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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.223/DF


RELATOR: MINISTRO NUNES MARQUES
REQUERENTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT
ADVOGADOS: WALBER DE MOURA AGRA E OUTROS
INTERESSADO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTERESSADO: CONGRESSO NACIONAL
PARECER AJCONST/PGR Nº 813126/2022

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI 14.431/2022. CRÉDITO CONSIGNADO. AMPLIAÇÃO
DE MARGEM. AUTORIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS
A BENEFICIÁRIOS DE PROGRAMAS FEDERAIS
DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA. PRINCÍPIOS
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
DEFESA DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO.
1. Não há falar em inépcia da petição inicial de ação
direta de inconstitucionalidade quando o requerente
desenvolve fundamentação suficiente para impugnar
todos os dispositivos legais que são objeto da ação.
2. A Lei 14.431/2022, ao ampliar a margem de crédito
consignado aos empregados celetistas, aos servidores
públicos ativos e inativos e aos segurados do Regime
Geral de Previdência Social, bem como autorizar a
realização de empréstimos consignados para beneficiários
do benefício de prestação continuada e de programas
federais de transferência de renda, viola os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da
defesa do consumidor.
— Parecer pela procedência do pedido, para declarar a
inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei 14.431/2022.

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Excelentíssimo Senhor Ministro Nunes Marques,

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade – ADI, com pedido

de medida cautelar, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT

contra os arts. 1º e 2º da Lei 14.431, de 3.8.2022. Eis as normas impugnadas:

Art. 1º A Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, passa a vigorar

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com as seguintes alterações:
“Art. 1º (…)
§ 1º  O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir
sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim
previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento,
cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de
40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento)
destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e
arrendamentos mercantis e 5% (cinco por cento) destinados
exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio
de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade
de saque por meio de cartão de crédito consignado.
I -  (revogado);
II -  (revogado).
(…).” (NR)
“Art. 2º (…)
§ 2º (…)
I -  a soma dos descontos referidos no art. 1º desta Lei não poderá
exceder a 40% (quarenta por cento) da remuneração disponível,
conforme definido em regulamento;
a)  (revogada);
b)  (revogada);
(…)” (NR)

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“Art. 6º  Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do


Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação
continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art.
1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a
instituição financeira na qual recebam os seus benefícios
retenha, para fins de amortização, valores referentes ao
pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de
crédito e operações de arrendamento mercantil por ela
concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida

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em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e
ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.
(…)
§ 5º  Os descontos e as retenções mencionados no caput deste
artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e
cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 35% (trinta e
cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos,
financiamentos e arrendamentos mercantis, 5% (cinco por
cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas
contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à
utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de
crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados
exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio
de cartão consignado de benefício ou à utilização com a
finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.
(…)
§ 7º  Aplica-se o previsto no caput e no § 5º deste artigo
também aos titulares da renda mensal vitalícia (RMV) prevista
na Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, e de benefícios que
tenham como requisito para sua concessão a preexistência do
benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993.” (NR)

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“Art. 6º-B. Os beneficiários de programas federais de


transferência de renda poderão autorizar a União a proceder aos
descontos em seu benefício, de forma irrevogável e irretratável,
em favor de instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil, para fins de amortização de valores
referentes ao pagamento mensal de empréstimos e
financiamentos, até o limite de 40% (quarenta por cento) do
valor do benefício, na forma estabelecida em regulamento.
Parágrafo único. A responsabilidade pelo pagamento dos
créditos de que trata o caput deste artigo será direta e exclusiva
do beneficiário, e a União não poderá ser responsabilizada, ainda

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que subsidiariamente, em qualquer hipótese.”
Art. 2º O art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a
vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 115. (…)
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de
arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras
e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades
fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e
privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até
o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor do
benefício, sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados
exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos
mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à
amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito
consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio
de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento)
destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas
por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a
finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício.
a)  (revogada);
b)  (revogada).
(…).” (NR)

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Alega o requerente que a lei impugnada, “entre outras providências,

altera as Leis nº 10.820/2003, 8.213/1991 e 8.112/1990, com a finalidade de ampliar a

margem de crédito consignado aos empregados regidos pela Consolidação das Leis do

Trabalho e de autorizar a realização de empréstimos e financiamentos mediante crédito

consignado para beneficiários do benefício de prestação continuada e de programas

federais de transferência de renda, a exemplo do Programa Auxílio Brasil”.

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Segundo o requerente, “a prática legislativa não pode incentivar o

endividamento da população e permitir uma abertura de margem para danos de maior

proporção para a população em vulnerabilidade econômica, o que atrai prejuízos sem

medida para idosos, pessoas com deficiência e famílias em situação de miserabilidade e

vai de encontro às práticas de crédito responsável e de prevenção ao

superendividamento”.

