Você está na página 1de 20

PETIÇÃO 10.

644 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA


REQTE.(S) : R.L.O.L.
ADV.(A/S) : LETICIA LACERDA DE CASTRO E OUTRO(A/S)
REQDO.(A/S) : J.M.B.
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO

PETIÇÃO. REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA


ABSOLUTA DE INDÍCIOS MÍNIMOS.
FALTA DE JUSTA CAUSA. NEGATIVA
DE SEGUIMENTO.

1. Notícia de existência de fatos


supostamente ilícitos praticados pelo
Presidente da República e por grupo de
pessoas a ele relacionadas por parentesco.

2. Manifesto descabimento da presente


pretensão. Representação não
acompanhada de documento ou qualquer
indício ou meio de prova minimamente
aceitável que noticie ou demonstre eventual
ocorrência de práticas ilícitas. Afirmações
conjecturais que partem exclusivamente de
matéria jornalística. Ausência de base
empírica mínima. Precedentes.

3. Negativa de seguimento.

1. Trata-se de cinco requerimentos autuados no Supremo


Tribunal Federal na classe “Petição” (PETs nº 10.636/DF, nº 10.637/DF, nº
10.639/DF, nº 10.640/DF e nº 10.644/DF), ajuizados em face do Presidente
da República Jair Messias Bolsonaro por Erika Santos Silva, Vereadora no

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

município de São Paulo, pelo Deputado Federal Elias Vaz de Andrade,


pelo Senador da República Randolph Frederich Rodrigues Alves, por um
grupo de advogados identificado como “Prerrô – Grupo de
Prerrogativas” e pelo Deputado Federal Reginaldo Lázaro de Oliveira
Lopes.

2. Todas as cinco PETs se articulam em torno do mesmo


pano de fundo fático, qual seja, as palavras proferidas pelo Presidente da
República em 14/10/2022, durante entrevista concedida por ele ao canal
de Youtube “#NãoImportaOqueDigam”. Da referida transmissão, no que
interessa, se extrai a seguinte fala:

“Eu parei a moto em uma esquina, tirei o capacete e olhei


umas menininhas, três, quatro, bonitas, de quatorze, quinze
anos, arrumadinhas em um sábado numa comunidade. E vi que
eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na
sua casa?’. Entrei. Tinham umas quinze, vinte meninas, sábado
de manhã, se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto:
meninas bonitinhas de quatorze, quinze anos se arrumando no
sábado para quê? Ganhar a vida. Você quer isso para tua filha,
que está nos ouvindo aqui agora?”

3. A Vereadora Erika Santos Silva (i) requer envio de ofício à


Procuradoria-Geral da República para que se apurem possíveis crimes
dos arts. 132, 135, 139, 218-B, 268 e 319 do Código Penal, do art. 244-A do
ECA e do art. 323 do Código Eleitoral; (ii) o Deputado Federal Elias Vaz
de Andrade requer envio dos autos à Procuradoria-Geral da República e
à Polícia Federal para que se apure o que o Presidente da República quis
dizer com a expressão “pintou um clima”, porque entrou na casa e quais
providências depois tomou; (iii) o Senador Randolph Rodrigues pugna
pela apuração dos fatos e a tomada do depoimento do Presidente da
República, apontando possíveis práticas dos crimes dos arts. 217-A, 218-B

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

e 319 do Código Penal; (iv) os advogados do grupo “Prerrô” pleiteiam a


instauração de investigação para apurar possível ocorrência do delito do
art. 319 do Código Penal e da infração administrativa do art. 247 do ECA;
alternativamente, requerem seja apurada eventual divulgação de “fake
news” no bojo do Inquérito nº 4781/DF; (v) por fim, o Deputado Federal
Reginaldo Lázaro de Oliveira Lopes requer a remessa de sua
representação à Procuradoria-Geral da República, a instauração de
procedimento investigatório criminal, com acusações de xenofobia e
prevaricação.

É o relatório.

Decido.

