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AVALIAGAO DIALOGICA: desafios e perspectivas José Eustiquio Roméo Capa: DAC Preparagao dos originas: Elisabeth Samo ‘Revisdo: Maria de Lourdes de Almeida, Agnaldo A. Olivera ‘Composigao: Dany Bditora Lida. Coordenagéo editorial: Danilo A. Q. Morales [Nenhuma parte desta obra pode Ser reproduzida ou duplicada sem autorizagao expressa do Autor © dos editores. © 1998 by Autor Dircitos para esta edigio ‘CORTEZ. EDITORA Instiuto Paulo Frere Rua Batra, 317 — Perdizes Rua Certo Cord, 580 - Cj. 22 - 2° andar 103009000 — Sa Pauio-SP 05061-100 — Si Paulo-SP - Brasil “Tels (IN) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 Tel. (S5-11) 3021-5536 - Fax: (55-11) 3021-5589 email: contez@cortezeditoracomin _E-mal:ipf@paulfreire org ‘wor corteeditara com br Home Page: www-paulofieire.org Impresso no Brasil — margo de 2003 SUMARIO Inrodugio.... 62... 1. Citncia e ideotogia . . . 1. Cigncia e ideologia na perspectiva positivista 2. Ciéncia e ideologia na perspectiva dialética _ 2. Educasio e ideotogi 3, Avaliagio e ideologi “Parte II — Avaliaglo da aprendizagem 4, O que é avaliaglo .... 1. A escola e as concepgies de avaliagio . 5. Medida © avs 1. Medida.. . 2. Avaliagio . | Parte I — Avaliagio dialégica . |Concepgio da avaliagdo dialégica DAs virwdes do “ero” Parte 1 — A ideologia na educagio e na avaliagio n 15 25 27 28 7 B 3 55 6 a 80 85 7 1 6 CONCEPCAO DA AVALIACAO DIALOGICA ‘Se temos uma concepeio autoritéria e “bancéria” de educagio, como dizia Paulo Freire, forgamos o aluno a se transformar num depositério do “tesouro do saber”, que jé “descobrimos” no perfodo de nossa formagio profissional e nos momentos em que preparamos as aulas. Por isso mesmo, ndo hi necessidade de ele refazer 0 itinerdtio de descoberta das “verdades” que vamos Ihes transmitir, tendo 4 mao ‘© mapa da “mina” — plano de curso, geralmente elaborado sem nnenhuma participagio do aluno ¢ a ele apresentado como um caminho ‘Obrigatério, sem altemnativas. = Em lugar de comunicar-se, 0 educador faz “comunicados” ¢ depésitos que os educandos, meras incidéncias, recebem pacientemente, ‘memorizam € repetem. Eis af a concepeio “banedria” da educacao, em que a tnica margem de agio que se oferece aos educandos é a de receberem depdsitos, guardé-los ¢ arquivé-los. (.) [Os alunos tém de se dotar de} uma conseiéncia continente ‘ receber permanentemente os depésitos que o mundo Ihe faz, e que se vio transformando em scus contesidos (Fieite, 1981; 66 ¢ 71), Essa concepgio de educagio desemboca, fatalmente, numa con- cepeio de avaliagdo que vai se preocupar apenas com a verificagio dos “conhecimentos depositados” pelo professor no aluno, desconhe- cendo os procedimentos, instrumentos e estratégias utilizados pelo 87 educando para absorgio ou rejeigo desses “conhecimentos” — cotejo desses “conhecimentos” com os. construfdos por ele proprio no des- vendamento do mundo. Alids, para a concepedo autoritéria da educagio este cotejo é impossivel, porque seria inimagindvel permitir ao discente (© questionamento dos contetidos ¢ as respectivas formas com que Ihe sio transmitidos pelo professor. ‘Com uma concepgio educacional “bancéria” desenvolvemos uma avaliagdo “bancéria” da aprendizagem, numa espécie de capitalismo as avessas, pois fazemos um depésito de “conhecimentos” e os exigimos de volta, sem juros € sem corregiio monetéria, uma vez que o aluno nilo pode a ele acrescentar nada de sua propria elaboracio gnoseoldgica, mas apenas repetir 0 que the foi transmitido. Desenvolvemos a “pe- dagogia especular”, na qual os alunos devem se limitar a expelir pilidos reflexos do que ¢ 0 professor enquanto sujeito epistemolégico. Em suma, na educagio e na avaliagio “bancérias” os alunos se transformam em meros arquivos especulares das “verdades” descobertas previamente pelos professores na sua formacio e na preparagiio de suas aulas. E entes especulares nio praticam ato cognoscente, ja que sua tarefa se resume ao registro e a0 reflexo (repeti¢ao) do depésito que The foi confiado. Ai a avaliagio se torna um mero ato de cobranga, e néio uma atividade cognoscitiva, na qual educador e educando discutem e refazem 0 conhecimento. Ao contrétio, a escola cidada, na qual se desenvolve uma educagio libertadora, 0 conhecimento nio é uma estrutura gnoseol6gica estitica, mas um proceso de descoberta coletiva, mediatizada pelo dilogo entre educador_e educando. io é sujito cognoscente em um, e sujeito narrador do contetido conhecido em outro. sempre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara, quer quando se encontra dialogicamente com os educandos © objeto cognoscivel, de que o educador bancétio se apropra deixa de ser, para ele, uma propriedade sua, para ser a incidéncia da reflexio sua e dos educandos este modo, © educador_problematizador (e-faz) constantemente, sou ato cognoscente na eognoseibilidade dos edueandos (Id. ib.: 79-80) Na educagio libertadora, a avaliagio deixa de ser um processo de cobranga para se transformar em mais um momento de aprendizagem, tanto para_o aluno quanto para o professor — mormente para este, Se estiver atento aos processos e mecanismos de conhecimento ativados 88. pelo aluno, mesmo no caso de “erros”, no sentido de revere refazer seus procedimentos de educador. A educagio e a avaliagao positivistas enfatizam a permanéncia, a estrutura, 