Sumario: 5.1 Conceito de soberania — 5.2 Teorias sobre a soberania: 5.2.1
Teoria do direito divino; 5.2.2 Teoria da soberania popular; 5.2.3 Teoria da
soberania do Estado - 5.3 Limitagdes do poder soberano.
5.1 CoNcelTo DE SOBERANIA
A palavra Soberania origina-se de “soberano”, que por sua vez, vem de
suserano, termo medieval para designar 0 “senhor”. No inicio, era uma atri-
buicdo do governante que, com o advento dos governos democraticos, a partir
da Revolucao Francesa, passou a ser atribui¢ao do Estado.
O Estado Soberano é aquele que tem o poder de declarar seu proprio
Direito positivo de modo incontrastavel, isto ¢, sem ter que se reportar a ne-
nhuma instancia superior. E uma realidade politica que comeca ase construir
nos tempos modernos, pois a Idade Média desconheceu o Estado plenamente
Soberano, jd que subordinava o poder politico temporal ao poder espiritual da
Igreja. Daio simbolismo das duas chaves que representariam ambos os poderes
nas maos de Sao Pedro, o primeiro Papa, que se nota na iconografia das Idades
Média e Moderna.
Nas palavras de Miguel Reale, podemos definir a Soberania como sendo,
do ponto de vista politico, a independéncia fundamental do poder do Estado
perante outros poderes e, do ponto de vista juridico, o direito incontrastavel
de governar.!
Por sua propria natureza, a Soberania ¢, entao, una, indivisivel, inaliena-
vel eimprescritivel. Una, porque nao podem existir mais de uma Soberania no
1. REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5. ed. Sao Paullo: Saraiva, 2000. p. 153.56 | TEORIA GERAL DO ESTADO F CIENCIA POLITICA
Estado; indivisivel, porque nao admite partilha do Poder; inalienavel, porque
éintransferivel; e, finalmente, imprescritivel porque tem como objetivo jamais
acabar no tempo.
Esta é a nocdo classica de Soberania do Estado que chegou a seu apogeu
no séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX, quando surgiu um organismo
internacional, a Liga das Nacoes, em 1918, limitador da Soberania do Estado
como veremos adiante.
5.2 TEORIAS SOBRE A SOBERANIA
Dada sua magna importancia,a Soberaniasempre buscou uma justificacdo
filos6fica e até teolégica para conseguir, com isso, aadesao dos governados sem
necessidade da utilizacao continua da forca, o que representaria debilidade do
conceito e desgaste da instituicao politica.
5.2.1 Teoria do direito divino
Uma das mais antigas e respeitaveis teorias é a do direito Divino de gover-
nar, isto nao s6 no oriente como também na civilizagao ocidental. No Egito e
na Babilénia, para citar dois exemplos caracteristicos, o governo do Imperador
ou do Faraé era consequéncia de uma virtude divina, que os fazia filhos dos
deuses. Para termos uma ideia da duragao desta teoria, lembremos que o Impe-
rador Hiroito do Japao foi considerado filho do Sol Amateratsu e que uma das
condigdes da rendicao aos aliados foi a perda da caracteristica divina. Nao se
pode olvidar também que o supremo Pontifice da Igreja Catolica, o Papa, que
é chefe do Estado da Cidade do Vaticano, tem poder considerado divino pelos
fiéis catolicos, donde lhe advém a infalibilidade em questoes de fé.
O apoio para essa teoria, na cultura ocidental, se encontraria na famosa frase
doapéstolo Paulo Todo poder vem de Deus. interpretacao inicial era da designacao
pessoal do governante, o que se chamou ‘teoria do direito divino direto’. Posterior-
mente, houve umaatenuacdo, considerando-se queacao divina se revelariademodo
indireto na direc4o dosacontecimentos, levando certas pessoas a ocupar cargos de
governo. Esta foi a teoria do direito divino indireto ou providencial.
