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Economia do

patrimônio
cultural

Françoise Benhamou

Tradução
Fernando Kolleritz
Nota à edição brasileira

Este livro oferece informações para que profissionais e estudiosos


interessados possam enriquecer seus repertórios de avaliação do patrimônio
cultural, especificando diferenças entre, por exemplo, bens únicos, raros ou
típicos de uma época; replicados, públicos ou privados; símbolos nacionais;
entre outras modalidades que permitem aprofundar essa avaliação.
Benhamou analisa a economia do patrimônio cultural a partir da
experiência europeia, especialmente francesa. A autora lança luz sobre a
administração econômica do patrimônio cultural, ampliando a discussão
acerca da manutenção e gestão dos bens preservados. Nessa perspectiva,
museus, sítios arqueológicos, costumes, rituais, gastronomia, cantos, técnicas
artesanais e outros bens são analisados na perspectiva de seu retorno
financeiro, em muitos casos necessário para o custeio de reformas, a
realização de pesquisas, o pagamento de pessoal, a aquisição de materiais e
equipamentos e para a própria subsistência de grupos que têm esses bens
como fonte de renda, a exemplo de comunidades quilombolas no Brasil.
A ampliação do conceito de patrimônio cultural nas últimas décadas do
século XX no nosso país coloca a necessidade de avaliação dos avanços e
limites no reconhecimento dos bens tangíveis e intangíveis. Nesse sentido,
Economia do patrimônio cultural representa uma importante contribuição
para as reflexões e práticas de gestão dos bens culturais, com o objetivo de
alcançar equilíbrio entre preservação, administração e bom uso desses
recursos.
A publicação deste livro vem ao encontro das iniciativas do Sesc na
promoção de fóruns para a abordagem de experiências e políticas de
promoção e preservação da cultura material e imaterial, como é o caso das
estratégias para o fortalecimento das ações educativas e inclusivas.
Sumário
Nota à edição brasileira

Introdução

1 Os territórios flutuantes do patrimônio


As origens da tentação patrimonial
Uma palavra-ônibus?
O Inventário Geral
Uma noção polissêmica
Do patrimônio tangível ao patrimônio intangível
Os valores do patrimônio
A economia do patrimônio e da diversidade linguística
Preservar tudo? A inflação patrimonial
Deve-se restaurar os monumentos? Como?As recomendações adotadas em Veneza em 1964
Proibição de saída dos “tesouros nacionais”
As características econômicas do patrimônio
Bens únicos
Bens públicos
Bens geradores de externalidades
Direitos partilhados de propriedade

2 O “consumo” do patrimônio
Um consumo pouco popular
Interdependências de consumo e star-system patrimonial
A estimativa do valor e do consentimento em pagar
O método dos valores contingentes
O método pelos custos de deslocamento
O método dos preços hedônicos
O problema da tarifação
A elasticidade-preço da despesa
A variedade das políticas tarifárias
Gratuito, pago. As incertezas das políticas tarifárias dos museus
Gratuidade e democratização. Um debate recorrente, resultados enviesados

3 Os custos da preservação e dos serviços patrimoniais


Os custos da preservação
O patrimônio monumental e a “doença de Baumol”
A gestão dos serviços patrimoniais: uma aposta sempre difícil
A singularidade e a diversidade dos projetos de valorização
Gestão privada ou pública dos sítios e dos museus?
O ingresso múltiplo
As políticas de marcas
A mutualidade na gestão de um estabelecimento público
A valorização por meio dos direitos de propriedade intelectual
A fragilidade dos modelos econômicos
Receitas insuficientes para cobrir as necessidades de funcionamento
O risco de desvirtuação do patrimônio
A gestão do turismo de massa
Os custos de preservação e de acesso ao patrimônio imaterial
As estratégias de digitalização: entre cooperação e confronto
A digitalização, futuro da salvaguarda ou ilusão coletiva?

4 Os impactos econômicos do patrimônio


O emprego patrimonial
Efeitos multiplicadores?
A mensuração dos impactos
O peso do turismo na economia mundial
O efeito Guggenheim
Avaliação da atividade turística pelo Insee
O multiplicador, mera armadilha?
Externalidades negativas? Museificação do patrimônio ou destruição modernizadora?
Indicadores de atratividade cultural

5 As políticas patrimoniais
A decisão de preservar
A definição do perímetro da preservação
O nível correto da decisão. Financiamentos centrais ou locais?
A inalienabilidade do domínio público
O debate sobre a inalienabilidade no mundo: posições ainda polêmicas
Formas e montantes da intervenção pública
O problema do “passageiro clandestino”
A despesa pública patrimonial. O montante do empenho público na França
A produção de normas e de padrões de preservação
Os incentivos fiscais aos particulares
O pequeno patrimônio: auxílio sem proteção
Análise econômica dos dispositivos de auxílio e proteção
Risco moral, efeito de vantagem e efeito sobre a distribuição dos patrimônios
Avaliação do efeito de tombamento sobre o preço dos bens como legitimação econômica do subsídio
Avaliação do esforço desenvolvido
Na França, o Tribunal de Contas avalia dez anos de gestão de 37 museus nacionais (março de
2011)
O mecenato e a loteria, substitutos do empenho público?
Os fundos de doação
Exemplo de financiamento misto: o financiamento da arqueologia preventiva

6 O patrimônio, bem público global


A noção recente de bem público global
O que a noção de patrimônio mundial engloba
Globalização e patrimônio. O caso do “Louvre das Areias” em Abu Dhabi
Uma vontade política
A dimensão econômica da rotulação
Patrimônio e desenvolvimento. Esperanças ou desilusões?
Circulação do patrimônio e restituição
É preciso restituir as obras de arte?
O patrimônio ameaçado
A lógica da emergência
O direito internacional confrontado ao tráfico ilícito do patrimônio
Em direção a um “direito de ingerência” patrimonial?

Conclusão
Referências
Sobre a autora
Introdução
“A palavra é antiga, a noção é imemorial.” Como resumir melhor do
que André Chastel1 o caráter elusivo do patrimônio, um conceito que flutua
no tempo e no espaço? Quando o economista Guido Guerzoni define o
patrimônio cultural como um “conjunto de bens heterogêneos que se
transformam ao longo do tempo, que se encontram no cerne de um processo
de historização e que aparecem como o veículo de tradições culturais
específicas”2, os contornos do patrimônio parecem vagos e instáveis.
Mansões e moradias antigas, relíquias, castelos, dólmens, gastronomia,
línguas e saberes. O patrimônio cultural constitui-se de bens heterogêneos
tangíveis e intangíveis cuja base comum é a referência à historia ou à arte. O
patrimônio é vivo, permanentemente em processo, e sua configuração
constitui-se por meio das relações que uma sociedade mantém com sua
história. O termo “patrimônio”, que designa monumentos, obras e sítios,
estendeu-se ao patrimônio industrial e ao patrimônio ecológico. Quanto ao
patrimônio natural, é pensado como um dos elementos do patrimônio
cultural: quem poderia negar que a fisionomia de determinada paisagem
remete a uma cultura, a saberes e a tradições que contribuíram para moldar a
terra e o ambiente construído que nela se enraíza? O Japão, que foi um dos
primeiros países a adotar uma legislação de proteção das obras arquiteturais
e artísticas antigas (a partir de 1868), avança uma etapa ao assimilar homens
a “tesouros nacionais vivos” porque possuem competências e saberes
artísticos de cuja transmissão são encarregados: desde 1950, “Ningen
Kokuhō” é o título atribuído pelo governo japonês a esses artistas e artesãos
detentores e transmissores de saberes e de bens culturais intangíveis. O
patrimônio, assim, depende do passado, conta sua história e nos traz até o
presente, cuja criatividade nutre.
Além do âmbito dos bens, o patrimônio remete a serviços, a toda uma
simbólica, àquilo que constitui o fermento das sociedades. Essa extensão do
conceito não enfraquece seu alcance. O patrimônio é objeto de interesses
coletivos que podem expressar-se, dependendo das circunstâncias e dos
acontecimentos, nos planos local, nacional e até mundial. No mesmo
momento em que uma mera associação reúne os defensores de um pequeno
patrimônio rural, monumentos são designados como representativos da
história nacional, e é o mundo quase inteiro que descobre em 2001 a
destruição espetaculosa dos budas de Bamiyan pelos talibãs. A ferida
aumenta porque se trata de uma “destruição premeditada”, para retomar a
expressão de Fernando Báez (2008) a propósito da destruição intencional de
livros.
Atentados e guerras destroem riquezas insubstituíveis: a destruição das
cidades de Dresden e do Havre durante a Segunda Guerra Mundial, os
atentados à Galeria dos Ofícios em Florença (1993) e contra o mausoléu Al-
Askari da cidade de Samarra no Iraque em 2006 e 2007 etc. O cuidado
patrimonial fortalece-se com o triste espetáculo dessas perdas e com as
emoções coletivas que desencadeia.
Este livro atém-se principalmente às construções urbanas e rurais
(castelos, edifícios civis, patrimônio religioso, patrimônio industrial,
“pequeno patrimônio” – quiosques, capelas, escadas, casas tombadas etc.),
aos sítios arqueológicos, aos museus. Trata também das bibliotecas, dos
produtos da arte, dos arquivos e do patrimônio científico e técnico.
Interessa-se finalmente pelo patrimônio imaterial, o savoir-faire, as
tradições, as línguas etc. A área é gigantesca e a economia de cada um
desses campos não obedece necessariamente à mesma lógica. Ela está
relacionada com as atividades de turismo, com o artesanato artístico e, como
a difusão do patrimônio transita pela internet, com a economia das redes e da
informação. A articulação entre os modos de financiamento, o peso das
regulações e o peso das obrigações ligadas à valorização apresenta-se de
modo bastante diferente conforme os campos abrangidos.
A economia do patrimônio não se resume à questão dos impactos que
produz sobre outras atividades; todavia, a tentação de referir-se a esses está
sempre presente, e corre-se o risco, então, de instrumentalizar a cultura
concebida como mera criadora de empregos e geradora de rendas.
Discutiremos a pertinência e os limites da temática desses impactos.
O primeiro capítulo do livro desenha os territórios do patrimônio.
Mostra os fatores da sua amplificação e especifica as características
econômicas de bens e serviços. No segundo capítulo, mencionam-se os
elementos que determinam o consumo do patrimônio. Este sofre a influência
da alta dos custos de preservação (capítulo 3), frequentemente sob a
justificativa dos impactos econômicos do patrimônio e das perspectivas de
valorização de sítios e locais particularmente atrativos (capítulo 4).
Assumindo que o patrimônio depende da memória e da história, a questão de
saber a quem pertence e o enquadramento jurídico mais apropriado evolui
no tempo. Como articular instrumentos jurídicos e reguladores e
subvenções? Até onde os poderes públicos devem intervir? Que políticas
conduzir, como otimizar a despesa pública avaliando sua razão de ser, e em
que nível intervir (capítulo 5)? Essas questões colocam-se hoje no plano
mundial, notadamente no quadro da política patrimonial conduzida pela
Unesco com meios bem reduzidos; é aconselhável encaminhar-se para o que
podemos chamar de direito de ingerência patrimonial (capítulo 6)?

1 Chastel, 1986.
2 Guerzoni, 1997, p. 107.
Os territórios flutuantes
do patrimônio

O patrimônio é uma construção social3. Sua “produção” depende dos


agentes públicos e privados que concorrem na definição dos seus contornos.
Uma grande parte dos bens só se reveste de seu caráter patrimonial ex post,
quando se expressa a vontade de obstar o esquecimento e a destruição do
que aparece como suporte de identidade, arte e história.

As origens da tentação patrimonial


A Revolução Francesa vem acompanhada da sua sina de destruições
destinadas a apagar os rastros do Antigo Regime: saques de igrejas e
castelos, dispersão e destruição de coleções e de bibliotecas. Em 1794, o
abade Grégoire apresenta à Convenção4 “três relatórios sobre o vandalismo
e sobre os meios de reprimi-lo”. Exorta os revolucionários a cessar as
destruições e depredações dos bens do clero ou da nobreza, ligando a
vontade de preservar ao imperativo de instruir; denunciando o
“vandalismo”, em referência ao nome do povo que havia devastado a Gália,
ele inventa a palavra a fim de “abolir o ato”. A Convenção decreta uma pena
de dois anos de prisão para quem destruir ou deteriorar monumentos de
ciência e de arte por maldade.
As obras do Museu Central das Artes, que abre as portas para o
Louvre, provêm em sua maior parte de quadros das coleções régias e de
confiscos dos bens de emigrados. A Convenção convida o ministro do
Interior a comprar da mão de particulares quadros e estátuas para guardá-los
no “museu da República”.
A Comissão dos Monumentos Históricos é criada em 1837 e
encarregada de realizar um trabalho de inventário, classificação e repartição
dos fundos reservados pelo Estado à salvaguarda dos monumentos avaliados
como dignos de interesse. Mas faltam meios, e as recomendações
permanecem praticamente ignoradas pelos representantes eleitos e pelo
clero. O escritor Prosper Mérimée, primeiro inspetor dos monumentos
históricos, apregoa a adoção de uma lei que só será votada em 1887. A lei
prevê a criação de um modelo de tombamento dos monumentos e objetos de
interesse nacional e associa esse estatuto a um conjunto de direitos e deveres
a serem observados pelos proprietários. Porém, é a lei de 31 de dezembro
de 1913 que instala um instrumento jurídico moderno. Graças a alguns
ajustes permanece em vigor até os nossos dias. Em 1930, o trâmite de
proteção é estendido aos sítios naturais. Em 1962, André Malraux cria os
setores protegidos (centros das cidades antigas). Em 1983, as ZPPAUP
(Zonas de Proteção do Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico)
são instauradas, e posteriormente substituídas pelas áreas de valorização da
arquitetura e do patrimônio. Submetidas à iniciativa dos municípios,
destinam-se a proteger as zonas de visibilidade ao redor dos locais inscritos
ou tombados.

Uma palavra-ônibus?
Só podemos constatar a irresistível ascensão da inquietude patrimonial,
que remete a valores simbólicos, à ideia de nação e também à vontade de
preservar um quadro de vida e obras transmitidas pela história. Por um lado,
o patrimônio engloba obras e construções cada vez mais recentes. É o que
poderíamos qualificar de extensão natural do patrimônio. Ao mesmo tempo,
por outro lado, o campo abrangido continua progredindo para novos
territórios materiais (cafés, jardins, comércios, piscinas, alojamentos
sociais, elementos do patrimônio industrial ou marítimo) e imateriais.
Enraizada nos territórios, a noção emancipa-se mediante um interesse
coletivo crescente pela preservação do patrimônio intangível.

O Inventário Geral
Proteção e inventário estão ligados. O conhecimento é o primeiro
tempo da preservação e uma condição do acesso ao patrimônio. Quando
Guizot preconiza em 1830 a criação do cargo de inspetor-geral dos
monumentos históricos, pretende confiar ao ocupante do cargo um
trabalho de recenseamento e de catalogação dos edifícios “que merecem
uma atenção especial por parte do governo”. Mas a ideia de um Inventário
Geral só é posta em execução em 1964 por André Malraux e André
Chastel, com o objetivo de “recensear, estudar e divulgar toda obra que,
pelo seu caráter artístico, histórico ou arqueológico, constitui um
elemento do patrimônio nacional”. O Inventário abrange, segundo o
Ministério da Cultura e da Comunicação, “o conjunto dos bens criados
pela mão do homem na totalidade do território nacional: arquitetura e
urbanismo, objetos e mobiliário, públicos ou privados, por um período
datando do século V até trinta anos antes da data da pesquisa”.
Pesquisadores de campo descrevem as obras in situ, e cada fração do
território nacional é submetida a uma exploração sistemática.
A fim de adiantar esse trabalho gigantesco e quiçá um pouco
delirante (segundo André Chastel, o patrimônio abrangeria “da
colherzinha à catedral”), várias bases foram criadas: base Mérimée
(patrimônio monumental), base Palissy (patrimônio mobiliário), base
Archidoc (patrimônio arquitetônico dos séculos XIX e XX), base
Memória (fundos gráficos e fotográficos) e repertório das obras
arquiteturais e mobiliárias. Os serviços do Inventário têm também por
missão divulgar o patrimônio. Publicam regularmente os resultados dos
seus trabalhos. Em 2010, 35% do território está recenseado.
Hoje, as Regiões e a coletividade territorial da Córsega ficam
encarregadas, no respectivo território de competência, do Inventário
Geral, pelo qual têm plena e inteira responsabilidade científica e técnica,
da programação até a valorização. O papel do Estado limita-se ao
controle científico e técnico; define as normas que “dizem respeito aos
métodos de operacionalização, ao léxico, aos esquemas e formatos de
dados”.

Fontes: Gaillard (2002) e lei nº 2004-809, de 13 de agosto de 2004, relativa às liberdades e


responsabilidades locais.

Uma noção polissêmica

Em uma ocasião em que se pedia ao lorde Charteris, primeiro


presidente do National Heritage Memorial Fund criado em 1980, a definição
do termo “patrimônio” (heritage, em inglês), ele respondeu: “Tudo o que
quiserem”. Lemos no primeiro relatório do Memorial Fund: “Não podíamos
definir o heritage nacional mais do que podíamos definir, por exemplo, a
beleza e a arte. [...] Deixamos o heritage definir-se a si mesmo. Aguardamos
que nos peçam assistência os que consideram possuir uma parte do heritage
nacional digno de ser salvaguardado”5. Chastel, por sua vez, evoca uma
noção vaga e invasiva.
Como sublinhado por Vernières (2011), o patrimônio é um “construto
social” objeto de uma convenção ligada ao anseio de “marcar uma
identidade”. O Instituto Nacional do Patrimônio, que forma os conservadores
patrimoniais, distingue seis especialidades que cobrem um campo muito
vasto: museus, arquivos, arqueologia, inventário, monumentos históricos e
patrimônio científico, técnico e natural. Seria preciso juntar a essa lista as
bibliotecas patrimoniais, cujo primeiro lugar é ocupado pela Biblioteca
Nacional, que recebe o depósito legal6.
A convenção do patrimônio mundial adotada pela Unesco em 1972
define o campo do patrimônio por seus dois componentes: o “patrimônio
cultural”, que inclui monumentos (obras arquitetônicas, de escultura ou de
pintura monumentais, elementos de caráter arqueológico, inscrições, grutas),
conjuntos (grupos de construção) e sítios (obras do homem e/ou da natureza);
e o “patrimônio natural”, que abrange sítios, “monumentos naturais”,
formações geológicas, zonas constituindo o habitat de espécies ameaçadas7.

Do patrimônio tangível ao patrimônio intangível

Em 2003, a Unesco estende o campo abrangido pela convenção em prol


da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, incluindo as “expressões
vivas, as tradições que inúmeros grupos e comunidades do mundo inteiro têm
recebido dos seus ancestrais e transmitem a seus descendentes oralmente”. O
patrimônio imaterial inclui representações, saberes, habilidades, linguagens,
normas. Em 2010, a refeição gastronômica dos franceses – ou o que sobra
dela na era do fast food – é catalogada patrimônio cultural imaterial da
humanidade:

“Trata-se de uma refeição festiva cujos participantes praticam, na oportunidade, a arte de


‘comer bem’ e de ‘beber bem [...]’. Entre os componentes importantes encontram-se: a
escolha cuidadosa entre as iguarias constantes de um corpus de receitas sempre enriquecido;
a compra de bons produtos, de preferência locais, cujos sabores combinam; a combinação
entre iguarias e vinhos; a decoração da mesa; e um gestual específico durante a degustação
[...]”8.

O patrimônio imaterial distingue-se assim por duas dimensões: integra


o patrimônio intangível por natureza (normas, savoir-faire, costumes,
músicas, línguas etc.) e é uma extensão do patrimônio material, dando-lhe
sentido.
Em inúmeras culturas, o patrimônio material só tem valor em razão de
sua dimensão imaterial. No Laos, todo edifício é considerado um ativo
fundiário: em Luang Prabang, cidade catalogada na lista do patrimônio
mundial da Unesco em dezembro de 1995, os monastérios são regularmente
repintados e renovados sem que o respeito por um hipotético estado inicial
seja considerado essencial; em contrapartida, a procissão que acontece toda
manhã, permitindo aos monges viver da mendicidade, em conformidade com
suas regras religiosas, cria e simboliza a relação entre os locais, os
habitantes e suas crenças, incorrendo no risco de transformar esse ato
espiritual em espetáculo mercantil para turistas9. Em Porto Novo, a
população associa o patrimônio às práticas rituais situando-o no seio da
coletividade familial, e não entre os muros de habitações históricas10. O
Santuário de Ise no Japão é periodicamente reconstruído (segundo um
calendário determinado): a autenticidade à maneira ocidental (no sentido do
respeito à forma original) não apresenta muito sentido.

Os valores do patrimônio

Essa heterogeneidade conceitual reflete-se na diversidade dos valores


que se pode associar ao patrimônio. O valor estético e o valor histórico são
os que se percebem mais facilmente. São eles que nortearam a adoção da lei
francesa de 1913, que organiza dois patamares de proteção sobre a base do
interesse referente “à história ou à arte suficiente para tornar desejável a
preservação”. Riegl distingue a esse respeito o valor de rememoração (valor
histórico) e o valor de contemporaneidade (valor de arte e de uso)11.
O valor científico torna o patrimônio um objeto de saber e de memória.
Esses valores são reencontrados nas políticas de aquisição de fundos e de
digitalização.
A capacidade de um local patrimonial para atrair turismo e empresas
de serviços remete ao valor de comunicação e de apropriação do
patrimônio: funcionários e gestores são sensíveis ao ambiente arquitetônico,
estético ou histórico12. Essa dimensão aproxima-se do valor mercantil do
patrimônio, mas procede também do seu valor simbólico, que o identifica a
um condensado de história, de referências comuns, e que penetra na psique
nacional. Valores científicos (o de um sítio arqueológico) ou simbólicos (o
de uma igreja rural) fortes podem acompanhar um valor mercantil nulo ou
muito fraco.

A economia do patrimônio e da diversidade


linguística
Segundo a Unesco, a metade das 6 a 7 mil línguas faladas no início
dos anos 2000 poderá desaparecer antes do fim do século se nada for
feito para salvá-las ou preservar sua memória. De fato, a transmissão
entre gerações dessas 3 mil línguas em perigo está se fragmentando. Elas
são, entretanto, o elemento central do que se designa hoje comumente pela
expressão “patrimônio imaterial”.
O economista analisa a diversidade linguística sob dois pontos de
vista em conflito. Por um lado, o desenvolvimento econômico incita à
renúncia ao multilinguismo; por outro, a multiplicidade das línguas reduz
a capacidade de construir economias e mercados unificados. Ginsburgh e
Weber (2011) lembram que se podem contar 279 línguas em Camarões,
217 na República Democrática do Congo, 521 na Nigéria, 134 no Sudão e
129 na Tanzânia, e que esse pluralismo constitui um freio para o
desenvolvimento. Por outro lado, a diversidade linguística é uma riqueza:
a língua veicula estruturas de pensamento, é um elemento da identidade
dos povos e pode contribuir para a construção dos laços sociais
indispensáveis a um desenvolvimento econômico sustentável.
As políticas linguísticas variam consideravelmente de uma região
para outra: a União Europeia reconhece 23 línguas oficiais, embora um
bom número de documentos só esteja disponível em três línguas. A
escolha do multilinguismo é custosa (em gastos de tradução notadamente),
mas foi considerada indispensável do ponto de vista do respeito pela
diversidade cultural no seio da União. A Índia adotou duas línguas
oficiais (hindi e inglês) diante das quatrocentas línguas faladas no país.
É possível definir um “indicador de vitalidade” que permite medir o
estado de uma língua do ponto de vista de sua preservação; o instrumento
leva em conta o número de falantes e sua proporção na população, a
presença da língua nas mídias e na documentação, comportamentos e
escolhas políticas do país13.
A Unesco insiste sobre a relação entre preservação do patrimônio
cultural (no caso linguístico) e biodiversidade. De fato, as comunidades
locais e indígenas referem-se a sistemas classificatórios para o mundo
natural e designam as espécies por nomes indígenas, no quadro das
tradições orais. Quando uma comunidade começa a falar outra língua, as
espécies cujos nomes deixam de ser evocados são ameaçadas de
desaparecimento.
Indicadores de diversidade linguística foram elaborados e utilizados
como proxies da diversidade cultural. De fato, as distâncias linguísticas
seriam suscetíveis de refletir as distâncias culturais14. Constituem um fator
explicativo das relações comerciais bilaterais, dos fluxos migratórios,
assim como das estratégias editoriais de tradução15. O cálculo da
distância linguística repousa sobre a matriz das distâncias entre as línguas
indo-europeias elaborada por Dyen et al. (1992): a distância entre duas
línguas é igual à porcentagem de palavras das duas línguas que não
apresentam uma raiz comum. O indicador de distância situa-se entre 0 e 1.
Mais se aproxima de 1 e mais as duas línguas estão afastadas (por
exemplo, inglês e japonês), e mais tende para 0, mais estão próximas (por
exemplo, eslovaco e tcheco). Essa grade de análise permite a apreensão
das problemáticas de diversidade cultural sob o ângulo correspondente ao
das línguas traduzidas ou faladas16.

Sempre que reina o fetichismo patrimonial, o comércio prospera...


assim como os falsários. O muro de Berlim encontra-se hoje retalhado em
milhares de pedaços. Apesar das dúvidas sobre sua origem, a dimensão
simbólica desses pedaços de concreto fez subir seus preços, levando o
artista Peter Unsicker a lamentar que se tenha “comercializado a noção de
liberdade”17. O comércio das falsificações floresce. Estima-se que 200 mil
túmulos foram saqueados na China nas últimas décadas, e os objetos
recuperados são vendidos nos mercados especializados do país; embora a
legislação proíba qualquer especulação sobre objetos exumados desde 1949,
a alta dos preços suscitou vocações de falsários, e um grande número de
objetos “antigos” são fabricados por artesãos e camponeses.
Throsby (2001) insiste sobre o valor cultural, que se refere às
qualidades estéticas, sociais, simbólicas, espirituais, históricas e de
autenticidade ligadas ao patrimônio. O grau de identificação coletiva com
esses valores evidencia-se notadamente no voluntariado e na adesão a
associações de defesa do patrimônio. O National Trust of England,
associação sem fins lucrativos criada em 1895, consagra-se à salvaguarda e
à manutenção do patrimônio. Em 2010, reunia 3,8 milhões de membros e
61.500 voluntários encarregados de receber o público, de contribuir na
manutenção, de levantar fundos ou de disponibilizar competências; pode
adquirir propriedades sob forma de concessão ou doação, obter rendimentos
delas e gerir atividades turísticas. Mais modestamente, na Itália, o Fondo per
l’Ambiente Italiano contava 75 mil membros e gerenciava ou possuía 36
propriedades no mesmo ano.
Frey (1997) acrescenta o valor educativo do patrimônio, o elo com a
história e com a arte que a frequentação do patrimônio permite construir. Na
França, essa perspectiva pedagógica manifesta-se desde 1791, quando a
Convenção ordena a preservação de todo objeto suscetível de servir às
artes, às ciências e ao ensino.
Por fim, o patrimônio associa-se a valores sociais: é um elemento da
coesão social, da adesão coletiva a referências culturais. O economista
considera esse aspecto uma externalidade. Mas é preciso precaver-se contra
toda forma de angelismo cultural. O fervor patrimonial pode dirigir-se a
objetos e valores em conflito conforme as comunidades de pertencimento e a
história dos indivíduos incluídos. Até mesmo formas de violência
patrimonial podem surgir18.

