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O86 EDUARDO FaRia Prot. Alto do Ospartamento de Filosofia 0 Teoria Gorel do Bravia da USP A REFORMA DO ENSINO JURIDICO* CConstate-se um pouco por tode 2 do universo, concertua) @ suas Bivtoum crescondo na contosiapio matizes Weclégicss, des tansion 3 sia Go treet corte ard vartesde a lurrke soa Interogarse Sobre 28 razdes do tal snira.os fenomaros furait Soreeaes W paride anaise do fondrenoe cae um io, sociedade e Eolado so trugdes elentices, por outro denominador comum deste texto é a conscléncia Calera» eaviae de que as diticudades hoje entrentadas pelos cursos jurcicos #2” cer gue naclonais nao devern ser vistas exclusivamente como simples 70,f2/uoaeaue desajustes instituciona's nem, muito menos, como problemas fn carton cstos moramente ‘corporativos. Subjaconte a. essas lficuldades to eaursl, com fencontra-se uma controvérsia ainda mais ampla sobre uma 20 #780, Coneepgio de drete « de justiga, sobre um modelo de ordem —Sguinas econémica ® politica e sobre um paradigma de relagdes Soclais edo cultura. Tal controversia advém do crescente Ae! Camas, desgaste dos tracicionals mecanismos lurisicos de ordenacao rmetsoer politica, de eslabilzacho das relagoes sociis ede ariculagho Go contenso, em virude da explos80 oe Iiigiosidade decor- fonte entre outros factores — das sucessivas crises recossi- vas 0 inflacionérias, da expansto dos direitos sociais © do {advento-de lutas protagonizadas por grupos até recentomente Sem tradigio de acgho colectiva Ge controntagao politica. Ou Sela. um processo de transformagao sociale intitucional que Veraio_condenaada do relatorio sobre a rforma do aurea jrgico aproventade & Comsaao de Enea da FOUSP em Margo se 1968, Esie 46 Joss Eduardo Faria entroabre a necessidade de estratégias tebricas © metodol6- ‘gicas capazes, por um lado, de superar 0s limites da verséo dogmatica da Ciencia do Dirsito, e, por outro, de propiciar uma discuss4o sobre 2 natureza historica das teorias de diteito @ do poder social nelas subjacentes Reorganizar 0 curso juridico, portanto, nao ¢ rearticular cde maneira asséptica quer © conhecimento quer 0 estudo do direito positivo. € Isso sim, reorienta-lo em direcgao a novos. objectives sociais, econdmicos, politicos, administrativos & culturais (quals sero eles?) e em consonancia com as dife- rentes —e necessariamente contlituantes @ contraditorias — aspiragoes de uma sociedade bastante estratiticada (quals, serdo elas?). Rleorganizar 0 curso juridico ¢, igualmente, ter consciéncia de que a sua deterioragdo nao se deve ao acaso — na verdade, tal processo serviu a interesses socials espect- ficos, de modo que a sua reforma estrutural, metodolégica € pedagégica implica reorientar o ensino do direito para uma instanela de maior rigor cientifico e de maior eficacia para a ‘consecugao de uma Sociedade mais livre e igualitéria do que a actual Para que nao trustre alunos @ professores, portanto, € para que seja abrangento, inovadora e exequivel, a reforma do fensino juridico tem de comecar da andlise e da determinagao {das condigdes sécio-econdmicas @ politico-culturais em que ‘se processam as relagdes entre a crise do direito positivo © 0 fensino juridico. Uma questao define melhor o problema: neste momento em que os procedimentos juridicos tradicionals vérn erdendo a sua antiga importincia come factor hegeménico ra resolugao dos conflitos socials, 0 que é necessério para {que as faculdades de direito possam redetinir o seu papel no Ambito de uma sociedade estigmatizada pela intensa voloct- dade de seu desenvolvimento e pelas contradigdes socio -econémicas © desigualdades sectorials, sociais @ regionais Gele decorrentes, por uma lado conscientizando-se crescen- tomente da sua fungéo participante na procura de caminhos institucionals novos @ legitimos para a Nagdo e, por outro, Ccompreendendo =como» © «por quer progressivamente esté desaparecendo o tradicional profissional liberal, formado no espirito do positivismo juridico? Hoje, € not6rio que © papel precipuo das protissoes jurl- dleas € das instituicoes de direito cada vez vem sendo mais