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de Contos 2016
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IX PRÊMIO ESCRIBA DE CONTOS
2016
IX Prêmio Escriba de Contos – 2016
Realização
Prefeitura do Município de Piracicaba
Secretaria Municipal da Ação Cultural
Biblioteca Pública Municipal “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”
Prefeito Municipal
Gabriel Ferrato dos Santos
Comissão Organizadora
Adrielle Camargo dos Santos
Alexandre José Cruz
Antonio Filogenio de Paula Junior
Aparecida Rosana Bueno de Godoy Oriani
Elcio Queiroz Couto
Fausto Rodrigues Neto
Maria Aparecida de Carvalho
Revisão
Adrielle Camargo dos Santos
Elcio Queiroz Couto
Edição em e-book
Elcio Queiroz Couto
Sumário
Cartas ................................................................................................................ 5
Premiados ...................................................................................................... 15
1º Lugar - Epitáfio ................................................................................... 16
2º Lugar - Carlito ..................................................................................... 37
3º Lugar – Maria, princesinha da noite ............................................ 51
Melhor de Piracicaba – A viúva do agiota ........................................ 64
Menções honrosas ....................................................................................... 70
A estrela que sonhava ser lua .............................................................. 71
A professora e o aluno ........................................................................... 88
Conta-me uma história de amor ........................................................ 101
Eterno ....................................................................................................... 116
Sobre as ondas........................................................................................ 138
Lembranças de papel de pão ............................................................... 147
O chorão .................................................................................................. 155
Selecionados ................................................................................................ 162
As nuvens brancas de Lulu ................................................................. 163
Liberdade, enfim!................................................................................... 172
Pedro Maritaca em: catetos e hipotenusas ...................................... 182
O Incrível Marvel .................................................................................. 189
O corvo .................................................................................................... 199
Invisível ................................................................................................... 208
O caos ....................................................................................................... 219
E foram passear em Buenos Aires..................................................... 243
O saber da loucura ................................................................................ 252
No velório................................................................................................ 271
Mensagem do Prefeito Municipal
Rosana Oriani
Diretora da Biblioteca Pública Municipal
“Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”
Comissão Organizadora
Epitáfio
solícito!
Toma o remédio, bebe toda a água. Não
consegue dormir. Não sabe se pela ansiedade ou se
pelo mal-estar, mas não prega os olhos. Na segunda
parada, desce cuidadosamente, vai ao banheiro,
compra outra água, agora sem gelo e volta ao ônibus.
O dia amanhece e a encontra exausta. Sente-se
cansada e doente. A tosse começa a incomodar. Está
gelada. Os pés, quase insensíveis.
Quando o ônibus chegou a São José do Rio
Preto, Domitila perguntou ao motorista como deveria
proceder para comprar a outra passagem. Orientada,
conseguiu a passagem e precisava esperar pelo
embarque para o seu destino. Depois de um tempo,
acomodada no assento reservado, e com o ônibus a
caminho da vila da sua infância, Domitila começou a
pensar nos amigos do asilo. A essa altura eles
deveriam estar alvoroçados com a sua falta, as freiras
deveriam estar preocupadíssimas com o seu sumiço.
30 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
Carlito
Zeh Gustavo
Rio de Janeiro – RJ
à vagabundalha toda
e seus panos tronchos de vestir desnudo o mundo
II
titereiro.
Carlito, entanto, é frágil. Como toda gente, se
explorada em suas demasias de força. Ele tonteja,
capota, desmonta. E não é sujeito objeto assim de se
consertar da noite para o dia não. Afinal, nem comer
come, o coitado. E só respira ar de brabeira. Carlito
vivencia, seu modo, o mundo, que nem é seu, quanto
menos nosso. Nas quebradas é sempre ele mais eu,
palitando estrada pela cidade-cã.
Esse anoitado que vem descendo pelos
escombros da tarde longeva encontra-se com seus
poréns acesos. Rodamos e rodopiamos e nem um
puto, que não entra, tampouco nem sai, já que não
veio. Dureza, quando não tem jeito, não tem mola
que amoleça.
Carlito ressente, aflituoso que é. Não chora, que
não sabe como que se planta aguaceiro pelas suas
vistas-riscas, que isso não lhe ensinei. Procuro
economizar nos dizeres acerca do nosso miserê, afino
42 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
III
IV
chorou.
Levantou-se com dificuldade, sentia vertigens. A
barriga doía muito. Entrou em um boteco. Pediu para
usar o banheiro. O balconista ofereceu a chave,
sorriu com malícia. Maria entrou no banheiro
imundo. Baratas corriam pelas paredes. Sentou-se no
vaso. Desceu muito sangue. Levantou-se meio tonta.
Olhou para trás. Um feto ensanguentado boiava no
sanitário.
