Você está na página 1de 8

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA BAHIA

FILOSOFIAS NÃO CRISTÃS:


RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Seabra – BA
2019
Ana Nery Pereira
Claiver Maciel
Clara Solano
Greise Neves
Maria Clara Argôlo

FILOSOFIAS NÃO CRISTAS:


RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Este trabalho foi solicitado pelo


professor de Filosofia Azamor Guedes
como mérito avaliativo da 4ª unidade
para os alunos do terceiro ano do ensino
médio integrado em Meio Ambiente.

Seabra – BA
2019
RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: Candomblé(s)

As religiões afro-brasileiras se originam a partir da vinda forçada de africanos


de diversas nações ao Brasil, onde encararam uma realidade de obrigação de se
adequar ao padrão cultural e religioso do branco. Além disso, houve contato com
diferentes povos – tanto outros vindos de África, como povos europeus e indígenas
sul-americanos. É sabido que a maior parte dos africanos trazidos para o Brasil
vieram da Costa Ocidental do continente, área onde diversas nações tinham como
foco de suas práticas religiosas o culto aos orixás. Essas práticas vieram para o
Brasil, a princípio de uma forma dispersa e aos poucos concentrando-se como culto
institucionalizado (TAVARES, 2000, p. 11). Atualmente as principais religiões de
matriz africana no Brasil são o Candomblé e a Umbanda. Embora ambas cultuem os
orixás, a Umbanda apresenta elementos fortes do cristianismo e espiritismo,
enquanto o Candomblé, foco principal deste trabalho, conserva mais as
características das práticas africanas.

A palavra Candomblé vem da expressão kandom-bê-le em banto, e significa


“elevar prece aos deuses” (CASTRO apud TAVARES, 2000, p.12). Assim como
outras religiões, apresenta subdivisões, as chamadas nações. De acordo com
Ildásio Tavares (2000) haviam inúmeras nações no passado, mas hoje as que
permanecem são três: nação de Keto, nação de Jeje e nação de Angola-Congo. Há
também os chamados candomblés de caboclo – como é o caso do Jarê, religião
afro-brasileira endêmica da Chapada Diamantina – que são mais “misturados” com
outras religiões, inclusive indígenas, e guarda pouco dos cultos africanos. As demais
nações conservam mais fortemente as tradições originais do continente, mas
diferem muito entre si na musicalidade, idioma, lendas, oferendas, etc. A Egbomi¹
Cidália de Iroko disse em entrevista que as nações são tão diferentes umas das
outras como são os estados de um país: “Sergipe não é diferente de Pernambuco?
Alagoas não é diferente da Bahia? É a mesma coisa com ‘as’ nação”. Assim, é
preciso ter em mente que qualquer fala que unifique essa religião implica num
reducionismo, mas que nesse caso será necessário para não gerar complicações.
Vale ressaltar que o candomblé não apresenta um livro sagrado nem qualquer
escrito oficial, sendo portanto uma religião onde a oralidade detém papel
fundamental. Assim, para entender um pouco mais sobre a filosofia do candomblé,
pode-se tomar como exemplo um ditado muito conhecido e falado por pessoas de
todas as nações: “Kossi ewê Kossi Orixá”, que significa “sem folha não há orixá”. A
folha refere-se a natureza como um todo, pois a natureza é a essência dos orixás,
as grandes entidades cultuadas na religião. A Makota² Valdina de Oliveira disse em
entrevista (2010):
“Quando surgiu – segundo os bantos – o protótipo do
ser humano, já existia tudo pra possibilitar a vida do ser
humano: terra, água, planta… tudo o que o ser humano
não fez. E isso que é essência de orixá”.

A Iyalorixá³ Edelzuita de Oxalá disse em vídeo que os orixás são, basicamente, os


4 elementos da natureza, e complementou dizendo que as oferendas são como
uma forma do Homem ressignificar a natureza, pois se utiliza de atributos
oferecidos por ela para preparar as oferendas quando, por exemplo, se cozinha
feijão, ou até mesmo quando apenas se colhe frutas e flores e as oferecem ao
orixá, devolvendo à natureza o que a ela pertence. A Egbomi Cidália de Iroko
explicou em entrevista que o orixá não come “de garfo e faca” como nós, ele come
como um bebê dentro da barriga de sua mãe: absorvendo a “essência” do alimento,
sem precisar comê-lo diretamente. Em suma, a natureza no candomblé é
importante pois sem ela não há como cultuar os orixás, visto que ela representa a
própria essência dos mesmos.

Outros conceitos importantes dentro do candomblé que estão conectados são


tempo e ancestralidade. Como Makota Valdina explicou em entrevista, o tempo
ancestral foi – ao mesmo tempo que ainda é e está aqui – um tempo que não é
concebível para nós, humanos. Foi o período de criação de tudo que já estava aqui
antes dos seres humanos, inclusive os orixás. Assim, têm-se os orixás como os
ancestrais, que estão vivos em todos os elementos da natureza, fazendo com que
esse tempo ancestral ainda viva no presente. Os mitos e lendas são uma forma de
especular sobre como foi esse tempo, mas, para Valdina, eles não representam a
verdadeira essência dos orixás. Esse papel é da própria natureza.

