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NOTAS SOBRE A DICOTOMIA CORPO-PSIQUE José Leon Crochik Protessorwre-Docert ttt de Psicologia da Unversdade de So Paso): Docene do PUSP e dos Programas de Estudos Pos-grasundos em Edvcagio: sti, Plc, Sociedade «em Picologia Sil PUC-SP: esqusadorBolist do CNP, Resumo: Hate ensaio teve como objetivo relete sobre a dicotomia estabelecida pela nossa cultura entre corpo e psig, tomando como base alguns textos de S. Freud e outros de TW, Adorno. wwras-chave: corpo: psiques eoria critica da sociedade; psicanslises dominagio social NOTES ON THE DICHOTOMY BETWEEN BODY-PSYCHE Abstract: The aim of this paper is co examine the dichotomy established jn our culture between body and peyche in reference to the work of Adorno and Freud, Keywords: bods; psyche; rtieal social theory; psychoanalysis; social domination. A relagio entre natureza ¢ cultura percorre o texto Dialtica do csclarecimento, de Horkheimer ¢ Adorno (1985), de forma que 0 materialismo de Marx é ampliado pelo conceito de dominagio sobre a satureza para dar conta dessa relacio. A luta de classes é uma das formas de expressio da vinganga da natureza a0 dominio provocado sobre ela nna luta pela autoconservagio, uma ver que, segundo esses autores, mesmo antes da propriedade privada a violencia € suposta na mais simples divisto de trabalho: a dos géncros. E.com o fim do nomadismo, argumentam: “a ordem social foi instaurada sobre a base da propriedade Dominagio ¢ trabalho separam-se” (p. 28). Assim, antes da 103 Vou X= m819 +p. 105-122 « Jajon 2005 propriedade,o trabalho ji se apresentava como uma forma de dominagio da natureza', A dominagio da natureza, que se tornou intrinseca & nossa civilizagao, deve ser combatida, tendo em vista @ libertagao da humanidade. Dominagio que se apresenta também nas relagdes entre os homens, € como autodominacio, A dominagio em nossa histéria, até 0 momento, aparece como a base da mediagio da relagio dos homens entre si, € como representante da natureza ainda aio inteiramente dominada. Conforme Horkheimer e Adorno: Hoje, quando a utopia baconiana de “imperar na prities sobre a naturexa”™ se realizou auma escala teliriea, tornou-se manifesta a esséacia da ‘coagio que cle aribuia& natureza nio dominada, Era a prépria dominacio, E. A sua dissolucio que pode proceder o saber em gue Bacon vé a “superioridade dos homens” (1985, p. 52) Essa concepgio esti também presente em Freud (1986), no texto Mal-estar na civiligasie’, que a0 se contrapor & explicagio de que a propriedade a fonte original da violéncia, argumenta que o desejo da posse ¢ anterior propriedade; essa é uma forma poderosa de agressio, mas nfo é a tinica, € tampouco a primeira. Poderiamos supor, entio, que os frankfurtianos estivessem influenciados pelo pensamento freudiano, mas de forma distinta desse, Horkheimer e Adorno (1985) no supGem que a violéncia seja inerente ao homem como forma de expressio de um principio universal, representado pelas pulsées de morte. A dominagio ¢ natureza no dominada; a liberdade depende de sua superagio’. A dominagio que recai sobre a natureza expressa-se na sociedade que medeia todas as relagdes. A sociedade refere-se As relagbes objetivas que os homens eriaram coletivamente para dar conta de suas necessidades, “Mediada pela dominagio, tem se configurado historicamente pela violéncia. entre suas partes. A cultura, por sua vez, é conceituada como a producio de rituais, costumes, regras e pensamentos, que dependem das relacées, objetivas. Se a formacio do individuo refere-se & incorporagio da cultura, a sociedade apresenta-se por meio dessa. A historia deve ser a da relagio entre natureza ¢ cultura, mediada pela sociedade. A natureza nfo pode ser pensada unicamente como o para si humano, 104 INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre mas também como em si. Allés, como argumenta Adorno em Idéia da ‘tira natural (199), natureza e historia estio enteelagaclas: a historia € natureza humana, © corpo humano, como corpo sublimado, remete também & historia € & natureza, O beijo e a earicia lembram a mordida e 0 tapa que os nossos antepassados utilizavam em suas relagdes sexuais Segundo Horkheimer ¢ Adorno: A beleza do colo ¢ 0 torneado dos quads agem sobre a sexvalidade no ‘como fatos ahistGrieos, puramente naturais, mas come imagens que ‘eacerram toda a experiéncia social, Nesta experiencia esti viva inte de algo diverso da natureza, o amot nio limitado a0 sexo. Mas a teroura, aré mesmo a mais incorpérea, €a sexualidade metamorfoseada, A mio acariciando os cabelos ¢ 0 beijo na fronte, que exprimem o desvario do amor espiritual, sio formas apaziguadas de golpes ¢ mordidas que acompanham, por exemplo, o ato sexual dos selvagens austraianos, \ separagdo é abstrata (1985, p. 103) ‘A ideia de corpo sublimado remete ao