4. A desvinculação do juiz da investigação criminal, como


forma de preservação da imparcialidade, tem sido uma gradativa
conquista histórica dos países democráticos.

5. Nessa direção, nossa Constituição consagrou, em matéria


penal, o sistema acusatório, atribuindo a órgãos diferentes as funções de
acusar e de julgar, separando de forma muito nítida tais funções. Reitere-
se: em nosso sistema, a exemplo do que ocorre na imensa maioria dos
países que adotam o Estado Democrático de Direito, o órgão que exerce a
função de acusar não pode exercer a de julgar (e vice-versa). Trata-se de
regra derivada da garantia do devido processo legal, e que, inclusive,
constitui cláusula pétrea (art. 5º, LIV, c/c art. 60, § 4º, IV, da CRFB).

6. Quanto às funções de investigação, ainda que se as tenha


atribuído de forma precípua à Polícia Federal e às polícias civis, nossa
Constituição não o fez de forma exclusiva. Nesse sentido, este Supremo
Tribunal Federal decidiu, ao julgar o Tema nº 184 do rol da Repercussão
Geral, no RE nº 593.727-RG/MG, que o “Ministério Público dispõe de
3

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável,


investigações de natureza penal (...)”.

7. Assim, o Supremo Tribunal Federal não tem competência


constitucional para exarar juízo de valor em “comunicações de crimes”,
as quais possuem, em verdade, natureza extrajudicial. No âmbito dos
Tribunais Superiores, o procedimento adequado é o peticionamento de
notícias sobre possíveis delitos à Procuradoria-Geral da República, no
que se atende, mais adequadamente, ao prefalado sistema acusatório.

8. Tanto é assim que o art. 230-B do RISTF prevê que, quando


do eventual aporte de representações como as agora sob análise na Corte,
“[O] Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à
Procuradoria-Geral da República”, que é o “dominus litis”.

9. Não obstante a clareza dessa distinção, as comunicações


contra autoridades públicas feitas de forma equivocada, isto é,
diretamente ao STF ao invés da PGR, têm atingido volume bastante
significativo, contribuindo para sobrecarregar ainda mais a estrutura do
Tribunal, inegavelmente assoberbada.

10. Como bem apontado pela Procuradoria-Geral da


República em sua manifestação na PET nº 10.132/DF, de Relatoria do
eminente Ministro Nunes Marques, o peticionamento no STF há que se
dar observando racionalidade, de forma criteriosa, não de forma
irrestrita, “sobretudo no campo penal e diante da especificidade da investigação
de detentor de foro especial perante essa Corte, como se depreende do art. 21 do
seu Regimento Interno” (Pet nº 10.132/DF, Rel. Min. Nunes Marques, j.
05/08/2022, p. 18/08/2022).

11. Nessa linha, há diversas decisões no âmbito deste Tribunal


as quais, a despeito da previsão contida na parte final no art. 230-B do
4

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

Regimento Interno, extinguem de plano notícias de fatos encaminhadas


erroneamente para o Supremo Tribunal Federal. Destaco trecho de
decisão do eminente Ministro Dias Toffoli que, em maio deste ano, julgou
prontamente extinta uma “notícia crime” por delito de prevaricação
supostamente praticado pelo Presidente do Senado, na PET nº 10.292/DF:

“Em primeiro lugar, em caso de suposta prática de crime


processável mediante ação penal pública, deve-se observar que
a Procuradoria-Geral da República, detém, privativamente, a
atribuição de promovê-la (art. 129, CF) perante esta Suprema
Corte quando os supostos crimes traduzirem-se em “crimes
comuns” alegadamente praticados pelo Presidente da
República (art. 102, I, “b”, CRFB).

Em hipóteses como a presente, portanto, em respeito ao


sistema acusatório e, notadamente, à titularidade da atribuição
de representar por abertura de inquérito - exclusiva da PGR, na
compreensão até hoje adotada por esta Corte, em casos que tais
- não há como o Judiciário substituir a atividade ministerial
exercendo juízo valorativo sobre fatos alegadamente
criminosos, atribuição exclusiva do Parquet, reitera-se.”

