Você está na página 1de 5
ACAO ORDINARIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINARIO) N 29.2010.404.7110/RS. 5001293- AUTOR : NELSON RODRIGUES VARELA ADVOGADO : MARIA MANOELA DE ALBUQUERQUE JACQUES REU : UNIAO - ADVOCACIA GERAL DA UNIAO SENTENCA I. Relatorio Nelson Rodrigues Varela, devidamente qualificado na inicial, ingressou com pedido de alvara judicial, recebido neste Juizo como ago ordindria, contra a Unido, requerendo o cadastramento de nove armas de fogo junto ao mapa de armas do Servigo de Fiscalizagio de Produtos Controlados mantido pelo Comando da 3.* Regiao Militar. Narrou ter recebido por heranga de seus pais nove armas de fogo fabricadas, em sua maioria, entre os anos de 1894 ¢ 1917, as quais, por screm antigas, ndo possuem registro. Referiu ser colecionador de armas de fogo devidamente cadastrado junto ao Exército Brasileiro e, nessa condigdo, haver solicitado ao Servigo de Fiscalizagiio de Produtos Controlados 0 registro das armas em seu mapa de armas, o que foi indeferido ao argumento de que hd necessidade de comprovacao documental de registro expedido por érgdo competente (Policia Federal ou Exército Brasileiro) Sustentou que, por serem muito antigas e passarem de geragdo em geragdo por membros da familia, as armas no possuem registro junto 4 Policia Federal e ao Exército Brasileiro, razio pela qual postula seja autorizado judicialmente o cadastro das armas junto ao érgio competente. Juntou documentos. O processo, originariamente ajuizado perante a Justiga foi remetido a Justiga ante a necessidade de que o registro fosse efetuado perante érgio da Unido. Intimada, a parte autora apresentou peti¢ao de emenda @ inicial, adequando-a ao rito ordinario. Citada, a Unido apresentou contestagdo (evento 22). Aduziu que, nos termos da legislagao de regéncia, toda arma de fogo deveria ser registrada junto aos érgdos competentes, no caso o Comando do Exéreito (SIGMA). Disse que, por forga do disposto no art. 30 da Lei 10.826/03, © autor tinha até o dia 31.12.2009 para efetuar registro de sua armas, o que nio foi feito. Referiu, por fim, que apenas na hipétese de armas obsoletas seria dispensado o registro, nos termos do Decreto n° 5.123/2004 que regulamentou a Lei 10.826/03. Houve réplica (evento 25). As partes no solicitaram a produgio de outras provas. 0 julgamento foi convertido em diligéncias (evento 42). Apés manifestagdes das partes, retornaram os autos conclusos para sentenga, O julgamento foi novamente convertido em diligéncias, oficiando-se & Delegacia de Policia Federal em Pelotas solicitando esclarecimentos sobre a classificagio das armas cujo cadastramento é postulado pelo autor (evento 50). Com a resposta e a manifestagdo das partes, retornaram os autos conclusos. Il. Fundamentagio Pretende © autor, na condigdo de colecionador devidamente cadastrado junto a0 Exército, o cadastramento de nove armas de fogo recebidas por heranga, junto ao mapa de armas do Servigo de Fiscalizagao de Produtos Controlados mantido pelo Comando da 3.* Regio Militar. Conforme se depreende dos documentos que acompanham a inicial (evento 1, out4), em resposta ao pedido de cadastro de armas formulado pelo autor, a autoridade competente informou que: Para a realizagao de registro de arma de fogo em acervo de competéncia deste drgao, preceituados pelo art. 24 da Lei 10.826/2003 hé, no entendimento deste SFPC (Servico de Fiscalizacdo de Produtos Controlados) a necessidade de comprovagiio documental de Registro expedido por drgao competente (Policia Federal ou Exército Brasileiro). Assim, para 0 atendimento ao pleito requerido, requisite no prazo de 30 dias a apresentagao dos documentos comprobatérios constantes no item anterior. 6) Posteriormente, atendendo ao pedido de subsidios para a defesa da Unido, o chefe o Servigo de Fiscalizago de Produtos Controlados da 3° Regidio Militar, prestou as seguintes informagdes (evento 45, INF2) i) Em atencao ao documento da referéncia, informo-vos que foram indeferidos 0s apostilamentos das armas de interesse do Sr. Nelson Rodrigues Varela, cujo requerimento foi protocolado neste SFPC/3 de n.* 00600-2010, de 28 de janeiro de 2010, haja vista 0 mesmo néo ter apresentado documentos de origem das armas. Informo-vos, ainda, que 0 requerente solicitou a legalizagao das mesmas em 28 de janeiro de 2010, ‘fora do prazo concedido & legalizagao de armas com origem conhecida e néo registradas, de acordo com o § 3.° do art. 5.° da Lei n.° 10,826, de 22 de dezembro de 2003, ¢ da Lei n.° 11.706, de 19 de Junho de 2008 (Lei da Anistia), prorrogado pelo art. 20 da Lei n.