corpo histérico, que reine rnatureza e cultura, ¢ implica também o corpo transformado segundo as técnicas e as necessidades sociais. Descartes tenta separic-los, mas a nogio de natureza ja € cultural, ou seja, para a sociedade da époea, 0 corpo deveria ser metrificado, dado que poderia ser pensado como ‘uma maquina, € a nogio de maquina nio pertence & natureza, Mas a medida, assim como a matemitica da qual provém, é segundo Horkheimer e Adorno (1985), a mais clevada sublimagio do que esta morto. O corpo-maquina, representado como tal pelo espirito, distingue-se desse por necessidades sociais. O que leva a pensar que a distingio coxpo-mente €, como Adorno costuma se referit a outras dicotomias, falsa ¢ verdadeita’. A constatagio de ser falsa ocorre quando se considera que 0 pensamento emana do corpo. Em outras palavras, as pulses como representantes psiquicas de necessidades somiticas sio corpo e psique, ¢ se atualmente sio considerados separadamente é porque os desejos que essas pulsdes visam satisfazer sto negados; nio 8608 produtos para satisfazer os desejos sio simulaeros, mas os préiprios, desejos quase no podem ser elaborados:. Em Tabus sexnais ¢ direitos igs INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 Jaje, Adorno (1969) descreve a “sexualidade dessexuada”, afirmande que a manifestagio sexual na sociedade industrial tem sido Hiberada, mas snio a propria pulsio. Se o desejo € o pai do pensamento, na sociedade administrada este tltimo tende a se tornar 6rfio. Mas a separagio entre corpo € psique é verdadeira, na acepgio que considera o corpo como maquina, na humilhagio a que ele deve ser submetido, como o édio da civilizagao 4 natureza dominada. © coxpo como sede de realizacio dos desejos, mediado pela psique, Jembra a submissio a natureza que © homem deve negar. Negando a natureza, nega-se o desejo. Deve-se lembrar, contudo, que a negagio do desejo nao significa sua eliminagio. Oespisito cultuado mas desprezado por aqueles que no puderam desenvolvé-lo representa também a cultura desnaturada, O corpo forte, no entanto, contrapde-se & fragilidade que é atribuida ao pensamento, © 0 compo feigil, assim como a fragilidade em geral, é desprezada pela natureza fortalecida como culto a0 corpo. A separa¢io corpo-espitito representa a ruptura entre naturcza ¢ cultura. De um lado, os deserdados da cultura, mas mediados por ela, promovem o culto 20 corpo forte € saudvel de outro, os hexdeiros da cultura, do esclarecimento, dificultam. sua democratizagio e desprezam 0 corpo, pois consideram-no como natureza superada, A dominagio apresenta-se em ambos os pélos Contudo, 0 esclarecimento, segundo os frankfurtianos, é natureza © mais do que natureza, Abandonat a natureza é perder o elas da vida. ‘Abandonat a cultura € encaminhar-se rapidamente pata a destruicio. Mas 0 ideal hoje fortalecido de corpo © mente saudaveis, pelo endurecimento de ambos, torna-os insensiveis 4 experiéncia, ‘A mesma racionalidade est presente na percepgio do corpo e do espirito. Um corpo forte & um corpo treinado, disciplinado, capaz de destruigio do outro com o menor dispéndio e na mais pura assepsia; 0 espirito forte deve presidir o homem pritico, de ago, capaz de modificar arealidade em fungio do que quer. Se a unitio da forca fisica domesticada com a forga espiritual € 0 modelo do individuo burgués, a dupla hicearquia que Adorno percebe na escola ~2 hicrarquia daqueles que 95 INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre se saem melhor nas disciplinas dentro da sala de aula e a hierarquia dos que vio melhor nos esportes e nas atividades corporais ~ seguem uma mesma logica. Caberia verificar empiricamente 0 quanto essas duas hrierarquias estio cada vez mais entrelagadas. Mesmo que isso nao se realize na escola, a pressio para que todos desenvolvam ao maximo suas potencialidades, no para a liberdade, mas para o desempenho, deve encaminhar todos para o corpo ea mente treinados para enfrentar as adversidades da vida, Certamente no ha problema em se valorizar, 1a formagio do individuo, o desenvolvimento do corpo e do espirito para a adaptagio, pois essa é necesséria; a ctitica & necessiria quando esse desenvolvimento é considerado como ideal, clidindo a formacio para a sensibilidade que vai além da adaptacio, ¢ representa a prépria possibilidade da experiéncia. A cisio natureza-cultura foi necessitia dentro da l6gica da civilizagio cocidental para que a base material de uma cultura verdadiramente humana pudesse se realizar, mas isso niio deveria implicar a superioridade da segunda sobre a primeira, e sim a possibilidade da convivéneia com 0 que é outro: natureza como recordagio do que teve de ser abandonado € na cultura pode se expressar e realizar de forma nao destrutiva € iferenciadora, Nas palavras de Adorno: Se fosse permitido especular sobre estado de