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Dados de Catalogacio na Publicagso (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ducrot, Oswald. O dizer e o dito / Oswald Ducrot ; revisio técnica da Haducio Eduardo Guimarées. — Campinas, SP : Pontes, 1987, Daod (Linguagem critica) Bibliografia, ISBN 85-7113-002-7 1’ Linguagem — Filosofia 2. Lingiiistica 3. Seméntica 1. Titulo. I. Série. CDD-401 410 87-1898 412 Indices para catdlogo sistemético: 1 Linguagem : Filosofia 401 2 Lingiiistica 410 s tica : Lingiiistica 412 PREFACIO Neste livro foram reunidos textos escritos desde 1968. Os cinco capitulos da primeira segéo e os dois primeiros da segunda retomam, com modificagdes mais ou menos significativas, mas essencialmente formais, artigos publicados em diversas revistas, e das quais algumas nao sao mais acessiveis. O tiltimo capitulo, ao contrério, embora tenha como ponto de partida trabalhos anteriores, pode ser consi- derado como um texto “novo”. Procuro apresentar nele uma teoria geral da enunciagdo, que constitui o quadro no qual trabalho atual- mente. Gostaria de poder dizer que estes diferentes textos tem uma unidade ao mesmo tempo tematica e teérica. Quanto ao primeiro 4-lo sem muita dificuldade. Por um lado, so sempre as mesmas nogOes que reaparecem nos oito capitulos da coletanea: 0 conceito de pressuposigéo, por exemplo, objeto do pri- meiro texto, € ainda retrabalhado nas dltimas paginas do tltimo. Por outro lado, estas diversas nog6es tém entre si um ponto comum, que motiva o titulo geral do livro: trata-se sempre do que, no sen- tido de um enunciado (no “dito”), diz respeito & aparigao deste enunciado (seu “dizer”). ponto, cteio poder assegur: pretender que os oito textos possuam ma diivida — e€ eu o sub- pitulos — que os traba- Tenho mais escrépulos em uma unidade te6rica, j4 que nfo hé nenhut linho explicitamente na maior parte dos ca| Thos aqui reunidos se contradizem largamente uns 408 outros: sua leitura é, pois, pouco recomendavel para as pessoas para quem a re- tratagao intelectual comporta um risco severo de depressao. Para resumir em algumas palavras a origem destas diria que elas se devem @ uma progressiva reviravolta tude diante da filosofia da linguagem anglo-americana, de Strawson, Austin e Searle, cuja leitura foi a base d nhas pesquisas, e de quem eu unicamente contava a em lingiiistica, fui levado a abandonar a maioria de Contradi, pa minha a, Tendo partidg © todas as mj. licar as idgigg SUas teses, Esta infidelidade — que € ao mesmo tempo uma infidelidade a mim mesmo — € particularmente visivel quando se co; duas segdes do livro. Na primeira, 0 ponto de contato do dizer «2 dito esta fundamentado antes de tudo na idéia de ato de linguagers se o sentido de um enunciado alude & sua enunciagao, é na Medida em que o enunciado é ou pretende ser a realizacdo de um tipo par. ticular de ato de linguagem, 0 ato ilocutdério. Todo meu esforco, nos textos da segunda segao, visa, ao contrdrio, ultrapassar a nogio de ato ilocutério. Tendo mostrado, no capitulo sobre os Performativos, que sua utilizagéo implica uma confianga cega na linguagem (consi. derada como sendo a melhor metalinguagem para descrever a si mes. ma), procuro — este € o objeto dos dois tiltimos capitulos — des. cobrir no sentido dos enunciados um comentédrio da enunciagio muito mais fundamental que aquele que se expressa na realizagao dos atos ilocutérios: estes aparecem como um fendmeno segundo, derivado a partir de uma realidade mais profunda, a saber, a descrigao do dizer como uma representagao teatral, como uma polifonia. mparam ag Certamente nao vou terminar meu prefacio com esta declaragio de incoeréncia: cedendo a um movimento psicoldgico dificil de evi- tar, vou sublinhar que a reviravolta que ostentei é o signo exterior de uma fidelidade oculta. Fidelidade, primeiro, ao que me parece ser a intuigéo profunda dos fildsofos em quem me inspirei: para sus- tentar isto, € suficiente sustentar que sua insisténcia sobre os atos de linguagem nao diz respeito fundamentalmente a um interesse pela atividade realizada através da lingua *, mas por esta possibilidade que tem a fala de falar de seu proprio acontecimento, possibilidade que se faz aparecer indiretamente quando se interpreta um enunciado co mo a realizacéo de um ato ilocutério. . ingénus, 1. De fato, eles descrevem esta atividade de uma maneira um tanto ingen deixando-se “cair na armadilha” da linguagem e suas “Vérités de la Palice’s como diria M, Pécheux. Mas espero também, mergulhando a teoria dos atos de lingua. gem em uma concepgao polifénica da enunciagdo, ser fiel a uma inquietagao pessoal, que talvez explique, por outro lado, as distor- goes as quais submeti a filosofia da linguagem quando supunha so- mente aplicé-la. Esta inquietagio, que, segundo penso, esté na base do estruturalismo em seméntica lingiifstica, 6 0 de dar a alteridade — para retomar uma expressao da qual Carlos Vogt e eu nos temos servido freqiientemente — um “valor constitutivo”. Ao mesmo tem- po, a teoria dos atos de linguagem, tal como a compreendi, e a teoria da polifonia fundam o sentido sobre a alteridade. No que concerne 4 teoria dos atos de linguagem, ela funda o sentido de um enunciado nas relagdes que este estabelece entre sua enunciagao e um certo ndmero de desdobramentos “jurfdicos” que esta enunciagéo, segundo ele, deve ter. No que concerne & teoria da polifonia, ela acrescenta a esta alteridade, por assim dizer “externa”, uma alteridade “inter- na” — colocando que o sentido de um enunciado descreve a enun- ciagdo como uma espécie de didlogo cristalizado, em que varias vozes se entrechocam. A possibilidade permanece, alias, aberta para que cada uma destas vozes seja ela propria, por sua vez, a representagao, a colocagéo em cena de um didlogo, possibilidade & qual alude, sem ser capaz de explorar, a tiltima segdo do Gltimo capitulo. Duas observagées relativas & organizagao da coletanea. 1. A ordem na qual os textos séo apresentados € um compro- misso entre o cuidado histérico e um cuidado temético. Aproximei Os textos que tratavam do mesmo tema, ou temas aparentados — ordenando-os a partir de uma antigiiidade decrescente. 2. Serao encontradas nos pés de paginas duas espécies de nota. As primeiras, indicadas por ntimeros, séo as que faziam parte dos textos originais. As outras, indicadas por asteriscos, sio comentérios feitos a propésito destes textos, no momento em que organizei a coletanea *. Elas assinalam, principalmente, as diferengas terminolé- gicas e as contradigdes teéricas entre os trabalhos apresentados neste livro **. * As notas de tradug&o sero também indicadas com asterisco, colocando-se ao final da nota a indicagio N. do T. (N. do T.). ** Os exemplos utilizados para as andlises serio, em getal, traduzidos para o Portugués. $6 no o sero os trechos de textos, tais como os retirados de romances € pecas de teatro, bem como certos exemplos relativos a anélises que no seriam facilmente transpostas para o portugués, a ndo ser com o isco de afetar o conjunto da andlise. (N. do T.) I Pressuposicéo e atos de linguagem Capitulo I PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS * A HIPOTESE DE UMA SEMANTICA LINGUISTICA Quando um lingiiista declara que um determinado enunciado ** da lingua que ele estuda possui tal significagao (descrita com 0 auxi- lio de um enunciado sinénimo desta mesma lingua ou de uma outra), ele freqiientemente tem a impressdo de registrar um dado, de cons- tatar um fato.