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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Ricardo Lima Bastos

ASPECTOS EMOCIONAIS,
COMPORTAMENTAIS E DO
APRENDIZADO EM ESCOLARES:
abordagens pedagógicas dirigidas à
promoção da qualidade de vida

Campinas
2009
Ricardo Lima Bastos

ASPECTOS EMOCIONAIS,
COMPORTAMENTAIS E DO
APRENDIZADO EM ESCOLARES:
abordagens pedagógicas dirigidas à
promoção da qualidade de vida

Trabalho de Conclusão de Curso


Graduação apresentado à Faculdade de
Educação Física da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do
título de Licenciado em Educação Física.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Vilarta

Campinas
2009
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA
BIBLIOTECA FEF - UNICAMP

Bastos, Ricardo Lima.


B297a Aspectos emocionais, comportamentais e do aprendizado em
escolares: abordagens pedagógicas dirigidas à promoção da qualidade de
vida / Ricardo Lima Bastos. -- Campinas, SP: [s.n], 2009.

Orientador: Roberto Vilarta.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de
Educação Física, Universidade Estadual de Campinas.

1. Emoção. 2. Comportamento. 3. Aprendizado. 4. Escolares. 5.


Qualidade de vida. I. Vilarta, Roberto. II. Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação Física. III. Título.
dilsa/fef

Título em inglês: Emotional aspects, behavioral and learning in school: pedagogical approaches aimed at
improving quality of life.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Emotion; Behavior; Learning; School; Quality of life.

Banca Examinadora: Eliana Ayoub; Roberto Vilarta


Data da defesa: 02/12/2009.
4

Ricardo Lima Bastos

ASPECTOS EMOCIONAIS, COMPORTAMENTAIS E

DO APRENDIZADO EM ESCOLARES:

Abordagens pedagógicas dirigidas à promoção

da qualidade de vida

Este exemplar corresponde à redação


final do Trabalho de Conclusão de Curso
Graduação defendido por Ricardo Lima
Bastos e aprovado pela Comissão
julgadora em: 02/ 12 /2009.

Prof. Dr. Roberto Vilarta


Orientador

Prof.ª Dr.ª Eliana Ayoub


Membro da Comissão

Campinas
2009
Dedicatória

Dedico ao meu falecido pai Rubens que é meu exemplo


e norte que vive em minhas memórias, quem sempre
me falou que eu poderia ser o que eu quisesse criando
em mim a perseverança e o sonhar.
Dedico este trabalho à minha mãe Adenizia a quem
amo e sei que me ama. Ao meu irmão Adilson que está
sempre ao meu lado mesmo distante.
À minha namorada Mayra uma companheira a qual um
homem não poderia querer melhor.
Aos amigos fiéis com os quais sei que posso contar e
que com certeza podem contar comigo.
Agradecimentos

Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram positivamente para a


realização deste trabalho, pois com eles obtive ajuda. Agradeço também àqueles que
contribuíram negativamente, pois através deles me superei e obtive crescimento.
Agradeço aos companheiros de faculdade e do 06D por estes quatro anos
inigualáveis em minha vida. Por todos os momentos que serão esquecidos e pelos que
serão sempre lembrados.
Um agradecimento especial àqueles que estiveram mais próximos nesta
caminhada: ao Jeffinho por estar sempre de bem com a vida, ao Marreco (antigo
agora é o Rafael) pelas suas loucuras, galhadas e amizade fiel, ao Félis pelas
estórias e crônicas que rendeu, ao Guido pela irreverência e excentrismo que gerou
muitas das coisas mais loucas que já vi, ao Cesinha pelas risadas e momentos de
alegria, ao Gabis por todas as vezes que enchemos a saco um do outro, o Jefão pelas
festas e a brejas, ao Pena, aos Vinis pelas risadas, ao Leão por estar sempre “se
poupando”, a Cici, Michele e Vanessa pelas zueiras, ao Felipão pelas risadas, a
Marcela pelas risadas e pela ajuda no tcc, ao David pelas conversas e conselhos, ao
Bruno Peiper pelas piadas e os emails, ao Brunão pelas zueiras, ao Diogão por estar
sempre de boa, igualmente a Luciana. Um agradecimento especial também a, Jose,
Luizinho e Nayla.
Também aos meus amigos dos outros anos, grandes pessoas que terão sem
dúvida um futuro brilhante: Edsão 07N e Thiagão 07N.
Agradeço àqueles que mesmo fora da Unicamp me deram suporte e conviveram
comigo nesta etapa Minha Família, minha namorada e aos meus amigos de Sampa.
BASTOS, Ricardo Lima. Aspectos Emocionais, Comportamentais e do Aprendizado
em Escolares: abordagens pedagógicas dirigidas à promoção da qualidade de vida.
2009. 56f. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação-Faculdade de Educação Física.
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

RESUMO

A partir de observações vivenciadas no estágio profissionalizante e


considerando a importância do desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde
e qualidade de vida no ambiente escolar, aventa-se, no presente estudo, propor
abordagens pedagógicas voltadas à melhoria da qualidade de vida das crianças e
comunidade escolar, considerando as bases teóricas e metodológicas propostas por
Celéstin Freinet. Notamos a importância da formação de uma base emocional e
familiar sólida, e de hábitos saudáveis, nesta etapa, através da revisão bibliográfica
dos aspectos emocionais, comportamentais e da aprendizagem de escolares
objetivando pautar as propostas. Propusemos estratégias e desenvolvimento de
propostas visando a possibilitar aos profissionais de educação física atuar tanto no
âmbito da escola, da comunidade, bem como em sala de aula. Esperamos que o
estudo auxilie estes profissionais a desenvolverem suas abordagens influenciando
positivamente na qualidade de vida dos alunos.

Palavras-Chaves: Emoção, Comportamento, Aprendizado, Abordagem Pedagógica, Qualidade


de Vida:
BASTOS, Ricardo Lima. Aspectos Emocionais, Comportamentais e do Aprendizado
em Escolares: abordagens pedagógicas dirigidas à promoção da qualidade de vida.
2009. 56f. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação-Faculdade de Educação Física.
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

ABSTRACT

From the observations made during the professionalizing training program and taking
into consideration the importance of the development of strategies to promote health
and quality of life in the school environment, the objective of the present study is to
suggest pedagogical approaches aimed at improving the quality of life of children and
the school community, considering the theoretical and methodological proposals by
Celestin Freinet.
We have noticed the importance of forming a solid emotional and familial basis and of
developing healthy habits, at this stage, by reviewing the literature on emotional,
behavioral and learning aspects of students so as to deal with the proposals.
We have proposed strategies that enable professionals to act as physical education
professionals within the school and the community, as well as in his class. We hope
that the study will help these professionals to develop their approaches to positively
influence the quality of life of students.

Keywords: Emotion, Behavior, Learning, Pedagogical Approaches, Quality of Life


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Áreas corticais do hemisfério cerebral esquerdo 19


Mapa das áreas cerebrais específicas do córtex cerebral,
mostrando especialmente as áreas de Wernicke e de Broca para
Figura 2 - 20
a compreensão da linguagem e produção da fala, que em 95% de
todas as pessoas estão localizadas do lado esquerdo
Vista frontal do hipocampo em um corte frontal do encéfalo ao
Figura 3 - 20
nível dos corpos mamilares
Hipocampo através de um corte sagital através da metade
Figura 4 - 21
esquerda do cérebro
Figura 5 - Anatomia do sistema límbico ilustrada pelas áreas sombreadas 22
Figura 6 - Tronco encefálico e vista póstero superior 23
Figura 7 - O eixo sensorial somático do sistema nervoso 28
Figura 8 - O eixo motor do sistema nervoso 29
Figura 9 - Esquema simplificado do Sistema Nervoso 29
Figura 10 - Freinet 44
10

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

QI Quociente de Inteligência
IDH Índice de desenvolvimento humano
IDH-C Índice de desenvolvimento humano corrigido
WHOQOL-100 World Health Organization Quality of Life
11

SUMÁRIO

1. Introdução................................................................................................................. 12
2. Conceitos Iniciais...................................................................................................... 13
2.1 Escola, Estrutura Familiar e Aspectos Emocionais................................................ 13
2.2 Aspectos emocionais e relações comportamentais na escola.................................. 15
2.2.1 Aspectos morfofuncionais da emoção e relação com ensino aprendizagem....... 19
2.2.2 O desenvolvimento neuromotor e sua importância para o aprendizado ............. 28
2.3 Relações entre comportamento, estilo de vida qualidade de vida........................... 32
2.4 Motivação, Abordagens Pedagógicas e Diversidade Sociocultural........................ 37
2.5 A Pedagogia Freinet através da Educação Física e da Qualidade de Vida ............ 44
3. Metodologia.............................................................................................................. 48
4. Considerações Finais................................................................................................. 50
5. Referências bibliográficas......................................................................................... 52
12

1. Introdução

A Qualidade de Vida tem sido muito estudada por profissionais de diversas


áreas. O professor de educação física, reconhecido como profissional componente da
equipe multidisciplinar da saúde, também tem buscado seu espaço nesse nicho. A
escola, tradicional área de atuação do professor tem sido reconhecida como um local
importante para a realização de trabalhos e estudos sobre a qualidade de vida visto que
os indivíduos se encontram em idade sensível ao aprendizado e formação de hábitos
saudáveis.
As disciplinas de estágio supervisionado foram realizadas durante os quatro
últimos semestres do curso de graduação de educação física. A partir delas foram
realizadas diversas observações fomentadas pelos respectivos professores das
disciplinas. Os objetivos das observações eram tanto a realização dos trabalhos finais
das disciplinas bem como para futuro uso pessoal, ou seja, um material de consulta para
quando estivesse atuando nas escolas. Com as anotações feitas a partir das observações
em um total de 400 horas de estágio, sendo que, 200 horas foram distribuídas entre duas
disciplinas da Faculdade de Educação Física e as outras 200 horas em duas disciplinas
da Faculdade de Educação, foram identificados problemas a partir dos quais foram
feitas reflexões que serão embasadas e discutidas neste estudo.
Neste estudo serão relatados aqui apenas os casos mais abrangentes e que
apresentaram maior relevância naquele contexto escolar e que também detectamos que
são representativos, ou seja, casos potencialmente típicos de diversas escolas da rede
estadual paulista. Os problemas foram situados de acordo com sua temática, a partir da
qual foi feita a revisão bibliográfica para amadurecer a discussão e possibilitar a
formulação de propostas. Embasados pela revisão bibliográfica comentada propomos
estratégias de atuação do professor de educação física para refletir positivamente tanto
em sua aula como na escola e na comunidade.
A partir dessas observações vivenciadas no estágio supervisionado e
considerando a importância do desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde e
qualidade de vida no ambiente escolar, temos por objetivo descrever os aspectos
emocionais, comportamentais e da aprendizagem de escolares e propor abordagens
pedagógicas voltadas à melhoria da qualidade de vida das crianças e comunidade
escolar, considerando as bases teóricas e metodológicas propostas por Celéstin Freinet.
13