reconeiliagio, no caberia imaginé-lo nem soba forma de indiferenciada unidade de sujeito ¢ objeto nem sob a de sua hostil antitese: antes, a comunicagio do diferenciado. Somente entio 0 conceito de comunica¢io encontraria seu lugar de dircito como alga objetivo. O atual é tio vergonhose porque trai 0 melhor, 0 potencial de um entendimento entre homens ¢ coisas, para ‘entregiclo a comunicagio entee sujeitos, conforme os requerimentos da razio subjesiva, Fim seu lugar de direito escaria, também do ponto de vista da teoria de conhecimento, « relacio entre sujeito e abjeto na paz realizada, tanto entre os homens como entre cles, € 0 outro que néo les. az é um estado de diferenciagio sem dominagHo, no qual o diferente & compartide (1995, p. 184), [No fascismo o corpo foi lancado sobre o espirito € o ressentimento dos que nada possufam se associou com a crueldade, que teve vazio 107 INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 por meio da tecnologia mais avangada. A crueldade, conforme se pode depreender de Horkheimer ¢ Adorno (1985), é formagio reativa do desejo da proximidade dos corpos. A alienagio espacial necessaria para a constituigio de um eu corporal traz consigo a lembranga do que foi perdido: o aconchego dos corpos. A ambivaléncia em relagio ao corpo, © amor e o ddio pela mulher, emetem & separagio burguesa entre a felicidade © a autoconservagio. A maxima de Schoppeshaeur (citada por Frend, 1976) sobre porcos espinhos em uma noite de frio ilustra bem essa ambivaléncia: 2o sc aproximarem em demasia, scus espinhos ferem 0 outro, a0 se afastarem, sentem frio A civilizagao, o esclarecimento, ao perderem a origem retornam & morte em vida. Se o homem troca parcela de seu prazer por uma vida em seguranga, a civilizagio no tem compensado mais tarde a realizagio adiada do desejo, Se o fascista é, segundo Horkheimer € Adorno (1985), aquele que nunca se sente satisfeito, a civilizagio ocidental dé as bases para seu surgimento. A hostilidade dos homens em relagio & cultura foi examinada por Freud (1986) ¢ circunscrita por Adorno (1991b): os individuos nao se reconhecem na cultura, que Ihes impée constantemente sacrificios que quase no sto recompensados no futuro; pata a cultura, a felicidade dos individuos no esté em primeiro plano, A critica A civilizagao técnica nio levou os frankfurtianos a defenderem uma utopia da vida natural; 0 esclarecimento ¢ dialético, deve desencantar até 0 fim, mas sem perder o encanto da vida; calcado nos descjos, estes nao devem set abandonados, mas compreendidos «em sua elaboragio, que os permite se tornarem mais do que natureza, Assim, nio € 0 desejo da dominasio que deve ser ptimordialmente combatido, mas a pripria dominagio social que o suscita e permite seu desenvolvimento e manutencio. Compreendendo a0 que se ditige esse desejo de dominagio, de posse, a prépria dominagio social pode see combatida. Para isso, a ideologia que a justifica também deve ser ctiticada. Mas a razo humana que serve 4 dominacio ¢ também 4 liberdade nao deve ser destrufda, ¢ sim superada nessa contradigio, 0 que s6 € possivel em uma sociedade livre. 108 INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre Se 0 esclarecimento regride ao mito é porque se tornou fim em si mesmo, ¢ nio mais meio para constituir uma sociedade racional. O dio 4 técnica no € menos pernicioso do que o fetiche associado a cla. E assim a disciplina do corpo nao é 6 irracional, pois pode permitir, pela repeticao, a liberdade dessa repeticio. Quando 0 corpo pode ser isciplinado para a minesi original ~ 0 impulso em diego a0 outro — » para permitir o conhecimento, pata o prazer, adisciplina é dominacio que se reconeilia com a natureza e pode ser liberdade: “Os instrumentos da dominacio destinados a aleancar a todos, ~ a linguagem, as armas € pot fim as méquinas — devem se deixar aleangat por todos. E assim que © aspecto da racionalidade se impée na dominagio como um aspect que é também distinto dela” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 48) Os sactificios exigidos e a conseqtiente disciplina sio racionais, ¢ por isso no sio sacrificios quando associados a necessidades objetivas; quando aio o sio, ressaltam basicamente a manutengio de uma sociedade que deveria ser transformada. A disciplina para o trabalho foi necesséia, agora é anacronica's ja disciplina do espitito é necessivia para 0 convivio civilizado, O sactificio que no opée o individuo e a coletividade nao ¢ irracional. Segundo Horkheimer e Adorno: Enquanto os individuos forem sacrificados, enquanto o sacsficio implicar 44 oposicio entre a coletividade e o individuo, a impostura sera uma componente objetiva do sacrificio. Se 2 fé na substituicio pela vitima sacrificada significa a reminiscéncia de algo que nao é um aspecto Diginario do eu, mas proveniente da historia da dominasio, ele