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capITULO 3 pSICOLOGIA. COMUNITARIA uma praxis libertadora Jatino-americana erbnica Morais Ximenes (eer agner de Lime Gis 1. Introdugdo (© compromisso social de transformagao e de lbertago 4o povo cearense, latino-americano, oprimido ¢ explorado, a construglo de sujeitos comunitérios e auténomos, constituem a base da Psicologia Comunitéria, Com efeito, o surgimento dessa atuagio no Cearé teve inicio em 1980, a partir das demandas psicossociais do Bairro ‘Nossa Senhora das Gracas (Fortaleza) e, por consequéncia, a ‘ecessidade de teorizar essa pritica. Esse nascimento social, empirico ¢ ndo tebrico da Psicologia Comunitiria, é 0 que a 4iferencia de muitas outras dreas da Psicologi ‘Numa realidade como a nordestina, carente de TeCursOS que garantam as condigdes minimas de sobre- ‘Nivéneia © a qualidade de vida da populagdo, a Psicologia Comunitiia prope uma visto de homem e de mulher ligada & €ssa realidade, ou seja, vistos como sujeitos da histiia, Comprometidos com a transformagio da propria realidade Sm ‘que vivem, influenciando-a e sendo influenciados Por ela, 46 VerBnica Morals Ximenes © Cezar Wagnes de Lima Gig [A Psicologia Comuntiia (Gis, 1993) no Ceara parte de teriag ue contibuem para a construrao tesrica © metodolégica, como: 4 Paicologia da Libertasdo (Martin-Baré), a Psicologia Histrico-Cultural (Vigotsky, Leontiev, Luria), a Educagao Libertadora (Paulo Freite), Biodanga (Rolando Toro) ea Teoria Rogeriana (Carl Rogers) [As construes da Pricologia Comunitrin © do Nicleo de Paicologia Comunitiria (NUCOM) eaminham juntas, pois © primeira rojeto de extensio universitria desenvolvido a pati da Psicologia, Comuaitria no Cearéjétrouxe o trips da teria, pritica e compromisso sia qu dew vida 0s 28 anos de histria construld po estudantes, professores, professores, moradores e moradoras das comunidades Deseavolvemos nossostrabalhos comunitirios e nossa produto scadémica pautados na prinis da Hiberagdo, que propde a vida, a libertag ea cidadania como horizontesa serem buscadose constuidos climafavorvel (Rogers, 1986), Ness organism, cada individu ¢ parte constuin, também, fundamental para o crescimento do todo As influncias da Teoria Rogerana sobre asistematizago ov Gois (2003) faz da Psicologia Comunitiria sio percebidas também auo cle waz as noges de valor pessoal e poder pessoal que Rose lo concstuu,Valr pessoal, segundo Gis (2003, p. 41), 6 tum sentimento de valor intrinseco que se manifesta quando | pessoa entra om contato com seu nicleo de vida, uma endéncia natural para a realizagio, Sentir-se capaz de viver, gostarde si mesmo, acreditar na sua eapacidade de conviver © realizar trabalho, . er rt comet omen ct ternemcnten eT rr pas nogees seriam a expresso do nileo de vida qu, histo- soi i sone npr GeO) masse a ee ee Se eee cml eee oe surgem como uma evolugdo das fungdes elementares do ser. ‘humano por ee eae aes eee oe eee Psicologia Comunitéria:\ Atividade Comunitéria, proposto por Géis & ‘baseado na Teoria da Atividade de Leontiev. Gois (2005) afirma que & sven nrc Cera Viger de Ln lit realdade objtiva (tividade instrumental) © transformaglo subjetiy, (atvidade comuniativa), podendo também esse aspecto comunicati, alterarndo apenas 0 funcionamento do préprio sujeito, mas de vito, Sujets implicados na realizasao da atividade,)Pereebendo que, denty de uma comunidade, existem atividades coletivas © um conjunto de sinticados ¢ sentidos especifcos compartilhados, podemos falar nig apenas de uma atvidade humana individual, mas de uma atvidade comunitiriae, ainda, de uma vida comunitria deslocando © eixo day trans formagaes sueito-objeto para um olhar diferencia e mais coerente com as necessidades do trabalho em intervengSes comunitrias Dentro da perspectiva histérico-cultural, entende-se que ax rica culturais tém efeitos profundos sobre a consttuigao do psiquismy os sujetos, que se consti a partir da relagao entre atividade subjetiva ¢ objetva, Portanto, as estratégias de desenvolvimento comunitiri precisam articular 0 desenvolvimento pessoal dos moradores com ¢ desenvolvimento coletivo por meio da atvidede comunitéia, da valor aslo das potencialidades locais e da formaso e fortalecimento das redes communitirins/Ao conceituaratividade comunitiia, Géis (2005) arma que ela deflagra alguns processos como a autonomia dos sujeitos, o fortalecimento da identidade, o desenvolvimento da consciéncia e dt responsabidade comunitéria. A Atividade Comunitériaatua, portant, como mediadora entre 0 desenvolvimento da comunidade © 0 desen- volvimento da consciéneia dos moradores._ Ximenes e Barros (2009) apontam conexdes entre a Perspectiva Histérico-cuturale a prixis do psicSlogo comunitirio tecem algumss conelusdes como: ampliaelo da andlise da relaglo do sujeito com signos e sentidos engendrados culturalmente, vividos no contexto das comunidades; superagdo das dicotomias entre individual e sociel e do desenvolvimento humano construido socialmente, contribuindo pars 8 compreensto das relagdes desenvolvidas entre o morador (sueito) €# realdade socal (Comunidade). A processualidade do desenvolvimento humano ea mediago do método genético constituem elementos que dle base ao método da psiologia comunitér ‘A Poicologia da Liberagio caracterizada como uma Psicologi® Social Critica (baie, 2005), pautada no materialism einteracionist™® ‘aléticos,e em Ignicio Martin-Baré como autor de destaque em si? aptso 3 Feealogs mai 55 foun se nin ba 9) ears pas ee a ee te a ser crcnte ope denna Sb ee ce podern caine § ts dace ee et eee ecu sah manor ta conan mute cid PE poles poms ma Anta Lan, can on epee apna rin amen ae Se ca cpamers etal, 208) Donn prope soda Litera pura cep te sce to ten cnc ae iors an A Reon nasa ao tuo cotewmeercinseeceea coment de ajo, psec porcine i enc ees eae ocala ae Ind «pa svn ona snes dr pe Ove Sa 13, Oftlo nas drums int pvecata pepe sua sonal de peas ees tains cate ‘ei aponvam © ats flan scour ee bps 6 Wee do ntw-onerao om some tre ee latino-americano pobre. As perguntas langadas por Martin-Baré sto: a se atta ge inept d cer do inom cet oe al espe an cage “inc anda sua slog ves? Mea 5). Staaane aavella compreesién de la existencia humana segun fn quale ‘destino de todos esi ya predeterminadoy todo hecho ccurre de ‘med inelucible. A los seres humanos no les queda mals opién ‘ie acatar su destino, someterse ala suerte que les prasriba st ‘ado (Martin-Bar6, 1998, p. 76). 56 verdnca ral Xmen Cesar Neer La ‘A Psicologia Comunitixia procura desvendar a naturalizagio 4 presio cm que s encntram os moradores das comunidades pobre, Nondestebrasileeo, facilitando a atividade comunitéria como caminh, para construirum mundo e ume comunidade, lugar de moradia digno, ‘Oestudo desenvolvido por Amaral (2007) considera a conseiénei, migica (Freie, 1980) eo carter oprimido (Geis, 2003) como clementa, aque ajudam a andlise do fatalismo € que sio trabalhados na Psicologi, ‘Comunitivia. A conseiéneia mégica ou semi-intranstiva esté presen, ‘em pessoas que naturalizam os acontecimentos e no se percebem con capacidade de madar a realidade, Delegam o seu poder enquanto sujc que tem potencialidade a outras pessoas e a seres supremos, no caso de religito. Segundo Géis (2008, p. $0): (© cariteroprimido surge das condicdesespectcas da classe ‘oprimida Ele formade pe bloquelo do potencial evolutvo ou hile de vida que se manifesta através das vivincias devildade, ‘sexualdade, cratvidade, afetivdade etranscendéncia realizado pelascondicbes pscossocais © econémicas de scbrevivincia © ‘eforgado por ua Ideologia de submissio resignacio. Nio lum eater neurético, e imum carter aienado sso quer dizer ue ruta do subdeseavolimentoe no de uma psicopatcloga. Suas manifestagées mais earactrisicas so as expresses de hostlidade e serviemo presentes nas acbes do oprimido, no pensar, no sentir @no agi. 3. Dialogo entre os marcos teérico-metodolégicos da Psicologia Comunitaria Alguns te6ricos latino-americanos da Psicologia Comunitit como Montero (2004, 2006), Lane (1996), Geis (1993, 2005, 2008) Freitas (2007), Branddo e Borin (1999) ¢ Ximenes, Nepomuceno & Moreira (2007) trazem contribuigdes de alguns desses marcos te6ri ‘etodoldgicos paraconstruso da Psicologia Comunittia. Paulo Fret Martn-Barée Vygotsi encontra-se presents em vitias discusses Pricologia Comunitiri, No caso da Psicologia Comunitria desenvolvié# Por Gis (1993), sto incorporados Rolando Toro e Carl Rogers. Pretendemos aprofundar as possibilidades de didlogos ¢ compl” Ientaridade desses cinco marcos teérico-metodolégicos. Adotamos ¢ = Capso 3-Psesoga Comuntna 57 rnp da nterdsciplinaridade 6. que propomos uma nova distin Pao como referénia que € 2 parr do conecimento dacplnar que se vena 0 daogo, 2 parcera, 2 constrgio coe, a coaberagio entre pars, rm a eo-construgio de Um proceso interdscipnar (Moraes, 2008, p. 119) gh a Psicologia Comunitiria ousa mais ¢ prope a transdicipinaidade? Proeurartranscender as disiplinas na tentativa de resolver o que fica além elas, com base no principio epstemolgico que impca uma attude de abertura Eo esprit humano 30 vivencar Um processo que envoNve Ua Tega diferente, una maneia de pensar mals elaborads, ura ‘apscidade de percep mals refnadae depurada da realdade para que elas fsa presente (Moraes, 2008, p. 120), ‘A diseusso do processo de construcio da Psicologia Comunitria tem, como paradigma, a “Complexidade” e, como ética, a *Libertagio”, {que tem como horizonte a libertagdo do ser humano. Essa ética est presente de forma diferente nos cinco marcos tedrico-metodolbgions que {io suporte& Psicologia Comunitiria e propiciaram construgfo de novos conhecimentos que transcenderam essas disciplinas, ‘Abusca por defines de paradigma teve uma fungdo importante para identifiearmos 0 seu conceit. A definiefo de paradigma por Kuhn (citado em Morin, 2007) possibilta a organizagdo semantica, logica € ideoldgica de conceitos ou categorias, complementando com Moraes (2008) que especifica que houve uma mudanga paradigmitice na cigncia no século XX para o século XXI com as descobertas da Fisica Quintica que: alterou substancalmente 0s conceitos de causlidade, determi ‘smo © separativdade da mecinica newtoniana que se havie ‘convertdo em modelo pars todas as demas ciénelas. Um ‘madelo no qual no havi lugar para as dimensées subjetivas do ser humano, seus valores @ os sigiicados de suas experncias anteriores (p28), Entlo poderiamos considerar a Complexidade como um Paradigma, pos ela implantou uma nova forma de vere alsa 08 fedmenos. Segundo Montero (200, p. 91), por arden se ened modi, 0 ede de cone gue inc ota ina encepcin del ini {58 rns Nos Xmen Car Wage Lia Gis $$ a aye cgneicente como Una cncpcn del mundo en qu Et ir eons entre ambos. “Soqundo Moraes (2008), qualquer paradigma tem elagBes lipicg cnre as dimensdes ontolgica, cpistemolégicas ¢ metodolgicas, gy. jaflenciam suas eorias,prinipios e conceitos. A partir das ideias cu, Montero (2004) apresenta sobre o paradigma da Psicologia Comunity, a autora acrescenta as dimensBes ica e politica com o objetivo de gue fasam pate integral da produglo do coahetimento, Incorporamos ess dimensdes no eixo transversal, nos marcos terico-metodol6gicos. 4 Liertago nfo sera um paradigmae, sim, ums postu presente na Esa da Libertagio, Com a incomporasio da Etica da Libertagao, trazetoy ‘© contento social da realidade de miséria © desigualdade presentes no rnordeste brasileiro, especificamente no Cear "Apresenga dos prinefpissstémico, da dilogicidadee datransts ciplnaidade do Paradigma da Complexidade pode nortear as relagte centre 0s marcos terivo-metodoligicos. Segundo Morin, Ciurana; Mota (2003), o principio sistémico tem como eixo que o todo é mais que a soma das partes eque nfo se pode conhecer cada parte separada do toda «nem o todo separado das parts. Na dilogicdade ests presente (© principio dalégico pode ser defindo come a associngio complexa (complementariconcorrentlantagénica) de instincias necessrias, conjuntamente necesiras 8 existnc’, © ao funco- ramenco @ 20 desemvohimento de um fenémeno orgarizado (Morn, Curana & Mott, 2003, p. 36). Esse principio nfo exige sintese, apenas coexisténcia necessérit entre conecits ¢ posturas. Segundo Weil, D'Ambrosio ¢ Crema (1993) 6 termo “transisciplinar’ foi ullizado pela primeira vez por Jean Piages que afrma a necessidade de que as interagbes ou reciprocidades ente 8 pesquisa especializadas acontegam num sistema total sem frontirs cstveis entre as disciplinas. Procura transcender as disciplinas st tentatva de esolvero que fic além delas. O principio sistémico necessi de um maior aprofundamento, Em sintese, terfamos a Psicologia Comunitéria, como teoria, ® ‘Complexdade, como paradigma, e a Libertagio, como ética. Os sc cinco marcos teérieo-metodolégicos atuariam a partir dos principi®? sistémico, dial6gico ¢transdisciplinar. Caputo