2. Conceitos Iniciais

2.1 Escolas, Estrutura Familiar e Aspectos Emocionais

Nossa experiência em disciplinas de estágio supervisionado realizadas na


segunda metade do curso de graduação em educação física permitiu identificar, nos
alunos, sinais da falta de uma base emocional e de estrutura familiar relacionadas com
agressividade, problemas na motivação para os estudos e na adoção de hábitos
saudáveis em contraste com comportamentos deletérios para a saúde. Em observação de
uma turma do 3º ano do ensino médio de uma escola de Campinas foi constatado o
abuso de álcool através de freqüentes comentários entre os alunos nos intervalos. São do
conhecimento da população os problemas ocasionados pelo excesso desta droga lícita.
São computados todos os dias acidentes de carro envolvendo adolescentes alcoolizados,
dados que no Brasil são considerados exorbitantes pelas autoridades que buscam
alternativas como a atual lei que limita a quantidade de álcool que pode ser ingerida
antes de dirigir. Quando alcoolizado o comportamento violento e a perda da noção de
risco também são aumentados. Nos intervalos em conversa com os alunos foram faladas
frases típicas de incitação a desafios por parte de alunos com o intuito de brigar.
O uso de drogas como a maconha e o cigarro também são assuntos tratados nos
intervalos, o cigarro ainda é visto por muitos adolescentes como um “hábito legal” que
o tornará melhor que os demais do grupo. A maconha, que é porta de entrada para
drogas mais pesadas, é muito associada a shows musicais e festas em lugares afastados,
sendo provável que isto se deve ao fato de nestes lugares haver a ausência de vigilância
dos pais ou de uma autoridade.
A má alimentação também é corrente no meio escolar. Escolas particulares e
públicas em geral têm a cantina que possui apenas alimentos voltados à satisfação das
demandas por carboidratos presentes em alimentos industrializados de pronto consumo.
Chocolates, refrigerantes e frituras são os mais procurados, tornando este um dos fatores
do aumento dos índices de obesidade infantil. Um dado interessante que pudemos
observar é que muitos alunos trazem de casa alimentos como estes, ou seja, o hábito é
fomentado inclusive no âmbito familiar. Em uma escola de Campinas de educação
infantil na qual foi realizado o estágio, eram fornecidas excelentes refeições aos alunos,
14

ainda sim sempre havia lancheiras com guloseimas a serem consumidas. As crianças
são sempre bombardeadas com propagandas diversas que estimulam a má alimentação
em diversos ambientes, tanto midiáticos como no cotidiano. Embalagens coloridas,
brindes, e até sites de jogos, são ferramentas utilizadas pelas empresas para venderem
seus produtos.
Assim se faz importantíssima a formação da consciência destes alunos, ou seja,
dirigida às práticas saudáveis, tanto na escola como em casa no meio familiar, pois se
principalmente na família não existe uma criticidade em relação a estes hábitos esses
problemas de tornarão aumentados.
Nos estágios supervisionados realizados também percebemos, estimulados pelos
debates com os professores e colegas, que alunos que apresentaram maiores
dificuldades em relação à turma, tinham problemas na estrutura da família, sendo os
mais presentes a agressividade, instabilidades emocionais e a baixa motivação para os
estudos. Em algumas situações identificamos esses comportamentos associados à
estruturação ou manifestação de hábitos de vida pouco saudáveis.
Stratton (1994) aponta para a necessidade de distinguir “emoções” de “estados”
como fome, desejo sexual ou frustração. Porém, estes estados podem dar origem a
emoções e comportamentos como a agressividade, a qual pode indicar a presença de
uma emoção.
Agressividade é definida por Baron (1994) como qualquer forma de
comportamento direcionado objetivando lesionar ou machucar outro ser vivo que esteja
interessado em evitar tal comportamento. No caso, sua emoção básica é a raiva. Essa
raiva, no ambiente familiar conturbado, pode estar relacionada a situações como brigas
entre os pais, abandono, violência e descaso.
15

2.2 Aspectos emocionais e relações comportamentais na escola

Dentre os inúmeros problemas que afetam o sistema educacional brasileiro,


pudemos perceber, durante os estágios, a importância da formação de uma base de
suporte emocional na criança para que ela possa se sociabilizar, além de ter uma boa
educação na escola. Essa constatação ficou evidenciada pela comparação dos
comportamentos dos alunos da mesma sala e também entre alunos de escolas diferentes
das quais foram feitos os estágios. Assim, neste capítulo, realizaremos uma discussão
sobre as relações comportamentais na escola considerando a influência dos aspectos da
emoção.
Emoções referem-se às sensações subjetivas que ocorrem em resposta a um fator
estimulante, geralmente externo (JUNIOR, 1975). Outra definição mais recente trata
que o termo “emoção” é visto pela área de psicologia como sendo “a experiência de
sentimentos subjetivos que apresentam valor positivo ou negativo para o indivíduo”
(STRATTON, 1994). Ou seja, estas emoções são experimentadas pelo sujeito que tem
os aspectos envolvidos julgados pela sua interpretação pessoal, o que nos remete à
importância do trabalho das emoções com as crianças tendo em vista os anos vividos na
escola e as possibilidades de interações em aulas de educação física. Em um lar
acolhedor, com pais atenciosos, a criança experimentará boas emoções, terá melhorados
seus aspectos psíquico-emocionais com relação a si mesmo e com o mundo.
Em oposição crianças educadas de forma agressiva ou expostas a modelos de
conduta inadequados terão afetados seus comportamentos na escola. Por exemplo, uma
criança que não aprende a ter limite em casa na escola tentará fazer o que tiver vontade
sem se importar com os outros. Já uma criança que é muito reprimida e sofre violência
em casa, pode apresentar quadros de apatia, insegurança e medo, pois todas essas
informações afetam sua interpretação geral de mundo (STRATTON, 1994). Segundo o
mesmo autor a maioria das teorias da atualidade decodifica a emoção como a
combinação de uma resposta fisiológica somada à avaliação cognitiva da situação. Ou
seja, os mecanismos fisiológicos dão o disparo, porém um fator limitante é a
interpretação do sujeito, que na criança em fase de desenvolvimento, pode ser um
complicador, pois sua interpretação de mundo ainda tem um horizonte relativamente
limitado.
16

Na atualidade as emoções são estudadas em diversas áreas. Empresas estudam o


papel da emoção na tomada de decisão e no esporte a emoção é estudada com o intuito
que o atleta tenha um nível de motivação ótimo para a partida. Estudos também indicam
que em muitos casos, indivíduos que tiveram maior sucesso na vida em questões como
conseguir um bom emprego e formar uma boa família foram aqueles que apresentaram
maiores índices de inteligência emocional em detrimento do Q.I ou Quociente de
Inteligência. Inteligência Emocional nada mais é do que a capacidade de entender as
relações de suas emoções e também as dos outros (GOLEMAN, 1995).
Na escola é imprescindível que a criança possa desenvolver suas relações
emocionais. De fato, a escola é o lugar onde o professor pode preparar a criança do
ponto de vista cognitivo e também emocional. Professores que não têm este
conhecimento podem afastar os alunos de sua disciplina ou mesmo de todo o contexto
acadêmico. Quantos casos são ouvidos de alunos que tiveram uma péssima relação com
determinado professor e acabaram, por isso, não gostando da disciplina e dos temas
trabalhados. Crianças e idade escolar ainda estão desenvolvendo as estruturas cerebrais
e o córtex frontal, responsável pela cognição, é o último a se desenvolver, assim as
crianças são em grande parte guiadas por suas emoções.
Ainda sim, na família, é fundamental a formação da base emocional. No caso de
uma família que, por muitas vezes, ignora a emoção de seu filho (a), esta repetição pode
passar à criança uma mensagem negativa como a de que ninguém se importa com o que
ela sente, e ela pode, possivelmente, repetir este processo ao longo de suas relações na
vida. É na família que são iniciados os processos de aprendizagem emocional. Isto é
aprendido através da maneira como a que os pais lidam com os filhos e também através
dos modelos que eles perpetuam no âmbito familiar (GOLEMAN, 1995).
Assim, a partir do momento que a escola tenha profissionais capacitados, é
importante que, ao identificar que aluno tem problemas, a escola converse com esta
família e dê orientações. Sabemos da realidade do ensino público e da precariedade de
investimento, porém alternativas têm que ser estruturadas para que os alunos, de alguma
forma, levem esta mensagem com eles e também aos pais, afinal são conceitos simples,
porém, de grande valia.
Da psicologia do comportamento temos que o individuo se desenvolve no
ambiente com sua motricidade, assim ele é confrontado com estímulos diversos. Este
comportamento molda-se reagindo à influência destes estímulos tanto internos quanto
externos (VAYER E RONCIN, 1990).
17

O comportamento escolar se relaciona com o comportamento humano em geral.