A cosmovisão do candomblé parte de uma visão não-ocidental do mundo, e


portanto difere profundamente das noções de ética e moral disseminadas de
maneira generalizada na sociedade. Diferentemente do cristianismo, no candomblé
não há a visão dual de bem e mau, céu e inferno, pecado e reverência. O teólogo
dr. Volney Berkenbrock demonstra em seu artigo “O conceito de ética no
Candomblé” que essa religião não conta com um código ético fixo, como são os 10
mandamentos cristãos. A ética no candomblé é relativa, pois depende da relação
de cada indivíduo com seu pai ou mãe orixá. Evidente que há valores que são
disseminados como positivos, como o respeito aos mais velhos, a hierarquia do
terreiro e o cumprimento das obrigações com seu orixá, mas não há um padrão de
comportamento preestabelecido. Em seu artigo, Berkenbrock faz essa análise
através das bases da cosmologia iorubana, partindo de uma de suas premissas
básicas: Orum e Aiyê, os dois níveis de existência – seja esta material ou não.

Resumidamente pode-se dizer que existem Orum, o nível onde existe a


possibilidade da existência concreta, e Aiyê, onde a existência Orum se materializa
e torna-se, portanto, perceptível a nós. A existência é o dinamismo constante entre
esses dois níveis, sendo os “mediadores” dessa relação, os orixás. Acredita-se que
para tudo que existe materialmente há um orixá regente, possibilitador da
concretização da existência e que busca manter sempre o equilíbrio entre os dois
níveis. Esses orixás, embora representem forças da natureza, têm características
muito humanas: qualidades e defeitos, cores e comidas favoritas e preteridas,
desavenças e amizades com outros orixás, etc. E assim como cada um rege
elementos da natureza, eles regem também os seres humanos. Daí a ideia de ser
filho ou filha de um/a orixá. Quando uma pessoa inicia-se no candomblé, ela passa
a conhecer profundamente o seu orixá, e a personalidade dele influencia nela de
diversas maneiras. Através do cumprimento de suas obrigações com o/a orixá (a
grosso modo pode-se resumir a oferendas e sacrifícios), permite-se que ele/a
realize a manutenção do equilíbrio entre os seus níveis de existência. Nesse
cenário, não existe o bom e mau no sentido dicotômico que a visão ocidental está
acostumada – o mau é o desequilíbrio entre Orum e Aiyê, que pode levar a diversas
complicações na vida, mas não existe um jeito certo ou errado de ser, visto que
tudo depende da relação de cada indivíduo com seu orixá, do momento em que se
inicia na religião, etc. Assim, muitas coisas que são perfeitamente “certas” em uma
situação podem ser antagônicas à ética ocidental cristã, como coloca o exemplo
citado por Berkenbrock (2017, p. 21): “Os filhos de Ogum costumam ser [...]
dinâmicos, impulsivos, intransigentes e, em alguns momentos, mostram-se
violentos, sem saber equilibrar a convivência social” (KILEUY; OXAGUIÃ, 2009, p.
231). E ainda:
As noções de certo e errado, as pautas de direitos e deveres, as interdições, assim como
as regras de lealdade e reciprocidade, são moldadas na relação entre o seguidor e seu
orixá, entre o filho humano e o pai divino. Esta relação está acima de qualquer outra coisa,
e acredita-se que a personalidade do filho reflete a personalidade do orixá que é seu pai
ou mãe no plano mítico, o que lhe atribui por herança uma gama de comportamentos e
atitudes aceitos e justificados pelos mitos dos orixás e que podem contrastar muito com os
modelos de conduta cristãos (PRANDI, 2005, p. 148 apud Berkenbrock, 2017, p. 17).

Isso explica também porque no Candomblé não há uma figura única a ser
seguida, como é Mohammad para o Islamismo ou Jesus Cristo para o cristianismo.
As individualidades de cada orixá e de seus filhos são profundamente valorizadas e
cultuadas, pois são importantes para a jornada espiritual de cada um em busca do
equilíbrio entre Orum e Aiyê.
1. GLOSSÁRIO
¹Egbomi: um adepto do candomblé que já cumpriu o período de iniciação (iaô) na
feitura de santo, já tendo feito a obrigação de sete anos odu ejé. (Wikipedia)
²Makota: nome dado na nação de Angola-Congo a um cargo feminino de grande
valor: a de “zeladora dos orixás”. (Wikipedia)
³Yalorixá: mãe de santo, chefe feminina de um terreiro de candomblé. (Wikipedia)
Babalorixá: pai de santo, chefe masculino de um terreiro de candomblé. (Wikipedia)
4

2.REFERÊNCIAS:

BERKENBROCK, Vorney: O conceito de ética no Candomblé


Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-
5841.2017v15n47p905
Acesso: 28/04/2019

GARDEER, HELLERN, NOTAKER: O livro das religiões. Cia das Letras, 1989.

TAVARES, Ildásio: Candomblés na Bahia. Edições Palmares, 2000.

VÍDEO: Bença, entrevista com Makota Valdina


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P0ziJx0KWRE
Acesso: 29/04/2019

VÍDEO: Ebomi CIdália - O Orixá Tempo e a História dos Africanos no Brasil


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LVMZtkUI2WY
Acesso: 29/04/2019

VÍDEO: Mãe Stella - O Camdomblé e a Identidade Cultural Brasileira


Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=aSNn4s9RhAM
Acesso: 29/04/2019

VÍDEO: Axé/ Asé/ Axé no candomblé/ o significado da palavra axé/


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zt7R44FuRK0
Acesso: 29/04/2019

VÍDEO: Mãe Edelzuita explica o que é Orixá.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JbHasAa-vQQ
Acesso: 29/04/2019

Você também pode gostar