Preservar tudo? A inflação patrimonial


François Dagognet (1999) evoca a “ideologia monumental” que preside
a vários tipos de proteção. As paixões identitárias impelem para a
patrimonialização e se estendem a campos cada vez mais amplos.
O primeiro critério é histórico: em 1791, a Assembleia Constituinte se
refere a ele ao ordenar que todo monumento anterior a 1300 seja
conservado. O campo da preservação estende-se também por insuficiência
de critério, quando a vontade de preservar procede do temor dos erros que
toda triagem pode engendrar. Essa inflação patrimonial coloca a questão da
manutenção e da valorização dos bens. Remete ao anseio de reencontrar
estados anteriores ou, pelo contrário, à vontade de acompanhar a mudança
econômica e a evolução das normas e dos gostos, com risco de transformar
totalmente um local e de se distanciar do estado patrimonial original. A
disputa abriu-se com as restaurações de Eugène Viollet-le-Duc. O arquiteto
empenha-se na restauração de construções medievais (Pierrefonds em
especial) e publica Entretiens sur l´architecture [Conversas sobre a
arquitetura] em 1863. Ele pugna por restaurações que vão bem além do
simples conserto, a ponto de “restabelecer (o edifício) num estado completo
que pode não ter existido em momento algum”. A essa vontade de
transformação contrapõe-se a posição de John Ruskin (que publica
especialmente The Seven Lamps of Architecture [As sete lâmpadas da
arquitetura] em 1849 e The Stones of Venice [As pedras de Veneza] em
1853, defendendo o respeito aos vestígios da história como manifestação de
autenticidade). Para Ruskin, é preferível abandonar à morte um edifício a
roubar-lhe a alma com tantas restaurações. A sina última de um monumento é
desaparecer: “O que pretensamente vale como restauração não é mais do que
a pior forma de destruição [...]. É impossível, tão impossível quanto
ressuscitar os mortos, restaurar o que um dia foi grande ou belo em
arquitetura”19.

Deve-se restaurar os monumentos? Como?As


recomendações adotadas em Veneza em 1964
A carta de Veneza beneficia-se dos trabalhos dos historiadores da
arte Camillo Boito (1835-1914) e Alois Riegl (1858-1905), que
aconselham uma via intermediária entre as restaurações sistemáticas de
Eugène Viollet-le-Duc e a vontade de John Ruskin de abandonar os
monumentos em seu estado característico de ruína. A carta enuncia os
princípios que devem presidir à preservação e à restauração dos
monumentos. Essas medidas devem salvaguardar tanto a obra de arte
quanto o testemunho da história. A função útil atribuída ao monumento não
deve transformar o ordenamento ou a decoração dos edifícios. A carta
proscreve “qualquer destruição e qualquer restauração que poderiam
alterar as proporções de volumes e de cores, assim como qualquer
deslocamento integral ou parcial do monumento, salvo casos especiais”.
No mesmo sentido, o documento lembra que os elementos de escultura, de
pintura ou de decoração que fazem parte integrante do monumento
somente podem ser separados quando essa medida é a única suscetível de
assegurar a preservação. A restauração deve conservar um caráter
excepcional; deve possibilitar a conservação e a revelação dos valores
estéticos e históricos do monumento e fundamentar-se no respeito à antiga
substância e a documentos autênticos. Quando as técnicas tradicionais são
inadequadas e o edifício está ameaçado, é lícito utilizar-se de técnicas
modernas de preservação e de construção. As contribuições válidas de
todas as épocas devem ser respeitadas, não sendo a unidade de estilo um
objetivo a ser perseguido no curso da restauração. Caso o edifício
comporte vários estágios de construção superpostos, expor um estágio
subjacente só se justifica excepcionalmente. A substituição de partes
desaparecidas e a restauração não devem falsear o documento de arte e de
história.

A disputa não acabou. E não tem somente a ver com o grau de


restauração. A economia do patrimônio encontra-se dividida entre as opções
dos conservadores (manter, preservar, facilitar o acesso) e os projetos dos
desenvolvimentistas (modernizar, transformar, valorizar).
Em 2011, contam-se na França 1.216 museus nacionais e um bom
número de pequenos museus privados ou públicos, 43.720 monumentos (ou
partes de monumentos) protegidos, dentre os quais 14.428 tombados e
29.292 inscritos, assim como 627 zonas protegidas (ZPPAUP), 102 setores
salvaguardados (inseridos pela lei “Malraux” de 4 de agosto de 1962 para a
salvaguarda dos centros urbanos históricos e, mais amplamente, de conjuntos
urbanos de interesse patrimonial), 119.483 objetos, 497.068 sítios
arqueológicos. No mesmo ano, 4.146 buscas arqueológicas foram realizadas,
dentre as quais 2.628 diagnósticos de arqueologia preventiva e 502
escavações preventivas. O Ministério da Cultura e da Comunicação (MCC)
criou a classificação “Cidade de arte e de história” (contavam-se 149 em
2010). Ela é atribuída geralmente a cidades de porte que se comprometem
com a valorização de seu patrimônio. As cidades assim classificadas passam
a receber apoio técnico e financeiro do Estado. É preciso acrescentar a essa
descrição os três centros de arquivos nacionais, os 101 serviços de arquivos
departamentais, 760 comunais e 26 regionais (alinhando respectivamente
366, 2.239, 536 e 75 quilômetros lineares de documentos). Para as
bibliotecas patrimoniais, além da Biblioteca Nacional da França (BnF),
depositária do depósito legal, é preciso mencionar algumas bibliotecas em
Lille, Bordeaux, Lyon e em outras numerosas cidades20.
Como evolui o estoque de patrimônio? Para os monumentos, o ritmo de
proteções é desigual; certos períodos conheceram aumentos especialmente
elevados, assim foi entre 1905 e 1914: em decorrência do voto da lei de
separação das Igrejas e do Estado, 1.200 igrejas foram tombadas. André
Malraux, ministro dos Assuntos Culturais de 1959 a 1969, só demonstrou um
“interesse episódico e seletivo”, focado em alguns monumentos e palácios
de porte, apreciando mais intensamente as belas-artes e a arqueologia: “Sua
curiosidade o direciona para as catedrais, os palácios de época clássica e os
mais notórios dos seus contemporâneos (arquitetos)”. Em contrapartida,
Malraux desejava que fossem reconhecidas tanto a vanguarda e a cultura
mais elitistas quanto as culturas mais populares, dando grande ênfase, por
exemplo, contra a opinião de sua administração, a preservação do palácio
do carteiro Cheval em Hauterives, considerado uma obra-prima de
arquitetura naïf 21. Ele defendia uma concepção malthusiana da preservação
(“50 monumentos por um século”) que se tornaria efetiva posteriormente:
passa-se da média anual de 725 novas proteções entre 1991 e 1999 a 365
entre 2000 e 2010 (ver quadros 1 e 2).

Quadro 1 Número de despachos de proteção para monumentos históricos


por década (França, 1836-2010)
Anos 1836- 1840- 1850- 1860- 1870- 1880- 1890- 1900- 1910-
1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900 1910 1920

Número 13 746 38 557 169 610 204 1.089 1.503

1920- 1930- 1940- 1950- 1960- 1970- 1980- 1990- 2000-


Anos
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Número 1.918 1.060 890 543 788 1.139 1.299 1.299 629
Um despacho pode incluir partes dos monumentos, e é possível aplicar vários despachos de proteção a
alguns imóveis.
Entre 2002 e 2007, algumas áreas tombadas de um mesmo monumento foram reagrupadas em uma
única unidade.
Fonte: MCC/Dapa/Deps.

Quadro 2 Número de inscrições por ano (França, 1993-2010)


Anos 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Número 652 600 638 555 559 409 354 399

Anos 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2010

Número 425 424 356 306 307 423 405 274


Fonte: MCC/Dapa/Deps.

Quadro 3 Sítios arqueológicos e escavações (França, 2004-2010)


2004 2006 2007 2010

Sítios arqueológicos recenseados


435.489 452.262 459.415 486.449

Operações de escavações terrestres realizadas:

Escavações programadas
272 258 280 340

Diagnósticos de arqueologia preventiva


2.112 2.659 2.515 2.628

Escavações preventivas
228 379 354 502

Fonte: Deps.
A política francesa pode ser considerada prudente. A Alemanha soma
um milhão de monumentos históricos. Na Itália, os edifícios públicos e as
obras pertencentes às coleções públicas com mais de cinquenta anos são
protegidos, qualquer que seja seu interesse artístico ou histórico22. No Reino
Unido, onde os primeiros dispositivos legislativos foram definidos a partir
de 1882, são também considerados vários patamares de proteção. A
dimensão histórica prevalece: todos os imóveis datando de antes de 1700
são protegidos, assim como a maior parte daqueles que foram construídos
entre 1700 e 1840; um edifício deve datar de mais de trinta anos para ser
protegido. Os imóveis datando do pós-guerra devem ser excepcionais para
serem tombados. Em 2010, 394.043 imóveis estão protegidos, assim como
1.606 parques e jardins, 9.080 zonas, 43 campos de batalha, 46 destroços de
naufrágio e 18 sítios tombados pela Unesco. Esse número importante advém
da sistematicidade dos tombamentos sobre a base de critérios históricos
assim como da não sistematicidade dos subsídios públicos em caso de
tombamento (o que reduz a demanda de proteção para edifícios privados23).
A proteção vale como rótulo, mas não impossibilita certas transformações,
ampliações e demolições, sob a condição de que tenham recebido
autorização da administração pública.
Os critérios da rotulação são plurais e pouco estáveis no decorrer do
tempo. Heinich (2009) propõe uma tipologia a partir do trabalho do
Inventário, a qual contrapõe, entre os critérios prescritos, os que são
unívocos (antiguidade, possibilidade de ser datado e documentado,
coerência com os procedimentos em curso, preservação da identidade,
estado de preservação) a aqueles que são ambivalentes (raridade,
originalidade). Certos critérios são proscritos (em especial a beleza, sempre
subjetiva), enquanto outros são latentes (acessibilidade).
Por toda parte, a vontade de preservar traduz-se também pela recusa da
exportação das obras de arte julgadas mais prestigiosas, que têm significado
para a história do país ou das suas coleções. Essa noção de que algumas
obras são vocacionadas a permanecer em dado território é antiga: Gombrich
(1992) lembra que o grão-duque Ferdinando de Médici havia constituído na
virada do século XVII uma lista de 18 pintores célebres cujas obras não
podiam ser vendidas no exterior.
O anseio pela preservação do patrimônio científico e técnico aparece
no século XIX. Como sublinha Robert Halleux24, a constituição desse
patrimônio é, ao mesmo tempo, acidental e deliberada: a obsolescência dos
utensílios e das máquinas é rápida e atiça a vontade de preservação dentro
de uma lógica de restituição do progresso da ciência e das técnicas. Em
contrapartida, no século XX, com a importância das revoluções científicas,
há menos preocupação com a preservação do passado. É nos Estados Unidos
que essa preocupação ganha força nos anos 1950, representada na França
pela ação do Conservatoire des Arts et Métiers (Cnam), consagrado como
local essencial da preservação e da valorização da história da pesquisa
científica.

Proibição de saída dos “tesouros nacionais”


A França proíbe a exportação dos seus “tesouros nacionais”, salvo
exceções temporárias, como por ocasião de exposições. Entende-se por
essa designação os objetos classificados como monumentos históricos, os
arquivos tombados, as obras de coleções públicas assim como as obras
das coleções protegidas pelo rótulo “Museu de França” (a noção só se
aplica a obras datando de pelo menos cinquenta anos e cujo autor já esteja
morto há cinquenta anos). Os outros bens culturais estão submetidos a
controle em função de dois critérios: um limiar de valor e/ou um limiar de
antiguidade. Os objetos arqueológicos, os elementos de monumento
histórico ou artístico, os manuscritos e incunábulos são sistematicamente
submetidos ao controle de exportação, qualquer que seja seu valor.
Quadros de valor superior a 150 mil euros, mosaicos, desenhos, gravuras,
estampas, litografias originais, fotografias, mapas geográficos de mais de
duzentos anos com valor superior a 15 mil euros, assim como estátuas,
esculturas, bronzes a partir do original e livros com mais de cem anos,
são também submetidos a controle. Esses bens devem ser acompanhados
de certificado atestando que podem circular livremente no interior da
União Europeia e receber uma licença para exportação em caso de saída
da União. A administração pode decidir-se por um tombamento de trinta
meses, para além dos quais pode escolher entre a autorização de saída, a
aquisição (segundo procedimentos facilitados) e o tombamento a título de
monumentos históricos.

As características econômicas do patrimônio

Bens únicos

O patrimônio é basicamente constituído de bens únicos. As


administrações encarregadas do patrimônio tendem, entretanto, a integrar aos
objetos protegidos bens que não são únicos, mas raros e típicos de alguma
época ou categoria25.
No caso de bens únicos, a não preservação constitui uma perda
irreversível, pois só podem ser encontrados substitutos imperfeitos, no
melhor dos casos, dos bens ameaçados pelo tempo: “Cada geração oferece
uma interpretação diferente do passado e depreende dela ideias novas. Toda
diminuição desse capital leva a um empobrecimento cuja perda é tão
sensível que não pode ser compensada, nem mesmo por criações de alta
qualidade”26. A irreversibilidade é uma ameaça que afeta toda decisão de
transformação e, a fortiori, de destruição. Entretanto, sem dúvida porque os
bens são duráveis, é tentador adiar a decisão de restaurá-los. Grande número
de catástrofes que afetaram os bens patrimoniais provém dessa negligência
cuja premência redobra pela falta dos recursos necessários à preservação;
há de se ter em conta que dispositivos jurídicos e administrativos não bastam
para assegurar a proteção e a salvaguarda do patrimônio. A história é
testemunha desse descaso e se nutre de panfletos e denúncias que só
raramente obstarão a propensão das sociedades, embora sempre prontas a
devotar um culto ao “seu patrimônio”, para destruir o que a história
conseguiu lhes legar. Desde a Restauração27, Montalembert denunciava a
pilhagem das obras na Revue des deux mondes [Revista dos dois mundos]
(1883). Victor Hugo, ardoroso defensor do patrimônio, havia por sua vez
intitulado um dos seus panfletos Halte aux démolitions [Não às
demolições]. Malgrado as inúmeras vozes que se levantaram contra as
degradações do patrimônio, consideradas todas como injúrias à identidade
dos povos e à arte, as destruições nunca cessaram, por vezes motivadas
pelos caprichos da moda e pelas exigências da vida contemporânea, e muitas
vezes lamentadas com o passar do tempo. Léon Réau publica em 1958 uma
Histoire du vandalisme 28 [História do vandalismo], que constitui uma
acusação implacável contra as omissões e concessões que conduziram a
danos irreversíveis causados pelos partidários de uma renovação urbana tão
apressada quanto ignorante.
A característica da unicidade comporta uma segunda especificidade.
Implica um poder de monopólio pelo detentor da propriedade, mesmo
pública, de um bem patrimonial. É ele que define as modalidades de acesso,
sem prejuízo das restrições ou das obrigações eventualmente impostas pelos
regulamentos. Pode desenvolver uma política de regulação do acesso sob
duas modalidades diferentes. A primeira se refere ao preço. Se a demanda
se mostra indiferente ao preço, o proprietário dispõe de grande liberdade na
fixação da tarifa de visita. A regulação pode também afetar as quantidades: o
proprietário pode decidir limitar o número de visitantes, notadamente
quando a lotação excessiva ameaça a conservação de um monumento ou de
um sítio.
Embora a qualidade de ser único implique uma fraca possibilidade de
substituição entre os bens, essa não é inexistente. Em Paris, alguns museus e
monumentos históricos estão abertos no dia de fechamento da maioria dos
outros. O turista pode optar, por exemplo, pelo Museu de Orsay por não
poder visitar o Louvre, mostrando por seu comportamento que a visita ao
primeiro constitui um substituto à visita ao segundo.

Bens públicos

O economista distingue os bens privados, divisíveis e exclusivos, e os


bens coletivos ou públicos, não divisíveis e não exclusivos (os quais podem
ser detidos por pessoas físicas, jurídicas ou por associações). Enquanto, no
caso dos bens privados, dois agentes não podem se beneficiar
simultaneamente do uso do mesmo bem (os agentes, logo, são rivais), os
bens públicos são não rivais, isto é, são consumidos igualitariamente por
vários agentes ao mesmo tempo. Além do mais, não se pode utilizar o preço
como meio de impedir um indivíduo de consumir um bem público29. Em
contrapartida, quando não há rivalidade, mas a exclusão pelos preços é
possível, sobrevém o caso dos bens coletivos compartilhados e pagos30.
Esses últimos podem ser submetidos à afluência excessiva.
Alguns exemplos permitem ilustrar esses diferentes casos. Os cartões-
postais que representam a pirâmide do Louvre ou os objetos de gesso e
reproduções vendidos nas lojas constituem bens privados: para possuí-los, é
preciso comprá-los ou que alguém os adquira para nós. As fachadas de um
monumento histórico visíveis a partir de uma estrada rural constituem bens
públicos. Cada indivíduo pode fruir de sua visão sem pagar e sem impedir o
consumo de outro transeunte. Por outro lado, vários indivíduos podem se
beneficiar ao mesmo tempo da visita a um sítio ou monumento; é possível
que a entrada seja cobrada, e podem surgir efeitos de congestionamento ou
de superlotação que prejudiquem a qualidade da visita. A satisfação
individual depende então do número de usuários que se beneficiam da
mesma visita ao mesmo tempo. Encontramo-nos no caso de bens coletivos
compartilhados e pagos.

Bens geradores de externalidades

Os bens patrimoniais engendram externalidades positivas públicas ou


privadas. O que se entende por isso? Há externalidade positiva quando um
indivíduo (ou uma pessoa jurídica) beneficia-se da ação de outro sem que
haja remuneração cabível. Essa situação expressa falhas do mercado: o
beneficiário não é necessariamente quem financiou a atividade.
A cultura e, em especial, o patrimônio abundam de exemplos desse
tipo: a proximidade de um monumento tombado cria valor para as outras
habitações que o circundam. O tombamento traduz-se por uma melhoria do
bem-estar coletivo. Os benefícios não mercantis do tombamento consistem
na satisfação obtida por alguns graças à melhoria do meio ambiente urbano
ou da paisagem. Provêm também da possibilidade de fruir da vista dos
arredores e do orgulho que os habitantes podem sentir diante do que
consideram como “seu” patrimônio, quem quer que seja o proprietário
efetivo.
Além disso, o patrimônio reforça o prestígio nacional. É fator de
enriquecimento do capital humano31. Outras formas de externalidade estão
ligadas ao patrimônio. Passam para gerações futuras: o patrimônio constitui
um legado destinado a outras gerações. Essa característica reveste duas
dimensões: a primeira é que cada geração tem por encargo a transmissão do
patrimônio que herdou. O que corresponde à logica de gerações entrelaçadas
e solidárias. A segunda é que cada geração cria um novo patrimônio para as
gerações vindouras. O patrimônio não se encontra nesse caso nem
predefinido nem fechado. Seu perímetro não para de evoluir.
Direitos partilhados de propriedade

Do ponto de vista do seu estatuto jurídico, os bens patrimoniais podem


ser públicos ou privados. Na França, em 2010, 3,7% dos monumentos
tombados e inscritos pertencem ao Estado, 1,9% ao departamento ou à
região, 43,5% ao município, 1,3% a um estabelecimento público, e 49,6% a
um particular (no que diz respeito apenas aos edifícios tombados, a parte
dos monumentos públicos é mais elevada, e a dos monumentos privados
passa para 34,9%)32. Quem quer que seja o proprietário, privado ou público,
o exercício do direito de propriedade é enquadrado pelas normas e regras
que presidem à preservação dos monumentos protegidos. É o que defendia
John Ruskin em The Seven Lamps of Architecture [As sete lâmpadas da
arquitetura]: “A preservação dos monumentos não é uma questão de
conveniência ou de sentimento. Não temos o direito de tocá-los. Não nos
pertencem. Pertencem em parte aos seus construtores e em parte às gerações
seguintes”33.
O economista Barzel (1997) propõe um quadro de análise da natureza
da propriedade privada que contribui para interpretar o caso específico dos
bens patrimoniais. Esses bens não são entidades homogêneas e podem ser
decompostos em um conjunto de atributos. Por exemplo, um imóvel tombado
é caracterizado pelo valor de uso, tamanho dos apartamentos, estado de
limpeza, grau de exposição ao sol etc. Esses atributos privados são
“consumidos” pelo proprietário ou por seus locatários; mas os atributos
históricos do imóvel são partilhados com a coletividade. Escapam ao
exercício do direito de propriedade.
A partir do momento em que consideramos que os direitos de
propriedade não se referem ao bem em sua totalidade, mas a seus atributos,
um bem pode ter um único proprietário, do ponto de vista do direito, e
vários, do ponto de vista econômico, caso tais atributos se relacionem à
propriedade privada ou à coletividade. Essa dupla dimensão é resumida por
Victor Hugo: “Há duas coisas num edifício: seu uso e sua beleza. Seu uso
pertence ao proprietário, sua beleza a todos; destruí-lo é, pois, exceder um
direito”34. As mesmas dimensões são reencontradas na literatura econômica;
Kling e Sable (2001) distinguem dois traços nos bens patrimoniais: a
utilidade para o indivíduo ou para o agregado familiar, e a capacidade dos
bens em oferecer “uma experiência partilhada com a coletividade”. À sua
maneira, o “fachadismo”, o recurso bastante usual de mera preservação da
fachada contrastando com a renovação completa dos interiores na plena
indiferença quanto ao seu estado inicial, diz respeito a essa dicotomia.
A natureza cultural dos bens leva a limitar o campo de aplicação do
direito de propriedade, até em países como os Estados Unidos, tão atentos à
proteção da propriedade privada: o National Historic Preservation Act de
1966 deixa claro que os planos de preservação do patrimônio devem
respeito integral ao seu exercício. Mas a autorização de demolir um imóvel
de fraco interesse arquitetônico situado num distrito histórico pode ser
recusada sem que o proprietário receba qualquer indenização35. Da mesma
maneira, a ampliação da estação ferroviária Penn Central foi proibida em
1978 pela cidade de Nova York; o juiz a quem os proprietários protestaram
ratificou a recusa lembrando que uma cidade deve saber impor restrições ao
desenvolvimento a fim de preservar um bairro histórico, mesmo que
causando um tipo de prejuízo. Não foi atribuída qualquer sorte de
compensação pela desvalorização sofrida pelo estabelecimento36.
As administrações encarregadas do patrimônio assim como os juízes
são levados a arbitrar entre o respeito ao pleno exercício do direito de
propriedade e a preservação do patrimônio. No primeiro caso, assume-se o
risco de abandonar ao proprietário a responsabilidade do devir patrimonial,
e, no outro caso, o de impedir o crescimento, a modernização e o
desenvolvimento do tecido urbano ou rural.
3 Barrère et al., 2005.
4 A Convenção foi o nome dado à Assembleia Constituinte que governou a França de 21 de setembro
de 1792 a 26 de outubro de 1795, período em que a República foi proclamada. Henri Jean-Baptiste
Grégoire (1750-1831), conhecido como abade Grégoire, foi um sacerdote católico, bispo constitucional e
homem político, uma das principais figuras emblemáticas da Revolução Francesa. [N.T.]
5 Apud Hewton, 1987.
6 Instituído na França por Francisco I, édito de 28 de dezembro de 1537.
7 Ver capítulo 6.
8 Disponível em <www.unesco.org/culture>.
9 Benhamou, 2010.
10 Cousin e Mengin, 2011.
11 Riegl, 1903, trad. 1984.
12 Ver capítulo 3.
13 <www.unesco.org>.
14 Cavalli-Sforza, 2000.
15 Sapiro, 2008.
16 Benhamou e Peltier, 2007.
17 Le Monde, 22 de outubro de 2009.
18 Ver capítulo 6.
19 Ruskin, 1849, trad. 2011.
20 MCC, 2011.
21 Laurent, 2003.
22 Peacock e Rizzo, 2008.
23 Ver capítulo 5.
24 Ballé et al., 2010.
25 Heinich, 2009.
26 Leniaud, 1992, p. 57.
27Restauração: período histórico da França (1814-30) após a queda do Império Napoleônico, durante o
qual a monarquia foi restaurada. [N.T.]
28 Atualizada por Fleury, Leproux e Réaux, 1994.
29 Samuelson, 1954.
30 Buchanan, 1965.
31 Mossetto, 1992.
32 Segundo o Deps.
33 Ruskin, 1849.
34 Hugo, 1834.
35 Ver caso Figarsky com Historic District Commission, 1976.
36 Benhamou, 2003b.
O “consumo” do patrimônio

Sazonal e distribuído muito desigualmente, o consumo patrimonial não


deixa de ser elevado. Está relacionado com variáveis de lazer e educação, e
o preço só interfere marginalmente na decisão de visitar este ou aquele local
patrimonial.
Os economistas distinguem o valor de uso dos bens patrimoniais, que se
traduz no mercado pelo valor mercantil (aluguéis, preço de venda) ou pela
tarifa de ingresso, e o valor de não uso, ou valor passivo, que procede do
caráter específico dos bens, encontrável nos bens ambientais: valor de
existência, valor de opção e valor de transmissão para as gerações futuras. O
valor de existência é a satisfação que se tem ao saber que existe, no próprio
país ou em outro lugar, um grande monumento ou um grande museu, mesmo
sem nunca visitá-lo. O valor de opção consiste na possibilidade de visitar
tal ou qual monumento sem horizonte predefinido. O valor de herança é a
fruição extraída pelos cidadãos da transferência do patrimônio para sua
descendência. Esses três valores não se traduzem por um preço, já que não
ocasionam um consumo imediato. Podem, entretanto, justificar o recurso
para financiamentos públicos37.

Um consumo pouco popular


Criadas em 1983 e imitadas por vários países, as Jornadas do
Patrimônio testemunham uma espécie de fervor patrimonial. Na França, em
2011, reúnem 12 milhões de visitantes para 16 mil sítios disseminados por
todo o território. Focadas inicialmente no franqueamento de monumentos
privados e públicos normalmente fechados ao público, celebram, na ocasião
de sua 27ª edição, Les Grands hommes: quand des hommes et des femmes
construisent l’histoire [Os grandes homens: quando homens e mulheres
constroem a história], reverenciando o rastro dos homens e das mulheres nos
edifícios que construíram ou habitaram, com a intenção de privilegiar o
diálogo entres os homens e os locais.

Quadro 4 Ingressos nos monumentos nacionais (em milhares de unidades)


Crescimento
durante o
1994 2000 2002 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
período
(%)

Ingressos
pagos 6.979 6.905 6.787 6.196 5.490 5.937 6.237 6.081 5.923 5.577 - 20 %

Ingressos
gratuitos 1.097 1.998 1.941 1.890 1.746 1.643 2.091 2.215 2.695 2.830
158%
Total
8.076 8.903 8.728 8.086 7.263 7.580 8.328 8.296 8.618 8.407

Gratuito/
14% 22% 22% 23% 24% 22% 25% 27% 31% 34% 4%
total (%)
Fonte: MCC/Deps.

Apesar desse fervor, a análise da frequência dos monumentos para um


período de 16 anos (1994-2000) mostra alguma estabilidade na composição
socioprofissional do público. A frequência do patrimônio, certamente menos
elitista do que a do teatro, é aparentada, do ponto de vista da estrutura
socioprofissional dos visitantes, com a população que frequenta cinema pelo
menos uma vez por ano. Todavia, a estabilidade do perfil dos visitantes
surpreende aqueles que apostam no efeito incentivador da gratuidade sobre a
frequência: a proporção dos ingressos gratuitos passou no mesmo período de
14% a 34% do total das entradas38.
Voltamos a encontrar as desigualdades tradicionais em matéria cultural,
correlacionadas ao nível do diploma e das categorias socioprofissionais. Os
visitantes mais assíduos são os mais preparados, os mais diplomados e os
mais urbanos (ver quadro 5).
Se não encontramos diferença notável entre a frequência de homens e a
de mulheres, contrariamente a outras práticas culturais pelas quais as
mulheres parecem demonstrar uma inclinação maior do que os homens
(exceto as práticas ditas tecnológicas), as clivagens são importantes entre os
habitantes de Paris intramuros e os habitantes da área metropolitana
parisiense.
O caso francês não é único; um relatório recente sobre os museus dos
Países Baixos mostra que os visitantes são em regra mais diplomados e
provêm na sua maioria das quatro maiores cidades do país39.
A idade desempenha um papel marginal: a aposentadoria pouco
modifica tais hierarquias, leva simplesmente à pequena baixa da frequência
em todas as categorias socioprofissionais. No que diz respeito aos jovens, a
despeito do acréscimo das visitas escolares, havia 17% com menos de 18
anos entre os visitantes dos museus nacionais em 2003, e 15,6% em 201040.
A não frequência é um fenômeno estável e especialmente difícil de
enfrentar. Malgrado um acréscimo total dos ingressos nos museus, 70% dos
franceses de 15 anos ou mais não visitaram qualquer museu ou exposição
durante 2005; a porcentagem permanece a mesma em 2008. Até mesmo
aumentou entre 2003 e 2010.