0 estitico, 0 existente e 0 produto; as construtivistas reforcam a mudanga, a mutagdo, a dindmica, 0 desejado e 0 processo. A educagio ¢ a avaliagdo cidadas devem levar em consideragio os dois pélos, pois no hi mudanga sem a conscigncia da permanéncia; AO hi processo de estruturagdo-desestruturagao-reestruturagdio sem do- ininio te6rico das estruturas — a reflexio exige “fixidades” provisérias para se desenvolver; nio hé percepgdo da dindmica sem consciéncia critica da estitica; 0 desejado, 0 sonho e a utopia s6 comegam a ser construidos a partir da apreensio critica ¢ dominio do existente, e 0 Proceso nio pode desconhecer o produto para nao condenar seus rotagonistas ao ativismo sem fim e sem rumo. © Ponto de partida deste movimento esté nos homens mesmos, Mas, como no hi homens sem mundo, sem realidade, 0 movimento parte das relagées homens-mundo. Daf que este porto de partida esteja sempre nos homens no seu agui © no seu agora que constituem a situagdo em que se encontram ora imersos, ora emersos, ora insertados, Somente a partir desta situagdo, que thes determina a propria Percepgiio que dela estio tendo, € que podem mover-se E, para fazé-lo, autenticamente, & necessétio, inclusive, que a situago em que estdo no Ihe aparega como algo fatal e intransponivel, ‘mas como uma situagio desafiadora, que apenas os limita (Id. ib. 84-5), Fica claro neste texto de Paulo Freire 0 cariter dialético da superagio da realidade existente © que a avaliagio, com vistas 3 promogio, pode ser um sério obstéculo ao avango transformador. De fato, no sistema promocional, o aluno se submete as avaliagées para “passar” ou “ser reprovado”. A reprovagio tende a ser interpretada muito mais como uma derrota que impossibilita os avangos do que ‘como um desafio que provoca as tentativas de superagio. Como ser incompleto que é, destaca ainda Paulo Freire, o homem 86 inicia 0 processo de plenificagdo da sua humanidade no momento ia de sua incompletude. O processo de desa- ja-se com a consciéncia dos proprios ‘limites ow com a ica da prépria realidade alienada. Somente no pensamento conservador se dicotomiza a liberdade € a necessidade histérica, 0 contingente e o necessirio, 0 sujeito e 0 89, ‘objeto, o presente e o futuro, a realidade © a utopia, Para os que se inserem no uniyerso dialético, a liberdade comega, isto é 0 homem se toma sujeito de sua propria histéria, no momento em que lé 0 mundo e reconhece a correlagio de forgas politicas. Assim, a liberdade nlo nega a necessidade hist6rica, mas constr6i-se a partir de seu reconhecimento. O contingente nio é a negagio do necessério, mas ‘com ele se imbrica na percepgio critica do mundo; o futuro nao é a anulagdo do presente, mas a arquitetura que 0 toma como base: a realidade no € obsticulo da utopia, porém seu suporte inicial. Conforme destacamos antes, cabem, nesta altura deste trabalho, algumas consideragdes sobre o “erro” nas verificagdes da aprendizagem predominantes no sistema educacional brasileiro. C AS VIRTUDES DO “ERRO” Luckesi analisou, com propriedade, a questio do erro na pritica escolar. Por isso, esta parte do trabalho estar, toda ela, referenciada em um artigo que ele publicou’’, ainda que possamos acrescentar ‘outros Jngulos de andlise e outras possibilidades de sua exploragio pedagégica. Curiosamente, embora a pritica escolar se identifique, de forma discursiva, com a “preservagio e criagdo do saber”, ela dé um sentido completamente diferente ao atribuido pelos pesquisadores aos resultados niio-esperados de um processo de conhecimento, Sendo vejamos: quando um_pesquisador_chega_a_um resultado diferente das hipéteses_que evantou previamente 3 tealizagio da pesquisa, nao se 5 @ abandona_o projeto em questo. Pelo conirario, regis como um novo conhecimento nio-vislumbrado nas hipdteses e continua sua busca do produto (de conhecimento) inicialmente projetado, Ou seja, em vez. de considerar como um “erro” o proceso de investigagio © seu resultado, indaga sobre 0 que ocorreu durante a pesquisa, seja Para verificar © equivoco da hipétese inicial, seja para constatar 36, "Pritica escolar: do ero como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude”, inserido no liv js citado (1995: 48-59), no qual esgoou a possibildade de consideragies sobre o tema, No entanto, retomamo-1o agui, tanto pela importincia de sua reiteraga0 cnfitica, quanto pela possibilidade de explrar aspectos que, embora estejam conti Potencalmente nas consideragdes de Luckesi, pensamas devam ser mais explctados, o1 ‘mudangas provocadas pela interveniéncia de fatores ndo-previstos nfo-controlados. Para tornar mais claro o que pretendemos dizer, Yejamos o exemplo do que ocoreu numa pesquisa concreta, ao final da qual os seus responsiveis tiveram a tentago de considerar que “tudo dera errado”. Na década de 70, alarmados com a “evasio” dos alunos do segundo segmento do 1° grau na escola notuma em que trabalhévamos, resolvemos pesquisar as causas do fendmeno. Na preparacio do projeto de pesquisa, levantamos as mais sofisticadas hipoteses. Ao aplicarmos (68 questiondrios nos “evadidos”, percebemos que a maioria das razSes que 0s moviam ao abandono da escola poderia ser classificada como “fitil” se comparadas com as hipéteses levantadas — quase todas enquadradas no universo do “sociologismo” e do “psicologismo social” entio em voga: “Nao estou mais a fim..”; “A escola € muito chata.”; “Um professor chamou minha atengio.”