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Reflexdes sobre o Tempo Social Thoughts on Social Time Jorge Machado RESUMO: 0 objetivo desse texto é, a partir da anélise de alguns estudos sociolégicos antropoldgicos, fazer uma reflexdo sobre como apreendemos ¢ compreendemos o tempo. Buscamos também incorporar algumas modernas concepgdes advindas de outras éreas da ciéncia, que impactam na forma como os cientistas sociais tradicionalmente abordam o rempo. Palavras-chave: Tempo; Sociedade; Percepgao; Ciéncias Sociais. ABSTRACT: The aim of this paper, is to reflect about how we grasp the meaning of the time from the analysis of some sociological and anthropological studies. We also seek to incorporate some modern conceptions arising from other areas of science that influence the way social scientists approach to the perception of time. Keywords: Time; Society; Perception; Social Sciences. Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Temética Kairés Gerontologia,15(6). ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais", pp. 11-22. Online ISSN 2176-001X. Print ISSN 1516-2567, ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 2 Jorge Machado ‘As vezes me pergunto como péde ter acontecido de eu ter sido 0 tnico a desenvolvera Teoria da Relatividade A razao, creo eu é que um aduto normal nunca para para pensar sobre problemas de espaco ¢ tempo.” (Albert Einstein) Introdugao A forma como as sociedades se organizam em fungao do tempo é um tema de grande importincia para as ciéncias sociais, mas frequentemente relegado a um segundo plano nas investigagdes cientificas. O objetivo desse texto é fazer uma reflexao, a partir da anélise de alguns estudos sociolégicos ¢ antropolégicos, sobre como apreendemos e compreendemos o tempo. Além disso, buscamos também incorporar algumas modernas concepgdes advindas de outras reas da cigncia, que impactam na forma como os cientistas sociais tradicionalmente abordam o “tempo”, Esse texto 6 0 resultado da exposi¢ao feita durante a V Jornada de Gerontologia da EACH, USP, bem como das perguntas ¢ dos comentérios recebidos no evento. ‘Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre 0 Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia,15(6), ‘Vulnerabilidade/Fnvelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais’, pp. 11-22. Online ISSN 2176-001X. Print ISSN 1516-2567, ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGGIPUC-SP Reflexdes sobre o Tempo Social B Além do tempo astronémico: o sentido social do tempo Para Kant, tempo é a representagdo necessiria bisica para todas as intuig6es, dando significado a realidade de fendmenos — sendo inclusive sua condigao a priori. Pare ele, sio os processos internos — ¢ nao extemnos ~ que determinam nossas representagdes de realidade, Assim como o espago, ele nao esta nas coisas em si, mas no sujeito que o concebe. Desta forma, nao existe tempo fixo, mas sim percepgdo de tempo (Kant, 1985). Mesmo se compartilhamos uma experiéncia coletiva em relagao ao tempo, sua apreensdo — ou representagdo — € subjetiva. Para Sorokin ¢ Merton, 0 tempo matemético, meramente quantitativo, sem marcas ou lacunas, origem ou fim, ndo tem nenhum significado. B “vazio”. O tempo social é que imprime significados a porgdes de tempo tornando-o qualitative (Sorokin & Merton 1937, p. 623). Isso se reflete nos nomes dos dias, meses, datas especiais ¢ estagdes que determinam o ritmo da vida social (id., pp. 619-620) Os comportamentos simbélicos — como vestir roupas especiais, fazer refeigées determinadas, organizar celebragdes ou comportar-se de forma diferente -, contribuem para atribuir sentido as unidades de tempo, criando intervalos especificos ¢ estruturas que organizam 0 cotidiano (Leach, 1974), Acrescentem-se ainda as celebragdes religiosas, as passagens para a vida adulta ¢ velhice, a rotina (hordrios para acordar, trabalhar, comer, dormix), a definigo de perfodos mais adequados para as atividades humanas (descanso, lazer, negécios), 