importantes quanto os sa-
aC
beres formais da escola, pois aqueles dão sentido a estes.

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Ao narrar suas experiências o sujeito tem a oportunidade de
são
repensar seus atos, questioná-los e dar-se a chance de trilhar dife-
rentes caminhos, bem como de valorizar-se como formador de sua
própria história.
i

Reconhecimento do ser: a (auto) formação na escola


rev

No decorrer da pesquisa pude notar que é possível a existência de


or

uma transformação do ser através da narrativa de sua história. Entretan-


to, percebi que essa pessoa do presente (eu), com suas representações
ara

atuais, sempre esteve ali, mas não sabia como reconhecer-se.


O processo (auto) formativo permite ao sujeito fazer uma revisi-
ver dit

tação ao passado, através de escritas, relatos e debates que acontecem


durante os encontros do grupo, possibilitando uma transformação, por
op

meio da qual é possível entender coisas que até então permaneciam


como incógnitas. Como exemplo, cito o fato de não ter sentimentos
negativos pela professora que me impusera um castigo.
Isso era algo já existente em mim, mas a tomada de consciência,
E

feita a partir da narrativa, fez entender que aqueles eram os métodos da


época. Assim, dando novo sentido ao castigo, relativizando, em minha
prática, a utilização de métodos e posturas instauradas. Confirmo isso
com as palavras de Peres, que diz: “Pois através delas [narrativa] tere-
mos a oportunidade de “olhar” para aquele momento, refletir sobre o
que aconteceu, e de perceber que aquele papel era, talvez, o mais apro-
priado para aquela experiência [...]”(PERES, 2010).
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 83

A narrativa (auto) formativa possibilita ao narrador questio-


nar-se sobre sua existência e identidade frente a si e frente aos ou-

od V
r
tros, dando oportunidade então, dele tornar-se diferente a partir do
que viveu no passado.

uto
Pode-se inferir então que a valorização do conhecimento
de si, como ser e como profissional, através do trabalho (auto)
formativo, tem papel fundamental para tornar essa pessoa mais

R
confiante e humanizada. Permitindo à professora perceber seus

oa
alunos de forma sensível, valorizando sua subjetividade, adotan-
do uma prática que trata o aluno como um ser composto por cog-
nição, mas também por emoções e desejos.
aC
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visã
a re
itor
par
Ed
são
ver
84

Referências

V
r
DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e educação: figuras

uto
do indivíduo projeto. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus 2008
JOSSO, Marie-Christine. A transformação de si a partir da narração
de histórias de vida. Educação Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 3 (63),

R
p. 413-438, set./dez. 2007.

a
______. Experiências de Vida e Formação. São Paulo: Cortez, 2004.
PERES, L. M. V.. As tensões do projeto autoformativo nas intimações

do
do imaginário: predestinações (na vida e na docência) do humano. In:
aC
ENDIPE - Convergências e Tensões no Campo da Formação e do tra-
balho docente: políticas e práticas educacionais,15, 2010, Belo Hori-

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


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zonte. Anais do XV ENDIPE Convergências e Tensões no Campo
da Formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacio-
nais. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2010, p. 1-14.
______. O imaginário como matéria sutil e fluida fermentadora do
i

viver humano. In: PERES, L.M.V., EGGERT, E.; KUREK, D. L.


rev

(orgs.) Essas coisas do imaginário… diferentes abordagens so-


bre narrativas (auto) formadoras. São Leopoldo: Oikos; Brasília:
or

Líber Livro, 2009.


ara
ver dit
op
E

Recordações-referências
da pedagoga em formação

od V
r
(re)significadas em

uto
Seminário de Investigação-
Formação37

R
oa
Maria Helena Menna Barreto Abrahão
aC
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O presente texto traz uma reflexão a respeito da experiência


com o Seminário de Investigação-Formação que vimos desenvol-
visã
vendo mediante trabalho com memoriais de formação, no curso
de Graduação, da Faculdade de Educação – FACED, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, à luz das
recordações-referências que atravessam as trajetórias das alunas do
curso e da possibilidade de (re)significá-las, de maneira mais crítica,
a re
itor

nos processos de formação da futura pedagoga38.

Aporte teórico-metodológico

De imediato, nos parece conveniente procurarmos explicitar


par

aspectos da teoria e da metodologia que norteia nosso trabalho39.


Primeiramente, desejamos trabalhar com mais detalhe um con-
ceito que já explicitamos em outro artigo40: memorial de formação é,
Ed

para nós, o processo, bem como a resultante da rememoração com


reflexão de fatos vividos trazidos à narração. Esta narração pode ser
são

37 Desejo agradecer à querida colega Drª. Lúcia Maria Vaz Peres, líder do grupo de pesquisa
GEPIEM, o honroso convite para esta participação.
38 No caso, eram todas do sexo feminino.
ver

39 Dada a extensão proposta para os textos – no máximo 10 páginas – apenas lembraremos alguns
aspectos, de forma pontual, sem necessariamente apresentá-los em uma tecedura que lhes
conforma a trama que os torna coerentes.
40 ABRAHÃO, M.H.M.B. Metamemória-memórias: memoriais rememorados/narrados/refletidos
em Seminário de Investigação-Formação. In: PASSEGGI: M.C. & BARBOSA, T. M. N. (orgs.).
Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal/São Paulo: EDUFERN/PAULUS,
2008.p. 253-176.
86

feita via oral ou escrita. O importante é que a narrativa de forma-


ção constitua uma trama (um enredo) com sentido para o sujeito da
narração, com a intenção41 de clarificar aspectos, dimensões e mo-

V
r
mentos da própria formação. Ademais, espera-se que esse processo

uto
promova o momento da narrativa (também ele) como uma experiên-
cia essencialmente formativa. Trata-se de o narrador, elaborador do
próprio memorial, ser realmente o sujeito da narração, consciente de

R
que a reflexão empreendida é elemento sine qua non para a compre-

a
ensão do próprio processo de formação.
A trama da narrativa, conforme a entendemos, terá sentido

do
ao urdir os fatos relacionando-os ao contexto sócio-político e cul-
tural vivencial do narrador. Essa trama também enlaça, na mesma
aC
urdidura, o contexto espacial com o temporal, de tal forma que

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a narração se constitui, como ensina Ricoeur (1995; 2007), com
são
uma natureza tri-dimensional em que passado, presente e futuro
se imbricam, no sentido de que o caráter temporal da experiência
do sujeito, tanto na ordem do pessoal, como na do social, é arti-
culado pela narrativa, especialmente quando clarifica a dualidade
i

tempo cronológico/tempo fenomenológico. A natureza temporal


rev

tridimensional da narrativa, tendo em vista que esta rememora o


passado com olhos do presente, pode ensejar a prospecção do futu-
or

ro, razão pela qual o próprio discurso narrativo não procura neces-
sariamente obedecer a uma lógica linear e sequencial.
ara

Em Bolívar (2001) podemos encontrar a explicitação clara do


conceito de enredo da narrativa para que esta tenha consistência em
ver dit

diálogo com o contexto vivencial do narrador. Essa relação contex-


tual está bem fundamentada em Santa Marina & Marinas (1994)
op

os quais cunharam o constructo “comprensión escénica”, que tra-


duzimos por compreensão de contexto. Essa compreensão de con-
texto nos alerta para o fato de que não obstante a arte de narrar
constitua-se em “uma forma artesanal de comunicação”, como a
E

entende Benjamin (1988. p.205), as narrativas não são apenas uma


construção individual; adquirem real significado quando situadas no
contexto histórico, sociopolítico-econômico e cultural vivencial do
sujeito da narração. Portanto são narrativas não só singulares, mas
também têm um forte componente plural.

41 A intencionalidade é condição essencial para que haja formação.


Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 87

Em se tratando de pesquisa na área educacional pode-se ex-


plorar, por meio da narrativa em memoriais, a dinâmica de situa-

od V
r
ções concretas pelo relato em que aflorem as percepções de sujeitos
históricos a possibilidade de (re)significá-las, por abstrações mais

uto
críticas no seio dos processos de formação. Essa metodologia tem,
segundo Santamarina e Marinas (op.cit), uma dimensão ética e po-
lítica na medida em que “aposta na capacidade de recuperar a me-

R
mória e de narrá-la desde os próprios atores sociais” (p. 259), rom-

oa
pendo com formas cristalizadas de investigação que valorizam mais
o dado acabado e partindo para a intenção de capturar sentidos da
vida social que não são facilmente detectáveis … (buscando) o sen-
aC
tido do tempo histórico e o sentido das histórias submetidas a muitos
processos de construção, de re-elaboração de identidades individu-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

ais, de grupo, de gênero, de classe em nosso contexto social (idem).


Esse entendimento dos autores nos lembra que ao trabalharmos
visã
com memoriais (como de resto em outras metodologias da Pesquisa
Autobiográfica) estamos trabalhando com memória narrativa. Esta é
reconstrutiva e seletiva, por excelência. A seletividade e a reconstruti-
vidade que compõem a natureza da memória podem ser pensadas em
relação com o esquecimento, em virtude de que o (re)significar dos
a re
itor

fatos narrados nos indica que, ao trabalharmos com memória, faze-


mo-lo conscientes de que tentamos capturar o fato sabendo-o recons-
truído por uma memória seletiva, intencional ou não, do sujeito que
se objetiva “numa narrativa coerente que, em retrospectiva, domestica
par

o aleatório, o casual, os efeitos perversos do real passado quando este


foi presente, actuando como se, no caminho, não existissem buracos
negros deixados pelo esquecimento” Catroga (2001, p.46).
Esses são alguns dos constructos que temos em mente quan-
Ed

do trabalhamos com Memoriais de Formação42 nos Seminários de


Investigação-Formação.
são

42 Diferentemente, do que denomino de Memorial Institucional, como por exemplo, o memorial que
os hoje mestrandos e doutorandos escrevem para compor o naipe de documentos exigidos pelo
edital que preside o processo de seleção à Pós-Graduação stricto sensu. Este é construído para
ver

a seleção ao mestrado ou ao doutorado, segundo o imaginário de cada um sobre o que possa


interessar ao avaliador integrante da Comissão de Seleção ao Programa de Pós-Graduação: é
mais descritivo, linear, aborda mais os estudos realizados e a carreira profissional até o momento
e tem extensão definida e limitada pelas regras que norteiam a seleção. Os memoriais que
vimos construindo no Seminário de Investigação-Formação têm, sem limite de páginas e sem a
preocupação de agradar a um avaliador desconhecido de maneira a que pese positivamente no
conjunto da seleção, um caráter e uma intencionalidade formativa e transformadora.
88

O desenvolvimento do Seminário de Investigação-Formação

A pesquisa autobiográfica, trabalhada via Investigação-Forma-

V
r
ção, com professores em processo de formação43, tem em vista a

uto
reconstrução do sentido do trabalho de professores enquanto pro-
fissionais reflexivo-crítico-transformadores da sua própria prática,
repensada e sopesada e de práticas sociais, dentro das possibilidades

R
concretas do trabalho do educador, identificado como tal. Esse en-

a
tendimento estriba-se no pensamento de Shulman e Colbert (1989),
que consideram as narrativas das práticas de professores como ele-

do
mentos catalisadores que induzem à reflexão dos professores em ge-
ral sobre sua própria profissão.
aC
Para o desenvolvimento da pesquisa pela vertente da Investi-

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gação-Formação, dão suporte teórico-metodológico mais especi-
são
ficamente os estudos de Souza (2001; 2004; 2006a; 2006b); Chené
(1988); Nóvoa e Finger (1988); Dominicé (1990); Pineau (1990;
2006); Nóvoa (1992; 1995; 2004); e, especialmente, Josso (1988;
1991; 1999; 2002; 2006; 2008), que nos trazem conceitos seguros,
i

que utilizamos no Seminário de Investigação-Formação que vimos


rev

desenvolvendo. Esses conceitos, que denominamos de conceitos ope-


rativos, dizem respeito às dimensões: SINGULAR-PLURAL; DE-
or

SENVOLVIMENTO PESSOAL/PROFISSIONAL; TRAJETÓRIA


EXPERIENCIAL; EXPERIÊNCIAS FORMADORAS; RECOR-
ara

DAÇÕES-REFERÊNCIAS; ESCUTA SENSÍVEL, dentre outras.


Neste texto trabalharemos com a dimensão RECORDAÇÕES-
ver dit

-REFERÊNCIAS, de Josso44.
Para atingirmos os objetivos que se referem à investigação-
-formação, os dados e informações têm sido produzidos simultane-
op

amente em Seminário de Investigação-Formação, conforme a “fase


de elaboração das narrativas”, descrita por Josso (2002, p. 88-89).
Nessa fase, as participantes elaboram suas narrativas, tanto de modo
E

oral, como escrito, trazendo elementos substantivos de sua forma-


ção, tentando colocar-se frente a questões importantes para a com-
preensão de sua formação inicial no curso de Pedagogia.