(Pet nº 10.292/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24/05/2022, p.


25/05/2022)

12. No mesmo sentido, vejam-se, entre outras, as PETs nº


10.489/DF, nº 10.188/DF, nº 9.967/DF e nº 9.552/DF, todas de Relatoria do
eminente Ministro Dias Toffoli, e a PET nº 9.549/DF, de Relatoria do
eminente Ministro Roberto Barroso. Já da PET nº 6.301/DF, de Relatoria
do eminente Ministro Gilmar Mendes, se extrai também singela
determinação de extinção e arquivamento, nos seguintes termos:

“Trata-se de comunicação de crime, apresentada pela


Coligação Majoritária por Uma Só Manaus, em desfavor de
5

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

Alfredo Pereira do Nascimento e Marcelo Ramos Rodrigues.

Na forma do art. 230-B, do Regimento Interno, o Tribunal


não processa comunicações de crime. O requerente deverá
oferecer sua notícia diretamente às autoridades competentes.

Ante o exposto, dê-se baixa e arquivem-se os autos.”

(Pet nº 6.301/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16/09/2016, p.


21/09/2016)

13. Chama a atenção, outrossim, o crescente ajuizamento de


“notícias crime” nesta Corte cujas reais intenções de seus proponentes, na
verdade, ultrapassam a órbita meramente jurídica. São representações
feitas com nítido propósito político e/ou de autopromoção. Esse viés,
ainda que não presente em todos os casos, por óbvio não tem passado
despercebido. A respeito desse problema, assim já se manifestou a
Procuradoria-Geral da República, na PET nº 10.461/DF:

“A autuação de Notícias de Fato como Petições no


Supremo Tribunal Federal, ademais, mostrou-se via para
possíveis intenções midiáticas daqueles que cada vez mais
endereçam comunicação de crime imediatamente à Suprema
Corte, em vez de trilharem o caminho devido do sistema
constitucional acusatório do art. 129, inciso I, noticiando os
fatos ao Ministério Público, a fim de iniciar as perscrutações de
hipotético delito, fase eminentemente pré-processual (...).”

14. O eminente Ministro Marco Aurélio, por ocasião da PET nº


9.605/SP, notou, com extrema argúcia, essa intenção:

“A rigor, cabe informar à autoridade policial ou ao


Ministério Público Federal, titular de uma possível ação penal
incondicionada, a prática criminosa, mas parece ter mais
6

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

repercussão vir ao Supremo.” (grifos acrescidos)

15. É evidente, ainda mais em relação ao público leigo, o


maior impacto que pode trazer o oferecimento de uma “notícia-crime”
diretamente ao Supremo, para que este, depois, encaminhe à PGR, como
se nisso já houvesse algum juízo de valor sobre a verossimilhança das
acusações.

16. A respeito da utilização do Supremo Tribunal Federal


como mero órgão de passagem, assim já se manifestou o eminente
Ministro Luiz Fux, por ocasião do julgamento do agravo regimental na
PET nº 8.825/DF:

“Inegavelmente, há manifesto abuso do direito de


peticionar quando o autor pretende se valer do Poder
Judiciário como órgão de passagem para pleitos contrários às
leis e às instituições democráticas”.

17. Logo, há que se atentar ao risco de instrumentalização


indevida do Poder Judiciário para fins políticos, com a mera intenção de
se gerar notícia, seja para atacar um adversário político ou ideológico, seja
para autopromoção, o que inclusive merece maior atenção em época de
campanha eleitoral, como é a presente.

18. De qualquer forma, e independentemente do que se expôs,


é público que a Procuradoria-Geral da República já possui ciência dos
fatos aqui noticiados, oficiada que foi por outros parlamentares1, o que
apenas ratifica a compreensão de que o caso demanda imediato

1
Disponível em https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/pgr-e-acionada-para-
investigar-bolsonaro-por-declaracao-de-que-pintou-clina-com-menina-de-14-anos.ghtml, acesso em
20/10/2022.