Quando pensamos “como um indivíduo se desenvolveu e o que o leva a se comportar
desta maneira?” podemos pensar em questões que envolvem desenvolvimento e
aprendizagem. Ou seja, que alteração que ocorre no comportamento enquanto o
indivíduo cresce? Mas, também, ao investigar um comportamento podemos pensar
sobre questões do motivo ou “causação” de um determinado comportamento (JONES,
1981).
Desta forma, a complexidade do tema aumenta, pois, quando um professor
presenciar um comportamento tido como inadequado na escola este não tem uma única
relação direta de causa e efeito. Ou seja, o comportamento pode ter sido aprendido na
escola durante as vivências com os colegas e ainda sofrer modificação por influência do
ambiente, tornando-o pior.
Outra possibilidade é que um mesmo comportamento por ter tido sido originado
no lar e sofrer um processo de modificação na escola. Um exemplo clássico são os
comportamentos violentos presenciados tanto no âmbito escolar como familiar e que
vão piorando conforme é experienciado por diversas vezes.
Uma leitura importante é que este comportamento tem íntima relação com o
meio, assim, em escolares, os prováveis meios mais frequentados são o familiar e o
escolar. Logo se pode ter uma noção de onde estudar a problemática, pois como será
relatado neste trabalho, existem estudos que procuram identificar a influência de grupos
no comportamento dos sujeitos.
Configurando estes aspectos, apresentamos estudos que corroboram com estas
afirmações. Jones (1981) avaliou crianças em suas interações na escola e com as mães.
As crianças que apresentaram quadros de baixa socialização e apego às mães foram
designadas como crianças-problema em comparação com as normais. Os pontos-chave
de observação eram se as crianças iniciavam ou eram responsivas a uma interação. Os
resultados mostraram que as crianças problema apresentavam poucas interações ou
mesmo interações insatisfatórias, seja com outras crianças ou com as mães. Agregou-se
também o fato de que as crianças problema não terem sido tão bem sucedidas como as
normais em eliciar respostas para as outras crianças, ou seja, interagir para, por
exemplo, continuar um conversa. Estas crianças também eram menos responsivas às
mães, mesmo tendo maior “apego”. Entre as conclusões foi percebido que as mães
também demonstravam evitar interações com os filhos, concluindo-se que este
problema comportamental foi iniciado no meio familiar.
18

De uma maneira geral as questões comportamentais percebidas demonstram ter


raiz em questões emocionais, seja na escola ou na família. Fatores sociais também
podem ser complicadores destas questões, por exemplo, uma criança que independente
da classe social é frequentemente ignorada pelos pais pelo fato de trabalharem muito,
esta criança poderá ter problemas nesta base emocional. Existem também pais que por
falta de conhecimento emocional próprio ou de conhecimento em educar não dão
atenção para estes fatores. Considerando a complexidade de educar, a escola torna-se o
local que, em muitos casos, é a única opção para tentar corrigir estas questões.
Um trabalho multidisciplinar na escola seria interessante tanto no ponto de vista
de ajudar os alunos quanto no sentido de que os professores troquem idéias entre si. O
professor de educação física pode, em suas aulas, tentar suprir parte destas demandas,
desde que tenha conhecimento para tal. Estas questões, quando percebidas e trabalhadas
na infância são mais fáceis de serem resolvidas. Um ponto complicador é quando estas
questões se arrastam até a adolescência, fase que, por si só, já é difícil para o indivíduo.
Em um sistema político-econômico cada vez mais agressivo, esta fase é decisiva, onde
uma decisão errada em diversos sentidos seja no profissional, amoroso, ou familiar, por
motivos emocionais pode influenciar negativamente a vida social de uma pessoa.
19

2.2.1 Aspectos morfofuncionais da emoção e relação com ensino-


aprendizagem

O córtex cerebral normal de um indivíduo adulto tem cerca de 100 bilhões de


neurônios e se desenvolve da parte posterior para a anterior no crânio humano e de
baixo para cima. Primeiro se desenvolve, por exemplo, o sistema límbico (que regula os
circuitos neuronais que controlam o comportamento emocional e os impulsos
motivacionais), as áreas de processamento visual, auditiva e somática, sendo por último
a área de associação pré-frontal responsável pelo processamento dos movimentos
complexos e elaboração de pensamentos Guyton e Hall (1998).

Fig. 1 áreas corticais do hemisfério cerebral esquerdo1

Existem também áreas mais específicas como a compreensão da linguagem,


formação das palavras e processamento visual das palavras:

1
PUTZ, R. PABST, R. Sobotta Atlas de Anatomia Humana Volume 1 cabeça, pescoço e extremidade
superior, 22ª edição revisada e atualizada, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006
20

Fig. 2: Mapa das áreas cerebrais específicas do córtex cerebral, mostrando especialmente
as áreas de Wernicke e de Broca para a compreensão da linguagem e produção da fala.2

Muito importante é o hipocampo, pois sua função se relaciona com memória e


aprendizagem. Este possui numerosas conexões indiretas com o córtex cerebral e com
estruturas básicas do sistema límbico como a amígdala, o hipotálamo, os corpos
mamilares e o septo. Visto que praticamente todo tipo de experiência sensorial estimula
alguma parte do hipocampo, este é um canal onde sinais sensoriais de entrada podem
levar a reações comportamentais apropriadas Guyton e Hall (1998).

Fig.3 Vista frontal do hipocampo em um corte frontal do encéfalo ao nível dos corpos
mamilares.3

2
GUYTON, Arthur C. HALL John E. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças 6ª edição, Editora
Guanabara Koogan, 1998
3
PUTZ, R. PABST, R. Sobotta Atlas de Anatomia Humana Volume 1 cabeça, pescoço e extremidade superior, 22ª
edição revisada e atualizada, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006
21

De difícil localização o hipocampo se situa entre plexo corióideo do ventrículo


lateral e a fimbria do hipocampo:

Fig. 4 hipocampo através de um corte sagital através da metade esquerda do cérebro.4

Uma das teorias sobre a relação hipocampo-aprendizagem é baseada no aspecto


do prêmio e da punição e seu armazenamento na memória. O hipocampo pode fornecer
o impulso que causa a tradução das memórias de curto e longo prazo, ou seja, ele emite
um tipo de sinal que faz com que a mente repita várias vezes uma informação nova até
seu armazenamento. Guyton e Hall (1998).
Existe uma grande influência das emoções no funcionamento do cérebro.
Estudos recentes de diversos campos apontam a influência do lado emocional do
cérebro juntamente com a razão na tomada de decisões corretas. No âmbito empresarial
estas questões tornam-se cada vez mais relevantes e estudadas, pois, as pessoas
encontram, diariamente, situações adversas e, muitas vezes, têm decisões difíceis a
tomar.

4
PUTZ, R. PABST, R. Sobotta Atlas de Anatomia Humana Volume 1 cabeça, pescoço e extremidade
superior, 22ª edição revisada e atualizada, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006
22

A definição da palavra “límbico” é “margem”. Anteriormente o termo foi


atribuído para definir as regiões em torno da margem das regiões basais do cérebro. A
medida que os estudos foram se desenvolvendo e suas funções foram aprendidas o
termo foi mudado para “sistema límbico” para significar os circuitos neuronais que
controlam os impulsos motivacionais e o comportamento emocional Guyton e Hall
(1998).

Fig. 5 Anatomia do sistema límbico ilustrada pelas áreas sombreadas5

Para situarmos melhor esta importância devemos primeiramente entender a


evolução cerebral. A parte mais primitiva é partilhada pela grande maioria das espécies
que tem um sistema nervoso pouco mais desenvolvido, neste caso, o tronco cerebral
imediatamente acima da medula espinhal. O tronco cerebral é responsável por controlar
as funções vitais básicas como a respiração e o metabolismo. Esta região não é
diretamente responsável pelo pensamento, mas sim por uma série de reguladores

5
GUYTON, Arthur C. HALL John E. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças 6ª edição,
Editora Guanabara Koogan, 1998
23

programados com o objetivo de garantir a sobrevivência e controlar o funcionamento do


corpo Guyton e Hall (1998).

Fig. 6 Tronco encefálico e vista póstero superior6

A partir da região do tronco cerebral, surgiram os centros emocionais e, milhões


de anos depois, o neocortex responsável pela cognição. Logo, existiu um cérebro
emocional muito antes do cérebro cognitivo, sendo que este surgiu a partir do “cérebro
emocional”, o que revela muito acerca da relação razão-emoção (GOLEMAN, 1995).
Isto nos permite refletir sobre o porquê de quando estamos aflitos e com
problemas emocionais, ou perturbados por questões afetivas, não conseguimos fazer um

6
PUTZ, R. PABST, R. Sobotta Atlas de Anatomia Humana Volume 1 cabeça, pescoço e extremidade
superior, 22ª edição revisada e atualizada, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006
24

juízo perfeito da situação afinal, visto que parte dessa estrutura evoluiu a partir do
sistema límbico. Ligados a este, existe uma infinidade de circuitos, o que dá a ele
grande influência nas decisões tomadas pelo córtex. Logo quando estamos dominados
por uma determinada situação que nos emociona fortemente é o sistema límbico que
está no controle.
Durante o processo evolutivo, outras duas grandes armas do sistema límbico
foram se desenvolvendo: a aprendizagem e a memória. (GOLEMAN, 1995). Este
processo possibilitou ao animal que deixasse de tomar apenas decisões automáticas. Ele
pôde aprender a selecionar a melhor opção em uma dada situação para tentar sobreviver.
Da mesma forma, quando um alimento ou alguma coisa lhe fazia mal, a situação já
poderia ser evitada por estar guardada na memória.
Apenas uma pequena parcela da das informações causam um resposta imediata.
A maior parte é armazenada para uso futuro no âmbito motor ou nos processos de
pensamento. A maior parte das informações é armazenada no córtex, porém, regiões
basais do encéfalo e talvez até mesmo da medula espinhal podem armazenar pequenas
quantidades de informações (GUYTON E HALL, 1998).
Assim podemos relacionar diversos aspectos envolvidos na relação do aluno
com a escola. A partir do momento que entendemos esta forma de funcionar do cérebro,
tornam-se imprescindíveis diversos outros aspectos para facilitar a aprendizagem.
Primeiramente, se o processo cognitivo como um todo não é formado apenas pelo
pensamento cartesiano, os aspectos emocionais estão presentes no processo de
aprendizagem, afinal, para todos é muito mais fácil aprender e prazeroso de estudar algo
que gostamos e que de fato nos traz algum significado. De fato, não é que os conteúdos
escolares têm que despertar alguma emoção nos alunos, mas devemos levar em
consideração suas experiências e relações vividas até o momento.
Da mesma forma é importante que os alunos estejam em condições emocionais
de aprender. Isso não que dizer que só é possível que ele aprenda se ele estiver em
excelentes condições emocionais, afinal existem indivíduos que são mais susceptíveis às
próprias emoções que outros. Para os indivíduos que têm mais facilidade em controlar
as próprias emoções este pode ser um facilitador. Outra questão é que na escola estamos
lidando com crianças que ainda não têm a parte cognitiva totalmente desenvolvida, por
isso se faz importante um suporte emocional do seio familiar.
As ações desencadeadas no ambiente familiar tendem a se repetir por toda a vida
do indivíduo quando vividas e repetidas desde a infância. Segundo (GOLEMAN, 1995)
25