Haveria, então, desrespeito “à ordem econômica, à proteção

constitucional do consumidor e à dignidade da pessoa humana [CF, arts. 1º, III; 3º,

III; e 170, V] especificamente porque cria a possibilidade de contração de obrigações

financeiras que desbordam dos limites da razoabilidade e dos mínimos existenciais

para pessoas em situação de hiper vulnerabilidade, ao passo que propiciam

descompassos nítidos ao sistema econômico, partindo de medidas irresponsáveis que

conduzem à manifesta probabilidade de aumento do endividamento das famílias e da

taxa de juros no país”.

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Adotou-se o rito do art. 12 da Lei 9.868, de 10.11.1999.

O Presidente da República, em suas informações, suscitou

preliminar de inépcia da petição inicial. Isso porque “as alegações [do

requerente] são genéricas, soltas, sem qualquer indicação precisa de quais

efetivamente as normas e artigos da Constituição Federal estariam sendo atingidos por

este ou aquele dispositivo”.

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No mérito, explicou que “a queda do nível de renda real e a elevação da

inflação e dos juros, principalmente em virtude do período de Pandemia do COVID-19

e do atual conflito na Europa, afetou, principalmente, as pessoas de menor renda,

razão pela qual seria necessário o incremento do acesso ao crédito formal e mais barato

a essa parcela da população”.

Arguiu que “a medida implantada, ao contrário do exposto na inicial,

funciona como instrumento de concretização dos princípios constitucionais da

isonomia e da dignidade da pessoa humana, na medida que viabilizou à camada mais

pobre da população brasileira acesso à modalidade de empréstimo cujas taxas estão

entre as mais baixas do mercado”. Taxas, a propósito, que são fixadas por

orientação do Conselho Nacional de Previdência Social, no caso dos

empréstimos a aposentados e pensionistas do Regime Geral de Previdência

Social.

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Argumentou, ademais, que “a criação de alternativas para acesso ao

crédito não é sinônimo de obrigatoriedade de contratação, vinculação ou imposição”.

Isso sem falar que o sistema de proteção contra empréstimos consignados não

consentidos (Instrução Normativa INSS/PRES 28, de 16.5.2008) vem

funcionando bem. Além do que o art. 7º da Lei 14.431/2022 “acrescentou medida

protetiva ao tomador do empréstimo”.

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A Câmara dos Deputados limitou-se a narrar o trâmite da matéria

naquela Casa, fazendo referência à Exposição de Motivos da Medida

Provisória 1.106/2022 e ao Parecer Preliminar de Plenário 1, do deputado

federal Bilac Pinto.

O Senado Federal também prestou informações. Discorreu,

igualmente, sobre a tramitação da Medida Provisória 1.106/2022 no Congresso

Nacional e defendeu a constitucionalidade dos dispositivos legais

impugnados.

Disse que “as mudanças [trazidas pela Lei 14.431/2022] integram um

conjunto de normas elaboradas para fomentar o crescimento da atividade econômica e

disponibilizar aos mais vulneráveis acesso a crédito com taxas mais baixas”. Alegou

que esta ação “é uma tentativa de impor judicialmente a opinião do Requerente sobre

o que seria mais adequado quanto à regulamentação do tema”, sem que haja

nenhuma inconstitucionalidade.

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O Advogado-Geral da União manifestou-se, preliminarmente, pelo

não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido.

Vieram, então, os autos à Procuradoria-Geral da República para

manifestação.

Eis, em síntese, o relatório.

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A preliminar de inépcia da petição inicial há de ser afastada.

É verdade que os arts. 1º e 2º da Lei 14.431/2022 “tratam de situações

distintas entre si”, como afirmou o Advogado-Geral da União, mas há um

ponto em comum entre eles: aumentaram os limites para (ou possibilitaram)

que os trabalhadores celetistas, os aposentados e pensionistas do Regime Geral

de Previdência Social, os titulares de renda mensal vitalícia e os beneficiários

de programas federais de transferência de renda contraíssem empréstimos

com pagamento descontado em folha pelo INSS ou pela União (crédito

consignado).

É exatamente contra esse ponto que se volta o requerente. No seu

entender, ao ampliar as possibilidades de crédito consignado para parcela

vulnerável da população, a lei, segundo alega, teria desrespeitado os

princípios da dignidade da pessoa humana e da defesa do consumidor.

Embora não se veja, na petição inicial, uma argumentação artigo por artigo, a

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fundamentação desenvolvida pelo requerente mostra-se suficiente para

impugnar os dois dispositivos legais, porque ambos apresentam,

alegadamente, o mesmo vício.

Ademais, o requerente indicou, na petição inicial, os dispositivos

constitucionais supostamente violados (CF, arts. 1º, III; 3º, III; e 170, V).

Sendo assim, a ação merece conhecimento.

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No mérito, o pedido há de ser julgado procedente.

O inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal determina que o

Estado promova, na forma da lei, a defesa do consumidor. Tanto é assim que o

inciso VIII do art. 24 da Constituição confere à União, aos estados e ao Distrito

Federal competência concorrente para legislar sobre responsabilidade por

dano ao consumidor. Já o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias – ADCT prevê que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias

da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.