| Na realidade, os tinicos dados que a experiéncia Ihe fornece concernem, ndo ao préprio enunciado, mas as miltiplas ocor- réncias possiveis deste enunciado, nas diversas situag6es em que € utilizado: & medida em que compreendo uma Ifngua, sou capaz de atribuir significados produzidos hic et nunc. Mas, decidir qual é a significagao do enunciado, fora de suas ocorréncias possiveis, implica ultrapassar 0 terreno da experiéncia e da constatagao, e estabelecer uma hipdtese’— talvez justificdvel, mas que, de qualquer forma preci- sa ser justificada '. Acreditar que seja possivel evitar essa dificuldade, * Este texto, publicado no n.° 4 de Langue Frangaise de 1969, é o primeiro onde utilizo sistematicamente a nocdo de “lei de discurso”. Objetar-Ihe-ia presentemente (cf. Cap. II) que © qualificativo “pressuposto” refere-se & natureza de um elemento semantico veiculado pelo enunciado, enquanto o qualificativo “subentendido” caracteriza a forma pela qual um elemento se~ mintico é introduzido no sentido. Por outro lado parece-me que, através das leis de discurso, introduzi a 4guia*no ninho da lingiifstica e gostaria que 0 uso dessa nogdo seja mais controlado do que o é atualmente (cf., Cap. Ve Anscombre & Ducrot, 1983, Cap. III). N. do T. A metéfora “Aguia no ninho” foi uma adaptagéo da meta- fora original “Le loup dans la bergerie”, pois “bergerie", que significa lugar onde siéo guardados os carneiros, nfo tem equivalente em Portugués. ** Os termos “sentido”, “significagio”, “enunciado“ nao possuem, neste texto, 0s valores exatos fixados nos § 4-7 do Cap. VIII. 1. Para ser rigoroso, seria necessdrio precisar que mesm definido, a descrigdo de uma significagdo tem maiores implicagées do que 13 1o em um contexto apoiando-se em uma espécie de ex, em tentar representar o efeito cas: produzido fora do contexto, € e fora de contexto nio passa d contexto artificialmente simpli sério que a significagao conste preender as significacdes regis Periéncia imagingrig wal do enunciado, C80 egg Mitte NRanar-se a gj mesmo: uma “ fore © uma ocorréncig Produzidg emia ficado, & nao é absolutame [7 um ilada nessas Condigdes Pousibit, tradas em contextog a Naturais, Mas, se a decisio de atribuir uma descricao semanti enunciado isolado bascia-se em uma hipotese que No maa apoio em nenhuma evidéncia, ainda assim ela deve ser fo “Ncontrarig fato de nao poder justificé-la nao significa que seja injustifics lao samos, ao contrério, que hipéteses desse tipo Constituem ‘edvel Pen. Necessdria para a existéncia de uma descriggo Ssemantica hed mente lingiiistica das linguas naturais. Antes de Procurar S*Pecificg. © que poderia ser uma tal descrigao semantica lingiitst abelecer MOS O que deve ser esperado da descrigéo Seméantica de uma lice Entendemos que esta consiste em um a conjunto de Permitem prever, frente a um enunciado A de L, cunstancias X, 0 sentido que esta ocorréncia de A tom texto, ‘| | x Descrigao SemAntica de L ou Neste cop. Sentido de A em x ESQUEMA 1 Presentemente, a tealizagéo deste Programa para toda e qual considers © yemecer ficgao cientifica, isto néo deve impedir nsideré-la como um objetivo legitimo e mesmo necessério, em dire —— 2 eon Sonetatacdo, Pois a propria escolha da formula que sunlit 8 signifieses, PO * a contiderados nae nices@° 8 exige que se faga abstragho de cer hips ni0-pertinentes, © a validade deste abstrugio constitui Um "ee © exige uma justificagko. 14 qual devem convergir todas as aniilises de detalhe possiveis jo a0 A lizadas atualmente. de serem real Quanto a dizer que existe, para a lingua L, uma descrigao se- smintica lingilistica possivel, 6 formular uma hip6tese bem precisa so- pre a organizagao a ser dada a descrigao semdantica de L. Manter o esquema precedente significa que a descrigéo semantica se constituiré de um conjunto extremamente heterogéneo, heteréclito mesmo, Com efeito, af deverao ser abrigados, além dos conhecimentos habitual- mente chamados de lingiifsticos, um certo nimero de leis de ordem psicolégica, ldgica ou socioldgica, um inventdrio das figuras de estilo empregadas pela coletividade que fala a lingua L, com suas condi- goes de aplicagao, em suma, informagées referentes as diferentes uti- lizagdes da linguagem nessa mesma comunidade. Caso contrério, como dar conta do fato de que, em certas circunstincias, o eriunciado Que tempo bom! possa ser dotado de um valor aproximadamente equiva- lente a Que tempo feio!, e, em outras circunstincias, ser compreen- dido como Nao temos muita coisa a dizer um ao outro, etc. Diante de fatos deste género e percebendo que uma frase qualquer pode ser levada a veicular nao importa qual significagao, lingiiistas como F. Brunot renunciaram a esperanga de uma descri¢ao semantica das Iin- guas naturais, pois seria preciso prever, para cada enunciado, a infi- nidade de significagdes decorrentes da infinidade de contextos possi- veis e, ao mesmo tempo, seria preciso acumular no retangulo, através do qual representamos a descrigéo semantica, informagdes empresta- das a quase todas as ciéncias. Se desejarmos, entretanto, evitar este pessimismo e tentar colocar um pouco de ordem na descrigao seman- tica, uma hipétese que parece vantajosa é a que estd, implicita ou explicitamente, em toda a seméntica lingiifstica. Trata-se de considerar que o retangulo acima desenhado deve ser dividido em dois compartimentos principais. Um primeiro componen- te, isto é, um conjunto de conhecimentos (descrig&o seméantica lin- Bilistica de L ou, abreviadamente, componente lingilistico) atribuiria a cada enunciado, independentemente de qualquer contexto, uma cer- ta significagdo. Exemplificando: a A, corresponde a significagao A’. Caberia ao segundo componente (o componente retdrico), consideran- do a significagao A’ ligada a A e as circunstancias X nas quais A é Produzido, prever a significagao efetiva de A na situagao X. 15 Componente 1: descrigao semantica lingiiistica Componente 2: Componente retdérico Sentido de A no contexto X ESQUEMA 2 A hipétese incorporada a este esquema pressupde que as circuns- tancias da enunciagao sao mobilizadas para explicar o sentido real de uma ocorréncia particular de um enunciado, somente depois que uma significagéo tenha sido atribuida ao préprio enunciado, independen- temente de qualquer recurso ao contexto. Para justificar esta hipétese de forma definitiva, seria necessétio, em primeiro lugar, construir efetivamente os dois componentes (para uma lingua, pelo menos), mas nao nos encontramos nesse estégio. Entretanto, se pudermos mostrar que uma descrigéo semantica hank nizada com base no segundo esquema pode ser mais satisfatéria 