é na vida em família que iniciamos a aprendizagem emocional. É nela que aprendemos


a compreender, reagir e manifestar nossas emoções. O autor cita e nomeia que existem
três tipos mais comuns de pais que não sabem lidar com os aspectos emocionais dos
filhos: Os que ignoram qualquer tipo de sentimento, os laissez-faire e os que são muito
rigorosos além de não respeitarem o que a criança sente.
• Os primeiros tratam qualquer aflição emocional como algo sem
importância e que não merece atenção.
• Os pais laissez-faire entendem que qualquer forma que o filho ache pra
lidar com seus problemas emocionais é boa, ou seja, nunca fazem
nenhuma correção.
• Os últimos são os repressores que, em geral aplicam castigos diversos e
primam por serem severos.
O correto seria que estes pais aproveitassem os momentos de instabilidade para
fazerem com que os filhos entendam suas emoções e aprendam a contornar as situações
da melhor maneira possível.
Para Falcão (1989) a aprendizagem nada mais é do que uma mudança de
comportamento, pensando no sentido amplo desta palavra. Pois uma criança que entra
na escola sem saber ler e, ao final do ano, aprende a ler algumas palavras, apresenta
uma modificação, da mesma forma que, se ela não sabia fazer contas e aprende
matemática básica, ela apresentará uma modificação. Aprender alguma habilidade como
nadar, correr, jogar futebol, aprender a tocar um instrumento musical, todos estes itens
farão com que ela tenha uma modificação, podendo influir em seu comportamento e, em
conseqüência, em seu estilo de vida. Assim quando pensamos em estratégias que
aperfeiçoem este processo estaremos beneficiando indivíduos não só no meio escolar,
mas em contexto de vida geral. Podemos concluir também que a aprendizagem acontece
não somente a partir do momento em que a criança chega à escola, mas, desde o início
da vida.
É importante destacar que não são todas as mudanças comportamentais que
podem ser consideradas como aprendizagem. Não são consideradas as mudanças
decorridas da maturação ou crescimento onde a criança passa a manipular objetos
porque agora os alcança, ou mudanças passageiras decorrentes de alterações fisiológicas
ou motivacionais como o cansaço que impede a concentração em uma determinada
atividade. Também não são considerados comportamentos observados enquanto o
indivíduo está sob o efeito de medicamentos, ou alterações emocionais momentâneas
26

advindas de, por exemplo, o recebimento de uma notícia agradável ou não Falcão
(1989).
O autor traz ainda duas formas de encararmos a aprendizagem: pelo processo
cumulativo ou integrativo. No processo cumulativo cada item aprendido é acrescentado
ao anterior, ou seja, presume-se que para aprender um determinado conceito se faz
necessário ter um conceito anterior aprendido. No processo integrativo cada item
aprendido, antes de trazer um acréscimo, cria uma mudança ou reestruturação do
repertório, ou seja, cada novo conteúdo que é aprendido dá nova perspectiva ao sujeito.
Há também a classificação da aprendizagem de acordo com a complexidade dos
sujeitos em todos os seus aspectos, classificados como produtos cognitivos, afetivos e
motores (FALCÃO, 1989). Para exemplificar, o autor traz o exemplo de um indivíduo
que entende os prejuízos do cigarro, e está convencido deles, porém não consegue parar
de fumar, assim a aprendizagem ocorreu apenas no nível cognitivo e afetivo e não no
motor. Neste caso, não são desprezados os efeitos químicos do cigarro, porém o foco
está nos efeitos comportamentais.
Segundo Falcão (1989), durante seu processo, a aprendizagem gera produtos:
• Os produtos cognitivos da aprendizagem são advindos de novas
informações, como dados, datas, fatos, sendo estes os mais trabalhados
na escola.
• Os produtos afetivos caracterizam-se por aqueles que conseguem
“afetar” um sujeito, ou seja, variam conforme a susceptibilidade afetiva
de cada indivíduo. Existem pessoas mais ou menos afetivas, o que varia
de acordo com seu suporte emocional. Neste âmbito situam-se
sentimentos, atitudes e valores. Muitos destes produtos são escolhidos
conforme o sentimento que ele lhe oferece, seja de prazer ou desprazer,
por exemplo, você toma banho porque você se sente bem limpo.
• Os produtos motores são os diretamente observáveis pelos outros. Na
escola o aluno pode, para o professor, parecer prestar a atenção, porém o
mesmo pode estar completamente abstraído. No âmbito motor, ou
precisamente psicomotor estão os chamados automatismos que são
constituídos por hábitos ou habilidades, podendo ser caracterizados
como higiênicos, esportivos, sociais e a habilidade um domínio de uma
determinada técnica.
27

Outro conceito importante é a transferência de aprendizagem. Ocorre,


basicamente, quando um aluno usa a solução de um dado problema anterior para
resolver seu problema atual. Por exemplo, para saber multiplicar, o aluno que tem o
conceito de soma, terá mais facilidade em sua compreensão, o que neste caso é chamado
em psicologia de transferência positiva, ou seja, o conceito anterior atuou de forma
positiva no entendimento da tarefa. Pode haver também a transferência negativa ou
interferência, que é onde um conceito atrapalha o posterior.
O importante é que não são apenas os conhecimentos que participam neste
processo, mas também as atitudes e hábitos. Assim, a importância de, na escola, o aluno
aprender a ter bons hábitos e comportamentos, e mesmo refletir, pois, estes fatores são
usados em sua vida fora da escola, otimizando seu estilo de vida. Afinal nós seres
humanos somos continuamente “afetados” pelo outro e vice-versa.
Para que possamos dizer que, de fato, houve a aprendizagem, é necessário que
exista uma modificação do comportamento, sendo que esta tem que ser relativamente
duradoura, seja através do treino, experiência ou observação (FALCÃO, 1989). Logo,
se o indivíduo treinou e este processo teve algum significado para ele, isto acarretará em
uma mudança de comportamento por um tempo relativamente longo.
Alguns estímulos podem ser fortes o suficiente para alterar o comportamento de
uma vez só como, por exemplo, numa experiência traumática como o sequestro onde o
sujeito pode ficar, permanentemente, com o comportamento modificado. Neste caso, foi
uma experiência negativa, porém serve perfeitamente para engajarmos os conceitos e
entendermos como utilizarmos estes processos para melhorar o estilo de vida dos
escolares.
Dominando estes conceitos de aprendizagem o profissional de educação física
pode, na escola, planejar atividades que priorizem seus objetivos com mais clareza.
Quando lidamos com pessoas sabemos que existe um fator subjetivo que muitas vezes
atrapalha nos resultados. Com a reflexão dos conceitos de emoção e aprendizagem, os
objetivos da aula ou programa ficam mais definidos, havendo também uma
possibilidade maior de delimitar as nuances dos diversos comportamentos presentes em
uma sala de aula.
28

2.2.2 O desenvolvimento neuromotor e sua importância para o


aprendizado

O desenvolvimento neuromotor é inerente aos processos fisiológicos e psíquicos


dos indivíduos. As células do tecido nervoso, as sinapses e os engramas se formam à
medida que a criança cresce Machado (2000). Aliados neste processo estão os processos
cognitivos como a atenção, concentração e a motivação.
Este aparato tem íntima relação com a psique da criança, afinal não podemos
pensar apenas no sistema motor como uma via de transmissão e recepção de sinais. A
partir do momento que o cérebro se situa no processo este sistema responde a caracteres
culturais.
O sistema motor possui um mecanismo complexo aonde as informações chegam
e comandos são elaborados em resposta ao estímulo. A sensação, transformada em
estímulo, chega pelas vias aferentes do sistema nervoso periférico, sendo conduzida
pelas vias de associação até o córtex cerebral no sistema nervoso central (Machado,
2000).

Fig. 7 O eixo sensorial somático do sistema nervoso7

7
GUYTON, Arthur C. HALL John E. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças 6ª edição,
Editora Guanabara Koogan, 1998
29

No córtex, região responsável pelas cognições superiores a decisão é tomada e o


impulso-resposta é enviado pelas vias de associação até as vias eferentes do sistema
nervoso periférico que chegará às estruturas musculares culminando no movimento
(MACHADO, 2000).

Fig. 8 O eixo motor do sistema nervoso8

Através de um esquema simplificado podemos ter uma noção geral do sistema:


Córtex Cerebral
Sistema Nervoso Central
Vias de Associação

Vias Eferentes Sistema Vias Aferentes


Nervoso
Movimento Periférico Sensação
Fig. 9 Esquema simplificado do Sistema Nervoso

8
GUYTON, Arthur C. HALL John E. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças 6ª edição,
Editora Guanabara Koogan, 1998
30

Na criança todas estas estruturas estão se desenvolvendo a “pleno vapor”. Além


disso, esta é a idade em que os indivíduos estão mais sensíveis ao aprendizado, por isso,
é muito importante que ela vivencie essa gama de estímulos para formar uma bagagem
motora diversificada. Nesta fase, quanto mais estímulos a criança recebe, mais eficiente
e mais complexo fica seu aparato neuromotor. A cognição e os movimentos são
otimizados e se for o caso de uma especialização esportiva, esta deve ser feita na
adolescência em geral, o que traz resultados muito mais positivos.
No mundo esportivo são comuns os casos de especialização precoce. Este
problema decorre de problemas éticos ou abordagens pedagógicas errôneas de
profissionais da área. Assim, na escola o Professor de Educação Física pode
conscientizar pais e alunos da importância de um bom desenvolvimento do aparato
neuromotor. Com aulas estimulantes e informações sobre o mundo esportivo a escola
pode educar a comunidade sobre a importância do desenvolvimento motor e influir
positivamente em sua qualidade de vida
O estudo do desenvolvimento motor, assim como da qualidade de vida, é uma
área multidisciplinar com interesses de diversos profissionais como psicólogos,
pedagogos, pediatras, educadores físicos. (WHITALL, 1995 apud TANI, 2005).
Existe uma relevante e crescente importância acerca dos estudos com relações
entre o desenvolvimento motor e desenvolvimento neurológico, a fim de diagnosticar
implicações no crescimento e desenvolvimento da criança. Também muito estudada é a
importância dos padrões motores no desenvolvimento humano, e como é afetada a
educação da criança, bem como em sujeitos com atrasos de aprendizagem. Outra
questão é a estruturação e adequação de ambientes diversos e tarefas motoras aos
estágios de desenvolvimento com o objetivo de estimular este processo (TANI, 2005).
Quando pensamos em desenvolvimento motor devemos entender que este possui
inúmeros conceitos, com questões que perduram até hoje tais como, maturação versus
experiência, natural versus cultural, inato versus adquirido e gene versus ambiente
(TANI, 2005). Vários estudos de pesquisadores renomados tentam comprovar cada
item. O fato é que em se tratando de desenvolvimento do aparato neuromotor estas
questões não são pontuais. Estes conceitos estão mesclados e se complementam.
Assim, inerente a estes conceitos de desenvolvimento motor está a aprendizagem
que também não é pontual e simples de ser analisada, por exemplo, é errôneo um
professor achar que uma criança em sua aula não tem nenhuma bagagem de
aprendizado. Mesmo que ela não saiba escrever ela já tem influência da forma de falar
31