43 A quase totalidade de nossos alunos da Pedagogia já trabalha como docentes. São, portanto, profes-
sores em formação. Realizam um curso de formação de professores – o curso de Pedagogia.
44 Por exemplo: JOSSO, M-C. Caminhar para si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, P. 156-157.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 89

Em prosseguimento, na fase de trabalho coletivo com as nar-


rativas cada participante do seminário lê em voz alta para as cole-

od V
r
gas esse material; concomitantemente e após a leitura, integrantes da
turma reagem interagindo entre si e com a colega cujo material está

uto
em análise, fazendo aproximações com suas próprias experiências. A
partir dessas reflexões, a graduanda adenda, remodela (ou não) seu
memorial, (re)significando o entendimento do que havia escrito. Ao,

R
(re)visitar o memorial possibilita reconstruí-lo com novas e ricas sig-

oa
nificações hauridas pela experiência ao longo da trajetória já efetuada
e, especificamente, no Seminário de Investigação-Formação.
Essas questões foram antes negociadas com as integrantes do
aC
grupo (fase do acordo). Interessam ao grupo, em seu conjunto, como,
igualmente, há tópicos de interesse individualizado, mercê das dife-
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renças de formação e de vivências idiossincráticas das participantes,


em particular. Os seminários são gravados em áudio e a transcrição
visã
é encaminhada a cada participante. Cada participante guarda, como
ensinado por Josso (2002), seu próprio material gravado.
Nessa concepção, os dados e informações estão sendo analisa-
dos e interpretados conforme a “fase de compreensão e de interpre-
tação das narrativas” descrita por Josso (2002, p. 89-92). Nessa fase,
a re
itor

as participantes apuram o processo de reflexão sobre a formação


de cada integrante, em particular e do conjunto das participantes.
Esse é um processo difícil, uma vez que se trata de compreender a
lógica de si e a do outro, na construção de cada narrativa e na re-
par

constituição dos significados desde o contexto da utilização de cada


narrativa. A narrativa (de cada uma das participantes) apresenta um
esclarecimento peculiar ao que esta entende por formação. Por essa
razão, não se trata de operar com dimensões a priori, mas, sim, “co-
Ed

locar o sujeito da narrativa em contato consigo próprio, com esse ‘si


próprio’, que tomou e continua a tomar formas múltiplas e que se
são

transforma através delas” (JOSSO, 2002, p.91). Nem poderia ser de


outra forma, pois essa análise, no entender de Josso, tem dimensões
diferenciadas conforme a característica de cada integrante do grupo.
Esse processo como aqui descrito é prenhe de possibilidades
ver

para a fertilização de compreensões que, partindo do conjunto das


narrativas, tanto no que têm de singular quanto no que apresentam
de plural, atinjam abstrações que permitam teorizações sobre pro-
cessos de formação dos sujeitos.
90

Essa fase é complementada por outra denominada por Josso


(2002, p. 93-97) de “fase de balanço dos formadores e dos partici-
pantes”, momento em que se faz um “balanço” pessoal do trabalho

V
r
em realização, das aprendizagens havidas, incluindo as perspectivas

uto
de prolongamento da reflexão até então empreendida.

A significação das recordações-referências para

R
a pedagoga em formação

a
Em Josso, podemos entender as “recordações-referências

do
[como] constitutivas das narrativas de formação” (2002, p. 31). As
recordações-referências constituem, portanto, a natureza das narra-
aC
tivas de formação, as quais produzem, pela rememoração que per-

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mite revisitar e (re)significar o vivido, referências das motivações de
são
determinadas escolhas, das influências que atravessaram trajetórias
de vida, dos modelos, dos momentos vivenciais que fazem dos su-
jeitos singulares/plurais individualidades dinâmicas, porque reflexi-
vas, em constante vir a ser, sendo.
i

Circunscrita às recordações-referência, trazemos, como aporte


rev

exemplificativo, a análise de 20 dos memoriais elaborados em Semi-


nário de Investigação-Formação, por 60 alunas do primeiro semes-
or

tre do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação – FACED, da


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS,
ara

escolhidos intencionalmente.
São alunas que na maioria já têm alguma experiência de do-
ver dit

cência, auferida em estágios não obrigatórios ou contratos emergen-


ciais para escolas do Sistema de Ensino de Porto Alegre, a quem
op

foi solicitada a narrativa sobre aspectos importantes da primeira


infância e adolescência até a chegada na universidade, em que se
incluísse a motivação para a escolha do curso.
Complementarmente, lhes foi solicitado que trouxessem fotogra-
E

fias, álbuns de recordação, objetos que tiveram importância e signifi-


cado para cada uma. Assim, a significação das recordações-referências
podia ser obviada, não só por figuras de linguagem escrita, mas também
complementadas com imagens fotográficas e objetais.
Quanto aos 20 memoriais escritos, registramos, as dimensões
que seguem, mas sem nelas nos determos, mesmo entendendo sua
importância e o relacionamento na trama vivencial de cada aluna
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 91

para surpreendermos a significação das recordações-referências


para a pedagoga em formação.

od V
r
São elas: Lembranças da Infância, com referência à significa-
ção do nome (origem); situação do nascimento; momentos felizes,

uto
momentos tristes, perdas e danos (em especial perdas de parentes
queridos), as brincadeiras, as amizades, a família, a escola, os es-
tudos no Ensino Fundamental e Lembranças da Adolescência, com

R
destaque para a identidade (quem sou eu, como me posiciono no

oa
mundo; o que sou, o que sinto, o que penso), momentos felizes,
momentos tristes, perdas e danos (em especial perdas de parentes
queridos e de amigos, momentos de lazer, os namoros (e, para algu-
aC
mas, o casamento), as amizades, a família, a escola, os estudos no
Ensino Médio, as primeiras experiências docentes.
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Devido ao espaço que nos resta, vamos nos deter um pouco nas
dimensões escolha profissional e prospecção profissional.
visã
As recordações-referências quanto à escolha profissional

Aparece de maneira forte, praticamente em todas as narrativas,


a re

a influência da primeira professora para que, desde muito cedo, as


itor

alunas desejassem abraçar a profissão de professora, tendo em vista


o carinho com que tratava os alunos, a dedicação e os primeiros
ensinamentos que foram determinantes para o desejo de continuar
estudos e formar-se, primeiramente no Magistério e, em seguida,
par

em Pedagogia. Tanto assim, que a quase totalidade, cursou o antigo


Ensino Normal. Somente duas cursaram outra modalidade de En-
sino Médio (ou Segundo Grau, conforme a época). Essa impressão
Ed

mostra-se indelével, em virtude de que declinam o nome da primeira


professora (após tantos anos, não o esqueceram!).
são

De maneira muito significativa também explicitam a concor-


rência da família, desde que a mãe e tias (em um caso também a avó)
exercem o Magistério e valorizam a profissão professor.
As brincadeiras na infância de aula, com as bonecas, amigui-
ver

nhas, irmãos menores e primos, também apareceram, em pratica-


mente todas as narrativas, com riqueza de detalhes de sofisticação:
tinham quadro de giz, cadernos, lápis de cor, etc, para “reproduzir”
situações de sala de aula.
Finalmente, o cuidar de irmãos menores, em momentos em
92

que a mãe necessitava, apareceu em algumas das narrativas.


Embora cada narrativa não contemple todas essas nuances, elas

V
r
aparecem em mais de uma situação em cada caso. Assim, podemos en-
tender que as alunas significam-nas de forma potente, como dimensões

uto
importantes de suas recordações-referências. Não debitam a escolha
profissional ao acaso, ao “não sei por que vim parar nesse curso”, mas
às recordações -referências que não explicam por si só a escolha profis-

R
sional (certamente houve outras nuances, também), mas que são dimen-

a
sões de positiva referência nas recordações de cada uma.
Note-se que não estamos aqui debitando o estar em curso de Pe-

do
dagogia somente às dimensões trazidas pelas alunas. Temos a consciên-
cia de que condicionantes psicossociais, econômicos e culturais, dentre
aC
outros, atuaram nesse sentido. O que estamos aqui registrando é a esco-

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lha do curso que inicialmente forma para a docência, no imaginário das
são
alunas (não outros elementos que respondem pela possibilidade concre-
ta de poderem ter se matriculado no curso e não em outro).
Muito embora dentre as 20 narrativas, três alunas registrem pri-
meiramente ter pensado em cursar Direito, Nutrição e Medicina, lem-
i
rev

bram que as dimensões antes referidas, em especial a influência de


familiares professoras, foi afirmativo para prestarem, desde logo, o
or

vestibular para Pedagogia, de cuja decisão afirmam não se arrepender.

As recordações-referências quanto à prospecção profissional


ara

Talvez em virtude de que as recordações-referências da infância


ver dit

e da adolescência impressas nessas 20 narrativas sejam em geral posi-


tivas, em especial no que se refere a dimensões ligadas à escolha pro-
op

fissional, também eminentemente positiva se apresente a prospecção de


um futuro fazer docente. A construção do que “estou sendo”, de “como
me posiciono no mundo”, é espelhada numa infância e adolescência
muito positivas, como positiva é a visão dos anos de escolaridade, da
E

convivência com familiares pedagogas – mães, avós, tias – e ex-profes-


soras que gostam da atividade docente. Ademais, as atividades que as
próprias alunas estão desempenhando como docentes (iniciantes) em
estágios não obrigatórios ou contratos emergenciais para escolas do
Sistema de Ensino de Porto Alegre têm lhes sido significativa.

Essas situações e essas condições nos permitem compreender a


Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 93

positividade do pensamento em relação ao futuro profissional, ainda


acrítica. Nas narrativas, as alunas projetam um futuro sem contradi-

od V
r
ções “em que alunos e professores se completam” e a educação tem
o papel “de educar para um mundo melhor”; de “ensinar as crianças

uto
a ‘pescar’ para que tenham um futuro mais digno”; em que ser pro-
fessora é “poder esperar o retorno afetivo de parte das crianças”; em
que ser professora possibilita “mudar o mundo pela educação”, desde

R
que “a professora exerce um papel singular na vida das pessoas”; ra-

oa
zão pela qual “a atividade docente marca definitivamente o indivíduo
em seu contexto pessoal e social”, portanto o desiderato é “contribuir
para a melhoria da educação no Brasil”; esperando-se, ipso facto “o
aC
reconhecimento da sociedade ao trabalho do professor”.
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A significação dos Memoriais de Formação


na (re)significação das recordações-referências
para a pedagoga em formação visã
As recordações referência, que retomam dimensões que apon-
tam para possibilidades de influência na escolha profissional, razão
de as alunas estarem cursando Pedagogia, e as características do
a re
itor

imaginário sobre o exercício da futura profissão, enunciadas no me-


morial escrito, provavelmente com base naquelas recordações-refe-
rências tão eivadas de positividade, demandam que o Seminário de
Investigação-Formação, na fase de compreensão e de interpretação
par

das narrativas, anteriormente explicitada, tenha o cuidado, não de


“pôr por terra” a rememoração e o narrado, em seu significado posi-
tivo, mas de, mediante um processo de reflexão mais crítica sobre a
formação de cada participante, proporcionar-lhes elementos de aná-
Ed

lise para melhor compreensão da lógica que norteia a reconstituição


dos significados desde o contexto de cada vivência, além de ensejar
são

compreensões que, partindo do conjunto das narrativas, tanto no que


têm de singular, quanto no que apresentam de plural, atinjam abs-
trações que permitam compreensões mais aguçadas sobre processos
de formação dos sujeitos, quer da própria formação, quer da forma-
ver

ção de seus futuros alunos e das consequências dessa formação para


cada um e para o contexto do social em que cada vida está inserida.
Também a fase de balanço dos formadores e dos participantes,
94

torna-se um momento em que se faz um “balanço” pessoal do traba-


lho em realização, das aprendizagens havidas, incluindo as perspec-
tivas de prolongamento da reflexão até então empreendida.

V
r
É nessas duas fases que no momento estamos trabalhando

uto
com as alunas e já podemos perceber na prática o sentido de se
retrabalhar os memoriais de formação para a (re)significação das
recordações-referências para a pedagoga em formação, procurando

R
despertar-lhes uma visão menos ingênua e mais relacional.

a
As alunas estão aprendendo na vivência do Seminário de Investi-
gação-Formação que o memorial de formação não é simplesmente um

do
relato do vivido, mas uma narrativa do experienciado, isto é, consubs-
tancia-se no interior do processo de rememoração com reflexão sobre
aC
fatos narrados, formando uma trama com sentido que possa auxiliar na

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clarificação de aspectos, dimensões e momentos da própria formação,
são
inserida na compreensão mais abrangente dos fatos narrados, relacio-
nando-os ao próprio contexto sócio-político e cultural vivencial de cada
uma. Aprenderam, igualmente, que o tempo e o espaço da narrativa não
é linear, porque a vida não tem essa natureza. Espaços geográficos dife-
i

renciados em suas vivências se imbricam com o que lhes afetou no pas-


rev

sado, rememorado nos dias de hoje, com implicações para o amanhã,


quando a rememoração tiver potência para possibilitar um projetar-se
or

como professora. Projeção, essa, sempre condicionada às possibilida-


des concretas de realização.
ara

Aprendem, assim, no Seminário de Investigação-Formação a


(re)significar o vivido e o “vir a viver”, com o olhar crítico de hoje,
ver dit

compreendendo a significação dos Memoriais de Formação na (re)


significação das recordações-referências para a própria formação
op

como futura pedagoga, futura professora.


E

Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 95

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UMA CONVERSA à
SOMBRA DAS MEMÓRIAS

od V
r
E OUTROS PERCURSOS

uto
AUTOBIOGRÁFICOS45

R
oa
Marcio Xavier Bonorino Figueiredo
Rita de Cássia Tavares Medeiros
aC
O Grupo de Pesquisa: Cultura, Infância e Educação Infantil da
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

Faculdade de Educação – Universidade Federal de Pelotas se cons-


titui num espaço de encontros com intuito de congregar educadores,
visã
educadoras, crianças, pessoas interessadas nas discussões que en-
volvam as infâncias. O objetivo é socializar as aprendizagens cons-
truídas no embate do cotidiano da educação da infância. Um palco
para relatos de experiências, trabalhos científicos, exposições, mini-
a re

cursos, reflexões, deixar que as crianças mostrem sua cara, que as


itor

poesias nos indiquem o caminhos de outras manifestações culturais.