5.2.2 Teoria da soberania popular
Como reacaoa teoria do direito divino, que servia de alicerce para os regimes
absolutistas, os pensadores liberais dossécs. XVIle XVIII buscaram sua inspiracao
2. Biblia Sagrada, Epistola de Sao Paulo aos Romanos, 13,1-TEORIAS SOBRE A SOBERANIA DO ESTADO | 37
dblica romana ena democraciaateniense para dizer que efetivamente sobe-
Go povo. Ele€o verdadeiro titular da Soberania da qual os governantes tem
‘icio por delega¢ao popular. Percebe-se que esta teoria correspondeaoutro
nto historico em que se separam nitidamente crenca religiosa € doutrina
sea, Desvincula-se 0 Estado da Igreja no process geral de secularizaco e
cralizacao da vida em sociedade no ocidente, nao havendo como conceber
quer interferéncia de entidades sobrenaturais na vida politica dos povos.
teoriaéamais condizente como regime democratico da maioria das nacoes.
3. Teoria da Soberania do Estado
mmanha que surgiu a teoria de que soberano nao
Foi principalmente na Ale
gunda teoria,
governante, como na primeira teoria, nem 0 povo, como nase}
proprio Estado, considerado como um ser que realiza plenamente a ot-
nizacao da nagaoe éameta final de todos os cidadaos. Visivelmente baseada
teoria do Estado como absoluto, de Hegel, esta teoria correspondeu aascen-
10 de Estados autoritarios, como 0 Império do Kaiser Alemao, Guilherme de
ohenzollern, € 0 do Nacional Socialismo. Dadaa influéncia da filosofia alema
em varias partes do mundo, sugiram adeptos desta teoriana ltdlia, servindo de
‘suporte doutrinario ao fascismo ¢em paises Jatino-americanos, como 0 Estado
novo de Getuilio Vargas no Brasil e a Argenting de Juan Domingo Peron. Nao
ha duivida que, do ponto de vista da evolucao das ideias politicas, tal conceito
de Soberania representou um retorno a concepcdes classicas greco-romanas
da polis como realidade maxima a qual deveriam se sacrificar os interesses
individuais. Nao por coincidéncia, Hegel votava admiracao incondicional ao
modelo de Estado proposto por Platao.
5.3. LIMITACOES DO PODER SOBERANO
Exatamentecomo decorréncia da concep¢ao anterior,ateoriada Soberania
do Estado, fracassaram todas as tentativas de impedir guerrassanguinarias que
assolaram o planeta desde os tempos de Napoledo até as duas guerrasmundiais.
‘t humanidade despertou entao paraanecessidade de uma concepcao limitada
da Soberaniae, depois de varios fracassos, conseguiu criar uma entidade dotada
de poder juridico, econdmico e militar, capa de limitar a Soberania dos Esta-
dos dela participantes. Referimo-nosa Organiza¢ao das Nacoes Unidas, que se
propoearesolver questoes internacionais por meio do dilogo e, se preciso for,
da intervengao bélica para impedir que, em nome da soberania, se perpetrem
crimes contra a hhumanidade como os sucedidos nas duas guerras mundiais.
Hoje este € 0 principal limite existente para a Soberania dos Estados.58 | TEORIA GERALDO ESTADO E CIENCIA POLITICA
Também € dbvio que a Soberania de cada Estado serve de limite para a
Soberania do Estado vizinho, em ambito territorial e mesmo em 4mbito econd-
mico e cultural. Nao ha como se admitir, sem incoeréncia, que apenas alguns.
Estados gozem dos atributos da Soberania e outros nao. Estabelecida como
principio juridico do direito Internacional, ¢a Soberania caracteristica normal
de qualquer Estado reconhecido como tal.
Finalmente, poderiamos lembrar que a ideia de Direito Natural, acima do
Direito Positivo do Estado, retornou sob a forma da Declaracao Universal dos
Direitos do Homem, em 1948, criando um limite a Soberania do Estado nao
apenas numa ideia de direito ideal supraestatal, mas de lei escrita de validade
universal para conhecimento geral de que existem direitos sagrados da pessoa
humana que Estado nenhum, sob qualquer justificativa podera violar.