em sua família, que em muitos casos pode ser bastante peculiar, ou então, mesmo que
ela não saiba matemática a criança já vem com certa bagagem seja, por exemplo, dividir
doces ou brinquedos.
Notamos que o confrontamento de idéias no mundo acadêmico geral ocorre
entre um desenvolvimento biológico de estruturas e funções pré-determinadas
biologicamente ou um desenvolvimento derivado da aquisição de comportamentos,
influenciada pelo ambiente social do indivíduo Tani (2000). Porém outras correntes
mais atuais já consideram esta mescla do componente biológico e as experiências
vivenciadas. Valsiner (1997). Atualmente os conceitos, tanto científicos quanto
pedagógicos, adotam um olhar menos cartesiano, considerando o indivíduo de uma
maneira mais holística, assim como no esporte, a exemplo do futebol, que já não
considera o atleta como um ser apenas físico que tem que possuir capacidade e
habilidades. As novas correntes de treinamento futebolístico, por exemplo, encaram, em
maior grau na Europa, a importância do desenvolvimento cognitivo do atleta frente
resolução de situações problema e de como treiná-lo para atingir este objetivo dentro
desta complexidade (LEITÃO, 2009).
Na escola, profissionais atualizados incorporam estes conceitos e, através das
aulas de educação física, consideram ser possível e recomendado que os alunos
vivenciem atividades que estimulem a resolução de situações problema. A união do
aumento da bagagem motora e melhora da cognição podem formar um aluno mais
completo e com maior potencial de aprendizado.
32

2.3 Relações entre comportamento, estilo de vida e qualidade de vida

Qualidade de vida é um termo recente que tem sido muito em empregado tanto
no meio acadêmico quanto pelo público em geral. É um conceito que tenta definir uma
área que está em formação e é relativamente grande, pois, apresenta estudos diversos
com profissionais de várias áreas, sendo também polissêmica (GONÇALVES E
VILARTA, 2004).
Diversas teorias foram desenvolvidas para delinear o conceito de qualidade vida,
porém, o fato é que existem mais estudos sendo realizados e a área ganha um corpo
teórico cada vez mais denso e definido. Além do conceito de Qualidade de Vida,
confrontamos em nossas pesquisas bibliográficas outro conceito também importante,
definido como o “modo de vida” que consiste nas necessidades básicas para a
subsistência de uma população como saneamento, renda e serviços Dutz & Rocha
(2002).
A partir desta, outras duas expressões se articulam referenciando a dinâmica
sócio-econômica de produção, circulação e consumo de bens. Assim temos que
Condições de Vida são fatores mais gerais na sociedade que influem na vida da
população como acesso aos serviços básicos, educação, saúde, empregabilidade. Estilo
de vida corresponde às particularidades dos indivíduos como tomada decisões pessoais,
ou também a um grupo amigos e famílias que possuem normas próprias, hábitos e
valores diferentes Buss (2000). No presente estudo situaremos as reflexões no âmbito
do estilo de vida, a partir das observações de comportamentos individuais de alunos, e
da influência da família neste processo.
O estilo de vida é composto por diversos fatores. As adaptações biológicas e
culturais que os indivíduos experimentam durante toda a vida resultam em mudanças
comportamentais, que por sua vez, podem influir na saúde e bem estar geral.
Comportamentos estes, que são moldados desde os primeiros anos de vida
(GONÇALVES e VILARTA, 2004).
Principalmente, em comunidades periféricas, este estilo de vida tornar-se
potencialmente agravante devido a vários fatores. Condições bastante comuns em
comunidades carentes são a baixa escolaridade dos pais, violência, família
desestruturada e precárias condições de ensino. Estes por sua vez, propiciam um
33

ambiente em que às crianças e adolescentes vivenciam emoções ruins, o que impacta em


seu comportamento escolar e geral.
Este cenário também existe em grande parte das escolas públicas devido a vários
fatores, dentre eles a precarização do ensino público como um todo, porém, existem
também escolas particulares que apresentam estes sinais. Mesmo que a comunidade no
entorno não seja um ambiente propício ao desenvolvimento de maus comportamentos o
fator familiar é decisivo, por isso, se faz necessário o acompanhamento educacional dos
pais para com os filhos.
Inúmeros instrumentos ou indicadores foram criados e alguns melhorados a
partir de críticas e sugestões, cada um buscando mensurar qualidade de vida de um
grupo específico ou de uma cidade ou país. Como exemplo temos o Índice de
desenvolvimento Humano (IDH), o IDHC - ou IDH corrigido que teoricamente ajusta o
IDH depurando-o da inclusão do PIB em seu cálculo (GONÇALVES E VILARTA,
2004).
O IDH abarca três aspectos de uma nação ou cidade e compara seus dados de
riqueza, educação e expectativa de vida. Este índice vem sendo usado pela ONU –
Organização das Nações Unidas - que classifica os países membros. Existem várias
críticas ao indicador, dentre elas o fato de desconsiderar especificidades das diferentes
culturas ou do próprio indivíduo, pois de certa forma, o indicador impõe os padrões dos
países ditos desenvolvidos. Assim entendemos que este indicador não considera os
estilo de vida de uma população ou grupo e que não permite uma avaliação mais precisa
da qualidade de vida.
Em termos de avaliação subjetiva da qualidade de vida individualizada, na
atualidade, o instrumento mais aceito é o World Health Organization Quality of Life
(WHOQOL 100), criado em 1995 pela Divisão da Saúde Mental da OMS na tentativa
de otimizar os resultados das avaliações. O instrumento foi desenvolvido para responder
às percepções das pessoas, posição na vida em seu contexto cultural, seus valores e suas
expectativas. Ele possui seis domínios ou facetas: Domínio Físico, Domínio
Psicológico, Nível de Independência, Relações Sociais, Ambiente e Aspectos
Espirituais (WHO, 2009):
1. O Domínio Físico: se relaciona de uma maneira geral com as sensações
de dor e fadiga após um exercício físico, ou mesmo a sensação de
energia. Cansaço ou desconforto no trabalho do dia a dia também se
relaciona com este domínio.
34

2. Domínio Psicológico: envolvem sentimentos positivos em relação à vida


e preocupações com o futuro. Inclui também emoções negativas como
mau humor, ansiedade devido a diversos fatores.
3. Domínio do Nível de Independência: Se relaciona com a independência
em realizar as tarefas básicas da vida diária. É avaliada também a
intensidade de sentir-se sozinho e a independência do uso de remédios.
4. Domínio das Relações Sociais: Inclui as diversas relações do indivíduo
como familiares, no lazer, trabalho e seu impacto.
5. Domínio Ambiental: Aqui são tratados itens como sensação de
segurança, disponibilidade e qualidade dos recursos sociais, capacidade
de uso do tempo livre e boas condições de trabalho, transporte e
educação.
6. Domínio da Religiosidade: Aqui são considerados aspectos culturais e
crenças e a força que passam ao indivíduo para enfrentar as dificuldades
da vida.
(GONÇALVES e VILARTA, 2004)

A análise dos temas das questões que compõem o WHOQOL -100 permite que
se perceba que este já é um instrumento que considera o estilo de vida, com condições
de avaliar as especificidades dos grupos e as individualidades de cada sujeito. Afinal as
pessoas são diferentes e possuem valores e necessidades diferentes. O instrumento ainda
não representa o ideal em mensuração de qualidade de vida, porém, já apresenta um
avanço considerando o estilo de vida dos indivíduos tentando delinear suas
particularidades.
Os estudos demonstram certa relativização histórica e sociocultural da Qualidade
de Vida. Historicamente, uma determinada sociedade pode apresentar parâmetros
diferentes conforme sua evolução econômica ou tecnológica. O aspecto social
influencia na medida em que ele delimita a construção, a hierarquia e manutenção das
classes sociais ou não, influenciando, assim, a qualidade de vida de seus indivíduos. Do
ponto de vista cultural a percepção de qualidade de vida é modificada, pois está
diretamente relacionada com as necessidades destes indivíduos (GONÇALVES E
VILARTA, 2004). Logo, uma complexidade de fatores tem de ser levada em conta ao
se tentar mensurar Qualidade de Vida. Entendemos também que muitos deles não são
35

fáceis de serem contabilizados. Outro ponto importante é que muitos destes fatores não
são estáticos e mudam conforme a sociedade e os indivíduos que a compõem.
Na escola, o estilo de vida do aluno tem uma “via de mão dupla” com seu
comportamento. Um estilo de vida é influenciado pela cultura da comunidade e da
família incluindo seus valores e regras. Logo, esse ambiente pode ter um grande peso
em seu comportamento na escola, inclusive em sua agressividade e motivação para os
estudos. Assistimos todos os dias, nos jornais, comunidades com grandes problemas e
famílias conturbadas, além da forma como propiciam o desenvolvimento de tais
comportamentos sendo que estes ambientes são decisivos na manutenção ou interrupção
dos mesmos.
O impacto do ambiente no desenvolvimento infantil já é um campo bem
estudado, com pesquisas demonstrando que, principalmente com crianças adotadas
originadas de famílias pobres e desestruturadas e depois inseridas em família com boas
condições psicoemocionais e com renda de classe média, na maioria dos casos, há um
aumento do QI da criança em relação à mãe biológica (BEE, 2003).
O comportamento se relaciona com as emoções e com os estados emocionais
(STRATTON, 1994). Além disso, o comportamento traz intrinsecamente relações com
estes estados ou emoções, ou seja, muitas vezes o comportamento pode ser explicado
por uma emoção ou estado emocional do indivíduo, porém, em muitos casos o próprio
indivíduo não tem consciência da relação entre seu comportamento e suas emoções ou
estados emocionais, logo, uma criança terá, relativamente, uma menor percepção destes
fatores que um indivíduo adulto, pois a criança em geral nem entende os motivos de sua
agressividade, ou mesmo não vê razão em aprender na escola quando não recebe
estímulos para tal.
A escola, por situar-se geralmente na mesma comunidade onde o aluno estuda,
partilha dos mesmos problemas e com profissionais capacitados tem como intervir
diretamente por conhecer mais a fundo a cultura local podendo, assim, tentar solucionar
estas questões. O fato é que em um ensino público como o paulista que tem possui boas
instituições, mas grande parte têm inúmeros problemas de investimento e estrutura,
além dos professores desestimulados, muitas vezes não têm preparo e nem recursos para
fazer tais intervenções.
Ao profissional de Educação Física é extremamente indicado ter estes
conhecimentos, pois em sua aula o trabalho com o corpo e as atividades que exigem
36

