Você está na página 1de 28
O ramon rome DE Guanier Ererno/PRrovisOwmo Quando em 2. de junho de 1928 6 ministérin piblico tomou a palayra ne processo contra Antonio G: amsct © outros lideres do Partito Gomunista dtr Tia (PCUr1) presos com cle, uma violenta expesigiin de motives condenando 0 fot proferida, Sobre Gramsci, o pronunciamento expds stia total irracionatidules “por (apud HORI, 1979, p 285). O processo se arrastava desde a pristo do dirigente comanista pela policla fascista, em novembro de 1926, Mas 0 circere nao impedia o cérebro de fanele nar, ki antes mesmo da senteng vinte anos devemos impedir que este cerebro funcione er tim carr escrih a sti cunhada, Pathan Schucht, end margo de 1927, ele alirmava: stow atormentado [J por eta ideia de que & preciso fazer algo fiir ewig. [--L my stima, 4 undo um plane aia, 5 preestabelecido, de ocupar-ime intensa ¢ si fematicamente de alguns temas que me absor ssem ¢ cent alizassem minha vida interior” (LC, p. 58) A principal dificuldade que os Quaderni apr alam’ para seu leitor ¢ no paradoso de que esse projeto de pesquisa “fiir wig (para sempre) mate ins ¢ inaeabadas, Nada indica que Gramsci, em algum momento de seu trabalho, tivesse abandonado a impostagae lizou-se neles sob a forma de notas provis’ inicial. A variedade dos tenras abordados, a profundidade do tratamento, a visada estratégica da retlesto indicam claramente a pretensio de escrevel alem da par conjuntura imediatt, Pelo contrario, hi fortes indicios de que & medida que esi trabalho avangay shoge daquilo que teow conhecide como os Quaderni def careere, ampliavamy se seus abjetivos, Na cart citada era apresentado © prime’ Quatro eram os temas sobre os quais G amsei pretendia se debrugar: 1») uma pesqtisa sobre a formagao alo espitite priblico na Tilia no séeulo passado: em outrts palavras, unt pesquisa sobre oy inte tuais italiano, suias origens, agrupamentos s jpundo as correntes culliurais, diversas: modos, ) Uni estudo de lingufstiea comparadal [..J 3°) Um tstudo sobre teatro de Pirandello © a transformagao do gosto teatral italia ho que Pirandello representou e contribuie para determinar, [of 4") Un io sobre os romances de falhetim eo gosto popular na literatura (LC, 59). de pensar ete. [--] Conectando esses diferentes temas estava “oO espirito popular criativo” em suas diversas manilestagoes (LC, p. 59). Fir ewig, para sempre. Nao eran as questoes da analise de conjuntura as que atraiany Gramset na prisio, Seu projeto, ‘Awaro BIANCHI n conjunto de temas que resgatavam algumas de syay curava apresentar um as que a procurava api linguistica e sua atividade de Criticg sobre cocupacées juvenis: seus estudos area ae reendi areciam ser de ordem int literdrio, As razdes desse empreendimento pare telectual ¢ psicologica. Procurava o marxista italiano onganiast ~ vie na Prisio de modo a tornela, se no tolerivel, pelo menos suportivel, A carta a sva cunhada nig deixava de registrar essas motivagdes que 0 conectavam a uma vida de liberdade plena, Na carta, o prisioneiro lembrava de modo autobiografico seus “remorsog intelectuais? por ter abandonado seus estudos de linguistica. Narrava, também, sua atividade de eritico literério durante 08 anos de 1915 e 1920: “Sabia que eu .. descobri e contribui para popularizar 0 teatro de Pirandello?”, perguntava a sua cunhada (LC, p. 129). oo Mas o projeto também incorporava uma forte dimenséo politica e social, presente particularmente na primeira das dreas de concentra¢ao, na qual se desta- cava a investigacdo sobre a formagao dos grupos intelectuais dirigentes italianos, Sobre essa dimensio referia-se 0 proprio Gramsci na carta citada. “Vocé se re- corda de meu texto, muito curto e superficial, sobre a Itdlia Meridional e sobre a importancia de B. Croce?” perguntava a Tatiana (LC, p. 128), fazendo mengio a seu escrito Alcuni temi della questione meridionale, ensaio pré-carcerario no qual Gramsci discutia a formacio social meridional, incorporando a anilise das classes sociais o lugar ocupado pelos intelectuais.' Sobre o cardter politico desse texto nao ha lugar a divvidas, dai a importancia da reveladora referéncia. Mas essa dimensio politica aparecia ainda dilufda nesse primeiro projeto, como é possivel verificar na declaracao de intengo de Gramsci de desenvolver amplamente a tese esbogada naquele ensaio mas “de um ponto de vista ‘desinteressado, fiir ewig” (LC). O resultado dessa atividade planejada por Gramsci foram os 33 cadernos escolares de capa dura que preencheu com suas anotacdes durante os anos de Prisdo. Sao notas sobre o teatro italiano, a linguistica e a cultura popular, mas também sobre filosofia, histéria, economia e, principalmente, politica. A varieda- de de temas ¢ enorme, o que fez Eric Hobsbawm constatar certa feita que nesses cadernos ¢ possivel encontrar contribuicées importantes e originais em todos os campos das chamadas ciéncias humanas, com excecao, talvez, da economia. como — Peace teve, entretanto, que ser adiado por razdes iecniae, anaes ere a autor, amigo Piero Sraffa havia aberto uma conta no comego de 1929 que pane qual Gramsci podia pcomenday livros, mas foi ° Comat nesta prstl None Coa ae ena Se foercieacna Par al. No Primo Quaderno, cuja redacao iniciou no di » comegou seu trabalho com a seguinte anotagao: 1 Oensaio, escrito em 1 nsaio, 1926, foi publicad pelo PCd'l em Paris (CPC, p, 137158), 7 lo apenas em 1930 na revista Lo Stato operaio, mantis 24 O tanoratorro pe GRaMsct Notas ¢ apontamentos. Argumentos principai 1) Teoria da histéria e da historiografia. 2) Desenvolvimento da burguesia italiana até 1870. 3) Formagao dos grupos intelectuais italianos: desenvolvimento, atitudes, 4) A literatura popular dos romances de folhetim e as razées de sua perina- néncia ¢ influéncia. 5) Cavalcante Cavalcanti: a sua po Comédia, 6) Origens e desenvolvimento da Agéo Catélica na Itélia e na Europa. 7) O conceito de folclore. 8) Experiéncias da vida no cércere 9) A “questéo meridional” e a questio das ilhas. 10) Observasées sobre a populagio italiana: sua composicio, fungio da cemigragio. 11) Americanismo e fordismo. 12) A questao da lingua na Itdlia: Manzoni e G. I. Ascoli. 13) O “senso comum'” (cf. 7). 14) Revistas tipo: teérica, critico-histérica, de cultura geral (divulgagao). 15) Neogramuiticos e neolinguistas (“essa mesa redonda é quadrada”). 16) Os sobrinhos do padre Bresciani (Q 1, p. 5). 0 na estrutura e na arte da Divina A nota do Primo Quaderno revelava o desenvolvimento que 0 projeto ori- ginal havia recebido. Aos temas de cultura listados na carta de 1928 somavam-se outros de teoria e andlise social e politica, tais como as questées de teoria da his- toria, a formacao da burguesia italiana ¢ a “questdo meridional”, Importante, tam- bém, era a inclusio de um item sobre o americanismo e o fordismo, resgatando temas que motivaram sua reflexdo quando do biennio rosso em Turim. O préprio Gramsci apresentou a questao a sua cunhada, em uma carta de 25 de marco de 1929, indicando uma concentragao de seus interesses em torno de um mimero de reas reduzidas: Decidi ocupar-me predominantemente e tomar notas sobre estes tré suntos: 1) A histéria italiana no século XIX, com especial referencia a for- macio e ao desenvolvimento dos grupos intelectuais; 2) A teoria da his e da historiografia; 3) O americanismo e 0 fordismo (LC, p. 264).? as- ria Gramsci iniciou a redagio desses cadernos com notas sobre temas muito variados e comentarios de livros e artigos que lia na prisao. Os titulos que o autor 2 De modo inapropriado, esta carta é datada de 24 de fevereiro de 1929 na nova edigao brasil dos Cadernos do circere (CC, ¥. 1, p. 78). Na edigio das Cartas do cdrcere organizada pela mesma equipe, a data é registrada de modo correto (GRAMSCI, 2005, v. 1, p. 328). 25 ss Atvaro BIANCHT colocava perante cada paragrafo se repetiam varias vezes, indicando que 0 Projeto de se dedicar a alguns temas especificos seguia de pé. Mas aos poucos impusg. ram-se temas nos quais a anilise politica e social aparecia de modo mais intenso, A partir do inicio de 1930 ocorreu uma politizacao acentuada do Projeto de Pesquisa gramsciano. O ponto de virada parece ser uma enigmatica nota de duas linhas escrita entre dezembro de 1929 e fevereiro de 1930, de acordo com a data. ao de Francioni (1984, p. 140). Nela, Gramsci registra em francés: “A formula’ de Léon Blum. Le pouvoir est tentant. Mais seule lopposition est confortable” (Q 1, 5 40, p. 29). Tem inicio ai aquilo que Francioni denominou a “explosio’ da reflexig mais diretamente tedrico-politica” (1987, p. 30). Importantes nesse movimento sdo 0 § 43, sob a rubrica “Riviste tipo” - uma longa nota dedicada 4 questio dos. intelectuais — e 0 § 44, “Direzione politica di classe prima e dopo landata al gover- no”, no qual aparece pela primeira vez 0 conceito de “revolucio passiva, segundo a expressao de V[icenzo]. Cuoco” (Q 1, § 44, p. 41). Quais as raz6es desse giro? A explicacao deve ser procurada fora do texto gramsciano. A motivar tal inflexdo estavam os dilemas da luta contra o fascismo; 0 giro sectario da Internacional Comunista dado pelo 6° Congresso (1928) e conso- lidado pelo 10° Plenum do Comité Executivo (1929); e a crescente stalinizagio da Unido Soviética. Os acontecimentos do ano de 1930 no PCd’T e na Internacional Comunista coincidem com o inicio de uma série de discuss6es que Gramsci man- teve com seus companheiros de infortiinio no final daquele ano (FIORI, 1979, p. 308-318; BUCI-GLUCKSMANN, 1980b, p. 303-310). O tema mais importante da politica italiana de entéo era, para Gramsci, a questiio da Constituinte e de sua eficacia na luta contra o fascismo, mas es ¢ era