. A decepcdo na tabulagao e anilise dos dados levantados acabou sendo substitulda, com muito entusiasmo, por uma descoberta importante: quanto mais fiteis fossem as razBes do abandono dos bancos escolares pelos alunos dos cursos imos, mais clara ficava a “desimportincia” da escola na Teitura “desses alunos. De fato, se trocavam os estudos por qualquer outra atividade, se 08 abandonavam por qualquer razo, havia em sua atitude uma clara condenagio da escola, na medida em que 0 que ela Ihes oferecia pouco tinha a ver com seu projeto de vida e, facilmente, a trocavam por qualquer coisa, inclusive, pelo “ficar & toa” & noite. A pesquisa acabou por se transformar num importante indicador das mudangas que deveriam ser introduzidas nos cursos noturnos de 5* a 8" série daquele estabelecimento de ensino, a fim de que os alunos voltassem a perceber a importincia dos estudos fundamentais para a realizagio de seus projetos pessoais ¢ coletivos”. Ora, se na pesquisa cientifica um equivoco de previsio pode ser revelador de aspectos e nuances nio-previstos ou ndo-percebidos cialmente, mais ainda no processo educacional, as respostas compor- tamentais e a performance dos alunos sio reveladoras das formas discentes de processamento do conhecimento, ou, no minimo, esclarecem sobre as raz6es da resisténcia ou indiferenga dos alunos aquilo que a escola Ihes oferece. Em ambos 0s casos, sio fundamentais para a elaboragao conjunta de novos procedimentos didético-pedagégicos. Sem 37. Ainda que muito interessante, especialmente pelos resultados alcangados, a descrigao de tais modificagbes mio cabe nos limites deste wabalho. 92 exageros, pode-se dizer que os “erros” dos alunos consti matéria-prima do replanejamento das atividades cu fungio precipua da escola nada mais é do que a transformag cultura primeira, a partir dela mesma, a passagem da conse! agénua para a consciéncia critica. A percepgio da consciéncia in 86 se dard através de sua avaliagio, que deverd indicar os rumos sua “transubstanciagio” em consciéncia critica. _ Se a “visio culposa do erro, na prética escolar” (Luckesi, 1999) 48) continuar sendo predominante, no havers como encaré-lo come fonte de conhecimento pedagdgico ¢ a avaliagio prosseguird na sill trajet6ria de instrumento de selecio, discriminagio, meritocracia @ exclusio, Nesta perspectiva, a verificagdo da aprendizagem deixa de ser verificagao da aprendizagem, para se transformar em exposiciio de “quem no sabe”. Na maioria das vezes, as provas aplicadas no Ensino Fundamental no visam verificar 0 que os alunos sabem, mas o que eles no sabem — ¢, o que € pior, através de um viés moralista que considera a resposta diferente da esperada no “gabarito” como um erro que deve ser castigado. Luckesi, no artigo citado, faz. a reconstituigiio dos castigos escolares, que evolufram de formas mais rudes — expli- citamente fisicos — até as mais sofisticadas formas de violencia simbélica, hoje predominantes, que forgam a introjegio do fracasso pelo/no préprio aluno. A partir do erro, na pritica escolar, desenvolve-se ¢ reforga-se no educando uma compreensio culposa da. vide, pois, além de ser castigado por outros, muitas vezes ele softe ainda a autopunigdo. Ao ser reiteradamente lembrado da culpa, 0 educando no apenas sofre os castigos impostos de fora, mas também aprende mecanismos de auto- unio. por sponos ex qu abu as} mesmo (Locks op Com essa prétca docente, crite, na escola uma stmosfera de igo", onde © medo impede que ela se transforme numa Sates Nera queria Georges Snyders". = A. concepgio moralista do “erro” Grai)uma visio de mundo autoritéria, porque ela tem como pressuposto bisico a apropriagio © imposigtio de padrocs considerados como veidaues absulutas, pré-cons- trufdos ou incorporados pelo avaliador, aos quais serio comparados 0s desempenhos dos alunos. A minima discrepancia entre esses de- 38. Em A alegria na escola (1988) ¢ Alunor felizes (1996). 93 sempenhos © aqueles padres gera um verdadeiro arsenal de punig6es, cujo efeito mais maléfico é 0 desgaste da vontade de aprender, da rmotivagio e, no limite, 0 assassinato da auto-estima do avaliado. Nessa concepeio, 08 instrumentos de avaliagio se tornam. “instrumentos inquisitérios", que consideram as respostas e os desempenhos como “uma espécie de pagamento ¢ as notas como “recibos” que, por sua vez, na maioria das verificagdes, no correspondem ao “pagamento efetuado™”. ‘A concepgio culposa da vida tem raizes mais profundas, como destacou Luckesi, no processo de evolugio da chamada “Civilizagio Ocidental Crista”, na qual 0 pecado é a centralidade referencial dos comportamentos, que acaba por tomé-los sadomasoquistas, uma vez que nos punimes e “castigamos_os outros a'pantr ¢-projecio de nossos sentimentos de culpa’ (Luckesi, op. cit: 53). Porém, mais do que a “ideologia do pecado”, desenvolveu-se ¢ tomou-se dominante nas formagbes sociais do Ocidente — nas quais se insere a formagio social brasileira — a ideologia burguesa, consubstanciada ¢ instrumenta- lizada no/pelo Estado Burgués. Analisemos um pouco mais esta questio, {if que a escola & um dos aparelhos ideol6gicos mais eficientes do Estado, E pobre a historiografia ¢ a literatura sociolégica e politolbgica brasileira sobre a questio do Estado no pais. Conforme destacou Décio Saes, em um estudo primoroso sobre a formagio do Estado Burgués no Brasil (1985), os primeiros analistas que se debrugaram mais seriamente sobre a questio, trataram o Estado de “modo puramente negativo, ou seja, como 0 contririo do poder privado” (Saes, 1985: 17). Raymundo Faoro, com seu j4 também classico Os donos do poder (1975), ainda que com uma interpretagio weberiana, d& um salto qualitativo na abordagem da questio, desenvolvendo 0s conceitos de “Estado Patrimonial”, “Estado Estamental Puro” e “Estado Moderno”. Faoro influenciou e continua influenciando boa parte da intelectualidade brasileira com suas percucientes anilises, embora destile um enorme pessimismo, que chega as raias da amargura, nos seus artigos em um periédico semanal de grande circulagio no Brasil". 