Quadro 5 Frequência nos equipamentos culturais no curso do último ano,


França, 2008 (em %)
Sobre 100
Exposição Centro
pessoas de Sítio Monumento
(pintura, de Museu
cada grupo, arqueológico histórico
escultura) arquivos
visitaram:

Conjunto 24 3 9 30 29

Homens 24 3 11 30 31
Sexo
Mulheres 24 3 7 29 28

15 a 19 anos 21 3 8 37 36

20 a 24 anos 26 2 6 34 36

25 a 34 anos 21 3 7 29 32

35 a 44 anos 25 3 10 34 32
Idade
45 a 54 anos 28 3 10 29 30

55 a 64 anos 27 3 12 31 31

65 anos ou
19 3 7 21 19
mais

Nenhum, CEP 12 1 4 15 14

CAP, BEP 18 3 7 23 24

BEPC 24 2 9 26 30

BAC 31 4 14 37 40
Diploma41 BAC + 2 ou +
40 4 15 47 47
3

BAC + 4 e
61 8 20 72 64
além

Ensino médio
ou 29 4 9 47 45
universitário

Tamanho da Comunidades
17 2 7 22 24
aglomeração rurais

Menos de 20
19 2 9 23 26
mil habitantes
Sobre 100
Exposição Centro
pessoas de Sítio Monumento
(pintura, de Museu
cada grupo, arqueológico histórico
escultura) arquivos
visitaram:

De 20 mil a
100 mil 21 2 9 26 26
habitantes

Mais de 100
27 3 9 34 32
mil habitantes

Paris
62 11 16 65 52
intramuros

Restante da
área
28 4 8 40 35
metropolitana
parisiense

Profissões e Independentes 20 5 8 22 25
categorias
Quadros e
socioprofissionais
prof. intelec. 55 7 20 68 63
sup.

Profissões
37 3 14 44 45
intermediárias

Empregados 19 2 8 26 25

Operários 11 1 4 16 17

Antigos
17 4 8 19 20
independentes

Antigos
53 5 18 47 41
quadros

Antigos
profission. 34 6 19 38 40
inter.

Antigos
16 1 4 19 19
empregados

Antigos
8 1 4 13 8
operários
Sobre 100
Exposição Centro
pessoas de Sítio Monumento
(pintura, de Museu
cada grupo, arqueológico histórico
escultura) arquivos
visitaram:

À procura de
18 2 5 27 26
emprego

Estudantes 36 4 11 50 51

Colegiais 20 4 7 42 37

Donas de
17 2 5 16 18
casa

Outros
12 2 2 16 19
inativos
Fontes: pesquisa Práticas culturais dos franceses, 2008, MCC e Deps.

Quadro 6 Distribuição dos ingressos nos monumentos nacionais, 2010 (em


unidades e em %)
Monumento Número de visitantes % do total

Arco do Triunfo de l’Étoile 1.510.860 17,97%

Abadia do Mont-Saint-Michel 1.293.756 15,39%

Sainte-Chapelle 792.471 9,43%

Panteão 694.610 8,26%

Cité de Carcassonne 473.815 5,64%

Torres da Notre-Dame de Paris 398.894 4,74%

Conciergerie 441.935 5,26%

Castelo de Azay-le-Rideau 291.412 3,47%

Antiga Abadia de Cluny 153.180 1,82%

Fortificações de Algues-Mortes 154.730 1,84%

Castelo de Pierrefonds 128.352 1,53%

Castelo do rei René em Angers 168.607 2,01%

Igreja da Abadia de Saint-Denis 145.905 1,74%


Abadia de Thoronet 112.043 1,33%

Castelo de Vincennes 137.682 1,64%

Castelo d’If em Marselha 83.813 1,00%

Forte de Salses 85.189 1,01%

Palácio de Tau em Reims 53.767 0,64%

Escavações de Glanum em Saint-Rémy 79.736 0,95%

Torres de La Rochelle 106.534 1,27%

Locmariaquer 61.563 0,73%

Abadia de Brou 60.437 0,72%

Sítios, vale do Vézère 54.631 0,65%

Total 6.827.135 90,84%

55 monumentos seguintes 908.642 10,81%

Total geral 8.406.904 100%


O Castelo de Chambord, que não é um monumento nacional pelos critérios do Ministério da Cultura,
contabilizou 729.551 ingressos no mesmo ano.
Fonte: Deps.

Como caracterizar o consumo patrimonial? Na tradição dos trabalhos


pioneiros de Becker e Stigler (1977) sobre o consumo de música, os
economistas relacionam o consumo de cultura a quatro parâmetros
principais: os preços dos bens mercantis necessários (bilheteria, serviços de
transportes etc.), o capital cultural, o consumo precedente e o capital
informacional.
Os bens culturais são bens de experiência. Isto é, são bens cuja
qualidade se ignora enquanto não forem consumidos – mesmo que as
informações disponíveis na rede possam favorecer melhor discernimento.
Por certo, se um indivíduo volta várias vezes ao Mont-Saint-Michel,
conhece de antemão a qualidade do bem que está prestes a visitar, mas
ignora as condições da visita. Na maioria das vezes, mal percebe a
qualidade do bem ex ante (a fortiori tratando-se de uma exposição
temporária).

Interdependências de consumo e star-system


patrimonial
O consumo de patrimônio de parte da população não é indiferente ao
que é praticado pela outra. Pode responder aos sinais de distinção que
produz quando esses bens patrimoniais possuem caráter ostentativo42: a
satisfação de um indivíduo procede de sua posição no seio do seu grupo de
referência. Além do mais, o consumo está sujeito a fenômenos de imitação,
especialmente por parte dos visitantes menos instruídos e menos informados.
A imitação provém da vontade do consumidor de reduzir os custos na busca
da qualidade esperada. Ela permite restringir o risco de decepção43, que,
sabemos, pode levar a comportamentos duráveis de retraimento44. Nesse
prisma é importante considerar a satisfação do visitante diante das despesas
exigidas, ou seja, a noção de value for money45.
A importância e a notoriedade da coleção, do sítio ou do
estabelecimento, assim como a localização (proximidade do local que
permite baixar o custo da visita), desempenham um papel inegável, mesmo
não sendo suficientes para determinar a concentração dos bens consumidos.
Em 2008, 24 monumentos reúnem mais de 90% dos ingressos nos
monumentos nacionais, e os 56 restantes, menos de 10%; os três primeiros
da lista representam 44% do total. Os museus não escapam a essa
distribuição muito desigual das visitas. Cinco estabelecimentos (Louvre,
Versalhes, Orsay, Branly e Museu Nacional de Arte Moderna Georges-
Pompidou) representam mais de 80% da frequência dos 28 museus nacionais
em 2010. O Louvre registra 8,4 milhões de visitantes em 2010 e Versalhes
computa 5,9 milhões46. No interior dos grandes monumentos e museus, a
visita muitas vezes se limita às salas e às obras mais conhecidas; um dos
objetivos do “Grand Louvre” residia em diversificar os percursos de visita e
reduzir os pontos de afunilamento resultante da atração por obras astros (a
Mona Lisa, a Vitória de Samotrácia, a Vênus de Milo).

A estimativa do valor e do consentimento em pagar


Os bens patrimoniais não possuem necessariamente um preço, mas
possuem um valor. É também o caso dos bens naturais que integram a função
de utilidade para os agentes econômicos e cuja oferta, caso reduzida, traduz-
se pela diminuição do bem-estar individual47. O caráter público ou
semipúblico leva a adotar métodos ad hoc de avaliação. Chega-se ao valor
de uso por meio do consentimento em pagar48. Para estimar essa propensão,
a microeconomia recorre a diversas técnicas de determinação das
preferências.

O método dos valores contingentes

O método dos valores contingentes (CVM – Contingent Valuation


Method) consiste em interrogar diretamente o consumidor quanto ao seu
consentimento em pagar. Já que os comportamentos em pauta não são
observáveis, o método apela, de certa maneira, para perguntas feitas aos
indivíduos: indaga-se o quanto estão prontos a pagar a fim de se beneficiar
do bem ou do serviço que desejam consumir. Esse método considera o
conjunto de determinações que influenciam o consentimento e, em especial,
os valores do legado, de opção e de existência. Martin (1994) aplica a
metodologia ao Museu da Civilização de Quebec; e Santagata e Signorello
(2000), aos serviços prestados pelos museus de Nápoles.
Mas o método tem suas limitações. Não consegue eliminar a eventual
discrepância entre o valor declarado e o consentimento efetivo. A qualidade
das respostas requer informação suficiente de parte do consumidor não
somente quanto ao objeto em pauta: requer também o conhecimento das
escolhas alternativas, o que está longe de ser garantido em matéria cultural49.
Eis por que, num número especial do Journal of Cultural Economics
consagrado aos métodos CVM, Epstein (2003) sublinha “a lamentável
necessidade” de métodos que conheceram um grande sucesso embora sejam
tributários da pertinência das perguntas e da sinceridade das respostas, como
também da representatividade das amostras de população a partir das quais
as pesquisas foram realizadas.

O método pelos custos de deslocamento

O método CVM pode ser completado pela identificação e avaliação das


despesas ligadas à visita de um monumento, de um sítio natural ou à
frequência a um centro de arquivos e, na sequência, pela localização de
defasagens entre o montante da despesa e a utilidade atribuída pelo visitante.
O método indireto pelos custos da viagem50 partilha dessa abordagem.
Proposta por Harold Hotelling (1949), a fórmula respondia a uma demanda
provinda dos gestores dos parques nacionais que tencionavam comparar as
vantagens respectivas da exploração dos parques como locais de lazer ou,
alternativamente, como locais de desenvolvimento de atividades atinentes,
como a madeireira, por exemplo. Esse método baseia-se na hipótese da
relação entre o custo da viagem e a utilidade experimentada no consumo do
patrimônio; avaliam-se as flutuações do número de visitas em função da
distância, o custo da viagem sendo identificado com o preço da visita, e
deduz-se daí a sensibilidade do consumidor ao preço assim reconstituído.
Mas o método esconde o grande inconveniente de omitir os consumos
suplementares (uma viagem pode corresponder a várias demandas
simultâneas). Poor e Smith (2004) aplicam o método a uma amostra de
visitantes de St. Mary’s City – em Maryland, nos Estados Unidos – e
fundamentam a robustez dos seus resultados no isolamento bastante
acentuado do sítio, que permite relacionar facilmente o custo da viagem às
vantagens alimentadas pela expectativa da visita.

O método dos preços hedônicos

O método dos preços hedônicos aproxima-se do viés proposto por


Lancaster (1979), para quem um bem pode ser descrito por suas
características objetivas. O preço hedônico é o preço implícito atribuído a
uma característica do bem. Imaginemos dois bens que só se difeririam por
uma qualidade atinente ao patrimônio; os indivíduos expressariam seu
consentimento em pagar por essa característica ao escolher o bem com
conteúdo patrimonial, mesmo tendo que pagar pelo diferencial de preço.
Imaginemos do mesmo modo duas habitações equivalentes cuja diferença
reside no único fator de que uma das duas pertence a uma zona protegida; o
valor atribuído à proteção é assimilável ao diferencial do preço do metro
quadrado habitável nas duas zonas em questão. Nelson et al. (1992) mostram
dessa maneira que, permanecendo iguais todas as outras características, o
valor imobiliário diminui 6% quando os habitantes de Minnesota moram a
pouco mais de um quilômetro e meio de um local tombado.

O problema da tarifação
A tarifação obedece a vários objetivos parcialmente opostos. Trata-se
de gerenciar o congestionamento de certos estabelecimentos levando o
público para outros locais esquecidos, de otimizar as receitas e de respeitar
critérios sociais para públicos em dificuldade. A política tarifária fica em
função, portanto, do acúmulo de gente, das quantidades compradas e também
dos perfis dos visitantes. As políticas inspiradas no yield management estão
bastante em voga atualmente. Aplicadas em muitos setores de atividade,
consistem em propor tarifas diferenciadas para gerir do melhor modo
possível as capacidades e maximizar a contribuição dos usuários. Nos
monumentos históricos e museus, visam uma melhor repartição dos ingressos
observando horários e dias da semana, sem deixar de praticar uma tarifação
“discriminada” e estruturada de maneira a se adequar – o mais fielmente
possível – ao consentimento em pagar por parte das diversas categorias de
visitantes. Nem por isso devem negligenciar a facilitação do acesso à
população mais desfavorecida.

A elasticidade-preço da despesa

Os turistas atribuem uma atenção secundária ao preço de suas visitas


culturais51. Testemunhando a racionalidade do consumidor cultural, a
elasticidade-preço da visita (a relação entre a variação da demanda e a
variação do preço) é inversamente correlata à distância percorrida. Essa
fraca elasticidade advém também do fato de que os “turistas culturais” são
mais idosos e mais abastados do que a média da população52. Esses
resultados precisam ser, todavia, ajustados ao perfil do consumidor: a
diversidade de suas expectativas leva Pulido-Fernandez e Sanchez-Rivero a
distinguir três grupos distintos na base de um estudo realizado no sul da
Espanha: os amantes de cultura, os inativos culturais e os intermitentes. Os
primeiros dão um valor elevado ao consumo de patrimônio, os segundos não
consagram a ele nem tempo nem dinheiro, ainda que essa atitude não
manifeste necessariamente indiferença, enquanto os terceiros têm pouco
interesse pelo patrimônio, mas constituem uma clientela potencial para os
seus gestores.
Na França, a alta dos preços relativos das visitas nos museus e nos
monumentos históricos entre 1990 e 2008 (ver quadro 7) não foi
acompanhada de redução do consumo. Segundo um relatório do Tribunal de
Contas, o preço dos ingressos aumentou, entre 2000 e 2010, 35,5% no
Louvre, 113% em Versalhes, 160% no Centro Pompidou (diante de uma taxa
inflacionária de 20%), enquanto o público ia crescendo. É sempre possível,
porém, que tenha havido substituição de certas categorias de visitantes por
outras.
Um grande número de estudos mede a sensibilidade da demanda pela
variação dos preços. Concluem que as elasticidades-preço da demanda são
fracas e geralmente negativas, da ordem de –0,1 a –0,25 para
estabelecimentos focados nas belas-artes e nos grandes monumentos
históricos; são mais fortes para os estabelecimentos com caráter recreativo
marcante, como o Museu Beamish ou o barco-museu Buffel de Roterdã,
sujeitos à concorrência mais pronunciada das outras formas de lazer53.

Quadro 7 Índices dos preços de consumo (França, 1990-2008)


(base 100 em 1998)
Crescimento
1990 1995 2000 2005 2006 2007 2008 no período
(%)

Índice geral dos preços 86,2 96,2 102,2 112,4 114,2 115,9 119,2 38%

Visita de museus e
61,4 88,0 105,3 122,2 125,6 129,9 129,0 110%
monumentos

Teatros, concertos 72,0 92,6 101,1 115,8 118,7 123,2 127,2 77%

Livros 80,1 95,5 100,7 107,0 108,4 109,4 110,4 38%


Fonte: Insee/Deps.

A maior parte dos estudos admite que o preço do bilhete é um fator


pouco determinante porque a parte das despesas relativas aos ingressos é
mínima comparada ao custo total da visita: conforme Bailey et al. (1997),
essa parte representa 17% do custo total da visita nos museus – gratuitos e
pagos – da Area Museum Council District no Reino Unido. Os 83% restantes
correspondem às despesas com deslocamento, alimentação e, em alguns
casos, com hospedagem que decorrem da visita. O peso dessas despesas
aumenta naturalmente com a distância. O’Hagan (1995) enfatiza os custos
não monetários da visita: custo da informação, custo de oportunidade do
tempo. A frequência depende antes de tudo das características dos museus e
das exposições, de sua localização, da concorrência dos lazeres substitutos,
da qualidade do acolhimento. Os visitantes são também sensíveis aos
instrumentos de acompanhamento da visita (visitas guiadas, audioguia,
informações e explicações) e ao conforto da visita (sem lotação excessiva
das salas)54.
É possível também decompor a qualidade da visita num certo número
de variáveis hierarquizáveis55: a visita ideal do Louvre, para os visitantes
franceses, está em primeiro lugar condicionada à boa gestão da afluência
(48%), em seguida, ao acompanhamento (14%) e à melhoria das condições
de acesso (5%). As outras variáveis (o preço) só importam marginalmente.
Os visitantes estrangeiros valorizam da mesma maneira a gestão da afluência
(36%), o acompanhamento (8%) e as indicações (8%). Os visitantes dos
outros museus privilegiam mais ainda a gestão da afluência (59%) e, em
menor medida, o acompanhamento (11%), as condições de acesso (7%) e as
tarifas (3%).

A variedade das políticas tarifárias

As tarifas podem ser moduladas em função da afluência excessiva ao


mesmo tempo em que se busca aumentar as receitas com ofertas adequadas
ao melhor atendimento exequível das preferências e dos meios dos
diferentes grupos de indivíduos. Uma política otimizada de tarifação requer,
assim, o conhecimento do consentimento em pagar, como visto
anteriormente. A avaliação a respeito foi realizada no Reino Unido por
Maddison e Foster (2003). Os pesquisadores mostram que a “disposição de
pagar” dos visitantes visando reduzir a afluência em 30% no British Museum
é de cerca de 8 libras: é o montante que os visitantes se mostram dispostos a
desembolsar para passar da situação de forte afluência (cerca de trinta
pessoas por sala) para uma afluência média (cerca de vinte pessoas por
sala). Em termos de política pública, se escolhermos aplicar um princípio
poluidor-pagante, convém então impor uma taxa de 8 libras ao novo
visitante, a qual permite internalizar o impacto negativo do seu ingresso
sobre outros visitantes. O economista denomina essa taxa de “pigouviana”
(taxa paga pelo poluidor em função da poluição produzida, igual ao custo do
dano ambiental causado, tendo como objetivo, portanto, internalizar as
externalidades). O visitante marginal só entra, assim, se avaliar em pelo
menos 8 libras as vantagens que leva na sua visita ao museu56.
Na prática, alguns estabelecimentos adotam políticas ditas de
discriminação pelos preços: aplicação de um preço diferente segundo o
grupo de clientela, para certas categorias de consumidores (jovens,
desempregados etc.), e variação do preço segundo a quantidade oferecida ou
tempo estipulado. O preço é menor para a compra de várias entradas ou para
uma compra antecipada e mais elevado nas horas de forte afluência – como
preconiza a teoria da demanda em horários de pico proposta por Marcel
Boiteux (1949) para a cobrança tarifária... da eletricidade.
A discriminação por meio dos preços é eficaz quando as “disposições
de pagar” dos consumidores são bastante variáveis e diversos fatores
impedem os preços de flutuar segundo a relação oferta/demanda,
notadamente nas atividades para as quais o custo marginal da oferta do
serviço a um consumidor adicional é mais fraca que seu custo médio57. Sua
eficácia depende também dos custos de aplicação que cria. Uma bilheteria
ad hoc é de fato necessária. Na prática, os museus propõem duas ou três
tarifas (inteira, meia, gratuita), praticam preços especiais para visitas de
grupos, discriminam em função dos dias da semana (domingos gratuitos, por
exemplo). Henry Hansmann (1981) analisa as contribuições voluntárias
considerando-as formas originais de aplicação da discriminação pelos
preços: permitem o conhecimento da “disposição de pagar” dos
consumidores de tipo especial, os membros de associações de amigos, fãs
entusiastas do patrimônio.

Gratuito, pago. As incertezas das políticas


tarifárias dos museus
A política dos museus nacionais franceses evoluiu ao longo do
tempo. Quando de sua abertura ao público em 1793, o Louvre é
gratuitamente acessível aos artistas, como também ao público nos fins de
semana. No fim do século XIX, o debate sobre a instauração de cobrança
de ingressos se amplia; no fim de 1921, é decidida a aplicação da tarifa
de um franco em todos os museus nacionais, domingos e dias feriados
permanecendo gratuitos. A partir de 1922, medidas tarifárias
compensatórias e dirigidas são estabelecidas sob a forma de tarifas
reduzidas e isenções focadas. Durante os sessenta anos seguintes, a tarifa
pouco se modificou.
A renovação de alguns museus, sua ampliação e a abertura de novos
espaços são acompanhadas, a partir de 1981, de um acréscimo de
frequência. A reflexão sobre a política tarifária volta à tona. A discussão
desencadeia aumentos sucessivos do valor do ingresso no Louvre: de
1988 a 1996, o preço médio do bilhete sobe de 18,26 francos para 35,73
francos (em francos constantes), enquanto o conjunto do público pagante
aumenta em mais de 70% e a receita oriunda dos direitos de ingresso faz
mais do que triplicar. A gratuidade do domingo no Louvre, porém, é
extinta em 1990, para ser substituída pela meia-entrada (a gratuidade
havia sido extinta a partir de 1935 nos outros museus nacionais). A
estratégia de preços muda novamente em 1996 com a introdução do
ingresso gratuito todo primeiro domingo do mês, a título experimental e
por dois anos. Essa gratuidade periódica é reeditada em 1998 sem prazo
de permanência; dois anos mais tarde, a gratuidade no primeiro domingo
do mês é estendida a 23 museus na região parisiense e a 11 nas outras
regiões. A lei sobre os museus de 2002 estipula que os direitos de
ingresso são fixados “de maneira a favorecer o acesso ao público mais
amplo possível” e que fica permitida a entrada gratuita dos menores de
idade. Em 2008, uma experiência de gratuidade generalizada é de novo
lançada, tendo por meta a democratização do ingresso. Mesmo na
ausência de gratuidade generalizada, 59% dos visitantes entram
gratuitamente nos museus e monumentos históricos (estudantes,
desempregados, historiadores de arte etc.).
Na Inglaterra, o British Museum Act de 1753 preconiza o acesso
livre às coleções; mas a National Portrait Gallery cobra ingressos desde
sua abertura. Logo na criação da National Gallery em 1824, coloca-se o
problema da cobrança. A partir de 1880, decide-se aplicar um preço ao
ingresso dois dias por semana, a fim de facilitar o trabalho dos artistas e
dos copiadores em salas sensivelmente mais vazias. Apreciável número
de museus vai adotar a mesma política nos anos 1920 e no período
entreguerras. No pós-guerra, a maioria dos museus escolhe a gratuidade
para as coleções permanentes. O problema da tarifação volta à tona nos
anos 1970; o debate adentra o Parlamento em 1971, com a adoção, em
1972, do Museum and Galleries Admission Charges Act e o abandono da
gratuidade em vários museus nos anos seguintes. A experiência não dura
muito, voltando o Partido Trabalhista a decidir pela gratuidade. Os
conservadores novamente estabelecem o contrário, até que, em 1997, se
decidisse pela volta das isenções de encargos para algumas categorias de
visitantes, antes do restabelecimento da gratuidade para todos os
públicos, em 2001, graças a um subsídio suprindo o deficit.
Gratuidade e democratização. Um debate recorrente,
resultados enviesados

A ideia de gratuidade remete a uma velha tradição. Embora a


gratuidade não tenha sido aplicada sempre (ver boxe), permanece como
referência associada à história da constituição dos museus, na obrigação de
devolver ao povo o que sempre deveria ter-lhe pertencido. Diante da
nobreza dessa abordagem, a vontade de “tarifar” a cultura é apresentada
como fruto da ideologia mercantil que afeta a vida dos museus e os desvia
de sua vocação inicial. Mas, inversamente, a gratuidade imposta e
generalizada em estabelecimentos cujo orçamento provém em parte das
receitas da bilheteria corre, paradoxalmente, o risco de acentuar a
mercantilização a fim de compensar as perdas de receitas (locação de
espaços, comodato remunerável, somas menores atribuídas às funções
pedagógicas e de acolhimento). A justificativa política e social da
gratuidade parece evidente. Seu postulado econômico é que o custo do
consumidor suplementar é nulo, pelo menos até certo limiar: por que taxar o
visitante marginal (no sentido de visitante adicional) já que ele não custa
nada? Mas o argumento é frágil. Em primeiro lugar, o preço é um instrumento
de controle do risco de superlotação, como já mencionado. Em segundo
lugar, se o custo marginal de curto prazo é nulo nos estabelecimentos que não
funcionam com capacidade plena, o custo marginal de longo prazo é positivo
quando a capacidade total está sendo atingida58. Um terceiro argumento
fundamenta-se nas experiências anglo-saxônicas em que a tradição da
gratuidade está profundamente ancorada nos espíritos e nos fatos. Neste
exemplo, a gratuidade remete à tradição do voluntariado que orienta a
prática patrimonial das grandes instituições não mercantis como o National
Trust. Num estabelecimento patrimonial anglo-saxônico gratuito, o visitante
entra livremente, é informado dos custos de funcionamento e recebe a
proposta de deixar o montante que desejar. Da mesma maneira, o
Metropolitan Museum de Nova York “recomenda” uma contribuição. Mas a
importação dessa modalidade de pagamento pelos países menos inclinados à
filantropia parece arriscada.
Como se financia a gratuidade? Pelo imposto, o que pode criar
benesses casuais e efeitos antidistributivos: subvenciona o ingresso, nos
estabelecimentos culturais, de categorias abastadas que poderiam ter pago
(efeito de vantagem) e faz os impostos de todos cobrirem o custo do ingresso
de um subconjunto da população (no caso, os mais instruídos/abonados –
efeito antidistributivo). A gratuidade das coleções permanentes é
parcialmente compensada pelo preço elevado dos ingressos para as
exposições temporárias. O que reforça as barreiras à frequência dos
visitantes menos instruídos, atraídos por essas manifestações temporárias e
mais espontaneamente inclinados a transpor a entrada. A gratuidade pode ser
compensada, do ponto de vista dos recursos do estabelecimento, pelas
despesas relacionadas à visita (alimentação no local, compra de produtos
derivados): o consumidor mais abonado subvenciona o menos favorecido
pela compra de produtos relacionados. Parte-se da suposição que o
consumidor fixa ex ante o custo da visita e ajusta seu comportamento à
avaliação da tarifa. Mas não sabemos se a despesa beneficiará de fato o
estabelecimento. À gratuidade generalizada é possível opor políticas que
enfoquem públicos específicos ou por ocasião de eventos pontuais (as
Jornadas do Patrimônio, por exemplo).

37 Ver capítulo 5.
38 Segundo o Deps.
39 Netherlands Museums Association, 2011.
40 Tribunal de Contas, 2001.
41 CEP corresponde a uma ação de consultoria a fim de melhorar a qualificação profissional de quem já
trabalha. CAP e BEP correspondem a certificações de qualificação para o exercício de uma profissão.
BEPC corresponde à conclusão do Ensino Fundamental e BAC, do Ensino Médio. O nível de instrução
formal BAC + 2 corresponde a curso universitário tecnológico de curta duração concluído; o nível Bac
+ 3, à licenciatura concluída; e o nível BAC + 4, à pós-graduação finalizada. [N.E.]
42 Veblen, 1918.
43 Benhamou, 2002.
44 Lévy-Garboua e Montmarquette, 1996.
45 Ashworth e Johnson, 1996.
46 Segundo o MCC e os relatórios de atividades dos estabelecimentos.
47 Desaigues e Point, 1993; Navrud e Ready, 2002.
48 Allison et al., 1996.
49 Frey, 1997.
50 Clawson e Knetsch, 1966.
51 Nicolau, 2010.
52 Pulido-Fernandez e Sanchez-Rivero, 2010.
53 Para uma survey sobre esses assuntos, ver em especial Luksetich e Partridge (1997), Bailey e
Falconer (1998) e Benhamou (2008).
54 Chaguiboff e Teisserenc, 2000.
55 Maresca e Poquet, 2003.
56 Benhamou e Thesmar, 2011.
57 Rosen e Rosenfield, 1997.
58 Maddison e Foster, 2003.
Os custos da preservação
e dos serviços patrimoniais

O empreendimento patrimonial produz bens que se justapõem:


preservação, visita dos bens patrimoniais, serviços relacionados
(estocagem, serviços educativos, de lazer etc.) cujo valor é difícil aquilatar.
Lichfield (1988) evidencia o seguinte: o patrimônio requer usos de grande
valor para que seus custos de manutenção e de reabilitação sejam
amortecidos, mas as atividades culturais são por natureza pouco rentáveis.