atravessado pela prépria natureza colectiva e classista dos se, Ganges ingonats para ese arte god wr egona: {ssh Macdonnla 1862), Kennedy (1982) Ge © Jackson (1982) Hume ‘baker (1982). Ungor 1983), Goran (1982), Mabe Bosteutiner (1960. Pucelrd (Toei) Senase 1978) e Wart Caraaeo'de'Conna (a) A Reforma 0 Ensino Jurigieo vvariados © complexos contlitos ne vida social. Com a pro- gressiva concentragao oligopolista dos sectores. produtivos, com a transtormagao do Estado liberal num Estado simulta- neamente provedor, regulador, interventor e planeador, com a crescente actuagéo das grandes empresas na area de servi- G08, em virtude da expansao da informatica, e com 0 apar Cimento de organizagées sindicais, patronais e trabalhistas eficientemente mobilizadas na dotesa dos interesses dos seus representados, nao s6 a maioria dos advogados tende a tor- nar-se assalariada 2), como, igualmente, a sua actividade pra- tica tem exigido novos graus de especializagao funcional ¢ técnica — graus esses que requerem, entre outras coises, saberes nao apenas extra-dogmaticos como, até mesmo. cextra-juridicos. Entre outras razoes porque, ao lado das suas reocupagoes do natureza profissional, muitos desses advo- ‘gados também v8o assumindo uma postura eminentemente politica, engajados om movimentos sindicals, comunitarios & populares, valendo-se dos aspectos ambiguos e contracitorios do direito positivo para uma «praxis liberadora» das estruturas nnormativas. em prol de uma efectiva justiga material Diante deste processo de conversao do jurista protissional livre em trabalhador assalariado de empresas, sindicatos, entidades de classe, associagbes civis ou orgaos governa- ‘mentais, ao lado da transformagao dos tradicionais escritorios de liberais em verdadeiros gabinetes de prestado de servicos e/ou de mobilizagao politica, 0 facto 6 que as especializacoes comuns e gerais actualmente esto a ceder lugar a novas especializagdes mais ligadas & moderna produgao agricola, industrial, comercial e de servigas © aos novos contlitos dela decorrentes, requerendo assim um saber crescentemente multidisciplinar e anti-tormalista, No entanto, qual o eixo cen- tral desse saber? Os alunos devem ser orientados exclusiva- mente numa dimensio prético-forense, tendo em vista 0 seu sucesso protissional imediato? Ou, pelo contrario, dever ser preparados com a finalidade de se tornarem capazes de assumir uma postura critica frente a0 diito positive para 0 adequar a realidade socio-economica emergente? Quais as novas responsabilidades @ fungdes do jurista numa sociedado fem transformagao? Em virtude dessa transtormagao, seria conveniente stecnologizar» 0 ensino juridico numa perspectiva essencialmente dogmatica? Como conjugar a reorganizagao do ensino juridico com mudangas ultimamente verilicadas no Proprio direito positivo, entreabrindo uma progressiva eroséo Sues mate es aes eee ore te esate Meee ee Sar aaa ah a Ha 48 José Eduardo Faria a rigider légico-tormal em razdo das exigéncias de justica distributiva ©, por conseguinte, dos imperativos de racionall- dade material? Como proceder face & inclinacao das novas ‘geracdes de caminhar para uma politizacao das suas fun¢oes protissionais? ‘A simples enumeracao dessas questoes revela que nao se deve mais manter 0 ensino juridico preso e confinado aos limites estreitos © formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmatica, na qual a autoridade do protessor representa a autoridade da lei e 0 tom da aula magistral per- mite ao aluno moldar-se ou adaptar-se acriticamente & guagem da autoridade. Nao se trata, 6 ébvio, de desprezar 0 conhecimento juridico especializado. Trata-se, isto sim, de ‘coneilid-io com um saber genético sobre a produce, a fungao ‘8 as condigbes de aplicagao do direito positivo, ‘Como solugao alternativa ao actual curso de graduagao, tal conciliagao exige uma reflexio multidisciplinar capaz de Gesvendar as relagdes sociais subjacontes as normas e as rolagdes juridicas, @ de fornecer aos estudantes ndo apenas novos métodos de trabalho (ensino activo e participante, seminarios, experiéncias de trabalho em equipe, pesquisas