9 que © seria, caso mantivéssemos o primeiro, seria possivel, ee Conferirthe uma certa verossimilhanga. Acreditamos que uma tel 4 Crigéo se aproximaria, com melhores condiges, do resultado 0 desejado (a explicagao dos efeitos de sentido constatados de ane mesmo tempo que o abordaria de forma mais natural. Para sbuir a0 este segundo ponto, seria necessdério mostrar que € possivel atri 16 componente lingiiistico uma postura relativamente sistemética, af in- tegrando um pequeno ntimero de regras gerais suscetiveis de interfe- rir e de combinar seus efeitos de acordo com relagdes previsiveis. Por outro lado, cabe apontar que as leis utilizadas no componente reté- rico sero justificdveis, independentemente de seu emprego na des crigéo semantica, e poderiam ser autenticadas, por exemplo, pela psi- cologia geral, pela ldgica, pela critica literria, etc. E unicamente atra- vés de tais demonstragdes que tornaremos plausivel a hipétese de uma descri¢do seméntica lingiifstica das linguas naturais — hipdtese esta totalmente arbitraria. DISTINGAO ENTRE PRESSUPOSTO E SUBENTENDIDO Tentaremos esbogar essa demonstragéo, mantendo-nos no inte- rior de um dominio muito limitado. Tratar-se-4 de distinguir dois tipos de efeitos de sentido e de mostrar que é interessante descrever um deles a partir do componente lingiifstico, enquanto o outro exige a intervengao do componente retérico. Considerem-se os enunciados seguintes: — (1) Se Pedro vier, Jacques partir4. (2) Jacques nao despreza vinho. (3) Jacques continua fumando. (4) Pedro deu pouco vinho a Jacques. Na maior parte dos contextos imagindveis, uma pessoa, ao ou- vir (1), concluiré que a vinda de Pedro desencadeia a partida de Jac- ques, da qual € a condigdo suficiente e também necesséria, isto é, que a partida de Jacques esté subordinada 4 vinda de Pedro. Com efeito, o individuo que enunciasse (1) seria considerado bastante anormal ou mesmo mentiroso se, ao fazé-lo, nao pensasse que: (1a) Se Pedro nao vier, Jacques nao partird. Caso contrério seria necess4rio explicitar que, de qualquer for- ma, Jacques provavelmente partiria. E, sem divida, este costume lin- Bulstico que dificulta, aos que se iniciam em matemética, distinguir 88 condigdes necessdrias das condigdes suficientes. Por outro lado, no que concerne ao enunciado (2), € dificil de af nfo perceber a afirmagao: 17 (2a) Jacques gosta muito de vinho. a r que o ouvinte chegue a essa_conel Fae eeoyel omertorsenurcesh aeteesiaet eee neraat fluéneia, Sree eroreer( cena sentido que 0 airavée das relerides providencias US&o, loc riam por entuthar sot cuia conseqiigncia Seria locutor desejou Suprimiy A propésito do enunciado (3), € quase inevitével © fo apenas Jacques fuma atualmente, mas que Hee ‘Oncluir que Bamente eg Cagao; (a) Jacques fumava antigamente, Enfim, 0 enunciado (4) indica, a0 mesmo tempo, vinho a Jacques e que, ao fazé-lo, nao foi generoso, mais adiante, a diferenga entre estes dois elementos se nO presente momento, nos limitaremos a anotar o pri ue Pedro dey Justificare, ‘MAnticos, imeiro: ‘Mos, mas, (4a) Pedro deu vinho a Jacques. é introduzido a titulo de Proposigao ae ‘@ (por exemplo, Pedro continua fn nha proibido o cigarro), 0 elo de se @ Conexféo — nado se refere ao ee a0 resto do contetido de (3), oe tual Seja, afirma-se que Jacques cas jf » este comportamento Particular frente a ee sat a subordinacdo que nos autoriza a distingui ‘noe (, 0 elemento (4a) — “Pedro deu vinho a NO presente caso, (3a), mas apenas mamos de contetido posto, ou mente. E, aligs interrogacio ¢ ido global de Pressuposto _— pois possui esta propriedade de subsistir quando (4) é transfor- mado em pergunta ou em negagao, ao mesmo tempo que também resiste 4 subordinagao (cf. Pedro deu pouco vinho a Jacques, embora the tivesse solicitado bem mais). , Poder-se-ia procurar em vao, nos subentendidos que tomamos por exemplo, caracteristicas semelhantes as dos pressupostos. Assim, construa-se, a partir de (1), a pergunta Serd que Jacques partird, caso Pedro venha?. Percebe-se que nesse caso a indicacao (1a) nao sub- siste: “Se Pedro nao vier, Jacques nao partiré”. Quanto a (2), em yirtude de sua forma negativa, dificilmente pode ser submetido aos testes da negacdo e da interrogacao, mas basta que Ihe seja acres- centada uma oracdo subordinada para que seja perceptivel que o elo de subordinagao incide precisamente sobre a indicagao (2a): “Jacques gosta muito de vinho”. Tal fato indica que nao se trata de uma pressuposigao. Em sintese, 0 fendmeno de pressuposigao parece estar em estreita relagdéo com as construgdes sintéticas gerais — 0 que fornece uma primeira razio para traté-lo no componente lingiiis- tico onde, evidentemente, deveria ser descrito o valor semantico des- sas construgdes. O mesmo argumento nao pode ser empregado, tra- tando-se dos subentendidos, pois a relagéo com a sintaxe € bem mais dificil de aparecer. Como, entao, caracterizar o subentendido de forma positiva?. Um primeiro trago observavel consiste no fato de que existe sempre para um enunciado com subentendidos, um “sentido literal” do qual tais subentendidos esto excluidos. Eles parecem ter sido acrescentados. | Se, apés afirmar que Jacques nao despreza vinho, sou acusado de maledicéncia,| sempre poderei proteger-me por tras do sentido literal de minhas palavras e deixar a meu interlocutor a responsabilidade da interpretagao que delas faz. E, alids, desta possibilidade de reti- rada que advém toda a vantagem do enunciado (2) em relacéo a afirmagao direta de (2a). De acordo com uma expressao familiar, o subentendido permite acrescentar alguma coisa “sem dizé-la, a0 mesmo tempo em que ela é dita”. Apesar de algumas analogias, a situagao € bastante diferente para o pressuposto. Este pertence plenamente ao sentido literal. Seria muito f4cil demonstré-lo, tomando o exemplo (4) que perde toda significacao ou, mais exatamente, toda capacidade informativa se seu pressuposto (4a) nao for admitido. O enunciado (3) € ainda mais interessante, pois nele o posto “Jacques fuma atual- mente”, pode ser compreendido e aceito mesmo que seu pressuposto 19 a —; “Jacques fumava antigamente” nao seja admitido. Isto nao impede que este pressuposto seja concebido, no ato de discurso, Como inerente ao proprio enunciado. Se meu interlocutor puder Provar-me que Jacques nunca fumou, nao disponho de nenhum recurso para Isentar-me de minha responsabilidade e ser-me-4 muito diffcil nao reconhecer meu erro. Certamente 0 pressuposto nao pertence ao enunciado da mes. ma forma que o posto. Contudo, também ele Ihe Pertence em. bora isso ocorra de um outro modo. Para descrever este estatuto Particular do Pressuposto, seria pos. sivel dizer (cf. Ducrot, 1968, p. 40) que ele é apresentado como uma evidéncia, como um quadro incontestavel no interior do qual a con. versagao deve necessariamente inscrever-se, Ou seja, como um ele. mento do universo do discurso. Introduzindo uma idéia sob forma de \ interlocutor e eu nao Pressuposto, procedo como se meu ; Pudéssemos deixar de aceité-lo. Se o Posto € © que afirmo, enquanto