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Dados de Catalogacio na Publicagio (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ducrot, Oswald. O dizer e 0 dito / Oswald Ducrot ; reviséo técnica da tradugio Eduardo Guimaraes, — Campinas, SP : Pontes, 1987, Daod (Linguagem /critica) Bibliografia. ISBN 85-7113-002.7 I Linguagem — Filosofia 2. Lingilistica 3. SemAntica 1. Titulo. IL. Série. CDD-401 410 87-1898 412 Indices para catélogo sistemitico: 1. Linguagem : Filosofia 401 2. Lingiiistica 410 3. Semintica ; Lingiiistica 412 II Enunciacao Capitulo VI GUAGEM, METALINGUAGEM LIN E PERFORMATIVOS * Este capitulo tem dois objetivos. ° primeiro éo0 de, cy um seitos fundamentais da "filosofia da linguagem”, aquele do od ae performativo explicito, ou, por abreviagiio, do performa- coe Preqiientemente admite-se & primeira vista que se trata de uma nogéo conceptualmente clara e que, por outro lado, é evidentemente susceptivel de ser aplicada a fatos empiricos; cuida-se, entio, sobretu- do de inventoriar os performativos, de explicar sua existéncia, ou de determinar as conseqiiéncias de sua existéncia para a filosofia da lin- guagem. Procurarei, ao contrdrio, mostrar o cardter problemético des- sa nogéo. Nao considero evidente que o conceito de performativo possa ser definido de maneira rigorosa, e menos ainda que ele cor- responda a fendmenos empiricos. Nesta critica, vou me servir de uma ‘ese jd apresentada de modo esporddico em Ducrot (1972, p. 73-74, 1975, P 84-86, 1980, p. 50-55) e elaborada de modo detalhado e amie Anscombre (1980, p. 115-123). Esta tese da “ilusio performatvadege 2 Principio me parecia ser uma explicacao da Préprio panei @presenta-se-me agora como um questionamento do Meu segundo ob; jetivo, mai A x freqiienite 1; lingiist ais geral, € o de denunciar a confusao, Maca (¢ frente ne pene sobretudo neste particular na prag- rea linguagem le, mea culpa, em meus préprios trabalhos), Sstudéla, Con usa que se estuda e a metalinguagem utilizada para > #0 que se deve a necessidade, nesses dominios de Exe cay Cay to 0 4 We retoma, ee? Cahiers algumas adicdes e correcées, um artigo publicado » B. 5.34), artige le linguistique francaise (Universidade de Genebra, COlbqui este que desenvolve uma comunicagdo feita no pri- Pragmatica de Genebra (marco 1981). 109 ys, de utilizar, para descrever uma |; mas estruturas sintaticas Pertence, gagdo. Assim 0 fildsofo da jj tes ., para falar da atividade lingiifstica, os ee vo na conversagao didria, Ele se serve, % N rbos prometer, ordentar permilir, etc., introdyz; et exemplo, dos veroo* "ses gramaticais que OS SUJCItOS falante os nas mesmas construe rdena, permite, etc.). Ora, o lingiie 8 pregam (alguém cares o valor que atribui, enquanto Tint pode a cada momento ca a estas expressdes da vida corrente a, em sua linguagem ovensivel “que deixe de fazé-lo: estando ele . Por outro lado, € oe opria lingua, e dirigindo-se a pessoas que, "SB 8 contagjamena com grande desembaraco, tem como evidente que gp ariel o que diz quando se serve, enquanto lingiiista, das mesmas Pala. vras que nao Ihe criam embarago enquanto sujeito falante, & esquecer que estas palavras, empregadas em um discurso te6tico, recebem, em conseqiiéncia disso, um estatuto de conceitos tedticos que nao tinham no uso cotidiano. De tal maneira que o lingiiista, nio somente utiliza a lingua de todo mundo, mas deve, ao utilizé-la, dar. the por fungao designar conjuntos, relagdes Idgicas, atribuigdes de propriedades aos objetos, papel que nado é necessariamente o seu na origem. E a situagdo torna-se ainda mais preocupante quando se trans- fere para este emprego cientifico da linguagem ordindria (emprego quase sempre artificial) o sentimento de uma evidéncia que se expe- falante froneae ae ra entice. Sob pretexto de que o sujeito o lingiista, empregando a mes erbo prometer, Procede-se como se ranean ma palavra em uma atividade de d crigao cientifica, onde cad i atividade lc des ‘a palavra deve designar um conceito bem a pouco as palave é 0 objet a empree formalizad se as mes! o de inves! mn lingua que & obrigado i. P utilizados a seul respell Mas isto delimitado, soubess , , sse também empregé- i ‘ eve de . uma fungao totalmente diferente. 