articulado, segundo o narrado por Athos Lisa, um dos participantes, com a questo dos “intelectuais e © partie € com o tema do “problema militar ¢ 0 partido” (LISA, 1981, p. 376). Hoi nesse contexto que a criti posigdo central no projeto gramsciano de pesquisa. As nov: da politica assumiu s preocupagoes de Gramsci na prisio e su gas apontavam nessa direca conyersas com os cole >. Em uma nota escrita no Quaderno 8 provavelmen! entre os meses de novembro e dezembro de 1930 (ef, FRANCIONI, 1984, p. H2) Gramsci reforgava sua Preocupagées indicadas na carta a Tatiana de 25 de mat i » pesquist 50 de 1929, expandindo-as ¢ dando-thes a forma de um programa de pesqt Escrevia ele: Notas espa [al Lv Ensaios principais: Introdugdo geral, Desenyolyimente dos inteleetah Vianos até 1870: diversos periodos. ~ A literatura popular doy romane’> atelceturais italiane’ © apontamentos para uma historia dos 6 d O tszopar6l folhetir. - Folclore ¢ senso comum. - A questao da lingua dialetos, ~ Os sobrinhos do Padre Bresciar 2 ~ Maquiavel. - A escola ¢ 2 educagio ni na cultura italiana até a guerra mundial. - O Risorgimento e o partido de agio. ~ Ugo Foscolo na formagao da retorica nacional. - O teatro italiano. — Historia da Acao Catélica: catdlicos integristas, jesuitas, modernistas. ~ A Coruna medieval, fase econdmico-corporative do Estado. - Fun¢a cos- mopolita dos intelectuais italianos até o século XVIII. - Reacdes 2 auséncia de um carater popular-nacional da culture na Italia: os futuristas. Aescola nica ¢ 0 que ela significa para toda a organizacao da cultura nacional. ~ O “lorianismo” como uma das caracteristicas dos intelectuais italianos. ~ -\ auséncia de “jacobinismo” no Risorgimento italiano. - Maquiavel como téc- nico da politica € como politico integral ou em ato. Apéndices: Americanismo ¢ fordismo (Q, p. 935)- cional. - A posicao de B. Croce E’ssa nota era antecedida por um conjunto de ressalvas que Gramsci fazia a seu proprio trabalho e que permitem definir de modo mais preciso o sentido atribuido a elas pelo seu autor. O objetivo dessas notas nao era uma “compilacao enciclopédica” sobre os intelectuais. Os “Saggi principale” eram de carater provi- sorio ¢ a partir deles seria possivel construir alguns ensaios independentes, mas nao um trabalho organico e sistemético. Entretanto, é importante destacar que cssa nota nao circunscrevia o 4mbito do conjunto da pesquisa gramsciana, 0 que é indicado pela inscricao “Apéndices’, no plural, seguida apenas de uma tnica indicagao - “Americanismo e fordismo” ~ denotando a intengao de agregar outros itens, O restante da pagina se encontra em branco, mas é possivel que Gramsci pretendesse enumerar ali outros temas que nao encontrassem lugar nesse conjun- to de ensaios sobre os intelectuais. No estdgio no qual se encontravam os cadernos jé redigidos, é possivel per- ceber que nem todo o material escrito encontraria seu lugar nesse conjunto de ensaios sobre os intelectuais. Além do tema “Americanismo e fordismo’, ja previsto na carta a Tatiana e cuja inclusdo como apéndice revela seu carater auténomo, po- deriam ser incluidas nessa categoria aquelas notas registradas sob o titulo Appunti di filosofia, presentes nos cadernos 4, 7 ¢ 8. Por outro lado, mesmo temas indica- dos nesses “Saggi principale” receberiam, posteriormente, um desenvolvimento muito diferente, como 0 estudo sobre Benedetto Croce presente no Quaderno 10, que nao se limitou a seu papel no pés-guerra (cf. GERRATANA, 1997, p. 16)? 3 Deacordo coma datagao de Francioni, os Apuntti do Quaderno 4 ja se encontravam totalmer redigidos quando da nota no Quaderno 8, enquanto 0 inicio dos Apuntti do Quaderno 7 coi ide com a redagio da nota e Ihe sucede. Evidentemente os Apuntti do Quaderno 8 sio posteriore: nots escrita na primeira pigina (FRANCIONI, 1984, p. 141-142). 7 s A nota 27 Auvano Buyxcnt Saggi principale” na historia interna dy, Nao propriamente uma reforms, Qual o lugar dessa enumeragio de Quaderni del carcere, questiona Francioni: ma de trabalho gramsciano, mas um projeto org do conjunto do prog : 0 para a sistematizagao ¢ 0 desenvolvimento de uma segio vaste autonoma” (1984, . 78). Nio é de se minimizar o lugar da questio dos intelectuais no Conjunto dy reflexao gramsciana ¢ nos Quaderni. De fato, nao apenas se ENCONIEA Esa questi, tema estava presente em todos o, nteriores a prisiio, como es! Gramsci fe7 para a redagio dos Quaderni, Mas a questig em seus escritos diferentes planos qu apesar de sua importancia, no exgotava a pesquisa. Ele proprig oem uma carta redigida em 17 de novembro de 1930, data pré dos intelectuai deu a entender is xima & nota, que resume o conteiido desta: Detive-me em (rés on quatro temas principais, um dos quais & aquele da fungio cosmopolita que tiveram os intelectuais italianos até o século XVII, que por sua vez se divide em varias partes: 0 Renascimento © Maquiavel, ibilidade de consultar 0 material necessirio, acredi ele, Se tivesse a po to que daria para fazer um livro realmente existe; digo livro, s6 para me referir a introdu monogrificos, porque a questao se apr preciso leressante © que ainda nia oauma dite onduzir ao tempo do Impétia sso escrevo Holds, até porque a leitura do relativamente rie de trabalhos entemente nas diferentes en Epocas e, em minha opinido, seri Romano, nquanto pouco que tenho me faz recordar as velhas leituras do passado (LC, p. 378, grifo nosso). O tema dessa carta foi retomado em outra de 3 de agosto de 1931, posterior, portanto, & redagdo da nota. Nessa mis iculda: ya, o marxista sardo avaliava as di des para o desenvolvimento de sua pesqui dos “Saggi principale’. “Havia me proposto pensar uma certa série de questoes; afirmava, para a seguir constatar que “devia acontecer que, num certo ponto, ests reflexdes deveriam passar a uma fa ‘a e, provavelmente, do proprio plane e de documenta de trabalho ¢ de elaboragao que requer grandes biblioteca técnicos gio e, portanto, a uma fase A auséncia de meios que lhe permitissem levar adiante 0 estudo dessas “questdes” nao Ihe impedia, entretanto, de continuar seu trabalho, “mas o fato é que nao tenho mts grandes curios dades por determinadas diregdes gerais, pelo menos por enqu”” to’, concluia consternado, E a seguir afirmava, enquadrando sua pesquisa sobre 0 intelectuais em uma tematic al planos dos Quaderni: is ampla, até entdo nao revelada nos dil an il um dos argumentos que mais me interessaram nestes tiltimos anos l0! on alguns aspectos caracteristicos na historia dos intelectuais talianos: FY, teresse nasceu, por uma parte, do desejo de aprofiundar o conceit def O Lanoratonto br Gramscr «, por outra parte, de compreender alguns aspectos dl desenvolvimento histd- rico do povo italiano (LC, p. 459-460, grifo nosso). Poucas horas depois de redigir essa carta, na noite do mesmo dia 3, 0 agravamento da saiide de seu autor manifestou-se agudamente, Nao ¢ possivel atribuir as transformagées pelas quais passara seu plano de pesquisa ¢ redagio exclusivamente ao estado precirio de sua satide, mas certamente ela influenciou a, os exercicios seu ritmo. Apés aquela noite, abandonou, conforme nota Gerratan: eem sua de tradugio e concentrou suas forgas no aprofundamento da pesquisa reestruturagéo em uma nova série de cadernos, que denominou de “especiais” (GERRATANA, 1997, p. 37-38). Em carta a Tatiana de 22 de fevereiro de 1932 ja antecipava essa intengao, solicitando-Ihe o envio de pequenos cadernos, “para reordenar estas notas, dividindo-as por argumento e, desse modo, sistematizan- do-as” (LC, p. 576). De acordo com a datagaio de Francioni (1984, p. 85-93), pouco depois da ‘elmente entre marco e abril de 1932, Gramsci redigiu no Quaderno 8, carta, provave na pagina seguinte do projeto dos “Saggi principale’ a ultima versio de seu plano de trabalho, denominando-a “Raggruppamenti di materia’: Reagrupamentos de matéria: 1° Intelectuais. Questées escolares. 2° Maquiavel. 3e Nogdes enciclopédicas e temas de cultura 45 Introdugao ao estudo da filosofia e notas criticas a u sociologia. Milica. Catdlicos integristas - jesuitas ~ modernistas. 5 Histéria da Agao Cat G Miscelanea de notas variadas de erudigao (Passado e presente). 7° Risorgimento italiano (no sentido da Eta del Risorgimento italiano de Omodeo, mas insistindo sobre os motivos mais estritamente italianos. §° Os sobyinhos do Padre Bresciani A literatura popular (Notas de literatura). 9° Lorianismo. 10° Apontamentos sobre, jornalismo (Q, p. 936). um Ensaio popular de Este nao é um plano completo, mas 0 tiltimo dos projetos de Gramsci para 0s Quaderni. Para Gerratana (1997, p. 38), embora nao seja definitiva, a proposta dos “Raggruppamenti di materia” contin! ha um projeto de cadernos monograficos que se materializaria nos chamados “cadernos especiais”. Francioni (1984, p. 86), considera esses “Raggruppamenti di materia” um “indice incomple- por sua vez, 40 dos cadernos monogrificos ¢, a0 mesmo tempo, um to” com vistas 4 constru¢: desenho alternativo aos “Saggi principale” sobre os intelectuais listados na pagina anterior. 