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june de 1890, que condicionava o ingresso destes uiltimos a previa aprovagao do Congreso Nacional.” Nessa mesma linha, em 5 de mato de 1938, foi publicado 0 Decreto-Lei n° 406 que proibia a entrada de individuos de etnia cigana no territ6rio brasileiro, atribuindo a0 Governo Federal 0 poder de, ou vindo 0 Conselho de Imigragao e Colonizacio, “limitar ou suspender, por motivos econdmicos ¢ sociais, a entrada de individuos de deter minadas racas ou origens”. *® Logo no seu artigo primeiro, ¢ em con= sonancia com 0 propdsito de aperfeicoamento racial da populacio, © referido Decreto-Lei interditava *[...] a entrada de estrangeitos, de um: ou outro sexo: I — aleijados ou mutilados, invalidos, cegos, surdos-mus_ dos; Il — indigentes, vagabundos, ciganos e congeners; [...]."" Na esfera constitucional, a Constituigdo de 1934 — a primeira vista pioneira, ao tratar da raca, estabelecendo a proibicdo formal de pri vilegios raciais -, impregnada pela politica de branqueamento € pelO movimento eugenico brasileiro, incorporou em seu texto a previsa de restrigbes a entrada de imigrantes no territorio nacional, com objetivo, dentre outros, de garantir a integracao étnica.”» Além disso, texto constitucional determinava explicitamente o estimulo a educ eugenica por parte da Unido, dos Estados e dos Municipios.*” *? ‘g27 “Arigo 1° —E inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos viduos vilidos e aptos para o trabalho, que nao se acharem sujeitos & aco 4 de seu pais, excetuados os indigenss da Asia ou da Africa, que somente medi autorizagao do Congresso Nacional poderio ser admitidos de acorclo com as €0 «bes que forem entio estipuladas.” 428 Wlamyra Albuquerque recorda que jt havia restrigdes a entrada de imi negros no Brasil, mesmo antes da inexisténcia de legislacio espectfica que justi se tal impedimento, A historiadora apresenta dois casos analisados pelo Cons de Estado em periodos distintos, um de 1866 ¢ outro de 1877, mas cujos tr revelavam 0 mesmo principio: “pessoas de cor nio podiam imigrar para o B fossem livres ow liberias, todas deveriam ser deportadas.” O problema de funda) ‘© mesmo: *[...] como evitar que pessoas de cor imigrassem para o Brasil sem lancar mio de uma legislaglo racisa?”. CL: ALBUQUERQUE, 2009, p. 66. 429 Artigo 2° do Decreto-Lei n° 406, de 5 de maio de 1938. 430 Antigo 1°, incisos 1 € tt, do Decreto-Lei n® 406, de 5 de maio de 1938. 431 Artigo 121, 8 6° 432. Antigo 138, b 433 A teoria da eugenia teve como grande precursor o naturalista ingles Fi Galton, cuja tese defendia a possibilidade de methoramento da especie hut ‘UR. Unie Qenthana Var Chere ames, A seletividade racial da politica imigratoria brasileira fot reforcada, desta feita de maneira mais explicita, pelo Decteto-Lei n° 7.967, de 18 de setembro de 1945, voltado para imprimir & politica imigratoria do Brasil uma “[...] orientagao racional e definitiva [...]", capaz de aten- der a *[...] dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desenvolver a imigragao que for fator de progresso para © pais.” Para a admissao de imigrantes, o diploma legal determinava a observancia da “]...} necessidade de preservar e desenvolver, na com- posicao étnica da populacao, as caracteristicas mais convenientes da sua ascendéncia europeia,"* Com tantas estratégias combinadas, inclusive sustentadas pelo apa- rato legislativo, 0 que os tedricos eugenistas ¢ os etndgrafos da época nao podiam imaginar € que mais de um século depois do inicio da instituicdo da politica de branqueamento, seu fracasso estaria eviden- ciado na prevalencia da “mancha negra”,”com a populacao brasileira composta por 56% dle pessoas negras DE JUSTICA BRASILEIRO A mulher negra é a sintese de duas opressoes, de duas contradicoes essenciais: a opressdo de género e a opressao de raca Isso resulta no tipo mais perverso de confinamento. Se a questao da mulher avanca, o racismo vem ¢ barra as negras. Se 0 racismo ¢ burlado, geralmente quem se beneficia ¢ o homem negro. Ser mulher negra ¢ experimentar essa condicao de asfixia social Sueli Carneiro, Escritos de uma vida Job os aspectos fisico e mental, através de métodos de selecao antificial ¢ controle Jeproxlutivo. No Brasil, o movimento eugenico ganhon forca no inicio do século XX, onseandose por diversas areas do conetmete, como a Medicina, o Dire BA ilucacao, 14M Deeseto-Lei n® 7.967, de 18 de MBS NASCIMENTO, 2016, p. 84 embro de 1945, JUSTIA UMAMULHER CARA. 173 Sintetizar opressdes de raga e de género em nossos corpos ¢ uma, experiéncia que nos acompanha; nos, mulheres negras, onde quer qul estejamos. Como nos lembra Sueli Carneiro, os efeitos sao dolorosos promovem nao apenas o nosso confinamento, mas também uma espé Cie de asfixia social. Quando os direitos das mulheres encontram gua rida mesmo diante do patriarcado, o racismo nos impede de avani De outro lado, quando evoluem a5 ages e politicas publicas antirra las, 0 sexismo se eleva como obstaculo a nossa ascensao. Essa sensacao de isolamento, esse continuo preterimento dos n direitos manifestam-se, de maneira semelhante, no proprio sistema justica, nao apenas na sua composigdo e priticas internas, mas