se ‘converte para o cu plenamente descavolvido numa iaverdade: 0 eu & cexatamente 0 individue humano ao qual no se credita mais a forsa magica da substituicio (1985, p. 58). ‘A disciplina para a sustentagio da dominagio deve ser eriticada; a disciplina que permite a liberdade nao, Fm Kant, em Freud,em Adorno, ainda que por argumentagies diversas, cla € necessétia. Para Kant, a disciplina da vontade é necessétia para se seguir o imperativo categérico; para Freud, sem repressio das pulsdes, no ha civilizacio; para Adorno, sem a anto-reflexio, sem o esclarecimento, que implicam consciéncia do que deve ser evitado, nio ha conciliagio. A eritica da dominacio 109 Vou X= M819 +p. 109-122 » Jajon 2005 envolve a dominagio do pensamento subserviente, Criticar a disciplina cexige disciplina, se nfo se quer recair na negagao indeterminada. Os sacrificios de Ulisses, personagem da Odistia, realizados no regresso a Itaca, poderiam ter tido fim quando retomnou A sua patria; sua introversio rege que a viagem tenha chegado ao fim, tornando o homem um eterno errante, Segundo Horkheimer e Adorno: “Todos esses sacsificios supérfluos sio necessirios: contra o sactficio, Uma vitima de um desses sacrficios 0 proprio Ulisses,o eu que esti semprea se refrear e assim deixa escapar a vida que salvou e que 56 recorda como uma viagem de ertos. No entanto, ele éao mesmo tempo uma vitima que se sactifia pela aboligio do sactifieo, Sua rentineia senhortilé enquance uta com © mito, representativa de uma sociedade que nie precisa mais da zeninela e da dominagio: que se tornow senhora de si, nio para fazer violéncia asi mesma e aos outros, mas para a reconcliagio (1985, p. 61). Nao ha problemas em errar, em navegat, mas em nao se reconhecer em nenhum lugar. verdade que, segundo a psicanilise, o objeto primordial do desejo, por seu caréter fantasmagérico, perdeu-se para sempre, o que no o impede de ser perseguido nas diversas experiéncias a0 longo da vida, e dessa forma, a relagio desconhecimento- reconhecimento apresenta-se 0 tempo todo. O novo objeto é conhecido, intermediado por algo que foi perdido no pasado, mas ao mesmo tempo como sendo distinto desse. Na anilise que Adorno ¢ Simpson (1986) fazem sobre a miisica séria, o ja conhecido é meio para se chegar a0 novo, que a miisica popular estandardizada impede. Quando s6 0 conhecido é percebido, quando 0 objeto € feito um para-i, 0 io hd identifieacio, ‘ow melhor, ha, mas ao nivel inconsciente, o que preside o preconceito, como uma identifica homem se reproduz; quando pasado é negado,, 10 negada, Enfim, a lembranga dos sacrificios, dos sofrimentos, dos antepassados, é importante; a sua perpetuacio gera o cativeiro. © corpo 6, segundo Freud (1986) ¢ Adorno (1991b), a base das ameacas. A principal delas é a mutilagio, a castracao. Sob essa ameaca corre a formagio burguesa. © gue implica que sua base é 0 medo. Esse medo deveria ser mitigado pela civilizacio e por seu representante p99 INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre — 0 esclarecimento -, mas é perpetuado. Quando o medo pode ser expresso, pode encontrar outros caminhos, que nao a sua transformagio em violéncia ou em submissio, que € autovioléncia. Quando nio é conhecido, pode se converter em asticia e dominagao. O horror mitico, que sobreviveu no esclarecimento em suas diversas figuras, impele & negacio da separagio entre natureza e cultura, A ideologia como justificativa da dominacio tenta negé-la sempre exigindo o sacrificio, para que 0 sactificio maior seja evitado. Assim, sucumbe-se para nio sucumbir. A ideologia poe a amcaca 4 distincia, 0 medo quase no é reconhecido, e menos ainda a objetividade que o suscita. O medo real 6 substituido pelo medo social de ser expulso da coletividade (Adorno, 1991), e a indastria cultural suscita continuamente a mania para que o individuo suportea sua impoténcia frente & sociedade, cuja consciéncia deve ser sempre negada, mesmo quando se apresenta como reconhecimento da impoténcia ¢ da falha individuais, que dificultam a adaptagio bem-sucedida, que suscitam a subservigneia, Em uma sociedade complexa, como a do século XIX, a ideologia ‘mantinha alguma racionalidade (Horkheimer e Adorno, 1978). Os ideais defendidos poderiam ser universalizados, Sua falsidade residia em nfo poderem ser realizados por uma sociedade antagénica, Em uma sociedade menos complexa como a atual, devido aos mecanismos de producto © controle sociais, a ideologia € menos sofisticada, © que torna a ameaga mais visivel Se o espirito é fortalecido em uma sociedade mais complexa, que exige, por necessidades materiais, alguns homens produtivos, na sociedade de abundancia real ou potencial, mas que administra por meio da caréncia, o espitito repride A libertagao da fome, da miséria, da dor, associava-se com formagio da humanidade, ¢ assim as