29 Atvaro Brancut \ redagao dos cadernos especiais teve inicio em 1932, agrupando tema camente 0 material previamente escrito, reformulando-o ¢ acrescentando Dovas ¢ inéditas passagens. A medida que transcrevia o material para os novos cadernos seu autor ris reproduzidas, nos antigos, com grandes tracos obliquos paralelos, as Passagens m que no entanto isso comprometesse a leitura posterior, Os cq. dernos especiais iniciados foram os seguintes (a numeragio foi dada posterig,. mente por Gerratana na edicio critica)" Caderno 10 - A filosofia de Benedetto Croce (100 paginas). Caderno 11 - Sem titulo, mas cujo contetido corresponde ao item 4o do “Raggruppamenti” (Introdugao ao estudo da filosofia e notas criticas a um Ensaio popular de sociologia - 80 paginas). Caderno 12 - Apontamentos e notas esparsas para um grupo de ensaios sobre a histéria dos intelectuais e da cultura na Itdlia (24 paginas em formato grande). Caderno 13 - Notas sobre a politica de Maquiavel (60 paginas em for. mato grande). Caderno 16 - Argumentos de cultura, 1° (74 paginas). Caderno 18 ~ Nicolau Maquiavel II (3 paginas em formato grande). Caderno 19 - Sem titulo, mas cujo contetido corresponde ao item 7° dos “Raggruppamenti” (Risorgimento italiano — 132 paginas). Caderno 20 ~ Agdo Catélica. ~ Catdlicos integrais, jesuitas e modernistas (23 paginas), Caderno 21 - Problemas da cultura nacional italiana, 1° Literatura po- pular (32 paginas). Caderno 22 ~ Americanismo e fordismo (46 paginas). Caderno 23 - Critica literdria (75 paginas) Caderno 24 — Jornalismo (18 paginas). Caderno 25 - A margem da histéria (historia dos grupos sociais subalternos) (17 paginas). Caderno 26 ~ Argumentos de cultura: 2° (21 paginas). Caderno 27 - Observacées sobre o folclore (7 paginas). Caderno 28 - Lorianismo (18 paginas). Caderno 29 - Notas para wma introdugao ao estudo da gramética (10 paginas). Como é possivel verificar, os cadernos 11, 12, 13, 16, 18, 19, 20, 21, 23,24 26 € 28 coincidem com os temas dos “Raggruppamenti ” Por sua vez, 0 contetido do caderno 10 ~ A filosofia de Benedetto Croce ~ consta apenas parcialmente 40 4 Para as questdes de método da edigio critica, ver Gerratana (1997). 30 © Lanorarénto DE Gramscr plano dos “Saggi principale” mas nao dos “Raggruppamenti”; 0 tema do Quaderno 22 - Americanismo e fordismo ~ co ic com o plano do Primo (Quaderno ¢ 0 apéndice dos “Sage? principale”; nao ha mengao nos planos anteriores ao contett do do Quaderno 25 — A margem da historia (histéria dos grupos sociais subalter- nos) ~; as Observagées sobre o folclore do Quaderno 27 estavam previstas nos pla- nos do Primo Quaderno e dos “Saggi principale”; ¢ as Notas para uma introdusao ao estudo da gramética do Quaderno 29 constavam da carta de 19 de margo de 1927 e do plano do Primo Quaderno. ‘A redagio dos cadernos especiais foi bastante acidentada, seja pelas con dicdes da vida carceraria, seja pela debilitada saiide ce seu autor. Os cadernos especiais de numero 16 em diante, particularmente, escrilos a partir de meados de 1933, foram bastante afetados por essas condigdes. Gramsci teve essa atividade , entretanto, man- telectual até meados de 1935, quando a deterioragao de seu estado fisico o impediu de continuar. Logo depois foi transferido para uma clinica de satide em liberdade condicional, onde nao teve mais condigées para exercer seu labor nos Quaderni. No inicio de abril de 1937 foi posto em liberdade, mas morreu poucos dias depois, em 27 de abril. As discrepancias existentes entre 0s projetos desenhados por Gramsci ¢ 0s cadernos especiais é um problema a ser esclarecido e sobre 0 qual s6 possivel construir hipéteses. Fabio Frosini, no seminario sobre os Quaderni del carcere ocorrido em 2000, em Roma, procurou abordar essa questao (cf, FROSINI, 2003, p. 62-65). Com esse propésito sugeriu a explicagio de que o reagrupamento tema- tico tivesse sido abandonado (mas nao repudiado) por Gramsci em um primeiro momento, De acordo com Frosini, entre a primavera ¢ o verio de 1932, Gramsci teria oscilado entre duas hipsteses de trabalho: uma presente nos “Raggruppamenti di materia”, que daria a pesquisa por encerrada e procuraria organizar disciplinar- mente o material recolhido, ¢ outra presente no elenco de “Saggi principale” com vistas a inaugurar uma segunda fase do trabalho de pesquisa sobre os intelectuais e que, conforme a carta de 7 de setembro de 1931 a Tatiana, deveria ser completa- do por um elenco de ensaios sobre a teoria da historia e da historiografia e outro sobre americanismo e fordismo (FROSINI, 2003, p. 63). Investigando a estrutura e hist6ria desse material, Frosini (2003, p. 65) cha- mou a atengio para o fato de que o titulo que organiza o elenco dos “Saggi prin- cipale” - “Note sparse e appunti per una storia degli intellettuali italiani” ~ & quase identico a0 titulo que Gramsci dé a0 Quaderno 12 ~“Appunti e note sparse per un gruppo di saggi sulla storia degli inteletuali ¢ della cultura in Italia”. A similaridade indicaria que 0 Quaderno 12 seria a materializagao do projeto de expos igo dese- nhado nos “Saggi principale”. 31 Atyano BIANcitt Permanece a questio identificada pelo proprio Frosini: 0 resultado gy Quaderno 12 apresenta uma clara contradigao entre o titulo © seu conteiido ¢ uma congruéneia entre esse mesmo contetido € a proposta tematica contida Nos “Rageruppamenti di materia” sob a rubrica “Intellettuali, Quistioni scolastich (ROSIN, 2003, p. 66). Por que essa contradigao © essa congruéncia? Frosinj 3 um indicio de que © projeto inicial nao foi aquele de fato levado a cabo ¢ que © projeto dos “Rageruppamenti di materia” foi retomado como um programa minimo de trabalho, apés a gravissima crise de satide de 7 de margo de 1933 (FROSINI, 2003). Mas € de se questionar se, de fato, 0 Quaderno 12 comegou a ser redigido daa entender que isso como parte do programa anunciado pelo conjunto dos “Saggi principale”. Ainda em agosto de 1931, cerca de seis meses depois, portanto, da redagao do elenco de “Saggi principale’, Gramsci colocava em ditvida seu programa de pesquisa: “Pode-se dizer que ja nao tenho mais um verdadeiro programa de estudos e de trabalho’, afirmaya na ocasiao (LC, p. 459), Sao varias as razdes das idas e vindas dos projetos. Notivel & por exemplo, a pres dio que seu amigo Piero Sraffa fazia por intermédio de Tatiana, incentivando-o a as que evitass sumir projetos mais circunscritos e intelectuais. Depois de sugerir dugdes, Sraffa passou a incentiva-lo a dedicar-se s fisic m o desperdicio de energi que Gramsci fizes a questao dos intel algumas tuais, Respondendo & pressao de Srafla, Gramsci afirmou em uma carta de 7 de setembro de 1931 que “se tiver vontade e me permitirem as autoridades superio- res farei um esbogo da matéria que ndo deverd ter menos do que cinquenta pigi- nas” (LC, p. 482). Mas permanecia com todas as suas diividas a respeito, como se pode ver em uma carta de 2 de maio de 1932: Nio sei se vou the mandar algum dia o es bre os “intelectuais italiano quema que havia prometido so O ponto de vista do qual observo a questi De fato, 0 § 1 do Quaderne 12 nio tem titulo, mas esti dedicado & questio dos intelectuais: assim como 0 9 3. 0 § 2, por sta ver, intitula-se *Osservuzion sulla scuola: per la ricerca de! principl? ealucativo". © Quaderno 12 & composto apenas por esses tres paragrafos citados ¢ retine textos de segunda redagio presentes anteriormente no Quaderno 6 _ Granisci percebeu claramente essa interlocugio com o amigo por intermédio de sua cunhade ¢ foi com ele que dialogou de modo implicito em varios momentos. Na carta de 7 de setembro de 1931, por exemplo, escrevew a stta cunhada; “Percebe-se que voc’ falou com Piero [Sraffa}, poral certas coisas $6 ele pode ter Ihe dito” it amigo mas con 1a enviou mensagem cloramente destinads % Li, num artigo do senado na me na ei ru Ia de modo cuidadoso, de modo a evitar a censur Hinaudi, que Piero esti preparando tuma edigio critica do economista inglés David Ricardos Ein’ : clogia muito a iniciativa e eu também fico muito contente” (LC, p. 480-181), Para a reconsteusi? dessa interlocugio, ver Srall’s (1991), em Opanoe orto pr Grasset as vezes muda: lalvez seja ainda cedo para resumir e sintetizar, Trata-se de uma materia ainda em estado fluido, que deveri ser posteriormente mais labor ada (LC, p, 615), sa carta coincide com o ini Nao tem sido suficientemente destacado que cio da redagio do Quaderno 12, As diividas sobre © programa de investigagao ¢ 0 exposigio do resultado de sua pesquisa atingiam, portanto, & proposta ‘Saye’ principale’, As diividas de Gramsci a respeito de seu trabalho Jrio ¢ incompleto modo de contida nos os intelectuais permitem compreender o caniter provi sua investigagio, mas também da propria iny ds ocasid sobre io apenas da exposigio de 0, O autor dos Quaderni era muito cuidadoso a esse respeito ¢ em Ur a fez referéneia a essa provi A primeira dessas ocasibes encontra-se no Quaderno 4, no intet losofia 1. Ao final de uma nota, escrita provavelmente entre m peito da teleologia no manual de materialismo histérico de ompe entre parénteses, sem qualquer conexdo com 0 tema oriedade.” rior dos Appunti di J agosto de 1930, a re: Nicolai Bukharin, ir tratado nesse texto, uma mensagem de alerta: jas ¢ escritas ao correr Recordar em geral que todas estas notas so provis da pluma: elas devem ser revistas ¢ controladas minuciosamente porque nos, falsas aproximagées, etc. a missio de ripido certamente contém inesalidies, anacror as notas tém apenas que nio implicam danos porque pro-memoria (Q 4, § 16, p. 438), redigido, provavelmente, entre novembro e derembro de 1930, no Quaderno 8. Trata-se do texto que, colocado logo apés © titulo “Note sparse ¢ appunti per una storia degli intellettuali italiani’, antecede o elenco de “Sage principale”. Essas linhas tém um claro sentido metodologico, orientando os procedimentos de pesquisa € de registro dos resultado: segundo sinal de alerta f notas ¢ apontamentos; 2° Delas poderao resultar ‘0 um trabalho orginico de conjunto; 3° Ainda nao pode haver uma entre a parte principal aquela secundaria da exposigao, entre aquilo que seria 0 “texto” € aquilo "ge Trata-se frequentemente de afirmagdes nao Controladas, que poderiam ser denominadas de “primeira aproximagao” flgumas