0s marcos hist6ricos — como guerras, revolugées -, os feriados religiosos ¢ os tabus — dias ou horétios impréprios para certas atividades. Muitas atividades so definidas em observagdo aos ciclos da natureza, para se obter mais fertilidade (épocas de plantar e colher), para cuidar da satide, da beleza etc. Com isso, as porgdes do tempo - hora, dia, semana, més, ano, décadas ou ciclos solares — sio revestidas de significado, Os dias dos mercados ¢ feiras, fundamentais por organizar os intercambios de recursos necessaries & subsisténcia, ‘io um bom exemplo da diversidade de apropriagio do tempo. A escassez ou abundancia de recursos pode influenciar numa semana mais longa ou curta em nimero de dias. Entre os Kasi', ela tem oito dias; para 0s Muisca (Colémbia), trés; na Africa Ocidental, em geral, quatro; para os povos da antiga Assiria e “Indias ocidentais”, cinco; entre os Incas, dez (Sorokin & Merton, 1937, pp. 624-625).” ' Thibo némade originada da regiéo onde hoje € 0 Afeganistio, ® No caso da lingua portuguesa, a associaso dos dias da semana com o termo'fera” no se deve &feira ou comércio, No ano S63, aps ‘0 Coneilio de Braga, fot decidido que na Semana Santa « homenagem a deuses pagdos nos dias da semana daria liga a feria ~ no latma "descanso”, No entanto, passada a Semana Santa, continuou-se a usar a “feta” para os das da semana, aa divisao da Semana em sete Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia, 1S ‘Vulnerabilidade/Envelhecimenta e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin I ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, 4 Jorge Machado Para Norbert Elias, a experiéncia do tempo na vida social é alcangada pelo esforgo que a sociedade fez no desenvolvimento de sua medigao. Prova disso é o constante aperfeigoamento dos aparatos tecnol6gicos para melhor medir, dividir, sincronizar e utilizar com eficiéncia 0 tempo social (Elias, 1992). Durkheim (1989) destaca que o calendério tem a fungao de criar e ritmo & manter a regularidade das atividades coletivas (Durkheim, 1989), Numa abordagem mais contemporinea, Giddens (1991) afirma que a “modemidade tardia”, expressa pela chamada “globalizagao”, € responsdvel por “acelerar” o tempo ¢ reduzir o espago, mudando as relagdes de troca ¢ tomando mais rapidos os processos de mudanga social em escala global. Para Roger Sue (1995, p.29), nao ha um tempo social tinico, mas cada sociedade tem seus varios blocos de tempo pelos quais articula, dé ritmo e coordena as principais atividades coletivas. Para cle, hi um "tempo social dominante”, Um tempo que, baseado numa pritica social preponderante, estrutura ¢ polariza o ritmo em tomo da qual se articulam os outros tempos. sobre a percepgao do tempo variavel, fortemente marcada por fatores culturais, inclusive 05 subjetivos, que repousam os principais fundamentos da existéncia humana, associados aos rituais de passagem, ao comportamento social, a velhice, as crengas espirituais e & postura em geral diante dos desafios cotidianos e face & perspectiva da morte. © tempo nao € apenas 0 eixo de ligagao entre tudo isso, como também entre 0 mundo exterior ¢ 0 mundo interior do individuo. Na vida social, como diz Taylor (1998), “negociamos” nossa identidade interior com os outros para sermos aceitos. Primeiro com nossa familia e amigos — os “outros importantes” - a quem nao queremos ferir. Depois com os demais “outros”, a propria sociedade. Assim, temos um ser “para os outros” e um “ser auténtico”, dentro de cada um. Essa negociagao do mundo interior com o mundo exterior pode deixar profundas marcas no individuo, tendo desdobramentos psicolégicos, sociais e politicos (reconhecimento de identidades das minorias étnicas, dos idosos, de homossexuais etc.). Nesse sentido, ser auténtico é um ideal na vida social. Na conexio entre os mundos exterior e o interior, o tempo cria a base para a atribuigo de significados que vao ordenar a vida ¢ as expectativas quanto ao futuro - imprimindo, marcando, oprimindo