conquistas materiais eram também cconquistas politicas; por isso também a ideologia liberal era verdadeira. Na sociedade atual, quando as condiges objetivas para a liberdade do sofrimento, oriundo da escassez da producio material, ja estio estabelecidas, a luta poruma humanidade liberada é negada. © progresso foi sustado ao ter de se desenvolver unicamente dentro da ordem. A administragio em que se tornou a politica é a expressio mais directa m Vou X= M819 +p. 109-122 » Jajon 2005 dessa ordem. Por ter sido suspenso 0 movimento de transformagio social, © espirito, a cultura, diminuem sua distancia da sociedade, pasando basicamente a reproduzi-la. Os homens sucumbem & materialidade. Assim, a ameaca torna-se mais visivel, sobretudo a da destruicio, ¢ a pr6priaideologia é empobrecida. Nas palavras de Horkheimer e Adorno: Se a eritca materilista da soviedade objetou outrora 20 idealsmo que rio & a conseiéncia que determina 0 ser, mas é 0 ser que determina a conscigacia, que a verdade sobre a sociedade nio seri encontrada nas concepgies idealistas que cla claborou sobre si mesma, mas em sua ‘economia, a autoconsciéncia dos contemporincos acabou por rejcitar semelhante idealismo, Eles julgam seu proprio eu segundo o valor de mercado ¢ aprendem 0 que sic a partir do. que se passa com eles na ‘economia capitalist (1985, p. 197) Assim como 0 enriquecimento, tal como impulsionado pelo inismo, poderia trazer 0 reino dos céus, evitar a perdigao, 0 fortalecimento do corpo tenta imaginariamente responder & ameaga. Seo corpo do guerreiro significava poder, e na Grécia antiga era restrito 1 poucos, sua universalizacao significa a possibilidade de se defender cotidianamente de um inimigo quase visivel. A idéia da saiide parece preceder a da estética que se pretende do corpo forte. O corpo belo é © compo saudavel, O excesso deve ser evitado. Mas é 0 excesso que é suscitado como resposta ao controle continuo; excesso esse que se torna compulsio para a repetisio; assim, se 0 progresso deve se restringir 4 ordem, 0 excesso restringe-se a0 controle; ambos—excesso € controle ~ sio possiveis, mas como repetigio do existente, posto que niio sio mais vineulados a fins humanos, cal (© excesso, que outrora poderia significar uma tentativa de libertagio e pode ser pensado na figura do especialista ou do neurético que exageravam algumas tendéncias de suas agdes, hoje perde a especificidade; ainda deve significar uma tentativa de libertacio, mas sob a forma da compulsio nao tem mais nenlauma especializagio, Adorno (1991b), ao citar a frase de Mandeville ~ “Vicios privados, virtudes piiblicas” —, mostra que o considerado patolégico da perspectiva do individuo, de sua vida privada, é importante para as necessidades sociais, yg INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre ‘Assim, o fetiche pela técnica pode ser problemético para a vida do individuo, mas sem a técnica, € os homens que se identificam com ela, nfo haveria progresso; a neurose obsessiva pode dificultar a vida dos individuos que a desenvolvem, mas sem as manias de limpeza, de organizagio, de perfeigio, virias atividades sociais importantes nio seriam possiveis. Segundo Adorno (1991b),a sociedade a cada momento leva os homens fs represses psiquicas que necessita, Voltando a questio da compulsio 4 repeti¢ao, nesta 0 sentido é expropriado © a propria repeticao o retém. Tentativa desesperada de se libertar nao se sabe bem do qué. O excesso, 0 exagero, o que vai além do necessirio— no trabalho, no sexo, no cultivo do corpo, nos euidados com a satide fortalecem a percepgio da dialétiea do esclarecimento explicita em Freud (1986): os homens conseguiram avangos que permitiram uma vida mais longa, porém sem prazer. Do que se pode depreender 2 pergunta: satide para o qué? Para a morte, responde Adorno (1975). O desempenho sexual totnou-se também uma questo de sate; ‘nfo tra mais, segundo Marcuse (1981), 0 impeto de liberdade e de felicidade que antes a sexualidade podia conter. Ao mesmo tempo expressa saiide e faz bem para essa e para a realizacio da idéia da felicidade natural, Os desejos sexuais, associados aos fetiches fornecidos pela industria cultural nfo trazem mais a promessa de prazer que se contrapée & disciplina social, é mais um de seus elementos. Os modelos sexuais ofertados por essa inchistria tém sua base nos que podem se beneficiar do consumo de uma dicta alimentar, de exercicios fisicos prescritos, de uma vida na qual a ameaca da miséria esteja aparentemente ais distante. Por serem postos como modelos, ¢ voltados sobrerudo para o corpo duro, preparado, isto &, controlado pelas medidas estabelecidas, io corpos que todos podem ou poderiam ter. Por serem. basicamente corpos padronizados, nio retém o que os particulariza e permite sua beleza como vida. O movimento do andar, dos gestos, que podem