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

arquivamento.

19. A despeito disso, o fato que ensejou a propositura destas


cinco petições diretamente no Supremo Tribunal Federal, ao invés de
serem destinadas à PGR por seus subscritores, revela-se de pronto
manifestamente destituído de conteúdo penalmente relevante, o que
recomenda seu arquivamento também pela flagrante falta de justa causa.

20. O Poder Judiciário possui importante papel como


garantidor de direitos fundamentais e limitador/legitimador do exercício
do poder punitivo estatal. Se deve zelar pela não manutenção de
inquéritos desprovidos de indícios minimamente suficientes, quanto mais
não deve, portanto, provocar ele próprio investigações temerárias e
lastreadas em ilações, das quais não se extraem razoáveis probabilidades
de ocorrência de crime. Como lembrado pelo eminente Ministro Gilmar
Mendes em seu voto divergente no Inq nº 4.513/DF, “o papel judicial de
proteção dos direitos fundamentais das pessoas investigadas deve ser
exercido pelo Supremo Tribunal Federal em todas as fases da persecução
penal”. Seguindo esse caminho, assim se manifestou o eminente Ministro
Ricardo Lewandowski na PET nº 10.617/DF:

“Isso posto, por entender que não existe justa causa para a
deflagração da persecução penal, e considerando, ainda, que o
representante, ao que tudo indica, agiu com mero espírito de
emulação, quiçá com o intuito de atingir a honra pessoal e
reputação funcional do representado, nego seguimento ao
pedido, com lastro no art. 21, §1º, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.”

21. A propósito, anoto que o art. 21, § 1º, do Regimento


Interno do Supremo Tribunal Federal atribui ao relator o poder de negar
seguimento a pedido contrário à jurisprudência dominante ou
8

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

manifestamente improcedente. Além disso, nos casos da existência de


jurisprudência consolidada da Corte, pode o relator, inclusive, dispensar
a manifestação da Procuradoria-Geral da República - PGR, nos termos do
art. 52, parágrafo único, do RISTF.

22. Cito, nesse sentido, decisão do eminente Ministro Dias


Toffoli, na Pet nº 10.368/DF, que desde logo considerou atípicos os fatos
narrados na notícia-crime, sendo rejeitada no mérito a petição, ante a
manifesta ausência de justa causa. Da mesma forma procedeu o eminente
Ministro Luís Roberto Barroso, na PET nº 9.052/DF, e o eminente Ministro
Alexandre de Moraes, na PET nº 9.825/DF, entre outros casos. E assim
também decidi, recentemente, na PET nº 10.562/DF.

23. Com efeito, o fato apontado como “criminoso”, a


demandar eventual deflagração de ação-crime ou instauração de
inquérito policial, não resiste a um mínimo juízo de verossimilhança sob
a perspectiva do direito penal. Até mesmo as representações feitas com
intenção extrajurídica precisam guardar mínima coerência técnica com a
dogmática jurídico-penal.

24. Não é o caso destas cinco petições.

25. Inicio examinando o tipo previsto no art. 319, do Código


Penal (prevaricação), que, aliás, tem como vítima a Administração
Pública. A despeito das especulações levantadas na maioria das
representações, não há quaisquer elementos minimamente concretos, ou
mesmo lógicos, a indicar na fala presidencial que algum ato de ofício
tenha sido retardado ou deixado de ser praticado, sobretudo porque se
exige, conforme basilar lição doutrinária, a demonstração do dolo
específico do funcionário público (“para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal”). Nada disso é sequer indiciariamente extraível do fato narrado
nas petições.
9

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

26. “Interesse pessoal”, nos dizeres de Guilherme de Souza


Nucci, é “qualquer proveito, ganho ou vantagem auferido pelo agente”, ao
passo que “sentimento pessoal” é a “disposição afetiva do agente em
relação a algum bem ou valor”2. O elemento subjetivo do tipo é o dolo
específico, inexistente a forma culposa. Cito escólio de Luiz Regis Prado:

“O tipo subjetivo da prevaricação está representado pelo


dolo, que se consubstancia na consciência e vontade de praticar
qualquer uma das condutas mencionadas pelo tipo, acrescido
do elemento subjetivo do injusto, manifestado pelo fim especial
de agir expresso nas palavras para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal. ”3

27. Nesta Corte, assim já se manifestou o eminente Ministro


Marco Aurélio, acerca do tema:

“(...) o crime tipificado no artigo 319 do Código Penal,


voltado à preservação do bem jurídico que é a Administração
Pública, exige, para configuração, o dolo específico, a vontade
livre e consciente de praticar as ações ou omissões nele
previstas para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (HC
86834).

28. Assim, não encontro elementos mínimos que configurem


justa causa para investigação pelo delito do art. 319 do Código Penal. O
mesmo, adianto, se verifica em relação aos demais delitos apontados nas
PETs. Aliás, quanto a eles, constato que as acusações são ainda mais
descomedidas e exorbitantes. Prossigo na análise.

2
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1461.
3
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito
Penal Brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1359.

10

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

29. O crime do art. 132 do Código Penal pune quem expõe a


vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Trata-se de crime
de perigo concreto, não abstrato, conforme classificação doutrinária
majoritária.

30. Ainda que o tal encontro com as jovens venezuelanas


tenha ocorrido durante a pandemia de COVID-19, não consta que o
Presidente estivesse doente naquela época específica, ou tenha estado
imediatamente antes ou depois. De qualquer forma, e como já
mencionado, é insuficiente para a caracterização do crime a existência de
“perigo futuro, remoto ou puramente presumido. Em síntese, cuida-se de delito
de perigo concreto, exigindo-se a demonstração deste para sua caracterização”4 .
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, exigindo-se, por parte do agente, a
consciência e a vontade de expor a vida ou a saúde alheia a perigo direto
e iminente. Não existe a forma culposa, derivada da inobservância de
cuidado objetivo exigido.

31. Já o crime do art. 135 do Código Penal pune quem deixa de


prestar assistência à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa
inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo. O
elemento subjetivo do tipo, novamente, é o dolo. Não se pune a forma
culposa. Ademais, em relação a este tipo penal, “o dever de prestar
assistência ou de solicitar o socorro da autoridade pública limita-se à preservação
da vida ou da saúde alheias”5.

32. O delito do art. 139 do Código Penal pune a difamação,


isto é, a imputação de fato ofensivo à reputação de outrem. O bem

4
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito
Penal Brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 720.
5
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito
Penal Brasileiro. 14ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 735.

11

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

jurídico protegido é a honra. Exige o animus diffamandi, o propósito de


ofender, a finalidade de macular a reputação alheia. Da fala do
Presidente, contextualizada, não se extrai minimamente esse elemento
subjetivo. Trata-se, ademais, de crime de ação penal privada. No ponto,
portanto, a parte proponente da notícia-crime carece flagrantemente de
legitimidade.

33. Quanto aos delitos dos arts. 217-A e 218-B do Código


Penal, também aventados em duas das PETs, igualmente não se fazem
presentes mínimos elementos que justifiquem início de persecução penal.

34. O art. 217-A pune o estupro de vulnerável, definido como


a conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso contra menor de
catorze anos. Não há nos autos qualquer indício de que o Presidente
tenha sequer encostado nas jovens, as quais, pela narração, tinham mais
de catorze anos. Menos ainda que o tenha feito com intenção lasciva.
Registre-se que a adequação típica, no caso, também exige o dolo.

35. O art. 218-B, por seu turno, pune quem submete, induz ou
atrai à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor
de idade ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha o
necessário discernimento; bem como quem facilita, impede ou dificulta
o abandono dessas práticas por parte dessas pessoas.