Se pudéssemos parafrasear Manoel de Barros (2003), diríamos
que ainda queremos carregar água na peneira, porque insistimos no
olhar entre a invisibilidade, os sinais não valorizados dos pensamen-
par

tos da Infância guardada nos baús dos esquecimentos da história de


cada um. Perseguimos a criação de um espaço primordial de produ-
ção de conhecimentos na formação de educadores/educadoras. De
qual infância falamos? Que espaços de formação de educadoras e
Ed

educadores são constituídos? Que linguagens privilegiamos? Trazer


são

à tona as diferentes perspectivas para pensar a multiplicidade das


Infâncias é um dos papéis deste grupo de pesquisa.
Assim, queremos tatear as coisas das infâncias, discutir e am-
pliar as nossas visões de educação para avanços na compreensão
ver

do que temos historicamente denominado de “preocupação com as


crianças” - dilema ainda presente em nosso cotidiano.

45 Uma versão deste trabalho está publicada em espanhol na revista Entremaetr@s (34).
Uma publicação da Universidade Pedagógica Nacional, UPN, México, v.10, num.34,
outono de 2010.p.74-81.
98

Ser educadora estar em contato com o novo, com o diverso viven-


do um processo de criação e estar aberta à transformação, reeducar-se
continuamente, em comunhão com as crianças, com os pais, com a es-

V
r
cola e a comunidade, em uma relação profunda e comprometida.

uto
Estar em sintonia com o universo das crianças pressupõe estar
aberto para o universo que elas partilham. Ter coragem para viver
junto às suas emoções, curiosidades, estar disposto para acompa-

R
nhar suas idas e vindas, seu desvio, seus direitos. É admitir que o

a
lugar do protagonismo infantil ainda está calcado na adultez, como
jeito humano de organizar a sociedade: compreender que a relação

do
entre adultos e crianças ainda permanece na obscuridade dos estu-
dos, como se essa questão não tivesse qualquer importância na cons-
aC
trução cotidiana do mundo em que vivemos. A busca por esse lugar

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da infância requer, ainda, em pleno século XXI respeitar seu direito
são
de brincar, fantasiar, deixar-se aventurar no mundo desconhecido,
ter o direito de sonhar. Para que isso aconteça é necessário sentir
admiração e respeito por si, pelos outros, pelo universo.
As educadoras, os educadores que trabalham com crianças
i

precisam incorporar aos conhecimentos teóricos e técnicos, as dife-


rev

rentes linguagens das crianças e a sua própria, permitir a expressão


das emoções e experimentar as diversas formas de conhecer e inte-
or

ragir no mundo e com o mundo.


A educação das infâncias é, muitas vezes, o espaço que torna
ara

as ações pedagógicas marcadas por limites decorrentes também de


uma visão antropocêntrica restritiva e que não permite as condições
ver dit

de uma ação conjunta e integrada no processo educativo. Imobilida-


de, rotina, ignorância e falta de qualificação dos profissionais, geram
op

ansiedade, falta de fluidez para trabalhar com as crianças.


Restrições de ordem pessoal como a vergonha, a insegurança,
a timidez, a desorientação, o medo de se expor, a solidão, as contra-
dições, as marcas da infância, as verdades veladas, a falta de respei-
E

to e de confiança dos companheiros, que não iluminam as experiên-


cias de trabalho, tornam as atividades desgastantes e sem satisfação.
Interrogamos: Como romper com estas ações e viabilizar outras que
sejam integradoras e centradas na vida?
Quando se tem abertura, abertura ao outro, abertura ao grupo,
abertura ao novo, abertura à vida, temos a condição fundamental
para desencadear o processo da vida, integrado à construção dos
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 99

saberes na escola, num ambiente de cuidado, num ambiente feliz,


onde se aprenda a ser calmo, a cultivar as amizades, os vínculos, o

od V
r
amor, a conexão, a confiança, a confidência.
Colo, conhecimento de si e do outro, a cooperação, o cuidado, ex-

uto
pressam a sincronização no convívio com a criança. A ajuda, a doação,
a cooperação, o cuidado consigo e com o grupo, soma-se às condições
de perceber, relacionar-se, dar carinho, dialogar, descontrair-se.

R
Fazer o que se gosta é se valorizar. Fazê-lo com carinho, di-

oa
álogo e consideração pelo grupo, permite gostar das pessoas, do
trabalho, do ambiente de trabalho, e permite o crescimento. A sensi-
bilidade no olhar, no movimento, nos ritmos, nos cheiros, facilita a
aC
interação, o intercâmbio e as trocas.
Assim, interrogamos, em um processo de formação – que prin-
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cípios devem estar presentes?


Um espaço de formação que enfatize outras sensibilidades,
visã
capaz de muitos jeitos de parir a vida, descobertas que rompam e
transcendam os velhos estilos de educar, que substituam as ações
rotineiras, que amordaçam e matam as centelhas de esperança que
circulam nesses espaços esquecidos e descuidados.
Necessitamos vivenciar outros ritmos dos corpos, das faces,
a re
itor

dos olhares, das alegrias que teimam em desobedecer aos rituais de


morte em vida. Uma cultura com outras sabedorias e conhecimentos
esquecidos pelas educadoras que não percebem que as crianças sim-
bolizam o desabrochar da vida, do novo, da transformação vivencial
par

vibrantes e contagiantes. Não há como pensar a educação das edu-


cadoras, sem que as escolhas passem pela mudança radical do lugar
das infâncias na sua formação.
Há bastante tempo, desde a década de noventa, vimos repen-
Ed

sando a educação de educadoras da Infância. Ora através das me-


mórias e suas relíquias, ora através do olhar ao outro (filmes, livros,
são

produções infantis). O importante nessa matriz é a vivência e a re-


-criação do universo da infância nos patamares da lembrança indivi-
dual e coletiva. Quando falamos da história — individual, social ou
coletiva —, somos transportados para um cenário de lembranças...
ver

Episódios... Narrativas... Testemunhos e, também, de vivências do


tempo presente. É transitar no tempo e no espaço. Nesse sentido,
Portelli (1997, p.16) advertiu que:
100

A memória é um processo individual que ocorre em um meio


social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente cria-
dos e compartilhados. Em vista disso, as recordações podem

V
r
ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em

uto
hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são - assim
como as impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as
vozes – exatamente iguais.

R
Apoiados em Freire (1992, p.33) e impulsionados por Josso

a
(2004) vamos buscando a construção de perfis esquecidos das cul-
turas lúdicas... as quais temos guardados nos baús do esquecimento.

do
Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo mo-
aC
lhado de nossa história, de nossa cultura; a memória às vezes

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difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da adolescên-
são
cia; a lembrança de algo distante que, de repente, se destaca
límpido diante de nós, em nós [...]

Trazemos a contribuição de Brougère (1998, p. 6) para pensar-


i

mos sobre a cultura lúdica:


rev

A ideia que gostaríamos de propor e tratar a título de hipótese


or

é a existência de uma cultura lúdica, conjunto de regras e sig-


nificações próprias do jogo que o jogador adquire e domina no
contexto de seu jogo. Em vez de ver no jogo o lugar de desen-
ara

volvimento da cultura, é necessário ver nele simplesmente o


lugar de emergência e de enriquecimento dessa cultura lúdica,
ver dit

essa mesma que torna o jogo possível e permite enriquecer pro-


gressivamente a atividade lúdica. O jogador precisa partilhar
dessa cultura para poder jogar.
op

Para esse autor a cultura na qual a criança está inserida, junto


com a cultura lúdica que ela possui, provoca uma variedade enorme
E

de combinações possíveis. Essa cultura lúdica se produz e se pro-


paga de várias maneiras: ao brincar a criança vai vivenciando expe-
riências que vão constituindo sua cultura lúdica. Essa experiência
vai se enriquecendo na medida em que ela participa de brincadeiras
com outros parceiros (adultos e crianças), pela observação de ou-
tras crianças e pela manipulação cada vez maior de objetos de jogo.
Por essa razão afirma que a brincadeira é um processo de relações
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 101

da criança com o brinquedo, com outras crianças e com os adul-


tos, portanto, um processo de cultura. O uso que a criança faz do

od V
r
brinquedo, a maneira como brinca e suas preferências indicam uma
produção de sentidos e de ações. Na brincadeira, a criança se apro-

uto
pria dos conteúdos disponíveis, tornando-os seus, através de uma
construção específica. As brincadeiras variam segundo as idades, o
gênero e os níveis de interação lúdica e quando são experimentadas

R
oa
coletivamente expressam apropriações de conteúdos diferentes dos
que estão presentes numa situação individual.
Nessa direção as educadoras são aprendizes de uma cultura do
esquecimento, que precisa ser provocada, para que possam ser per-
aC
cebidos os caminhos das infâncias e para que as educadoras possam
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compreender a partir de suas narrativas as diferenças, semelhanças,


as distâncias e as aproximações entre as infâncias vividas e as in-
visã
fâncias de hoje. Tornar-se adulto é também deixar de cultivar histó-
rias que nos ligaram aos universos infantis é, de certa forma, aban-
donar aquilo que nos ensinou a Infância. No nosso entendimento,
tornar-se educadora da infância é compartilhar as memórias desses
momentos e trazer á tona as velhas questões que nos faziam crian-
a re

ças e nos distinguiam dos universos adultos. O adultocentrismo é


itor

uma das características mais marcantes das propostas pedagógicas.


Os programas, os planos governamentais de altas soluções sobre a
Infância, trazem resoluções sobre a criança, não com as crianças.
Isso não precisa ser recuperado, mas precisa ser construído nas es-
par

colas e em outros espaços educativos.


Este trabalho pretende alterar a relação crianças e adultos, no
sentido de que cada educadora ao pautar-se nas memórias e fazer
Ed

uma leitura de mundo dessas, coletivamente, possa apoderar-se de


são

sua condição de “que um dia já foi criança, pensou como tal” Afi-
nal, do que mais precisamos além de ampliar os horizontes?
Limitamo-nos à cultura lúdica infantil, mas existe também
uma cultura lúdica adulta, e é preciso igualmente situá-la dentro da
ver

cultura infantil, isto é, no interior de um conjunto de significações


produzidas para e pela criança. Novamente, Brougère (1998, p.11)
nos ajuda numa reflexão sobre isso: A sociedade propõe muitos
produtos (livros, filmes, brinquedos) às crianças. Esses produtos
contêm as representações que os adultos fazem das crianças, bem
102

como os conhecimentos sobre a criança disponíveis numa deter-


minada época. Mas o que caracteriza a cultura lúdica é que apenas
em parte ela é uma produção da sociedade adulta, pelas restrições

V
r
materiais impostas à criança.

uto
Ela também pode ser entendida como igualmente a reação da
criança ao conjunto das propostas culturais, das interações que lhe
são mais ou menos impostas. Daí advém a riqueza e a complexida-

R
de de uma cultura em que se encontram tanto as marcas das con-

a
cepções adultas quanto a forma como a criança se adapta a elas. Os
estudos vêm apontando em alguns o condicionamento, em outros,

do
a inventividade, a criação infantil. Mas o interessante é justamente
aC
poder considerar os dois aspectos presentes num processo comple-

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xo de produção de significações pelas crianças. “É claro que o jogo
são
é controlado pelos adultos por diferentes meios, mas há na interação
lúdica, solitária e coletiva, algo de irredutível aos constrangimen-
tos e suportes iniciais: é a reformulação disso pela interpretação da
criança, a abertura à produção de significações inassimiláveis às
i

condições preliminares”. (BROUGÈRE, 1998, p. 7)


rev

Então, ao buscarmos as memórias das Infâncias procuramos,


também, essas culturas lúdicas que imprimiram significação ao ato
or

de sermos crianças e assim nos distinguirmos dos adultos. Rea-


firmamos a inventividade, a imaginação como marcas indeléveis
ara

desta cultura lúdica infantil: a infância é também aquilo que as


crianças transformaram daquilo que os adultos destinaram a elas, é
ver dit

por essa razão produção e reconstrução das culturas prévias e das


culturas vindouras.
op

As relíquias das Infâncias:


objetos que nos ligam ao mundo infantil
E

Josso (2004, p. 43) sugere que ao realizarmos processos for-


mativos e de autoconhecimento trabalhemos com as descrições
sob a forma de gêneros de saber-fazer e de conhecimento. Isso
nos permitirá reagrupar o que foi aprendido em termos de nego-
ciações consigo mesmo, com seu ambiente humano, possibilitan-
do diálogos férteis entre os autores de narrativas. Figueiredo e
Medeiros (2007, p. 2) afirmam que:
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 103

Dar visibilidade aos objetos de nossas memórias, lembranças,


vivências de infinitos tempos e lugares – brinquedos, livros,
velhas roupas de crianças, fotografias, objetos de estimação,

od V
r
cartas escritas a bico de pena... Lugares onde moramos, vi-

uto
vemos, trabalhamos. Assumir a própria vida, transformar os
espaços e permitir expressar-se do seu jeito, com seus ritmos
e possibilidades. Entrar no palco virtual, um mistério a ser