39. Conforme jé destacamos anteriormente, a subjtvidade de quem comige nem sempre leva em consideracdo outras formas coretas de respostas ao que foi indakado. '40, Como é 0 caso de Nestor Duarte, com seu ensaio A ordem privada e a organizagdo poltica nacional (1966) e, na sua esteita, Vietor Nunes Leal, com sua jf clissca obra Coronelixmo, ensada e voto (1975), ¢ Mavia Tsaura Pereira de Queioz, com © mandonismo local na vida politica Brasileira (1976). 441. No momento em que escrevemes esta parte do abalho, Faore mantém uma coluna na revista stb. 94 Seri preciso esperar os trabalhos de Octavio Tani, Estado e capitalismo e Estado ¢ planejamento econdmico no Brasil (1930-1970), ara termos uma anilise mais consistente do Estado Brasileiro, porque elaborada numa visio dialética da trajet6ria histérica nacional. lanni, como outros pensadores marxistas, retarda a instalagio do Estado Burgués no Brasil para o pés-1930, subestimando a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no pais, que ocorrera cerca de mais de trés décadas antes, com a conseqiiente “reconversio” do Estado Escravista Moderno, no periodo que vai do processo abolicionista até a consolidagio da Repiiblica, Mas em que consiste o Estado Burgués? Qual sua natureza, que transformagées ele sofreu até os nossos dias, que significado sua versio mais contemporinea pode ter nas relagdes pedagogicas e, mais especificamente, nas que dizem respeito aos processos avaliativos? Responder a todas estas questdes exigiria reflexdes ‘do expandidas que ultrapassariam os limites deste trabalho. No entanto, ara entendermos com mais profundidade a “visio culposa” da avaliagio — diriamos, antes, classificatério-discriminatério-seletivo-excludente — hid podemos escapar, nem que seja sumariamente, da formulacio de algumas consideragdes sobre o Estado Burgués brasileiro ¢ suas im- osigdes nas relagdes sociais de um modo geral e, particularmente, nas pedagdgicas. (..) © Estado, em todas as sociedades divididas em classes (eseravista feudal ou capitalista) € a propria organizagio da dominagio de classe; ou, dito de outra forma, 0 conjunto das instituigdes (mais ‘ou menos diferenciadas, e mais ou menos especializadas) que conservam a dominagio de uma classe por outra (Saes, op. cit 23). E, a0 cumprir sua missio organizadora da dominagio e da reproducio da dominagio, 0 Estado no opera sempre do mesmo modo, mas 0 faz de acordo com a dominagio real estabelecida nas relages de produgdo (escravistas, feudais ou capitalistas). Assim, a cada modo de produgio dominante em uma formagio social corresponde uum tipo de Estado, z Transformadas as relagdes escravistas em capitalistas no Brasil, no final do século passado e inicio do século atual, ocorreu, simul- taneamente, a “reconversiio” do Estado Bscravista Moderno em Estado Burgués, Mas em que consiste o Estado Burgués? Quais as diferengas significativas de sua estrutura e funcionamento, em relagio aos Estados pré-burgueses? Temos de relembrar que o Estado, enquanto categoria 95 politica, caracteriza-se por um direito (conjunto de normas institucio- nalizadas de comportamento individual social e instrumentos, meca- nnismos e formas de sua aplicagio) © uma organizacdo institucional (aparelhos coletores ¢ repressores). O direito burgués diferencia-se essencialmente do direito pré-bur- gués ao igualar os desiguais, isto é, considerar como iguais, perante 4 lei, todas as pessoas, independentemente de suas diferengas étnicas, econémicas, politicas e culturais. Enguanto 0 direito das sociedades pré-burguesas considerava os desiguais como juridicamente desiguais, 0 direito burgués, reproduzindo homologamente a estruturacio social das rélagdes individualizadas ¢ ilusoriamente equalizadas (“ilusio mercantil”) no contrato de trabalho, “igualiza todos os agentes de produgio, convertendo-os em sujeitos individuais; isto é, em individuos capazes de praticar atos de vontade™ (Saes, op. cit: 38). cia, podemos destacar Dentre os tragos earacteristicos da buroc ) 4) separagio entre 0 piblico e 0 privado; ») acesso universal aos aparelhos de Estado; | c) hicrarquizagdo rigida das funcdes estatai: Cada um desses tragos merece um ligeiro comentétio. A separagiio entre © piblico e o privado é fundamental para que no ocorra a apropriagio, pelos segmentos de classe nio-dominante, dos bens estatais, j4 que 0 acesso aos aparelhos de Estado é universal Portanto, a separagio das duas esferas, além de reproduzir, homolo- ‘gamente, a iniciativa burguesa de distanciamento do produtor direto fem relagdo aos meios de produgio, evita a