Os custos da preservação
A restauração dos edifícios tombados requer o emprego de trabalho
qualificado (conhecimentos aprofundados dos métodos de construção
antigos, trabalho em grande parte artesanal) e o emprego de materiais raros e
caros. Todavia, técnicas sofisticadas que exigem forte presença de capital
podem ser utilizadas eventualmente para construções de maior vulto. Os
custos de conservação, numa biblioteca ou num centro de arquivos, são
correlatos ao tamanho dos estoques de documentos assim como à sua
fragilidade. Mas os custos vão além da preservação: incluem um conjunto de
serviços científicos e de valorização cujas fontes de financiamento são
variadas: bilheteria, locação de espaços, produtos derivados, valorização
das marcas, fundraising, venda dos serviços patrimoniais (genealogia, por
exemplo).
O patrimônio monumental e a “doença de Baumol”

O diferencial de custos entre a construção e a manutenção dos edifícios


“normais”, por um lado, e a restauração e a manutenção dos monumentos
históricos, do outro, aumenta com o tempo. Os ganhos de produtividade são
parcos no setor da restauração dos monumentos protegidos, enquanto no
setor de construção de edifícios novos são mais elevados: “Observa-se uma
brecha cada vez maior entre os modos novos e antigos de construção: os
materiais diferem, e as técnicas de junção também; a normalização imposta
pela racionalização dos custos e as normas de segurança permitem a pré-
fabricação. Em resumo, um mundo separa o empreiteiro de construções
novas do restaurador de edifícios antigos: este deve encontrar, enfrentando
dificuldades consideráveis, materiais que quase não se fabricam mais: cal
gorda, ardósias da Saboia ou das Ardenas [...]; deve recrutar pedreiros “de
ofício”, entalhadores de pedras [...] possuidores de técnicas somente
utilizadas em monumentos históricos”59. Retomando uma expressão utilizada
num documento publicado pelo Conselho da Europa, o novo apresenta uma
“vantagem comparativa” em face ao antigo, e essa vantagem aumenta ainda
mais ao se tratar de monumentos protegidos cujos custos de manutenção
crescem em função das normas obrigatórias.
Eis que nos deparamos com a “doença dos custos” referida em 1966
por Baumol e Bowen nos Estados Unidos em relação aos espetáculos ao
vivo, num outro contexto, mas por razões análogas: algumas atividades só
podem ofertar ganhos de produtividade em termos marginais pelo fato de o
trabalho não constituir apenas uma matéria-prima, ele é também o produto
final; tal seria o caso de um quarteto, pois não vem à cabeça que um dos
músicos pudesse ser substituído vantajosamente por uma música gravada...
Os salários alinhados em média com os dos setores modernos, os custos
relativos dessas atividades aumentam, o que recai sobre os preços relativos.
Se a demanda for dependente do preço, acaba diminuindo, e a sobrevivência
dessas atividades fica ameaçada.
Se, no caso da restauração dos monumentos históricos, o trabalho não
constitui propriamente o produto final, permanece que o respeito ao caráter
histórico do edifício histórico requer o recurso a métodos artesanais; por
isso, a diferença de produtividade entre o setor de construção “normal” e o
do edifício histórico aprofunda-se progressivamente. Assim como no caso
do espetáculo, um dos únicos meios para comprimir os custos reside em
baixar a qualidade do produto60. O Estado ou o setor privado podem intervir
com transferências de capitais originados dos setores mais produtivos, com
risco, porém, de enfraquecer sua vitalidade61.

A gestão dos serviços patrimoniais: uma aposta


sempre difícil
Salvar um edifício significa também trazer-lhe vida nova. O Tate
Modern em Londres, instalado numa antiga usina elétrica no bairro de
Bankside, registrou 4,65 milhões de visitantes em 2009, mais do que o
Centro Pompidou e o MoMA de Nova York. Está ocorrendo um programa de
ampliação. Em paralelo a esses projetos emblemáticos, desenvolve-se toda
uma gama de “soluções” com vista à valorização: hotelaria, centros
artísticos, operações imobiliárias, oficinas etc.
Peacock e Rizzo (2008) preconizam, em matéria de tomada de decisão,
o recurso à análise custo-benefício. Os rendimentos gerados por um projeto
de investimento são avaliados e comparados ao custo do investimento (igual
a I):
O projeto é viável se:
Onde bmt constitui os rendimentos mercantis (privados) gerados pelo
projeto durante o período t (t = 1, ...,T); bnt são os rendimentos não mercantis
(públicos) gerados pelo projeto no período t; ct , os custos operacionais (de
funcionamento) do projeto no período t; e i, a taxa de juros. Na prática, a
dificuldade principal reside na avaliação dos rendimentos futuros e, em
especial, dos rendimentos não mercantis do patrimônio, e também na
avaliação dos custos não monetários (superlotação, dispositivos de
segurança etc.).

A singularidade e a diversidade dos projetos de valorização

Administrar um bem patrimonial implica – salvo exceções, tal como a


transformação em local privado e fechado ao público – a invenção de
estratégias de reutilização que respeitem seu espírito e topografia. Os
exemplos são inúmeros. A criação dos paradores espanhóis, antigos
palácios, monastérios, locais históricos transformados, com a ajuda do
Estado, em hotéis-restaurantes, segue esse padrão: o primeiro foi inaugurado
pelo rei Alfonso III, em 1928, numa hospedaria clássica da serra de Gredos,
entre Madri e Salamanca. Chegam hoje a uma centena, cujos benefícios são
reinvestidos na manutenção e reconstrução dos próprios edifícios. A Abadia
de Fontevraud em Pays-de-Loire abriga cerca de cinquenta quartos geridos
pelo grupo France Patrimoine, que explora vários estabelecimentos no
domínio de Chantilly e que também propõe, sob forma de parcerias público-
privadas, a frequência de locais de hotelaria associados a atividades
culturais nos ambientes históricos. A transformação dos hotéis privados da
Borgonha em seletos locais de venda e degustação de vinhos, combinadas
por vezes com visita às adegas, remete ao mesmo desejo de valorização sem
traição patrimonial.
Os projetos implicam modernização dos fluxos, adequação às normas
de segurança em caso de acesso público e requerem muito tato. Combinam a
restauração do antigo com a criação de novos patrimônios. Na região de
Bordéus, arquitetos do mais alto nível rivalizam em inventividade para
construir adegas com formas contemporâneas (Christian de Portzamparc para
o cru Cheval Blanc, Ricardo Bofill para a adega circular de Lafite, Jean-
Michel Wilmotte em Cos d’Estournel, Mario Botta no Château Fougères, e
outros mais). Algumas reabilitações visam a uma função nova sem vocação
comercial. Mencionemos o Magasin de Grenoble, concebido em 1900 pelos
engenheiros da Torre Eiffel e transformado em centro de arte contemporânea
que abriu as portas em 2006, ou o museu de arte contemporânea de Bordéus,
instalado no antigo armazém aduaneiro de produtos alimentícios coloniais,
construído no século XIX.
Uma das formas interessantes de valorização é a filmagem
cinematográfica e televisiva, geradoras de notoriedade e de rendimentos. Em
2010, essa política de abertura rendeu para o Estado 2 milhões de euros
graças a 150 filmagens em locais patrimoniais públicos (em tribunais,
igualmente, com a voga das séries em que juízes e advogados contracenam).
O filme do cineasta Nani Moretti, Habemus Papam (2011), foi parcialmente
filmado em locais do palácio Farnese, onde se situa a embaixada da França
em Roma, rendendo 100 mil euros imediatamente reinvestidos na
manutenção do palácio. É preciso, entretanto, enfrentar a concorrência de
países igualmente possuidores de patrimônio, cujos custos de mão de obra
são menores. Por ocasião do Location Trade Show de Los Angeles – o
mercado internacional de locações e de acolhimento de filmagens – a
concorrência se torna feroz. Um mecanismo de crédito fiscal acrescenta
atratividade à França: autoriza produções estrangeiras que gastam no mínimo
1 milhão de euros no território francês a se beneficiar de redução fiscal de
20%, com limite de 4 milhões de euros, considerando só parcialmente o
cachê das estrelas.
Da mesma maneira, muitos estabelecimentos alugam espaços e às vezes
até uma parte de suas coleções. Um museu prestigioso, mas de tamanho
modesto como o de Unterlinden, recorre à locação do seu claustro. Em 2006,
o Louvre decide expor em Atlanta durante 11 meses um conjunto de quadros,
entre os quais obras-primas como o Retrato de Baldassare Castiglione de
Rafael; em troca do “empréstimo”, o museu recebe uma soma de 13 milhões
de euros destinada a iniciar a renovação das salas de arte do século XVIII, a
financiar a exposição de Atlanta e a editar catálogos. O Museu Picasso de
Paris, que se vê na obrigação tutelar de contribuir de modo significativo
para a renovação e ampliação do seu edifício, organiza exposições para
museus estrangeiros. Em 2005, aluga as maiores obras-primas da coleção
por 700 mil euros à Neue Galerie de Berlim; esses empréstimos representam
no total entre 1 e 3,5 milhões de euros por ano62.
Na lógica de diferenciação de produtos amplamente conhecida em
economia industrial, a produção dos bens derivados traz recursos
suplementares. Para a exposição Monet, que reúne 910 mil visitantes em
2010, a Réunion des musées nationaux (RMN) multiplica os parceiros-
produtos – madalenas da marca Bonne Maman, canecos da Coca-Cola e de
Vitamine Water, máscaras Clinique para os olhos etc. Os bens derivados
podem servir de porta de entrada para um site ou um estabelecimento: o
cartão-postal, o objeto derivado, a imagem vista ao navegar na Web chamam
a atenção e levam o visitante para o local original. O virtual não substitui o
real; emanação do real, conduz novamente a ele a pessoa a quem conseguiu
interessar.

Gestão privada ou pública dos sítios e dos


museus?
Em 2010, o Estado italiano decide realizar 11 licitações para a
gestão de uma centena de museus e de monumentos históricos. Um único
contrato para a gestão da Roma arqueológica abrange 11
estabelecimentos, entre os quais o Coliseu, que atraem 5 milhões de
pessoas e geram 35 milhões de euros em volume de negócios. O contrato
de Florença representa 25 monumentos, 3,6 milhões de visitantes e 21
milhões em volume de negócios. Em Nápoles, trata-se de gerir os sítios
de Pompeia e de Herculano (2,4 milhões de visitantes, 18 milhões em
volume de negócios)63. É verdade que o país deve enfrentar necessidades
colossais de financiamento para um patrimônio de excepcional riqueza; o
desmoronamento de uma vila antiga de Pompeia em novembro de 2010
faz relembrar sua precariedade. As pedras do Coliseu estão doentes.
Veneza evidencia sua fragilidade cada vez que altas marés invadem a
cidade. Uma barragem gigantesca deve regular a ocorrência.
A prática da gestão privada de espaços públicos é também habitual
na França: as pedreiras de Luzes em Baux-de-Provence, o Museu
Jacquemart-André em Paris, as arenas de Nîmes são gerenciados pelo
gestor privado Culturespaces. Desde 2010, a lei permite ao Estado alugar
suas propriedades por meio de arrendamento enfitêutico (99 anos no
máximo).
O hotel da Marinha, na Praça da Concórdia em Paris, está para
alugar nas mesmas condições. Uma comissão de peritos prefere recusar
os projetos apresentados por agentes privados e recomenda ceder ao
Louvre o corredor de salões Napoleão III que dão para a Praça da
Concórdia. Associado a outros parceiros, entre os quais o Mobiliário
Nacional, as Manufaturas, o Museu das Artes Decorativas e as coleções
do Gabinete das Medalhas, o museu seria encarregado de apresentar
coleções e organizar exposições. A comissão propõe, todavia, que outros
parceiros, públicos ou privados, representativos dos setores culturais ou
do saber fazer artístico, aluguem os locais com vista para os pátios e que
alguns locais sejam alugados a outros agentes privados ou públicos. Essas
recomendações, enunciadas num contexto muito polêmico, ilustram as
contradições próprias da gestão “moderna” do patrimônio: preservar num
estado maximamente próximo ao inicial sem deixar de transformar,
recusar o papel do dinheiro, mas buscar fontes de financiamento até
mesmo nas atividades mercantis.

O ingresso múltiplo

O ingresso múltiplo representa uma solução limitada: a compra do


passe constituindo um pagamento pré-ajustado para o ingresso em vários
locais patrimoniais situados próximos uns dos outros64 incentiva a visita a
monumentos talvez pouco conhecidos, mas não provoca com isso o
acréscimo das despesas totais desembolsadas pelos visitantes.
Como distribuir os rendimentos obtidos entre os estabelecimentos em
questão? Ginsburgh e Zang (2003) remetem à teoria dos jogos para
demonstrar que o rendimento derivado da venda dos passes só deve ser
alocado para os estabelecimentos cujos serviços foram utilizados. Cada um
dos estabelecimentos recebe o mesmo montante pela primeira ocorrência e,
no caso de acréscimo de visitas, apenas os estabelecimentos beneficiários
dessas novas visitas recebem um montante adicional. O método, pouco
custoso, combina mutualidade e incentivo. A mutualidade reside no fato de
que cada estabelecimento recebe o mesmo montante para cada nova visita, e
o incentivo traduz-se pelo fato de os montantes recebidos serem correlatos
ao número de visitas (o estabelecimento que não recebe visitantes não
fatura). Nada proíbe alocar um rendimento ao estabelecimento de entrada
franca.

As políticas de marcas
Os estabelecimentos patrimoniais são ao mesmo tempo ricos e pobres.
São ricos em razão do valor dos tesouros que conservam. São pobres
quando se trata de organizar as atividades dos empreendimentos, de oferecer
serviços pedagógicos, acolhimento, preservar, restaurar, expor e enriquecer
fundos. Segundo Jouyet e Lévy (2006), o patrimônio cultural francês é pouco
valorizado, considerando que as restrições orçamentárias impõem a criação
de recursos próprios e que as marcas culturais contribuem tanto para a
difusão da França como para sua atratividade turística. Quando, em 2004-
2005, a Universidade Paris-IV negocia o direito de uso da marca
“Sorbonne” com o emirado de Abu Dhabi, a falta de prática no assunto
termina com um contrato que rende apenas 15% dos direitos de inscrição (13
mil dólares) dos quatrocentos estudantes. Bastante diferente do caso do
Louvre que vai negociar o uso temporário do seu nome por um montante bem
mais significativo65.

A mutualidade na gestão de um estabelecimento


público
Na França, o Centro dos Monumentos Nacionais administra uma
centena de monumentos históricos de propriedade do Estado (castelos de
Angers e de Azay-le-Rideau, castelo e fortificações da cidade de
Carcassonne, Sainte-Chapelle, Arco do Triunfo, Abadia do Monte Saint-
Michel, sítio arqueológico de Olbia na Provença, Villa Savoye de Le
Corbusier em Poissy etc). A entidade tem por missão assegurar, na
qualidade de mestre de obras, a preservação, a restauração e a
manutenção dos monumentos sob a sua responsabilidade; compromete-se
a valorizá-los, a facilitar seu acesso e a assegurar a qualidade do
acolhimento. Ela cumpre a função de editor público. Seu orçamento
provém no essencial dos recursos de bilheteria, das locações de espaços
e das vendas de objetos e de livros. Permite a mutualidade das receitas.
Acontece a mesma lógica de mutualidade para os museus pelo intermédio
da Réunion des musées nationaux (RMN) no plano nacional, ou ainda com
a criação em 2011 da agência que reúne as competências necessárias à
gestão dos 14 museus municipais parisienses. A entidade pública da RMN
e do Grand Palais apresenta a cada ano cerca de quarenta eventos
culturais, encarrega-se da organização das exposições, da edição de
catálogos e livros de pesquisa, da valorização do patrimônio, do
acolhimento do público e da aquisição de obras para cerca de vinte
museus – o Louvre e o Museu de Orsay, por sua vez, asseguram a própria
gestão.

Os economistas avaliam as marcas cruzando vários critérios:


desempenho financeiro, influência da marca na decisão de compra, força da
grife sobre o próprio mercado e avaliação dos seus rendimentos futuros. É
possível transpor dois desses critérios para o campo do patrimônio:
capacidade de engendrar atividades econômicas e força de atração na
concorrência patrimonial internacional.
A política de marca está no coração da política praticada pela
Fundação Guggenheim. Há uma importante rede internacional utilizando o
nome “Guggenheim” sob licença. Em Bilbao, o contrato assinado entre a
fundação e as autoridades bascas em 1997 previa um direito de uso do nome
por vinte anos, mediante o desembolso de 20 milhões de dólares. Várias
condições foram impostas: obrigação do museu de investir um montante
mínimo na compra de obras de arte, direito de controle sobre a gestão
interna das obras trazidas pela fundação em complemento às do museu, mas
renúncia por parte da fundação aos royalties sobre os produtos derivados
para que o museu possa dispor de recursos suficientes para adquirir obras.

A valorização por meio dos direitos de propriedade


intelectual
As obras arquitetônicas são reconhecidas como pertencentes ao campo
da propriedade artística e protegidas pelo direito autoral até setenta anos
após a morte do autor. Desde a lei de 11 de março de 1957, é igualmente o
caso de “plantas, esboços e obras plásticas relativas [...] à arquitetura
[...]”66. Fotografar um monumento histórico e fazer uso comercial da
fotografia não dão direito à compensação financeira para o proprietário,
salvo se o bem se encontra ainda protegido pelo direito autoral.
Para que construções sejam protegidas, quaisquer que sejam sua função
e sua utilidade, é preciso que apresentem um caráter peculiar ou original e
que não sejam a reprodução banal dos modelos de edifícios amplamente
espalhados pelo território. Os juízes são chamados para apreciar o grau de
originalidade da obra. Uma mera publicação em uma revista de arquitetura
pode servir de atestação. Há casos que não deixam dúvida: existe uma
originalidade evidente nas linhas da Maison Carrée de Nîmes, da Pirâmide
do Louvre e da Casa da Cultura do Havre ou de Grenoble. Também a
construção de vidro monumental servindo de hall de circulação e de área de
descanso (tribunal de grande instância de Paris, 29 mar. 1989, Bonnier
contra Sociedade Bull) constitui uma obra com vocação a ser protegida. Mas
a reabilitação de um prédio que apenas repõe o seu estado vigente não goza
da mesma proteção de uma propriedade literária ou artística.
Quando a obra cai no domínio público, adendos podem contribuir para
prolongar o período dos pagamentos de royalties. A pessoa que concebeu a
Torre Eiffel morreu em 1923, desse modo as fotografias do monumento estão
livres de direitos. Mas a iluminação do monumento à noite está protegida: é
considerada como uma obra por si só e não é permitido comercializar uma
foto da torre iluminada; é preciso pagar direitos aos autores/financiadores da
“obra”.
Há espaço para questionar eventuais efeitos perversos da proteção:
possuidor duma renda provinda dos seus direitos de propriedade intelectual,
o criador de obra arquitetônica financiada pelo dinheiro público fica
autorizado a reclamar uma compensação para cada imagem de sua obra,
correndo o risco de reduzir a amplitude da difusão dessa imagem, o que
pode ser prejudicial à difusão do patrimônio e da cultura nacionais.

A fragilidade dos modelos econômicos

Receitas insuficientes para cobrir as necessidades de


funcionamento

Chenonceau é um dos castelos privados mais visitados, mas um número


apreciável de monumentos e de sítios não alcança um milhar de visitantes.
Culturespace, que possui o encargo de vários monumentos e sítios franceses,
avalia o ponto crítico (o limiar de rentabilidade) em 100 mil visitantes
anuais67. Apenas dezoito monumentos franceses administrados pelo Centro
dos Monumentos Nacionais estão incluídos nesse critério, e cinco
monumentos obtêm benefícios, se levarmos em conta as despesas de
investimento e de funcionamento. Apesar dos seus 300 mil visitantes anuais,
das rodagens de filmes e de séries, das locações, o Castelo de Vaux-le-
Vicomte anuncia um orçamento com deficit de 7% em 201068.
Parques industriais abandonados multiplicaram-se, mas, afora exceções
(antigo complexo mineiro do Grand Hornu na Valônia, reconvertido em
Museu de Artes Contemporâneas, Salina Real de Arc-et-Senans, no Doubs),
sua reconversão é difícil, cara e pouco apreciada pelo público. O 104,
espaço cultural parisiense instalado em antigas agências funerárias, num
edifício imenso e inadequado, pouco se beneficia do favor público. É
possível reviver ou dar vida a monumentos com base em projetos sedutores,
tal como a instalação de um centro de arte contemporânea em Oiron, no Val-
de-Loire, no castelo célebre por sua galeria Renascença, mas isso raramente
leva ao equilíbrio das contas. Os museus sofrem dos mesmos males que os
monumentos. Entre 2004 e 2010, os recursos próprios dos museus da França
passam de 48% a 39% do orçamento de funcionamento69. Com as receitas de
bilheteria não podendo cobrir as necessidades de financiamento, os produtos
derivados, espetáculos ao vivo e suvenires são modos de valorização dos
locais mais notórios, mas os rendimentos não deixam de ser decepcionantes:
são pouco adequados ao poder de compra ou às necessidades do público70 e
mobilizam recursos importantes a montante (produção) e à jusante do projeto
(limpeza, consertos). Contraexemplo de caráter excepcional, explica-se o
êxito do espetáculo de Puy-du-Fou pela importância do voluntariado e pela
adesão do público local.

O risco de desvirtuação do patrimônio

A imagem e os sinais de notoriedade assumem um lugar crescente. O


caso do Museu Guggenheim Bilbao já levantara protestos, na época em que
foram organizadas a exposição Armani (que teria pago 14 milhões de
dólares à Fundação Guggenheim) e outra exposição sobre motos patrocinada
pela BMW, assinalando que o conluio entre o mercado e alguns gestores e
curadores pode tornar-se bem equívoca.
Há curadores que se alarmam com a mercantilização e com os riscos de
privatização em curso nos museus. Na França, em fevereiro de 2011, a
Associação Geral dos Curadores das Coleções Públicas denuncia a
dificuldade crescente em exercer as missões associadas ao patrimônio:
museus como o dos Agostinianos de Toulouse são obrigados a fechar alguns
meses, acervos correm perigo, os créditos para aquisições se tornam
ridículos, e prevalece a obsessão do “evento”. O Estado mostra-se
desigualmente sensível às problemáticas locais e às missões assumidas
pelos curadores forçados a negociar continuamente a sua posição entre o
Estado e as coletividades locais71. O Tribunal de Contas, tomando como
exemplo o Louvre ou o Museu de Orsay, aponta para o fato de que a regra
pela qual os museus emprestam gratuitamente obras uns aos outros não mais
existe e até se tornou uma “hipocrisia”. Na realidade, conjugam-se uma
tradição viva mas desgastada de empréstimos gratuitos e a circulação de
exposições prontas e completas que recebem uma contrapartida financeira.
As exposições de obras de Jeff Koons, Takashi Murakami e Xavier
Veilhan em Versalhes a partir de 2008 suscitaram debates recorrentes quanto
ao sacrilégio cometido nas altas esferas do patrimônio, a paixão condenável
pelo “evento”, e as relações cúmplices entre o mercado da arte e as
instituições públicas. À violência da crítica opõem-se os sarcasmos da
modernidade fácil. Jean Clair (2011) enxerga aí a vitória da “arte dos
traders”, enquanto Marc Fumaroli, que denuncia o domínio do Estado
cultural desde 1991, acusa as relações entre a arte e a finança: “Por que
dissimular para o público o fato de que a arte dita ‘contemporânea’, essa
‘grife’ inteiramente inventada pelo mercado internacional, não tem mais nada
em comum nem com tudo o que se chamou de ‘arte’ até hoje, nem com os
autênticos artistas vivos, mas não cotados nesta Bolsa?”72. Apesar de tudo,
permanece o fato de que o museu registra aumento de frequência no período
dessas exposições; é preciso, porém, contabilizar em paralelo os custos
elevados de instalação, seguros e segurança não detalhados no relatório
anual do estabelecimento.
Choay (2009) distingue monumentos e monumentos históricos. Os
segundos só surgem com o passar do tempo e a preservação da sua aparência
requer a execução de projeto de conservação sistemática. Sua legitimidade
depende da mobilização do conhecimento de peritos. A transformação do
monumento com finalidade de lazer leva ao desaparecimento da fonte de
legitimidade e faz com que o bem perca seu caráter histórico para se
transformar em mero monumento. Porém, a retórica da valorização acaba se
impondo. Considerações econômicas constituem um dos fatores, mas
fenômenos de aculturação têm parte na explicação. Kelli Ann Costa (2004)
mostra que a qualidade do acolhimento pode prevalecer sobre a dimensão
histórica na escolha dos sítios arqueológicos na Irlanda: o patrimônio
substitui a história, prolonga-a quando ela deixou de contar, de maneira que
a visita tem a ver antes com o consumo de um conjunto de serviços do que
com um percurso autêntico de caráter cultural. O consumo patrimonial acaba
emancipando-se da história dos locais nos quais o patrimônio se
desenvolveu inicialmente. A “disneylização” do patrimônio é sempre
cabível; em Veneza, um projeto de três rodas gigantes com 140 metros de
altura foi cancelado em 2011. Outros virão sem dúvida.

A gestão do turismo de massa

O turismo ameaça a preservação e enfraquece a emoção patrimonial


quando os estacionamentos caóticos e a degradação do meio ambiente se
acentuam. Cada sítio natural ou cultural pode alcançar um número ótimo de
usuários além do qual seu estado se deteriora. Em Angkor, remanescente das
capitais reais khmers construídas entre os séculos IX e XIII, o consumo
excessivo de água contribui para secar os lençóis freáticos, a tal ponto que
as fundações dos seus templos estão prestes a desmoronar.
Caserta e Russo (2002) exemplificam o modelo de consumo de
serviços turísticos nos espaços patrimoniais. Mostram que o consumidor
racional é conduzido para os sítios mais frequentados, contribuindo
possivelmente para a sua destruição a longo prazo. Esse turismo de massa
exerce um impacto sobre a preservação, e os custos devem ser levados em
conta na definição das regras de manutenção dos respectivos sítios73.
A gestão dos sítios mais frágeis pode recorrer à construção de réplica.
Em 2009 foi decidida a reprodução da gruta Chauvet, descoberta no sul do
Ardèche em 1994: a preservação exige a interdição do acesso ao grande
público. Essa opção havia também sido escolhida para o sítio de Lascaux:
Lascaux II, aberto em 1983, reproduz quase perfeitamente os diferentes
volumes da gruta, assim como as composições associadas. A gruta de
Altamira na Espanha foi interditada ao público em 2002, enquanto museus de
sítios nascem em diversos locais (Centro Europeu de Pré-história de
Tautavel, Parque dos Pireneus de Arte Pré-histórica em Tarascon-sur-Ariège
na França, Parque Arqueológico de Foz Côa em Portugal, Latenium em
Hauterive, principalmente na Suíça).