36. Não há qualquer verossimilhança na suposição de que a


ação presidencial, conforme os fatos trazidos, tenha, de alguma forma,
facilitado a prostituição, impedido ou dificultado o seu abandono pelas
jovens. Se é que estavam sendo submetidas à prostituição, visto que o
Presidente pode, simplesmente, e sem culpa ou dolo, ter se enganado.
Partindo-se, contudo, da premissa da ocorrência da prostituição, em
relação à qual não há qualquer indício de materialidade, a ação
presidencial não teria tido qualquer relevância causal.
12

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

37. O mesmo se diga em relação ao art. 244-A do Estatuto da


Criança e do Adolescente, que pune quem submete criança ou
adolescente à prostituição ou exploração sexual.

38. Com relação ao suposto delito do art. 268 do Código Penal,


de infringência à determinação do poder público destinada a impedir
propagação de doença, reitera-se o que já foi dito a propósito do art. 132,
supra. Aliás, a respeito do tipo penal em questão, assim se manifestou a
Procuradoria-Geral da República na PET 9759, ressaltando a ausência de
tipicidade material em conduta análoga à que agora se pretende, de
forma requentada, e em momento eleitoral, imputar ao Presidente:

“Para que haja consumação do crime de infração de


medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal), faz-se
necessário, por força do princípio da fragmentariedade, que se
crie, de fato, situação de perigo para a saúde pública. É preciso
que a conduta possa realmente ensejar a introdução ou
propagação de doença contagiosa.

É intuitivo, pois, que impor o cumprimento de pena de


detenção, de um mês a um ano, e multa (art. 268 do Código
Penal) a quem for encontrado em via pública, enquanto durar
a epidemia de COVID-19, sem máscara de proteção facial,
retirará do Direito Penal o seu caráter fragmentário.

(...)

No caso de que se cuida, o Presidente da República, ao


participar dos eventos referidos pelos noticiantes, não havia
sido notificado para se sujeitar a qualquer das medidas
mencionadas acima, mesmo porque, na ocasião, não estava
doente, nem apresentava sintomas de COVID-19.

E ainda que tivesse sido notificada para cumprir uma

13

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

daquelas medidas, a autoridade noticiada, caso viesse a


descumpri-las, não poderia ser punida penalmente. Em um
primeiro momento, a Portaria Interministerial 5, de 17 de março
de 2020, até estabelecera que o descumprimento das medidas
previstas no art. 3º da Lei 13.979/2020 poderia sujeitar os
infratores às sanções penais previstas nos artigos 268 e 330 do
Código Penal.

Pouco tempo depois, porém, a aludida previsão


normativa foi revogada, expressamente, pela Portaria
Interministerial 9, de 27 de maio de 2020, que deixou de
prever possível persecução penal em desfavor de infratores
das tais medidas de enfrentamento, elencadas na Lei
13.979/2020”.

39. O eminente Ministro Ricardo Lewandowski, Relator da


indigitada PET nº 9.759/DF, determinou o arquivamento do expediente.

40. Quanto à suposta incidência do art. 247 do ECA, extrai-se


do dispositivo a punição a quem divulgar, “total ou parcialmente, sem
autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou
documento de procedimento policial, administrativo ou judicial
relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional” (grifei).

41. Trata-se, diga-se de plano, de infração administrativa, e


não de crime. Está prevista expressamente no Capítulo II, do Título VII,
do Estatuto. A par disso, o dispositivo claramente visa a proteger
adolescente ao qual se atribua ato infracional, ou seja, proteger de
eventual espetacularização o adolescente infrator acusado de conduta
equiparada a crime.

42. No caso, as jovens não cometeram ato infracional. Não


foram e não estão sendo acusadas da prática de qualquer infração

14

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

equiparada a crime. Não havia, quando da fala do Presidente, qualquer


procedimento policial, administrativo ou judicial instaurado em face
delas para apuração de ato infracional. Assim, sequer é necessário cotejar
o artigo de lei com a fala do Presidente para concluir que, por óbvio, por
completa impossibilidade lógica, ele não divulgou nome, ato ou
documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a
adolescente acusado de ato infracional.