esforço físico e psíquico, deixam à amostra estes comportamentos, o que também


permite uma aproximação para uma possível intervenção.
Estudos verificaram a influência genética no comportamento, a fim de tentar
identificar suas raízes biológicas. A importância do conhecimento da genética do
comportamento torna-se influente à medida que a herança comportamental é individual,
mas também coletiva. Geneticistas demonstraram que a hereditariedade afeta uma gama
de comportamentos como capacidade cognitiva e inteligência geral (Bee, 2003).
Embasados pela genética, estudos demonstram também a influência do
ambiente, pois pais com QI mais elevado além de passar os genes positivos para seus
filhos também propiciaram um ambiente mais estimulador. Da mesma forma, pais que
têm tendência à agressão podem criar um ambiente familiar de agressividade, o qual
influenciará no desenvolvimento dos filhos (BEE, 2003).
37

2.4 Motivação, Abordagens Pedagógicas e Diversidade Sociocultural

A motivação é definida como o termo geral dado a um estado inferido que


energiza o comportamento provocando sua ocorrência Stratton (1994). Logo, para
reduzir os maus comportamentos dos alunos temos que reduzir suas motivações para a
agressividade e aumentar a motivação para os estudos e bons hábitos.
Pesquisas recentes têm estudado muito os aspectos sociais da motivação. Na
escola a sociabilização é muito presente e exerce grande influência nas decisões dos
alunos. Assim, se faz importantíssima a presença dos pais, pois na escola seus filhos
estarão expostos a inúmeras situações diferenciadas onde alunos, mesmo que não
possuam problemas familiares, mas também não tenham uma base sólida em formação,
possam ser influenciados por alunos com problemas.
Cursando a disciplina de estágio supervisionado I da Faculdade de Educação
Física, realizado na E.M.E.I. Maria Célia Pereira pudemos observar dois casos onde
ficavam claras essas questões. A sala e a professora eram boas em aspectos gerais,
possuíam alguns problemas no decorrer das aulas, mais ainda sim bem longe da
realidade das escolas públicas de periferia. Um aluno da classe sempre apresentou
acentuada agressividade e baixa motivação para os estudos. Sempre que possível estava
a machucar algum colega e era também o mais atrasado no aprendizado em relação à
turma. Quase todos os dias eram os mesmos problemas, sempre relacionados a estes
fatores. A professora teve sempre nas vezes que presenciei uma conduta de paciência e
carinho e que a meu ver era fundamental. Esse aluno foi encaminhado à psicóloga da
escola e em conversa com a professora obtivemos a informação de que ele vinha de uma
família desestruturada, com pai ausente e uma mãe com problemas entre agressividade e
o descaso.
Outro fator que foi muito afetado foi a confiança, pois muitas vezes o aluno
demonstrava certa vontade de cumprir a atividade, mas repetia inúmeras vezes que não
seria capaz de cumpri-la e muitas vezes, apesar de tentar de fato, não conseguia. Nesse
caso se faz necessário um trabalho individualizado onde o nível da tarefa tem que ser
reduzido e com uma abordagem que seja próxima e traga significado ao aluno para que
esta etapa possa ser vencida. Assim torna-se possível aumentar o nível da tarefa
gradualmente até que o aluno atinja o nível dos demais. Nessas condições podemos
inferir o conceito conhecido por “zona de desenvolvimento proximal” de Vigotsky que
38

consiste em trabalhar com o nível de desenvolvimento real que nada mais é do que a
dificuldade da tarefa na qual o indivíduo consegue resolver situações problema sem
ajuda, considerando o nível de desenvolvimento potencial que é onde o aluno precisa da
orientação de um adulto ou companheiro para a resolução, ou seja, ele tem potencial
para resolver o problema, mas ainda não o faz sozinho (DANIELS, 1994).
Outra abordagem relaciona-se à condição onde o aluno que consegue cumprir a
tarefa tem sua motivação aumentada por reforços sociais, o mesmo ocorrendo com o
professor tanto pela satisfação do desenvolvimento de seu aluno como pelo resultado
positivo de seu trabalho o que torna o processo de ensino-aprendizagem uma via de mão
dupla.
Fica clara a importância dos pais neste processo e mais do que isso, o educar, dar
amor aos filhos, mostrar presença e ensinar valores. A importância da família é
significativa e importante conforme nos mostra Figueira (2000) que na área de educação
física estudou as relações entre a percepção e influência da família, escola e os amigos
na prática de atividades físicas em 198 adolescentes de Santo André e São Bento do
Sapucaí ambas no estado de São Paulo. O questionário aplicado na coleta dos dados
abarcou hábitos familiares relacionados à atividade física, transporte, espaço e
interferências de diferentes grupos no incentivo à prática da atividade física. Nos
resultados foi apontada maior influência dos pais no processo, apesar da decisão pessoal
parecer ser o fator mais forte, ou seja, dentre os grupos nos quais os adolescentes
conviviam o familiar era o que exercia maior influência na decisão de praticar ou não
uma atividade física, conclui o autor, o que nos remete à valorização dos hábitos
familiares na sociedade, sendo ainda a escola, um local importante na formação do
comportamento dos alunos.
O trabalho aponta inúmeros outros estudos que corroboram com este, o que nos
leva à reflexão que a maior participação dos filhos tanto nas aulas de Educação Física,
como nos estudos, possa ser influenciado pelo apoio familiar. Crianças que não tem pais
ativos no processo têm mais dificuldade de agregar valor à prática sendo, muitas vezes,
esses alunos aqueles que nunca querem participar das aulas de Educação Física.
Em contraponto observamos em outra disciplina de estágio (Estágio
Supervisionado I – Faculdade de Educação), sendo o estágio propriamente realizado
com uma turma de 3º ano do ensino médio de Campinas, o Colégio Progresso, onde
foram obtidas outras impressões. O Colégio Progresso situa-se em uma região de classe
39

média alta de Campinas sendo que a maioria de seus alunos e clientes estão na mesma
faixa econômica.
Para a disciplina de estágio foi elaborado um questionário que tentava delimitar
os motivos da alta qualidade de ensino do Colégio Progresso materializado no segundo
lugar na classificação do MEC para Campinas e região. Com o questionário e muitas
conversas, observamos que além de dispor de uma situação econômica confortável, a
maioria dos alunos tinha pais com alto grau de escolaridade e participação em seu
processo educativo. Muitas vezes foram relatados pais que incentivavam a leitura e
faziam atividades juntos, além de acompanhar o progresso nos estudos.
Notamos, nos alunos, um perfil realmente diferenciado não só econômica, como
culturalmente. Todos demonstraram grande bagagem de conhecimento e educação.
Percebemos muita cumplicidade entre eles, visto que muitos ali, se estivessem em
escola com mais problemas como a que eu e muitos de nós estudamos, estes seriam
marginalizados como obesos, “nerds”, ou mesmo sem capacidade de participar das
aulas de Educação Física, porém, eram tratados como iguais e com grande respeito.
Essas impressões da turma realmente foram corroboradas durante todo o estágio. Em
conversas, alguns demonstraram ter bons valores e sempre buscavam o melhor para o
grupo. Não observamos fatos ou relatos referentes a drogas, sendo que, o hábito
deletério mais evidente em nossas observações foi a má alimentação durante os
intervalos.
Assim não podemos julgar a vida de diversos alunos por apenas este recorte,e
em todas as classes sócias temos todos os tipos de famílias, mas em uma família com
uma situação econômica estável podem ser melhores as chances de pais com maior
preocupação, conhecimento e tempo para dar esta bagagem emocional e
comportamental a seus filhos. Além do mais, estes filhos podem, desde cedo, presenciar
hábitos e modelos de conduta adequados. Existe também um direcionamento familiar
associado à boa bagagem cultural, onde estes alunos são orientados e influenciados,
desde a infância, para assumir bons empregos e por isto recebem desde cedo uma
excelente educação.
Quanto aos hábitos, sabemos que existem certas barreiras na implantação de
projetos devido à dificuldade de mudança dos mesmos. Segundo Stratton (1994), com
uma leitura através da perspectiva da psicologia behaviorista (comportamental), o
hábito é uma seqüência aprendida de estímulo - resposta. Para a psicologia cognitiva o
40

hábito é um conjunto de rotinas e sub-rotinas automatizadas que advém do exercício


freqüente, além de requerer pouca informação cognitiva consciente.
Outra questão que Stratton (1994) traz é que hábito é diferente de habituação,
que por sua vez, se trata de uma forma natural de desligar-se gradativamente do
estímulo que não é muito significante e é repetidamente experienciado.
Assim, este é automatizado pelo cerebelo, ou seja, o sinal apenas é desviado da
via cortical para a via cerebelar que permite que o indivíduo se ocupe com problemas
que envolvem mais raciocínio e necessitam de mais controle e atenção através da via
cortical (LENT, 2004).
Este “estímulo” pode ser originado também das estruturas cerebrais como é o
caso da dependência química, que exige mais do que uma mudança comportamental
para ser contornada, necessita também de um tratamento adequado onde serão
ministrados medicamentos que revertem o processo de dependência da substância.
Neste caso o comportamento é seriamente afetado e o âmbito familiar é duramente
atingido. Relatos de roubos são comuns na busca de saciar a dependência e esta é
apenas uma porta de entrada para outros delitos. A agressividade é alta e o sujeito fica
extremamente instável.
Quando tratamos deste processo podemos entender que o estímulo pode vir
diretamente do ambiente como, por exemplo, uma crítica ou elogios do grupo, ou
mesmo um motivo interno que também se relaciona o pode ser alimentado por fatores
externos como os “motivos sociais” (MURRAY, 1978). Estes fatores estão intimamente
relacionados e se, por exemplo, escalonássemos este processo, o indivíduo partiria da
falta de motivação, uma relação externa de regulação e introjeção deste motivo, até
atingir uma motivação intrínseca que ainda sofrerá influência do meio. Existe uma
relação dos motivos sociais onde os mais relevantes foram o motivo de agressão,
afiliação, poder e realização (MURRAY, 1978). Assim, entendemos que esse estímulo
pode ser externo, ou seja, do meio em que o indivíduo vive, ou interno, devido ao fato
de ter sido internalizado.
A partir disso, entendemos a dificuldade de mudar um hábito, pois, muitas vezes
se tem clara a lógica da importância da mudança da condição que é potencialmente
deletéria, porém, se não houver uma forte vontade de mudança, o processo de
manutenção do hábito prevalecerá visto que já está incutido na estrutura
comportamental e cerebral.
41