locutor, se | Pressuposto Pronomes poder-se-ia dizer rtencendo ao “nés” » € 0 subentendido & repi lemporais forem pre! apresenta simultaneam € apresentado como pe vindicado pelo “eu” se as imagens Posto se que © pressuposto » Enquanto o posto € rei. assado ao “tu”. Ou, ainda, feridas, € Possivel dizer que o lente ao ato da cx discurso, no mo- ndido, ao contrdario, ocorre €m momento posterior a es se tivesse sido acrescentado através da interpretagio do ouvinte; quanto ao Pressuposto, mesmo que, de fato, nunca tenha sido introduzido anteriormente ao ato de enunciagao (como se o Ouvinte nfo soubesse, antes da formulagao do enunciado (3), que Jacques fumava antigamente), ele Procura sempre i hecimento, eventualmente ficticio, ao ‘Sse ato, como Através destas metaforas, © Pressuposto e o subentendid comunicaciio, uma Profunda o que tentam descrever como o posto, 0 sao vivenciados na experiéncia da POsi¢ao se estabelece entre os dois pri- meiros, por um lado, e o terceiro, por outro. Ocorre que ° suben- tendido reivindica a Possibilidade de estar ausente do préprio enue ciado € de somente aparecer quando um ouvinte, num momento po 20 — re terior, refletir sobre ° referido enunciado. Ao contrério, o Pressuposto. com mals razio ainda, © posto apresentam-se como contribuigdes roprias do enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, esta contribuigao se restrinja a lembranga de um conhecimento passado). Bles 8° apresentam como se tivessem sido escolhidos concomitante- mente a0 enunciado e empenham, a seguir, a responsabilidade daquele ue escolheu © enunciado (mesmo que, no caso do pressuposto, o Jocutor tente partilhar esta responsabilidade com 0 ouvinte, disfargando o que diz sob a aparéncia de uma crenga comum). Entregando, pois, a pesquisa dos pressupostos ao componente lingiiistico — que trata do proprio enunciado, sem considerar suas condigdes de ocorréncia — enquanto OS subentendidos seriam previstos por um componente re- térico — que leva em conta as circunstancias da enunciagao — fa- zemos justiga a um certo sentimento ou, pelo menos, a uma certa pretensio dos falantes. Esta é uma segunda razao — que, alids, seria bastante insuficiente, caso fosse considerada isoladamente — para distinguir estes dois componentes. e Dissemos que o subentendido sé toma seu valor particular ao opor-se a um sentido literal do qual ele mesmo se exclui. Como, nes- sas condigdes, julga-se que o ouvinte deva descobri-lo? E preciso que jsto ocorra através de um procedimento discursivo, isto é, através de uma espécie de raciocinio, Mas, a esse propésito, uma objegao poderd ser feita: sobre 0 que este raciocinio pode fundar-se?. Pois, se a ope- ragdo consiste em retirar do enunciado as conclusdes nele implicadas, € dificil de compreender como o locutor poderia rejeitar a responsa- bilidade do subentendido: & medida que o subentendido fosse dedu- zido do sentido literal, ndo seria possivel, ao mesmo tempo, rei dicar esse sentido literal e recusar as conseqiiéncias que ele acarreta. Basta, aliés, por um momento, considerar os dois exemplos de su- bentendido que utilizamos para verificar que nao decorrem, de forma alguma, do sentido literal dos enunciados que os veiculam. No caso de (1), seria mesmo necessério um erro muito grosseiro de raciocinio (a confusdo entre um julgamento e sua reciproca) para deduzir do enunciado — o qual estabelece uma condig&o suficiente — seu suben- tendido habitual — que sugere uma condigao necesséria. E nada a i a paeews aaa i a considerar o ilogismo como um principio explicativo dos latos de lingua. um d# Fealidade, € possivel colocar, na origem dos subentendidos. Procedimento discursivo perfeitamente compativel com as leis da 21 logica (embora ela oferega apenas uma verossimilh; certeza) e que permite, por outro lado, compreend possa recusar-se a assumir sua responsabilidade, Par: locar, na base deste procedimento, nao apenas o p mas sua enunciacéo, ou seja, o fato de que o enu em um momento determinado em circunstancias es cinio do ouvinte poderia entdo explicitar-se por u alguém julga que € adequado dizer-me isso é pensa aquilo. Retomemos nossos exemplos, (2): Jacques nao despreza vinho. Embora tatar aqui um caso particular de litotes, nado basta alegar a existéncig dessa figura para obter ipso-facto a explicagao desejada, Pois existem muitos enunciados que, praticamente, nunca subentendem anga e nenhuma er que o locutor @ tanto, basta CO. roprio €nunciadg, nciado é Utilizado ‘pecificas, O Tacio- ma fSrmula tipo: se » sem dtivida, Porque iniciando pelo enunciado Possamos facilmente Cons- 5 “« Sua propria ampliagao. “Folheei este livro, “Algumas pessoas estavam 14”, “Nao me oponho a encontrar Pedro” subentendem apenas em casos excep. cionais que li o livro, que havia uma multiddo ou que desejo encon- trar-me com Pedro, Na realidade, o ouvinte Procura por uma litotes apenas quando a utilizagéo de um enunciado mais forte apresentaria alguma coisa deslocada, inconveniente, repreensivel. Se X e X’ sistem em dois enunciados situados sobre uma mi nificago *, se o segundo distingue- ele ocupa um gr: con- esma escala de sig- se do primeiro unicamente porque ‘au superior desta escala, e se, por outro lado, uma regra de conveniéncia se opde ou Parece opor-se ao emprego de X’, © ouvinte, ao ouvir X, tende a interpreté-lo como X’. No caso de (2), haveria certa maledicéncia ou, melhor, alguma brincadeira tradicio- nal estaria simulando uma certa maledicéncia no enunciado direto Jacques bebeu muito. & Por essa razio que temos a tendéncia, a0 ouvir (2), de tomé-lo como substituto de (2a). O raciocinio do ouvinte (raciocinio que pode, alids, como no exemplo de que nos Ocupamos, tornar-se quase automatico e cristalizar-se em uma espécie de institui- ¢40) deve entdo ser Teconstituido como segue: Meu interlocutor nao tinha o direito de dizer (2a); assim, se ele disse (2), que representa © enunciado admissivel que mais se aproxima de (2a), existem Poss bilidades de que tenha pensado (2a). Trata-se, de fato, de um racio- me tank, to cinlo, mas baseado, pelo menos, tanto sobre a enunciagao quan! sobre 0 contetido enunciado. on 2. Isso remete a su Pelo menos algu; ' F ja, que posic¢ao de que a lingua comporta tais escalas, ou sj ns de seus paradigmas sio graduados. 