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COMO O DISPOSITIVO PREPARA PARA O GENERO JORNALISTICO? Lia Seixas Esmiugando os conceitos de suporte, dispositivo e midia Na célebre proposicao de Mouillaud (1997, p. 30), “o dispositive prepara para o sentido”, o dispositivo, mais do que suporte e mais do que formato, é matriz onde esté inscrito, culturalmente, o sentido. A pagina em que escrevo pertence, por usa vez, a um dispositivo que a envolve, aquele do livro, por exemplo. Chama-se de “volume” o texto munido de um paratexto (...). O paratexto faz as vezes de interface com o meio (...). (...) Ele prepara a leitura abrindo o que Jauss chamou de um “horizonte de expectativas” e fechando outros. (...) (MOUILLAUD, 1997, p. 32) Mas, se o dispositivo prepara para o sentido, podemos dizer que o dispositivo prepara para o género discursivo? Ou o género discursivo também seria um dispositivo que prepara para 0 sentido? A segunda opcao nos parece ser a afirmacao de Mouillaud, pois, Para o autor, haveria “dispositivos encaixados em outros dispositivos ” (MOUILLAUD, 1997, p. 32). Se assim o é, a nogao de dispositivo precisa ser esmiugada, diferenciada de midia, distinguida de formato e, ainda, de género discursivo. A esséncia da nogao, matriz onde se inscrevem os textos, que os precede e é precedido por eles, vale tanto Para género, como para produtos, como para a midia, marcando-se aqui sua dimensao de ambiéncia, com habitos culturais. Sabe-se que a maioria dos chamados géneros jomalisticos' (unidades discursivas jornalisticas) pode estar em mais de um produto de uma mesma midia noticiosa - impressa, radiof6nica, televisiva ou ~~ “Mortoses, J OMA 82 de uma dessas midias, Mm maou coment&rio,ecitriy son vistas semanais Ou em Webjornais 4 pret eMe, que alguns 86 existem em uma tae Fat, jutos digitais ou UM artigo em prog, to, quase Nao aparecem num do ial redaidos em outro. O edo a ste ao impresso, enquanto € re Taridade no jomaie - que faz um géner0 jornalistico ser tao frequen vel em outro & impossivel para alguns deste), e faz o interlocutor reconhecer uma entrevisia 0 ‘ouvir pelo radio ou assistir na televisao? Por _ nudanca de formato adaptado a midia, sabe.se ef ,do com a mesma unidade discursiva jomalistgs tipo de influéncia tem a midia (um dispostivo) p, énero discursivo (outro dispositivo) da atv do pelas palavras de Mouillaud: que ie ivos seriam determinantes, condicionantes oy io de outros, se estao “ encaixados ”? levisiva. Diriamos, “ é dbvio!”. 4 de existéncia do texto escrito numa ‘um infografico nao-animado podeser revista semanal como em um site tém a mesma nomenclatura, ou jatriz se mantém. Ja 0 chat, culo crito, embora se configure peo nao pode existir nesta midia. 0 um dispositivo dotado &e >. Essas duas linhas, dues ras de Débray (199!) Como 0 dispositivo prepara para o género jornalistico? 21 para a unidade discursiva, como explicar o reconhecimento intersubjetivo de mesma unidade discursiva em diferentes midias? O suporte encarna um dispositivo, mas nao é igual a dispositivo. Da mesifia maneira nem todos os dispositivos tém sistema de transmissao. (tecnolégico), apenas aqueles que podem ser considerados uma midia, ou melhor, como explicaremos, um midium (DEBRAY, 1991). Embora, para a semistica, o formato seja uma nogao que abrange um todo “ambiente ecoldgico” - midia, codigos e interagGes possiveis (MACHADO, 2001, p.16) -, um termo tao inclusivo nao é capaz de diferenciar duas unidades discursivas institucionalizadas, como o texto de um artigo e 0 texto de uma coluna ou 0 video do télézapping do Lemonde.fr e 0 video parte da noticia. Entao, uma premissa para a tese deste artigo é : as nogées de suporte, formato, dispositivo e midia sao diversas e precisam ser Feenquadradas enquanto conceitos. Outra premissa importante é: a