O fator cultural também é muito presente na formação desses hábitos como o


uso de substâncias tóxicas lícitas a exemplo do tabaco e o álcool. Há também a
influência de amigos, as músicas, os filmes, ou trabalho, pois em todos estes lugares
podemos adquirir hábitos deletérios, dependendo das pessoas com as quais convivemos
e de como é a nossa criticidade em relação a nós e ao meio ao nosso redor. Na escola
percebemos que muitos amigos gostam de incitar o uso de drogas e álcool, bem como
existem inúmeras músicas e filmes que fazem apologias sobre essas práticas. Todos
estes aspectos estão misturados em nosso meio cultural, pois estes fazem parte do
ambiente logo, quando nos tornamos críticos adquirimos a possibilidade de selecionar o
que é melhor para nós.
Porém ainda sim, se faz necessário um referencial maior para que aja esta
seleção e daí a importância da família e da escola, pois, crianças e adolescentes em
idade escolar estão em um período da vida em que estão mais sensíveis a mudanças e
formação de hábitos. Por isso é indispensável à conscientização e o empoderamento dos
alunos e da comunidade. (VILARTA, 2008).
Para um hábito ser considerado saudável há que se considerarem alguns
aspectos. Segundo Mantovani e Forti (2007) saúde não se trata apenas de doenças, mais
sim uma multiplicidade de aspectos do comportamento humano, dirigidos a um estado
de bem estar físico, mental e social. Observamos que não são levadas em conta somente
as condições de vida, mas seu estilo de vida também.
Outra questão são as diferenças culturais, geográficas e religiosas entre os
indivíduos. O que pode ser uma boa qualidade para um indivíduo não necessariamente
será para o outro, ou seja, projetos e políticas públicas têm que conhecer a fundo seu
público alvo, além de considerar suas especificidades.
Assim com estas questões clarificadas fica evidenciado que para a mudança de
hábitos se fazem necessários projetos mais incisivos e não apenas informativos como vi
nas escolas em que estagiei. Nestes casos temos uma gama de fatores (midiáticos,
familiares, sociais) contribuindo para os hábitos deletérios, fora o fator fisiológico
quando este já foi interiorizado pelo aluno, ou seja, apenas cartazes que são lidos e
muitas vezes só com uma passada de olhos podem ajudar, mas são tão eficazes quanto
um projeto escolar ou uma aula de Educação Física voltada a este propósito.
A escola pode elaborar festas, feiras, teatros que promovam várias atividades
onde os alunos possam ler refletir e fazer atividades que usem sua corporeidade para
sentir a necessidade de mudar. Com o apoio de todos os professores e com
42

interdisciplinaridade muitas atividades podem ser elaboradas, todas sempre


considerando a realidade da comunidade e da escola, dentro do que é possível serem
feito.
Segundo Massola (2007) para se obter o êxito em programas que busquem a
melhora da Qualidade de Vida na escola, tanto de alunos como funcionários, devem ser
usados métodos já testados e consolidados, pois, uma questão central neste processo
será a visão da gestão. De fato não bastam mudanças apenas dos alunos ou de um grupo
específico. É necessário que toda a organização escolar se engaje neste processo para
que ele se sedimente.
Outro ponto importante é que estas mudanças devem ser implantadas de forma
padronizada levando em consideração aspectos como flexibilidade e criatividade para
que estas condutas não ganhem um tom de punição, e sim algo que se acrescentará aos
indivíduos. Historicamente a informação é um fator chave neste quesito. Um ouvinte
informado toma consciência da importância destas mudanças e, quando se trata de um
processo agradável, o percentil de sucesso se torna muito mais alto Boccaletto (2007).
Com uma área de qualidade de vida cada vez mais densa e consolidada já
aparecem resultados positivos em escolas. Boccaletto, (2007) descreve o projeto
implantado com sucesso em Vinhedo de Qualidade de Vida no ambiente escolar. O
modelo propunha capacitar seus professores para que desenvolvessem e implantassem
seus próprios programas. De uma maneira geral os modelos teóricos apresentados aos
professores propunham uma fase inicial de conscientização, a fase de implantação do
programa e uma fase de manutenção. (MASSOLA, 2007). Assim, se faz necessário o
engajamento de toda a instituição para o sucesso de um programa de Qualidade de Vida
no ambiente escolar, pois necessitamos de alterações nas diversas esferas de trabalho,
gestão e usuários além de um modelo que permita a perpetuação destas mudanças
comportamentais
Para Koren et al. (2008) a educação física escolar deve proporcionar estímulos
através de atividades lúdicas que permeiem o aprendizado conforme as diferentes faixas
etárias propiciando o desenvolvimento harmônico das capacidades específicas do ser
humano. A aula de educação física mexe com o corpo e as atividades que estimulem a
reflexão e que utilizem o corpo, ficam registradas nos alunos. Um professor experiente
pode propor inúmeras atividades em suas aulas que, de fato, chamem a atenção e criem
um estímulo.
43

Um fator importante é abrir espaço para que os alunos tragam o universo deles
com relação ao tema para aula, pois sabemos que hoje em dia, por inúmeros exemplos,
que a realidade do professor às vezes é muito diferente da realidade dos alunos. As
mídias de comunicação, as novas tecnologias, as mudanças sociais e as próprias
mudanças que a juventude imprime para se distanciar são exemplos que itens que
aumentam este distanciamento. A adesão às novas tecnologias é um campo onde eles
sempre consideram ter um domínio maior que o professor, tornando este um local
teoricamente “exclusivo” dos jovens como programas de comunicação e sites de
relacionamento. A criação de gírias que contrapõe a formalidade que exige a instituição
cria muitas vezes um linguajar específico daquele grupo, e que os demais que não fazem
parte deste, apresentam certa dificuldade de entendimento, excluindo de certa forma os
professores ou os que não são considerados membros do grupo. Ou mesmo o fato de
taxarem o professor desatualizado e fora de contexto podem desfocar a atividade, logo
este feedback da cultura da turma é importantíssimo para que alunos e professores
falem a mesma língua.
Há também o contexto político-econômico de um Brasil multicultural e cheio de
desigualdades que permite dentro da mesma escola alunos com realidades literalmente
antagônicas. Escolas nas quais temos alunos de classe média e média alta que têm
acesso a cursos extracurriculares, educação, lazer, possivelmente uma base familiar
sólida, como também alunos da periferia que moram em bairros violentos, com altos
índices de assassinatos e tráfico de drogas, não possuem os mesmos acessos e que estão
buscando uma vida melhor na ascensão social.
Uma proposta interessante seria estruturada por momentos em aulas específicas
por um determinado tempo, pois pelo que já foi apresentado de estímulo e hábito até
aqui, entendemos que para que haja mudança, um único estímulo teria que ser muito
forte para surtir efeito, assim uma estratégia de manter estímulos periódicos pode
permitir aos alunos estarem sempre engajados num propósito, sem que o mesmo caia no
esquecimento.
44

2.5 A Pedagogia Freinet através da Educação Física e da Qualidade de


Vida

A partir desta contextualização desenvolvida até aqui, apresenta-se, a seguir,


uma abordagem pedagógica baseada nas considerações de Celéstin Freinet centrada em
abordagens práticas como o jornal escolar, o papel ativo do aluno, o método natural, a
cooperação e o jogo, todas estas, possíveis estratégias para serem utilizadas na escola,
em especial, no contexto educacional atual, dirigidas à melhoria da qualidade de vida.
Descreverei algumas das técnicas de Freinet as quais julgo mais importantes
neste trabalho, porém, desde o início percebo um alinhamento muito grande de toda a
sua pedagogia com este tema e as idéias aqui propostas. Sua metodologia prima pela
expressão dos sentimentos e emoções envolvidas em um ambiente solidário e a
cooperação no ambiente escolar. Possui, assim, elementos que podem melhorar as
relações sociais das crianças (FELIX, 2001).
Com esta metodologia é mais plausível trabalhar a base emocional nas crianças,
bem como seus hábitos e comportamentos, pois, atuamos de maneira mais próxima dos
alunos estreitando relações e criando vínculos nos quais nos são permitidos confiança
na relação aluno-professor. A relação em sala de aula é muito trabalhada através da
autonomia e do senso de responsabilidade.

Fig.10 Freinet9

9
Disponível em www.freinet.org acesso em 10/11/2009 as 16h44 min.
45

Motivado por suas vivências ruins na escola, Celéstin Baptistin Freinet, nascido
em 1896 na França, teve, desde esta época, aguçado seu desejo de reforma, assumindo a
profissão de professor. Em 1924 criou uma cooperativa com professores da aldeia onde
residia e foi de lá que surgiu o movimento denominado Escola Moderna. Neste mesmo
ano inicia as correspondências interescolares, sendo esta, uma de suas técnicas
pedagógicas. Seus métodos traziam grande desconfiança, principalmente pelo enorme
número de correspondências trocadas, sendo esta, a razão pela qual foi exonerado e em
1935 fundou sua própria escola.
Talvez o pilar central da pedagogia Freinet seja a cooperação. O autor também
considerava a escola muito teórica e distante do cotidiano das crianças. Para Freinet, a
experiência era parte importante do processo de aprendizagem do aluno e, com
constante observação, percebia o momento de intervir e fomentar o desejo de aprender
de deles. Neste processo havia trabalhos em pequenos grupos sempre estimulando a
cooperação, criando até mesmo um conselho de classes para discutir atividades,
materiais e responsabilidades (ELIAS, 1998).
Através dos objetivos dos parâmetros curriculares nacionais de educação física
propostos pelo MEC notamos um alinhamento com sua pedagogia já no primeiro
tópico:

Compreender a cidadania como participação social e política,


assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,
adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o
mesmo respeito.