Não sabia o que fazer. Pensou em puxar a
descarga, segurou a cordinha. Hesitou. Agachou-se
para contemplar o dejeto mais de perto. Enfiou a
mão no vaso para apanhá-lo. Com as mãos em
concha, meladas de sangue... Maria sorriu ao
reconhecer Jesus Menino.
Melhor de Piracicaba
(Homenagem a Leo Vaz)
A viúva do agiota
ajeitando o vestido.
– Pra onde? – perguntou Fernando, estupefato.
– Para o cativeiro.
Dona Rosália pegou a bolsa e se virou para o
espelho como quem verifica o penteado. Quando
voltou a encarar Fernando, a agiota segurava uma
pequena pistola negra, fosca e elegante, combinando
perfeitamente com a bolsa de ir à missa.
Fernando saltou, derrubando a cadeira e fugiu.
Dona Rosália, fiel aos ensinamentos do marido, foi
até a janela e atirou. “Nunca saque uma arma se não
estiver pronta pra usá-la”, dizia o falecido.
O tiro pegou de raspão. Dona Rosália desistiu da
missa. Mandou a secretária marcar consulta urgente
com o oftalmologista.
Menções honrosas
A estrela que sonhava ser lua
Pseudônimo: Aura
Tatiana Alves Soares Caldas
Rio de Janeiro – RJ
guntou:
– Você gostaria de aprender a tocar esse
instrumento?
– A senhora acha que eu seria capaz?
– perguntou o menino baixando a cabeça.
– Você pode tudo, Tomás! Tudo o que você
realmente quiser!
– Eu quero, professora Lia. Eu quero muito!
– Tomás, eu vou embarcar para França ainda
este mês, se seus pais permitirem, gostaria muito que
você fosse comigo. Lá você estudará nas melhores
escolas de música. Será um grande instrumentista!
No mesmo instante, o sorriso do menino sumiu
dando lugar a uma tristeza aparente.
– Não, dona Lia, não vou abandonar meus pais.
Não posso!
– Não, meu querido, você não irá abandoná-los,
será apenas por um tempo. Muito em breve você
voltará e poderá até ajudar sua família.
IX Prêmio Escriba de Contos 2016 | 95
20 Anos se passaram
Janeiro.
Foi o início do martírio de Magdalena. Bem que
sua mãe dizia que a mãe dela não queria que a
batizassem de Magdalena. Para a avó, o nome era
carregado de sofrimento, trazia toda a dor de Maria
de Magdalena, a da Bíblia, conhecida por Maria
Magdalena. Agora ela provava da dor que o nome
carregava.
Galdino sofria, porém tentava, em vão, passar
força à noiva. Dizia que o casamento fora apenas
adiado. Em pouco tempo retornaria e viveriam felizes
na casa acima da represa.
Outros rapazes da redondeza também foram
convocados, inclusive um sobrinho de Tonico, o
Antônio Dutra, filho da sua irmã Aurora.
Galdino passou os três meses no Rio de Janeiro.
Depois embarcou como soldado, em um grande
Transatlântico, juntamente com cabos, capitães, e
outros tantos tripulantes. Antes, ele tirou uma
126 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
II
III
Maya Falks
Caxias do Sul – RS
consigo.
Lúcia, a menina de seis anos, corria para sempre
na memória da mãe. Ela adorava sorvete de chocolate
e balinhas dadinho de amendoim. Não gostava de
balinhas de goma e queria um mágico na sua festa de
aniversário. Porque numa festa de fada tem de ter
magia. E os olhos úmidos transbordaram em lágrimas
quando a mulher viu um dos derradeiros desenhos de
Lulu. Nele, estava escrito com letras tortas de uma
criança em alfabetização: “a grama é verde, o céu é
azul e a nuvem é branca. A internet disse que ela tem
muita cor junta. Não entendi!”
E todas as cores juntas não produzem branco, na
verdade, mas o negro. A cor do luto de uma família
que se desfez porque o mundo é injusto demais. E as
histórias de fadas, na realidade, não têm magia. E os
anjos não podem proteger os bons e também não
existe “felizes para sempre”. Pois o único sentimento
eterno é a saudade que os anos fazem crescer mais e
IX Prêmio Escriba de Contos 2016 | 171
sábia.
– É não, era. Deus o tenha!
– Meus sentimentos, eu não sabia.
– Mas vamu deixá de cunversa fiada e o senhor
me diga logo o que tá querendo, que eu inda perciso
trabaiá.
– Certo. Seu Pedro, preciso lhe fazer umas
perguntinhas rápidas. É pra sabermos quantas
pessoas moram na região, o que fazem, etc.
– Ara, isso é fácir! Aqui tem eu, o Zeca Bigode,
a dona Cotinha, a ...
– Não, não, seu Pedro! Só preciso que o senhor
me responda. Depois eu vou visitar seus amigos
também.
– Pois pregunte!
Tales se ajeitou como pôde, entre formulários e
canetas, e o interrogatório teve início.
– Qual sua idade, seu Pedro?