22 Chegar-se-ia a uma conclusao andloga, analisando opservese inicialmente, que © ouvinte, em geral cae exemplo (1), jas as precisoes contidas nas mensagens que the sag 4 uP Mteis coo de alguma forma, que o locutor observ Sio dirigidas, Ele soPOrado, uma espécie de lei de economia, Se € afitmaler yet so de uma pessoa, que ela gosta de romances Pie Propé- inclina-se concluir, para justificar a precisao trazida pela es “policiais » que ela gosta pouco, ou menos, de outros cane jevra se gostasse igualmente de todos os romances, qual seria a ulilidade em acrescentar essa determinagao, considerando que seu interesse on romances policiais se deduziria, a titulo de caso particular, de ood jnteresse geral pelos romances. Pela mesma razao, ao dizer que al- guem esté de bom humor pela manha, sugiro que o mesmo nao lhe ocorre durante 0 resto do dia. Certo ou errado, o ouvinte procede como se 0 locutor lamentasse suas palavras. A partir desta constata- gio geral, € possivel explicar sem muita dificuldade 0 subentendido de (1). Assinale-se, inicialmente, sem no entanto demonstré-lo aqui, que o se em muitas linguas difere bastante da relagdo légica de impli- cago: sua fungio primeira é de solicitar ao ouvinte que faga uma certa hipdtese, que se coloque frente a uma certa eventualidade, no interior da qual, a seguir, uma certa afirmagio € apresentada e ex- pressa na oragio principal. Apdés essa explicitagao podemos retornar a nosso exemplo. Para que (1) seja utilizado, anuncia-se a partida de Jacques somente apés ter solicitado ao interlocutor que elabore a hipé- tese prévia da vinda de Pedro. No entanto, se Jacques devesse partir de qualquer forma ou, simplesmente, se ele devesse partir mesmo que Pedro nfo viesse, por que subordinar 0 aviso de sua partida a lem- branga da chegada de Pedro?. Dito de outra forma: ou é indtil, para afirmar a partida de Jacques, vislumbrar a eventualidade apresentada na subordinada condicional ou, entdo, é preciso que esta eventuali- dade seja indispensdvel a afirmagao colocada na principal. Se meu interlocutor insistiv em subordinar a enunciagao da partida & enun- ciagdo da vinda e se, por outro lado, julga-se que ele nao fala em vao, Posso concluir, com certa verossimilhanga, que para ele o evento da Partida esta subordinado ao da vinda. Tanto nesse exemplo, como no Precedente, um raciocinio — realizado sobre 0 ato da enunciago — Pode ser considerado o responsdvel pelo subentendido. mo nao ocorre com © ciado em posto ¢ Contrariamente a certas aparéncias, 0 mes! Pressuposto. A reparticao do contetido de um enun 23 pressuposto possi efetivamente esta arbitrariedade caracteristicg dos fatos de lingua, e nao pode ser justificada por nenhum raciocinio, Cer. tamente, pautando-nos pelo bom Senso, se afirmamos que Jacques dey a Pedro somente uma pequena quantidade de vinho, somos obrigados a pressupor que Jacques deu vinho. Mas, compare-se (4) a (4): (4’) Pedro deu um pouco de vinho a Jacques. Também neste novo enunciado afirma-se que uma certa quan- tidade foi oferecida e que esta quantidade € pequena. Mas, contra. riamente ao que ocorre com (4), aqui as duas indicagdes no sto mais dissociéveis. Submetendo (4’) as transformagées negativa e interroga. tiva, ambas sao negadas ou questionadas por inteiro*. O destinatério do enunciado (4) nao tem, assim, nenhum motivo (a nfo ser seu aa nhecimento da lingua) para nele descobrir o pressuposto (4a), pois os mesmos motivos o levariam a descobrir este mesmo Pressuposto em (4’), onde ele nao se encontra como tal. © mesmo poderia ser dito a propésito do exemplo (3). O bom senso, nesse caso, também sugere que, para afirmar que alguém conti- nua a fumar € preciso, logicamente, que jé o fizesse anteriormente, Mas, assim como ocorreu em (4), a repartig&o do posto e do pressu- posto, ainda aqui, decorre da arbitrariedade lingiifstica. Para con- vencer-se, basta imaginar um verbo, de fato inexistente, em portu- gués, mas totalmente possivel, que determinaria o que continuar pres- supde, e inversamente. Chamemos esse verbo de pertinuar. Jacques pertinua a fumar pressuporia, entao, que Jacques fuma atualmente e colocaria, a titulo de informagao nova, que o faz hé muito tempo. Jacques pertinua a fumar?. Manteria, como uma evidéncia, que Jac- ques fuma e indagaria se isso é€ um hdbito ou uma novidade. Ou, ainda, Jacques nao pertinua a fumar negaria o fato de que Jacques seja um fumante inveterado, ao mesmo tempo que reconheceria que ele fuma atualmente. A existéncia Ppossivel deste verbo imaginério, bem como a existéncia real de um pouco, mostra que a detecgao de pressupostos nao esté ligada a uma reflexdo individual dos falan- tes, mas est4 inscrita na lingua. Esta é uma nova razo para conferir Eee ututo radicalmente diferente ao subentendido e ao pressuposto. Esta diferenga pode ser representada caso a descrig&o semantica seja dividida em dois componentes — o lingiifstico e 0 retérico. Parece, com efeito, razodvel 1 fazer do Pressuposto, ligado ao préprio enun- ——. 3. A propésito de peu (Pouco) © de un peu (um pouco), ver Martin (1969)- 24 bem como aos fendmenos sintaticos 8erais, um produ ingiifst O subentendido, ao Contr4rio, io do destinatdrio sobre as circunstancias de enu: reflex e deve ser captado, através da descri Gua processo totalmente diferente, que leve ¢ a ° sentido do enunciado € suas condigées aplique leis Idgicas e psicoldgicas gerais, ciado, to do com. nent resulta de uma nciagao da men- lingiiistica, ao final mM conta, ao mesmo de ocorréncia e thes A ANTERIORIDADE DO PRESSUPOSTO Em nossa opiniao, os argumentos que acabam de ser apresenta- dos justificam nossa decisdo de atribuir a dois componentes diferen- tes da descrigao semntica o célculo dos pressupostos e dos subenten- didos. Mas 0 esquema 2 apresenta maiores implicagées, pois sugere que a descoberta dos pressupostos, a cargo do componente lingiifs- tico, é anterior Aquela dos subentendidos. Para legitimé-lo totalmente, seria preciso, pois, mostrar ainda que o conhecimento dos elementos semanticos pressupostos € um pré-requisito necessério & pesquisa dos subentendidos ¢ que os pressupostos encontram-se entre os dados que devem ser fornecidos 4 entrada do componente retérico. Tomemos, como primeiro exemplo, o enunciado: (5) Se Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido, Na maior parte de suas ocorréncias, ele veicula as trés infor- mages que seguem: (Sa) A vinda de Pedro implicava a partida de Jacques. (5b) Pedro nao veio. (5c) Jacques ndo partiu. Por outro lado, fica claro que os elementos semnticos (5a), (5b) € (5c) tém estatutos muito diferentes. Reconhecer-se-4, sem dificul- dade, em (5a) um contetido posto. J4 no que diz respeito a (5b), ele Possui todas as caracteristicas que atribuimos aos pressupostos. Veri- ficar-se-4, sobretudo, que resiste a interrogagao e a negaco. Em Compensacao, 0 mesmo nao ocorre com (5c), que pode desaparecer com a interrogacdo, Assim, (5’) Serd que, se Pedro tivesse vindo, Jac- des teria partido? — pode freqiientemente ser empregado em um “enfexto em que os dois interlocutores sabem que Jacques partiu. 