socializagio de todo 0 poder com os dominados que ocupam cargos ¢ empregos nos aparelhos estatais. De fato, 0 acesso a esses aparelhos niio se baseia em outros critérios que o da competéncia individual, medida através dos processos seletivos (concurso piblico etc.). Porém, a rigida hierarquizagio das fungdes “corrige” a socializagao universal do poder, permitindo apenas aos escaldes superiores 0 acesso a todas as informagdes ¢ a todos os processos decis6rios. Por isso, os escaldes superiores nfio constituem vVagas a serem preenchidas por concurso, mas “cargos comissionados” 1 serem preenchidos por “nomeagio de confianga”, sendo seus detentores demissiveis ad nutum, isto €, exonerados quando nio “mais gozam da confianga” do governante, que € um membro da classe dominante ou seu preposto. As relagdes rigidamente hierarquizadas entre o “chefe” € seus subaltemnos se dio por uma individualizagao extremada no que diz. respeito a0 processo de tomada de decisdes ¢ sua implementagio. 96 De fato, 0 subalterno nunca pode dar a palavra final sem o aval do “chefe maior", que mantém relagdes individualizadas com todos os “subaltemos imediatos” e, por intermédio destes, com cada “agente estatal de carreira”. Estes sltimos se limitam as “decisoes técnicas”, uma vez. que as decisdes finais sio sempre “politicas” e dependem dos escaldes superiores do Governo. Como da para perceber, assim ‘como as relagdes capitalistas de producto (contratuais) individualizam as “partes contratantes”, para melhor facilitar a dominagio, também as relagdes no interior dos aparelhos de Estado sio individualizadas Contudo, a complexidade crescente, tanto do sistema produtive como do sistema politico, exige, cada vez mais, processos coletivos de trabalho, o que pode (e tem) gerado solidariedade de classes dominadas. Neste caso, 0 Estado Burgués opera uma desqualificagio e uma descaracterizagio desta solidariedade, substituindo-a por outras: nacio- nalismo ¢ bem piblico. O nacionalismo igualiza todos os membros de todas as classes de uma mesma formagio social, ao inseri-los num coletivo que, embora artificial, apresenta grande appeal politico”. O “bem piblico” — na realidade, bem privado das classes dominantes — opera um tréfico ideol6gico semelhante, na medida em que todos 0 agentes governamentais, ainda que no pertengam ao universo dos {que efetivamente decidem e gozam das benesses estatais, sentem-se Fesponsdveis por um “patriménio de todos”. Ora, tais concepgdes s6 resistem se nos apegarmos ainda & visio ingénua que concebe o Estado Burgués como mediagiio nos conflitos de classe e como instrumento equalizador das diferengas sociais”. 42, Freud, em “O futuro de uma ilusSo", analisou os mecanismos psiol6gicos que presidem a elaboraga0 simbolica individaal © coletiva das classes dominadas, no senido 4e se Senirem partcipes de todos os benefcios de uma formagio social caracterizaa pela ddominagdo de uma classe sobre as outras: “A satisfago narcsist, extraida do ideal cull, € um dos poderes que com maior Exito atuam contra a hosildade adversa & cvilizagio, dentro de cada setor civilizado. Nio 36 as classes favorecidas que gozam dos beneficios 4a eivilizagio. contespondente, mas também as oprimidas, panicipam de tal satsfaio, ‘enquanio dreto de desprezar os que nfo pertencemt & sua civilizagdo, compensando-os da imitagbes que ela Ihes impse. Caio € um misero plebeu explorado pelos tributos e pelas Drestagdes de servgos pessoas, mas também é um romano e participa como tal da magna ‘empresa de dominar outras nagdes ¢ imporIhes leis, Esta ideniicagio dos oprimidos com 4 classe que 05 oprime e os explora nao ¢, cantado, mais que um fragmento, de una {oualidade mais ampla, pos, além disso, os oprimidos podem sents efetivamente ligados ‘0s opressores, e, apesar de sua hostilidade, ver em seus amos, seu ideal” (Freud, 1948, 1: 1259), 43. Nesta altura da argumentao, muitos poderiam car no nilismo ertico,concluindo ‘que “eno, nlo hit salvagio" e que a Gnica saida estar no desmantclamento do Estado ” > porque opera uma espécie de “naturalizagio” dos processos hist6ri © que o Estado Burgués, com suas caracteristicas estruturais © funcionamento especifico, tem a ver com a avaliagao levada a efeito nas escolas burguesas? Ora, conforme jé destacamos antes, a escola burguesa constitui um dos aparethos privilegiados desse tipo de Estado, 08, Pelo viés “cientificista”, ela tenta convencer 05 alunos de que as coisas So do jeito que sio porque assim deveriam ser, ja que 0 positivismo que as perpassa trata 0 curriculo — elaborado pelos segmentos do- minantes — como verdade absoluta. Além disso, nos seus mecanismos intemnos, particularmente na avaliagio da aprendizagem, ela reproduz, homologamente, os processos de estruturagao da dominagao que ocorrem nas relagdes de produgio e nas relagdes sociais mais gerais. Sendo vejamos: 1°) Os procedimentos escolares transformam as relagdes profes- sor/aluno em verdadeiras relagdes contratuais. Os desempenhos dos discentes sio transformados individualmente em valores de troca. Nio € sintomético que as expresses dos resultados da avaliagao tenham ‘a mesma denominagdo que os simbolos do valor de troca nas relagées Brecon 2°) O sistema simbélico, 0 conjunto das verdades e valores a0 qual deveré ser comparado 0 desempenho dos ahinos, & apresentado como “naturalmente” valido