expressar a sensibilidade e a sensualidade, tornam-se artificiais como os apresentados pelos modelos em desfiles. Os corpos assim tornam-se intercambiveis, Mas o amor, segundo Freud (1976), remete na INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 4 fasio entre as pulsdes propriamente sexuais € as pulsdes inibidas em sua finalidade sexual; dessas iltimas provém o carinho, oafeto, aternura; clas particularizam o objeto de amor, tornando-o insubstituivel, Ou seja, para o amor existir, para ser pleno, a pulsio deve set um tanto refteada pelo objeto, ¢ no atravessi-lo. Esse refreamento da pulsio, que permite a particularizagio do objeto, € 0 que Ihe dé um sentido e a distingue da compulsio. Esta nio se relaciona com objetos particulares, ce assim impede a prépria individuagio, A sexualidade converteu-se em rituais sexuais, ¢ por isso tornou-se coletiva, ainda que exercida isoladamente ou em pares. Segundo Marcuse (1999), esse ritual fez parte da psicologia das massas do fascismo alemao: a liberdade sexual como um dos preceitos para manter uma sociedad opressiva. A exibigdo dos corpos belos ¢ saudaveis deve corresponder a contengio dos desejos suscitados nos outros. Ainda que em todos os Jugares homens e mulheres desfilem, querendo ser desejados, os desejos sexuais que suscitam s6 podem ser realizados, como nio poderia deixar de ser, com a anuéncia do proprietirio do corpo descjado, Mas 0 querer set desejado parece ter se colocado no lugar do proprio desejo. Assim como Adorno (1995) relatou que algumas mulheres sentiam mais prazer «em se preparar para. festa do que com a propria festa (hoje isso também pode set dito em relacio 20s homens), ¢ em conjunto com Horkheimer (1988) assinalou que a industria cultural tende a substituir 0 prazer pelo pré-prazer, o querer ser apreciado se pie no lugar da propria relacio, Isso nos remete i histeria descrita por Freud ao final do século XIX: mulheres que seduziam os homens, mas se negavam a eles, ¢ & anilise sobre a inckistra cultural que apresenta promessas de felicidade que no devem ser cumpridas. Na indistria cultural, o voyeurismo € 0 cxibicionismo sio complementares. Eles deveriam comporo ato sexual € no substitui-o; quando isso ocorre, 0 verdadeiro prazer que vai além do corpo, mas tem sua base nele, é negado, Ele se restringe a0 corpo e assim reafirma a presenga da natureza dominada na sociedade. Freud (1976) nfo concedeu a0 romantismo burgués. © amor espiritual tem sua base no desejo do corpo do outro; mas o descjo nto € somente expressado pelos instrumentos fornecidos pela cultura, é na INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre configurado por cla. O desespero do desejo da completude que é buscado no outro remete ao conhecimento da incompletude individual. Ao mesmo tempo, de acordo com Freud (1986), mas também com Adorno (1969), 0 amor rompe as fronteitas do ego. Mas para que elas possam ser rompidas, devem ser estabelecidas. S6 quem possi um ego delimitado pode amar. A fragilidade do ego, que suseita a onipoténcia como reagio a impoténcia que é percebida, nao permite 0 delineamento de um eu. Os outros também no podem ser delimitados como objetos especificos do amor, pois para a pulsio ser refrcada e se deter no objeto é necesséria aquela delimitagio. Assim, os corpos belos ¢ saudaveis sio admirados ¢ possuidos como prosseguimento daqueles que 0 admiram ¢ 0 possuem. Nesse sentido, o corpo belo e saudavel torna-se propriedade ¢ valor de troca do que no pode ser cambiavel. De um lado pode-se, por meio do corpo, conceder prazer para quem se permite possul-lo, mas esse outro no é um outro, mas aquele que se assemelha a si mesmo, De outro, a recusa 20 outro de um prazer constantemente estimulado, mas nunca permit, suscitao ressentimento de nao poder possuir o que outros possuem. O estupro, como violagio do nao consentimento, pode ser uma resposta ao controle da sexualidade perpetuamente suscitada, Claro que se 0 corpo torna-se valor de ttoca, ‘mesmo o consentimento no evita o estupro, uma vex que ele se refere também a ter se tornado mercadoria, Assim, o estupro, como & consideradlo nesta sociedade, tem sua base no “roubo” da propriedade de outrem. Certamente no & um roubo como outro qualquer; mas se © trabalho no capitalismo, segundo Marx (1978), pode ser associado, com a prostituigio, o estupro também pode ser relacionado a retisar algo de alguém. Para além da propriedade, mas mediadas por cla, no estupro as pulsdes destrutivas se sobrepdem 4 libido; 0 prazer sexual € meio pata realizar a destruigio, A dominagao € a posse, nese caso, servem 4 morte, Se como diz Freud (1986), no que é seguido por Adorno (1991b), © apreco que se tem pelos bens produzidos pela civilizagio é formacio reativa a0 que antes era no minimo indiferente, o prazer pode também se associar 4 redugio do corpo 