instifucionalizacao, cultural e histérica, marca a diferenga entre formato e unidade discursiva jornalistica. Ja a tese a ser defendida trata-se de: os midiuns tém linhas de acao (regimes) que sao determinantes para a insti izacao de « dadas unidades discursivas _ numa dada comunidade discursiva e outras que : sao apenas influentes._ Esses regimes, no entanto, operam dialeticamente com outros regimes de ordem discursiva como a légica enunciativa (relagao entre realidade, compromisso realizado e t6picos), a identidade dos sujeitos e a forga argumentativa. A fim de explicitar as premissas e defender a tese deste artigo, fizemos uma. analise ae entre trabalhos de McLuhan, Cea) 5 areas, a NOGAO de disposi ersa. O termo tem uma aco,» ando pela educacao, informatie”? nalise, Nigispositivo de sexualidade”, « diane até aieenico’, “dispositivo de comunicagayn® », No campo das engenharias, da letting 0 esta associado a uma ideia qe tecnico’ € compreendido, em informatica , responsavel por ’rodar’ o objeto, Na se apoiaria sobre a organizacao de meio, imbélicos, cognitivos & telacionais (relaggae nocao, entao, vem associada a ideia de agem. Nas ciéncias sociais, segundo as principais , Certeau, Foucault e Bourdieu, 0 dispositiv e tecnologias. Na origem, dispositivo ests eito de panopticon (metafora aplicada ao nas prises), portanto, a ideia de mecanismo seria, entao, de natureza estratégic "a tiv ¢ vo g itivo nto reafirmar sobre esse nome 6, (...) um lutamente heterogéneo que comporta tuicdes, organizacoes arquiteturais, medidas cis6es regulamentares, enunciados filosoficas, morais, filantropicas; &@ © assim como do nao-dito, estao * vo. O dispositivo, ele ree en lomin atureza essencialment® uma cert Como 0 dispositivo prepara para o género jornalistico? Em se tratando de discurso, os dispositivos se confid nas praticas que sistematicamente dao forma aos objetos. Nao ¢ as agoes individualizadas dos sujeitos envolvidos, mas sim a relacionadas ¢ os resultados do conjunto, Em Foucault, a HOES dispositivo esta associada a ideia de estratégia, ideia estal queta fundamenta os estudos culturais (BARBERO, 1995). gé um dispositivo, porque uma estratégia de interacéo, Dessa nogao das ciéncias sociais, surgem diferentes abo no campo da comunicagao, dentre as quais uma abordagem em que a nogao aparece colada a ideia de suporte, objeto técni modo de transporte. O suporte, (2003), é um lécus fisico que se: no entanto, como explica Marcu: rve de base para o género: Intuitivamente, entendemos aqui como supo) género um locus fisico ou virtual com formato que serve de base ou ambiente de fixagdo d materializado como texto, Numa definicéo’ se dizer que suporte de um género é uma sup em formato especifico que suporta, fixa e A idéia aqui expressa comporta trés aspectos: a) suporte é um lugar fisico ou virtual b) suporte tem formato especifico c) suporte serve para fixar e mostrar 0 seria, por exemplo, um livro, uma Mouillaud, seriam dispositivos. O textos), e o contexto tras ao ‘ enun |do sentido, 0 local desempeny. tal maneira que um certo tipo de er in situ (...). (MOUILLAyp, 199 lestacar Oconsenso quanto a no, 255, lessas dimensoes. Em desacordg ea e parte do dispositivo? Dispositiy, a ely; -ha audeau), a dimensao das itivo como componente I fia (conjunto cnologia (conj Como o dispositive prepara para o género jormalistico? 