Os custos de preservação e de acesso ao patrimônio


imaterial
Substitutos ou complementos às visitas? Mercado gratuito ou novas
fontes de renda? Instrumentos de democratização, meios de conservar a
memória do que pode desaparecer? Os projetos de digitalização carregam
cotas de esperanças e de decepções, requerem meios importantes, trazem
para a cultura – para o bem ou para o mal – agentes econômicos
improváveis, oriundos da comunicação, da informática e das indústrias de
redes.

As estratégias de digitalização: entre cooperação e confronto

É no campo da escrita que os projetos de digitalização mais


progrediram, embora iniciativas nacionais ou internacionais, públicas ou
privadas, tenham permitido a oportunidade de visitas virtuais aos sítios mais
importantes preservando as suas imagens. A Dassault Systèmes lança em
2005 o programa Passion for Innovation, que contém o projeto Khéops
révelé, desenvolvido pelo arquiteto Jean-Pierre Houdin, e o Giza Archives
Project, desenvolvido por Peter Der Manuelian. O Google cria em 2001 o
Art Project, que consiste na disponibilização pela Web de reproduções de
1.060 obras (acompanhadas de notas explicativas) provindas de 17 museus e
monumentos históricos internacionais, entre os quais o Castelo de Versalhes,
o Metropolitan Museum of Art e o MoMA em Nova York, o Museu Kampa
em Praga, a Gemaldegalerie em Berlim, a National Gallery e a Tate Britain
em Londres. Os quadros podem ser vistos em altíssima resolução, de modo
que se enxergam elementos impossíveis de se perceber em uma visita
normal. Cada parceiro escolheu uma obra, que foi digitalizada com uma
resolução ainda melhor (7 bilhões de pixels). Um zoom permite enxergar
detalhes invisíveis a olho nu. O site permite desse modo uma visita à
Galeria dos Espelhos de Versalhes, no curso da qual é possível aceder a uma
reprodução em alta resolução do teto pintado por Charles Lebrun.
Paralelamente a essas iniciativas privadas, os grandes estabelecimentos
patrimoniais públicos lançaram-se em políticas de digitalização e de
disponibilização dos seus tesouros pela internet. A maioria criou sites que
propõem uma visão mais ou menos completa das coleções, acompanhada de
comentários. A quase impossibilidade de visitar alguns sítios arqueológicos
por razões de distância ou de fragilidade dos vestígios, tal como o sítio maia
de Calakmul, no México, pode ser resolvida – imperfeitamente, está claro –
pela visita em 3D. Esse gênero de projeto custa a ser financiado: a tarifação
da visita virtual é questão complexa, pois que a propensão a pagar é
geralmente muito fraca ou inexistente. A gratuidade desse modo de acesso ao
patrimônio pode, todavia, incentivar a visita “real” – não meramente virtual
– e constituir um trunfo na competição que se trava entre as culturas.
Na Europa, o site Europeana foi aberto em 2008, reunindo mais de 14
milhões de documentos (imagens, textos, sons, vídeos) provindos de 1.500
instituições culturais europeias, entre as quais a British Library, o
Rijksmuseum, o Louvre. A composição da coleção é de 65% de fotografias,
mapas, quadros, peças de museus e outras imagens, e de 35% de textos
digitalizados. Em 2008, a metade dos documentos era fornecida pela França,
com a relutância dos outros países diante dos custos da operação vivenciada
como contrapeso ilusório diante da onipotência do Google. A Europeana
aparece antes de tudo como site de acesso a fundos já disponíveis e, muito
marginalmente, como uma verdadeira empresa europeia capaz de se opor ao
Google.
São os livros que constituem o desafio decisivo; devem ser
considerados de modo diferenciado se forem obras protegidas por direitos e
comercializadas, protegidas, mas não comercializadas, ou se forem órfãs
(protegidas, mas com autor desconhecido), ou ainda livres de direito (cujos
autores estão mortos há mais de setenta anos).
Os primeiros planos para a digitalização de livros localizados em
bibliotecas públicas datam de 1971, quando Michael Hart, estudante da
universidade de Illinois (nos Estados Unidos) lança o projeto denominado
Gutenberg. Uma equipe de voluntários aceita a tarefa de verificar a
ocerização (reconhecimento automático dos caracteres) das obras
digitalizadas, todas pertencentes ao domínio público74. O site anuncia hoje
mais de 20 mil livros em mais de cinquenta línguas.
Gallica, o site digital da Biblioteca Nacional da França (BnF), cuja
primeira versão foi lançada em 1997, inicia com viés seletivo e
digitalização em modo imagem (o texto aparece em modo fotográfico, o que
exclui buscas no texto integral e intervenções diretas sobre o documento
eletrônico). Em 2005, a BnF passa para a digitalização de massa e para o
modo texto (o texto é captado por instrumentos do tipo tratamento de texto ou
por reconhecimento ótico de caracteres; esse modo permite buscas no texto
integral e a intervenção no próprio texto, mas não a conservação da visão
inicial do documento).
A Gallica tem como vocação ser uma plataforma de referência, não
exclusiva, permitindo o acesso do público aos fundos digitalizados do
conjunto dos seus parceiros. As negociações com editores permitem abrir
acesso a conteúdos digitalizados resguardando os direitos autorais. Com a
Gallica, a BnF tenta oferecer uma resposta francesa à estratégia do Google75.
Mas essa ferramenta de busca conta com uma dianteira considerável,
encetada desde 1994 sobre a base de parcerias com bibliotecas americanas
– a New York Public Library e as bibliotecas das universidades de Harvard,
Stanford e do Michigan – e reforçada pelo fato de que bibliotecas
patrimoniais de primeira ordem, inclusive francesas – a Bodleian Library de
Oxford e, posteriormente, as bibliotecas de Madri e de Lyon – preferiram
fechar contrato com ela. No início de 2011, o Google afirma ter digitalizado
15 milhões de livros provenientes de 35 mil editores e de quarenta
bibliotecas em quatrocentas línguas e numa centena de países. Após
confrontos com os editores por violação de direitos autorais, por ter
digitalizado obras sem a permissão dos detentores de direitos, o Google
entrou em fase de negociações: troca de arquivos, acordos com as editoras
Hachette e depois com La Martinière em 2011 para obras que não são mais
comercializadas. Em compensação, o acordo concluído com editores norte-
americanos permanece em ponto morto no outono de 2011: o Google havia
se comprometido a desembolsar 125 milhões de dólares para remunerar os
autores cujas obras haviam sido digitalizadas sem permissão e a estabelecer
um fundo de direitos do livro, assegurando um rendimento aos autores que
aceitassem a digitalização dos seus livros. Um juiz norte-americano,
temendo que o Google chegasse a controlar a indexação dos conteúdos das
obras digitalizadas, recusou-se a ratificar esse acordo: dominando desde já
o mercado das ferramentas de busca, o quase monopólio do Google parece
perigoso do ponto de vista da democracia76, mesmo tendo em conta que seu
serviço é socialmente mais útil do que a fragmentação da oferta. Sua
capacidade de difusão e de informação é considerável, e ele abre a
possibilidade de vida nova para os livros indisponíveis.
Como interpretar a estratégia do Google? A indexação dos textos
melhora a pertinência dos resultados e os usuários se mostram ávidos de
acesso aos textos. O trânsito aumenta na proporção da atração pelo duplo
serviço. Trata-se de uma lógica de mercado bifacial graças à qual o trânsito
na rede permite aumentar o valor do espaço publicitário proposto77. O
conhecimento do que os internautas leem é por si só um recurso. É o
equivalente à estratégia do “passageiro clandestino” que, por analogia com o
oportunista malandro nos transportes públicos, consiste em se beneficiar de
bens ou serviços (no caso, a edição de livros) sem ter participado do seu
financiamento78.

A digitalização, futuro da salvaguarda ou ilusão coletiva?

Tanto no plano local (bibliotecas universitárias, bibliotecas


municipais) quanto nacional (Gallica), as iniciativas se multiplicam para
acrescentar às coleções em papel a oferta digital mais completa possível.
Quando é terceirizada, a digitalização topa com dificuldades contratuais:
coordenação insuficiente junto aos editores, assimetria de informação sobre
a tecnologia utilizada pelo prestador, incompletude dos contratos (a
qualidade e as futuras modalidades dos arquivos digitais são difíceis de
definir com precisão ex ante) e problemas de captura (as renegociações
eventuais do contrato em t + 1 são tendenciosas a favor daquele que houver
obtido o contrato para o período t). Outro problema importante concerne à
difusão da oferta e a interface com a oferta das plataformas remuneráveis. A
oferta digital parece ainda de uso complexo para numerosos leitores, e as
vendas são residuais. A reduzida rentabilidade da digitalização é igualmente
problemática para o prestador do serviço de digitalização: o processo não
oferece economia de escala.
Como podem as bibliotecas valorizar as operações de digitalização? O
pay-per-view para as obras esgotadas poderia constituir uma forma futura de
valorização do serviço, mas o modelo de biblioteca deixaria de ser gratuito.
Um modelo de impressão por encomenda é viável para livros isentos de
direitos. Se cada livro for comprado duas vezes por mês pela BnF, alcança-
se um rendimento anual de 72 euros, em comparação com o custo médio de
digitalização de 34 euros por um livro de tamanho médio. Mas muitos livros
não são vocacionados para compra (nem mesmo, por vezes, para consulta!).
A digitalização de massa aparece então como missão do serviço público,
uma forma de extensão do depósito legal abrindo a oportunidade de acesso a
uma biblioteca universal: sua rentabilidade, porém, não constituiria um
objetivo razoável.
Aquilatada, durante um período, como solução para a preservação de
documentos perecíveis, a digitalização evidencia seus limites: é tributária de
soluções técnicas, e a consulta pode cessar caso a migração dos documentos
não for planejada no ritmo da evolução dos formatos e das modalidades
técnicas de acesso. Devemos acrescentar que, do ponto de vista de sua
dimensão patrimonial, o livro não se resume ao texto: as anotações, as
diferentes versões e edições e também a paginação são significativas para o
pesquisador interessado na história do livro e da escrita79. Indispensável e
incontornável, chamada a contar com agentes públicos e grandes agentes
privados como o Google, a digitalização dos fundos é um extraordinário
instrumento de difusão, mas não resolve por si só nem o problema da
preservação nem o da informação concernente a obras esquecidas.

59 Leniaud, 1992, p. 68.


60 Benhamou, 1996 e 2003a.
61 Ver capítulo 5.
62 Entrevista com Anne Baldassari, diretora do Museu Picasso, Le Monde, 8 de fevereiro de 2011.
63 Les Échos, 11 de novembro de 2010.
64 Ver capítulo 2.
65 Ver capítulo 6.
66 Código de propriedade intelectual, art. L. 112-2.
67 Conferência no Senado, 9 de abril de 2003.
68 Le Monde, 20 de agosto de 2011.
69 Tribunal de Contas, 2011.
70 Greffe, 2003
71 Poulard, 2010.
72 Le Monde, 2 e 3-4 de outubro de 2010.
73 Nuryanti, 1997; Swarbrooke, 1994.
74 Tessier, 2010.
75 Jeanneney, 2010.
76 Darnton, 2011.
77 Rochet e Tirole, 2003.
78 Benhamou e Guillon, 2010.
79Pode-se ler a respeito um diálogo bastante esclarecedor entre Georges Vigarello e Roger Chartier, in
Bouvier et al., 2011.
Os impactos econômicos
do patrimônio

A temática dos impactos socioeconômicos conheceu um ímpeto


espetacular. Em 2000, a abertura da Tate Modern de Londres foi o primeiro
período da renovação do bairro inteiro; estima-se o seu impacto em 100
milhões de libras por ano80. Em Metz, na França, a instalação em 2010 de
uma filial descentralizada do Centro Pompidou numa cidade de tamanho
médio da região de Lorena, bem mais tributária de passado industrial e
militar do que cultural, procede da aposta conjugando interesses econômicos
e culturais. O museu poderá valer-se de quatrocentas obras entre as 65 mil
da matriz e apresentá-las em rodízio. Fará encomendas a artistas e
organizará de quatro a seis exposições por ano na área de 5 mil m² reservada
a esse fim. As coletividades locais financiam a quase totalidade do custo da
construção (72 milhões de euros) e do funcionamento (10 milhões de euros),
o Beaubourg oferece sua marca, suas coleções e suas competências
gratuitamente.
Da mesma maneira, quando o Museu do Louvre considera a instalação
de uma unidade na província (inauguração em 2012), a escolha da cidade de
Lens já está devidamente amadurecida: o futuro estabelecimento situa-se na
encruzilhada de três capitais europeias (Paris, Bruxelas, Londres), em uma
região (Nord-Pas-de-Calais) prejudicada pela desindustrialização e que
busca revitalizar sua imagem assim como atrair empresas. O projeto une a
abertura da região por meio do ordenamento da rede de transportes ao
desenvolvimento de atividades de serviços destinadas à recepção dos
turistas; o custo eleva-se a 130 milhões de euros, com o objetivo de atingir a
frequência de 550 mil visitantes por ano, 50% originários da região (dados
de 2010).
Amplamente mediatizado e muitas vezes apregoado como um êxito que
convém imitar, o caso do Museu Guggenheim Bilbao remete a um modelo
muito diferente: são as coletividades territoriais que asseguram a totalidade
do financiamento, a matriz aluga sua marca e não empresta suas coleções.
Por outro lado, na totalidade dos casos, a originalidade e a qualidade
da construção fazem parte integrante da política de mudança de imagem do
território. Recorre-se a grandes nomes da arquitetura internacional: Frank
Gehry em Bilbao, Shigeru Ban e Jean de Gastines em Metz, Kazuyo Sejima e
Ryue Nishizawa da agência japonesa Sanaa em Lens.
Os impactos são identificados com a geração de emprego. Em uma
visão mais global, incluem os rendimentos gerados pela despesa
patrimonial. Há numerosos estudos sobre a questão, mas esses partem de
metodologias discutíveis e seus resultados devem ser interpretados com
prudência.

O emprego patrimonial
As profissões do patrimônio incluem os pesquisadores e os peritos, os
criadores (arquitetos, urbanistas, artesãos de alto nível), os operadores
(empresários, artesãos, operários, mestres de obra etc.) e os gestores e
mediadores (recepção, gestão, formação).
As estatísticas oficiais sobre emprego patrimonial na França
compreendem apenas os empregos diretamente associados ao patrimônio:
atividades ligadas à conservação e ao acesso (em todos os campos onde
chegam a ser exercidas), entre elas a manutenção cotidiana, a pesquisa, a
recepção, ou seja, 46 mil dos 588 mil empregos recenseados nas profissões
culturais em 200781. Não são levados em conta nem os empregos da
construção destinados à recuperação do patrimônio, nem o emprego turístico
ligado ao patrimônio. O quadro 8 propõe uma visão mais ampla que inclui
os profissionais da moda, da decoração e também os arquitetos.

Quadro 8 Emprego nas profissões culturais patrimoniais (França)


1982 1990 2008

Artesãos e operários da arte 25.012 27.818 23.501

Bibliotecários, arquivistas e conservadores (função


pública) – quadros e técnicos da conservação e da 14.212 11.796 28.249
documentação

Assistentes técnicos das artes da moda e da decoração –


22.844 30.205 87.312
estilistas e decoradores

Outras profissões culturais 119.916 184.196 406.935

Total emprego cultural 181.984 254.015 546.077∗


∗Incluindo 47.797 arquitetos em 2008, que não eram contabilizados antes de 2007.
Fonte: Deps.

Os ofícios de arte reúnem os profissionais cuja atividade comprova um


savoir-faire elaborado e dominado e também uma produção artesanal
(criação e restauração de peças únicas ou de séries reduzidas, possuidoras
de importante mais-valia cultural). Desde o século XIII, o preboste de Paris
Étienne Boileau registra os estatutos das corporações parisienses no Livro
dos ofícios. As aquisições reais e o apoio dos mecenas permitem o
desenvolvimento desses ofícios82. O abade Suger de Saint-Denis,
conselheiro de Luís VI e de Luís VII, utiliza a arte dos ourives e a de montar
vitrais. Nos séculos XVI e XVII, os ofícios de arte diversificam-se. A
construção de Versalhes lhes traz notoriedade e impulso internacionais.
Colbert desempenha papel decisivo criando notadamente a manufatura dos
Gobelins, que reúne várias centenas de operários de arte.
O campo compreendido é vasto. Na França, abrange 217 ofícios:
douradores sobre madeira, luthiers e fabricantes de órgãos, joalheiros,
ourives, vidreiros, oleiros, desenhistas etc.; 28 códigos de atividades são
inteiramente relacionados aos ofícios de arte, o que representa no total, em
2006, um volume de negócios de 3,5 bilhões de euros, 43.200 pessoas, 18
mil empresas e uma média de 1,7 assalariado por empresa83.
Algumas qualificações tornam-se raras84 e os produtores locais de
materiais “à antiga” tendem a desaparecer, como no vale da Maurienne, onde
são as importações de ardósia provenientes da China que permitem refazer
os telhados das casas respeitando seu aspecto original. Agora, faltam
matérias-primas (o marfim, por exemplo, desde a proibição de importação
na França).
No âmbito da moda, só restaram alguns poucos fabricantes de chapéus,
sapatos e botas e ornamentos com plumas – com a frágil exceção do setor da
alta-costura85. Um estatuto de “mestre de arte” criado em 1994 e apoiado
pelo Estado contribui para a transmissão dos saberes em via de
desaparecimento. Da mesma maneira, um instituto localizado perto de
Florença, na Itália (International Traditional Knowledge Institute), deve
dedicar-se à preservação dos saberes tradicionais por meio da coleta de
informações e da promoção de técnicas duráveis de agricultura e habitação.

Efeitos multiplicadores?
Um dos primeiros estudos sobre os impactos econômicos do
patrimônio86 diz respeito à cidade de Baltimore. Inúmeros estudos se
seguiram87, entre os quais, em 1988, o de Myerscough, que desenvolve um
modelo de mensuração do impacto econômico dos gastos beneficiando as
artes no Reino Unido. Do estudo é deduzido um coeficiente multiplicador
que permite a avaliação do efeito de despesa pública ou privada inicial. O
sucesso desse tipo de trabalho chegou também aos Estados Unidos88.

A mensuração dos impactos

A conservação de monumentos históricos requer empregos no setor da


construção e dos ofícios de arte. Sua inauguração atrai visitantes que efetuam
diversas despesas no monumento (bilheterias, produtos derivados) e nos
arredores (alimentação, hotelaria etc.). O impacto sobre o emprego pode ir
além dessas despesas facilmente localizáveis e depender do aporte da
cultura e do patrimônio à identidade e à atratividade dos territórios, assim
como à criatividade requerida em todos os setores de atividade. O efeito é,
nesse caso, bem mais difuso e difícil de avaliar.
A fim de medir essas repercussões, três níveis de impacto são
identificados: efeitos diretos das despesas dos visitantes não locais em
bilheteria, alimentação, alojamento e comércio varejista; efeitos indiretos
relativos à circulação dos montantes iniciais pelo viés das despesas das
empresas e dos estabelecimentos públicos locais; efeitos induzidos
posteriores desencadeados pelos assalariados de empresas locais
beneficiárias ao gastar parte de sua remuneração em outras empresas locais:
as despesas iniciais difundem-se por ondas sucessivas na economia local,
descontando algum vazamento a cada onda, pois que algumas despesas
dirigem-se para empresas de fora89. Um coeficiente multiplicador é
aplicado:

O quadro 9 resume os resultados de estudos de impacto feitos na


França. Percebem-se resultados muito contrastados e frequentemente
superestimados (inclusão dos ofícios de arte no orçamento econômico do
patrimônio monumental, contabilização do turismo não ligado ao patrimônio
etc.), com multiplicadores variando de 1,5 a 9. Alguns estudos aplicam um
coeficiente multiplicador aos efeitos diretos e indiretos, inspirados em
trabalhos executados em contextos diferentes. O estudo Paca mencionado no
quadro utiliza o mesmo coeficiente multiplicador que foi usado para a
avaliação do impacto de museus, galerias, teatros, concertos e espetáculos
artísticos em duas regiões britânicas em 1988. O de Greffe (2003) retoma
um coeficiente multiplicador avaliado por museus americanos.
Nos Estados Unidos, o National Park Service, organismo público
criado em 1916 que administra um programa de inventário, subvenções e
subsídios fiscais em proveito do patrimônio, construiu uma fórmula de
simulação (Money Generation Model) a partir do estudo das despesas
ocasionadas em alguns sítios importantes. Esse método evita o uso arriscado
de coeficiente multiplicador. O estudo conclui que os 285,6 milhões de
visitantes dos parques norte-americanos permitiram a criação de 247 mil
empregos locais e 11,9 bilhões de dólares de volume de negócios em 200990.

O peso do turismo na economia mundial

O turismo contribui para o bem-estar local e para o desenvolvimento


dos serviços91 e permite sinergias com outros setores da economia urbana92.

Quadro 9 Estudos do impacto do patrimônio na França


Empregos Empregos Empregos Volume de
Fonte Total
diretos∗ indiretos∗∗ induzidos∗∗∗ negócios gerados

2003, toda a
524
França 44 mil 220 mil 260 mil -
mil
(Greffe, 2003)

2004, somente 3 mil 27 mil a 28 18 mil a 19 mil 48 mil 1,3 bilhão de euros
Provença-Alpes- mil a 50
Costa Azul mil
(Paca)
1 euro investido no
patrimônio → 19
2008, euros gerados (5
Languedoc- 6.400 12 mil - 18.400 diretos, 14
Roussillon indiretos) e 2,70
euros de impactos
fiscais

VN direto: 55
2009, toda a
313 milhões de euros;
França 33 mil 280 mil -
mil VN indireto: 21,2
(Dapa)
bilhões de euros
* Empregos públicos no setor patrimonial (recepção, gestão, formação) e privados (trabalhando no
quadro dos monumentos privados abertos à visita).
** Empregos nas empresas especializadas na restauração e preservação do patrimônio protegido,
artesãos, arquitetos ocupados com o patrimônio, empregos na rede turística.
*** Empregos atinentes à indústria cultural.
Fontes: Montgolfier (2010) e Benhamou e Thesmar (2011).

Quadro 10 Turismo internacional: fluxo dos visitantes e receitas (1995,


2009)
Chegada dos turistas
Receita do turismo internacional
internacionais

Chegadas Receitas

Total 2009
Posição Posição Total 2009 Posição Posição
(milhões de
1995 2009 (milhões) 1995 2009
dólares)

França 1 1 76,8 2 3 49,4

Estados
2 2 54,9 1 1 93,9
Unidos

Espanha 3 3 52,2 4 2 53,2

China 7 4 50,9 10 5 39,7


Itália 4 5 43,2 3 4 40,2

Reino
5 6 28,8 5 6 30,1
Unido

Turquia 20 7 25,5 21 10 21,3

Alemanha 12 8 24,4 6 7 34,7

Malásia – 9 26,6 - - -

México 6 10 21,5 - - -

Total
880,5 852,2
mundo
Fonte: OMT.

Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), a contribuição do


turismo para a atividade econômica no mundo é estimada em cerca de 5%; e
sua contribuição para o emprego, em 6-7%. O turismo cultural constitui um
subconjunto da ordem de 5 a 20% conforme o país93. Ele cresceu
consideravelmente em poucas décadas (segundo os dados de 2005
publicados pela OMT)94, mas a identificação exata da parte do turismo
provindo de motivações patrimoniais é de difícil cálculo95.
Na França, o desenvolvimento do turismo de massa desde a vigência
das primeiras férias pagas em 1936 (duas semanas em 1936, cinco em 1981)
permitiu a 37 milhões de residentes de 15 anos ou mais efetuar pelo menos
uma viagem por motivo pessoal de, no mínimo, uma noite em 2007. Das
chegadas de turistas, 53 milhões relacionam-se a motivos pessoais (por
oposição a motivos profissionais). Das estadias dos residentes franceses,
20% resultam em uma visita à cidade e 11% a uma visita a museu,
exposição, monumento ou sítio histórico. Os espetáculos, festivais e outras
manifestações representam apenas 3% das estadias e correspondem a
estadias de curta duração (menos de três pernoites); o patrimônio, porém, é
associado a estadias um pouco mais longas96. Benhamou e Thesmar (2011)
avaliam a contribuição considerável do patrimônio ao turismo tomando por
exemplo os 37 milhões de visitas a museus e monumentos na Île-de-France
em 200897. Se supusermos que esses 37 milhões de visitas levaram os
turistas a consagrar meio dia à visita de locais patrimoniais e se aceitarmos
a hipótese de que os turistas gastam, em média, 100 euros por dia em Paris
(a cifra para os turistas estrangeiros é de cerca de 150 euros em 2008), os
monumentos históricos e museus da Île-de-France teriam gerado em torno de
1,8 bilhão de euros em volume de negócios no setor em 2008.
Convém, todavia, distinguir o turismo nacional, que não gera despesas
novas da parte dos consumidores nacionais, e o turismo internacional, que
traz impactos em termos de rendimentos98. A França continua sendo em 2009
a primeira destinação mundial em termos de frequência, com 74 milhões de
visitantes não residentes, apesar da diminuição em 6% das entradas em
relação ao ano anterior ocasionada pelo contexto econômico. A cifra de
negócios de turismo é de 90 bilhões de euros no mesmo ano. Segundo o
Banco da França (2009), o turismo emprega 900 mil pessoas, ou seja, 4,3%
do emprego assalariado.
Os gestores das atividades ligadas às visitas procuram assegurar-se de
novos nichos no mapa internacional do turismo, numa época em que a
concorrência entre as alternativas se reforça e se transforma em razão de três
movimentos: o aumento de novas clientelas (classes médias dos países
emergentes, especialmente), a impropriedade de alguns destinos graças a
distúrbios sociais e desordens ambientais, e o surgimento de pontos de
afunilamento e de lotação excessiva.

O efeito Guggenheim

O exemplo emblemático do efeito multiplicador das despesas


patrimoniais é o do Museu Guggenheim Bilbao. Quando ele abre em 1997, a
região sofre de desindustrialização, de poluição e do efeito dos atentados
perpetrados pelos separatistas bascos. A taxa de desemprego atinge 25% da
população ativa. A cidade pretende canalizar fluxos de visitantes, mudar de
imagem e criar um efeito de revitalização. Os resultados superam as
previsões mais otimistas: a cidade atinge um fluxo de visitantes (não
habitantes da região) da ordem de 800 mil por ano no fim dos anos 1990
contra 100 mil antes de 1997. Inteiramente coberto pela região e pela
cidade, o custo de construção do Museu Guggenheim Bilbao foi de 200
milhões de dólares, e o custo total em funcionamento e investimento foi de
374 milhões no período de dez anos (1997-2007)99. Em contrapartida, e
apenas para o ano de 2009, o museu anuncia impactos de 185,6 milhões de
euros (identificados como “contribuição ao PIB”).

Avaliação da atividade turística pelo Insee


Segundo a definição adotada pela Organização Mundial do Turismo,
as atividades ditas “características do turismo” são aquelas “cujo output
principal é constituído por produtos que, na maior parte dos países,
deixariam de existir em quantidade significativa na ausência do turismo”.
São assim referidas a hotelaria e outras formas de alojamento,
restaurantes e cafés, os teleféricos e telesquis, as agências de viagem e o
transporte dos viajantes. Essa definição é utilizada pela direção do
Turismo para a elaboração das contas do turismo. O Insee elaborou um
método de avaliação dos empregos assalariados ligados ao turismo capaz
de traduzir os impactos territoriais: “Um estabelecimento pode ser
qualificado de ‘turístico’, e seu uso então contabilizado como ‘turístico’,
em função de dois critérios: atividade do estabelecimento e localização, e
diretivas permitindo determinar que parcela dos empregos do
estabelecimento (de todos a nenhum) será considerada como ligada ao
turismo”.