e conformando 0 individuo. «ias nos calenditios ocidentais, comegando pelo domingo, comegou em 321. Nesse ano, o Imperador Constantino determinou que se seguissem 08 ete dias de eiagio do mundo, conforme a Brblia,estabelecendo o domingo como a dia de descans, Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia IS ‘Vulnerabilidade/Envelhecimenta e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin I ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, Reflexdes sobre o Tempo Social 1s O tempo nao linear A nogdo newtoniana cléssica de tempo propée que o mesmo ¢ linear, continuo, uniforme e infinitamente divisivel e que avanca numa reta geométrica.’ Essa € concepgao convencional que temos de tempo nas sociedades modemas. Analogia para a curva do espago e tempo pelo efeito de forga de atragdo das massas. Ao contrério de Newton, Einstein ndo descreve a gravidade como uma forsa, idemtificando a matéria como origem da distorsdo geométrica Einstein demonstrou que 0 tempo nao é absoluto. Ao contrétio, é varidvel, relativo. E que estd sujeito a distorgdes geométricas pelo efeito das massas dos corpos, sendo por isso curvo. A descoberta de Einstein fez-nos compreender que o tempo € a quarta dimensio da realidade ~ as outras s4o espago, largura ¢ profundidade. Para a nossa percepgdo, 0 tempo parece ser fixo ¢ linear Captamos a realidade como tridimensional, tomando como referéncia uma defini¢ao uniforme de tempo. 5 0 cempo absolute, verdadeito ¢ matemitico, por si mesmo ¢ da sua prépria natureza, fui uniformemente sem relagdo com ‘qualquer coisa externa e € também chamado de duragio.” (Newton, 1990, p. 7). “Todos os movimentos podem ser acelerados © retardados, mas o fluxo de tempo absoluto nio 6 passivel de mudangas.” (i. pp. 8-8). Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia IS ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, 16 Jorge Machado Projecio na quarta dimensdo de uma imagem tridimensional rotacionada. Hipoteticamente, um observador na quarta dimensio poderia explorar todos os aspectos de uma realidade tridimensional. (imagem que pode ser vista animada na versdo em html deste artigo) (Imagem: Wikipedia, 2013) Apés Einstein quebrar 0 monolitico teérico da fisica newtoniana, 0 desenvolvimento da mecénica quantica, por sua vez, deu um né no tempo, ao propor a existéncia de dimensdes realidades paralelas. Em poucas palavras, a realidade que nés, socidlogos, tanto gastamos energia em entender, poderia nao passar de uma mera iluso ou ser apenas uma entre milhées de realidades possiveis (Tufaile, 2013), Os debates em tomo da relatividade geral e restrita, teoria de cordas e a mecdnica quantica trazem discusses complexas, néo conclusivas, mas extremamente interessantes para repensarmos 0 conceito de tempo. O fato de os investigadores das ciéncias humanas néo dominarem o jargio dificulta a transposigao das barreiras disciplinares. A aplicagao de principios quadridimensionais na anélise social pode trazer muita perplexidade aos cientistas sociais, pois interfere em seu préprio logos, estabelecido gradualmente por Comte, Spencer, Marx, Durkheim, Karl Marx ao longo do século XIX, num Ocidente imerso nas ideias cartesianas ¢ newtonianas. Como veremos a seguit, a cosmovisio das sociedades tradicionais consegue capturar melhor o sentido da dimensdo (curva) do tempo. Machado, J. (2012, dezembro). Reflexées sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia,15(6). “Vulnerabilidade/Envelhecimenta e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Print ISSN 1516-2567, ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGGIPUC-SP Reflexdes sobre o Tempo Social 7 Outras concepgées do tempo Ei seus estudos com os fndios Hopi‘, Whorf (1968, pp. 57-58) mostra como estes concebem o tempo como um fluxo continuo, onde todas as coisas do universo se expandem de igual forma. Segundo Whorf, na lingua Hopi, sequer existe palavra, expresso ou forma gramatical que se refira quilo que denominamos “tempo”. Em Hopi, a palavra que melhor traduz as relagdes temporais € tundtya, podendo ser traduzida por "esperar por". O “tempo” concebido pelos Hopis estaria na encruzilhada da divisio do mundo entre 0 manifesto (realidade objetiva) e 0 nio- manifesto (mundo subjetivo/oculto). Assim, os eventos passados estio de alguma forma presentes ‘ou ocultos nas coisas do tempo presente.’ Uma possfvel metéfora dessa concepgio é de pedras atiradas na Agua, gerando ondas que se expandem exponencialmente, sobrepondo-se e convergindo umas com as outras ‘ecos” e formando padrdes na malha do tempo. Para os Guaranis, 0 tempo se apresenta na forma de ciclos — nascer/morrer; dia/noite; plantar/colher etc. Mas hé um tempo-espaco originatio (0 tempo do néo-ser). O plano de existéncia em que vivemos estaria entre este tempo-espaco origindrio e 0 novo tempo do renascimento (arapyau onhemokandire). A vida humana € considerada como sombra, imagem ou imitagao da vida verdadeira (a divina) e esté num movimento de renovagio que ocorre continuamente, através do ciclo dos anos, do calendario ¢ da vivéncia, refletindo no mbyd reko (0 modo de vida guarani e sua ética). Pela cosmovisao guarani, vive-se uma errancia na Terra, num devir como “eterno presente” ou “futuro adiado” na busca da “Terra sem males” (Borges, 2002; Clastres, 1978), Entre os indios Camaiurés, o tempo é medido pela posigao dos astros e percebido pelo som da floresta © dos animais - como 0 som dos grilos, cuja intensidade aumenta gradualmente ao escurecer, mostrando o avangar de porgdes do tempo (nao dividido em horas). Para os Camaiurés, 0 relégio € um instrumento que marca a “melhor hora”; uma de suas utilidades € saber quando comega um programa de televisao ou para se sincronizar com atividades que ocorrem fora da aldeia. (Ramos, 2010). Para eles, as estrelas tém um papel muito importante para marcar, por exemplo, a estagao de chuva e o novo ano ~ indicado este pela posigao das Pléiades. A Via Lactea (Iwakakape) representa o caminho por onde passam as almas dos mortos para chegar na “aldeia celeste” (id., 2010, p.59), aparentemente “fora do tempo” A dependéncia do relégio est associada a sincronizagao e a disciplina no trabalho capitalista (ver Thompsom, 1998), Segundo Pierre Clastres, a média do tempo didrio de trabalho entre os * ‘ribo que habita a América do Norte * Numa sutil metifora, o foruo de um pessegueiro esté em sua sementee nela também esté 0 seu passado ~ a genedlogia da planta {que a gerou, Assim. em cada coisa e instant, jf esté conto todo o passa e futuro de cada ser, que apenas ndo foi manifesto Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia 1S ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin I ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, 18 Jorge Machado indigenas americanos e os da Africa demonstra em geral ser bastante inferior ao das sociedades industriais. O autor conclui que esses povos “dispdem, se assim o desejarem, de todo o tempo necessério para aumentar a produgdo de bens materiais” (Clastres, 1988, pp. 136-137). Nao sendo 0 tempo nem um recurso (tio) escasso, nem monetizvel, essa seria mais uma razao para nio atribuir- Ihe os mesmos significados que as sociedades modemas Ihe conferem. O tempo nas sociedades tradicionais esti profundamente associado aos eventos da natureza, As estagdes, aos rituais de passagem ¢ aos fatos marcantes da vida comunitétia, que de certa forma estéo holisticamente ligados, dando sentido uns aos outros. A concepgio das sociedades tradicionais sobre 0 tempo ser ciclico, espiralado ou circular’ ¢ © fundamento da concepgio de que vida € morte séo apenas parte de uma existéncia maior, j4 que tudo na natureza, da qual o homem faz. parte, pode ser identificado com ciclos, que cruzam e se integram em ciclos maiores. Assim, vida, morte € eventos marcantes esto associados com lugares, estagdes, pessoas (ancestrais), dando aspecto mistico e sagrado a cada coisa e selando — imprimindo significado — ao tempo. A