R
desvendado, reconhecido como outras maneiras de se fazer

oa
educador e educadora. E ao garimpar ou peneirar as mani-
festações das memórias e as histórias de vida, através desses
objetos íntimos retirados dos baús do passado, e desta forma
abrindo espaços para muitos conhecimentos e transgredindo
as indiferenças, nos perguntamos: Por que os cenários de nos-
aC
sas memórias, lembranças e vivências - brinquedos, livros,
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fotografias, cartas, objetos de estimação - muitas vezes ficam


indiferentes nos processos de formação?
visã
Um outro aporte teórico para a construção de nossa experi-
ência vem de Walter Benjamin com sua referência ao papel de re-
construção do passado enquanto ação para mudanças no presente.
Trabalhar com registros das narrativas (orais, escritas, gestuais,
a re

pictóricas, midiáticas e outras), dentro de uma perspectiva benja-


itor

miniana, faz-nos ver o passado como um momento vivo, passível


de ser refeito e no qual o sujeito tem um papel fundamental, que lhe
permite refazer o passado, interligando-o e mudando o presente.
Souza (2007) considera necessário construir uma reflexão
par

teórico-prática com o sujeito que aprende a partir da sua própria


história. Além disso, para Souza, entender a narrativa (auto) bio-
gráfica no processo de formação e autoformação é fundamental
Ed

para relacioná-las com os processos constituintes da aprendiza-


são

gem docente. Propor a utilização do método biográfico possibilita-


-nos estreitar experiências entre teoria e prática, entre o que as
educadoras em formação aprenderam e o que desta aprendizagem
tem construído como referência no cotidiano e no seu processo de
ver

criação. A possibilidade de narrar suas histórias de vida, de tra-


zer experiências que refletem comportamentos, padrões, valores,
posturas profissionais e pessoais, são os nossos primeiros saberes
construídos sobre a docência.
104

V
r
uto
R
a
do
aC
Ilustração 1 - Objetos trazidos pelas educadoras

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‘mobilizadores da memória do brincar’
são
Com relação à construção metodológica deste trabalho trazemos a
história de vida como um ressignificar de experiências, revivendo traje-
tórias e levando à autoformação. Trabalhar com a memória dos educa-
i

dores visualizando a subjetividade dos processos de formação pessoal e


rev

profissional dos sujeitos envolvidos na pesquisa, permite-nos. Assim, o


método escolhido para a investigação foi o biográfico, no qual a história
or

de vida na modalidade oral, escrita, pictórica etc. seria uma parte do


mesmo. Ecléa Bosi (1994) diz que, ao falar em memória, somos tenta-
dos, a partir, de Bergson, a pensar na etimologia do verbo. “‘Lembrar-
ara

-se, em francês, ‘se souvenir’, significa movimento de ‘vir’ ‘de baixo’


(...) vir à tona o que estava submerso”.
ver dit
op
E

Ilustração 2 - Objetos ou representações


nas “lembranças da infância”
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 105

Ao trabalhar com as memórias buscamos uma interação das


imagens vivenciadas e a sua valorização no sentido de registrar coi-

od V
r
sas muitas vezes não ditas, mas vividas e que marcaram a trajetória
das pessoas. Na perspectiva de adentrar no imaginário social das

uto
educadoras com relação a sua profissão, perpassamos o simbólico,
as significações, os sonhos na tentativa de compreender os sentidos
dados à infância e ao seu fazer pedagógico com as infâncias.

R
oa
aC
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visã
a re
itor
par

Ilustração 3: Educador lendo uma carta


sobre as memórias do brincar.

As Estratégias (Auto)Biográficas e a Formação


Ed

das Educadoras: caminhos possíveis


são

Nessa atividade, temos como desafio trabalhar as questões da


Infância: Como a infância se constituiu historicamente como cate-
goria social e cultural, quais as características do universo infantil
ver

contemporâneo e de como podemos reverter as nossas concepções


da infância como um período áureo da vida, com características
homogêneas, para infâncias plurais, contextualizadas num tempo e
espaço. Sarmento (2007, p. 29), ao se referir à diversidade das con-
cepções de infância no mesmo espaço cultural, salienta:
106

O estudo das concepções da infância deve, por isso, ter em


conta os fatores de heterogeneidade que as geram, ainda
que nem todas se equivalham, havendo sempre, num con-

V
r
texto espaço-temporal dado, uma (ou, por vezes, mais do

uto
que uma) que se torna dominante. O Estudo dessas concep-
ções, sob a forma de imagens sociais da infância, torna-se
indispensável para construir uma reflexividade fundante de
um olhar não ofuscado pela luz que emana das concepções

R
implícitas e tácitas sobre a infância .

a
Começamos o trabalho com uma escrita decorrente de uma ta-

do
refa: “Escrevam um Livro da Vida (FREINET, 1975; 1976) de suas
lembranças mais marcantes da Infância. Transforme-o num presen-
aC
te, embrulhe e traga para nosso encontro.” As educadoras recebem

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a tarefa com certa desconfiança, medo de não saber realizar a tarefa,
são
dúvidas sobre o certo e o errado.
Nosso trabalho, nessa primeira etapa é dizer-lhes que o Livro
da Vida é delas e que com o argumento da autoria podem e têm a
liberdade de escrever fazendo escolhas das formas, imagens, cores
i
rev

que farão parte da obra. Essa visão é concebida por Célestin Frei-
net (1996; 1998). Em noventa por cento das memórias (aqui esta-
or

mos trabalhando com 59) as educadoras utilizaram a fotografia dos


álbuns de família para ilustrar o livro. Aparecem os batizados, as
festas familiares, as clássicas fotografias escolares ao lado do glo-
ara

bo, tendo como fundo a bandeira brasileira. Tudo isso em épocas


bastante distintas, do século XX, porque temos grupos de idades
ver dit

bem diferenciadas, dos vinte e um aos cinquenta e sete anos. Mas o


destaque é o brincar e os brinquedos
op

A experiência autobiográfica tem início com a escrita do livro-


-presente, prossegue com a troca entre as educadoras. O livro da
vida começa então a ciranda das leituras, a cada semana um grupo
leva uma sacola com as memórias, vai lendo, escrevendo sobre es-
E

sas memórias uma reflexão e trazendo para o grupo. Essa passagem


do processo individual para o coletivo ajuda a avançar as ideias em
torno de infâncias iguais, romantizadas e únicas, além de enfatizar
o caráter social, cultural e histórico das infâncias vividas por nós.
Outro momento interessante é a escrita das cartas sobre o brin-
quedo. Como essa categoria “brincar” “brinquedo” “brincadeiras”
tem aparecido fortemente nas memórias, temos colocado como tare-
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 107

fa o momento da narrativa dos brincares: “Vocês vão escrever uma


carta contando uma experiência forte com um brincar na infância,

od V
r
seja pela ausência, pelo desejo ou pela brincadeira em si. Vocês de-
vem escrever a carta, que será lida pelo grupo, silenciosamente, de

uto
mão em mão, mas também deverão trazer o brinquedo, ou o ato de
brincar, ou algum objeto que lembre a experiência vivida”.
Esse tem sido um dos momentos mais fortes do trabalho

R
com os grupos, porque traz à tona as lembranças de momentos

oa
inesquecíveis do brincar e traduz em culturas das mais diferen-
tes em épocas distintas a função e o papel que o brincar tem na
produção da infância, ainda que, como vimos anteriormente, com
aC
as influências do mundo que os adultos “escolhem, preparam e
tentam definir” para as crianças. Por tudo isso, ainda desejamos
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investir no trabalho de formação das educadoras, tendo como gê-


nese a autobiografia das infâncias, por nós compreendida como
visã
mola propulsora, impulso e modo reflexivo de estar envolvido
com a educação em difíceis tempos.
a re
itor
par
Ed
são
ver
108

Referências

V
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visã
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itor
par
Ed
são
ver
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
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A AFETIVIDADE COMO
FACILITADORA DO ENSINO

od V
r
E DA APRENDIZAGEM

uto
Raquel Bastos Trindade

R
oa
Não há educação sem amor. O amor implica
aC luta contra egoísmo. Quem não é capaz de amar
os seres inacabados não pode educar. Não há
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educação imposta, como não há amor imposto.


Paulo Freire
visã
A partir das leituras que realizei enquanto bolsista de uma pesqui-
sa intitulada “Garimpando imagens, memórias, representações e arqué-
tipos de alunas em formação inicial do Curso de Pedagogia da UFPel:
um estudo longitudinal (2006/2009)” e do trabalho que venho desen-
a re
itor

volvendo na disciplina “Práticas Educativas IX”, começo este texto na


tentativa de refletir sobre a importância do afeto na sala de aula.
Alguns autores como Marie-Christine Josso (2004), Delory-
-Momberger (2008), juntamente com outros autores, vêm me ajudando
par

a pensar sobre este tema que ora me proponho a apresentar. Vou discor-
rer a partir dos seguintes questionamentos: qual a importância do afeto
na sala de aula? Como os alunos têm vivenciado suas emoções? Onde
está a ação desejante do aluno no que se refere à escola?
Ed

Estes questionamentos vêm me acompanhando desde o pré-


são

-estágio até o estágio que realizei em uma Escola Municipal de En-


sino Fundamental de Pelotas.
Penso que minhas dúvidas tenham sido movidas devido ao
meu trajeto de formação, uma vez que tive a oportunidade de parti-
ver

cipar do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Imaginário, Educação


e Memória (GEPIEM), no qual as histórias de vida, juntamente com
o imaginário, formam o eixo central das pesquisas. Para contextu-
alizar um pouco mais a origem dos meus questionamentos, farei
breves recortes da pesquisa da qual fui bolsista e sujeito, na qual
112

o objetivo foi exercitar a compreensão sobre como as imagens, as


representações e os arquétipos vêm influenciando a formação inicial
de professores. Também problematizar o quanto estas marcas, ainda

V
r
hoje, estão presentes e de algum modo são fomentadoras das apren-

uto
dizagens no decurso da formação.
No decorrer da pesquisa, tive a oportunidade de entender que
o mais importante para ser uma educadora, com uma formação mais

R
ampla, era trabalhar o simbólico a partir dos diferentes pontos de

a
vista, os quais são inerentes à Formação do Educador. Ou seja, valo-
rizar os aspectos mais técnicos – métodos – necessários ao oficio da

do
prática docente, bem como os aspectos subjetivos, os quais acabam
por movimentar tais ofícios. Dentre estes cito a afetividade.
aC
Conceituar afetividade sempre foi algo fácil, mas ao mesmo

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tempo difícil, pois muitas pessoas a definem melhor sentindo e não
são
falando, descrevendo. Porém, na minha visão, a afetividade é repre-
sentada pela relação de carinho e/ou cuidado que se tem pelas pesso-
as e, também, pode ser representada pelo modo como as pessoas são
afetadas pelas coisas do mundo, seja ele interno e/ou externo. Ou
i

seja, é através da afetividade que vamos expressar nossas reações


rev

nas mais diversas situações do dia a dia.


Nesse sentido, entendemos que as contribuições dos estudos que
or

advêm do campo teórico do imaginário lançariam diferentes leituras


capazes de dar conta de elementos subsumidos na formação da educa-
ara

dora, a exemplo dos reservatórios que segundo Machado da Silva “...


agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real
ver dit

que realizam o imaginado, leituras da vida... ( 2003, p.11-12)


O trabalho desenvolvido no Curso de Pedagogia, nos diferentes
op

papéis desempenhados, propiciou para que eu, enquanto “aprendiz de


professora”, pudesse entrar em contato com diversos estudos sobre
aprendizagem: métodos de alfabetização, aspectos políticos, questões
de gênero, dentre outros, não menos importantes. Porém, a atuação
E

como bolsista de pesquisa permitiu que eu pudesse ampliar o meu olhar


sobre a educação, uma vez que para Josso (2004) o campo de formação
de professores não pode limitar-se aos aspectos mais técnicos desta for-
mação, necessitando, também, de uma melhor compreensão sobre os
processos pelos quais as pessoas se formam.
Durante meu estágio, pude perceber que muitas crianças têm
dificuldade em aprender os conteúdos escolares e algumas chegam
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 113

realmente a não aprender e a não entender o que lhes é ensinado,


chegando até mesmo a receber rótulos de alunos menos inteligentes.

od V
r
Contudo, o que acontece, em alguns casos, é que alguns educadores
não percebem que estes alunos estão carentes afetivamente e, por

uto
isso, acabam não apresentando um bom rendimento na escola, uma
vez que nossa mente não internaliza somente os aspectos cognitivos,
mas também os emocionais.