4 mercadoria, ou ao que deve ser usado, ns INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 controlado, dominado, Uma espécie de identificagio com o agressor, que envolve 0 masoquismo, E. dessa forma, 2 posse do corpo pelo outro traz também a possibilidade da satisfagao com a violéncia, Dizem Horkheimer ¢ Adorno: [Assim como as mulheres tém adoracio pelo parancie impassivel, assim também os povos caem de joclhos frente a0 fascismo toralitisio. Nas pera pessoas que se entregam, elemento parandico que eas possuem deixa-se atrair pelo individvo parancieo como um ser maléfico, ¢ seus cescripulos morais pelo individuo sem eseripulos, a quem devotam sua _gitidio, Flas seguem um homem que nem sequer olha para elas, que nlc as considers come sujeitos, mas que as deixa entregues 20s miitiplos fins ddo aparelho social (1985, p. 178). Para Freud (1986), a particularizago do objeto ocorre pela necessidade de manté-lo; quando 0 desejo cessa apés o ato sexual, uma vez que se sabe de seu retorno, Na sociedade administrada, e nio s6 nela, observa-se também 0 conteatio: a necessidade de se manter a relagio particular, ulizando-se para isso da sexualidade. Nao devem ser poucos 0s easais nos quais 4 rel preservar o casamento, ou seja, os direitos adquiridos, no importando se esse é legalizado ou no. Dessa forma, a vontade, 0 desejo, sio mediados pela necessidade da manutengio da propriedade, que ilusoriamente nos defende das ameacas de destruigio. Assim, a propriedade além de mediar a escotha de parceitos ~ e esse termo ja € ctitieado por Adorno (1969) — medeia também a perpetuagio da relaga com namorados, mas aqui poder-se-ia observar o medo da solidio Jo sexual ocorre com o fito de iE uma espécie de estupro consentido, O mesmo deve ocorret associado ao de no set amado, ¢ 4 decorrente ameaga do abandono € da destruicio. O ter de procurar alguém para ser cuidado, como substituto dos pais, quase substitui o cuidado que a sociedade deveria ter para com todos. A convivéncia social certamente éa base da diferenciagio individual, como argumentam Horkheimer e Adorno (1978), mas essa diferenciagio ndo deve prescindir da solidio, que nos dias atuais € quase sindnimo de autonomia. A alienagio espacial, a separagao no espago, permite & n6 INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre delimitacio dos corpos; essa separacio, como eu corporal, é a propria base do individuo. Ulises, personagem da Odisria ~ 0 protétipo do individuo burgués —, s6 pode desenvolver sua astiicia sozinho, como meio de autoconservagio, Claro que hoje, sea autoconservagao poderia jf ser garantida por todos a todos, isso no implica que a separaco dos corpos, que preside a possibilidade do desejo, seja negada. Se 2 auto- reflexio s6 é possivel pela experiéncia com os outros, ela € voltada a0 proprio individuo. As criticas que Adorno faz & integragio cega a colctividade nao podem prescindir da auto-reflexio solitria. A separagio dos corpos enuncia o individuo. Algo semelhante pode ser dito da separagio entre corpo e psique. Mas a psique deveria ter 0 trabalho de buscar o objeto adequado para a satisfagio do desejo que tem base no corpo, Se qualquer ou varios objetos servem, o desejo regride & necessidade, O problema nao parece sesidir nesses tipos de separagio, mas na auséncia de relagio entre o que se separa. O corpo reduzido a méquina ou reprodugio do natural € objeto de ddio de um pensamento que no se reconhece mais na natureza. O corpo que pudesse expressar os sentimentos— cles mesmos produtos da relagio natureza-cultura poderia servi como critica ao softimento existente. A conversio histérica, definida pela psicanslise, caminhava nesse sentido: 0 corpo com fungdes alteradas pelo softimento psiquico, Se outrora o sofrimento corporal era deniineia da repressio social, hoje os corpos belos e saudaveis expressam 0 sofrimento coletivo: o mal-estar que paira como mi-consciéacia. A beleza exuberante ¢ intocada que os coxpos exibem assemelham-se a0 amor platénico: a natureza sob a forma de uma metafisica que expulsa o espitito — uma metafisica tornada natural. Relagées sexuais sim, desde que 0 espirito fique de fora, Tal como Simone Weill (1979) descreveu sua expetiéncia na fibrica, o espirito deve ficar no cartio de ponto,¢ s6 deve set recuperado & safda do trabalho. desempenho sexual que deve fortalecer imaginariamente um eu fragil nio pode ser pensado, mas mensuradlo, Segue as regras do trabalho produtivo, O corpo perfeito, que com o auxilio da tecnologia torna-se “natural”, representa a prépria dialética do esclarecimento: a submissio da natureza 7 INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 a0 homem sé ocorren com a submissio do homem natureza, Esta reaparece no que est mais desenvolvido. A separacio que deveria implicar uma relagio torna-se fusio dos dois pélos. [2 