Fonte: Insee.
Esse “efeito Guggenheim” explica-se pelo voluntarismo econômico de
que o museu é apenas o elemento mais visível. A reflexão estratégica
conduzida com a ajuda de Michael Porter, especialista em clusters, abrangia
a economia e o território na sua totalidade; tratava-se de reanimar o
crescimento sobre a base de uma imagem nova e de uma rede de empresas
de serviços ligadas entre si. Os canteiros compreendiam os transportes, as
redes de água, a reabilitação dos cais marítimos, além de uma sala de
concerto, um viveiro para jovens artistas, a intervenção de arquitetos de
renome mundial a fim de remodelar as margens do rio (Zaha Hadid),
redesenhar o aeroporto (Santiago Calatrava) e o metrô (Norman Foster):
lógicas patrimoniais, urbanas e de museu ecoam num mesmo anseio
amplamente fomentado por objetivos econômicos. Quanto ao próprio museu,
ele desenvolve desde o início uma política comercial orientada para a
valorização da imagem, a venda de bens e serviços, a organização de
exposições voltadas ao grande público solidamente patrocinadas.

Quadro 11 Número de visitantes no Museu Guggenheim Bilbao


Anos Número de visitantes

1997* 259.234

1998 1.307.065

1999 948.875

2000 930.000

2001 851.628

2002 869.022

2003 869.222

2004 909.144

2005 950.000

2006 1.008.774

Total 9.143.237
Visitantes não bascos 7.314.567
*De outubro a dezembro.
Fonte: Museu Guggenheim Bilbao.

A partir de 2000, entretanto, muitos observadores constatam um


encolhimento do “efeito Guggenheim” avaliado à luz do número de
visitantes, tampouco se notam efeitos significativos quanto à instalação de
empresas e atividades novas100.

O multiplicador, mera armadilha?


Saber valorizar o patrimônio sem supervalorizar os impactos
decorrentes, tal o desafio que devem enfrentar os defensores do patrimônio
se desejam justificar a despesa pública e privada sem por isso reduzir as
estratégias patrimoniais a suas dimensões econômicas. Os efeitos do turismo
sobre o resto da economia são mais ambivalentes do que geralmente se diz.
Se, de um lado, ele cria empregos, do outro, provoca uma alta dos preços de
alguns bens de consumo (cafés, restaurantes, hotéis, estacionamentos etc.) e
uma atração por atividades eventualmente menos produtivas e socialmente
menos úteis do que outras. Neste sentido, o argumento dos impactos
econômicos positivos via turismo cultural deve ser aprimorado.
Sempre sedutores, pois que argumentando em favor de uma relação
virtuosa entre crescimento e cultura, os estudos de impacto foram
severamente criticados pela fraca confiabilidade dos seus dados e do
método tendente à sobrevalorização dos resultados. A concentração das
despesas dos visitantes num local ou território produz um efeito de evicção
para outros locais e territórios, de sorte que o efeito final é fraco ou nulo. A
chegada de turistas não conduz à criação evidente de riquezas: o turista não
está mais rico, desloca apenas a despesa de uma atividade para outra. Do
ponto de vista da coletividade nacional, o bem-estar não aumenta. Há uma
confusão entre um efeito microeconômico positivo e um efeito
macroeconômico nulo101. Pode-se até mesmo argumentar que a despesa em
proveito de outras atividades poderia ter gerado mais rendimentos ou
criação de empregos. Ao efeito de evicção acrescenta-se um custo de
oportunidade. Por exemplo, o impacto econômico de um parque temático
pode ser amplamente superior ao do patrimônio em termos de balanço
final102.
A sobrevalorização diminui, entretanto, para um dado país caso seu
patrimônio exerça uma forte atração sobre os turistas internacionais. A
despesa desloca-se de um país para outro; é preciso, todavia, aquilatar o
efeito líquido dos custos induzidos (deterioração, congestionamento,
segurança, vigilância). A fim de aprimorar a avaliação do efeito induzido
líquido, Nicolas (2007) propõe deduzir as despesas dos residentes locais do
impacto estimado, pois representam uma volta à circulação das somas que já
existiam na área do estudo de impacto.
Mesmo que interessantes para a coletividade local que deseja fazer da
cultura uma alavanca para o crescimento do seu território, os estudos de
impacto permanecem frágeis. Não esclarecem devidamente as escolhas
alternativas e não consideram os custos de oportunidade da despesa
patrimonial. Justificam a ação pública pelos seus efeitos sobre a economia
sem levar em consideração as deficiências do mercado103. Omitem estipular
que o efeito positivo da despesa patrimonial sobre o crescimento é tributário
da disponibilidade de mão de obra formada nas diversas competências
patrimoniais.
Os estudos de impacto comportam o risco de instrumentalização da
cultura. O economista Gianfranco Mossetto (1992) aponta para a inversão da
relação, tal como é apreendida pelos agentes públicos, entre economia e
cultura. Enquanto a Renascença italiana é possibilitada pelo crescimento e
pelo enriquecimento dos mecenas, ocupados em financiar a construção de
palácios e castelos e remunerar os artistas que os decoram, o período
contemporâneo vê na cultura a possibilidade de impulsionar um crescimento
em ritmo lento, criar empregos e revitalizar as cidades e as regiões que
sofreram com a desindustrialização. O valor do patrimônio não deve ser
rebaixado a meras repercussões econômicas; remete à manutenção de
competências, ao impacto sobre outras atividades culturais, a transferências
intergeracionais de riqueza e aos valores de existência ou de opção dos bens
culturais104.

Externalidades negativas? Museificação do patrimônio ou


destruição modernizadora?

Embora de maneira geral a preservação seja desejável, implica custos


sociais e coloca a questão do compromisso que é preciso encontrar entre
modernização e respeito ao passado. “Não se pode querer ao mesmo tempo
construir uma sociedade nova e reconstruir os edifícios antigos”, declara o
arquiteto alemão Hans Sharon (1893-1972), que construiu um edifício
emblemático de Berlim, a Filarmônica105.
Quando a China obtém a organização dos Jogos Olímpicos de 2008,
decide uma destruição acelerada da Pequim antiga a fim de criar espaço
para as grandes obras encomendadas a arquitetos de renome: terminal do
aeroporto confiado a Norman Foster, centro de natação (o “Cubo”)
desenhado pela agência australiana PTW e o arquiteto chinês Zheng Pang,
grande estádio concebido por Herzog e De Meuron, a Opéra Nouvel em
Lyon por Jean Nouvel etc.
O cuidado de preservação deve harmonizar-se com o de responder às
necessidades do desenvolvimento da cidade. De um lado, o patrimônio
perde parte da autenticidade pela necessidade de construção e
modernização. De outro, a política de preservação constitui um freio ao
desenvolvimento urbano, o abuso na preservação monumental transforma os
centros urbanos em museus e traz o risco do abandono das periferias a um
processo não controlado de expansão urbana. Nesse caso, a cidade-museu
expulsa seus habitantes menos abonados. Em Vezelay, comuna de 480
habitantes em 2007 que recebe todo ano 800 mil visitantes aos pés da
basílica classificada pela Unesco em 1979, o comércio de bairro desaparece
dando lugar às butiques de artesãos e aos restaurantes. A defesa do
patrimônio alimenta nesse caso os processos de gentrificação, isto é, o
aburguesamento dos bairros antigos, suscitado pela alta dos preços
imobiliários.

Indicadores de atratividade cultural


É lícita a hipótese de que as disparidades na despesa cultural por
habitante refletem uma demanda social. A variedade da oferta fomenta, mas
também testemunha, a vitalidade da comuna e a presença de categorias
consumidoras de bens culturais. Desencadeia-se um círculo virtuoso em que
a demanda suscita o desenvolvimento da oferta, que por sua vez exerce uma
função de atração e de coesão social. Mais do que os impactos econômicos
que serão meramente contabilizados, os investimentos culturais veiculam
esse laço social, uma força de atração que deve ser incluída numa dinâmica
que vai muito além do campo estrito da cultura.
O patrimônio inscreve-se entre os elementos reais e/ou simbólicos que
permitem enfrentar a concorrência entre territórios para atrair os homens e
os capitais. É possível criar um modelo de mobilidade geográfica dos
indivíduos desenvolvendo a hipótese de que ela é determinada pela utilidade
comparada da instalação em dois territórios, que o consumidor coloca em
concorrência em função dos serviços oferecidos e dos respectivos preços. O
cidadão, da mesma maneira que a empresa, “vota com os pés”106,
expressando sua satisfação ante a produção local de bens públicos e ante
seus financiamentos a outra comuna ao se deslocar para ela. O modelo,
apesar do irrealismo de suas hipóteses (mobilidade e informação perfeitas)
e dos seus resultados, mostra que, sob condições determinadas, a
concorrência entre as coletividades locais para atrair residentes conduz a
uma situação otimizada quanto ao fornecimento dos bens públicos locais e
leva a supor que o leque dos bens e serviços culturais disponíveis num dado
momento é um dos elementos da escolha da comuna onde se instalar.
Em uma série de publicações que obtiveram alguma repercussão,
Richard Florida (2007) explica que a cidade do futuro próximo deve se
centrar em torno da criatividade. Um dos modos pelo qual a concorrência
entre cidades se expressa passa de fato pela capacidade de atrair o capital
humano que os trabalhadores criativos representam: Florida tem em mente os
cientistas, engenheiros, pesquisadores, ensaístas, romancistas, artistas,
atores, designers. Essa atração depende de três fatores que Florida
denomina de “três T”: a tecnologia (medida pela parcela das exportações de
bens e serviços ligados à alta tecnologia e pelo número de patentes por
habitante), o talento (medido pelo nível de estudos) e a tolerância (medida
pela porcentagem de casais gays e de artistas e criadores no seio da
população total). Os três T determinam a capacidade de integrar novos
habitantes e de preservar a diversidade cultural.
O geógrafo Allen Scott (2004) adere parcialmente à visão da cultura
como fonte de inspiração, de criatividade e qualidade de vida. A cidade
constitui um ecossistema que beneficia a criatividade, permite atrair
investimentos e criar empregos. Scott analisa a organização espacial dessas
organizações que funcionam em clusters. As políticas de fixação das
atividades culturais na lógica de redes de empresas de tamanhos diferentes
podem ser consideradas como projeto da criação desses distritos culturais
que repousam notadamente na valorização dos direitos de propriedade
intelectual107.
É possível elaborar um indicador de atratividade cultural em que o
patrimônio desempenha um papel-chave. A Ineum Consulting (2009) propõe
considerar 11 variáveis estruturadas em dois conjuntos: o primeiro atém-se a
caracterizar a performance econômica intrínseca da cidade (PIB por
habitante, proporção da população ativa considerando a população total,
taxa de desemprego, fluxo migratório, número anual de turistas em relação à
população total) e o segundo serve para avaliar a intensidade da vida
cultural e universitária (número de atrações turísticas principais, número de
museus, número de teatros e óperas, despesa cultural pública por habitante,
proporção de estudantes na população, número de universidades). A partir
da média ponderada das notas obtidas por cada cidade para cada indicador
(e se os dados estiverem disponíveis), pode-se construir uma classificação.
Um dos limites do exercício leva em conta a inserção de algumas cidades em
uma aglomeração importante que dispõe de equipamentos cuja beneficiária é
a cidade central (caso de Lille, Lyon e Nancy): como, nesse caso, identificar
e isolar um “efeito patrimônio”? A dificuldade consiste também em
distinguir o efeito das políticas públicas gerais (inserção social, transportes,
emprego) e o das políticas culturais.

80 Le Monde, 4 de maio de 2010.


81 Deps, 2011.
82 Dumas, 2009.
83 Insee, 2010.
84 Bady, 1985.
85 Barrère e Santagata, 2005.
86 Cwi e Lyall, 1977.
87 Ver, em especial para um survey, O’Connor, 2007.
88 Ver, em especial, New Jersey Historic Trust, 1998.
89 Nicolas, 2007.
90 Styrnes, 2011. Para uma análise do problema dos impactos econômicos no caso dos monumentos e
sítios classificados pela Unesco, ver capítulo 6.
91 Caserta e Russo, 2002.
92 Russo e Van der Borg, 2002.
93 Keller e Bieger, 2006.
94 Richards e Wilson, 2008.
95 Bonet.
96 Deps.
97 MCC, Chiffres clés, 2010.
98 Ver capítulo 3.
99 Plaza, 2008.
100 Gomez e Gonzalez, 2001.
101 Seaman, 1997.
102 Montgolfier, 2010.
103 Ver capítulo 5.
104 Seaman, 1997; Vivant, 2007.
105 Apud François, 1998, p. 313.
106 Thiebout, 1956.
107 Santagata, 2002.
As políticas patrimoniais

O Estado define o campo do patrimônio protegido; ele financia uma


parte de sua preservação e garante o cumprimento das normas de
restauração. O economista justifica essa intervenção pela existência de
externalidades, isto é, de efeitos diretos da atividade de um agente sobre o
bem-estar de outro108, efeito que escapa ao mercado e ao sistema de preços.
Essas externalidades possuem várias formas: externalidades de demanda,
benefício induzido pelo acréscimo do bem-estar de todos provocado pela
produção cultural prestada por alguns, externalidades intergeracionais. O
patrimônio suscita ademais projeção cultural internacional.
Várias categorias de intervenção coexistem que correspondem à
existência dessas externalidades: a subvenção direta (local ou central), a
subvenção indireta (incentivos fiscais) e a regulação (estabelecimento de
listas de bens protegidos, interdição de exportação, aplicação de um corpus
de textos jurídicos e regulamentares permitindo a transferência a agentes
privados de parte da missão de manutenção patrimonial, imposição de
normas de preservação, dias e horários regulamentados de funcionamento).
Essas intervenções não são desconexas (as obrigações normativas são
compensadas pela subvenção) nem neutras quanto à distribuição dos
rendimentos e dos patrimônios.

A decisão de preservar

A definição do perímetro da preservação


Os pedidos de proteção podem emanar da sociedade civil
(associações, pessoas físicas). Seu campo é definido por administradores,
com a consultoria de peritos (curadores, historiadores da arte) a fim de
melhor esclarecer ou validar as escolhas efetuadas. O economista argumenta
que o caráter de bem sob tutela do patrimônio justifica o fato de a decisão
escapar ao cidadão insuficientemente esclarecido. A noção de bem sob
tutela proposta por Musgrave (1959) refere-se a esses bens cuja utilidade é
superior à que os indivíduos percebem a seu respeito. O Estado corrige essa
incapacidade que se traduz por falhas de mercado: o indivíduo pouco
consciente do bem-estar proveniente do consumo do patrimônio recusa-se a
financiá-lo à altura do que seria necessário, e o Estado compensa essa
insuficiência a fim de evitar o risco de subprodução e de submanutenção
induzidas por essa falha.
Os procedimentos administrativos não deixam de ter defeitos. À
lentidão dos trabalhos iniciados, cujo ritmo é frequentemente ditado pela
possibilidade de obter subvenções potenciais, é preciso acrescentar a crítica
feita pelos partidários da escola da public choice, que criticam o poder de
uma burocracia excessivamente exigente e a tentação de desenvolver uma
atividade financiada pela sociedade sem preocupação com os custos
induzidos109.
Krupka e Noonan (2010) propõem um modelo de sinalização dos
monumentos históricos a partir dos dados sobre a política patrimonial da
cidade de Chicago. Entre os determinantes do tombamento, enfatizam as
características do bem, a situação da economia local, variáveis
demográficas e geográficas. Contrastam os interesses dos proprietários de
edifícios tombados com os dos proprietários vizinhos. Os primeiros não têm
forçosamente interesse num tombamento que diminui as possibilidades de
transformação do bem, e os segundos percebem no tombamento uma fonte de
preservação do entorno urbano de sua propriedade, sem que venham a sofrer
restrições tão importantes quanto as que afetam a propriedade tombada.
Outro resultado é a fraca propensão dos proprietários de alta renda a pedir a
proteção atribuída aos monumentos históricos se o seu bem for situado em
uma área na qual os habitantes são, geralmente, abastados e pouco inclinados
a operar transformações que reduzam o nível da qualidade arquitetônica,
qualquer que seja o seu custo. Os autores mostram que os bens históricos já
modificados são mais suscetíveis de tombamento, pois a administração os
considera especialmente ameaçados por outra transformação eventual. A
rotulagem “monumento histórico” resulta então de três forças em tensão: a
resistência dos proprietários às obrigações que pesam sobre os edifícios
protegidos, a demanda de conservação que emana da vizinhança e o
comportamento do regulador. Esse resultado é mais pertinente nos países em
que as obrigações que pesam sobre edifícios protegidos não são
compensadas nem por subvenção nem por vantagens fiscais; a ausência ou a
insuficiência da ajuda ao proprietário privado são justificadas pelo efeito do
tombamento sobre o valor do bem, compensação “natural” oferecida pelo
mercado.
Para Hutter e Rizzo (1997), não é a captura da agência reguladora, isto
é, a apropriação por determinados agentes das vantagens produzidas pela
política executada pela agência de regulação, que é problemática. É a
agência reguladora que procura capturar a regulação a fim de estender seu
domínio de intervenção. Peacock (1998) recomenda maior participação de
indivíduos (não só os peritos) na decisão de tombar e de conservar. Ele
designa os custos resultantes da aplicação de normas e de decisões públicas
discutíveis, tal como a proibição de construir um edifício contemporâneo
num sítio histórico que integra, porém, construções datando de épocas
diferentes (caso da residência do duque de Boughton, no Reino Unido).
Sugere que se aceite alguma liberdade de transformação dos edifícios e que
se reduza o poder das administrações, argumentando, numa perspectiva
liberal, que a frequentação dos sítios constitui o único indicador da
qualidade da política cultural. Próximo a essa corrente de pensamento, Frey
(1997) destaca a eficácia do referendo, prática frequente na Suíça e que
evita os efeitos de captura transferindo a decisão ao conjunto dos cidadãos
em idade de votar.

O nível correto da decisão. Financiamentos centrais ou


locais?

É preciso que as decisões referentes à preservação sejam asseguradas


em nível local? Se considerarmos o patrimônio como atinente – na parte
pública – ao domínio dos bens e serviços públicos locais, seu financiamento
deve ser logicamente assegurado no plano local, sem prejuízo da política de
mutualidade ou de reequilíbrio territorial decidida pelas autoridades
encarregadas do patrimônio.
Tiebout (1956) define os bens públicos locais como bens produzidos
por uma coletividade local que beneficiam os residentes, mas que podem
favorecer consumidores de comunidade local vizinha. São nesse caso objeto
de “externalidades de transbordamento”. Se o seu custo é financiado por uma
taxa local, o não residente pode consumi-los sem arcar com custo idêntico
ao do residente. Uma resposta simples a essa distorção do mercado consiste
na aplicação de tarifa diferenciada em função do local de moradia do
consumidor, descontando os custos de aplicação desse tipo de dispositivo.
A descentralização da decisão pública possui inconvenientes. Em
matéria de urbanismo, pode favorecer o desenvolvimento de loteamentos e
de especulações urbanas; inclusive quando as comunas dispõem dos meios
de propor planos de desenvolvimento urbano harmoniosos, nenhuma
coletividade territorial encontra-se verdadeiramente protegida da pressão
dos empreendedores e dos habitantes desejosos de possuir uma obra
arquitetônica moderna e padronizada. A indicação do melhor patamar
decisório, em matéria patrimonial, pode assim revelar-se contraintuitiva.
Rizzo (2003) propõe uma análise original para o problema inspirada nas
teorias liberais da escola da public choice. Na Itália, onde a autonomia das
regiões é grande, o eleito local deve enfrentar permanentemente a pressão de
seus administrados que desejam licenças para construção (ou demolição),
levando a destruições e transformações irreversíveis do quadro urbano e
paisagístico. O representante eleito encontra-se mais inclinado a
negligenciar o pequeno patrimônio de vizinhança do que os sítios e
prestigiosos monumentos dotados de valor simbólico. Os riscos são menores
ao se transferir para as coletividades a competência relativa aos
monumentos consagrados do que aquela que se refere ao patrimônio de
menor fama.
Na França, a lei relativa às liberdades e responsabilidades locais (lei
nº 2004-809, de 13 de agosto de 2004) concedeu às coletividades
territoriais a possibilidade de pedir a transferência de propriedade de
monumentos históricos e sítios arqueológicos pertencentes ao Estado com o
objetivo de assegurar sua preservação e manutenção; em 2005, uma
comissão de representantes eleitos e peritos presidida pelo historiador René
Rémond explicita os critérios para justificar a permanência da propriedade
estatal: vinculação à memória nacional (lugares comemorativos das grandes
datas da história, antigos bens da Coroa representativos da constituição do
Estado nacional), arquétipos arquiteturais de qualidade excepcional e de
grande valor pedagógico, sítios arqueológicos importantes. A comissão
propõe uma lista de 176 monumentos e sítios arqueológicos transferíveis,
entre os quais os castelos do Haut-Koenigsbourg na Alsácia e de Chaumont-
sur-Loire (Centro), as abadias (Jumièges, na Normandia), um dólmen
(Lestrigniou, na comuna de Plomeur), arcos (porta de Saint-Denis, em Paris)
etc. Em 2008, o ex-ministro da Cultura, Jean-Jacques Aillagon, propõe
estender a transferência às catedrais e delegar às regiões a decisão de
tombar e inscrever, permanecendo o Estado fiador das normas de inscrição
sobre todo o território. Num relatório de outubro de 2009 consagrado à
descentralização, o Tribunal de Contas sublinha que o balanço é
decepcionante e, no final das contas, oneroso para o Estado – salvo alguns
raros êxitos, tal como a restauração da Abadia de Jumièges transferida para
a administração departamental de Seine-Maritime e cofinanciada pela
coletividade territorial e o Estado. Em 2010, um novo relatório do Senado
menciona que somente 65 monumentos foram transferidos. Como acontece
com frequência quando um dossiê permanece polêmico, é considerada a
criação de comissão apropriada: o Alto Conselho do Patrimônio
Monumental.

A inalienabilidade do domínio público

Ao lado da questão do plano adequado de decisão e de financiamento


público, consta a da eventual alienação de fundos, obras ou monumentos. Na
França, como em muitos países, prevalece um princípio de inalienabilidade
das coleções públicas. Próprio da teoria do domínio público e de natureza
essencialmente jurisprudencial, esse princípio provém do Édito de Moulins
(1566), que proibia qualquer alienação do domínio da Coroa. Em 1790, o
legislador revolucionário substitui a Coroa pela Nação como proprietária do
domínio. A esfera do domínio público é hoje muito ampla. Compreende as
coleções de documentos antigos, raros ou preciosos das bibliotecas, as
obras e objetos de arte contemporânea adquiridos pelo Centro Nacional das
Artes Plásticas, assim como as coleções de obras e objetos de arte inscritos
nos inventários do Fundo Nacional de Arte Contemporânea (Fnac), as
coleções do Mobiliário Nacional de Sèvres, os objetos mobiliários
tombados sob a égide da lei de 31 de dezembro de 1913 referente aos
monumentos históricos, os objetos mobiliários de interesse histórico ou
artístico que se tornaram ou permaneceram propriedade pública em
aplicação da lei de 1905 sobre a separação das igrejas e do Estado. Um
objeto introduzido nas coleções dos museus passa a integrá-las
permanentemente, salvo em caso de exposições externas legalmente
autorizadas, empréstimo ou destruição material. A lei de 4 de janeiro de
2002 relativa aos museus franceses, embora lembrando o princípio de
inalienabilidade, institui todavia uma legislação bastante rígida de
destombamento das obras em questão. Existe também uma legislação de
destombamento por decreto do Conselho de Estado, muito raramente
utilizada, para os monumentos históricos.
Será preciso renunciar a esse princípio e com que objetivo? Rigaud
(2008) lembra que a missão fundamental de exposição das obras só é
possível se o museu preenche sua missão de estudo e de preservação das
obras que lhe foram confiadas ou que adquiriu. Não há, pois, museus sem
reservas. Da mesma maneira, as coleções têm uma história e está fora de
questão conservar apenas obras-primas. Um grande número de obras entra
nas coleções públicas sob a forma de doações ou de legado, e a subtração do
princípio de inalienabilidade, caso aplicada às doações e aos legados,
poderia ter um efeito de desmotivação sobre doadores e herdeiros (Rigaud
aponta que as obras da fundação Rothko puderam ser entregues a National
Gallery de Washington porque o museu respeita a inalienabilidade).
Acrescente-se que a evolução dos gostos e os progressos da história das
artes podem conduzir à revisão das hierarquias estabelecidas, à reabilitação
de acervos não expostos ou meramente desconsiderados (descoberta tardia
de Caravaggio, de La Tour, Vermeer, pintores “acadêmicos” expostos no
Museu de Orsay etc.).
Os economistas mantêm-se cautelosos diante do princípio que limita o
potencial de valorização do patrimônio e congela os estoques acumulados no
tempo, com os respectivos custos. Alan Peacock (1998) qualifica de Prado
disease a tendência quase obsessiva de conservação, arriscando manter as
obras armazenadas por décadas, e aponta para os custos de oportunidade
dessa reserva inacessível. Ele aconselha a subtração da inalienabilidade e o
direito ao deaccessioning. Em seu relatório sobre a economia do imaterial,
Jouyet e Lévy (2006) sugerem limitar a inalienabilidade apenas aos tesouros
nacionais e tornar “livres de direitos” todas as outras obras para que sejam
alugadas ou vendidas.

O debate sobre a inalienabilidade no mundo:


posições ainda polêmicas
Mesmo que se constate em todos os países uma grande desconfiança
quanto à subtração do princípio de inalienabilidade, com o temor que a
medida se torne um modo de gestão das coleções em período de penúria
orçamentária, os sistemas em vigor são heterogêneos.
Na Itália, as coleções dos museus pertencentes ao Estado são
inalienáveis. A Espanha só admite que os bens de interesse cultural
pertencentes ao Estado sejam alienados se for em proveito de outra
autoridade pública. Os Países Baixos e a Noruega admitem
ocasionalmente a derrogação do princípio. No Reino Unido, a maior parte
dos museus pode alienar duplicações e obras estimadas sem pertinência
pelo conselho de administração (unsuitable for retention); os registered
museums não sofrem nenhuma interdição (em contrapartida, a National
Gallery de Londres não pode vender suas coleções). O National Maritime
Museum escolheu oferecer obras menores a outros museus marítimos;
caso nenhum museu se interessar, a obra é então vendida. A questão
suscitou polêmica, como quando a comuna de Bury, perto de Manchester,
vendeu em 2006 um quadro de L. S. Lowry a fim de cobrir parcialmente o
deficit orçamentário da coletividade. Em junho de 2010, o Royal
Cornwall Museum de Truro cede dois quadros vitorianos importantes (A
sereia, de Herbert James Draper, vendido em Londres por 937.250 libras,
e Escravidão, de Ernest Normand, avaliado num montante variando entre
2 e 3 milhões de libras, mas que não chegou a alcançar seu preço de
reserva). A Museum Association, que agrupa todos os museus britânicos e
os profissionais que ali trabalham, havia dado um parecer permitindo a
venda a fim de assegurar a estabilidade financeira em longo prazo das
coleções do museu, e o montante recolhido foi investido num fundo de que
apenas os juros poderiam ser utilizados. Em artigo extremamente crítico,
o historiador de arte Didier Rykner observa que o museu “decapita” assim
sua coleção de pinturas vitorianas e que a venda se torna ainda mais
chocante porque os quadros haviam sido doados ao museu no início do
século XX110.
Nos Estados Unidos, é possível alienar obras, porém essas vendas
só servem em princípio para financiar outras aquisições. Prudente quanto
ao risco de errar que só o tempo pode diminuir (mas não eliminar), o
MoMA escolheu renunciar à venda das obras de artistas vivos.

O debate sobre a inalienabilidade ilustra o conflito típico da economia


de patrimônio dividida entre o anseio de preservar e evitar desfazer-se de
fundos ou obras dos quais o decorrer do tempo pode vir a comprovar a
importância e a vontade de aplicar maior racionalidade econômica, de
autorizar o “arejamento” das coleções, de corrigir os erros passados, de se
desfazer de obras em proveito de outras aquisições que contribuiriam mais
para a coerência dos fundos.