43. Quanto à acusação de xenofobia, a leitura contextualizada


da fala do Presidente permite, também aqui, afastar de pronto qualquer
interpretação neste sentido. Não se extrai da manifestação qualquer
ofensa à Lei nº 7.716, de 1989, que define os crimes de preconceito de raça
ou cor, incluindo-se também o preconceito por origem nacional. A parte
noticiante, a esse respeito, teceu considerações absolutamente genéricas.

44. Quanto à possível ocorrência de delito eleitoral e o pedido


alternativo de envio dos autos para processamento junto ao Inq nº
4.781/DF, reitero que o próprio Relator do indigitado inquérito tomou
contato já com os fatos envolvendo a fala do Presidente da República
(que, a propósito, foi noticiada por todos os grandes veículos de
comunicação) e, a princípio, não detectou a ocorrência de crime,
conforme será discorrido adiante.

45. Não há, também aqui, repise-se, qualquer evidência de que


o Presidente da República tenha agido com o dolo que lhe é acoimado
pelos noticiantes. Ainda que assim não fosse, não se encontra conexão
com os fatos tratados no Inq nº 4.781/DF, o qual, nas palavras do próprio
Relator, conforme voto proferido na Pet nº 9.844/DF, tem como objetivo
“a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações
de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações
revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a
honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de
15

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com
a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e
documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de
atos ilícitos por membros da SUPREMA CORTE, por parte daqueles que
têm o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de
esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com
o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder
Judiciário e ao Estado de Direito”.

46. Enfim, as cogitadas subsunções a diversos tipos penais


revela apenas o nítido propósito de vir a incriminar o Chefe do Poder
Executivo Federal, per fas et per nefas, mediante elucubrações subjetivas
tiradas de ilações da objetividade dos fatos, donde se detecta o desvio de
finalidade no peticionamento. Chega-se ao ponto de propor
alternatividade nas incriminações cogitadas, não como decorrência de
possível conflito aparente de normas e da aplicação dos princípios que o
solucionam (como o da especialidade ou o da subsidiariedade), e sim
mediante a subordinação a eventos futuros, incertos e aleatórios,
denotando total desconhecimento ou desvirtuação da principiologia
constitucional garantista que rege a aplicação do direito penal no Brasil.

47. Não fosse o bastante, é oportuno registrar que o mesmo


fato que ensejou o protocolo destas petições no STF foi objeto de exame
no âmbito da representação nº 0611521-53.2022.6.00.0000, fato
amplamente noticiado pela imprensa. E o eminente Ministro Alexandre
de Moraes, no exercício da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ao
apreciar o assunto sob a óptica eleitoral, assim se pronunciou:

“Tal contexto evidencia a divulgação de fato sabidamente


inverídico e descontextualizado, que não pode ser tolerada por
esta CORTE, notadamente por se tratar de notícia falsa
divulgada durante o 2º turno da eleição presidencial.

16

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

A notícia, conforme indicado pelos Representantes, com


indicação dos respectivos links, foi reproduzida pelos demais
representados e, inclusive, mencionada e comentada pela
esposa do Representado Luís Inácio Lula da Silva.

A divulgação de fato sabidamente inverídico, com grave


descontextualização e aparente finalidade de vincular a figura
do candidato ao cometimento de crime sexual, parece suficiente
a configurar propaganda eleitoral negativa, na linha da
jurisprudência desta CORTE, segundo a qual a configuração do
ilícito pressupõe ‘ato que, desqualificando pré-candidato, venha
a macular sua honra ou a imagem ou divulgue fato
sabidamente inverídico’ (AgR-REspe 0600016-43, Rel. Min.
LUIS FELIPE SALOMÃO)”.