delas poderao ser abandonadas nas pesquisas ulteriores ¢ talvez 4 afirmagao oposta pudesse demonstrar-se a exata; 5* Nao devem causar tuma ma impressio a vastidao e a incerteza dos limites do tema, por causa ddo que dizemos acima: nio ha absolutamente a intencao de compilar uma 1» Carater provisério ~ de pré-memiria = de tais nsaios independentes, 1 que deveriam ser as “nota 7 Vera discussio desses textos em Frosini, 2003, p. 73-74 ¢ Baratta, 2004, p. 951 33 Aivaro BIANCHI uma compilagio enciclopédica que naveis (Q 8, p. 935), mistura confusa sobre os intelectuatl “lacunas” possiveis e inimag queira preencher todas a © tom dessa segunda anotagao & como pode se ver facilmente, de extrema cautela, A afirmagio de que o carater provisdrio das notas nao implicaria danos seu lugar, 0 texto em graves erros e que 4 seu conteiido presente no primeiro texto era abandonada. do Quaderno § afirmava claramente que talvez elas contive Um terceiro ¢ tiltimo sinal de alerta, precisassem ser abandonadas ou corrigidas redigido no ano de 1932, aparecia na “Avvertenza” que abre 0 Quaderno 11, Trata jo do texto presente no Quaderno 4 acima citado: se de uma segunda vers [As notas contidas neste caderno, como nos demais, foram escritas a0 correr da pluma, para um ripido pro-meméria, Elas devem ser completamente revistas ¢ controladas minuciosamente porque contém certamente inexa tiddes, falsas aproximagées, anacronismos. Escritas sem ter presentes os li yros a que se referem, é possivel que apés 0 controle devam ser radicalmen- te corrigidas porque exatamente 0 contririo do que se afirma resulta sero yerdadeiro (Q 1, p. 1365). Aqui o autor reconhecia ndo apenas que poderia haver erros, como tam- bem que as notas poderiam ser “radicalmente corrigidas’ A presenca dessa “Avvertenza” no inicio do Quaderno 11, 0 mais acabado de todos, é significativa Mas significativa para quem? Para o autor das notas, a adverténcia deveria ser 6b- via e, portanto, dispensavel. Se os Quaderni del carcere fossem apenas o registro de uma investigagaio em andamento, um “caderno de campo” no qual o pesquisador registrava suas reflexdes e 0 resultado de sua atividade cientifica, se essas notas se destinavam apenas a leitura de seu proprio autor, entio, que sentido teria essa adverténcia? Gramsci parece, com esses sinais de alerta, antever o destino que seus Quaderni teriam. E sabido que sempre ofereceu res balhos que nao considerava prontos. Na ja citada carta a bro de 1931 ilustrava essa sua atitude: “Em dez anos de jornalismo escrevi Tinhas suficientes para constituir 15 ou 20 volumes de 400 p[ginas]., mas essas eram escritas no dia a dia e deviam, a meu ver, morrer no fim do dia. Sempre recvs! fazer coletineas, mesmo limitadas” (LC, p. 480). Foi por essa razio que evito em 1918, autorizar a publicagaio de uma selegao de artigos seus ¢ que, em 1921. P® feriu recolher 0 manuscrito que ja se encontrava em vias de publicagao na editor dle Giuseppe Prezzolini, pagando os custos de uma parte jé feita da composi? Mas os alertas dos Quaderni parecem estar assentados nao apens ® nhecida prudéncia de seu autor, como também na conviegao da incomplet* x canna | O taporaTorio DE Gramsct provisoriedade do material reunido ¢ na percepcio de que essa condigio pode- ria nao ser reconhecida Por eventuais leitores. Escrevendo a respeito da obra de Marx, Gramsci colocow a questao de fundo: Entre as obras do pensador dado, além disso, é preciso distinguir aquelas que ele concluiu e publicou daquelas que permaneceram inéditas, porque nao concluidas, e foram publicadas por amigos e discipulos, com revisbes, modificages, cortes, ou seja, com uma intervengio ativa do editor. E evi- dente que o contetido desta obra péstuma deve ser tomado com muito di cernimento e cautela, porque nio pode ser considerado definitivo, mas ape~ nas material ainda em elaboragao, ainda provisério; nao pode excluir-se que essas obras, especialmente se ha muito em elaboragio sem que o autor nao se decidisse nunca a completé-las (no todo ou em parte), fossem repudiadas pelo autor ou consideradas insatisfatdrias (Q 16, § 2, p. 1842). Embora as observagées acima fossem relativas 4 obra de Marx, eram, tam- bém, apropriadas para aquela que ele mesmo estava escrevendo, Todo 0 contetido dessa nota parece ter um duplo sentido e referir-se, ao mesmo tempo, a Marx e ao proprio Gramsci. Constitui assim, juntamente com aquelas adverténcias a respeito do carter provisério, um convite a seus futuros leitores & prudéncia e a0 paciente didlogo com o texto (cf. BARATTA, 2004, p. 89). O convite pronunciado pelo marxista sardo, entretanto, tardou a ser ouvido. Espacos Apés a morte de Gramsci, sua cunhada Tatiana eo lider comunista Palmiro Togliatti se encarregaram de recuperat os Quaderni e de levi-los em seguranga para Moscou. A primeira noticia sobre a publicagio destes foi dada pelo proprio ‘Togliatti em um artigo nao assinado publicado no dia 30 de abril de 1944 no jor- nal do Partido Comunista Italiano, L’Unita: © tema principal [dos Quaderni] é uma “hist6ria dos intelectuais italianos” nna qual é examinada criticamente a fungio assumida pelos intelectuais como instrumento das castas dirigentes para manter seu dominio sobre as classes populares, a rebelido de alguns grandes pensadores perante essa fun- Gio ¢ os acontecimentos relatives da historia e do pensamento italiano. A tengao maior é dedicada aos anos 1800 ¢ aos nossos tempos e um caderno inteiro trata da filosofia de B[enedetto]. Croce, o papa laico [...] cuja ditadu- ra sobre a intelectualidade do tiltimo século encobre e assegura a ditadura da casta burguesa reacioniria na ordem econémica e politica (TOGLIATTI 2001, p. 94-95) , Aryano Bian O artigo de Togliatt ja fixava uma modalidade de divulyagio da obra de Gramsci que assumiria sua forma material com a reorganizagao tematica do tey to. Em 1947 a editora Einaudi langou o primeiro volume das obras de Antonia Gramsci (Lettere dal carcere), e a partir de 1948 vieram a luz os Quaderni, orpan\- zados tematicamente e publicados com 0s seguintes titulos: I materialismo storie cla filosofia di Benedetto Croce (1948); Gli intelletualli e lorganizazione della culty ra (1949); Il Risorgimento (1949); Note sul Machiavelli, sulla politica ¢ sulle Staty moderno (1949); Letteratura e vita nazionale (1950); € Passalo ¢ presente (1951), A reorganizagio nio é completamente arbitraria, na medida em que poderia ser justificada a partir dos “Raggruppamenti di materia” do Quaderno 8. Mas nem por isso deixa de ser problematica. A edigio misturava material escrito nos cadernos dos cadernos especiais, fundia notas redigidas em miscelaneos com o materia momentos diferentes e mudava sua ordem, Em alguns casos, o material inserido por Gramsci em um caderno era, sim- plesmente, descartado. Em II materialismo storico la filosofia di Benedetto Croce nio constavam oito pardgrafos presentes no Quaderno 10 ¢ quatro eram transcri- tos apenas parcialmente. Do Quaderno II, a adverténcia e duas notas permane- ceram inéditas (cf. FRANCIONI, 1987, p. 20-21). Como editor dos Quaderni, 0 lider comunista Palmiro Togliatti também climinou importantes passagens que considerou comprometedoras. Foram acrescentados, também, textos introduté- rios que tinham por objetivo orientar o leitor em determinadas diregdes. Assim, sses escritos de Gramsci nao poderiam ser compreendidos e valorizados de modo adequado, se nao tivessem sido adquiridos os progressos realizados pela concepgao marxista nas trés primeiras décadas deste século, devido & atividade t Lenin e Stalin” (GRAMSCI, 1949, p. XVI). A afirmagao repete 0 gros: jd no Preficio dos editores do primeiro dos volumes, é possivel ler: rica e pritica de iro retrato construido por Palmiro Togliatti no artigo “Antonio Gramsci capo della classe operaia italiana” publicado, pela pri meira ve: em 1937, no qual Gramsci aparece (¢ perece) portando “a bandeira invencivel de Marx-Engels-Lenin-Stalin” (TOGLIATTI, 2001, p. 89). Para o secre tario-geral do PCI, Gramsci nao apenas seria um portador de um discipulo teérico de Stalin: andarte come Gramsci desenvolveu, de 1924 a 1926, uma atividade excepcional. [.-] Si? deste perfodo os escritos de Gramsci dedicados principalmente a elucitt as questées tedricas da natureza do partido, de sua estratégia, de sua teor? € de sua organizagio, nos quais se s inte mais forte a influéncia profené™ exercida sobre ele pela obra de Stalin (TOGLIATTI, 2001, p. 82). 