Pesess Comuntie 59 44.Uma praxis libertadora latino-americana Segundo Géis (2005, p. 54), Cuando probleratzamot Pclga Coma na ‘Amba Lato acsoga a gr ro sero da bere sono exporado,& por entanrasqu 0 erg qu © ‘rio rsa para sa ora std reside mun wns de dorerorae «enor no kes para ‘Eun, or bp por, pla bro, plea na pris ertadora ‘Sanchez Vidal 2007) aponta nessa diregdo quando apresenta as diferengas entre a Psicologia Comunitiria da Europa e Estados Unidos, aque fala de liberdade dos individuos e a da América Latina, que fala de Iibertagdo das condigdes opressorase, consequentemente, da libertao os suits. A Psicologia Comunitiria da América Latina enfatiza 0 ter politico eo compromisso social com os pobre. Desse modo, queremos dizer que, na América Latina, 0 religioso, ‘opedagdgica,o floséfico eo psicoldgico se fundem e nascem de novo na realidade social de seu povo oprimido, que busca alibertaglo mediante ‘uma prixis lbertadora, ato este que € de conquista, de superagio, de ceonstientizagao. Por isso, & evidente que, para se completarem no ccontexto latino-americano, a Teologia, a Pedagogia, a Filosofia ¢ Psicologia, necessitam da palavra ‘Libertagdo', passando, assim, a ser ‘Teologia da Libertagdo, Pedagogia da Libertagdo, Filosofia da Libertagio € Pricologia da Libertagio. sa prs implica a extn de um individ nego de ‘em povo também nega, cisifead, no cat, Um ndicuo ‘eum pove que, na condi de domirade, descobremosertido ‘de "ser mas", de sr ve, de ser é8c0.Partem indviduo © ovo da condo de oprimido e explora par a Yberaxio, um proceso qu se relza com outros pra se pra. os oUroE indvidves © pov. Portano, nio hi iberaci se et produz novos catveres. Exemplo de ibertagio & a pris de muitos "movimentes soca de teragi dos pvos laine americanar {amenrins). © ser Ire signin sermos todos ves, sermos ovo lores (Gi, 2008, pp 45-6). 60. reese Cezar Woe onto desse marco enfeademos a Psicologia Comunitria uma cigncia que contribu para pensar © repensar de win pritic soci crrssuniiria que se distancia totalmente do assistencialismo, 0 qyy £ Seti eempobreceo homem, em dresdo a uma pti liberaden, te possbilita odssperar do sujet enguanto eka e consrta see propria histria como ser coletivo © nico, através de uma vig, Gialetic da realidade, na qual infuenciae influenciado. {ssa dimensio liberadora que construimos na Psicologia Com, nitiia nfo se limita somente aos moradores das comunidades em gue desenvolvemos os trabalhos de extensfo univesitira, mas, também, ag, ‘estudantes (nuconianos que passam de uma postura de meros espe. tadores do meio académico para criadores de teoras © priticas soci ‘que respondam as demandas da maioria da populagdo brasileira, qu, contraditoriamente, paga a uiversidade pblica ¢ nfo tem acesso a la, ‘Arelagio entre o conhecimento cientifico (Psicologia Comunity © 0 popular (Comunidade) & 0 grande desafio com que nos deparamos ‘quando propomos uma ciéncia comprometida com o social. Vale salient que a nossa caminhada teérieaepritica sempre fol inerente &pritice soci 'A nossa experiéncia como integrantes do NUCOM, enquano professoresisupervisores, possibilit-nos visualizar as mudangas que emergem das vidas dos nuconianos, dos moradores ¢ das nossas prépris vidas. Gostarfamos de compartlhar alguns aspectos desses processos dk rmudanga. Uma caracterstca presente no NUCOM ¢ que esse niicleo é cminentemente administrado por estudantes. Nés, professores/supet visores, damos supervisto os campos e estamos nas reunides da Coord nap Gora. Todas as aividades dos setores ¢ atuagio em campo si «executadas pelos nuconianos. © process seletive de novos nuconians € de total responsabilidade dos estudantes. A nossa presenga, enquatt supervisores, ésomente para respaldaro resultado. busca por ess prixslibertadora na atuagdo dos nuconianos et presente em alguns pontos:construglo do conhecimento critico, vivene 1otrpé teoriapritica/compromisso social, administraglo e coordena¢#? das atividades do micleo, campos, habilidades com trabalho em gr 2 Estudantes de graduapdo em Psicologia, questo inteprantes do NUCOM. conhecimento da relidade das comunidades, fuénca verbal, habilidade 8 afetivos. vesbomos emergéacia de lderancas democrtcs,processos de a eo vt ede ete, ese

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