25 eee Nesse caso, (5’) toma aproximadamente o mesmo valor de Se; mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria partido? que afirma sempre (estariamos tentados a dizer: pressuy de Jacques. Trata-se, nesse caso, de uma diferenca mui (5) e (5). Quando se acredita na partida de Jacques, empregar (5); conseqiientemente, esse ultimo enunciado quase nunca é equivalente a “Mesmo que Pedro tivesse vindo, Jacques teria Par- tido”. O elemento semantico (5c), geralmente presente em (5), mas ausente em (5’) — transformag&o interrogativa de (5) — nao pi pois, passar por um pressuposto. Da mesma forma, ele nao pod considerado como posto e colocado sobre o mesmo plano de (a), pois nao decorre do sentido literal de (5). Caso objetemos a pessoa que empregou (5) que Jacques partiu, ela poderd sempre defender-se, alegando que nunca disse o contrario. Este critério Permite-nos reco. nhecer em (5c) um subentendido absolutamente classico. Ta que, — enunciadg POe) a partida ito clara entre n&o € possivel ode, le ser Uma vez estabelecido o estatuto dos trés elementos seménticos geralmente veiculados por (5), resta-nos mostrar como o subenten- dido (5c) € produzido a partir dos dois outros, o que justificaria o fato de confiarmos ao componente lingiiistico a descrigéo de (5a) e (5b) e, ao componente retérico, que leva em consideracao os resul- tados oriundos do componente lingiiistico, apenas a descricao do su- bentendido (5c). Para fazé-lo, necessitaremos inicialmente, desta lei de economia que j4 foi empregada anteriormente para explicar o subentendido de (1). J4 que o locutor entendeu s6 poder falar na partida de Jacques, considerando a hipétese da vinda de Pedro, o Ouvinte tem algum motivo para concluir que aquela partida est4 su- bordinada a essa vinda. E exatamente o mesmo raciocinio que havia- Mos considerado como responsavel pelo subentendido de (1). O fato Novo no presente caso € que (5) pressupde (5b): “Pedro nao veio”. Se este pressuposto for combinado com a idéia de que a vinda de Pedro € necesséria & partida de Jacques, é natural concluir que Jac- ques nao partiu, 0 que constitui exatamente o subentendido, cuja ex- Plicagéo buscévamos. Se, por um lado, o exemplo que precede mostra bem que a de- terminacéo dos subentendidos leva em conta um conhecimento pré- vio dos pressupostos, por outro lado, ele ainda nao salienta que estes Pressupostos devem ser reconhecidos como tal e distinguidos dos ele- Mentos postos, antes que 0 componente retérico possa dar conta dos 26 cabentendides. Uma titima anélise — que tomamos em Sicando-a Higeitamente, a um estudo sobre pouco e u sin peu] * — buscaré ressaltar essa necessidade, Seja o enunciado: Prestada, mo- M pouco [peu (6) Tivemos pouca sorte. Em um certo numero de situag6es, o ouvinte perceberé nele o seguinte subentendido: (6a) Nao tivemos absolutamente nenhuma sorte. (6) sera, entao, considerado um simples substituto, educado e fleugmatico, de (6a). Este efeito de sentido nao parece, inicialmente, colocar nenhuma dificuldade. Basta reconhecer ai o produto de uma litotes muito banal, que leva a ler em um enunciado fraco um enun- ciado mais forte, ao qual se oporiam certas coerges sociais. Da mes- ma forma, poder-se-4 explicar, generalizando, que pouco, seguido de um adjetivo, serve muito freqiientemente para disfargar uma negagao (cf. “pouco trabalhador”, “pouco interessante”, etc). Contudo, a situagdo revela-se mais complicada quando um pa- ralelo entre (6) e (7) € estabelecido: (7) Tivemos um pouco de sorte. Novamente, e em numerosos casos, aparece um subentendido do tipo: (7a) Tivemos muita sorte. Como no caso precedente, é natural recorrer a uma litotes para explicar este novo efeito de sentido. Da mesma forma, nao serd difi- cil compreender que um pouco, seguido de um adjetivo, serve fre- qiientemente para dissimular uma afirmagado embaragosa (cf., “um Pouco preguigoso”, “um pouco enfadonho”, etc). Fica, no entanto, por explicar que o efeito de litotes é diametralmente oposto no caso de Pouco e no de um pouco, pois ela conduz a primeira expresséo em diregdo a negagao, levando a segunda a reforgar a afirmacao. Dispo- Mos, assim, de duas expressdes que marcam uma quantidade fraca, Ccorrendo, no entanto, que esta mesma quantidade torna-se, por ve- Zes, O signo de uma auséncia e, em outras, ao contrério, mostra-se 0 Signo de uma quantidade mais importante. ——_. * Este estudo, de 1970, foi retomado em Ducrot (1972, Cap. VIL). 27 Se lembrarmos 0 que foi dito mais acima a propésito de pouco de um pouco, uma solugao mostra-se possivel. Dissemos que 0 enun. ciado (4) — Pedro deu pouco vinho a Jacques _ veicula, como Pres. suposto, que Pedro deu vinho e, oat posto, indica que uma pe quena quantidade de vinho foi oferecida. Em troca, (4’) — Pedro dey um pouco de vinho a Jacques — tem como posto a existéncia desta mesma quantidade, que € apenas pressuposta em (4). Resta-nos, pre. sentemente, para obter a explicacao desejada, reformular a lei de Jitotes de tal forma que ela se refira unicamente aos contetidos pos. tos, excluindo-se os pressupostos. Ela estipularia que, para exprimir de forma atenuada a significacao de uma frase A, pode-se utilizar uma frase B, cujo conteido posto (e nao o contetdo pressuposto) é menos forte do que o de A. Se assim €, a expressio um pouco de, que tem como posto a existéncia de uma certa quantidade (fraca), tende a insinuar a existéncia de uma quantidade mais forte. Em sentido contrario, a expressdo pouco cujo posto € a limitagao, deverd, quando interpretada como litotes, sugerir uma auséncia total. Uma formulagéo um pouco diversa deste mesmo resultado levaria a afir- mar, considerando-se unicamente 0s conteudos postos, que, na lingua, pouco € um pouco nao pertencem & mesma categoria sem4ntica: uma decorre da categoria da restrigéo, enquanto a outra, da categoria da afirmagao: Categoria da Restrigdo Categoria da Afirmagao Muita sorte Absolutamente nenhuma sorte Sorte Nenhuma sorte Um pouco de sorte Pouca sorte Tal como a apresentamos — levando em conta a diferenga entre posto e pressuposto — a lei de litotes aplica-se apenas no interior de cada uma destas duas categorias e conduz um termo a subentendet um termo superior da mesma categoria. Conseqiientemente, a5 PressOes pouca sorte © um pouco de sorte, embora sendo dotadas alobalmente de contetidos semanticos equivalentes, nao repartem ° Tel de ioe ePosto da mesma forma, o mesmo ocorrendo ar don dimer itey tPlicada a estas expresses, produairé as lerentes. 28 Desta longa aniilise, reteremos que us leis “psicolégicas”, cons- titutivas, juntamente com outras, do componente retérico, serao de terminadas mais facilmente se 0 contetido dos enunciados apresenta- dos nesse componente ja tiver sido anteriormente analisado em ele- mentos seminticos postos € pressupostos. Em lugar de propor duas Ieis diferentes de litotes para dar conta dos efeitos de sentido opostos produzidos por (6) € (7), um dirigindo-se para a afirmayio € 0 outro para a negagao, poderemos contentar-nos com uma tinica lei — 0 que nao sé € mais econémico, mas parece mais natural *. Entretanto, para isso, € preciso que 0 fendmeno da pressuposigao j4 tenha sido Mesvelado a partir dos dados lingtifsticos submetidos a esta lei, B uma razio a mais para pensar que a determinagao dos pressupostos de- corre de uma andlise no apenas diversa daquela que descobre os subentendidos, mas que também a precede. PRESSUPOSTOS E INTERSUBJETIVIDADE Permitam-nos, para terminar, indicar uma das conseqiiéncias, em uma teoria lingiifstica geral, da distingao do pressuposto (fato de lin- gua) e do subentendido (fato de fala). Costuma-se pensar, e isto pode parecer natural, que a confrontagao dos individuos através da lingua- gem — da qual a polémica € um exemplo particular