36 O Lanorarorio pe Gramsct A operagio de transformago de Gramsci em um stalinista levada a cabo por Togliatti foi interpretada como uma tentativa de “salvaguardar 0 nome de Gramsci” perante a Internacional Comunista (p. ex., LIGUORI, 1996, p. 17), mas se parece com uma tentativa de salvaguardar a si préprio ao stalinismo, apro- priando-se do prestigio do prisioneiro de Mussolini. Os problemas da primeira edicio dos Quaderni sao acumulativos. Em pri- meiro lugar, induzem 0 leitor a considerar o texto gramsciano como um todo plenamente acabado e coerente. Nao apenas o carter fragmentario da obra tor- nava-se opaco ao leitor, como o agrupamento das notas seguiu 0 critério de uma “enciclopédia em compéndio de todas as ciéncias” (GARIN, 1996, p- 291), de cardter humanista e até mesmo académico, “uma hierarquia disciplinar de tipo medieval ¢ idealista: primeiro a filosofia, depois a cultura em geral, a histéria, a politica e, finalmente, a literatura ¢ a arte” (MONASTA, 1985, p. 32), na qual “lésofos, historiadores, politicos, letrados poderiam, assim, encontrar textos de interesse deles” (BARATTA, 2004, p. 65). Em segundo lugar, a particular modalidade de investigagio do autor dos Quaderni, “0 ritmo do pensamento’, como gostava de dizer, era apagada © per- diam-se as reais determinagdes dos conceitos por ele elaborados. A propria ordem de publicacao dos escritos tendeu a fazer que a emergéncia da critica da politica na sua produgao carcerdria perdesse a forca original e o autor assim reconstruido se aproximasse muito da imagem de um critico da cultura e tedrico das supe- restruturas, tao divulgada. O preficio de II materialismo storico e la filosofia di onstrugio, definindo os escritos ali Benedetto Croce reforcava 0 sentido dessa rec reunidos como “o coroamento de toda a pesquisa conduzida por Gramsci nos anos de prisio, a justificativa tedrica, filoséfica da impostagao dada ao problema dos intelectuais e da cultura” (GRAMSCT, 1949, p. XV1) ‘J Em terceito lugar, a insergio dos prefécios e de notas dos editores impunha uma chave de leitura stalinizada e fortemente marcada pela nova politica do PCI. Assim, no preficio de I! materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce, seus autores faziam os tradicionais alertas a respeito da censura levada a cabo pela administragao carcerdria e a necessidade de Gramsci codificar o texto, evitan- do falar “do proletariado, do comunismo, do bolchevismo, de Marx, de Engels, de Lenin, de Stalin, do Partido” (GRAMSCI, 1949). A seguir, os mesmos autores 8 Sobre a primeira edigao dos Quaderni, ver Gerratana (1997, p. 57-72). Chiara Daniele (2005) reuniua extensa documentacao referente a publicagio dessa primeira edicdo por Palmiro Togliatt, Para debate que antecedeu e se seguit a essa edisio e, particularmente, seu nexo com o giro politico do PCI apés a Segunda Guerra Mundial (a denominada “svolta di Salerno") ver Liguori (1996, p. 28- = Sobre o sentido politico da operagio de edicio dos cadernos 10€ 11, vera hipdtese de Francioni 87, p. 45). 37 4 exemplificavam 0 procedimento de Gramsci, citando uma passage que veio gx. tornar célebre e inserindo entre colchetes as explicagées dos editores: Atyaro Brancut Que isso nao seja “futil” é demonstrado pelo fato de que [.-] 0 maior fg, rico moderno [Lenin] da filosofia da praxis [do marxismo] [...] tena. em oposigio as diversas tendéncias “econdmicas” revalorizado a frente de Iu, cultural e construido a doutrina da hegemonia [da hegemonia do prole,, riado ~ isto é, das aliangas da classe operaria] como forma atual da doy, trina quarantottesca [isto é, a doutrina de Marx e nao a falsficacio fi, por Trotsky] da “revolugio permanente” (GRAMSCI, 1949, p. XIXCXX, cp Q 10/1, § 12, p. 1235) A sobreposicao desses problemas teve impactos profundos sobre a recep. cao de Gramsci. A ordenagao arbitréria das notas escritas na prisao tendeua pro. duzir a impressio de um texto acabado, como ja foi dito. Nessas circunstincias 0s conceitos aparecem na maioria das vezes em suas formulagdes mais maduras e é possivel a partir dai reduzir o contexto da descoberta a uma iluminagio, 4 hipotese da “iluminagao” gramsciana é reforgada pela impossibilidade de separar a investigagio da exposicao. O que esta registrado nos Quaderni sempre parte da investigagao. Ora, a publicagio quase ex lusiva das notas dos cadernos espe ciais tende a dar a investigagaio um carter mais coerente e finalizado do que ea de fato teve reforcar a impressio de que Gramsci chegou a essas conclusies em um momento. Na prisio, assim como Paulo no caminho de Damasco e Rousseau em Vincennes, Gramsci teria de modo instantaneo construido mentalmente sua filosofia da praxis. Para se ter ideia do grau de confusio provocado pelo rearranjo dos textos gramscianos pela edi (0 tematica dos Quaderni del carcere, pode-se tomar como exemplo a interpretacio que Nicos Poulantzas faz da questao do historicismo que Se apresenta nessas notas. Rebatendo para Gramsci de modo esquemitico a test althusseriana da ruptura epistemoldgica entre o jovem Marx eo da maturidade, afirmou o autor de Pouvoir politique et classes sociales: € possivel localizar em Gramsci uma cesura nitida entre a suas obras dt juventude ~ entre outras, os artigos do Ordine Nuovo até I! materials? storico ¢ Ia filosofia di Benedetto Croce inclusive ~ de concepgio tipicament historicista, ¢ as suas obras de maturidade, de teoria politica, os Quai di [sic] carcere - entre eles Maquiavel, etc, ~ nos quais elabora o conceit ® hegemonia (POULANTZAS, 1977, p. 134). a, ni ‘n . . , croit Ora, nao apenas I! materialismo storico e Ia filosofia di Benedetto Cr io Parte dos Quaderni del carcere, como varios dos parigrafos que compoem «4! ae O tanoraténto bE Gramscr “obra” foram escritos apés Gramsci ter iniciado a redagio do Quaderno 13, no qual se encontra a maior parte dos textos que fazem parte de Note sul Machiavelli, sulla politica e sullo stato noderno (1949). Certamente Poulantzas nio tinka como saber a respeito da datagao dos paragrafos dos Quaderni, 0 que s6 foi estabelecido rancioni (1984). Mas ja em 1967 Gerratana lo sua no imprescindivel estudo de Gianni havia comentado o processo de preparagio de uma edigao critica, destacand fragmentariedade, no congresso de estudos gramscianos ocorrido em Cagliari. Tal congresso nao era estranho aos franceses, uma vez que nele Jacques Texier havia tido uma importante participagio comentando a apresentagio de Norberto Bobbio (cf, TEXIER, 1975). Mas embora bastasse uma leitura atenta do prelacio dos editores a I! materialismo storico ¢ la filosofia di Benedetto Croce para nio co- Jo temitica induzia meter esse grosseiro equivoco, ¢ preciso reconhecer que a edig ao erro.” Recém-publicados, os textos comegaram anos apés a publicagio das Lettere dal carcere na It o espanhol e publicadas na Argentina pela editora Lautare seria seguida pela publicagio, pela mesma editora, de EI 1 In filosofia de Benedetto Croce (1958), Los intelectuales y Ia org 1961) ¢ Notas sobre Maguiavelo, sobre Ficaram de fora, entretanto, os volumes tiveram que esperar o final dos anos 1970 n Pablos (cf. BURGOS, 2004, p. 4 percorter o mundo. Apenas trés ‘iia, estas eram traduzidas para 0.” A edigao desse texto materialismo histérico y anizacion de la eul- tura (1960), Literatura y vida nacional ( la politica y sobre el Estado moderno (1962, IL Risorgimento e Passato ¢ presente, que -ditora mexicana Ju para virem a luz pela e 42-43; ARICO, 2005, p- 49-50). » ser coincidéne ada Italia tenha ocorrido me Massardo (1999), que a primeira no tinico pais da América Latina Pode ni edigio dos Quaderni for J Louis Althusser © seus disciples tiveram o mérito de terem projetado 4 obra de Gramsci no addos na decada de 1960 revelam um conhecimento debate filoséfico francés. Mas seus estudos publica apenas superficial, incompativel com a extensio da cries ie pretendiam promover, Assim, por temple, Althusser, em meio a sua pretensions critica a historicon, chega a interpolar entre col Fe terion de na nota de Gramsci deccada &crtisa ao Ersalo popular um observ aga, indicando erroneamente a0 eria de autoria de Benedetto Croce, ao inves de Ieitor que essa obra se aancanakharin, como saberia qualquer um que tives filo gory atenyo 0 fet que @ filosoto francés criticava (ALI 2, 1980, p. 70). As incompreensdes e os desconhecimentos exclusividade de Althusser € 1, Comentando criticamente a leitara que Althusser fez de xr (em 1987!) que pour Marx redig no sio seus discipulo: ara leer ef Capital erao “titulo com o qual se traduziu para Gramsci, Aried escreve! do em colaboragio com alguns de seus discipulos” (ARICO, oespanhol seu célebre 2005, p. 132). 1 Acditora Lautaro, ditigid Partido Comunista Argentino (PCA). Gramsci na Argentina 4 por Sara Maglione de Jorge © Gregorio Levin, era controlada pelo Soube a um dirigente desse partido, Héctor Pedro 10sti, a coordenagio da edigio de EI Atvaro Biancut que, segundo Gramsci, nao necessitaria atravessar uma fase de Kulturkampp \ . , . 5 + ede aalvento de um Estado moderno laico (Q 3, § 5, p. 290). Lntretanto, para ag * Aries, t c ApENAS ty equivoco, na medida em que a publicagio ¢ aceitagio de Gramsci ocorre radutor © apresentador de varios desses ivros, tudo pode ter sido ram de . Moe i e vido a um “virtual desconhecimento dla especificidade de sua obra” por parte g ; >, : ; 7 > ssa ri J Partido Comunista Argentino (PCA). Por essa razaio, 0 sardo teria permaneei lo marginal na cultura dos comunistas argentinos (cf. ARICO a culty . 2005, p. 49), a vivificou uma importante correpy rente a Pasado y Presente, e Mesmo assim, na margem es ectual nucleada na revist politico-intel ada em Cérdoba g partir de abril de 1963, por José Aricé, Oscar del Barco e outros, expulsos do Pc, "y sse movimento cultural proveniente gy poucos meses depois. Argent Poi por meio d 1 que © pensamento e a obra de Gramsci comegaram a circular mais iy. tensamente no Brasil. O nome de Gramsci ja era, entretanto, conhecido no Brasil Jovens intelectuais vinculados ao PCB 0 citavam e suas ideias encontravam espaco em revistas editadas por militantes do partido, como a Revista Brasiliense, ditig da por Caio Prado Jr. No final dos anos 1950, Elias Chaves Neto utilizava essis ideias em suas analises da politica, além de citar Héctor Agosti (cf. SECCO, 2002, p. 24). E no comego dos anos 1960, Antonio Candido, Carlos Nelson Coutinho ce Leandro Konder fizeram referéncias ao pensamento filosdfico e a critica lite- aria de Antonio Gramsci (cf. COUTINHO, 1999a, p. 283). Coube, entretanto, a Michael Lowy (1962) a primazia em um uso mais consistente do pensamento gramsciano pela primeira vez araa analise dos problemas politicos em um artigo publicado, novamente, na Revista Brasiliense. Foi nesse contexto de difusio do pensamento gramsciano na América Latina que teve inicio, a partir de meados dos anos 1960, a preparagao da edigio brasileira dos Quaderni del carcere, pela editora Civilizagao Brasileira. Desde, pelo menos, outubro de 1962, conforme esclareceu Coutinho (1999b, p. 32-38) a partir da anilise da correspondéncia do editor-proprietario da editora brasileira, Enio Silveira, com o entio diretor do Istituto Gramsci, Franco Ferri, havia contalos com vistas 4 publicagio da obra de Gramsci no Brasil. O projeto esteve semp* sob dire¢ao de Silveira, que escolheu os tradutores, os apresentadores dos volumes e definiu que livros seriam publicados. 