° 11.922, de 13 de abril de 2009, que concedeu, até dezembro de 2009, os processos de legalizacao de armas. Verifica-se, dessa forma, que a justificativa para o indeferimento do pedido consiste, em tltima andlise, na impossibilidade de registro das armas apés o transcurso do prazo originariamente estabelecido pelos arts. 5°, § 3° e 30 da Lei 10.826/03, posteriormente prorrogado até 31.12.2009, consoante previsdo contida no art, 20 da Lei 11.922/09. Tenho, todavia, que nfo deve prosperar tal argumento em relago ao colecionador devidamente cadastrado, como é 0 caso dos autos. O prazo estabelecido pelos arts. 5°, § 3° ¢ 30, ambos da Lei 10.826/03, teve por destinatarios aqueles que, tendo a posse irregular de armas de fogo e tencionando utilizé-las para fins de defesa pessoal, pretendessem regularizar essa posse. Jamais foi intengo do legislador criar um prazo preclusivo para os colecionadores, os quais nio mantém a posse de armas de fogo para fins de defesa pessoal, mas sim por propésitos histéricos, culturais ou meramente lidicos. Reforga tal conviegio © fato de que o colecionador esté submetido a um regime distinto para registro de suas armas, mesmo quando o equipamento seja de uso permitido. Com efeito, enquanto as armas de uso permitido so em regra registradas através da Policia Federal © cadastradas no SINARM, todas as armas pertencentes a colecionador, inclusive as de uso permitido, sao registradas no Comando do Exército e cadastradas no SIGMA, consoante previsdo contida no inciso I do § 2° do art. 2°do Decreto 5.123/04, de seguinte teor: Art, 20 O SIGMA, instituido no Ministério da Defesa, no ambito do Comando do Exército, com circunscricdo em todo o territério nacional, tem por finalidade manter cadastro geral, permanente € integrado das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no pais, de competéncia do SIGMA, € das armas de fogo que constem dos registros préprios. § 20 Serio registradas no Comando do Exéreito e cadastradas no SIGMA. 1- as armas de fogo de colecionadores, atiradores e cacadores; Ressalte-se que além da previsdo de que todas as armas pertencentes a colecionadores, atiradores e cagadores serao registradas no Comando do Exército e cadastradas no SIGMA, independentemente da natureza das mesmas, nio ha qualquer previsio especifica, seja na Lei 10,826/03, seja no seu regulamento, que limite temporalmente a possibilidade de registro de armas adquiridas por colecionador. Assim, mesmo em relagdo a armamentos de uso permitido adquiridos antes de 31.12.2009, nao havia para o autor, na qualidade de colecionador devidamente cadastrado junto aos competentes, o dever de registré-los junto a Policia Federal, mas apenas perante 0 Comando do Exército, registro para o qual, repita-se, jamais houve prazo estipulado. Nao bastassem esses argumentos, as circunstincias coneretas e as condigdes pessoais do autor bem ilustram o quanto é desarrazoada e sem propésito a vedagio ao registro de armas de fogo por colecionadores apés dezembro de 2009. Conforme se constata pelos documentos juntados no evento 25, o autor é colecionador ¢ atirador devidamente registrado junto ao Exército Brasileiro (Certificado de Registro n.° 24019), sendo proprietario de pelo menos 63 armas de fogo destinadas ao uso desportivo (tiro pritico) ¢ ao colecionamento, Assim, nao se trata de pessoa sem preparo para a posse e manuseio de armas de fogo, mas sim de cidadao habilitado e regularmente fiscalizado pelos érgdos competentes. Ademais, as armas em questo, algumas de inegavel valor cultural ¢ histérico, pertenciam a seu pai ¢ foram adquiridas por heranga cerca de um més antes do primeiro requerimento formulado pelo autor com vistas ao cadastramento das armas adquiridas, o que denota a total boa-fé o autor e a inexisténcia de qualquer tentativa de burla aos propésitos da Lei 10.826/03. Assim, havendo previsio legal de que as armas dos cagadores e colecionadores serao registradas pelo Comando do Exército, mostra-se infundada qualquer interpretago no sentido de que as armas do autor nfo poderiam ser registradas no érgdo competente porque extrapolado o prazo fixado no Estatuto do Desarmamento (art. 30 da Lei 10.826/03). Por outro lado, se a inaplicabilidade do prazo estabelecido no art. 30 da Lei 10.826/03 a armas de uso permitido adquiridas por colecionadores decorre da interpretagio sistematica dos atos normativos que regem a matéria, no que concerne a armas de uso restrito decorre de texto expresso de lei. Com efeito, o art. 30 da Lei 10.826/03, com a redagio introduzida pela Lei 11.706/08, € claro ao dispor que o prazo ali estipulado aplica-se especificamente aos possuidores ¢ proprietarios de arma de fogo de uso permitido, nada referindo quanto