R
Com isso, não estou dizendo que somente a afetividade resol-

oa
veria o problema de quem não aprende. Mas, certamente, a constru-
ção de uma boa autoimagem e de vínculos afetivos podem ajudar.
Este tem sido um tema recorrente – o da afetividade – mas tal-
aC
vez pouco exercitado na formação inicial de professores. Podemos
observar que tal formação tem sido exaustivamente estudada; no
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entanto, temos nos ressentido com a ausência de olhares, leituras e


análises que apresentem um espectro que possibilite uma visão mais
visã
alargada e aprofundada sobre o papel facilitador que a afetividade
exerce na escola.
A importância da afetividade foi percebida a partir do trabalho
(auto)formativo realizado na já referida pesquisa, o qual possibili-
tou refletir sobre meu trajeto educativo na escola. Neste trajeto, fica
a re
itor

evidente a relevância da afetividade nas relações vividas. Essa afeti-


vidade era tida como incentivo para aprendizagem enquanto aluna;
aspecto este que penso ser importante na constituição do meu ser
professora e que procurei valorizar em minha prática.
par

A esse respeito, Josso (2004) nos diz que a ressignificação do


nosso itinerário de vida pode acontecer através do uso das narrati-
vas, pois elas nos permitem distinguir as experiências que tivemos
coletivamente partilhadas e as experiências que tivemos individual-
Ed

mente; experiências únicas, das experiências em série. Desta forma,


as experiências nos ajudam a avaliar uma situação e/ou um novo
são

acontecimento. A referida autora sugere que, para entendermos o


modo como ocorrem essas experiências, devemos analisar as se-
guintes modalidades:
• Ter experiência: referem-se àqueles acontecimentos que ti-
ver

vemos e que acabaram se tornando significativos em nossas


vidas, mesmo sem tê-los provocado;
• Fazer experiência: são aqueles acontecimentos que nós
mesmos provocamos;
114

• Refletir sobre a experiência: refere-se à reflexão sobre os dois


itens anteriores, ou seja, tanto sobre os acontecimentos que
não provocamos quanto os que nós mesmos provocamos.

V
r
uto
A análise destas etapas possibilita a reconstrução de nossa ex-
periência de vida e, numa visão autorreflexiva, busca compreender
as trajetórias tanto individuais quanto coletivas, não perdendo de

R
vista o próprio processo de formação, fazendo emergir as repre-

a
sentações sobre ser professor que habitam o imaginário das alunas;
imaginário este que se revela através das nossas crenças, valores,

do
dos nossos sonhos, dos significados que atribuímos aos fatos.
Como poderemos evidenciar nas falas a seguir, os professores
aC
exercem muitas influências na vida de seus alunos:

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são
“Na primeira série, o que me marcou foi a falsa promessa fei-
ta pela professora, que prometeu voltar à escola e nunca mais
apareceu. Acredito que este fato me tornou uma aluna tímida
com relação ao meu comportamento voltado às professoras das
i

séries seguintes.” (Luisa)


rev
or

“Um menino chegou para mim e disse assim: “Eu não quero
passar”. E a gente perguntou: ”Mas porque não quer passar?
Todo mundo quer passar”. Ele disse: “Eu não quero passar por-
que eu não gosto da professora do 2º ano”. Poxa, saber assim,
ara

que algum dia um aluno pode dizer isso de mim. Ah! Aquilo
dói. Dá vontade de mudar isso.” (Afrodity)
ver dit

As falas das aprendizes de professora permitem inferir que a


op

relação entre professor-aluno é muito mais complexa do que, muitas


vezes, possamos imaginar. Por isso, seria importante que os educa-
dores pudessem entender que o lugar que eles ocupam perante aos
alunos não é apenas o daquele que ensina os conteúdos do currículo,
E

pois muitas vezes eles são vistos como exemplos a ser seguidos, in-
terferindo não só no aspecto cognitivo de seus alunos, mas também
na construção de seus repertórios.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 115

Nesse sentido, Pimenta (1999) afirma que

od V
a construção do ser professor inicia antes de nos inserirmos num

r
processo formal de ensino, temos representações do que seja um

uto
professor, uma escola, uma aula e essas imagens compõem os sa-
beres que serão utilizados na atuação profissional (p.262).

R
Concordando com a autora, pensamos o imaginário como

oa
uma força afetiva que tem suas raízes em nossa infância e, também,
como impulso para apropriação dos futuros saberes.
Nessa perspectiva, temos a oportunidade de ver que nossos
alunos, os quais já tiveram várias experiências ao longo de suas vi-
aC
das, farão uso destas para dar sentido, ou não, aos conteúdos esco-
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lares e às suas ações na sociedade. Estas ações na sociedade serão


reveladas através do imaginário de cada indivíduo. Segundo Juremir
visã
Machado da Silva (2004), o imaginário é um reservatório-motor,
uma vez que é neste reservatório que estão acumuladas todas as nos-
sas experiências, nossas crenças, nossos valores, ou seja, é o imagi-
nário que vai determinar a maneira como vamos lidar com as mais
diversas situações da nossa vida.
a re

O nosso imaginário não é algo pronto, acabado, conforme afir-


itor

ma o autor

[...] é uma construção coletiva, resultante de cruzamentos


infinitos e constantes, de permanentes práticas sociais onde
par

os grupos e os indivíduos fazem recortes e apropriações des-


ses cruzamentos, que são sempre provisórios, porque nin-
guém tem um Imaginário permanente, porque ninguém será
sempre a expressão de um mesmo Imaginário, ninguém se
Ed

mantém único (2004, p. 29).


são

Somente ao ter consciência de que exercem influência na vida de


seus alunos é que os professores poderão (re)pensar o modo como estão
construindo a sua prática docente, tendo a possibilidade de apresentar
aos alunos outra visão a respeito do ensino/aprendizagem.
ver

Um dos diversos caminhos possíveis para que isso ocorra é


realizar um trabalho diferenciado que leve em conta a singularidade
de cada um. Este trabalho poderá ter como ponto de partida as his-
tórias de vida dos educandos, pois, assim, estaremos possibilitando
116

que os alunos façam relações e atribuam significados entre as suas


experiências de vida e as experiências que estão tendo na escola.
Como vimos, a escola não deve negar os saberes que os alunos

V
r
trazem para a sala de aula, já que estes são instrumentos-motores

uto
para uma aprendizagem recheada de sentido e significado e, tam-
bém, são a porta de acesso ao coração dos alunos.

R
Como isso se reflete no projeto-professora?

a
Conforme havia dito anteriormente, começo a ensaiar os meus

do
primeiros passos como professora em uma turma de 3ª série do En-
sino Fundamental de uma Escola Municipal de Pelotas. O estágio
aC
teve início no primeiro trimestre de 2010, decorrente de uma prática

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realizada no ano anterior, na qual tivemos a oportunidade de ter um
são
contato prévio com a turma que iríamos assumir, para que assim já
fossemos conhecendo o modo como aqueles alunos se organizavam,
o que estavam aprendendo, quais suas facilidades e dificuldades,
dentre outros. Este primeiro contato com os alunos foi muito impor-
i

tante, pois tivemos a oportunidade de criar vínculos com eles.


rev

Os primeiros encontros ocorreram timidamente, tudo era no-


vidade: a escola, os alunos e, neste momento, ainda não sabia muito
or

bem como seria a aceitação da turma com a nova professora.


Após os primeiros contatos com a turma, fui tendo a oportuni-
ara

dade de ir conhecendo mais os alunos: quem eram? Do que gostam


e do que não gostam? Como eram as suas infâncias? Enfim, fui
ver dit

aprendendo um pouco sobre suas histórias de vida.


Logo de início, percebi que havia um aluno que era muito
op

tímido, eram raros os momentos em que ele participava das ativida-


des. Confesso que no início fiquei sem saber como agir, mas tam-
bém sentia a necessidade de fazer algo, pois na minha sala de aula
aquele aluno não iria passar despercebido.
E

Para pensar em uma prática diferenciada perante aquela turma,


lancei mão de tudo o que havia aprendido participando da pesquisa
citada neste texto e, também, dos conhecimentos que o Curso de
Pedagogia havia me proporcionado durante quatro anos. As melho-
res formas que encontrei foram: a valorização da história de vida
de cada aluno (respeitando suas opiniões, utilizando as suas expe-
riências como motores para o ensino, dentre outros) e, também, a
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 117

afetividade como facilitadora do ensino. Mas quando falo em afeto,


não estou me referindo àquele afeto permissivo onde tudo pode, mas

od V
r
sim àquele afeto que também “impõe” limite, que constrói as regras
junto com os educandos.

uto
Sabemos que o estudo sobre afetividade na sala de aula não é
nenhuma nova teoria pedagógica nem tampouco a mais nova desco-
berta científica, porém trata-se de algo que acompanha o ser humano

R
desde seu nascimento. Todavia, em muitos momentos, tem passado

oa
despercebido nas relações humanas.
Nossos impulsos emocionais têm início no afeto. Segundo
Cunha (2008), na sua definição etimológica, o afeto não é neutro,
aC
podendo exprimir um sentimento de agrado ou desagrado em dife-
rentes graus de complexidade.
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Sabemos que o nosso aprendizado não ocorre de forma isolada


dos sentimentos ou das relações interpessoais e, sim, por proces-
visã
sos carregados de afetividade, diferenças culturais, crenças, valo-
res, dentre outros. Justificando a maneira de perceber o processo
de ensino-aprendizagem, dando ênfase às relações interpessoais e
ao crescimento que delas resulta, centrado no indivíduo e em seus
processos de construção do conhecimento.
a re
itor

Meu objetivo, naquele momento, muito mais do que ensinar os


conteúdos, era conquistar aqueles alunos através do afeto, para que
houvesse, assim, uma maior facilidade no ensino e na aprendizagem
daqueles educandos.
par

Lancei mão de diversas estratégias: incentivo ao diálogo, tra-


balho com poesias, elaboração do livro da turma, trabalhos coope-
rativos, hora da novidade, dentre outros - para que meus alunos re-
almente sentissem prazer em ir até a escola e em estudar e, também,
Ed

para que vissem a sala de aula como um “território seguro”, no qual


eles poderiam expressar livremente suas ideias.
são

Para conquistar os alunos, utilizei diferentes formas de aborda-


gens, porém todas permeadas pela afetividade.
Pedro46 demonstrava certo descontentamento em estar na sala
de aula, e sempre dizia que não conseguia aprender, que não sabia
ver

nada de português, matemática, e este mesmo aluno apresentava di-


ficuldade em relacionar-se com os demais colegas. Confesso que
sentia certa angústia por não conseguir chegar mais perto dele e,

46 Nome fictício que dei ao aluno.


118

também, por não conseguir despertar naquele aluno o prazer por


estar na escola. Certo dia, pedi para olhar seu caderno. Depois de
muito relutar, consegui sentar ao seu lado e no lugar da matéria que

V
r
estava sendo dada, encontrava diversos desenhos de dinossauros

uto
acompanhados por algumas poesias.
A partir deste momento, passei a dedicar alguns períodos para
que os alunos pudessem criar as suas poesias, as quais fariam parte

R
do livro da turma. Ao final de cada aula, sempre pedia para um alu-

a
no ler o que havia produzido. Nestes momentos de socialização das
produções, passei a elogiar muito os trabalhos dele, mostrando o

do
quanto ele era inteligente, que ele desenhava e escrevia muito bem.
Os demais colegas sempre gostavam e pediam para que Pedro lesse
aC
suas poesias. Aos poucos, fomos modificando a rotina de trabalho,

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e os alunos passaram a produzir textos em grupos, cujo intuito era
são
que, juntos, os educandos conseguissem dialogar e evoluir no pro-
cesso de aprendizagem.
A meu ver, os trabalhos em grupo foram de extrema importân-
cia por dois motivos: o primeiro é que através deles os alunos pude-
i

ram estreitar ainda mais os laços afetivos. Já o segundo motivo foi o


rev

trabalho colaborativo, uma vez que os educandos precisavam trocar


ideias, dialogar, respeitar a opinião do outro, escutar e ser escutados,
or

para que pudessem chegar ao término da atividade.


Essa metodologia partiu das teorias de Vygotsky, que afirmava
ara

que o ser humano é essencialmente social e que a interação entre os


sujeitos é de grande importância para a aprendizagem, pois há troca
ver dit

de conhecimentos. E para que as interações ocorressem de forma


harmoniosa e prazerosa, era necessária uma boa relação e respeito
op

entre os alunos.
Sobre a importância da interação para o aprendizado, que para
mim é caminho para a construção de uma boa autoestima, e, portan-
to, de boas relações afetivas, Oliveira afirma que:
E

Com relação à atividade escolar, é interessante destacar que


a interação entre os alunos também provoca intervenções
no desenvolvimento das crianças. Os grupos de crianças são
sempre heterogêneos quanto ao conhecimento já adquirido
nas diversas áreas e uma criança mais avançada num deter-
minado assunto pode contribuir para o desenvolvimento das
outras. (1997, p. 64)
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 119

Ao longo deste processo, fui percebendo a importância de es-


cutar o outro, de estar atenta e de ceder lugar para os alunos ex-

od V
r
pressarem o que pensam sobre determinado assunto. Com o passar
do tempo, já “era possível perceber as transformações dos relacio-

uto
namentos através dos vínculos afetivos, trazendo a diferença nos
momentos da interação dos encontros” (NEUMANN, 2010, p. 60)47,
estabelecendo-se uma relação de respeito e confiança entre os alunos

R
e a professora. Tal relação só se tornou possível a partir do momento

oa
em que a afetividade começou a ser parte da realidade daquela tur-
ma, fazendo, assim, com que o processo de ensino e aprendizagem
se tornasse mais prazeroso e motivador.
aC
Os alunos tinham mais facilidade de expor suas opiniões e
dúvidas, o que facilitou o rendimento das aulas. Os trabalhos em
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grupos tornaram-se mais frequentes (é claro que, ao se trabalhar em


grupo, os alunos ficam mais agitados), porém realizavam as ativida-
visã
des de maneira satisfatória, conseguindo alcançar, na grande maio-
ria, os objetivos da atividade.
A partir desse ensaio como aprendiz de professora, pude re-
afirmar a importância da afetividade na relação professor-aluno,
aspecto este que só foi percebido através da releitura de minha
a re
itor

trajetória escolar.