11 A esse respeito, 0 ensaio-testemunho de Aricé & imprescindivel (2005, p. 89-108). De a minucioso, o trabalho de Ratil Burgos (2004) reconstréi essa trajetéria. Kohan (2005), em wi" 7 los resenha, censurou Burgos por permanecer preso a versio do proprio Aricé e ressaltou que oss gramscianos na Argentina no se limitavam 20 grupo de Pasado y Presente eteriam incluido a=" La Rosa Blindada, ditigida por José Luis Mangieri, Embora a primeira critica possa ser pertine™ segunda no 0 é. Gramsci munca foi um autor central para 0 coletivo de La Rosa Blindada. 40 al O taworatorto Dr Gramsct Esta primeira edigao brasileira foi feita, evidentemente, com base na edigao tematica togliattiana. Para evitar um juizo anacrénico, vale ressaltar que essa era a tinica edigdo disponivel no final dos anos 1960 e que a edigdo argentina se- guia o mesmo critério, Com tradugdes e preparagio dos originais de Luiz Mario Gazzaneo, Carlos Nelson Coutinho ¢ Leandro Konder, a edigao brasileira repro- duziu os problemas da edigao original ¢ acrescentou sua cota. Os prefacios da edigao italiana foram sumariamente suprimidos, deixando 0 leitor brasileiro sem jare- saber que se tratava de uma reconstrugao do texto original, mas as notas “escli cendo” passagens do original foram mantidas. ‘A tradugao também trazia seus problemas préprios. Os problemas eram muito maiores no volume Maquiavel, a politica e 0 Estado moderno, traduzido por Luiz Mario Gazzaneo, sendo 0 mais gritante a passagem na qual a gdo “quarantottesca” (Q 13, § 7, p. 1566) ~ referente as revolugdes de 1848 - se transformava por um passe de magica em “jacobino-revolucionaria” (GRAMSCI, 1991, p. 92). Também grave é a tradugio de liberismio, de uso frequente no idio- ma italiano e referente a livre-cambismo, por “liberalismo’, também existente em italiano mas que se refere ao movimento politico de defesa das liberdades indivi- duais (GRAMSCI, 1991, p. 32). “Tanto o editor-proprietério como 0s tradutores dessa edigao tinha los com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Mas, repetindo 0 fendmeno que ja havia se verificado na Argentina, foi apenas na margem desse partido e entre os intelectuais que a obra de Gramsci repercutiu. Como reconheceu Coutinho (1999a, p. 286), essa primeira difusio da obra de Gramsci no Brasil estava ainda muito marcada pela leitura togliattiana e enfatizava os aspectos filoséficos e cul- turais da obra do marxista sardo, Repetia-se, assim, a impostacio inicial dada a difusio dos Quaderni na Italia. Coutinho (1999b, p. 35-35) esclareceu que, ao contririo do que ele mes- mo imaginava, o editor Enio Silveira, j4 no inicio das negociagdes com o Istituto Gramsci, havia optado por suprimir os volumes I! Risorgimento e Passato ¢ presente, 0 que nao deixou de ter grande impacto na recepgio de Gramsci no Brasil." Assim, a nao publicagao desses volumes nio foi uma decorréncia do Ato Institucional 5 de dezembro de 1968, como chegou a escrever 0 mesmo autor (COUTINHO, 1999, p. 285). Mas certamente 0 AI-5 ea radical mudanga do am- biente politico-cultural que teve ai seu inicio condicionow a recepgao de Gramsci no Brasil e, provavelmente, determinou o fracasso comercial dessas primeiras revolu- 7m vincu- edigdes. 12 Avaliaydes eriticas dessa edigio e de seu impacto nos estudos gramscianos brasileiros podem 5) e Dias (1996a). ser vistas em Nosella (2004, p. 27 41 Atvano BLANC Felizmente, a partir de 1975 foi possivel contar com uma edigao criticg dos Quaderni del carcere, publicada na Itélia pela mesma editora Einaudi, sob 4 2 0 trouxe A luz a totalidade dog responsabilidade de Valentino Gerratana. A edi prisio - com a ey cadernos eseritos por Gramsci 10 dos quatro dedicados Lradugio -, organizados sequencialmente. Seguindo as ocasionais indicagies de Gramsci em suas cartas e nos proprios Quaderni, a edigao critica numerou todos camente de 1 a 29 (sao excluidos da numeragio os cadernos os cadernos cronolog ; de tradugio), bem como os pardgrafos em seu interior. Os cadernos foram divi. didos em miscelineos, onde predominam as notas esparsas sobre varios temas (volumes 1a 9, 14, 15 ¢ 17) ¢ especiais (10 a 13, 16, 18 a 29), mas apresentando-os contiguamente de acordo com a sua numeragao. A edigio Gerratana também dividiu os pardgrafos em textos A, redigidos cadernos miscelineos ¢ rei ritos, com ou sem modificagdes, nos cadernos ‘omo textos C; ¢ textos B, de redagao tinica, presentes na maioria das vezes nos cadernos miscelaneos. Tal apresentagio permite uma reconstrugio do percurso da reflexio gramsciana ao longo de seus anos de prisdo. Nao faltaram as criticas a edigdo, como aquelas apresentadas por Gianni Francioni, que sugeriu uma nova datagio dos cadernos e propés uma separacio mais nitida entre os miscelaneos e os especiais."* As criticas nao retiram, entretanto, 0 valor da edi¢io Gerratana, que se tornou uma ferramenta indispensdvel para um tratamento mais aprofundado da produgao intelectual gramsciana, speci Sua grande virtude esta, como o editor aponta, na possibilidade de captar a unidade do pensamento de Antonio Gramsci no proprio processo de sua cons trucao. Revelava-se assim o cardter a: sistematico e, até mesmo, antissistematico, 20 mesmo tempo que profundamente organico, do empreendimento intelectual levado a cabo nos Quaderni. Segundo Gerratana, 0 “estudo do desenvolvimen- to do pensamento gramsciano no corpus dos Quaderni [..] faz compreender 0 quanto esse pensamento é vivo e unitario Por intermédio, propriamente, de su fragmentagio” (GERRATANA, 1997, p. 25). A opgio dos editores brasileiros , particularmente, de Carlos Nelson Coutinho quando decidiram langar uma nova edigio dos Quaderni del carcer? pela editora Civilizagao Brasileira no final dos anos 1990 nao foi, entretanto, * edic¢ao Gerratana, Optaram por um modo misto, no qual a divisio tematica € mantida, mas os cadernos especiais so apresentados integralmente nessas St visoes, seguidos das Passagens dos cadernos miscelineos nas quais os assumtos Gram tratados, Os textos A da edicao Gerratana foram, entretanto, suprimidos. 0° seis volumes foram assim organizados: 13. Sobre o acalorado debat ico Gerratana e da publicagao de uma nova edie”? ver Liguori (1996, p, 247-253), 42 O Lanorstérto DE Gramset Volume ; eae a Introducio ao estudo da filosofia. A filesofia de Benedetto Croce. jolume 2 ~ Os intelectuais, 0 principio educativo, Jornalismo. Volume 3 = Maquiavel, Notas :stado e a politica. Volume 4 ~ Temas de cultura, Ago catélica, Americanismo e fordismo. Volume 5 - O Risorgimento. Notas sobre a historia da Itélia. Volume 6 ~ Literatura, Folclore. Gramética. Apéndices. Variantes ¢ indices. 2m Os méritos da presente edigio sao inegiveis. Os mais evidentes diz respeito & publicagio, pela primeira vez em portugués, de boa parte dos escri- tos da prisio, notadamente dos textos que compunham o caderno 19 sobre 0 Risorgimento italiano. A discussie sobre 0 processo de construcio do Estado nacional italiano por meio de uma revolugio passiva, que permite compreender de modo m; gramsciano ¢ 0s limites da capacidade de diregao das classes dominantes, foi enri- quecida pela publicagao desse caderno, 0 mais extenso deles. Merecem destaque, também, a publicagio no volume 1 dos diferentes projetos de Gramsci para 08 Quaderni e a incorporacio no volume 6 de duas importantes ferramentas Pars a jas completa, que permite localizar to- 4o brasileira, e a datagao elaborada is abrangente as formas do conceito de hegemonia no pensamento pesquisa critica: a tabela de correspondén dos os pardgrafos da edigo Gerratana na e por Gianni Francioni (1984) para a redagio dos Quaderni, A tradugao corrige varias falhas e, dentre elas, a expresso “guarantottesca”, que passa a ser traduzida por “prépria de 1848”, 0 que nao deixa de ser uma boa solugdo para um problema dificil (CC, v. 3, p. 24). Liberismo, por sua Veh volta a0 texto gramsciano." Como seria de se esperar, os “esclarecimentos” dos edito- res da edicdo togliattiana também foram suprimidos, bem como os prefacios da yelha edicao tematica. A nova edigao, entretanto, nao esta isenta de erros. Dois deles sao bastante graves porque incidem no material que deveria permitir uma pesquisa critica. No volume 1, a importantissima carta a Tatiana Schucht de 25 de marco de 1929 aparece com a data de “24 de fevereiro de 1929” (CG, v. 1, p. 78). Ena reprodugio da cronologia de Francioni, a data da redagio das “Notas espar- sas” que iniciam 0 Quaderno 8 aparece equivocadamente como sendo “entre no- vembro e dezembro de 1931” ao invés de “entre novembro e dezembro de 1930”, © *Reagrupamento de matéria” também é datado como sendo redigido “entre novembro e dezembro de 1931’, ao invés de “entre marco e abril de 1932”, como TH Sabre a importincia da distingio entre liberalismo e liberismo para o pensamento politico italiane, wer Rego (2001, p. 78-80). Em uma resenha da edigio brasileira dos Cadernos assinalei equivoradamente que, embora adequada, a uilizacio do neologismo liberismo mereceria uma not: tnplicativa (BIANCHI, 2004). De fato, no Caderno 13, publicado no volume 3 dos Cadernas do cd : ere, os autores nao justificavam o uso da expressio, mas a justficaiva jé se encontrava nas a0 Caderno 10 previamente publicado (CC, v. 1, p. 483). Corrijo aqui entio minha omissao. notsss0 43 Atyano Buanenit Francioni (CC dat que Gerratana atribui a essas passagens na edigao critica (Q, p. 2395 v6 p. 460 © FRANCIONL, 1984, p. 112). Coineidentemente, ay s equivocadamente imputadas a Francioné na edigao brasileira sao as mesma 396), sil pelo pensamento de Antonig Hodos aqueles que se interessam no F Gramsei tém agora em suas maos uma edigao muito mais confiavel e completa dos Cadernos, O mérito & sem diivida de Carlos Nelson Coutinho, Luiz $& gio veis pela nova edigao nao soluciona alguns problemas constatados ao longo dos anos, Em vez de Henriques © Marco Aurélio Nogueira, Mas a opgao dos responsi adotarem a edigao critica de Gerratana, oplaram por uma versio mista, como jj foi dito, O resultado final dificulta enormemente a reconstrugio do lessico grams. ciano, O trabalho filologico necessirio para tal reconstrugao & muitas vezes invia ‘essao dos textos A, as yer. quisador recorra a tabela de corr bilizado pela forma de organizagao do texto ¢ pela sup sdes originais. A nao ser que 0 pes spondéncias ¢ se tornar impossivel.'