as armas de uso restrito: Art, 30. Os possuidores ¢ proprietérios de arma de fogo de uso permitido ainda néo registrada deverao solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentacao de documento de identificacao pessoal ¢ comprovante de residéncia fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ow comprovacdo da origem licita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaragao firmada na qual constem as caracteristicas da arma ¢ a sua condigdo de proprietirio, ficando este dispensado do pagamento de taxas ¢ do cumprimento das demais exigéncias constantes dos incisos 1a III do caput do art, 40 desta Lei. (Redacao dada pela Lei n’ 11.706, de 2008) (Prorrogacao de prazo) Ora, havendo o legislador feito referéncia tnica e exclusivamente a armas de uso permitido, torna-se inaceitavel a interpretagio extensiva pretendida pela Unido, mesmo porque normas especificas devem ser interpretadas restritivamente, mormente quando afetam, em Ultima anilise, 0 direito de propriedade Nao significa isso, evidentemente, que as armas de uso restrito nio devam ser objeto de registro. Nao s6 devem ser registradas como a auséncia desse registro em tese caracteriza o crime previsto no art. 16 da Lei 10.826/03. Todavia, ao contrario do que ocorreu em relagio as armas de uso permitido, ndo ha prazo para essa regularizago, a qual, a mingua de veda feita a qualquer tempo por quem de direito. legal, poder ser Conelui-se, pois, que se o registro era desnecessirio em relagio a todas armas recebidas pelo autor, tendo em vista sua qualidade de colecionador devidamente registrado, com mais razio se chega a tal conclusdo em relagdo as armas de uso restrito, situago em que esto as seis armas apontadas no oficio da Policia Federal juntado no evento 56 que correspondem aos armamentos descritos nos itens 2, 3, 4, 6, 7 ¢ 8 da escritura piblica de cessdo onerosa de direitos hereditarios e de sobrepartilha (fls. 02 a 06 do documento 3 do evento 7), além das armas descritas nos itens 1 ¢ 9 do mesmo documento, as quais também podem ser enquadradas como de uso restrito de acordo com o Regulamento para Fiscalizagao de Produtos Controlados (R-105), aprovado pelo Decreto ° 3,665/2000, De fato, nos termos do art. 16, inciso III, so de uso restrito as armas de fogo curtas, cuja munigao comum tenha, na saida do cano, energia superior a trezentas libras-pé ou quatrocentos ¢ sete Joules, situagio em que se encontra a pistola Mauser 7.63 (item 1), cuja energia correspondente a 545 joules ou 402 libras-pé segundo informagio extraida da internet (httpu//en. wikipedia org/wiki/7.63%C3%9725mm_Mauser). Ademais, no que tange 4 pistola de gas Rhoner Sportwaffen, calibre 8 mm (item 9), também € arma de uso restrito, contrario sensu do diposto no inciso IV do art. 17 do R-105, segundo o qual sdo de uso permitido as armas de pressio por gas comprimido ou por ago de mola, com calibre igual ou inferior a6 mm. Quanto 4 competéncia para o registro, como jé referido, tratando-se de arma pertencente a colecionador devidamente cadastrado, incumbe exclusivamente ao Comando do Exército. |. Dispositivo Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial para condenar a Unio, através do Comando do Exército, ao registro e cadastramento das armas de fogo constantes na escritura piblica de cessfio onerosa de direitos anexa a inicial, junto ao mapa de armas do autor mantido no Servigo de Fiscalizagao de Produtos Controlados da 3.* Regiao Militar. Condeno a Unido ao pagamento de honorarios advocaticios arbitrados em RS 1.800,00 (um mil oitocentos reais), nos termos do art, 20, § 4.°, do CPC Deixo de condené-la ao pagamento de custas processuais. Publique-se. Intimem-se. Em homenagem aos principios da instrumentalidade, celeridade e economia 520, caput, do CPC), desde que atendidos os requisitos de admissibilidade. Interposto(s) o(s) recurso(s), caberé a Secretaria abrir vista a parte contréria para contrarrazbes, e, na seqiiéncia, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4* Regio. Pelotas, 18 de maio de 2012. Cristiano Bauer Sica Diniz Juiz Federal Documento eletrdnico assinado por Cristiano Bauer Sica Diniz, Juiz Federal, na forma do artigo 1°, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolugéo TRF 4* Regiao n° 17, de 26 de margo de 2010. A conferéncia da autenticidade do documento esta disponivel no enderego eletrénico http://www. jfrs,jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do cédigo verificador 7130013v13 ¢, se solicitado, do cédigo CRC 23EE7S5C. Informagées adicionais da assinatura: Signatirio (a): Cristiano Bauer Sica Diniz Data e Hora: 23/05/2012 17:56

Você também pode gostar