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Suspendo “Siddhartha” – colocado onde a vista o alcance e provoque o desafio – para passar
um pano sobre mesa parcialmente suja das migalhas vespertinas e das reminiscências da noite
anterior.
Tomo logo um pequeno susto, desses que os olhos sofrem quando, ao levantar um livro,
identificam o movimento vivo de um pequeno intruso a saborear o silêncio e a sombra de um
bom esconderijo.
Num golpe de vista, fugiu. Desceu da mesa e pôs-se ao chão, sobre o tapete já surrado dos
passos de dança que invento pela manhã para iluminar o dia e não cair na escuridão.
Silencioso, anônimo e pequenino, postou-se como quem quer ser visto, bem ao centro da sala,
cuja magia, asseguram alguns, vez em quando faz morada.
Contei-lhe as patas: 28. Vinte e oito patas tão finas quanto ágeis.
Vejo-o e sei que me vê. Encara-me, estou certa. Sabe que está sendo olhado.
Que bicho serei eu? Estaria ele também contando minhas patas e encarando meus grandes
olhos?
Diante do caso, ainda que com a mesa já limpa e o dia nublado, “Siddhartha”, o livro, teve de
esperar.
Quanto ao pequenino intruso, não o matei, evidente. Também não o meti para fora da janela.
Nem o espantei como quem teme o desconhecido e a possibilidade do veneno. Verdade é
também que não o toquei, embora o encontro tenha, por si só, nos tocado profundamente.
Ficamos os dois bichos mesmo ali, imóveis, distintos e livres. Tudo tão vivo quanto peculiar.