e, talvez, privi- legiado — é antes de mais nada um fato de discurso: um enunciado, enquanto tal, (isto é, independentemente de seu emprego) nao estaria investido de nenhuma fungao polémica, ou, mais geralmente, inter- subjetiva, especifica. FE unicamente a enunciagao do enunciado, sua escolha em uma situagdo particular, que Ihe conferiria tal valor. A esta concepgdo pode-se objetar facilmente a existéncia, na lingua, de todo um vocabuldrio polémico: as palavras injuriosas ou simplesmente pejorativas nao podem ser descritas sem fazer intervir uma espécie de “fungao eristica”, que constitui seu trago distintivo em relagio as palavras “neutras” correspondentes. Mas trata-se, final- mente, de um fendémeno localizado que, se 0 desejarmos, podemos con- siderar marginal e secunddrio. Uma objegao muito mais importante € sugerida pela existéncia do sistema dos pronomes, cujas implicagdes * Atualmente, teria enormes restrigdes em justificar um modelo Poraue ele Tepresenta os fatos de forma “natural” ou “intuit iva". A intuigdo pode servir Para apreender os dados, mas nao lhe compete julgar a relagdo entre tais dados ¢ a teoria, 29 inhadas por Benveniste, © que acahy i i foram sublinhad ae intersubjetivas A ; 1 a por Ses do discurso no proprio interior dos paradig mas da projetar as rel lingua. : E a uma conclusao semelhante que deveria conduzir a entre pressuposto ¢ subentendido, pois a repartigio do contetidy dos enuinciados em elementos seminticos postos — cuja responsabildets & endossada pelo locutor — ¢ em elementos seminticos pressupentes — cuja responsabilidade o locutor partilha com 0 ouvinte — detém, ja, uma fungdo polémica. Quando se tenta definir t © responde a nenhuma necessidade Idgica, é-se levado a considerar que ela possi. bilita aprisionar o ouvinte em um universo intelectual que ele nao escolheu, mas que Ihe € apresentado como coextensive ag Proprio dislogo. Esse universo niio pode mais ser negado nem questionado cen, que 0 referido didlogo seja rejeitado em sua totalidade, Agora, se o pressuposto, diferentemente do subentendido, nao é um fato de reté- rica ligado @ enunciagao, mas inscreve-se na Propria lingua, é pre- ciso concluir que a lingua, independentemente das utilizagdes que dela podem ser feitas, apresenta-se, fundamentalmente, como o lugar do debate ¢ da confrontagéo das subjetividades. distincag antes de mais nad: a pressuposigao que, conforme procuramos mostrar, na (Tradugao: Freda Indursty) 30 OY Capitulo II PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS (REEXAME) * Gostaria de apresentar aqui uma espécie de autocritica (ou, para empregar uma expresséo academicamente melhor vista, um reexame), explicando por que abandonei, ou melhor, desloquei a oposicao que eu estabelecia, a partir de um artigo publicado com esse titulo em 1969, entre “pressupostos” e “subentendidos” **, Espero, ainda assim, introduzir aqui e ali, nesta confissio, algumas palavras de lingiifstica. Nao posso partir de uma definigao do pressuposto e do suben- tendido, pois isto seria supor resolvido o problema que é 0 meu aqui: é justamente a uma definig&o que eu quero chegar. Tudo que posso fazer, inicialmente, € dar um exemplo que servird de referéncia a | seguir. Para maior facilidade, tomarei um exemplo muito conhecido. Imaginemos um enunciado da frase Pedro parou de fumar. Diremos que este enunciado ***: a) Poe que Pedro nao fuma atualmente. b) Pressupée que ele fumava anteriormente. Por outro lado, se esse enunciado € destinado a relembrar a um fumante inveterado sua covardia, pode ser que ele veicule subenten- didos como “Com um pouco de coragem, pode-se chegar 14”, “Pedro tem mais forca de vontade que vocé”... etc. —__ * Este capitulo retoma, com ligeiras modificagées, 0 texto de uma confe- rencia feita em Lyon, em maio de 1977, texto publicado em Estratégias discursivas, Presses Universitaires de Lyon, 1978, p. 33-43. ** Attigo retomado no Cap. I. *** As palavras “frase” e “enunciado” tém aqui a acepciio exposta detalhada- mente no Cap. VIII § 3-6. A frase é uma entidade gramatical abstrata, Secaenunciado & uma realizacio particular da frase. O sentido 6 0 valor semantico do enunciada, a significacdo, o valor semantico da frase. 3 ee Suporei que meu exemplo foi suficiente para lembrar de fendmeno remete ao pressuposto e qual a0 subentendido, Medi. essa suposigo, posse abandonar as preliminares © comegur a © que eu chamarei de “concepgao antiga” das relagdes pressuy subentendido, quer dizer, aquela que vou reexaminar, We tipg ‘ante XDor Lusty. A idéia central era que os pr ciado estio determinados, e determinados uni qual este enunciado é a realiz proposigdes: 1. A significagao da frase pode implicar a existén de seus enunciados, deste ou daquele Pressuposto ( eu a mantenho — com algumas reservas). cia, NO sentido esta proposicg 2. Todos os pressupostos que aparecem no sentido do estéo jd previstos na prépria significagéo da frase (é esti Proposicao, sobretudo, que discuto). enunciado a segunda Em resumo, o Pressuposto, de acordo com a “concepgio antiga”, se transmite sempre da significagio para o sentido. Poder-se-ia mes. mo dizer que ele esta escrito na significagao se nao se devesse levar em consideragao certas especificagdes que estao necessariamente au- sentes da frase (cf., no meu exemplo, a especificacao do tempo no qual se situa o fato Pressuposto: é passado, mas em relagdo a qual Presente?). Inversamente, o subenten lo se caracteriza pelo fato de que, sendo observavel em certos enunciados de uma frase, nao esté marcado na frase. Essa situagAo do sub cesso interpretativo do qual ele provém. sempre gerado como re: disse 0 que disse?”, “ Palavras, uma condigac Ta que um enunciado - Para mim, com efeito, ele € Sposta a perguntas do tipo: “Por que o locutor © que tornou possivel sua fala?”, Em outras 0 necessdria (mas, certamente, insuficiente) p* E subentenda X, € que X aparega como uma explicagéo de sua enunciagao. Se, no meu exemplo de referéncia, 0 enunciado “Pedro parou de fumar” subentende “E possivel parat » ‘ na medida em que admite que uma das razdes que levaram a pre duzir esse enunciado era o desejo de comunicar essa observasa0 # - Entéo, se o subentendido é resposta a uma pergunta © i lade da enunciagao, é bem evidente ea 0 dessa enunciagao, e que conseqier nunciado: pertence ao sentido sem ea ‘a significagéo, Assim — pelo menos mente depende do Préprio ei antecipado ou Prefigurado n; 32 é @ tese que eu vou reexaminar — a oposicao pressuposto-subentendi- do reproduziria a distingao dos dois niveis semanticos, o da signifi- cagao (frase) ¢ o do sentido (enunciado): pressuposto e subentendido se opoem pelo fato de nao terem sua origem no mesmo momento de interpretagao. Essa tese € explicdvel — sendo justificével — por diversas ra- zocs. Em primeiro lugar, € necessdrio lembrar por que o pressuposto, na literatura filos6fica, € geralmente descrito como uma condigéo de emprego. Em outras palavras, toma-se como caracteristica fundamen- tal do pressuposto a seguinte observagao. Se o enunciado E contém © pressupusto