Tentando responder às minhas questões


par

Partindo do pressuposto que a aprendizagem é um processo


social, no qual se estabelecem vínculos entre os sujeitos, a afetivida-
de assume papel importante na relação aluno – professor.
Poderá alguém educar se não acreditar em quem está a apren-
Ed

der? Segundo Cunha (2008), o amor lança fora as incertezas. Os alunos


percebem quando o professor neles acredita, são capazes de captar as
são

incongruências entre a nossa fala e atitude. São mestres nessa matéria.


No decorrer do estágio, fui me descobrindo a cada situação praze-
rosa e inusitada que surgia, mas, acima de tudo, me descobri buscando
novos olhares para o ensino e sentindo-me como uma pessoa capaz
ver

de aceitar os desafios que foram se apresentando. E, sobretudo, pude


constatar que a relação afetiva entre professo–aluno acaba por refletir
diretamente nos resultados de aprendizagem, uma vez que aquele aluno

47 Dissertação de mestrado de Márcia Knabah Neumann, integrante do GEPIEM.


120

acaba vendo seu professor como um modelo, um exemplo a ser seguido


e evitando, de todas as formas, causar algum “problema” a ele, como,
por exemplo, não brigar com os colegas, realizar todas as tarefas solici-

V
r
tadas, respeitar o professor, dentre outros.

uto
Durante minha prática, percebi que só consegui realizar este
trabalho voltado para a afetividade, por ter conseguido unir o que
aprendi em sala de aula durante os quatro anos de Curso com a ex-

R
periência de ser bolsista.

a
A afetividade sempre esteve presente em minhas relações na es-
cola. Ela era tida como o alicerce principal para sustentar o modo como

do
me relacionava com o outro, uma vez que somente isso me transmitia
segurança para que esta relação existisse de forma integral.
aC
Hoje sei que trabalhar os conteúdos escolares de forma mais

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dinâmica é importante, porém somente este detalhe não basta. Para
são
tal, a sala de aula precisa ser vista como um lugar de possibilidades,
reflexões, trocas e encantamentos. O trabalho de um educador de-
veria ser permeado pela afetividade; caso contrário, o processo de
ensino e aprendizagem torna-se frio e desmotivado.
i

Nessa perspectiva, como futura educadora, poderei oportuni-


rev

zar aos alunos momentos para que possam visualizar e valorizar as


várias experiências que tiveram ao longo de suas vidas, com o ob-
or

jetivo de atribuir sentido ao que aprendem. Tornando a sala de aula


um lugar de possibilidades, reflexões, prazeres e encantamentos.
ara
ver dit
op
E

Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 121

Referências

od V
r
uto
CUNHA, Eugênio. Afeto e aprendizagem: relação de amorosi-
dade e prazer na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak, 2008.
DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e Educação: figuras

R
do indivíduo-projeto. Natal, RN : EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.

oa
NEUMANN, Márcia Knabah. Os vínculos afetivos na sala de aula do
Ensino Fundamental: Leituras de uma professora com as lentes do
Imaginário. 2010. 101f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Facul-
dade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, UFPel.
aC
JOSSO, Marie - Christine. Experiências de Vida e Formação. São
Paulo: Cortez, 2004.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotysk: aprendizagem e desenvol-


vimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.
visã
PIMENTA, S. G. (org.). Saberes Pedagógicos e Atividade Docen-
te. São Paulo, Cortez, 1999.
MACHADO DA SILVA, Juremir. As tecnologias do imaginário.
Porto Alegre: Ed. Sulina, 2003.
a re

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itor

(org.). Imaginário: o “entre-saberes” do arcaico e do cotidia-


no. Pelotas: UFPEL, 2004.
par
Ed
são
ver
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
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A ESCRITA COMO
DISPOSITIVO NA FORMAÇÃO

od V
r
DE PROFESSORES

uto
R
Valeska Fortes de Oliveira

oa
Primeiras palavras...
aC
A escrita configura-se como um dispositivo48 de formação e
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autoformação no espaço formativo da educação. Nas pesquisas que


temos realizado com professores na formação inicial, realizadas no
visã
espaço da universidade e fora dele, operamos com a escrita como
uma ferramenta que coloca os sujeitos implicados como “pesquisa-
dores de si”. Nesse sentido, a investigação inicia com um processo
de aproximação das representações e dos saberes construídos nas
suas trajetórias de vida e estende-se a um processo de autoconhe-
a re
itor

cimento e de autoformação. Tendo como referência dois conceitos


operadores, tomados das reflexões de Michel Foucault (1995), o
“cuidado de si” e “as tecnologias de si”, trazemos as contribuições
dessa produção do autor para o território da narrativa, tomando-a
par

como um dispositivo onde o sujeito, provocado / implicado por um


outro, se coloca num processo de experimentação de si.
A memória, tomada por nós como trabalho, é acionada no sen-
tido de reconstruir imagens, acontecimentos e experiências, produ-
Ed

toras de sentido à pessoa que se dispõe ao exercício da “escrita de


são

si”. Operamos também com a memória–esquecimento de Nietzsche,


na produção da narrativa como uma forma de “cuidado de si”. O
esquecimento, que se configura como necessidade para dar vazão a
48 Dispositivo é uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos, atua-
ver

liza virtualidades e inventa o Novo Radical. (...) Um dispositivo compõe uma máquina semiótica
e uma pragmática e se integra, conectando elementos e forças (multiplicidades, singularida-
des, intensidades) heterogêneos que ignoram os limites formalmente construídos das entidades
molares (estratos, territórios instituídos etc.). Os dispositivos, geradores da Diferença Absoluta,
produzem realidades alternativas e revolucionárias que transformam o horizonte do considerado
Real (BAREMBLITT, Gregório F.; MELO, Cibele R. de . In: BAREMBLITT, Gregório F. Compêndio
de análise institucional e outras correntes: teoria e prática, 1992, p.151)
124

outras formas de vida. Referimo-nos, quando falamos de um sujeito,


para além e muito longe de um sujeito unitário, mas próximo de um
sujeito que se constitui através de práticas discursivas, práticas estas

V
r
sempre constituídas pelas redes de poder.

uto
Pensando na possibilidade da experiência ética e estética – co-
locando a vida como “obra de arte” (NIETZSCHE), a escrita de si é
uma experiência na qual o sujeito, a partir de uma máxima: “ocupa-

R
-te de ti mesmo”, através de um movimento que o coloca na cons-

a
trução/ desconstrução de acontecimentos, imagens e representações,
pode produzir a invenção de si.

do
É com esta perspectiva e a partir deste movimento que te-
mos utilizado a produção da narrativa de vida nos espaços de
aC
formação da universidade e fora deles, revisitando imagens,

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modelos, comportamentos, processos de socialização, valores e
são
práticas docentes. A partir desta experimentação – a produção
da narrativa – podemos, no movimento de relembrar e esque-
cer, tentar criar outras possibilidades, outras referências na nossa
construção como pessoa e como professor.
i

Na tentativa de pensar a escrita como aventura e como dispo-


rev

sitivo, compartilho com Marques (2006, p.41), quando aponta que


or

Para o entendimento e melhor agenciamento do ato de escrever,


esse recurso à psicanálise, se fará mais convincente à medida
que consiga ela desvencilhar-se de sua tara de origem, isto é,
ara

do paradigma cientificista sob cuja égide nasceu, e à medida


que se aproxime de um novo paradigma ético-estético, como
ver dit

o preconizado por Guattari (1993, p.183 -203), em que passa a


primeiro plano uma relação de alteridade em processo, a criati-
op

vidade implicando responsabilidade moral ampliada.

É a partir deste paradigma que pensamos na escrita como dis-


E

positivo. Como uma experiência que traz a questão da alteridade e


do cuidado de si, como uma implicação ética e estética da pessoa
consigo e com o seu coletivo. No contexto das investigações que te-
mos realizado, esta pessoa é o professor e o seu coletivo, a profissão.
Os percursos no conhecimento de si, na experiência de se colocar no
movimento da escrita, procuram visualizar os percursos coletivos.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 125

A relação consigo mesmo, com a presença do outro – o ou-


tro como mediador, como intercessor – é a experiência da viagem

od V
r
que reconstrói do presente, que esquece, que nega, que se (re)
visita. É a viagem que, como um exercício do desassossego que

uto
está em “por-se” a descoberto.

A escrita de si como um processo

R
de conhecimento e formação

oa
Como pesquisadores de – e através de – suas histórias de vida,
chegamos aos saberes que os(as) professores(as) em formação vêm
aC
construindo ao longo de suas trajetórias pessoais, nos diferentes espa-
ços / lugares e tempos formativos: a escola, a família, os grupos sociais.
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A formação, nessa perspectiva, toma o sentido do que Foucault


(1995, p.48) chamava de “Tecnologias do Eu” como
visã
aquelas que permitem aos indivíduos efetuar, por conta pró-
pria ou com a ajuda dos outros, certo número de operações
sobre seu corpo, sua alma, pensamentos, conduta, ou qual-
quer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si
a re

mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade,


itor

pureza, sabedoria ou imortalidade.

Neste sentido, o autor nos mostra que tais tecnologias, na ver-


dade, dependem de diversas formas de aprendizagem e, sobretudo,
par

da mudança dos indivíduos não apenas em seu nível mais evidente.


Ou seja, tal mudança deve se dar não apenas no nível da aquisição
de habilidades, mas na transformação de determinadas atitudes, que
implica em uma modificação na conduta dos indivíduos.
Ed

Os processos nos quais as pessoas estão colocadas em refle-


são

xão consigo mesmas, acionam dispositivos de “cuidado de si”49,


de produção de si. Os registros trazidos na escrita pelo trabalho da
memória e também pelo esquecimento trazem à tona os processos
formativos significativos e as aprendizagens neles construídas. Nas
ver

narrativas, percebemos os deslocamentos de sentidos numa trajetó-

49 Sobre o uso deste conceito na pesquisa com professores remetemos ao trabalho de KUREK,
Deonir Luís e OLIVEIRA, Valeska Fortes de. O “cuidado de si” na produção da subjetividade
docente. In: VASCONCELOS, José Gerardo e MAGALHÃES Jr., Antonio Germano (orgs.) Um
Dispositivo chamado Foucault. Fortaleza: LCR, 2002. (Coleção Diálogos Intempestivos – 5)
126

ria pessoal e profissional, bem como os movimentos identificatórios.


A narrativa de si nos faz adentrar em territórios existenciais, em
significados construídos sobre a docência e sobre as aprendizagens

V
r
elaboradas a partir da experiência de aluno(a).

uto
De posse dos materiais produzidos pelas narrativas, é possível
questionar as marcas e os modelos, tanto de docentes quanto de prá-
ticas educativas, registrados e reelaborados pela memória, refletindo

R
a partir da sua pertinência no tempo presente e das possíveis inércias

a
que não viabilizam movimentos capazes de instituir outras possibi-
lidades de vida. Nossos processos formativos acontecem em lugares

do
/ tempos diferentes, e a memória realiza um trabalho privilegiado ao
reconstruí-lo como “recordações-referências constitutivas das nar-
aC
rativas de formação.” (JOSSO, 2002, p.31).

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As histórias da nossa infância e dos nossos processos de es-
são
colarização são revisitadas no sentido das referências construídas:
temos recursos experienciais e também representações sobre esco-
lhas, influências, modelos, formação de gostos, estilos, o que é sig-
nificativo para a reflexão sobre o que somos hoje e como nos consti-
i

tuímos no que somos e para as possibilidades autopoiéticas que nos


rev

singularizam (ou não) como pessoas e professores.


Do conhecimento do que somos e como nos constituímos já es-
or

tamos na possibilidade de experiência de si, da “tecnologia del yo”,


“en que un individuo actúa sobre sí mismo” (FOUCAULT, 1995, p.49).
Esta tentativa de entender como nos produzimos no que somos hoje
ara

é uma experiência que nos afasta de concepções que se dispõem a


prescrever o que os outros devem ser. Ao contrário, nos propomos a
ver dit

conhecer o que os outros e nós mesmos podemos ser, a partir de de-


terminados contextos sócio-culturais. Na tentativa de produzir sentidos
op

também para nossas vidas como pessoas e como professores, temos


de procurar escutar e escrever nossos desejos, nossos sonhos, nossas
representações, tentando, nos espaços possíveis de experimentação, nos
deixarmos atravessar por aquilo que temos investigado.
E

A experiência como um conceito operatório


e articulador da narrativa

A análise arqueológica, complementada pela prática genealó-


gica dos anos setenta, traz a perspectiva histórica para o conceito de
experiência em Michel Foucault. Nesse período, até 1984, os con-
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 127

ceitos de experiência e subjetividade estarão cada vez mais corre-


lacionados. “É experiência que é a racionalização de um processo,

od V
r
dele próprio provisório, que termina num sujeito ou em vários sujei-
tos.” (FOUCAULT, 1984, p.137).

uto
O conceito de experiência em Foucault, “aproximando-a de
uma atitude histórico crítica, a partir da qual um indivíduo relacio-
na-se consigo mesmo e com os outros, consistirá um espaço de ação

R
no qual serão constituídos sujeitos históricos segundo processos de-

oa
finidos historicamente.” (NICOLAZZI, 2004, p.104).
Estamos falando de um trabalho “histórico-crítico”(NICOLAZZI,
2004) sobre as relações que o indivíduo estabelece consigo mesmo
e através das quais ele se reconhece e se produz como sujeito, tendo
aC
como referência os jogos de verdade dos quais faz parte. É o processo
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de subjetivação do indivíduo que, segundo Foucault (1984, p.12), “o ser


se constitui historicamente como experiência, isto é, como podendo e
devendo ser pensado”. visã
As “técnicas de si”, exercitadas a partir de uma “estética da exis-
tência” tem referência tanto numa arte de governar os outros, no exer-
cício de seu poder, como uma arte de governar a si mesmo, na prática
da liberdade. A partir da noção de “regiões da experiência”50, Foucault
a re

nos permite pensar que os indivíduos, no processo de constituição de


itor

si mesmos enquanto sujeitos de uma experiência, encontram maneiras


diferentes de agir com relação ao “código de ação”. O indivíduo é leva-
do a se transformar em sujeito moral da sua conduta. Segundo Foucault
(1984, p.28), “toda ação moral comporta uma relação ao real em que se
par

efetua”, não se restringindo, o processo de subjetivação, a uma tomada


de consciência, mas à problematização daquilo sobre o que se pensa e
mesmo sobre a forma como se pensa. A experiência, neste sentido, se
constitui num campo onde uma ação se torna possível.
Ed

A genealogia de Michel Foucault (1998) não opera com um su-


são

jeito constituinte, podendo ser pensado fora de um campo de aconteci-


mentos. “O sujeito não é mais que um acontecimento historicamente
datado, com seu começo no já começado e seu sempre iminente mo-
mento derradeiro, o qual somente aparece no corpo social por meio de
ver

práticas de subjetivação.” (NICOLAZZI, 2004, p.108).