Formas e montantes da intervenção pública


A quem deve caber o encargo da conservação? Associa-se a
preservação do patrimônio a funções do serviço público; isso não quer dizer
que a produção do bem público “preservação e acesso ao patrimônio”
depende tão somente do Estado. Ronald Coase (1960) demonstra que
acordos contratuais entre agentes podem trazer melhores resultados do que a
intervenção pública se os custos da transação entre indivíduos forem
insignificantes. Outros autores preconizam a internalização das
externalidades, tal como no caso do proprietário de um restaurante ao qual
se pediria uma contribuição ao financiamento do museu do qual herdou uma
clientela inesperada. Organismos privados podem igualmente intervir
trazendo a garantia da imposição de obrigações e restrições claramente
explicitadas.

O problema do “passageiro clandestino”

Pode-se excluir da fruição do patrimônio aquele que não deseja pagar


por ela? Peacock e Rizzo (2008) dão o exemplo do Castelo de Edimburgo,
erigido sobre um promontório, visível para todos, mas para cuja
preservação poucas pessoas contribuiriam espontaneamente, com a
esperança de que outros o fariam em seu lugar. Os autores reconhecem
porém que pode existir uma forma de altruísmo ou indiferença em pagar
pelos outros, que o economista designa como interdependência das
preferências individuais. Mas as somas recolhidas graças ao imposto e às
contribuições espontâneas não bastam necessariamente para cobrir as
despesas de manutenção do patrimônio.
Quando os bens são públicos, o consumidor pode evitar o pagamento
malgrado a vantagem obtida e agir assim como passageiro clandestino. É
preciso incentivar os agentes a revelar suas preferências ou a financiar o
bem pelo imposto. Em uma lógica de internalização dos efeitos externos,
Benhamou e Thesmar (2011) propõem um acréscimo da taxa de estadia nos
hotéis, de modo que o turismo contribua mais para a manutenção e a
valorização do patrimônio nacional. No mesmo espírito, em Veneza e
Florença, a ideia de pedir a contribuição de um euro por dia a cada turista
foi formulada; os 20 milhões de visitantes anuais de Veneza aliviariam dessa
maneira o encargo da manutenção da cidade que recai sobre seus 60 mil
residentes111.
A despesa pública patrimonial. O montante do empenho
público na França

Na França, a preservação do patrimônio é amplamente assegurada pela


coletividade ao respaldar os proprietários privados de construções
patrimoniais com subsídios e vantagens fiscais, contando com o efeito de
alavanca que esse apoio provoca.
O programa intitulado “Patrimônio” representa 20% do orçamento dos
Ministérios da Cultura e da Comunicação da França em 2011 (0,869 sobre
4,261 bilhões de euros), distribuídos em despesas de pessoal (12,47%),
funcionamento (53,07%), investimento (15,77%) e intervenção (18,70%). Os
créditos especificamente destinados à manutenção do patrimônio
monumental representam uma soma de cerca de 380 milhões de euros. É
preciso acrescentar o esforço envidado pelas coletividades locais e pelos
outros ministérios (Ministério da Defesa, encarregado dos monumentos
importantes, como o Castelo de Vincennes e o Palácio dos Inválidos,
Ministério do Equipamento, Ministério da Justiça, Ministério da Educação
Nacional etc.) assim como a perda de receita para o Estado (da ordem de
150 milhões de euros), relacionada às vantagens fiscais outorgadas aos
proprietários privados e aos mecenas112.
Além do financiamento da preservação dos bens que lhe pertencem, o
Estado distribui subsídios aos proprietários que podem alcançar 50% das
despesas de restauração e serem completados pela ajuda das coletividades
locais. Os imóveis situados no perímetro coberto pela lei Malraux113
beneficiam-se de empréstimos bonificados e de vantagens fiscais.

Quadro 12 Avaliação das despesas culturais arcadas pelas coletividades


para a preservação e a difusão dos patrimônios em 2006*

Total (milhões de euros) Euros por habitante


entre:
Comunas Comunas
de mais de mais
Departamentos Regiões Departamentos Regiões
de 10 mil de 10 mil
habitantes habitantes

Bibliotecas
e 866 124,96 - 30,2 2,1 -
midiatecas

Museus 485 150 - 16,9 2,6 -

Arquivos 73 111,64 - 2,5 1,9 -

Patrimônio 240 247,75 112,56 8,4 4,2 1,92

Total 1.664 634,35 112,56 58 10,8 1,92


*Último ano para o qual o Ministério da Cultura publicou esses dados.
Fonte: Deps (2009).

A produção de normas e de padrões de preservação

O direito do patrimônio constituiu-se por sedimentações sucessivas


desde a lei de 1913 que organizava dois níveis de proteção114. Para qualquer
local gozando de proteção, o legislador impõe normas de preservação. O
imóvel tombado não pode ser destruído, deslocado ou modificado, mesmo
parcialmente, nem ser objeto de restauração ou conserto, sem a autorização
prévia do Ministério da Cultura. Não pode ser vendido, legado, doado, sem
o parecer do ministro. Os trabalhos autorizados realizam-se sob a
fiscalização da administração. Nenhuma construção nova pode ficar
encostada a um imóvel tombado sem autorização especial do ministro
responsável pela Cultura. Qualquer modificação efetuada no campo de
visibilidade do edifício tombado (qualquer outro imóvel a uma distância de
menos de 500 metros do edifício em questão e visível a partir dele ou da
mesma perspectiva) deve obter a permissão do arquiteto dos edifícios da
França. A inscrição no Inventário Suplementar dos Monumentos Históricos é
uma medida menos coercitiva que pode se tornar um trampolim para o
tombamento; implica a interdição da destruição ou da modificação do
imóvel sem que o ministro seja informado e, da mesma maneira que para os
monumentos tombados, a administração deve ser informada em caso de
venda ou de legado. Até recentemente a ZPPAUP115 criava uma área
protegida de 500 metros em torno do monumento histórico; esse perímetro
passou a ser variável.
Para o proprietário particular, a proteção comporta custos relacionados
às normas de preservação. Essa medida limita as possibilidades de
valorização comercial, modernização e desenvolvimento. Conflitos nascem
periodicamente quanto ao que pode ser autorizado ou proibido. As reformas
de hotéis particulares tombados, empreendidas por indivíduos abastados,
ocasionam debates e por vezes contenciosos quando o comprador, desejoso
de se beneficiar das comodidades da vida moderna, acaba desnaturando o
edifício (caso do hotel d’Estrée na Rua de Grenelle, do hotel de Bourbon-
Condé na Rua Monsieur, ou do hotel Lambert na ilha Saint-Louis, em Paris).
O Ministério da Cultura e da Comunicação foi condenado em 2007 por ter
revestido com estrutura metálica um edifício construído pelo arquiteto
Georges Vaudoyer nos anos 1920. Um tombamento pode impedir a
demolição de um edifício e afugentar incorporadores: tal é o caso, ainda em
discussão em 2011, da prisão de Toulouse, construída no século XIX e
desativada em 2009.

Os incentivos fiscais aos particulares

Além dos subsídios, são concedidas vantagens fiscais aos proprietários


particulares de monumentos protegidos, em modalidades variadas,
dependendo da possibilidade ou não de visitas e do número respectivo de
dias fixados durante o ano: dedução dos encargos fundiários de manutenção
e restauração, inclusão na renda global dos deficits fundiários atinentes ao
monumento, isenção dos direitos de transferência a título gratuito (sucessão e
doação). É preciso acrescentar a dedução das despesas específicas de
restauração nos setores salvaguardados e nas ZPPAUP, transformada em
redução fiscal de 30 a 40% num limite de 100 mil euros durante quatro anos,
sob condição do compromisso de preservar o imóvel por um prazo mínimo
de quinze anos.
Outros países adotaram da mesma maneira dispositivos de incentivo
fiscal, mas menos vantajosos. Na Grã-Bretanha, o proprietário de
monumento aberto à visita fica isento dos impostos sucessórios. A TVA (taxa
sobre o valor agregado) sobre os trabalhos é nula. Por outro lado, os
trabalhos não dão direito à dedução do imposto de renda.

O pequeno patrimônio: auxílio sem proteção


O “pequeno” patrimônio que caracteriza as paisagens rurais não
dispõe de proteção propriamente falando. Testemunha, todavia, uma
história, maneiras de viver. A Fundação do Patrimônio dispõe de fundos
privados (58%) e públicos (42%). Criada em 1996, dedica-se à
identificação, preservação e valorização dos monumentos, edifícios,
conjuntos mobiliários ou elementos notáveis dos espaços naturais ou
paisagísticos ameaçados de degradação, desaparecimento ou dispersão;
concorre para a transmissão do savoir-faire. A atribuição de rótulo ao
patrimônio não protegido e aos sítios dá direito a deduções fiscais para
trabalhos de restauração quando o bem é visível a partir da via pública. O
rótulo é atribuído por cinco anos. Somente as partes externas (ou internas,
caso sejam concernentes à solidez da construção) podem ser incluídas no
dispositivo. A Fundação pode igualmente dar seu apoio a projetos de
salvaguarda ao participar do seu financiamento por meio de subscrições
(em 2010, foram contadas 770 novas subscrições). A instituição atribui
subvenções (mínimo de 1% do montante dos trabalhos rotulados)
financiadas em parte pelo produto de heranças vacantes e pelo mecenato.
Ela criou um dispositivo fiscal de apoio para os trabalhos de valorização
dos espaços naturais (florestas, rios, reabilitação de antigas turfeiras).
Entre 2000 e 2008, 6.607 rótulos foram atribuídos, somando 326
milhões de euros em obras, e 1.676 subscrições foram promovidas,
somando 214 milhões em obras. Os projetos se referem tanto a igrejas
rurais quanto a lavadouros, barcos, locomotivas etc. A fundação conta
com 450 voluntários.

Análise econômica dos dispositivos de auxílio e


proteção
Instrumentos de incentivo referentes à preservação do patrimônio, sua
restauração e facilitação de acesso ao público, tendo o efeito de alavancar a
despesa privada, são dispositivos complexos e possuem efeitos
heterogêneos.

Risco moral, efeito de vantagem e efeito sobre a distribuição


dos patrimônios

As isenções fiscais levam a uma perda de receita cujo montante exato é


ignorado. Possuem um efeito sobre a repartição das riquezas116 e são
contrarredistributivas: os contribuintes mais abonados têm maiores chances
de se aproveitar das vantagens fiscais concedidas117.
Ignora-se tanto o grau efetivo de abertura dos edifícios protegidos ao
público quanto o eventual efeito de vantagem das medidas, que se
assemelham a nichos fiscais (o efeito de vantagem produz-se quando um
agente econômico beneficia-se em relação à determinada ação quando ele já
havia decidido agir no sentido pretendido sem contar com a vantagem
concedida). Ao efeito de vantagem acrescenta-se o “risco moral” resultante
do incentivo à proteção, criado pelas vantagens esperadas. Esse termo
designa o fato de que o indivíduo, ao dispor de segurança, torna-se mais
inclinado a assumir riscos do que um indivíduo não assegurado. De modo
análogo, um direito ao subsídio ou à isenção fiscal cria um incentivo à
demanda de proteção, e é a regulamentação que determina, pelo menos em
parte, o nível de produção. Essa última encontra-se então correlata à relação
custo-benefício para o proprietário privado. Caso o diferencial dos custos
da restauração de edifício protegido em comparação com os de edifício não
protegido (custos adicionais para as obras, restrições à reforma do edifício)
seja inferior à soma das vantagens obtidas graças à proteção esperada
(reduções fiscais, subsídios, acréscimo do valor venal), o proprietário vê-se
motivado a pedir a proteção do seu edifício, e vice-versa.

Avaliação do efeito de tombamento sobre o preço dos bens


como legitimação econômica do subsídio

A inscrição e o tombamento afetam o valor dos bens patrimoniais. O


valor do tombamento corresponde ao diferencial do preço de locação ou de
venda do imóvel tombado e do imóvel não tombado, permanecendo
constantes todos os outros fatores. O método dos preços hedônicos é
frequentemente utilizado para avaliar o “bônus” eventual associado ao
tombamento118. Creigh-Tyte (2000) estuda o valor relativo de cinco
categorias de imóveis de escritórios entre 1980 e 1995; o tombamento é
vantajoso para os imóveis mais antigos (construídos antes de 1945), o efeito
de valorização é menos sensível para as outras construções. Os imóveis
próximos dos que foram tombados se beneficiam da revitalização do bairro
e da redução dos riscos dada a estabilização da vizinhança119. Benhamou
(2003a) confirma da mesma maneira uma correlação positiva entre o preço
dos apartamentos parisienses e o pertencimento a uma zona tombada na
região metropolitana parisiense. Conforme um estudo de Shipley (2000)
levado a efeito em 3 mil propriedades canadenses, as casas tombadas são
mais caras que as outras e seus preços menos sensíveis às reviravoltas de
conjuntura do que as moradias não tombadas. Enfim, Noonan (2007) mostra,
baseado no método das vendas repetidas, que os imóveis tombados são
sujeitos a transações mais frequentes do que os outros (período: anos 1990).
Nesses estudos todos, o diferencial do preço do metro quadrado entre
edifícios protegidos, edifícios não protegidos, mas pertencentes a uma zona
protegida, e edifícios não protegidos, permanecendo constantes todos os
outros fatores, é interpretado como a tradução pelo mercado do valor do
rótulo, que resulta de dois movimentos opostos: acréscimo graças à melhoria
do quadro urbano ou circundante e das vantagens atinentes e redução
decorrente das obrigações e custos suplementares de manutenção
relacionados à proteção.

Avaliação do esforço desenvolvido

A análise custo-benefício diz respeito a uma hipótese muito simples:


um auxílio é justificado se o bem-estar coletivo cresce em razão de sua
existência. Esse procedimento permite comparar os efeitos respectivos de
dois projetos alternativos. Não deixa, todavia, de colocar muitas questões
geradas pela avaliação quantitativa de elementos qualitativos. François
Mairesse (2004) sugere a elaboração de uma bateria de indicadores de
eficiência no caso dos museus: qualidade da visita, relação do corpo de
funcionários com o público e do museu com seu entorno socioeconômico e
urbano, importância e diversidade do público, pesquisa e comunicação,
competência do pessoal, coerência dos objetos da coleção, estatuto da
coleção, diversidade dos serviços oferecidos, horários de funcionamento,
signalética e segurança, identificação museu/região etc. Esse tipo de
avaliação pode ser adotado pelos estabelecimentos patrimoniais, levando
em conta as especificidades de suas missões.
No quadro da lei orgânica relativa às leis de finanças (LOLF), são
elaborados indicadores de desempenho: a melhoria dos procedimentos de
proteção, o custo médio do metro quadrado ajustado às normas de
preservação, a parte dos créditos alocados para a conservação preventiva
proporcionalmente àqueles alocados para a restauração, a disponibilidade
de instrumentos de conhecimento, a acessibilidade física das coleções pelo
público, a frequência, a parcela do público jovem na frequência total, os
acessos aos sites da internet, os graus de satisfação do público. A
interpretação desses fatores exige prudência. Em um relatório sobre as
políticas sociais da cidade, o Tribunal de Contas (2002) aponta que,
“conforme as épocas e as iniciativas tomadas, vários eixos estratégicos
foram utilizados: melhorar as condições de vida nos bairros problemáticos,
permitir a seus habitantes que deixem o local graças à melhoria de sua
situação pessoal, reabsorver os bairros ‘guetos’ etc.”. Encontram-se as
mesmas hesitações no caso da política patrimonial: conservar como está ou
modernizar e valorizar correndo o risco de alteração; inscrever a política
patrimonial na política social ou em contrapeso a ela; privilegiar o acesso
de todos com políticas tarifárias diferenciadas, aumentar a autonomia de
cada estabelecimento ou promover a mutualidade dos meios, investir na
política digital e associá-la à gratuidade do acesso; elaborar encargos de
serviço público não rentáveis sem deixar de buscar o equilíbrio das contas
etc. Os contornos são fluidos, a legibilidade insuficiente, as ações
disseminadas.
Malgrado os esforços desenvolvidos, o estado do patrimônio degrada-
se e as necessidades aumentam. O Relatório sobre o estado do patrimônio
monumental francês (2007) distingue os sítios arqueológicos e as ruínas, as
fortificações e muralhas urbanas, que precisam apenas de manutenção fixa,
dos parques e jardins para os quais planos de gestão detalhados devem ser
elaborados. Cinco avaliações do estado de “saúde” dos monumentos são
propostos: bom estado, razoável, defeituoso, sob risco e estado não
definido. A comparação entre 2002 e 2007 deixa perceber um leve
crescimento da proporção de monumentos considerados em bom estado (de
19 a 22% do total), um forte crescimento da proporção dos monumentos
defeituosos e em situação de risco (de 32 a 41%), e um decréscimo da
proporção dos monumentos em estado razoável. Encontram-se especialmente
em perigo crescente os monumentos pertencentes ao Estado. A necessidade
de obras é avaliada em 6,65 bilhões de euros em 2002 e em 8,606 bilhões
em 2007, dos quais respectivamente 4,230 e 5,246 bilhões reservados
somente aos monumentos em perigo. Mesmo que se atenue a degradação do
estado do patrimônio ao considerar o acréscimo do parque de monumentos
protegidos e pelo melhor conhecimento das situações, o aumento das
necessidades é considerável.
Throsby (1997) insiste sobre a necessidade de realizar avaliações de
longo prazo que considerem o aspecto intergeracional do patrimônio, em
uma lógica de desenvolvimento sustentável tomada de empréstimo à
economia ambiental: um projeto patrimonial só tem sentido se puder ser
assumido também pelas gerações futuras e incluído num ecossistema
coerente.

Na França, o Tribunal de Contas avalia dez anos


de gestão de 37 museus nacionais (março de
2011)
Em 2011, o Tribunal de Contas faz um balanço alarmante a respeito
dos museus nacionais franceses. Em dez anos, a oferta feita pelos museus
explodiu do ponto de vista dos espaços, dos horários de funcionamento,
das exposições, das aquisições, assim como dos bens anexos (catálogos,
eventos etc.). A gestão das coleções – preservação, acréscimos – não
parou de progredir.
Os recursos próprios cresceram, mas de modo insuficiente em
comparação com as despesas; entre 2000 e 2010, os créditos do Estado
aumentaram 58%, duas vezes mais rapidamente que os dos Ministérios da
Cultura e da Comunicação, e três vezes mais depressa que os do
orçamento estatal. Se acrescentarmos as vantagens fiscais oferecidas ao
mecenato, o auxílio aos museus aumentou entre 70% e 90%.
Projetos impressionantes de obras de ampliação ou de criação de
estabelecimentos foram lançados (Museu Picasso em Paris, salas de arte
do Islã no Louvre, Museu das Civilizações em Marselha, Centro de
Preservação dos Museus em Cergy-Pontoise, Grand Palais, Museu da
História da França). O montante total, da ordem de 1 bilhão de euros, é
julgado insustentável pelo Tribunal de Contas, considerando-se, além
disso, que beneficia essencialmente Paris e que, ao mesmo tempo, o
auxílio das coletividades locais aos museus regionais diminuiu pela
metade.

O mecenato e a loteria, substitutos do empenho


público?
Diante dos limites dos financiamentos públicos, os apelos ao dinheiro
privado variam: publicidade, mecenato, patrocínio, subscrições. A
embaixada da França em Berlim necessitava de obras de renovação; uma
agência de publicidade foi encarregada de alugar a lona protetora a
anunciantes ao longo do período das obras, permitindo o autofinanciamento
dos trabalhos. Do mesmo modo, o Museu de Orsay cobre os andaimes
externos a fim de contribuir para o financiamento dos trabalhos de reforma.
Lonas são assim estendidas legalmente sobre os monumentos históricos em
reparo. As inscrições indicam frequentemente a participação de mecenatos
destinada à manutenção ou à transformação de palácios nacionais.
Paul Veyne (1995) descreve o “evergetismo” (termo cunhado pelo
historiador André Boulanger), isto é, o fato de praticar o bem ou, para as
pessoas de destaque, de beneficiar a coletividade com suas riquezas. O
mecenato herda essa função. É preciso, porém, distinguir o mecenato de
indivíduos, bastante comum nos Estados Unidos120, do mecenato de empresa.
O mecenato reveste três formas: em espécie, em bens (doação de produtos) e
em competência (empréstimos de mão de obra, fornecimento do savoir-
faire).
No rol das empresas, os agentes do mecenato parecem cada vez mais
numerosos, tais como Vinci e Bouygues em Versalhes, Dassault para o Arco
do Triunfo, Velux para a Sainte-Chapelle, Nippon Television e Lafargue no
Louvre, Total e Veolia no Instituto do Mundo Árabe, o Clube dos Mecenas
no Museu de Belas Artes de Lyon, Tod’s no Coliseu em Roma, os Comitês
de Salvaguarda em Veneza, Vinci em Angkor. Levando em conta o volume de
negócios, o mecenato de pequenas empresas é mais elevado que o das
grandes. No rol das pessoas físicas, a subscrição lançada pelo Museu do
Louvre em 2010 para a aquisição das Três graças de Cranach, a operação
“Adote uma estátua” no parque de Versalhes (imitando o modelo lançado em
Kensington Gardens de Londres e no Central Park de Nova York)
demonstram que o mecenato individual tornou-se um meio de financiamento
e de enriquecimento do patrimônio.
No Reino Unido, a política patrimonial é respaldada pelo voluntariado
e pela adesão das maiorias aos valores veiculados pelo patrimônio. As
contribuições voluntárias constituem um substituto à subvenção. A atribuição
de parte das receitas da loteria para o patrimônio completa esse modo de
financiamento. Desde 1994, o Heritage Lottery Fund (HLF) britânico apoia
operações no domínio patrimonial com um montante de cerca de 180 milhões
de libras por ano. Na França, Jean-Jacques Aillagon sugeria em 2008
tributar o volume de negócios da Française des jeux121 em 0,5-1% e destinar
as somas recolhidas – 45 a 90 milhões de euros – à restauração do
patrimônio em perigo. A proposta não foi adiante.
O mecenato goza de importantes vantagens fiscais que foram reforçadas
no âmbito da lei de 1º de agosto de 2003: previu-se para as empresas uma
redução fiscal de 60% do montante da doação dentro do limite de 0,5% do
volume de negócios, com eventual prorrogação durante os cinco exercícios
seguintes, combinada com a divulgação do nome da empresa e contrapartida
tangível (jantares de cerimônia, visitas exclusivas) até 25% do montante
doado. Para pessoas físicas, a redução fiscal é de 66% da doação dentro do
limite de 20% do rendimento tributável. Em alguns casos, a vantagem fiscal
é mais elevada ainda: as empresas podem beneficiar-se da redução fiscal de
90% sobre os desembolsos efetuados para a compra de bens culturais que
apresentem características de tesouros nacionais sujeitos a recusa de
emissão de atestado de exportação122. O benefício do mecenato foi ademais
estendido aos fundos de doação criados em 2007 segundo o modelo do
endowment norte-americano. Um dos primeiros foi o Castelo de Thoiry.
O mecenato mostra-se realmente sensível às vantagens de que se
beneficia? Feld et al. (1983) e Schuster (1997) medem essa sensibilidade
nos Estados Unidos e na França. Quando a taxa fiscal diminui (notadamente
sob a presidência de Reagan), a propensão ao mecenato aumenta. Fack e
Landais (2010) mostram que essa sensibilidade mostrou-se fraca na França
após a adoção dos dispositivos de 2003. Bastante solicitado em período de
restrição orçamentária, o mecenato constitui em boa medida um subsídio
disfarçado, pois que compensado em mais de dois terços pelo poder
público; a destinação do que é oferecido pelo mecenas não é decidida pelas
administrações ou pelas instâncias culturais e políticas, mas por agentes
privados. Não pode ser considerado um substituto do dinheiro público,
constitui antes uma forma complementar do esforço coletivo cujo
desencadeamento escapa à iniciativa pública.

Os fundos de doação
Os fundos de doação são pessoas jurídicas de direito privado sem
fins lucrativos que gerenciam bens e direitos de toda sorte a título gratuito
e irrevogável. Completam as fontes de financiamento para atividades de
interesse geral (atividades filantrópicas com vocação educativa,
científica, humanitária, esportiva, artística, cultural). Em princípio e salvo
derrogação, o capital da doação não pode ser consumido. Só os
rendimentos podem ser despendidos. A criação de fundos requer apenas
uma simples declaração na prefeitura, com depósito dos estatutos. O
Estado exerce um controle a posteriori sobre as contas. A lei não impõe
doação mínima.
Em janeiro de 2010, o Louvre é dotado de um fundo de 120 milhões
de euros graças ao convênio firmado com os Emirados Árabes Unidos,
projetando criar o Louvre Abu Dhabi. Os rendimentos são destinados
especialmente para financiar um centro de pesquisa e de preservação do
patrimônio e à reinstalação das salas etruscas e romanas. Em 2011, o
Roshan Cultural Heritage Institute, financiado pelo fundador da eBay,
Pierre Omidyar, oferta 3 milhões de dólares a programas educativos e de
pesquisa sobre a arte e a cultura iranianas.

Apesar da neutralidade manifestada, a alta desse recurso nos


orçamentos dos estabelecimentos pode conduzir à pré-seleção de produtos e
eventos para os quais é mais fácil encontrar mecenato (tal como a exposição
Van Cleef no Museu das Artes Decorativas). A fronteira entre mecenato e
patrocínio, aliás, não é sempre muito clara, embora comporte incidências
fiscais apreciáveis. Diferente do patrocínio, o mecenato tem a reputação de
ser desinteressado. O valor das compensações concedidas ao mecenas além
da redução de imposto deve permanecer numa “desproporção marcante” ante
o montante da doação (25%). Mas a avaliação das contrapartidas é
complexa e a sua natureza pode ser problemática: elas consistem na
presença do logo ou do nome da empresa durante o anúncio da operação, em
ingressos gratuitos, em catálogos, ou na disponibilização de espaços etc. O
mecenato que disponibiliza competência pode estar ligado a encomendas.
Vinci e Bouyges, doadores em Versalhes, tiveram a possibilidade da
condução de obras ali123. Finalmente, é possível temer uma forma de
privatização do espaço público proposto em contrapartida das somas
oferecidas.
Na França, apesar das vantagens conferidas aos mecenas, a
contribuição sob a forma de mecenato é relativamente fraca. Prevalece uma
tradição do respaldo público à cultura, herdada de Francisco I de França e
retomada pela República. O mecenato é sempre sensível à conjuntura.
Segundo a Associação para o Desenvolvimento do Mecenato Industrial e
Comercial (Admical), o mecenato da cultura passou de 975 milhões de euros
a 380 milhões entre 2008 e 2010. No Museu das Artes Decorativas, uma
exposição sobre os criadores de moda japonesa foi cancelada em 2009, pois
o mecenato e o patrocínio, que representavam 11% dos recursos próprios em
2008, caíram para 4% em 2009.