aplicadas, valorizagao dos centros académicos no que se refere @ prestagao de asistencia judiciéria aos necessitados © des- ossuldos) mas. igualmente, disciplinas novas e/ou reformu- ladas: a saber, a insergo do estudo do dirsito nas ciéncias sociais, uma éntase maior a Historia do Direito, a introdugao de Metodologia do Ensino Juridico e Metodologia da Ciéncia 0 Direito como matérias obrigatorias, a valorizagao da Filo- sofia do Direito, especialmente na parte relativa & hermendu- tea Juridica, 0 a andlise adensada das relacbes de natureza complexa (conflitos do tipo turals dos varios grupos e classes socials, retlectindo assim (embora ndo de maneira directa) os seus interesses especiti- os e extra-cientificos, jamais haverd educagao nem pesquisa que possam ser consideradas neutras. Dai, na implementagao fe na execucao da reforma do ensino juridico, a necessidade de uma permanente vigilancia epistemologica e de uma critica metodolégica capaz de propiciar contra-leituras ideol6gicas tanto das normas juridicas quanto das préprias doutrinas sobre 0 direito positivo—o que nos leva a recusar toda e ualquer tentativa de imposi¢ao de um modelo unico de ensino € tide como «ideals . Reteréncias Bibliogréticas Barcellona, Pietro Bastos, Aurélio wander Bobbio, Norberto Bourdieu, Pier Passeron, dean Calera, Nicolas M4 Lopez Faleao, Joaquim ‘oe arria Faleao, Joaquim fe aruda Faria, Joss Eduardo Faria, Joss Eduardo Faria, Joss Eduardo Go0, Gordon: Jackson, Donald Gordon, Robert Gorman, Robert Handler, Joo! Hunbaker, David 1977 1905 1977 1975 1975 1988 1082 1985 1980 A Reforma 0 Ensino Juridico La formacion det jurista, Madrid, Civitas 0s advogados e as empresas modernas, Rio de Janeiro, Fundaga Case de RU Barboss, Dalla Strutura alla Funzions: Nuovi Studi a Teoria de Diritto, Milano, Communit er A reprodueéo, Sao Paulo, Francisco Alves. La criss de las facultades de deracho: una question Ideolagicas, Anales de la Catedra Francisco Suarez, 20/21 “Granade Qs advogados’ ensino jyridico @ mercado de trabatho faeias'e pravs, Recife, Fundagdo Joaquim Nabuco. fem colaboragao com Toraza Mirailles, Abitudos os professores @ alunos das Faculdades de Dirsito do fio de sJanairo © Sao Paulo face a0 ensing juridico # sua ‘reforms, Rio de Janeiro, Departamento de Ciencias Suridieaa ‘da PAC. "A Fungo Social da Dogmatica e a Criso do Ensino © {da Cultura Juricica Brasileira, Anales de To Catedra Francisco Suarez 20/21 Dirsita, Modornizagio 0 Autoritarismo: mudanga sécio- secondmica 9 liberalism jurdico, Dopartamenio do Filosofia e Teoria do Direto da Universidade de Sac lo, S80 Paulo Elicacia juridica e violéncia simbdica, Sto Paulo, samento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade da Sao Paula, ‘Current studies oflagal education: gincings and Fecommendationss, Journal of legal Eacaton, 3,4 lew development in legal theorys, in David Kayrys (org). The politics of law progressive ortique, York, Pantheon Books. Al education at the end of the century, Journal of egal Eavoation, $2, 3, Tho discretionary decision: adversarial advocacy efor or reconstruction, Madison, Disputes Processing Research Program. Law, Humanism and Communication: suggestions for iimited curricular retorme, Journal of Legs! Eaueation, 30,2 68 Jose Eduarde Fania Kennedy, Duncan’ Kuh, Thomas Macaulay, Stewart Macaulay Stowart Macdonalg, Roderich Mannheim, Karl Puceiro, Enrique Zuleta _ Rocha, Leone! Severe Rottouthner, Hubert ‘santos, Boaventura de Sousa ‘Santos, Boaventura de Sousa Santos, Boaventura de Sousa, Santos, Boaveritura de Sousa Sehwarta Murray Sonese, Salvatore Unger, Roberto Mangaberra Warat, Luie Alberto ‘Warat, Luis Alberto 1984 1982 1972 1982 s977 1982 1983, 1985 1982 1978 1981 Legal education and the reproduction of hierarchy, ‘Journal of Legal Education, 92, 4 The Structures of Scientific Revolutions, Chicago, Chicago University Press. Relaciones no.contractuales en los negéclos, In Vinelm Aubert (org) Sotiologia de! Oeracho. Caracas, Nuevo tempo, An empirical view of contract, Madison, Disputes Procossing Research Program

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