a vinganga da natureza, que dominada volta a dominar a cultura, Na relaga0 individuo-cultura ocorre algo semelhante. Adorno (1991b) indica que a sociedade mais avangada quase no permite a distingio entre ambos. © autoritirio reproduz quase imediatamente sua cultura. Como ele argumenta: a vit6ria da sociedade sobre 0 individuo € a vit6ria do id sobre 0 ego. Com a regressio do ego, ¢ portanto com sua fragilidade, os desejos mais primitivos do id podem ser “tealizados”, desde que a lealdade social permanega. O corpo perfeito reproduz a perfeigio da racionalidade social: tudo deve ter uma fungio, deve servir para outra coisa, nada deve ter valor em si priprio, nem a vida, que deve setvir & coletividade. (© corpo do histérico ainda implicava uma distancia entre a sociedade ¢ o individuo. Conforme defenden Marcuse (1981), a partir do inicio do século pasado os problemas psicolégicos passaram a significar imediatamente problemas politicos. J Adorno (1991b) argumenta que ideal para a sociedade administrada é aquele que reage 4 maneita de um autimato, Segundo ambos, as mudangas sociais € econdmicas acarretaram esse tipo de relagao aparentemente mais imediata. O enfraquecimento do ego resulta da perda da relative autonomia das instituigGes, que com o processo de racionalizagio social passaram a ter a mesma racionalidade da totalidade. O enfraquecimento do eu ¢ a perda da relativa autonomia das instituigdes nfo devem levar, contudo, a que se defenda a restauragio do pasado. No que se refere ao eu, claro que poderfamos ja ter um individuo autonomo que percebesse as contradigdes sociais € © que impede o prosseguimento do movimento dessas contradigdes, e atuasse para.a modificagio social. Se na configuragio social pode-se, segundo Adorno (1991b), encontrar as regressGes psiquicas que a sociedade impulsiona, a percepgio disso pode levar a resisténcia individual a0 que essa sociedade exige de sacrificios, por ora anacrdnicos. As instituiges, pela critica a0 passado eo presente, poderiam também. ns INTERAGOES «Vou X= W219 p, 108-122 = Jahon 2008, 0s Los Gocre conter espagos de resisténcia, o que certamente ainda ocorte, pois a racionalizag2o social nfo € somente contriria aos homens. Do passado é necessirio recuperar a esperanca perdida de que os homens poderiam set diferentes, desde que essa recuperacio nao tenha uma perspectiva romantica. O conceito de individuo defendido pelo liberalismo e pela formagio clissica, do qual o atual é uma sombra, é importante para que se possa avaliar a regressio existente, mas no é modelo a ser restituido, mesmo porque ji era problematico. Com uma sociedade livre da dominagio, a ameaga co medo nao scriam mais a base para a formacio do individuo, A separagio corpo-psique para ser superada nfio deve ser negada, © corpo que remete 4 natureza dominada, assim como a raza0, si0 natureza e mais do que natureva. O substrato real, isto €, natural, deve ser considerado. Ele ndo pode ser qualquer coisa que a sociedade imprima; tem os seus limites, que esto além das necessidades © possibilidades sociais. A flexibilidade da adaptagio humana nio é ilimitada, nisso reside o real, e portanto, o que é possivel. Mas isso no significa que a superagio dos limites nao faga parte da natureza humana, ou seja, da cultura. Ii dessa dialética, parece-me, que deveria se ocupar (0s que se preocupam com a dominagio dos corpos. B aqui se volta ao inicio deste texto: a natureza, tomada como matéria-prima ou como para sida sociedlade, deixa de lado a origem que insiste em se manifestar quanto mais negada é. Ora, como Adorno (1991b) argumentou, 0 que vem depois no é menos verdadeito do que a origem, mas se essa é desconsiderada perde-se 0 rumo. ns INTERAGOES Wau Xm 19 p. 109-122 « jon 2005 Nom: Notas 1. Nese exo, saurea ented da forma que Adorno (1991) detinea em sua cela ‘om hs, tentando superar no conc a ccotomianarces sta “Ses que 1s cestin de la elacn entre naturales e historia sea de plans con sredad, eaxonces so ofrecer un aspect respomtable cuando consign caer al Se iti ‘om Ser natural ens determina histrca extrema, en donde es miximamente Insc, oeundo consiga caparlanaturlers come ser histo donde es pasenia persie ens miko hasta lo mds hondo como naturales” (17) 2. inoressante nota, ands quero sia pose desemvover act texn, qua dalésca do efclarecimento apresenta-se nesse texto de Freud: 0 progresso socal ea Jmmanentementeregressio soc tendo em vista qu a elicdade humana no est ‘owt os pracpais objtvos da civiaagio, Desea forms, apretenta-se também a iia de ue o inv no €somente apendice da magunaia, mas da sociedad altaentereulanentada, isto 6, adminis 3. impoante ambém apontar aqui que Horkheimer Adorno (1985) entendem 4 «eldade como formagio rena deseo de proximidade dos omens, o que parece

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