e, portanto, indiscutivel, constituindo um. coletivo simbélico artificial que de: ca ai ‘qualquer coletivo simbético diferente, alternative ou antagénico. Con- tudo, relativamente ao proceso educacional, 0 maior estrago dessa Bian’ s 1 acdietd' no dal db conde «Aa cine ition Beet ae vhaas VE chal ha elisaae, earn Tak possibilidade de avango da ciéncia, do conhecimento, da educagao ¢ da liberdade. Nessa concepedo, a cidadania ndo se inscreve no horizonte das possibilidades e & banida do universo ut6pico. De um modo geral, na pesquisa, as respostas € os desempenhos no sio encarados como erros, mas como acontecimentos, dos quais, Burguts, atuando, revolucionaiamente, fora dele. Neste caso, nem teria sentido trabalhar numa escola esta. pois. se temos compromisso com a democratizacto efeiva, deverfamos nos colocar na resisténcia, fora de qualquer aparelho estal. Penso que esta discussio lambs escapa aos limites deste trabalho, mas no cusa lembrar que a tealidade € dialética ‘© que, portanio, nem sempre a coisas funcionam parti da intencionalidade dos agentes ‘dominadores. Além disso, o desmantclamento do Estado Burgués pode ser feito de dent para fora, uma vex que, conforme atestam os processos histricos, uma classe ascendente Pode Se tornar governante antes de ser dominante 98. se podem tirar ligBes. Se visualizados como erros, teriam como pressuposto a existéncia de um preconcebido padrdo correto, que impediria 0 avango cientifico, pois todo 0 conhecimento ji estaria previamente estabelecido em padres congéneres. Sem_padrio, no hi erro. O que pode existir (e existe) € uma ago insatisfatéria, no sentido de que ela nao atinge um determinado objetivo que se est buscando. Ao investirmos esforgos na busca de uum objetivo qualquer, podemos ser bem ou malsucedidos. Af niio hd ferro, mas sucesso ou insucesso nos resultados de nossa ago (Luckesi, op. cit: 54). Um alerta, como Luckesi, devemos registrar: ndo se pode fazer “apologia do erro © do insucesso como fontes necessarias do cresci mento” (id. ib.: $8). O que se pretende, numa avaliagio cidada, € 0 registro_e_a_andlise dos insueessos como foite de apreensio dos mecanismos de raciocinio que a eles presidiu, com vistas & reprogra- ‘magio curricular — aqui entendido em seu sentido amplo. Se o equivoco e 0 insucesso deixam de ser fonte de julgamento e punigao, € porque a visio de mundo de quem os aborda considera-os como “contingéncias necessétias” no processo de construgdo do saber. No se trata de buscar 0 erro para que se possa construir o conhecimento, mas encaré-lo como fonte de outros saberes — no caso da avaliagio — diditico-pedagégicos. Além disso, nem todo “insucesso” é na verdade insucesso, porque o é, na maioria das vezes, se nos colocamos na perspectiva do conhecimento que se pretende hegemdnico. O Pensamento conservador 1é 0 mundo no vigs do “certo/errado” — ‘evidentemente considerando-se como monopolizador da primeira parte da dicotomia — porque tal “maniqueistizag2o” Ihe permite desideologizar seus proprios interesses. E esta sectarizacio do conhecimento nio pode ter como contrapartida a valorizagao absoluta do outro pélo da dicotomia. A sectarizagio, porque mitica e irracional, transforma a realidade ‘numa falsa realidade, que, assim, nfio pode ser mudada Parta de quem parta, a sectarizagio & um obstéculo & emancipagio dos homens (Freire, 1981: 22). Jé destacamos anteriormente a tendéncia que apresentam certas, correntes de pensamento de dividir 0 mundo, a realidade ¢ qualquer reflexdo sobre eles em dois semi-universos antagnicos ¢ inconcilifveis, de modo que um negue 0 outro e seja a expressio da verdade, do bem e do belo, enquanto 0 outro é 0 reflexo da mentira, do mal ¢ do horrivel. De modo geral, essas correntes se inscrevem no universo do positivismo — tomado no_sentido que Ihe emprestamos neste trabalho. Ora, toda tendéncia @noseolégicd positivista apresenta, nem {que seja implicitamente, uma aspiragio hegeménica, uma vez que a preocupagio e a busca de verdades absolutas visam 2 negagio de afirmagoes alternativas, diferentes ou antag6nicas. J4 afirmamos também que, infelizmente, a orientagio predominant nas escolas de ensino fundamental brasileiras € positivista, na medida em que os professores colocam-se diante dos alunos como detentores de verdades indiscutiveis, ‘que tém de ser por eles absorvidas e devolvidas nas avaliagdes, sem Variagdes que insinuem nem sequer uma flexibilizagio do “depésito reflexivo docente”. O ensino brasileiro é marcado, profundamente, por esse viés maniquefsta, no qual a realidade-objeto do saber é apresentada sob a forma de “certo/errado”, “bem/mal”, “belo/feio” e, por via de conseqléncia, a avaliago se transforma num julgamento moralista, porque se baseia numa visio ideoldgica “desideologizada” da Histéra. Dada a ligacdo intima enire 6 maniqueismo, a(Weltanschawung culposa, © positivismo e a pretensio hegemdnica desideologizada, nio dé para estabelecer a ordem de determinagio de um sobre 0 outro. Evidente- ‘mente, se quisermos buscar a determinagio em Gitima instancia, iremos encontri-la nas relagdes de produgdo de cada sociedade e em cada ‘momento ou contexto histérico especifico dessa mesma sociedade, na qual os engenhos da superestrutura se constroem, por homologia, em cima dos mecanismos de dominagao econdmico-social. “44 Temos usado reteradamenteo concito de homologia, por oposig ao de “analog”. 