(BRASIL, 1998)

Os princípios da pedagogia Freinet propiciam ao aluno despertar seu senso


crítico. Um aluno que adquire um papel ativo na escola, provavelmente, perpetuará este
comportamento em sociedade. O senso cooperativo e de responsabilidade, sociabilidade
e reflexão coletiva também fazem parte do seu trabalho o que, a nosso ver, dá as bases
para a formação de um bom cidadão.
Fica clara a importância da interação aluno-professor em que o professor
considera o conhecimento que o aluno já tem proveniente do seu meio. Assim, o papel
46

ativo do aluno é indispensável. Antes de Freinet outros já tinham afirmado sobre a


importância do papel ativo do aluno durante a aula, porém para Freinet, a criança tinha
um papel ativo na aquisição das técnicas escolares tornando a escola um prolongamento
da comunidade. (FREINET, 1978).
O método natural de Freinet caminha na mesma linha. Em uma aula de
português não seriam usadas palavras apresentadas em cartilhas, com suas regras
gramaticais nas quais não apresentavam nenhuma proximidade com as crianças, como
faria o modelo tradicional. Primeiramente haveria um estímulo da criança para que
escrevesse e desenvolvesse seu texto, por mais imperfeito que fosse com as palavras que
lhe fazem sentido. Neste método o carro chefe é a expressão oral ou escrita, logo o
aprendizado é dado pela experiência e não pelo estudo de regras (FREINET, 1977).
Assim o modelo de aprendizagem de Freinet sempre caminha junto com a
capacidade de expressão dos alunos e, de certa forma, com seu desenvolvimento
emocional que se relaciona com esta capacidade de expressão. Aulas ao ar livre, em
roda e aula-passeio são ferramentas presentes em sua pedagogia. Este método, nas aulas
de educação física, consistiria em não ensinar um monte de regras e exigir movimentos
perfeitos dos alunos, ao contrário, deve-se considerar seu repertório motor e ajudar a
criança a desenvolvê-lo sempre incentivando que tente e melhore. Desta forma, o
professor atua como um intermediador que auxilia e direciona o aluno, em vez de
mostrar um único movimento que deve ser seguido e repetido.
Em contraponto com o academicismo tradicional, o texto livre era feito após um
passeio ou uma aula ao ar livre. Era permitida a espontaneidade e criatividade à criança
em seus textos que não se restringiam aos conhecimentos ditados pela escola
tradicional. A partir das impressões de cada aluno, seja sobre um animal ou planta, o
texto livre surgia naturalmente, sendo uma resistência ao excesso de racionalismo da
época (FREINET, 1975).
Assim, nas aulas de Educação Física devemos permitir que os alunos criem seus
repertórios. Todos temos nossa individualidade biológica, física e psicológica e, por
isso, não devemos somente repetir padrões impostos. Em uma classe heterogênea pode-
se pensar em um meio termo, ou seja, não uma aula que prioriza um padrão motor e de
expressão para todos e nem uma aula em que cada um se expresse como quiser, mas
sim, onde os alunos possam se expressar conforme o fazem em sua comunidade e que
todos os grupos conheçam e aprendam uns com os outros.
47

Nesta perspectiva, o Jornal Escolar é método que consiste em recolher e


organizar textos livres dos alunos que eram impressos diariamente segundo a técnica
Freinet (FREINET, 1974). O texto livre rompe com as cartilhas e o modelo tradicional
escola. Através dos textos livres os alunos tinham maior proximidade com a aula,
tornando o processo, inclusive, mais prazeroso. A criança primeiro conta e depois
escreve livremente o que tiver vontade de expressar com aqueles que com ela convivem.
Este processo não permite que ela escreva uma coisa qualquer, mas sim algo que está
inserido em seu contexto (FREINET, 1974).
Com o advento das novas tecnologias e maior tráfego de informações esta
técnica se torna tanto mais efetiva quanto facilitada. Torna-se importante, pois é cada
vez mais exigido que a criança aprenda a se comunicar mais cedo, rápido e melhor.
Com os meios de comunicação cada vez mais presentes em nossas vidas, para que estes
crianças possam interagir, é necessário que acompanhem a sociedade. É um processo
facilitado, pois este “mar de comunicação”, de certa forma, faz com a que a criança que
o acompanha tenha um desenvolvimento melhor. Além disso, com a Internet é possível
fazer trocas interescolares e entre turmas de maneira extremamente prática e rápida.
Afinal escrever livremente é também um ato de aprender a escrever, com a
vantagem de que a criança, além de escrever, aprende a expressar seus sentimentos e
emoções. Afinal comunicar e expressar-se implica em ir além do escrever, exigindo o
envolvimento cognitivo e emocional.
As crianças podem também criar arquivos das aulas de educação física
registrando brincadeiras, jogos, e o que aconteceu na quadra. Podem, através do jornal
escolar, divulgar campeonatos, atividades feitas em aula, ou mesmo sugestões para as
próximas aulas. Este jornal consolidado entre o grupo pode ser um meio difusor de
hábitos e práticas saudáveis inerentes à Educação Física.
48

3. Metodologia

A princípio foi realizada uma pesquisa observacional qualitativa que segundo


Thomas, Nelson e Silverman (2007) tem suas limitações, porém, segundo alguns
pesquisadores pode produzir dados mais precisos.
O trabalho de pesquisa bibliográfica é segundo Mattos e Rossetto (2004)
concentrado na revisão da literatura em que o pesquisador pensa criticamente sobre as
idéias apresentadas referentes ao tema. A UNICAMP com suas bibliotecas setoriais nas
diversas unidades de ensino e a Biblioteca Central fornecem todos os recursos
necessários para a pesquisa. Na pesquisa foi utilizado também sistema o CRUESP que
abrange as três universidades públicas do estado de São Paulo, bem como as bases de
dados digitais, onde algumas são de acesso ao público em geral e outras de acesso
permitido somente pelo convênio assinado pela universidade, como é caso do PORTAL
da CAPES. Dentre as bases foram selecionadas aquelas que abrangem a área, além da
base Acervus que concentra todo o conteúdo bibliográfico da UNICAMP com livros e
teses, bem como a Biblioteca Central e a biblioteca da Faculdade de Educação Física da
Unicamp.
Foram selecionadas as palavras chaves adequadas, e após esse processo foi feita
a “leitura informativa” que segundo Cervo e Bervian (1975), são divida em quatro
etapas:
1. Leitura de reconhecimento: possibilita ao pesquisador uma visão generalista
sobre o assunto.
2. Leitura seletiva: onde se seleciona os melhores textos de acordo com o tema.
3. Leitura crítica: estudo dos textos com visão crítica sobre o assunto
4. Leitura interpretativa: é onde se relaciona as afirmações do autor com a solução
que se está procurando.
A amostra consistiu da observação com posterior anotação no decorrer das
disciplinas de estágio. Durante o ano de 2008 nos dois primeiros semestres de estágio as
observações foram feitas na E.M.E.I. Maria Célia Pereira situada em Barão Geraldo em
uma turma do infantil. As crianças tinham de quatro a seis anos, com uma média de 18
alunos. Como era uma turma do infantil, a mesma turma foi acompanhada durante todo
49

o período. Eles não possuíam aula de educação física específicas, já que era apenas uma
professora para todo o processo.
No primeiro semestre de 2009, o estágio foi feito no Colégio Progresso. Trata-se
de uma escola particular situada na região central de campinas, e seus alunos são de
classe média alta a alta. A turma consistia em alunos do terceiro ano do ensino médio
sendo por volta de 25 alunos.
No segundo semestre de 2009 a quarta e última disciplina de estágio foi realizada
na Escola Estadual Carlos Araújo Pimentel da Diretoria Leste de campinas. Nesta
escola não se tratava de uma turma específica, mas sim de cinco, que eram as turmas
que a professora de educação física lecionava durante o período da manhã de um dia da
semana. As turmas tinham em média 30 alunos Por sala.
50

4. Considerações Finais

Em suma tentamos a partir da problemática observada ao longo de quatro


semestres de disciplinas de estágio contextualizar e delinear estratégias para o professor
de educação física na atuar na escola.
Aspectos como formação de bons hábitos desde a infância são importantes de
serem trabalhados nesta etapa além uma base emocional e familiar sólida são
fundamentais para o bom desenvolvimento da criança como um todo. Fica claro
também a importância de propostas formadas por um pensamento holístico que
abrangem o desenvolvimento emocional aliado ao desenvolvendo cognitivo e motor.
Em um mundo cada vez mais científico é indispensável ao professor de
educação física o domínio multidisciplinar, pois identificamos que são necessários
conhecimentos atualizados sobre psicologia e de estudos sobre o desenvolvimento
humano.
Para obter sucesso em ministrar boas aulas e atuar na escola como um todo para
melhorar a qualidade de vida dos escolares é necessário dominar alguns conceitos
acerca dos comportamentos para principalmente identificar problemas, tendo em mente
a importância papel do ambiente familiar em um processo mútuo, influenciando
também nos hábitos.
É necessário agregar também conhecimentos sobre hábitos e como mudá-los,
aliados à importância do desenvolvimento neuromotor, além da motivação. Aqui
também se faz importante o conhecimento sobre promoção da qualidade de vida no
âmbito de estilo de vida. Projetos e estratégias podem ser desenvolvidos tanto tendo em
perspectiva a escola e comunidade, como a aula de Educação Física.
Acreditamos que a escola e as aulas de Educação Física geram excelentes
ambientes para formar hábitos saudáveis bem como trabalhar em grande parte os
aspectos emocionais. Entendemos que a pedagogia Freinet apresenta uma grande
proximidade e proporciona excelentes possibilidades para trabalhar estas questões.
Com estes fatores em mente o profissional poderá ter aumentadas suas chances
de ministrar boas aulas, melhorar a qualidade de vida dos escolares dentro e fora da
escola contribuindo positivamente para sua formação.
51

Ser professor para além das questões pedagógicas não é apenas ensinar
conteúdos. É um espelho de um modelo social a ser seguido, de um agente que pode
atuar em prol do bem estar das pessoas do meio em que vive. Inúmeras questões
estruturais têm de ser resolvidas para que este profissional tenha plenas condições de
trabalhar, pois, espera-se que suas aulas realmente passem, além de conteúdos, bons
sentimentos e emoções a seus alunos.

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam
sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."

Antoine de Saint – Exupéry (1956)


52

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