tam! €, consequentemente, na maneira como o direito € aplicado ¢ inte tado. Diante dessa realidade cabe a nds, mulheres negras, faze uso estratégico ¢ criativo da nossa condicao de outsiders within provocarmos fraturas nesse sistema racial e sexualmente estrutut Para tanto, ¢ preciso compreender de que modo raga e género ~al de outros tantos fatores como classe, identidade de género, orienta sexual etc. — tém pautado — ou deixado de pautar, numa conveni conivente indiferenca ~ a ordem juridica brasileira ¢ a atuagdo dos gaos do sistema de justica. DA RACIALIZAGAO DA HUMANIDADE ANEGACAQ DE RACAS HUMANAS Portanto, 0 direito foi, nesse caso, uma maneira de fundar juridicamente ‘uma determinada ideia da humanidade dividida entre uma raca de conquistadores e outra de escravos. $6 vaca dos conquistadores ppodia legitimamente se atribuir qualidade humana. Achille Mbembe, Critica da raza0 O racismo € um complexo sistema de opressdo que impée @ rioridade de uma raca em detrimento de outras. Opera a partit da buicao de significado social a determinadas caracteristicas fenot imputando-se qualidades negativas ¢ inferiores aqueles grupos come desviantes do padrao considerado superior/hegemonico. tas palavras, pode-se afirmar que o racismo se configura a pal imputagio de atributos e comportamentos deterministas de dade associados a padroes fenotipicos especificos {170 Unie Santana Vaz & Chiere Ramos. Carlos Moore afirma que o racismo é um fenémeno anterior & sua propria definicao."® O escritor e cientista social cubano explica que a diferenciacdo inferiorizante de determinados grupos emerge do en- frentamento e repulsa entre povos fenotipicamente distintos, a partir da perspectiva etnocéntrica e fenotipocéntrica do dominador. Desse modo, o racismo manifesta-se como fator de ordem social, historica € cultural resultante das relagdes entre civilizacées distintas, para, pos- teriormente, firmar-se como ideologia politica - baseada nas ciencias sociais e da natureza — justificadora da dominagao ¢ subalternizacao de grupos associados a certos fenotipos. Dai a compreensdo de que nao sao as racas humanas que dio origem a0 racismo, e sim o racismo que provoca a divisdo da humanidade em racas definidas. Com efeito, € a partir da consolidacao do racis- mo que surgem as primeiras classificagdes raciais humanas na ciencia, hormatizando construgées simbélicas extraiveis das relagdes sociais, difundindo-as para as mais variadas vertentes da vida em sociedade, inclusive para esfera juridica.*™ E com 0 colonialismo moderno ~ cujo inicio ¢ marcado pela expan- sto europeia nas Américas ~ que se estabelece um padrao de poder as- sestado na hierarquizacdo racial dicotomica da humanidade, dividida ¢1n europeus ~ brancos, superiotes, tacionais, civilizados ~ e nao euro- pets ~ nao brancos, inferiores, sub-humanos, selvagens. Desse modo, 4 supremacia branca sobre as demais racas foi elemento essencial para 4 expansio do sistema colonial europeu, que se intensificou a partir do Aeculo XV1, sob as vestes de propalada missao civilizatéria dos povos Inferiores que, incapazes de se autogovernarem, precisavam ser domina- los ¢, entio, civilizados. A swpremacia branca configura-se, portanto, fom o sistema politico que deu origem ao mundo moderno ‘al qual le se apresenta atualmente.* (0 socislogo peruano Anibal Quijano traca uma distingao entre co- mialismo e colonialidade. Para ele, o colonialismo — concebido como MooRE, 2012, p. 31 ura Carlos Moore “I... diseurso ea pritica do racismo se inserem fas esr is do chamado Estado Democritico de Direito, perpassando as plataformas dos Milos politicos de dreita e esquerda, e orientando os esteredtiposveiculados pela uve inclustria de massa audiovisual, que, por sta vez, alimenta o imaginario e a gugem popula.” CE: MOORE, 2012, p. 17 MILLS, 1997, p. 1 AJUSTIGACUMAMULHER NEGRA 175 oer Bobal de dominacto poles, 2ociale cultural enropet moe een ae pee reel lesa . 7 rieas e, u% Segura Guert Mund na Atta ena Ata Todviaca clea Be Nemerti Cralintiys ora apems accves vo deeaicnmial ae = ee persistente, mantendo-se como matriz de racializa~ a @8es de poder entee conquistadores ¢ conquistados,"! sen- capaz de colonizar até mesmo o proprio imaginario dos dominados ‘Com o fim da Segunda Guerra Mundial e como reacio &s atrocidad ere EYE ane A iptemmrta SENT Ceara a humanidade em racas comecam a ser rechacados em escala global, 439 QUIJANO, 1992, p. UL 440 MIGNOLO, 2005, p. 38. 44 Sob o tema iba Quinn fsa qu “Coa ¢ um one die feed, anda ne vic Close, Ft ine fee estan tmaesrutra de dominate em quo contol dato pli dosteeurcs de poi do tao de uma popuio determina dorina ou bp, tenn ile cons cto, se aos oe jatcn eral Mas rem sempre ner neesariamere, mp gts at tas de pode © Colpo lyse, mas amo, enquan a olvahad tem indo a prov ns atmos 300 anos, er mals prof edroi e ellismo Ma ose dv, engeads den dau e mas aca cle no den se eto oerjecidade do mundo ena : longado." Ci: QUYANO, 2010, p. 6+ a Nelson Maldonado-Torres, , por sua vez, explica que °O colonialisma si ie escort al een dem poo demo acl dur pore as oe st geo ines A contraro dessa Me, clits referea um i de poder qe ene c en

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