cultura oral favorece isso, pois histéria e wadigdes esto associados a lugares ¢ eventos, fazendo que a natureza seja também parte da meméria viva, dando ressondncia a0 “passado” experimentado, fazendo que os ancestrais € os marcos significativos estejam presentes paralelamente ao agora que se experimenta’. Caracteristicas principais das diferentes concepgdes de tempo ‘Tempo linear ‘Tempo ciclico inrepetivel sem comego ¢ fim itreversivel tempo da vivéncia - agora permanente vuniforme ccurvo, com fluxo variavel Génesis ¢ Apocalipse ciclos espiralados divisio matematica do tempo (artificial) busca de sincronia com a natureza e seus ciclos Big bang ¢ Big crunch “inicio” ¢ “fim” se enlagam Os maias, reconhecidamente excelentes matemiticos e astrénomos, tentavam compreender © Apesar de ndo ter uma pesquisa extensiva sobre o assunto, pode.se afitmar que concepges lineares do tempo sio aparentemente entre 0s povos indigenas do continente american, 7 Muitos dos termos que o* antropdlogos usam pare explicar a concepgio desta cultras sio intraduziveis, tomando dificil « apreensio de suas cosmologias pelo bomem ocidental. Mesmo a nojao de espago € muito diferente. Na floresta wopical, 0s deslocamentos custam muito tempo; log, « nogao de eopago dire daguela da cidade; para o habiante da savana ou deserto, © feito &outra, O mesma se pode dizer com rlagso 3 apreensio das cores e tons, da relagd0 com a lz (expos 20 sol, dos tabus Slimentares e religisos ¢ una série de varaveis que se combinam e infiuenciam decsivamente na forma como um grupo social petecbe a sua realidad e constr sua casmovisie. Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Temdtica Kairés Gerontologia, 5 ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin I ‘So Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGGIPUC-SP 1516-2567, Reflexdes sobre o Tempo Social 19 os ciclos longos e menores e a associacao entre eles. Desenvolveram, assim, miiltiplos calendérios com os ciclos dos planetas do sistema solar, do sol ¢ astros vizinhos. Procuravam, com isso, mapear a relagio entre os mesmos ciclos, identificar os fenémenos relevantes (alinhamentos, eclipses), atribuindo-lhes significados, levando em conta que universo possui uma sincronia ¢ que o presente de certa forma se “recarrega” das energias expressas nas conjungdes dos ciclos de tempos. Acreditavam que, a0 conhecer melhor essas influéncias, era possivel estabelecer os dias mais propicios para cada tipo de atividade. Conclusées: tempo, imaginacao e realidade Muitas das solugdes tedricas para os segredos do universo — como a existéncia da massa escura e de como se dé 0 equilfbrio gravitacional dos astros - fazem com que 0 tempo-espago, tal como 0 concebemos, perca completamente o sentido. Para compreender um tempo nao linear, ha que buscar explicagdes nao lineares, seja nos ciclos, espirais ou outros recortes geomeétricos que se articulem com a relatividade do tempo e espaco. Como vimos através de alguns exemplos, muitas dessas concepgdes nao-lineares esto presentes nas cosmovisdes das sociedades tradicionais.* As ciéncias humanas em geral se mostram muito timidas para trabalhar com outros conceitos de tempo que nao sejam “newtonianos”. A maior parte das abordagens ainda trata as concepgoes altemnativas de tempo de sociedades tradicionais como “mito”, “representagio simbélica” ou, mais generosamente, como “cosmologia” — devidamente circunscrita a um contexto especifico, Ao admitir a existéncia de somente um tempo fixo, linear, uniforme, imeversivel, as cigncias sociais conferem o mais pleno vigor a finada fisica atomista newtoniana. Isto mostra que também a nossa concepgdo de tempo & “socialmente construida”, eventualmente “mitica” enquadrada dentro de uma “cosmovisao” de uma sociedade com um “sistema de valores especifico” — como comumente atribuimos a outras culturas tradicionais, Qual é © papel de nossos condicionamentos para termos essa visao da realidade? Olhando de fora, vé-se aj um enorme