Ademais, a defesa do consumidor é princípio da ordem econômica

brasileira (CF, art. 170, V). A propósito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal

que “o princípio da livre iniciativa, garantido no art. 170 da Constituição, não proíbe

o Estado de atuar subsidiariamente sobre a dinâmica econômica para garantir o

alcance de objetivos indispensáveis para a manutenção da coesão social, entre eles a

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proteção do consumidor (art. 170, V, da CF), desde que haja proporcionalidade entre a

restrição imposta e a finalidade de interesse público”.1

Como se vê, a Constituição Federal leva em alta conta a defesa do

consumidor. Num reconhecimento da assimetria existente entre o consumidor

e o fornecedor do produto ou serviço, a Constituição Federal exige que o

Estado intervenha nessa relação, a fim de proteger o hipossuficiente (no caso, o

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consumidor) contra eventuais danos. E, conforme também decidiu o Supremo

Tribunal Federal, “mais se revela pertinente a norma de proteção do

consumidor quanto maior for a hipossuficiência ou déficit de informação

daquele que, transitória ou permanentemente debilitado, esteja em estado de

especial vulnerabilidade em face do fornecedor do serviço”.2

É exatamente o que ocorre na hipótese em exame. Presente um

quadro de graves crises econômica e social, ocasionadas pela epidemia de

Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, parcela significativa da população

brasileira está “em estado especial de vulnerabilidade”. Aqui se incluem, por

óbvio, os aposentados do Regime Geral de Previdência Social, os titulares de

benefício de prestação continuada – BPC e os beneficiários de programas

federais de transferência de renda. Estes últimos, inclusive, encontram-se em

estado de pobreza ou de extrema pobreza.

1 ADI 6.123, Rel. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJe de 16.4.2021.


2 ADI 4.512, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 17.6.2019.

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O que fez a lei impugnada, ao aumentar os limites para (ou

possibilitar) a contratação de empréstimos com pagamento descontado em

folha pelo INSS ou pela União (crédito consignado), foi retirar uma camada de

proteção a direitos da população hipossuficiente. Nesse cenário de crise, os

destinatários da norma estarão ainda mais vulneráveis às instituições

financeiras credoras, devido a estado de necessidade.

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Podendo comprometer um percentual significativo de sua renda

mensal, os tomadores de empréstimos consignados estarão no caminho do

superendividamento. Tratando-se dos beneficiários dos programas de

transferência de renda, esse cenário mostra-se ainda mais preocupante, pois

potencialmente comprometedor da dignidade humana.

Por fim, não se diga que a lei impugnada apenas autoriza os

empréstimos e que, portanto, não haveria inconstitucionalidade. É que, como

se afirmou acima, a Constituição Federal determina que o Estado haja

proativamente na defesa do consumidor, considerando sua situação de

vulnerabilidade econômica e social. Em hipótese similar, o Supremo Tribunal

Federal julgou constitucional lei estadual que proibia instituições financeiras,

correspondentes bancários e sociedades de arrendamento mercantil de

realizarem publicidade ou atividade de convencimento de aposentados e

pensionistas para a contratação de empréstimos. Veja-se:

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MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. CONVERSÃO EM
JULGAMENTO DEFINITIVO. LEI N. 20.276 DO PARANÁ.
PROIBIÇÃO A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS,
CORRESPONDENTES BANCÁRIOS E SOCIEDADES DE
ARRENDAMENTO MERCANTIL DE REALIZAREM
PUBLICIDADE OU ATIVIDADE DE CONVENCIMENTO DE
APOSENTADOS E PENSIONISTAS PARA A CONTRATAÇÃO
DE EMPRÉSTIMOS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO
ESTADO PARA LEGISLAR SOBRE PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR. VULNERABILIDADE ECONÔMICA E

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SOCIAL DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS. PROTEÇÃO
INTEGRAL AO IDOSO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Proibição da Lei paranaense n. 20.276/2020 a instituições
financeiras, correspondentes bancários e sociedades de arrendamento
mercantil realizarem telemarketing, oferta comercial, proposta,
publicidade ou qualquer tipo de atividade tendente a convencer
aposentados e pensionistas a celebrarem contratos de empréstimos
resulta do legítimo exercício da competência concorrente do ente
federado em matéria de defesa do consumidor, suplementando-se os
princípios e as normas do Código de Defesa do Consumidor e
reforçando-se a proteção de grupo em situação de especial
vulnerabilidade econômica e social.
2. Ação direta julgada improcedente.
(ADI 6.727, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 20.5.2021)

Tal qual a lei paranaense analisada no acórdão citado, haveria a lei

federal impugnada de proteger o consumidor, evitando que ele viesse a

comprometer seu sustento e o de sua família com pagamento de juros. É certo

que a contratação de empréstimos está na órbita da livre iniciativa de credores

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e devedores, mas, considerando o quadro de especial vulnerabilidade social

e econômica, “o Estado [haveria] de atuar (...) sobre a dinâmica econômica para

garantir o alcance de objetivos indispensáveis para a manutenção da coesão social”.

Em face do exposto, opina o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

pela procedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º e

2º da Lei 14.431/2022.

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Brasília, data da assinatura digital.

Augusto Aras
Procurador-Geral da República
Assinado digitalmente

JMR

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