0s processos anélogos se do por reflexo das estruturapGes referenciadas em relagio aos refetencais, enquanto os homdlogos se consrcem por reproduglo congénere e imbricata nos rfereac 100 nem sem os outros”, jé escrevia Paulo Frei 8 ETAPAS DA AVALIACAO DIALOGICA “Simplesmente, no posso pensar pelos outros nem para os outros, (1981: 119). Da mesma forma, no podemos avaliar pelos alunos, nem para os alunos, nem sem_os alunos. Aplica-se também a avaliagio da aprendizagem no Ensino Fundamental o que Paulo Freire refletia mais genericamente sobre a relagdo entre 0 pesquisador popular e 0 povo:, (..) se 0 seu pensar é magico ou ingénuo, seré pensando [avaliando} / (0 seu pensar, na ago, que ele mesmo se superaré. E a superagio no se faz.no ato de consumir idéias, mas no de produzi-las e de transformé-las nna ago € na comunicagio (Id. ib.) A_avaliagio da_aprendizagem é um tipo de investigagio e 6, também, um ee fe _conscientizagio ey primeira” do_educando, com suas potencialidades, seus limites, seus tragos ¢ ‘Seus_ritmos especificos. Ao mesmo tempo, ela propicia ao educador io_de seus procedimentos ¢ até mesmo o questionamento de ‘sua propria maneira de analisar a ciéncia e encarar 0 mundo, Ocorre, ‘heste caso, um processo de miiua educagao. Paulo Freire, tratando do levantamenta e da pesquisa da temética geradora nos processos de alfabetizacio libertadora, assim se exprimiu: Quanto mais investigo © pensar do povo com ele, tanto mais nos feducamos juntos. Quanto mais nos educamos, tanto mais continuamos investigando. 101 Jo € investigagio temitica, na concepgio problematizadora 4a educagio, se tornam momentos de um mesmo processo () AA tarefa do educador dialégico &, trabalhando em equipe inter- disciplinar este universo temético, ecolhido na investigagio, devolvé-lo, como problema, no como dissertagio, aos homens de quem resebeu —" Freire, op. cit: 120), Ou seja, realizada a avaliagio da aprendizagem, com o aluno, ‘8 resultados niio devem constituir uma monografia ou uma dissertagio do professor sobre os avangos e recuos do aluuno, nem muito menos uma prelegio corretiva dos “erros cometidos”, mas uma teflexio problematizadora coletiva, a ser devolvida ao aluno para que ele, com “0 professor, retome o processo de aprendizagem. Neste sentido, a sala de aula se transforma em um verdadeiro “circulo de investigagao” do conhecimento e dos processos de abordagem do conhecimento. Na perspectiva dessa concepeao, podemos vislumbrar os seguintes passos necessérios da avaliagio: 1°) identificagio do que vai ser avaliado; 2) constituigdo, negociago e estabelecimento de padrée: 3°) construgio dos instrumentos de medida € de avaliaga« 4°) procedimento da medida e da avaliagio; 5°) anilise dos resultados € tomada de decisio quanto aos passos seguintes no processo de aprendizagem. ‘Cada um desses passos merece um comentétio. (A) Identificagio do que vai ser avaliado Aqui j4 se inicia um grande problema. Na maioria das escolas brasileiras, os objetivos dos “planos de curso” sio estabelecidos antes do inicio do ano letivo, contam apenas com a participagio dos professores ¢ “especialistas” e visam atender antes as exigéncias burocriticas do que ao trabalho a ser desenvolvido em sala de aula. Salvo as honrosas excegdes que confirmam a regra geral, os “planos de curso” estabelecem, artificial e discricionariamente, os objetivos a serem aleangados pelos alunos, os procedimentos a serem adotados ¢ as formas, a periodicidade e os instrumentos de avaliagio. Alids, a periodicidade do registro dos resultados dos desempenhos dos discentes € determinada pelo sistema (bimestral), desconhecendo a natureza e 102 as dimensées das unidades em que sio divididos os campos do conhecimento organizados em “disciplinas”. Como 0 “plano” seri esquecido numa gaveta da burocracia, os professores os elaboram nas J famosas “semanas de planejamento”, no se preocupando muito com seu contetido, mas com sua forma — geralmente enquadrada em lum formulirio fornecido pelos érgios centrais. Como também o professor raramente voltard a usar 0 “plano” depois de entregi-lo a0 sistema, no se preocupa muito com uma definigio clara dos objetivos 4 serem alcangados. Na maioria dos casos, tais objetivos sio formulados de modo genérico, difuso, sem uma delimitagao de fronteiras, ja que no sio referenciadas nem nas fases de competéncia cognoscitiva do aluno. E quando se leva em consideragio as fases da psicologia evolutiva, o aluno & considerado em abstrato, descontextualizado, Dat iculdade, nos momentos das avaliagdes periddicas, de se estabelecer © mais exatamente possivel o que se quer avaliar, tanto em termos das competéncias discentes quanto em relagio aos “depésitos” de contetido. Na avaliagio cidada, a primeira preocupagio € com 0 verdadeiro Planejamento que, na escola bisica brasileira, tem de superar, dentre ‘outros, dois. problemas: ) a discriminagdo_dos pais ¢ alunos _na sua formulagio, em nome de uma “incompeténcia profissional ») a des-historizagio positivista dos componentes curriculares por -considerar_o “aluno em geral” © niio os sujeitos SL especificos de cada_contexto histérico-soci Nao 6 possivel estabelecer com relativa precistio 0 que se pretende avaliar, se_nfo_se determina, com a mesma preciso, 0 que se quer atingir_ com o planejamento. E claro que esta “precisio” é relativa, pois o plano nio € uma camisa-de-forca, mas um roteiro de metas, Objetivos e procedimentos, com um minimo de flexibilidade, para Permitir ajustes ao longo da aprendizagem, em fungio das alteracGes contextuais exigidas em todo ¢ qualquer processo de relacionamento humano. O plano de curso é um instrumento importante, que deveri estar_na mio dos professores e dos alunos, como uma espécie de mapa da mina do tesouro do saber, por meio do qual se vio rastreando as pistas e 0s caminhos que permitem a descoberta do conhecimento. Por isso, sua elaboragao niio_pode preceder © inicio das_atividades Jetivas, mas delas deve fazer parte, na interagio de especialistas, corpo ide_servidor escola, pais e alunos. No primeito ‘er um intenso proceso de planejamento, no qual todos os membros da comunidade escolar se engajem numa 103 fervilhante atividade de previsio das metas, objetivos, estratégias, Liticas, instrumentos e procedimentos didético-pedagdgicos, recursos humanos, materiais e financeiros existentes ou que devam ser buscados nas fontes proprias, além da definigao dos papéis especificos. Simul- taneamente, nas “aulas”, pode-se aproveitar o tempo para a verificacio da identidade sociocultural dos alunos, isto é, fazer a sondagem de sua “cultura primeira”, de suas potencialidades e dificuldades, de suas aspiragées, projegées © ideais, de sua expectativa ou resisténcia em relagio a escola, ¢ até mesmo dos pré-requisitos em termos de contetido, habilidades e posturas necessirios ao enfrentamento do grau objeto do planejamento do ano. Certamente a investigagio da “cultura primeira” da comunidade e dos alunos implicard mais tempo e demandaré outros instrumentos, ‘bem como procedimentos mais sisteméticos de pesquisa. Por isso, essa interagio investigativa com/da cultura da comunidade deverd preceder © periodo escolar. Paulo Freire refere-se a uma “unidade epocal” ao “universo temético” de uma época, que deve ser identificado, pois & dele que deverto ser destacados 0s “temas geradores” do planejamento € das atividades curriculares (Freire, 1981: 91 e seguintes)*. Entretanto, este universo temitico hist6rico & percebido de modo diferente pelas diversas classes sociais e segmentos de classe, de acordo com sua posigdo especifica nas relagées de produgio, Em outras palavras, cada grupo social, conforme sua consciéncia_real_e/ou_sua_conscigncia ‘possivel, captard os diversos temas significativos de sua época. E sua ‘Visio de mundo — ingénua ou alienada, consciente ou libertadora — que determinard a significagio maior ou menor dos diversos temas. Certamente, nos dias que correm, os fenmenos da reconversiio tec- nolégica do sistema produtivo e a globalizaco sio temas significativos para todos os homens. Contudo, se para a consciéncia burguesa a terceirizagio e o globalismo sZo temas relevantes, para os produtores diretos o tema do emprego se tora fundamental © levantamento dos temas geradores facilita a recuperagio. da totalidade da ciéncia, na medida em que enseja a interdisciplinaridade ea transdisciplinaridade, a0 mesmo tempo que revela as “situagdes- limites”, 0s trificos ideolégicos e os “inéditos visv as vit 45. Ainda que limitando tai reflexdes a0 processo de alfabetizagio de adultos, Paulo eina pista preciosas para a formulag3o do planejamento e “processualizagio” da edueasi0 cm geal +46. “Situagio-liite” ¢ “inédito vivel” so dois concetos fundamentais desenvolvidos por Paulo Freite na Pedagogia do oprimid (p. 110 e segs). O primeio diz respeto & 104 No caso do Ensino Fundamental, a pesquisa a s justia tanto quano na edicagio de edutos, com deulkeamenton linguisticos, semanticos e ideol6gicos. Para ajudar a ordenagdo seqilencial de sua complexidade — nao se pode esquecer, na educagao de eriangas, das fases da psicologia evolutiva — nio devemos desprezar a classi. ficagio que Benjamim Bloom e equipe propuseram para os mecanismos do raciocinio humano, em qualquer campo do saber (“disciplinas”), A taxionomia de Bloom, mesmo que abstraindo as especificidades sécio- hist6ricas de cada aluno em particular, ajuda-nos a perceber com mais clareza as ordenaydes seqlienciais dos objetivos do dominio cognitive € afetivo e, conseqilentemente, implicagées pré-requisitais de qualquer exigéncia em termos de conteido. A titulo de colaboragio, elaboramos lum quadro sinéptico do que este autor desenvolveu ao longo do primeiro volume de sua obra, versando sobre 0 “dominio cognitivo” (1972), que apresentamos a seguir". Os exemplos dados a respeito de ‘cada objetivo visam apenas construir referéncias para que o professor com sua experiéncia do dia-adia, construa os seus proprios, ou coteje com os que estio em seu plano de curso, para estabelecer uma seqiiéncia de complexidade crescente mais adequada e de acordo com © nivel em que se encontram seus alunos. real aruda © dominagio, enquanto 0 segundo insere-s¢ no universo da conscientizayi, ‘consciéncia maxima possivel ¢ libertagio, Inclusive, a releitura da Pedagogia do oprimido ‘mas mio esti fora de nossas cogitages em préxima publicasao. { amente porque nesta parte da obra (volume 2) nlo nos convenceu a possbilidade. Je uma Scipio cotatomo pano dr ob ue oo en’ ur esto wl Se Deena pe poco morse Se oe oR ete noses plagogos: a ons vm © pam com 2 mesa clade de i 105

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