paradoxo, * Seria a conseincia ou a mente que daria significado ao tempo? Em boa parte das culturas americanas se fazem rituais em que, através de atividades extenuantes ou uso de plantas com o abjetivo de alterar o estado de conscincia, se busea quebrar a bareira dda mentee “acessat” ancestais, seres ou planos que estio em outrasdimensbes paralelas e “nlo-Fisieas” Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia IS ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Prin I ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, 2» Jorge Machado ‘A superagio desse paradigma pode abrir novos horizontes cientificos. Para isso, h4 que transpor as barreiras das disciplinas ¢ construir uma ciéncia multi-interdisciplinar, que apresente explicagdes melhores para os problemas contemporaneos. ‘Wright Mills, em seu famoso livro Imaginagéo Socioldgica, alertava os cientistas sociais para que em favor de uma pretensa objetividade ¢ neutralidade cientifica nao deixassem sua imaginagio ¢ a criatividade de ado (Mills, 1959). Segundo Einstein, responsavel por alguns dos maiores legados da hist6ria da ciéncia, “a imaginagao é mais importante que o conhecimento; este & limitado, enquanto a imaginagao abraga o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando & luz A evolugao” (Einstein, 1931, p. 97). ‘Temos que usar um “pouco de imaginag’o” para aceitar que os mesmos ciclos que governam: ‘as marés, as estagdes do ano, mostram os melhores dias para colher ¢ inclusive a formagio ¢ a morte de séis agem também incessantemente sobre o ser humano.” Muitos povos nativos, conscientes das forcas da natureza, procuravam observé-la para conhecer as suas leis. Nao terfamos razdes suficientes para questionarmos se nossas percepgdes esto realmente corretas? HA algo além do espaco ¢ tempo revelado pela mente? A simples admissio da possibilidade de os nativos estarem, de alguma forma, certos pode ter consequéncias profundas em nossos valores ¢ certezas, assim como na nossa relagao com a natureza. Compreender o significado da quarta dimensio tempo com pensamentos lineares ¢ tridimensionais é um desafio quase intransponfvel. Mas 6 nesta diregao para onde inevitavelmente avangario um dia as fronteiras interdisciplinares do conhecimento. A vida moderna nos traz muita comodidade e seguranga; a ciéncia nos trouxe maravilhosas descobertas que facilitaram enormemente a vida humana, mas as respostas as grandes questoes da existéncia humana permanecem intactas ao longo de milhares de anos. Um delas é 0 Tempo. "Para aqueles de nds que acreditam na Fisica, esta separasdo entre passado, presente e futuro & somente na ilusao." (Albert Einstein)"* » Com seus ciclos menstrusis sincronizados com a lus, a mulher conhece muito hem essa influéncia. Mas numa sociedade patriarcal, sso tem pouco significado ‘np stwww abereinsteinsite.com/quotesfeinseinguotes im Machado, J. (2012, dezembro). Reflexdes sobre o Tempo Social. Revista Tematica Kairés Gerontologia IS ‘Vulnerabilidade/Envelhecimento e Velhice: Aspectos Biopsicossociais”, pp. 11-22. Online ISSN 2176-901X. Print ‘io Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP 1516-2567, Reflexdes sobre o Tempo Social wu Referéncias Borges, L.C. (2002, abr.). Os Guarani. Mbyé ¢ a categoria de tempo. Tellus, 2, 05-122. Recuperado em 01 janeiro, 2013, de: ftp://neppi.ucdb.br/pub/tellus/tellus2/TL2_Luis%20carlos%20borges.pdf Clastres, P. (1988). A sociedade contra o Estado. TSantiago, Trad. Rio de Janeiro (RI): Francisco Alves. Clastres, H. (1978). Terra-sem-mal: 0 profetismo tupi-guarani. Sao Paulo (SP): Brasiliense. Durkheim, £, (1989). As formas elementares da vida religiosa. Sao Paulo (SP): Paulinas. Elias, N. (1992). Sobre o tempo. Rio de Janeiro (RJ): Zahar. Einstein, A. (1931). Cosmic Religion: With Other Opinions and Aphorisms. New York (EUA): Covici-Freide. Giddens, A. (1991). As Consequéncias da Modernidade. Sio Paulo (SP): UNESP. Leach, ER. (1974). 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