50 “Regiões da experiência”, “eixos da experiência” – trata-se de um campo moral, historica-


mente determinado, que define as possibilidades de condutas a serem praticadas pelos
indivíduos no que diz respeito ao seu ‘uso dos prazeres’. No caso de Foucault, a experiência
da sexualidade concerne ao processo de subjetivação dos indivíduos, isto é, à constituição
de si como sujeitos de uma prática moral.
128

A narrativa que o indivíduo constrói sobre si é, então, a possibi-


lidade de operar com uma técnica de reconstrução de um sujeito his-
toricamente datado, a partir das relações e dos jogos de poder / saber

V
r
que a sociedade e o tempo onde este produz a narrativa lhe permite

uto
se movimentar. A experiência se configura também a partir da própria
historicidade e dos limites temporais que a delimitam. “Em uma ex-
pressão, experiência é a dupla construção, a de histórias pelos sujeitos,

R
a dos sujeitos nas histórias.” (NICOLAZZI, 2004, p.109).

a
Na superfície e na profundidade da narrativa, o indivíduo que
se configura em objeto da narrativa traz consigo territórios, paisa-

do
gens, acontecimentos, sendo este sujeito também um acontecimento
datado. É nisso que reside a potência transformadora da atitude ge-
aC
nealógica: em fazer “que intervenham saberes locais, descontínuos,

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desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária
são
que pretenderia filtrá-los, hierarquizá-los, ordená-los em nome de
um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma ciência
que seria possuída por alguns”, como postula Foucault (1997) em
um de seus cursos no Collège de France. “Não será a escrita crítica
i

deste presente, que já nos falta, a tarefa filosófica fundamental nos


rev

dias de hoje?” (QUEIROZ, 2004, p. 140).


Em territórios da educação, autores de tese têm se utilizado da
or

ferramenta da escrita não somente para dar vazão ao pensamento,


mas como o próprio lugar do pensamento. “É nela que o pensamen-
ara

to se faz e se desfaz, encontrando suas possibilidades de alteração”


(RATTO, 2008, p. 42). Na possibilidade de ensaiar, nos deparamos
ver dit

com a potência modificadora não apenas da relação com as ideias,


mas da própria subjetividade de quem se propõe a experiência da
op

escrita. A escrita, então, é o próprio lugar do pensamento e o lugar


da primeira pessoa.
Na possibilidade de pensar com Deleuze (1997), visualizo a
experiência de escrever como um devir, um dispositivo que nos co-
E

loca frente ao inacabado e ao nosso inacabamento, sempre em via


de fazer-se, extravasando qualquer matéria vivível ou vivida. Um
exercício de pensar o presente ou talvez, no presente, em suas vi-
vas condições de emergência. Jogar com a produção das verdades
a favor da expansão da vida em sua potência criadora e com isso
favorecer a transformação dos modos de existir.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 129

No conversar com outros e conversar consigo, escrevo para


pensar, como uma outra forma de conversar. Conversar com minhas

od V
r
lembranças e também com meus devires, possibilidades que se colo-
cam na experiência da escrita. Nessa relação consigo, em que o pen-

uto
samento é partilhado ou não, o esquecimento não é, segundo Feitosa
(2000, p.18) “desorientador ou desconcertante. Ao contrário, é nesse
estado de suspensão das ocupações e dos valores estabelecidos que

R
se abre a oportunidade para a decisão de tornar-se o que se é.”

oa
A escrita e o esquecimento
Ao pensarmos na produção de narrativa, somos levados
aC
imediatamente à noção de reconstrução, de rememoração, de tra-
balho da memória.
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A escrita, assim como a oralidade, implica o trabalho da me-


mória e, ainda, o trabalho da escrita, daquilo que pode e deve ser es-
visã
crito e do que deve ser silenciado, pois o silêncio, na perspectiva que
compartilhamos com Orlandi (1993, p.33-34), “não fala. O silêncio
é. Ele significa. Ou melhor: no silêncio, o sentido é. (...) O silêncio
não está disponível à visibilidade, não é diretamente observável. Ele
passa pelas palavras. Não dura. Só é possível vislumbrá-lo de modo
a re
itor

fugaz. Ele escorre por entre a trama das falas”.


Entre as inclusões que fomos fazendo no trabalho com o uso
das narrativas, orais e escritas, está a fotografia e aquilo que esse
tipo de imagem aciona nos processos em que a memória é estimu-
par

lada a trabalhar e a reconstruir lembranças / imagens / sentidos. As


imagens fotográficas nos falam de tempos, de lugares, de aconteci-
mentos e de experiências. O processo de reavivamento das lembran-
ças através de um trabalho mais refinado da memória é visualizado
Ed

nos nossos projetos de investigação / formação de professores. Os


baús, as caixinhas e os álbuns, ao serem trazidos para os trabalhos
são

de escrita autobiográfica, permitem que as pessoas reconstruam


imagens com mais detalhamento e sentimento.
Uma outra forma de utilização da fotografia e da escrita de si
pelos participantes das nossas pesquisas ocorre no espaço de vivên-
ver

cia e de experimentação, onde os dois dispositivos – a fotografia e


a escrita – possibilitam uma aproximação das representações e dos
saberes construídos pelos professores, ao longo de suas trajetórias
de vida pessoal e profissional.
130

Concordamos, assim, com Kramer (2001, p.177-8), quando


ela diz que

V
r
Nesta relação da fotografia com a memória, a narrativa e a lei-

uto
tura / escrita, as imagens antes fixadas pelo acervo fotográfico
dialogam com o acervo imagético do pesquisado. Cada histó-
ria, cada fragmento, cada foto, cada olhar constitui-se no mo-
vimento de refotografar as imagens já fotografadas pela lente.

R
a
Nos nossos trabalhos, as “pesquisadoras de si” têm sido as mu-
lheres professoras ou as professoras mulheres. Lembro até hoje que,

do
num dos primeiros projetos que realizamos numa escola municipal
aC
de Santa Maria, uma das colaboradoras perguntou o que ela teria de
tão importante para contar a uma pesquisa da universidade. É como

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são
se ela perguntasse o que uma professora tem a contar, sendo uma
pessoa comum e, ainda, uma mulher comum. Um grupo social que
até bem pouco tempo não tinha direito à instrução, e nem mesmo
direito ao voto, as mulheres estão hoje, predominantemente, no es-
i

paço da docência, construindo-se como profissionais, com todos os


rev

paradoxos presentes na cultura e na sociedade, como se isso fosse


um habitus e elas estivessem “naturalmente” fadadas ao magistério.
or

Joutard (2000, p. 33-34) nos lembra:

Não se pode esquecer que, mesmo no caso daqueles que domi-


ara

nam perfeitamente a escrita e nos deixam memórias ou cartas,


o oral nos revela o ‘indescritível’, toda uma série de realidades
ver dit

que raramente aparecem nos documentos escritos, seja porque


são consideradas ‘muito insignificantes’ – é o mundo da coti-
dianidade – ou inconfessáveis, ou porque são impossíveis de
op

transmitir pela escrita.

A construção de relatos na primeira pessoa e no exame dos


lugares que o sujeito assume nestas narrativas os coloca com maior
E

reflexividade, onde a “escrita supõe um processo de expressão e


de objetivação do pensamento que explica sua atitude de reforçar
ou constituir a consciência de si daquele que escreve.” (ALBERT,
1993, p.46 apud CATANI 2000)
Mas supõe também o esquecimento, necessário e útil para que
possamos dar vazão a outros acontecimentos, a novas experiências,
a outras formas de vida.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 131

O dicionário, segundo Feitosa (2000, p.11),

od V
Define a ‘memória’ como uma faculdade de reter conhecimen-

r
tos ou experiências passadas e o ‘esquecimento’, por oposição,

uto
como a incapacidade de reter as informações, como um certo
‘deixar cair fora’ do controle (“esquecer” deriva-se do latim
“cadere”, que quer dizer “cair”).

R
oa
Assim, associamos memória sempre com a atividade de recons-
truir e nunca com o esquecimento e seus lapsos. Da mesma maneira
que, segundo Feitosa (2000, p.12-14), “nossa capacidade de controle
sobre a memória é limitada, talvez haja inversamente a possibilidade de
aC
que o esquecer seja ativo.” (...) “A técnica de esquecer não tem garantia
de sucesso, porque esquecer parece ser exatamente o contrário de toda
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atividade, esquecer é alheio à nossa vontade”.


Como pensar o esquecimento? Em que medida o esquecimento
visã
pode ser uma condição de possibilidade para o próprio pensamento?
Com estas questões levantadas no trabalho de Feitosa (2000, p. 14),
intitulado “Da utilidade do esquecimento para a Filosofia”, encami-
nho minha proposição de pensamento e registro, tentando pensar na
a re

utilidade do esquecimento na escrita de si.


itor

Para além do trabalho da memória, estaria no esquecimento


a possibilidade da escrita se configurar num exercício criativo da
invenção de si.
par

A invenção de si na escrita: da necessidade do esquecimento

Na produção de Nietzsche (1874 apud FEITOSA 2000), intitu-


lada “Da utilidade e da desvantagem da história para a vida”, o autor
Ed

nos propõe pensar que sua época estava sofrendo de um excesso de


são

sentido histórico, de um fervor descontrolado pelo passado, de um


exercício desmedido da memória.
Nietzsche (1874, p.250 apud FEITOSA 2000, p.16) leva-nos a
pensar que o poder-esquecer é a condição para a vida boa, pontuando
ver

que: “Quem não é capaz de se estabelecer na soleira do instante, esque-


cendo tudo que é passado (...), não saberá jamais o que é felicidade e o
que é pior, jamais será capaz de fazer com que os outros sejam felizes”.
Para Nietzsche, o esquecimento é o fundamento de tudo o que
é grande; portanto, é originário, é fundamento da possibilidade de
132

criação, de invenção. A perspectiva histórica pode nos ajudar na


preservação da vida, mas a dimensão não histórica é a única com a
possibilidade gerativa.

V
r
No espaço da universidade, muitas(os) das(os) alunas(os) se de-

uto
param com a ideia do esquecimento. Por que não lembramos desta fase
da vida? Por que não me lembro das minhas professoras dos primeiros
anos? Por que não consigo lembrar mais detalhes? Estas são questões

R
frequentes quando desafiamos que escrevam suas narrativas de vida

a
tendo como foco a infância, a adolescência e a escolha da profissão.
O sentido neste movimento – a escrita da narrativa – está na

do
possibilidade de pensarmos nas marcas produzidas – o que fizeram
conosco, para então pensarmos no que podemos fazer conosco a
aC
partir de agora. Os tipos de pedagogias vivenciados por nós, nos

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diferentes lugares pelos quais transitamos e aprendemos um pouco
são
também deste lugar, a docência. Mas o sentido também reside na
possibilidade do esquecimento. Esquecer para poder dar passagem
a outras formas de vida, de comportamentos que possam fazer sen-
tido, que possam produzir significado.
i

Partilho ainda com Nietzsche (2005, p. 70), através da sua obra


rev

“Sabedoria para Depois de Amanhã”, seleção de fragmentos póstu-


mos onde diz:
or

Até que ponto o indivíduo pode se desligar do seu passado?


Até onde for capaz? E se ele se der conta de que nesse passado
ara

atuavam falsos julgamentos e falsas considerações em favor


de mera utilidade? E se percebermos que a auréola ao redor do
ver dit

bem e o brilho sulfuroso ao redor do mal desaparecem com ele?


E se os motivos mais fortes, extraídos da honra e da vergonha
op

do próximo, não exercerem mais nenhuma influência, já que


ele pode contrapor a verdade a esse julgamento?

Em outras palavras, é só através do esquecimento que a liber-


E

dade do homem pode se manifestar.