– Uns quarenta e pouco.
186 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
– Pouco quanto?
– Ara, e esses detalhe interessa? Eu num tô aqui
na sua frente? E nem sei dereito. É uns pouco. Afinar,
a idade da gente tá nos calo da mão, nas roça que a
gente faz, nos fio que bota no mundo.
– Interessante. O senhor lê filosofia?
– Óia, seu Talesquais, eu num entendo esse
palavreado todo. O senhor seja mais craro.
– Desculpe, foi um lapso momentâneo.
– O senhor quer um apontador? Tem os das
criança.
– Não é necessário. Vamos continuar. Qual é a
sua profissão?
– Nóis aqui planta, cria, e despois colhe e come.
E o senhor, faz o quê?
– Bem, eu? Eu sou engenheiro. Quer dizer, eu
era. Isto é, eu sou, mas não exerço.
– Mas que compricação de profissão é essa?
– Desculpe, seu Pedro. Foi outro lapso.
IX Prêmio Escriba de Contos 2016 | 187
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DE SÃO PAULO
Carlos Alves
São Vicente – SP
mãe?
O homem mergulhou o rolo no balde de tinta.
Continuaria o trabalho de onde o havia interrompido.
– Tanto faz, Dudu. Tanto faz. Conte o que
quiser.
Progressivamente diminuía seu interesse pelos
dramas do sobrinho de quatorze anos. Estava can-
sado das histórias de rebeldias contadas pela mãe. Os
desabafos da irmã que fatigavam seus ouvidos. Sem-
pre a mesma ladainha culpando o divórcio e a
ausência do pai. A falta de um modelo masculino na
criação do garoto, que se tornava a cada dia um
adolescente mais estranho e antissocial.
Decidiu que o serviço teria prioridade sobre a
mais nova crise juvenil familiar. Iria parar de
conversar. Fizera o mesmo mais cedo e a tarefa
avançara para ambos.
Mas Eduardo abriu o bico e arruinou o plano:
– Tentei esfaquear alguém – declarou.
228 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
– “Morreu!”
– “É? Puxa vida, ele estava meio sumido mesmo”.
E logo falariam de mulher, futebol, crime ou
celular como se cinquenta e oito anos juntos não
importassem, como se ela devesse aceitar que a
morte de um velho fosse previsível, ou como se o
Manolo nem mesmo precisasse ter existido.
Então, decidiu realmente mentir sobre os fatos e
o desfecho. E a todos que fizessem perguntas
enxeridas sobre a saúde do marido, desde já e mesmo
após a sua morte, responderia sempre que ele estava
bem melhor, enquanto que, intimamente, se vingaria
rindo de raiva deles. Este seria o seu revide à funérea
pressa dos vizinhos coveiros.
Assim fez, e, quando o levou para o hospital já
nas últimas, providenciou que fosse num táxi de
noite, a fim de que ninguém visse ambulância na por-
ta da casa.
Não contou da internação, da morte, do velório,
250 | IX Prêmio Escriba de Contos 2016
nho:
“– Tia, quem são essas duas aí que não saem mais
do lado do caixão do tio Chico?”
“– Não sei não!...” – respondeu também em tom
baixo outra voz feminina: “– Já perguntei pra todo
mundo e ninguém as conhece e nem as viram tão mais
gordas. Devem ser mais umas das tantas vagabundas
que o seu tio Chico tinha pela cidade. Safado!...”
Ouvindo isso, Luzia discretamente ergueu a
cabeça e olhou para os lados e os cantos daquela sala
para ver se realmente não via ninguém conhecido da
família. Olhou para os rostos de cada pessoa ali
presente – nessa hora já sem as lágrimas nos olhos –,
não vendo ninguém com rosto familiar ou qualquer
outro conhecido.
Continuou então a correr os olhos em volta
daquela sala, quando viu entre os castiçais e as velas
que ornamentavam aquele funeral uma coroa de
flores com uma faixa em seu centro com os seguintes
IX Prêmio Escriba de Contos 2016 | 279
dizeres:
“Francisco Theodoro – Saudades de Esposa, Filhos
e Netos”.
Visto isso, Luzia deu um leve toque com o
cotovelo em Rosinha para mostrar-lhe que haviam
entrado em sala errada daquele velório, e ainda por
cima chorado por outro defunto. E assim, deva-
garzinho foram afastando-se de próximo do caixão
do “Francisco Theodoro”, procurando sair de “fininho”
daquela sala, pedindo licença às pessoas – parentes e
amigos daquele finado, e foram em direção à outra
sala, onde de fato devia estar sendo velado o corpo
do compadre Dito.
No momento em que saiam daquela sala e
passavam entre as pessoas, ainda ouviram baixinho
novamente uma voz de mulher – provavelmente a
viúva de Francisco –, dizer a seguinte insinuação:
“– Sem-vergonhas, vai ver que eram também
amantes do finado Benedito!”
Ação Cultural