48. Nota-se que o eminente Presidente do TSE não só


detectou manifesta descontextualização das falas do Presidente como
deixou patente a tentativa de uso político. E mais: ainda que a análise
tenha sido feita à luz da legislação eleitoral, se houvesse, de fato, algum
indício da prática de ilícitos penais, seria o caso de determinação de
remessa de cópia ao Ministério Público para o eventual oferecimento de
denúncia, conforme prescreve o art. 40 do Código de Processo Penal:

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem,


os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação
pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os
documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

49. Feitas as observações acima, nunca é demais lembrar, e no


presente caso se mostram oportunas, as lições de Basileu Garcia a respeito

17

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

da correta interpretação das leis penais e, notadamente, dos tipos


incriminadores:

“(...) não pode o intérprete, a pretexto de penetrar no


significado da norma penal, dilatar-lhe o âmbito, a ponto de
infringir o princípio da legalidade dos delitos e das penas,
criando por analogia, para regular e punir determinado fato,
um preceito que não o alcançava.

(...)

A interpretação, em matéria penal, em se tratando de


incriminar, deve, pois, ser declarativa, ou estrita. Mas também
se pode dizer que o intérprete necessita revestir-se de
preocupação restritivista, porque só havendo sincero cuidado
de restringir se evitará ampliar injustamente a
compreensividade do texto punitivo.

(...)

Decorre a tipicidade da perfeita conformidade da conduta


com a figura que a lei penal traça, sob injunção do princípio
nullum crimen, nulla poena sine lege. Só os fatos típicos, isto é,
meticulosamente ajustados ao modelo legal, se incriminam”6.

50. Os tipos penais não podem ser interpretados de forma


estrita em face de uns e de forma elástica em face de outros, em
verdadeira aplicação do vetusto Direito Penal do autor em detrimento do
Direito Penal dos fatos. A defesa do garantismo penal e de seus
princípios, tão celebrados deve valer para todos. Não é admissível
excepcionar a legalidade e a defesa da Constituição a depender dos
sujeitos envolvidos.

6
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. Volume I. Tomo I. 4ª Ed. São Paulo: Max Limonad, 1972,
162, 195 e 196.

18

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

51. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ressalte-se,


firmou-se de modo contrário à deflagração de persecução criminal
quando ausente base empírica mínima. Nesse sentido, destaco julgado
desta Suprema Corte, assim ementado:

Agravo regimental na petição. Representação mediante a


qual se noticia a existência de fatos supostamente ilícitos
praticados por membro do Superior Tribunal de Justiça e por
familiares. Manifesto descabimento da presente pretensão.
Representação não acompanhada de documento ou qualquer
indício ou meio de prova minimamente aceitável que noticie
ou demonstre eventual ocorrência das práticas ilícitas
apontadas pelo agravante. Afirmações que partem de simples
matérias jornalísticas anexadas aos autos. Ausência de base
empírica mínima. A parte se limitou a fazer interpretações de
ordem conjectural a respeito das reportagens. Investigação de
magistrado que só pode ser feita pela própria magistratura.
Inteligência do art. 33, parágrafo único, da LOMAN.
Prerrogativa que não objetiva favorecer aqueles que exercem a
magistratura, mas garantir a independência do exercício de
suas funções, além de evitar manipulações políticas de
investigações e a subversão da hierarquia. Doutrina e
precedentes. Argumentos insuficientes para infirmar a decisão
agravada. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Pet nº 9.018-AgR/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI


(Presidente), Tribunal Pleno, j. 31/08/2020, p. 21/10/2020; grifos
nossos)

52. Mais uma vez, observo que o Poder Judiciário não pode
ser instrumentalizado pelas disputas político-partidárias ou mesmo
ideológicas, dando revestimento jurídico-processual ao que é
puramente especulativo e destituído de bases mínimas de elementos
aptos a configurar a necessária justa causa para a persecução penal.
19

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE
PET 10644 / DF

53. Diante de tal panorama, outra conclusão não remanesce,


como se vê, senão a de que, por absoluto, não há elementos probatórios
suficientes (justa causa) para autorizar a deflagração da persecução
criminal. Por oportuno, levanto o segredo de justiça sobre os autos.

54. Ante o exposto, nego seguimento ao pedido, com base no


art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Dê-se ciência à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 25 de outubro de 2022.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA


Relator

20

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C58B-9B47-151D-5873 e senha D304-5980-B182-68DE

Você também pode gostar