A narrativa – como uma forma de acompanhamento dos pro-
cessos formativos vividos no espaço e tempo da universidade – pode
nos proporcionar o conhecimento dos movimentos e tensões nas re-
presentações simbólicas desconstruídas/construídas no momento da
entrada no curso e as possíveis transformações experimentadas e
percebidas por quem produz a sua história de vida.
Escritas de autobiografias educativas...
O que dizemos e o que elas dizem? 133

Palavras Finais... sem tentar concluir

od V
r
A produção das narrativas de vida no tempo e no espaço forma-
tivo da universidade permite à pessoa que escolheu a docência como

uto
campo profissional, revisitar seus repertórios, suas representações sobre
o “lugar” do professor e as figuras construídas em torno deste na sua
vida, possibilitando problematizar modelos, práticas e comportamen-

R
tos na perspectiva da produção de um professor e de uma pessoa que

oa
exercita um “cuidado de si”, se produzindo melhor neste tempo e neste
mundo. É um dispositivo que viabiliza, ainda, conversar com o próprio
pensamento. Colocar o pensamento em movimento.
aC
Neste movimento, não somente reconstruímos nossas lem-
branças através do trabalho da memória e do atravessamento do
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esquecimento, mas potencializamos a possibilidade de refletir so-


bre modelos, perfis pessoais e profissionais que participam da nossa
visã
constituição de professor. Ainda, na possibilidade mais radical, via-
bilizada pela imaginação criadora, (re)inventarmos outras possibili-
dades, redirecionando nossos trajetos pessoais e profissionais.
Na provocação de produzir uma escrita sobre sua história de vida,
algumas pessoas, em processos de formação, são tomadas de diferentes
a re
itor

sentimentos, sejam eles, dificuldade de se narrar, de saber o que se deve


narrar ao outro e quem é este outro, além das próprias necessidades
de esquecimento. De qualquer forma, a provocação é uma tentativa de
produzir movimento, implicações com aquilo que pensamos ou que
par

deixamos de pensar. Para que esse movimento aconteça, é preciso que


as pessoas possam se dar um tempo. Um tempo para si no qual se ocu-
pam consigo, permitindo-se a experiência formativa. É a possibilidade
de (re)inventar a própria vida através da escrita. Ou, pelo menos, dar
Ed

passagens às outras formas de vida.



são
ver
134

Referências

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par
Ed
são
ver
E
ver dit
sã or op
ara aC
rev
i são R V
do
a uto
r
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
SOBRE OS AUTORES

od V
r
uto
Andrisa Kemel Zanella

Bacharel em Artes Cênicas nas habilitações Interpretação e

R
Direção Teatral pela Universidade Federal de Santa Maria. Mes-

oa
tre em Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação/
UFSM. Pedagoga pela Universidade Luterana do Brasil/Canoas/RS.
Atualmente é acadêmica do Curso de Doutorado em Educação, no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
aC
de Pelotas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Ima-
ginário, Educação e Memória (GEPIEM) e do Grupo de Estudos e
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Pesquisa em Educação e Imaginário Social (GEPEIS).


visã
Bárbara Pires Wegner

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas,


a re

protagonista da pesquisa objeto desta coletânea


itor

Cleuza Maria Sobral Dias


par

Doutora em Educação pela PUCRS. Realizou Estágio de


Doutoramento na Universidade de Aveiro (Jan./Jul 2001). Mestre
em Educação pela PUCRS e Graduada em Pedagogia-Pré Escola
pela FURG. É Professora Adjunta IV do Instituto de Educação
Ed

da Fundação Universidade Federal do Rio Grande da FURG.


são

Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental,


na Linha de Pesquisa Educação Ambiental: ensino e formação
de educadores. É Pró-Reitora de Graduação da FURG (Jan./2005
a Jan./2012). Coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação
ver

de Jovens e Adultos (NEEJA/FURG) e Lider do Grupo de Pes-


quisa: Cultura, Práticas Educativas e Formação de Professores
(CNPq). Dedica-se a estudos nas áreas de: formação de profes-
sores; alfabetização; educação de jovens e adultos; narrativa e
histórias de vida; educação ambiental; cultura e práticas educati-
vas. Coordenou a Pesquisa As Interações e as Práticas Sociais e
Pedagógicas: olhares, discursos e fazeres no contexto educativo,
contemplada com o auxílio do Edital Universal/2004 do CNPq.

V
r
Coordena o Programa Diálogos em Redes: a Educação de Jovens

uto
e Adultos na perspectiva da Educação Ambiental , financiado
pelo PROEXT/2006, da SESu/MEC. Coordenadora do Fórum de
Pró-Reitores de Graduação da Regional Sul (2008). Coordena-

R
dora da Pesquisa “Diálogos em Rede: sentidos e signficados na

a
alfabetização de EJA”, contemplada com auxilio financeiro do
CNPq, Edital 03/08 Ciências Humanas.

do
aC
Jiani Torres Álvaro

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são
Pedagoga formada pela Faculdade de Educação da Univer-
sidade Federal de Pelotas, no Estado do Rio Grande do Sul. Atu-
almente é aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação
na mesma unidade acadêmica e protagonista da pesquisa objeto
i

desta coletânea.
rev
or

Lúcia Maria Vaz Peres


ara

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Católica


de Pelotas (1982) e doutorado em Educação pela Universidade
ver dit

Federal do Rio Grande do Sul (1999). Atualmente é professora


na categoria Associado nível I, Faculdade de Educação, na Uni-
op

versidade Federal de Pelotas. Desenvolve atividades de docência


na graduação e no Programa de Pós-graduação em Educação. Na
graduação do Curso de Pedagogia trabalha na área da Psicolo-
gia e Tópicos Específicos. Na Pós, nível Mestrado e Doutorado,
E

desenvolve estudos e pesquisas na temática do Imaginário, pro-


cessos relativos a (auto)formação e Representações. Neste pro-
grama participa da Linha de Pesquisa Cultura Escrita: linguagens
e aprendizagem, tendo como foco a autobiografia, a pesquisa-
-formação e processos humanos (auto)formadores. É lider do
grupo de pesquisa: Imaginário, Educação e Memória (GEPIEM),
sediado no CNPq e vice-líder do GEPEIS (Imaginário Social e
Educação). Também participa como pesquisadora do grupo Pho-

od V
r
tographein. É representante da Associação Brasileira de Pesquisa
(Auto)Biográfica - BIOgraph, na Região Sul e integra a comissão

uto
dos encontros sobre o Poder Escolar referente ao projeto de for-
mação continuada de professores da rede pública do Município
de Pelotas/RS e região.

R
oa
Lucimar Oreques
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas
aC
e protagonista da pesquisa objeto desta coletânea.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

visã
Maria Helena Menna Barreto Abrahão

Possui licenciatura em Letras Anglo-Germânicas (UFSM) e


doutorado em Ciências Humanas Educação (UFRGS). Pesquisa-
dora 1c CNPq. Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio
a re
itor

Grande do Sul PUCRS; desenvolve atividades na Faculdade de


Educação, da qual foi diretora de dezembro de 2004 a dezembro
de 2008. Na Graduação, ministra a disciplina Contextos Educati-
vos: Pesquisa e Prática e o Seminário Integrador. No Programa de
par

Pós-Graduação ministra o Seminário Metodológico Instrumental


de Pesquisa (Auto) biográfica I: Histórias de Vida e o Seminá-
rio Metodológico Instrumental de Pesquisa (Auto) biográfica II:
Investigação-Formação e desenvolve Prática em Pesquisa (Auto)
Ed

biográfica. Desde 1998 é líder do Grupo de Pesquisa Profissiona-


são

lização Docente e Identidade Narrativas na Primeira Pessoa GRU-


PRODOCI. Em 2004 idealizou e presidiu o I Congresso Interna-
cional de Pesquisa (Auto)biográfica I CIPA, do qual coordenou
a realização de 08 a 11 de setembro, na PUCRS, Porto Alegre,
ver

iniciando importante movimento no que respeita à formação de


redes de pesquisadores que se dedicam à pesquisa autobiográfica.
Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi

Professora titular do Departamento de Fundamentos e Políti-

V
r
cas da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

uto
na área de Psicologia Educacional, e do Programa de Pós-graduação
em Educação, na linha de pesquisa: &quot;História da Educação,
Práticas socioeducativas e usos da Linguagem&quot;. É graduada

R
em Letras pela Universidade Federal do Ceará (1969). Obteve o

a
mestrado em Letras Modernas (1976) e Doutorado em Linguística
(1981), pela Université Paul Valéry como bolsista do Ministère des

do
Affaires Étrangères. Realizou estágio pós-doutoral em Fundamentos
da Educação, como bolsista CAPES, na Université de Nantes e na
aC
Université François Rabelais (2004-2005). Desde 1999, é líder do

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


&quot;Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, (Auto)Bio-
são
grafia e Representações Sociais&quot; (GRIFARS-UFRN-CNPq).
Suas publicações, nos últimos dez anos, tematizam as escritas de si
como prática de formação e as potencialidades heurísticas da refle-
xividade autobiográfica nos processos de mediação, reinvenção de
i

si e inserção social do adulto em contextos institucionais. Atuou em


rev

2010 como professora visitante na Université de Paris 13, a convite


do Laboratório EXPERICE (Paris 13-Paris 8), do qual é pesquisa-
or

dora associada, desde 2007. A convite do Ministère des Sciences et


Technologie da França, foi professora visitante na Université des
ara

Antilles et de la Guyane (2001-2002). É pesquisadora associada do


Centre de Recherche en Education de Nantes (CREN-Université de
ver dit

Nantes), desde 2009. Coordena, desde 2008, com Christine Delory-


-Momberger (Paris 13) e Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
op

três coleções geminadas.Na França: &quot;(Auto)Biographie et


Education&quot; (Paris:Téraèdre). No Brasil: Pesquisa (auto)bio-
gráfica e Educação (Natal: EDUFRN; São Paulo:PAULUS). Na
Argentina: &quot;Narrativas, autobiografías y educación&quot;
E

(Buenos Aires: EFFyL; CLACSO), dirigida por Daniel Suárez


(LPP-UBA). É vice-presidente da Associação Brasileira de Pesqui-
sa (Auto)Biográfica - BIOgraph (desde 2008). Presidente da Asso-
ciação Norte-Nordeste de Histórias de Vida em Formação - AN-
NHIVIF (desde 2007). Membro do Conselho de Administração da
Association Internationale des Histoires de Vie et de la Recherche
biographique en Education - ASIHIVIF (desde 2007).
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo

od V
r
Possui graduação em Educação Física pela Universidade fe-
deral de Pelotas e doutorado em Educação e Filosofia pela Univer-

uto
sidade de São Paulo. É professor Associado II na UFPEL, Escola
de Educação Física e Faculdade de Educação no Curso de Peda-
gogia. Coordena e orienta na Especialização em Educação Infantil.

R
Ministra aulas e orienta no Mestrado em Educação Física - Linha

oa
de Pesquisa: Escola, Educação Física, e Sociedade; Lider Grupo
Pesquisa CNpq: Cultura, Infância e Educação Infantil. Dentre suas
publicações: Corporeidade na Escola: análise de brincadeiras, jo-
aC
gos e desenhos; Educação: Corporeidade nos caminhos da infância;
Educação Biocêntrica: vivências com educadores; A infância dura a
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

vida inteira; O poder simbólico sobre o corpo das crianças na escola


e Diários Educativos I e II (Coletanea). Artigo no livro Oficinas de
visã
Sonho realidade na formação do Educador da Infância - Organizado
por Marieta Machado Nicolau.

Rita de Cássia Tavares Medeiros


a re
itor

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de


Pelotas (1986) e mestrado em Educação pela Universidade Fede-
ral de São Carlos (2000). Começou a trabalhar como professora de
par

Educação Infantil em 1978 e posteriormente na rede pública de en-


sino, nas classes de alfabetização. Permaneceu nesse universo atu-
ando como professora e coordenadora pedagógica na zona urbana e
rural. É professora da Universidade Federal de Pelotas, desde 1989,
Ed

categoria professor adjunto. Pertence à Associação Brasileira para


Divulgação Estudos e Pesquisas da Pedagogia Freinet, coordenando
são

um Pólo de Divulgação no Rio Grande do Sul.

Raquel Bastos Trindade


ver

Pedagoga formada pela Universidade Federal de Pelotas e pro-


tagonista da pesquisa objeto desta coletânea. Atualmente é professo-
ra da Educação Infantil do Colégio São José, Pelotas – RS.
Valeska Fortes de Oliveira

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa

V
r
Maria (1986) e Doutora em Educação pela Universidade Federal do

uto
Rio Grande do Sul (1995). Atualmente é Professora Titular, do De-
partamento de Fundamentos da Educação, do Centro de Educação
da Universidade Federal de Santa Maria. É professora credenciada

R
no Programa de Pós-Graduação em Educação, integrando a Linha

a
de Pesquisa: Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional. É
líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Imaginário So-

do
cial - GEPEIS e vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ima-
ginário, Educação e Memória da UFPEL-RS. Desenvolve pesquisas
aC
e projetos de formação nas temáticas: Imaginário social, Educação

Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


Básica e Superior, Formação Inicial e Continuada. Pós-Doutora em
são
Ciências da Educação (2007) pela Universidade de Buenos Aires
(Argentina).Pesquisadora de Produvidade em Pesquisa do CNPq.
Participa do Convênio CAPES-GRIECE entre Brasil e Portugal
representando a Universidade Federal de Santa Maria, realizando
i

missões de trabalho nas Universidades de Lisboa e do Porto, em


rev

Portugal sobre Pedagogia Universitária, coordenado no Brasil, pela


profa. Dra. Maria Isabel da Cunha.
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão

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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão


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SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 10 X 17 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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