25 captar ondas sonoras) e sofisticada (poténcia de microfones em miniatura) que tem e as condigdes de recepgao (podem ser muitas). Algumas dimensées definidas por McLuhan, Debray e Deleuze aparecem no trabalho de Charaudeau, mas nao sao investigadas, nem a relacao entre elas. O material seria a dimensao do sistema semioldgico e o sistema de transmissao aparece associado ao suporte. Aqui, por exemplo, nao est contemplada a relagao espaco-temporal, como pressupée a ideia de matriz de sentido (Mouillaud). Onipresenca tem a ver com a légica de transmissao do sistema, assim como as condig6es de recepeao se constituem em uma consequéncia dessa logica e do suporte associado (um radio de carro, um walkman, um tadinho de pilha). A logica de transmissao do sistema nao é explorada por Charaudeau, embora defina suporte como canal de transmissao. Esta claro que o suporte nao pode ser sempre um canal de transmissao porque muitos destes implicam uma dada tecnologia. A tecnologia, assim, deveria ser seu componente. Na Anilise do Discurso, embora o termo dispositivo nao seja contemplado no Dicionario de Andlise do Discurso®, tem sido empregado como uma condicao de realizacao do discurso, ainda que suporte, parte do dispositivo, também seja colocado como uma condigao de éxito, como em Maingueneau. Entretanto, o préprio Maingueneau (2002) utiliza a expressao “dispositivo comunicacional”, entendida como ‘modo de transporte e de recepcao do enunciado’’, uma das dimensées destacadas por Debray. Na verdade, Maingueneau divide essa condigdo em suporte (manifestacao material) e modo de difusao. Quando tratamos do médium de um género de discurso, nao basta levar em conta seu suporte material no sentido estrito (oral, escrito, manuscrito, televisivo, etc.) E necessario também considerar 0 conjunto do circuito que organiza a fala. A comunicagao nao é, com efeito, um proceso linear: inicialmente, uma necessidade de se exprimir por parte do enunciador; a seguir, a concepgao de um sentido; depois, a escolha de um suporte e de um género; posteriormente, a redagdo; a seguir, a busca do método de difusao; finalmente, o hipotético encontro com um destinatario. Na tealidade, é necessétio partir de um dispositive comunicacional que integre logo de saida 0 médium, O modo de transporte e de recepgao do enunciado condiciona a propria constituigao Metamorfoses Jornalisticas 2 26 modela enero de discurso. (..) x10. a 6 NGUENERY 2000; P i “modificacso ed ho vont Spero de USCS: oa nee coun a a 0 due seria tre" meet a inte” pouco importante ou esimportante, mm smosificaco imPh _ una nO 40 de midiologia de Debray, eo pressupostas aparé 5 propor um sistema dispositivo-suporte- Gee rotoma McLuhan, Por esta em vecussao quando se fala de i midi enquanto ambiente e sistema. Do dispositive ao midium ‘As primeiras teorias dos mass media restringiam a oe dos meios de comunicacao 4 transmissao de informagao. O famoso esquema de Lasswell (1948), consolidado como perspectiva teorica (norte-americana), desenhava a comunicagao com quatro questées: quem, diz 0 qué, dtravés de que canal, como que efeito. Surgiram estudos operacionais e preocupados com o processo comunicativo, estudos preocupados com as fungoes da comunicagaéo a partir de um modelo de organismo inspirado na biologia e, depois, aqueles preocupados com os efeitos. Os meios, em todas essas correntes, figuravam como mediadores’. A Segunda Guerra Mundial, findada em 1945, deixou um gosto amargo sobre as tecnologias pa Quem seria Hitler sem 0 radio ea imprensa? AEscola vento ee as mudancas sociais ¢ de percepgao com la industrial. A reprodutibilidade técnica mostrou as mudangas sofridas pelo conceito de obra de arte. Ficou patente que as técnicas de re] A producgac 5 ; num evento de massa®, cdo transformavam o objeto produzido S6 na dé doseu ioe deconiuede entretanto, os meios passam a ser vistos 0s meios como extensa ze da mensagem. Muito mais do que afirmat povleres da ecnolone eo home, Marshall MeLuhan esmitiga o* Mae outro, no quehi deen sociedades e as relagdes de um a ma meio de ee PaaS miituas. Participacdo de int le conhecimentos. | ecnologia enquanto intetlocutores nos diferentes ves 28 formas de ntes meios (imprensa, radio, > =

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