° se ampare na edigao Gerratana, esse trabalho pode A opgio editorial pode ser justificada de varias maneiras ¢ Coutinho ar gumentou nese sentido na bela apresentagio publicada no volume 1. Mas é de se nolar que, exatamente no Momento em que a editora Era, do México, comple- tava sua publicagio em seis volumes dos Cadernos do cdrcere, bas ada na edigio 0 que sintetizava um magnifico esforgo Gerratana, veio 4 luz no Brasil uma vet editorial, ma que ficava longe de ser definitiva. A nova edigao brasileira esta lon- lerada uma edi ge, também, de poder ser cons ematico-critica”, como a ela ho e Andréa de Paula Teixeira (2003, p. 10), ‘Ao tematica que impede tal tratamento, mas a supress se referiram Carlos Nelson Cou E nao é a organizag dio dos parigrafos A, 0 que torna a publicagao dos textos originais incompleta, bem como 0s limites de seu aparelho critico, muito aquém daquele elaborado por Gerratana Se 0 objetivo era agi dar um piiblico mais amplo que fatalmente encon- traria dificuldades com a aridez da edigdo Gerratana, por que nao simplesmente completar a velha colegio tematica, mantendo-a no catdlogo, e publicar, parale- Jo por lamente, a edigao critica, como fizeram no Mi Carlos Nelson Coutinho (2011) de uma coletanea de textos gramscianos &: traidos em sua maior parte dos Quaderni tem esse carter evidentemente pedagogic 0 ‘xico? A posterior publi trabalho de leitura dos Cadernos do cdrcere nao fica mais Ficil porque seus tems 15. Sobrea importincia desses textos vale o recente alerta de Baratta: “Aqui & preciso evident? uum outro nao insignificante problema relacionado a Gramsci escritor. A reelaboragio das t3s 1° tas ¢ apontamentos de primeira redagio em ‘Cadernos especiais’ representa certamente U™" ps adiante na diregio de unta almejada redagio Wefinitiva, mas apenas em parte: nem sempre oP ganha compensa o que se perde (em forga, objetividade, eficicia). Muitos mal-entendidos, MF superficialidade de leitura, tiveram origem na Italia de uma escassa atengio & primeit redagie boa parte dos Cadernos” (BARATTA, 2004, p. 98). 44 OtAnon arom pe Guanser foram agrupados. O proprio Gramsci jt havia resolvide a questao, reunindy 0 material nos chamados cadernos especiais. Al tra dos cadernos continuara, in felizmente, ardua, MPOS Coube aos estudos pionciros de Valentino Gerratana (1997) ¢ de Gianni Francioni (1984) estabe de novas ¢ originais pesquisas que renovar da edigao critica dos Quaderni del carcere, publicados por Gerratana em 1975, tornou-se possivel superar as leituras sistematicas que impunham artificialmente 5 que procuravam cap Jecer as ferramentas que permitiram o desenvolvimento in_o5 estudos gramscianos. A partir envolver investigagi uma ordem externa ao texto ¢ d tar a unidade do pensamento de Antonio Gramsci no préprio proceso de sua meticulosa datagio dow construgio. Posteriormente, Francioni levou a cabo un parigrafos no interior de cada caderno (1984), o que permitiu valorizar a histéria interna dos Quaderni. Com base nessas ferramentas, a partir do ano de 2000, 0 seminario sobre 0. sob os auspicios da International Grasmc lessico gramsciano realizado em Rom: Society-Italia explorou uma metodologia filolégica renovando os estudos so- bre a obra do marxista sardo - ver, p. ex. BARATTA (2004); FROSINI (2003); FROSINI; LIGUORI (2004); MEDICI (2000). No mesmo caminho seguem as pesquisas promovidas pela Fondazione Istituto Gramsci ¢ 0s trabalhos em torno da edicio de uma nova edizione nazionale da obra do sardo." Esse método de restauragio, como é denominando por Gerratana (1997), encontra-s¢ fortemente Em uma nota escrita respeito da obra de Marx, ancorado no préprio Gramsci. afirmava esse autor: 10 de uma concepgio de mundo que nunca {Js € preciso fazer prelim conduzido com o miximo telectual, Se se quer estudar 0 nasciment foi exposta sistematicamente por seu fundador armente um trabalho filolégico minucioso € de honestidade cientifica ¢ de lealdade i apriorismo ou posigao preconcebida. £ escriipulo de exatidao, de auséncia de todo preconceito € preciso, inicialmente, reconstruir 0 processo de desenvolvimento intelectu- I do pensador dado para identificar os elementos que se tornam estavels¢ “permanentes’, ou seja, que sio assumidos como pensamento proprio, di- verso e superior a0 “material” precedentemente estudado e que Ihe serviu Ue estimulo; apenas estes elementos so. momentos essenciais do processo de desenvolvimento. [..] a pesquisa do leitmotiv, do ritmo do pensamento 16 Sobreeste tema, no contexto da nova edizione nazionale (STUDI STO! vero niimero da revista Studi Sorici dedicado a apresentar os avangos obtidos RICI, 2011). 45 em desenvelvimente deve scr mais importante do que as atinmagdes par calares ¢ castiats ¢ de que as atorismios isolados (10.9 2.p. 1810 181) A mtinuciosa discussie a respeito desse paragrato © daqucles que the se quem feita por Baratta (2004. cap LY) ressalta o valor metodobdgicn que Gian atributa a essa passagem, Os cttidados que o sande exigia a respeito da ober de aleitura dos Quaderm devide as Marx formant se ainda mais importantes para : caracteristicas fragmtentatias ¢ inconclusas, as exigsneias metodologioas necessa rias para seu estado nao gnulam, cntretante, 6 valor da obra, embort compys agdes ligeitas, Depois dos tabalhos pionewos mietam irtemediavelmente interpre! de Gerratana ¢ Francioni tornow-se possivel assumir 9 carater Hagmentario ¢ inconeluso de reflesdo gramseiana, sent cont isso deixar de aprender stat tui ou coeréneia interna, 4 compreensio do carater vivo © unitario desse pensamente impoe mais uma exigéncia metodologica: a reconstragao das fontes teorieas dos Quuase ere. A contextualicayan eficas do pensamtento gramsciane ¢ a reconstry av o dialogo etitice que Gramsci estabele cio de suas fontes possibilitam restau cou com autores que compunhant o ambiente literario da epoca e acompanhar de modo minucioso o processo de construgio de set novo lexico politicn, Lal con texttializacdo permite reencontrar o pensamiento do marxist akano na oaths gncia historica da revoluyio italiana com o movimento comunista internacional 4s fontes fundamentais da elaboragdo teoriea do marvista sardo ante no seto da Internacional Comutis nao deve riam, portanto, ser procurtdas exelusivame = como, p. eX. GRUPPIL (1987, 2000) =, muito embora os debates teoricos nese is para stia compreensio, Nem deveriam ser conse contexto sefam fundament uM conterto geografico ¢ intelectual restrite, apestt radas como pertencentes de este iluminar importantes 1990), Trata-se, antes de tudo, de reconhecer a compleridacte das fontes do penst + de veriticar como ele se insere no contest mento gramsciano ¢ polticn cultural spectos teoricas ~ como, p. eX. BELLAMY (19S italiano e europeu. Tais contextos nao sio, entretante, contemporineos entre st discordincia dos tempos, desenvolvida por Daniel Bensaid (1995, 1996) ¢ de grande importancia. Rejeitando a concepgio de tempo linear ¢ hom Bensaid resgata na obra de Marx uma nogio do tempo marcada pelo contratein s linhas evelt ¢ pela nio contemporaneidade, capaz de explodir e fragmentar tridades radicals © ju tek” A nogio & gener vas proprias da historiografia positivista, revelando descontin ria, Fm vez de uma coneeps jstoria com saltos acrobaticos no espago-tempo da his Jégica da historia que a reduziria 3 mera espera, uma concepsio dah 5 ane : oe tragédia. Em vez de uma narrativa historiogratica que pusesse orden | 46 al O Laporaronio pe Gramsct oe fe aca seeaaniste Pois foi uma nova escrita da historia que prisao, naquele exato momento em que escreveu a sua ae eed nae relatando seu projeto de “fazer algo fiir ewig” Sua técnica de es vela a complexidade do projeto. Os diferentes ca- dernos nao foram redigidos segundo uma ordem cronolégica. Vérios eram con- feccionados 20 mesmo tempo; alguns eram temporariamente deixados de lado, enquanto outros eram iniciados; paginas em branco eram intercaladas para serem preenchidas mais tarde, tudo isso em um meticuloso proceso de artesanato inte- lectual. A transcrigéo de uma nota pertencente a um “caderno miscelineo” para um “caderno especial’, por sua vez, nao era um fato mecinico. Inserindo uma nota ao lado de outras € no interior de pesquisas muitas vezes diferentes da original, a transcri¢do era parte da paciente produgao de uma intrincada rede conceitual que interconectava diferentes temas por meio de uma multidao de