X e, se, na situagdo na qual E aparece, nao se verifica X, tem-se a impressio, ndo propriamente de uma falsidade, mas de uma anomalia, de um emprego fora de propésito. Entéo € bem e dente que as condigdes de emprego sé podem caracteri a frase: referem-se as circunstancias, que possibilitam ou impossibilitam que ‘a frase se t(ransforme em enunciado. Nao haveria nenhum sentido em falar das condigdes de emprego do enunciado, }4 que o proprio enun- ciado & um emprego. Resulta disso que © pressuposto pertence antes de tudo a frase: cle é transmitido da frase ao enunciado na medida em que esse deixa entender que esto satisfcitas as condigées de emprego da frase do qual cle é a realizayéo. De minha parte, tendo seguidamente criticado a definigéo do pressupesto como condigéo de emprego, deveria ser pouco sensivel a esse Lipo de motivagées; mas, de fato, mesmo criticando esta definigéo, néo era fécil livrar-se de todas as implicagdes que ela comporta € nas quais @ nogdo de pres- suposigao estava, por assim dizer, envolta (por vezes é complicado comer 0 bombom sem o papel). Um segundo tipo de consideragSes levaria & tese que eu quero colocar em questio, Trata-se dos critérios utilizados classicamente para deduzir o fendmeno da pressuposigéo. Sabe-se que se tratam, an- tes de tudo, da negacgdo e da interrogagdo. Os pressupostos de uma assergéo sio conservados quando essa asser¢ao € transformada em negacao ou em interrogagdo (dizendo-se “Pedro deixou de fumar”, mantém-se que ele fumava anteriormente). Deverd ter sido notado que acabo de empregar a expresséo “os pressupostos de uma asser- gio”. Trata-se de uma hipocrisia ou, em termos lingiiisticos, de uma neutralizagao, para evitar ter que escolher entre 2s expresses “frase amertiva” e “enunciado assertivo”. Se agora deixo de lado essa hipo- cruia, a expresséo que devo escolher é incontestavelmente “frase”. 33 Nao faz nenhum sentido falar de transformacoes Negativas OU int rogativas feitas a partir da realidade instantinea que € o enuncigg” ssas transformagées sé podem afetar o ser abstrato temporal ris mente reprodutivel, que € a frase: uma formutag i > CUidad. 2 a frase P os elissicos seria: para que a frase P pressuponka ni dos cr mn sirio que todos os enunciados de P veiculem Xe que x ¢ necessé ; F Me Fi ime ds os enunciados das frases interrog. contido também em todc TORALI vag nogativas construtdas a partir de P. Fu pude me fivrar facilmente my acima do argumento inferido, em favor da teoria antiga” ) da pressuposigdo como condigio de empreg, muito dificil livrarme dos,” mento inferido da negagio e da interrogagio, pois se trata aqui g iveis que constituem uma das mais s6lidas mo i tivacng 1 +8 ban, de uma definig ; : jd que rejeito essa definigao. Se fatos incontes para a nogio de pressuposi Antes de tomar posigao sobre esse ponto, passo a UM terceir, tipo de consideragdes, relacionado a nogio de ato ilocucional, Por 4; ferentes razdes, fui levado (e isso, ao menos, nao lamento) a descre. ver a pressuposicao como um ato de fala, mais Precisamente come um ato ilocutério, andlogo ao de interrogagao, de ordem, de assercio, etc. Ora, por ouro lado, eu estava, na época, inclinado a Caracterizar 0 ilocutério, por oposicao ao perlocutério, Por sua ineréncia a frase. Partia de uma definigao do ilocutério — que nao tenho nenhum intencao de abandonar — de acordo com a qual realizar um ato ile cutério € apresentar suas préprias palavras como induzindo, imeds famente, a uma transformagao juridica da situagdo: apresenté-las, por exemplo, como criadoras de obrigagéo para o destinatario (no da ordem ou da terrogacao), ou para o locutor (no caso da pro messa). Nao se pode interrogar se nao se atribui ao que se diz o poder imediato, pelo fato mesmo de ser dito, de fazer cair em falta 0 dest natdrio no caso em que ele nao efetue uma das condutas catalogadss como respostas. Insisto nas trés palavras imediato, juridico e ope sentar, utilizadas anteriormente: sio essenciais para distinguir 0 ik cutério do perlocutério. Se realizo um ato perlocutério, como 0 & consolar, 0 efeito que €spero neste caso para minha fala pode “ um efeito muito indireto, ligado a um encadeamento causal nue complexo (consolo X de seus males, contando-lhe os de seu ami? ¥, que séo ainda maiores). O efeito perlocutério nfo é, pois. ae Sariamente imediato. Por outro lado, © perlocutério pode cee nenhum aspecto juridico; posso consolar X sem pretender por aa que ele deva, utilizando esse verbo em sentido muito amplo, dein 34 Sa | consolar. Enfim, nao tenho necessidade, Para atingir um objetivo per. Jocutério, de me apresentar como. pretendendo esse fim; posso con- solar sem apresentar minhas palavras como consoladoras, enquanto nao posso interrogar sem dar a entender ao mesmo tempo que inter- rogo. Parece-me, entéo, incontestavel que h4, no perlocutério, uma relacao privilegiada entre o ato ¢ a fala; é Constitutivo do ato ilocuté- tio atribuir a fala um poder intrinseco, Mas esse fato, que nao discutirei, levou-me a tirar uma conclusao bastante discutivel, a introduzir a idéia de que o agente de um ato ilocut6rio atribui & prdpria frase que pronuncia 0 poder que reivin- dica somente, em realidade, para sua enunciacao dessa frase: Passei, em outras palavras, da idéia de que o ilocut6rio reivindica uma efi- cacia enquanto fala, para a idéia de que ele se apdia numa eficdcia propria das palavras, quer dizer, do material utilizado na fala. O que leva a concluir que 0 ilocutério esté, por definigdo, insctito na fra- se. Se se lembrar que apresento a Pressuposi¢a0 como um ato ilo- cutério, vé-se como a concepgao do ilocutério, da qual acabo de falar, constitui uma terceira via que conduz a conclusdo que gostaria de colocar em questo aqui. Foi-se levado a colocar o poder Pressuposi- cional na frase, e a pensar que ele € transmitido da frase ao enun- ciado. Em oposi¢&o, os subentendidos seriam colocados no mesmo plano que 0 perlocutério e ligados as circunstancias da enunciagao. Isso traz conseqiiéncias um pouco paradoxais. ‘Suponhamos que eu utilize, para pedir-lhe que feche a janela, a frase interrogativa “Pode fechar a janela?”. Fica claro que o pedido no esté, nesse caso, ins- crito na frase. Ele s6 pode ser um subentendido produzido por um mecanismo interpretativo do tipo: “Ele me pede para dizer se sou capaz de fechar a janela. Ora, ele sabe bem que sim. Entdo, quer, dessa forma, me lembrar que eu sou capaz disso. A tnica razo que Pode té-lo levado a fazer o que fez € 0 desejo que eu utilize essa ca- Pacidade”. Donde concluiu-se finalmente que a pergunta, sendo ma- nifestagao de um desejo, deve ser compreendida como um pedido. J4 que € produzido como subentendido, este pedido deverd, na Idgica da concepgio da qual falo, ser descrito como perlocutério.| Chega-se assim a dizer — coisa que agora creio totalmente inaceitével — que um mesmo tipo de ato pode ser realizado tanto de forma ilocutéria como perlocutéria (de acordo com a frase utilizada para realiz4-la). 35

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