8 ainda que thes atribua Por mais co . a ndendvel que sei. - Bulsta pode, por outro que seja, a confusio em que incorre o lin- pean Saas lerga medida, justificar-se (€ nao constantemente nests : que a linguagem ordinéria Que alguém incorre ne Mesma confusaéo (entendamos por tal eat disso estg Enea eben erie ca nese walang tenho Pde se come @ No¢ao de nT De tal maneira ete ee eet que, numa civilizagdo em qué Propens lade assume : OS a ver a Tinguagem poe central, os sujeitos falantes 55° 110 10 um meio Para a formulagao e troca somente por sua incorre constante; ¢ necimentos. E isto que leva, Por exemplo, em, a interpretar, por yer con fe €S, @ estruty pre uma aparéncia de justificagao a esta teo ia apie — dando sa a hist6ria da gramitica, que § ‘ selismo logico: : 7 tar-se 0 significado das pal i conceito cientifico? (tenta; vedimentO utilizado nesta conce, pO 6, por outro lado, bem mais Beral ¢ te i tratase, @ meu ver, da delocutividade, an por Benveniste mas do qual ele na reimitindo-Se, pois, minha anilise, j ay metalinguagem, supondo pai ceitual, isto nao é afinal de contas sendo retomar Por rocedimento cuja possibilidade esta inscrita na linguag em que esta conhece a delocutividade) © cuja realizac: a uma exigencia “ogi das civilizagdes servi parte das linguas atuais, vras da lingua 0 de tipo con- sua conta um em (na medida ‘40 corresponde idas pela maior ra elas uma Significaca Uma ultima observagao, antes de entrar nos detalhes. Se coloco, lado a lado no mesmo estudo, consideragées sobre os performativos ¢ sobre as relagdes entre linguagem e metalinguagem € — talyez ja se tenha tido a fineza de duvidar disto — Porque considero os dois temas ligados, Tentarei mostrar que a aceitaco incondicional da no- sdo de performativo se deve a uma confusdo cometida pelos lingiiis- tas entre as palavras que eles estudam e as Palavras das quais eles s servem, confusio prefigurada alids na propria lingua, na medida em que ela € o lugar de uma derivagdo delocutiva, conceptualizando as palavras que estiio a disposicao do sujeito falante. LINGUAGEM E METALINGUAGEM Suponhamos que um locutor — que, por discrigao, chamarei L — diga a Tespeito de uma pessoa P: “P é inteligente”. Um lingiiista, 4: Sibese que Benveniste foi levado a falar de uma tendéncia “Togicizante Se seria também inerente as linguas modernas, e que € contréria a a &Pectos de sua estrutura semintica profunda. £ esta tendéncia, en, Sle que leva a ver no comparativo uma comparacao de eer aas to abstrasio de seu valor intersubjetivo fundamental, Cf. Benveniste, 1948, P 126, © Ducrot-Vogt, 1979, p. 324. Mt / ON Z, observando este interessante acontecimento, decide anoté.tg « suas fichas. Para tanto, deve escolher pelo menos uma dentre ag dy, descrigdes seguintes, que pertencem, na utilizagao que aqui se fay metalinguagem da lingiifstica, ainda que ambas sejam construidas com termos da linguagem ordindria: (1) L disse: “P € inteligente”. (2) L disse que P € inteligente. A primeira transcrigaéo nao coloca muitos _Problemas Considerg. veis, pelo menos se se precisa que 0 verbo dizer ai significa: pro nunciar palavras. Basta admitir, quando muito, a concepgio do dis. curso relatado (Cap. VIII § 11) segundo a qual uma expressio entre aspas designa as palavras das quais se comp6e: pode-se estimar entio que (1) descreve fielmente 0 acontecimento do qual Z foi testemunha (0 contrario € que seria surpreendente, pois que eu mesmo apresentej este acontecimento, hé poucas linhas, por meio de palavras utilizadas por Z na transcrigao (1), tomando como evidente que uma fala pode ser fielmente representada por uma seqiiéncia de palavras). E no caso de (2) que as dificuldades se tornam flagrantes. Elas se devem ao fato de que o verbo dizer nao € af seguido de uma cita- g40, mas de uma completiva. Dizer deve entdo, nesse caso, significar alguma coisa como “afirmar”, “asseverar” — tendo por objeto o ato designado por estes verbos, nao um enunciado, mas uma entidade intelectual abstrata, que os Idgicos denominam “proposiga0” ou “con- tetido”. Segundo o lingiiista Z, 0 locutor L esté assim comprometido com a verdade de uma proposigéo: L sustentou que P possui uma certa propriedade, ou ainda, ele sustentou que P pertence a um certo conjunto, 0 conjunto das pessoas inteligentes. O problema se deve, nesse caso, ao fato de Z utilizar, para designar esta propriedade ou este conjunto, 0 adjetivo inteligente, que no é mais, em (2), colocado entre aspas como ocorre em (1). Nao se trata mais, entdo, de uma ex- presséo da metalinguagem designando uma expresso da linguagem, mas de uma expressdo da linguagem incorporada a metalinguagem. De tal maneira que o lingiiista Z deve utilizar a palavra inteligente Por sua prépria conta. Ele deve reivindicé-la como um conceito cien tifico, provida de um valor tedrico claro, e designando efetivamente seja uma propriedade, seja um conjunto. Constrangimento algo repug: nante, € que deveria destruir em todo homem de bem a vocagao lin- Buistica. Que se tenha, enquanto falante habitual da lingua portugues 112

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