fragmentos (BUTTIGIEG, 1990, p. 65). Em parte, conforme alertou Buttigieg, o carter fragmentario dos Quaderni se deve ao método “filolégico” que estrutura sua composicao ¢ exige uma atengao cuidadosa pelo particular a partir do qual o universal cobrava vida (BUTTIGIEG, 1990, p. 80). Nessa relacao dialética entre 0 universal ¢ 0 particular, a discordan- cia dos tempos ditada pela histéria se manifestava objetivamente, mas de modo complexo, na materialidade do texto gramsciano. De modo complexo, porque a investigacao e a exposigao partilhavam 0 mesmo suporte, 0s Quaderni del carcere eas Lettere dal carcere, sendo, desse modo, impossivel separar materialmente 0 momento da investigacao do momento da exposigao (cf, COUTINHO, 1999a, p. 79-80). Mas também porque se trata da exposi¢ao proviséria de uma investiga- ao inacabada."” ‘A estrutura da obra revela o movimento da reflexdo de seu autor. Na com- plexidade do texto e por meio dele se torna possivel reencontrar o tempo histérico no qual foi produzido, o tempo de sua época, e o tempo biogréfico, aquele de sua propria existéncia na prisio. O tempo da obra nao é aquele que determina as demais temporalidades, mas é aquele que as revela. E por meio dele que se torna possivel reconstruir 0 léxico temitico e conceitual que tem lugar nos Quaderni. E nele que os ritmos da produgao da obra estio cristalizados sob a forma de uma sofisticada nota¢do e que a historia ~ a sua prépria, a de seu passado e de seu | 17 Segundo Coutinho, “os Cadernos contém um primeiro tratamento sistemitico do material da investigasio, embora Gramsci nio tena tido 0 tempo e as condicdes necessarias para trabalhé-lo adequadamente segundo 0 método ca exposigao” (1999a, p. 79). O mesmo Coutinho parece ter se distanciado dessa afirmagdo ao escrever, mais tarde, que “os ‘cadernos especiais’ sao tentativas (aind: {que nem sempre exitosas, é verdade) de passar do método da investigacao, prop: nos miscelineos, quele da exposig4o" (2003, p. 69). dos ‘cadernos 47 | rr OB presente ~ impregna o texto. O cardter pre enfin, sui nio contemporancidade, exige Gramsci alertava que “toda pesquis. 915, p. 122), A leitura dos Quaderni imp Revelar o ritmo do pe seus tempos, ‘Tome-se uma nogio-chave, versoes. A primeira delas esta presente ni mente, entre fevereiro © margo de 19295 a contexto de uma pesquisa sobre 0 Risorgin fevereiro de 1934 ¢ fevereiro de 1935, Dizi O ciitétio historico-politico sobre o qual se deve fundar a propria pesquisa é 0 seguinte: que uma classe é dominante de duas mani ras, quer dizer, é “dirigente” ¢ “domiinante’ E dirigente das classes aliadas, ¢ dominante das classes adversirias. Por isso uma classe antes mesmo de chegar ao poder pode ser “dirigente” (e deve sé-lo): quando esti no poder torna-se dominante, mas. continua a ser, também, “dirigente’ Os moderados continuaram a dirigit © Partito diAzione mesmo depois de (18]70 e 0 “transformis mo” € a expressio politica dessa agio de di- regio; toda a politica italiana de [18]70 até hoje ¢ caracterizada pelo “transformismo”, isto & pela elaboragao de uma classe diri- gente nos quadros fixados pelos moderados depois de 1848, com a absorgao dos elemen- tos ativos, tanto das classes aliadas como das inimigas. A diregio politica torna-se pecto de dominio, enquanto a absor- s elites das classes inimigas produz a pitagio destas e a propria impotencia, Pode-se e se deve ser uma “hegemonia poli- tica” mesmo antes de ir ao Governo e nao se precisa contar somente com 0 poder ea for- {a material que este poder di para exercer a diregio ou hegemonia politica. Da politica dos moderados aparece clara esta verdade ¢ €a solugio desse problema que tornou pos- sivel o Risorgimento na forma e nos limites os quais ele ocorreu, de revolugio sem re- volugio [ou de revolugio passiva segundo a expressio de V. Cuoco] (Q 1, § 4H, p. 41). 48 samento registrado nele exige estar atento a pluralidade IANC HET ovisorio da obra sua fragmentariedadg uma nova abordagem. at tem sett metodo determinado” (Q 4) Je que essa minima seja levada a sérig de duas la, provavel segunda insere-se no Quaderno 19, no reno, ¢ foi escri a de hegemonia, e comparem-se 10 Quaderno I e foi redigi » provavelmente, entre Gramsci nelas, O critério metodolégico sobre 6 qual é pre ciso fundar a propria anélise é © seguinte que a supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras, como “domi- nio” e como “diregi tual © moral’ Um grupo social é dominante dos grupos adversarios que tende a “liquidar” ou sub. meter mesmo que com a forga armada e é dirigente dos grupos afins ¢ aliados. Um grupo social pode e deve ser dirigente ji antes de conquistar o poder governativo (esta € uma das condigdes principais para a propria conquista do poder); depois, quan: do exercita o poder e na medida em que 0 mantém fortemente em suas mos, torna-se dominante, mas deve continuar sendo “dit: gente’, Os moderados continuaram a dirig © Partito d'Azione mesmo depois de 1870e 1876 € 0 assim chamado “transformismo” nao € mais que a expressio parlamentar desta agio hegemonica intelectual, moral € politica. Pode-se dizer, por outro lado, que toda a vida estatal italiana de 1848 em dian te & caracterizada pelo transformismo, isto & pela elaboragio de uma classe dirigente sempre mais ampla nos quadros fixados pe los moderados depois de 1848 e da queda da utopia neoguelfa e federalista, com a ab- sorgio gradual, mas continua e obtida com métodos diversos em sua prépria eficécia, dos elementos ativos, tanto dos grupos alia~ dos como dos adversirios que pareciat™ inimigos irreconcilidveis. Nesse sentids a direcao politica torna-se um aspecto 2 O ranonaronue br Grasset na miedtida enn que a ale lominio, vs elites devs grupos inane uy prapri ant © € a solugio desse problema que tornow —fingie de possivel o Risorgimento na forma e nes be sorgan mites nos quaty cle ocorred, de revolugio dur a decapitagan deste sem fevolucao [ou de revolugdo passiva xe quilainento por ume perindy nuite lenge indo a expression de Cao) (Q1, 64, Da politica dos mederadis aparece clare pap que cla pode ou deve ser uma atividade he gemonica mesmo antes de Hav poder e que FAO precisa Conbar samente COME ay Hoty materiais que @ poder di para exercer and diregao chica: precramnente a brilhante se luyad deve problema tornou passivel o Ha sorggimento na fornia ene finites no ques ern “Ferrer, come “revolute cle ocorren sem revolt passiva”™ para empreyar uma e< Cuoco em um sentido um pouco diferent daquele que ele usava (Q.19, 24 p. 2010 2011) ou \ nota do Primo Quaderno é de grande relevancia, FE nela que pela primeira diresan, ver aparecem algumas expresses que marcaram a pesquisa gramsciana dominagao, hegemonia politica ¢ transformismo, Mas as diferengas entre a pri io deixam de ser importantes. As mais sutis sivas meira ea segunda construgao p mais reveladoras, Por que Gramsci coloca entre aspas virias dessas expresso diregio”, “dominagio” e “hegemonia politica” ~ © retira essas rio, colocando entre aspas na segunda » tinham na primeira? inespera sna primeira versio - mareas na segunda? E por que faz 0 contr: versio certas expressies ~ “revolugio passiva” ~ que ni “Analisando essas discrepancias, Ragazzini (2002) recorreu a ur da “filologia das aspas” para explicar 0 processo de construgao do léxico tematico articular uso dessas mareas que 0 strando e conceitual gramsciano, Era por meio de um pi autor dos Quaderni assinalava o estigio de elaboragio dos cone pressies de uso corrente Ou que nao pertencian ao dmbito da fi itos, reg vocibulos e e: losofia da prixis, Na segunda versio do texto, a auscneia das aypas indicaria uma incorporagao dos termos ao léxico gramsciano, assumindo, entretanto, um signi- ficado que na nos Quaderni, como se pode ver pelo uso dae: Primo Quaderno ela era assimilada completamente pelo texto gramsciano, que a incorporava como parte de seu léxico, Mas no Quaderno 19 ela aparecia entre aspas, ¢ seguida da adverténcia de que era uti zada “em um sentido um pouco diferente” daquele original Esse recurso parece ser uma imposi 6 . iin de Game Dinas idagoeevcomceutur equates inc ee . 8 a le sua época fazia que o era mais identico aquele original. O inverso também ¢ frequente pressio “revolugao passiva’, No 49 ‘Atvaro BrancHt se apropriasse livremente de conceitos que, depois de reconstruidos, passavam 4 fazer parte de sua propria concepcao, assumindo significados renovados. Sua lei. tura da obra filoséfica de Marx e das interpretacdes a respeito ja lhe haviam feito Perceber quantos problemas decorrem da utilizagao de um vocabulitio ultrpas. sado. Dafa importincia que atribuiu a suposta afirmacao de Napoleio Bonaparte perante a Academia de Bolonha: “quando se encontra alguma coisa verdadeirs, mente nova, é necessério adequar-Ihe um vocabulo completamente novo a fim de manter de modo preciso ¢ distinto a ideia” (Q 11, § 27, p. 1433). Mas 0 que acontece quando nao é possivel construir esse novo vocabulétio? Nesse caso devem-se explicitar os novos sentidos atribuidos as palavras, o que Gramsci procura fazer de modo minucioso em sua escrita, demarcando aquilo gue € novo do velho. Para explicitar esses novos sentidos que velhos conceitos assumem é preciso conhecer os antigos. £ preciso reconstruir 0 didlogo critico que Gramsci estabeleceu com Nicolau Maquiavel e Francesco Guicciardini, com Antonio Labriola e Georges Sorel, com Benedetto Croce e Giovanni G Vladimir Lenin e Leon Trotsky. Foi por meio del comunicou com o mundo e dial rentile, com les que Gramsci, na prisio, se ‘ogou com seu tempo, reencontrando por meio do texto a historia que Ihe fora confiscada pela prisao, 50

Você também pode gostar