Exemplo de financiamento misto: o


financiamento da arqueologia preventiva
Durante muito tempo qualificado de “salvamento”, por falta de base
legal, as pesquisas arqueológicas prévias a qualquer canteiro de
construção (diagnóstico e escavações eventuais) dependem na França da
lei de 2001, emendada em 2003, sobre a arqueologia preventiva. A lei
prevê que um “diagnóstico” seja efetuado antes da abertura do canteiro de
obras e, se necessário, que sejam praticadas escavações.
O diagnóstico é financiado pela taxa de arqueologia preventiva, e as
escavações, pelo promotor do projeto, privado ou público. Subsídios
provindos do Fundo Nacional para a Arqueologia Preventiva (Fnap)
podem ser alocados para essas operações; eles não podem ultra-passar
50% do custo, salvo para moradias de aluguel subsidiadas pelo Estado e
moradias construídas pela pessoa física para si própria. O
promotor/construtor do projeto deve então escolher um operador para a
realização das escavações (o Instituto Nacional da Pesquisa em
Arqueologia Preventiva – Inrap – ou um serviço autorizado).
A taxa de arqueologia preventiva (RAP), quitada pelos
empresários/promotores, é exigível para os trabalhos de exploração que
afetem o subsolo, a partir de determinado limiar ligado à natureza do
projeto: o limiar de isenção é de 1.000 m² de superfície habitável. A base
da taxa é igual à superfície habitável de todos os andares, ou à superfície
do solo para as obras sujeitas à aplicação do código urbanístico. A essa
superfície é aplicado um valor fiscal diverso conforme a categoria da
construção, da ordem de 0,49 euro por metro quadrado (valor de 2010
indexado ao custo de construção). Em cerca de 70 mil hectares de
canteiros a cada ano, procede-se a cerca de 2 mil diagnósticos, mas
apenas 10 a 15% dos casos dão origem a buscas efetivas.
Esse modelo de financiamento, embora engenhoso, não gera somas
suficientes para cobrir as necessidades de financiamento: em 2009, o
recolhimento da RAP rendeu 72 milhões de euros para necessidades
avaliadas em 102,5 milhões. Esse deficit é particularmente preocupante
em razão de as receitas dependerem de atividade muito sensível à
conjuntura (a construção e as obras públicas). Apesar de tudo, a
arqueologia preventiva permitiu descobertas de primeira ordem, como a
sepultura de Gondole no Puy-de-Dôme, o tesouro de moedas de ouro e
prata dos osísmios perto de Laniscat, na Bretanha, um habitat coletivo
gaulês em Ymonville (Eure-et-Loir), os vestígios de uma das mais antigas
habitações-engenhos de Guadalupe etc.

Finalmente, o mecenato cultural é afetado por uma dupla concorrência:


aquela que se trava no seio do setor cultural entre diferentes
estabelecimentos, já que a quantidade das demandas não para de crescer, e a
das causas humanitárias, sanitárias, educativas, ambientais e sociais. Um dos
efeitos da responsabilidade social das empresas é desbancar os projetos
culturais em proveito dos projetos ligados ao desenvolvimento sustentável,
com exceção dos programas de “mecenato cruzado”, cujo conteúdo cultural
está estreitamente associado a ações sociais (inserção, ações educativas,
acessibilidade dos públicos).
O mecenato constitui assim, em termos econômicos, um complemento
de financiamento cujo encargo é assumido em boa parte pelo Estado. Ele
permite que os estabelecimentos possam de fato “forçar” os poderes
públicos a um esforço que não mais realizam plenamente, incorrendo no
risco de enfraquecimento do controle sobre a atribuição orçamentária
destinada a exposições e aquisições.

108 Ver capítulo 1.


109 Mazza, 2003.
110 La Tribune de l’art, 18 de agosto de 2011.
111 Comitê Francês da Salvaguarda de Veneza, 2010.
112 Benhamou e Thesmar, 2011.
113 Ver capítulo 1.
114 Cornu, 1997.
115 Ver capítulo 1.
116 Lichfield, 1988.
117 Montgolfier, 2010.
118 Ver capítulo 2.
119 Coulson e Leichenko, 2004.
120 Martel, 2006.
121 La Française des jeux é uma empresa pública criada em 1976, de propriedade do Estado na
proporção de 72%; possui o monopólio dos jogos de loteria e das apostas esportivas em todo o território.
[N.T.]
122 Ver capítulo 1.
123 Journal des arts, dossiê mecenato nº 302, 2009.
O patrimônio, bem público
global

Françoise Choay evoca a urgência, sob a égide da Unesco, de um


“processo planetário de conversão à religião patrimonial”124. Essa
conversão remete à manifestação de valores de existência no plano global.
Os economistas do meio ambiente (1993) dão o exemplo dos fundos
coletados pelas associações de proteção ao meio ambiente para resgatar uma
parte da dívida de países em via de desenvolvimento em troca da proteção
dos seus parques nacionais considerados patrimônio mundial. É lícito
relacionar o patrimônio mundial à galáxia dos bens públicos globais, noção
complexa que se aprimorou com o tempo, notadamente nos domínios da
biodiversidade e do clima.

A noção recente de bem público global


A noção de bem público global se beneficia de tripla herança
intelectual: a primeira provém da economia pública; a segunda, dos
trabalhos acadêmicos sobre a ação coletiva; e a terceira, da economia
internacional125.
Um bem público é considerado como sendo global desde que seus
benefícios e seus custos se estendam a todos os países, todas as populações
e todas as gerações. Poucos bens correspondem a essa definição. Uma
acepção mais flexível parece mais convincente: “Um bem é globalmente
público para o consumo quando seus benefícios ou seus custos se estendem a
mais de um grupo de países e não se pratica discriminação entre grupos de
população ou entre gerações”126. Esses bens referem-se implicitamente a
uma cidadania mundial; constituem uma fonte de benefícios para a
humanidade. Incluem bens ambientais (clima), sanitários (epidemiologia) e
educativos cujo caráter público acontece em nível internacional. Geralmente
não incluem os bens patrimoniais. Entretanto, desde o século II antes da era
cristã, fazia-se referência a categorias mundiais ao mencionar as Sete
Maravilhas do Mundo. Na contemporaneidade, a lista do patrimônio mundial
estabelecida pela Unesco configura uma herança comum da humanidade cuja
memória é um fator essencial da criatividade do homem. Pode-se detectar aí
as características dos bens públicos mundiais: externalidades positivas para
numerosos países, legado para as gerações futuras de todo um conjunto de
países.
Lê-se nos considerandos da convenção do patrimônio mundial da
Unesco que a “degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio
cultural e natural constitui um empobrecimento nefasto do patrimônio de
todos os povos do mundo”, o que justifica a necessidade de salvaguardar
“esses bens únicos e insubstituíveis não importa a que povo possam
pertencer”, “na qualidade de elementos do patrimônio mundial de toda a
humanidade”. A insistência sobre o “valor universal” desses bens não
abrange apenas o patrimônio tangível, mas diz respeito também ao
patrimônio imaterial, motor da diversidade cultural, pelo que sua
salvaguarda firma-se como uma das prioridades da cooperação
internacional.

O que a noção de patrimônio mundial engloba


A lista do patrimônio mundial da Unesco reúne elementos heteróclitos,
desde lugarejos sírios que datam do século I ao VII, até os templos de
Angkor ou as margens do Sena. Entre os critérios que presidem a inclusão na
lista, encontra-se o cuidado de associar a preservação de bens e sítios
naturais ou construídos à preservação do patrimônio imaterial
intrinsecamente relacionado a eles (“trazer um testemunho único ou ao menos
excepcional de determinada tradição cultural ou de determinada civilização
viva ou extinta”). O bem deve representar uma obra-prima do “gênio criador
humano”. A Unesco insiste sobre a necessidade de acudir o que se tornou
“vulnerável” sob impacto de uma mutação “irreversível”, remetendo a uma
lógica de emergência. O critério de representatividade é igualmente
apresentado, numa lógica análoga à que prevalece em matéria de
preservação da biodiversidade. Em 2012, a lista do patrimônio mundial
comporta 936 bens, entre os quais 725 bens culturais, 183 naturais e 28
mistos, repartidos em 153 Estados (entre os 189 que ratificaram a convenção
do patrimônio mundial).
Essa dinâmica de universalização patrimonial não se traduz apenas na
constituição da lista que configura, por toques sucessivos, um conjunto de
referências; ela conduz ao mesmo tempo a certa forma de uniformização dos
modos de valorização e de preservação.

Globalização e patrimônio. O caso do “Louvre


das Areias” em Abu Dhabi
O patrimônio tangível extrai valor de sua dimensão intangível. O
Louvre faz uma brilhante demonstração a respeito ao negociar em 2006 a
disponibilização de sua marca e do seu savoir-faire para um museu
situado em Abu Dhabi em troca da soma de 400 milhões de euros. O
xeique sultão Bin Tahnun Al Nahyan afirma sua vontade de construir uma
Cidade das Luzes, de transformar a prosperidade em cultura, ao aderir a
um tipo de operação Oil for Art, retomando a expressão usada por Tom
Krens, que então presidia a Fundação Guggenheim.
O futuro museu concebido por Jean Nouvel é objeto de um conjunto
de prestações acordadas com o Louvre, cujo montante atinge 1 bilhão de
dólares. Quando anun-ciado, o projeto torna-se alvo de muita
controvérsia, especialmente porque inclui empréstimos de obras de longo
prazo (3 meses a 2 anos). Embora responda a uma lógica de prestígio e
não leve à perda das obras de arte, a duração dos empréstimos desses
bens leva a temer uma lógica de deslocação. Algumas preocupações são
legítimas (será oportuno contar com a riqueza das reservas para guarnecer
as arquitraves do futuro museu?), porém o projeto mostra que a hora
chegou, exigindo a gestão da demanda patrimonial globalizada.
Abu Dhabi reúne duas dimensões da evolução dos museus: a
desmaterialização e a globalização. A desmaterialização corresponde à
vontade de valorizar os edifícios e as obras sob a forma de marcas e de
direitos de propriedade intelectual. A globalização reveste várias
dimensões. Faz tempo que ela se manifesta pelo caráter cosmopolita da
população visitante: 64% dos 8,5 milhões de visitantes do Louvre são
estrangeiros em 2009127. A lista dos mecenas constitui mais outro
testemunho: o Hermitage se beneficia das doações de associações de
amigos do Reino Unido, Canadá, Países Baixos e Estados Unidos. A lista
dos mecenas do Louvre apresenta uma variedade de origens ainda maior.
A globalização consiste igualmente no parentesco das escolhas
estratégicas. Todos os grandes museus executaram projetos de ampliação
ou de instalação espetaculares: a Tate Modern com Herzog e de Meuron,
o Museu de Denver com Libeskind, o MoMa com Taniguchi etc. Em todo
lugar, a exposição acompanha o projeto arquitetônico, e a
comercialização dos espaços adjacentes acompanha o projeto. A
globalização é, por fim, essa propensão por parte dos estabelecimentos
patrimoniais e das cidades do mundo inteiro a propagar um denominador
comum de obras consideradas universais. A constituição desse gosto
comum que transcende as singularidades nacionais reforça a competição
entre os estabelecimentos compradores no mercado da arte.
Desse modo, a globalização metamorfoseia os museus-centros,
colossos bem instalados em seus territórios e sua identidade nacional, em
espécie de museus-mundos, cuja base permanece nacional, mas repletos
de obras julgadas universais.

Uma vontade política

A noção de bem público mundial supõe implicitamente que o


patrimônio é propriedade de todos. É o argumento apresentado pelo British
Museum em resposta ao pedido de restituição das frisas do Partenon à
Grécia: por que restituir se o British Museum é um museu universal, aberto a
todos?
O pertencimento ao patrimônio mundial altera o problema da
propriedade das obras: ao se tornarem propriedade de todos, não têm
necessariamente vocação para permanecer nos locais ou nos países para os
quais foram criados128. Encontramos aqui um eco invertido e longínquo da
concepção defendida por Quatremère de Quincy em suas Cartas a Miranda
publicadas em 1796, quando denunciava a política de espoliação praticada
por Bonaparte na Itália e afirmava que a obra não deveria ser separada do
contexto para o qual fora concebida.
Se a referência ao patrimônio mundial remete a um corpus de obras
cuja propriedade escapa – pela menos em parte – ao país que as abriga,
refere-se também à identidade específica da obra e ao seu pertencimento a
determinada cultura. Estão em jogo dessa forma duas categorias de
propriedades parcialmente antinômicas, a primeira simbólica e a outra real,
a primeira transnacional e a outra presa ao seu território: de um lado,
prevalece a dimensão universal do patrimônio, do outro, trata-se de
preservar e de consolidar a diversidade cultural e as identidades nacionais
e/ou locais.

A dimensão econômica da rotulação

Tal como no caso do rótulo “monumento histórico”129, são esperados


impactos econômicos decorrentes do rótulo “patrimônio mundial”. Procedem
da notoriedade do sítio e da garantia de qualidade que a Unesco pretende
oferecer. Mais ignorado o sítio, mais permaneceu regional, mais o efeito do
rótulo é importante. Por outro lado, a proximidade de um sítio já inscrito
pode criar um efeito de contágio entre dois sítios. Tal é o caso da inscrição
das Salinas de Salins-les-Bains em Franche-Comté, em 2009, próximas à
Salina Real d’Arc-et-Senans, inscrita desde 1982.
Porém, os impactos esperados permanecem incertos e é difícil
estabelecer uma correlação entre inscrição e efeitos induzidos. O pedido de
tombamento inscreve-se num processo voluntarista de valorização do
patrimônio. O efeito do tombamento não advém tanto do próprio tombamento
quanto do esforço empreendido para obter a inscrição na lista: produção de
informação, investimentos patrimoniais. Na ausência do rótulo, essas
despesas poderiam talvez ter alcançado um efeito de igual amplitude, e a
incidência da inscrição assemelha-se a um efeito de vantagem. A frequência
de Arc-et-Senans é, a esse respeito, significativa. O tombamento produz
poucos efeitos imediatos (48 mil visitantes em 1982, 49.800 em 1984); em
contrapartida, conduz a investimentos museográficos no final dos anos 1980.
De repente, a frequência dá um salto (63.200 visitantes em 1990, 169.700
em 2002), mas diminui nitidamente na sequência (110.300 em 2008), com a
redução dos efeitos de tombamento e de inauguração130.
Prud’homme (2008) realizou uma análise econômica referente ao
impacto do tombamento na atividade econômica para um conjunto de sítios
tombados na França. Entre as variáveis explicativas figuram o fato de ser
indicado pelo guia verde Michelin, as características geográficas aprazíveis
do sítio e do clima, a proximidade dos transportes, o contingente
populacional, a renda por habitante. O fato de constar da lista da Unesco não
contribui para aumentar nem a parte do turismo no emprego local durante o
período analisado, nem a renda por habitante, tampouco o nível dos salários;
tem inclusive um efeito negativo significativo sobre a evolução dos
rendimentos.
Acontece o mesmo quando, em 2010, a cidade de Albi obtém o
tombamento de sua cidade episcopal; cria-se a expectativa de que o número
de visitantes aumentará sensivelmente; mas os turistas que visitam a cidade
não se demoram, e só o setor de alimentação se sai bem, com uma alta de 35
a 40% em um ano. É como se tivéssemos aí um eco da reflexão da prefeita
de Vézelay: “O rótulo Unesco nos trouxe certamente visitantes estrangeiros,
mas nenhum centavo a mais”131. A assertiva deve certamente ser matizada,
mas comprova que o efeito do rótulo não pode ser avaliado unicamente à luz
dos seus impactos econômicos.

Patrimônio e desenvolvimento. Esperanças ou desilusões?

A valorização do patrimônio gera rendimentos, mas a polarização sobre


o turismo pode resultar desfavorável para os locais: além da alta do preço
da propriedade fundiária e a gentrificação assinaladas anteriormente, pode
alimentar o circuito da corrupção, aumentar as desigualdades, ser
sequestrada por indivíduos ou empresas que procuram mais obter benefícios
próprios do que contribuir para as atividades locais, e apresentar custos de
oportunidade elevados132. O efeito multiplicador pode gerar benefícios fora
da região quando as infraestruturas de acolhimento não são propriedade das
populações locais.
No caso de países emergentes, o efeito de patrimonialização é
ambivalente. A comparação de sítios turcos muitos semelhantes entre si,
alguns inscritos outros não (sítio arqueológico de Troia – inscrito – e sítio
de Pérgamo – não inscrito – cidade de Safranbolu – inscrita – e cidade de
Beypazari – não inscrita) mostra que o rótulo “patrimônio mundial” não
desencadeou uma dinâmica peculiar de desenvolvimento, mas teve um efeito
positivo sobre a preservação do patrimônio. Dois fatores explicativos
podem ser apresentados: nos sítios não inscritos, a necessidade de inventar
outros motores de desenvolvimento impôs-se e desencadeou um efeito
positivo sobre o crescimento mais forte do que o efeito induzido pelo
tombamento nos sítios inscritos. Por outro lado, as restrições relacionadas à
rotulagem inibem algumas ações de desenvolvimento quando um sítio é
tombado133.
Os critérios de preservação importados dos países desenvolvidos são
inadequados do ponto de vista das normas culturais assim como dos
contextos econômicos dos países menos avançados (PMA): como transpor
dispositivos fundados sobre deduções de imposto em países cuja
fiscalização é quase inexistente ou não exercida? Como elaborar e aplicar
um quadro jurídico e regulamentar se a infraestrutura administrativa e
jurisdicional não o permite? Observa-se uma discrepância conceitual e
operacional entre a visão de conservação e de valorização estabelecida por
organismos como o Banco Mundial, a Unesco, a Agência Francesa de
Desenvolvimento (AFD) e visões nacionais ou locais. A reabilitação do
patrimônio pode se assemelhar a um assunto de cooperação internacional e
de peritos e se distanciar de qualquer demanda social local134.
Embora tenha havido certo abuso no uso do termo, a referência a um
ecossistema ultrapassando o campo estrito das atividades patrimoniais tem
todo sentido: o desenvolvimento que se espera do patrimônio depende da
cooperação entre agentes, da redução de pontos de estrangulamento, dos
esforços educativos e da transmissão do savoir-faire, da instalação de uma
administração eficaz suscetível de impor normas de preservação e de
construção e políticas de ordenamento urbano e rural, de auxílios à criação
de pequenas empresas artesanais aptas a atender às necessidades ligadas à
política patrimonial etc.

Circulação do patrimônio e restituição


O British Museum envia seus curadores e artesãos para restaurar
coleções de objetos na Cidade Proibida de Pequim. Curadores chineses
prestam grande auxílio aos curadores britânicos em matéria de catalogação
de pinturas chinesas. Competências e obras circulam pelo mundo, enquanto
se fortalece uma competição mundial para a compra de obras e sua
exposição em espaços sempre mais amplos, que valem tanto pelas coleções
quanto pelo projeto arquitetônico que deu origem ao edifício.

É preciso restituir as obras de arte?

A exigência de restituição é uma das formas de comoção patrimonial. É


em grande parte em torno dos mármores da Acrópole que gira essa questão.
As esculturas originais estão dispersas em vários museus europeus, entre os
quais o British Museum em Londres. Quando foram deslocadas e levadas
por lorde Elgin (em plena legalidade) no início do século XIX, declarou-se
que seriam mais bem conservadas sob a proteção de um grande museu. O
British Museum recusa qualquer restituição argumentando que a localização
dos mármores é tão justificada em Londres quanto em Atenas. O mesmo
argumento foi apresentado a respeito dos bronzes de Edo (cidade de Benim)
levados pelos britânicos em 1897 em represália a uma emboscada que havia
custado a vida de 250 homens e, mais recentemente, quando André Malraux
levou obras de primeira importância para longe do Camboja.
O temor dos estabelecimentos ocidentais, predadores de obras de arte
durante longo espaço de tempo e pelo mundo inteiro, é abrir caminho a
exigências massivas de repatriamento. Na realidade, as restituições são bem
mais escassas do que se acredita. As restituições de despojos humanos são
admitidas pela França, que remeteu os despojos de Saartjie Baartman (dita a
Vênus Hotentote) para a África do Sul. As restituições em consequência das
pilhagens nazistas são numerosas, mas à custa de penosos procedimentos; foi
preciso, por exemplo, esperar o ano de 2010 para que os Países Baixos se
decidissem a restituir para a Universidade Concórdia de Montreal, herdeira
do marchand judeu Max Stern, uma obra de Jan Brueghel, o Jovem, roubada
pelos nazistas. Vários museus norte-americanos, o Metropolitan Museum de
Nova York, o Getty Museum de Los Angeles, o Museum of Fine Artes de
Boston e o Princeton University of Art, foram levados a assinar com a Itália
acordos de restituição de peças oriundas de escavações clandestinas ou de
tráfico ilícito. Em 2010, a Grã-Bretanha restitui 25 mil objetos remontando à
idade da pedra para o Egito. Em 2011, a universidade de Yale devolve cerca
de quatrocentas peças arqueológicas que conservava há um século e que
provinham de Machu Picchu135.
A instrumentalização da questão muitas vezes dolorosa e sempre
identitária das restituições mediante diplomacia comercial acentua a
dificuldade de julgar com serenidade casos particulares em cada ocasião.
Quando, em novembro de 2010, Nicolas Sarkozy anuncia o “empréstimo”
para a Coreia, por cinco anos renováveis, dos manuscritos tomados pela
frota francesa, em 1866, dos edifícios dos arquivos reais coreanos e
conservados pela Biblioteca Nacional de França, o mundo dos museus
escandaliza-se ante o ato arbitrário e a distorção praticada contra o
sacrossanto princípio da inalienabilidade das coleções públicas. Por um
lado, textos que constituem a memória e a história de uma nação soberana
não poderiam ser conservados em outro local que não o país de origem, mas,
por outro lado, expressam-se o sentimento de legitimidade também fundada
na história – a da constituição das coleções nacionais – e o temor de
desmantelar coleções que não podem ser cedidas. Há entre os dois
sentimentos um muro de incompreensão nutrido por séculos de colonialismo
e de dominação, e eis que o mundo se tornou multipolar e os argumentos de
ontem, como o da melhor qualidade da conservação, perdem boa parte de
seu significado.
De maneira cada vez mais frequente, a mediação por meio de
negociações bilaterais prevalece sobre contenciosos prolongados e de
resultado duvidoso; resulta em transações comerciais, em restituição sem
contrapartida, em empréstimos efetivos e de longo prazo, em falsos
empréstimos que escondem uma restituição inconfessa, ou ainda em
realização de cópias.

O patrimônio ameaçado

A lógica da emergência

Três fontes de destruição estão presentes em nível mundial: as


catástrofes naturais cujas consequências são cada vez mais graves do que as
realizações urbanas e rurais que destruíram equilíbrios frágeis, a pobreza e a
negligência, a violência e a guerra.
No Japão, a baía de Matsushima, tesouro cultural, é atingida pelo
tsunami de 2011, e o templo Zuigan-ji é fortemente danificado. O
aquecimento climático e a poluição desempenham um papel central, como
em Veneza, onde o nível da água não para de subir. A cidade de Saint-Louis
no Senegal, fundada pelos franceses no século XVII, pode desaparecer sob o
efeito do aquecimento climático que eleva o nível das águas, as do rio
Senegal e as do oceano. Os trabalhos efetuados a fim de atrasar o avanço do
mar falharam e os habitantes fogem para destinos que esperam ser mais
promissores.
Na Índia, mais de 60 mil monumentos estão em ruínas e não listados
pelo Estado, conforme o Indian National Trust for Art and Cultural Heritage.
Em Nova Delhi, antiga capital dos mongóis, mais de quinhentos monumentos
foram deixados ao léu. Uma boa parte desse legado, como a residência real
da dinastia dos Shahjahani, construída no fim do século XVIII, foi destruída
para permitir a realização de projetos imobiliários. Na China, várias ondas
de exportações, de saques e de contrabandos se sucederam, e grandes
canteiros foram criados – principalmente tendo em vista os Jogos Olímpicos
– sem que se cuidasse dos estragos causados aos tesouros arqueológicos
ainda enterrados, e a insuficiência dos créditos públicos e das competências
mobilizados (70 mil funcionários do patrimônio em 2009 para 400 mil sítios
culturais) causou perdas irreversíveis136.
O patrimônio de países em guerra como o Afeganistão corre perigo de
destruição e de saque sem que alguma organização supranacional
disponibilize os meios suficientes para salvaguardar os bens ameaçados.
Durante o conflito entre o Iraque e o Kuwait (1990-1), bens culturais são
deslocados para Bagdá; a ONU intima o Iraque a restituí-los, mas o país só
cede muito parcialmente.
Frente a essas ameaças, a Unesco elabora uma lista do “patrimônio
mundial em perigo” a fim de “informar a comunidade internacional das
condições que ameaçam as características próprias que permitiram a
inscrição do bem na lista do patrimônio mundial e para encorajar medidas
corretivas”. O perigo pode ser efetivo ou provir meramente da
previsibilidade de ameaça contra um bem, provocada por conflitos armados
(caso de vários parques nacionais e de uma reserva de fauna de ocapis, na
República Democrática do Congo, ameaçados pela guerra e por distúrbios
civis que assolam a região dos Grandes Lagos), ou causada por catástrofes
naturais (caso do tremor de terra que destruiu parcialmente a cidade
fortificada de Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2000, ou daquele que
devastou a cidade de Bam, no Irã, em 2004) ou, ainda, pela mão do homem
(caso da cidade de Dresden, onde um projeto de viaduto de concreto armado
com quatro vias de 636 metros de comprimento prejudica a vista da cidade
barroca praticamente reconstituída após os bombardeios da Segunda Guerra
Mundial). Essa inscrição tem valor informativo e, estima-se, deveria
incentivar a prevenção; todavia, a Unesco não dispõe nem de orçamento à
altura de suas expectativas (o orçamento anual é de 4 milhões de dólares
para a proteção do patrimônio, destinado essencialmente à formação de
conselheiros) nem dos meios para impor sanções às infrações voluntárias
contra a preservação patrimonial. Prevalece tão somente o apego dos
Estados e dos povos ao rótulo se considerarem que esse favorece sua
projeção no mundo e que é fonte de melhorias econômicas.

O direito internacional confrontado ao tráfico


ilícito do patrimônio
Segundo a Interpol (organização de cooperação policial
internacional criada em 1923, que dispõe de unidade especializada contra
o tráfico de bens culturais), o tráfico ilícito de bens culturais representa
um volume de negócios de 6 bilhões de dólares em 2010; a situação se
torna ainda mais alarmante em caso de instabilidade política. Os países
mais pobres da África teriam perdido metade de seu patrimônio, hoje
disperso. No Iraque, 15 mil peças do Museu de Bagdá foram roubadas, e
o Egito foi vítima no início de 2011 do desaparecimento de inúmeras
peças de primeira ordem. Em março de 2011, a diretora-geral da Unesco,
Irina Bokava, anuncia que escreveu para as autoridades egípcias com
intenção de encorajá-las a “tomar medidas concretas a fim de proteger os
sítios” e convoca uma “mobilização internacional” para localizar as
antiguidades que viessem a ser apresentadas e negociadas no mercado da
arte. Alternam-se o desejo piedoso e a confissão de impotência. Parece
longínqua a época da mobilização internacional que permitira impedir,
nos anos 1960, o desaparecimento dos monumentos da Núbia
(notadamente de Abu Simbel) durante a construção da barragem de Assuã.
Em 1956, o protocolo subsequente à Convenção de Haia, assinado
por uma centena de países, mas não pelos Estados Unidos nem pelo Reino
Unido, estipula que os países se comprometem a impedir a exportação
dos bens culturais do território que ocupam e a apreender bens
importados de maneira ilícita. O resultado permanece praticamente letra
morta. A Convenção Unidroit, adotada em 1995, não foi ratificada por
países cujos mercados de arte são especialmente ativos. Constitui
entretanto o início do arsenal jurídico no plano internacional. Os países
mais pobres estão mal preparados para se defender e impedir a
exportação de bens que constituem uma parte de sua memória.

Em direção a um “direito de ingerência” patrimonial?

Em 2003, a Unesco adota uma declaração sobre a destruição


intencional do patrimônio cultural; o preâmbulo lembra que essa destruição
afetou “toda a comunidade internacional”. O texto estipula que os Estados
membros comprometem-se a combater as destruições intencionais do
patrimônio comum, não importa quais sejam elas, de sorte que esse
patrimônio possa ser transmitido de geração para geração. O compromisso é
ambicioso, mas a Unesco não dispõe de qualquer meio de prevenção diante
da destruição patrimonial, e o direito de ingerência, frágil construção
jurídico-política internacional, não é reconhecido em matéria patrimonial. É
verdade também que a ingerência não é necessariamente bem acolhida. A
mobilização desse conceito, nascido no fim dos anos 1980 em outras áreas
que não a do patrimônio, conduz alguns países a arrogar-se coletivamente
uma responsabilidade cuja legitimidade procede da necessidade de levar
com urgência saberes e auxílios sem os quais o patrimônio – bem de todos e
não apenas do país em pauta – estaria em perigo. Esse prisma exterior,
especialmente quando traduz implicitamente uma superioridade, pode entrar
em conflito com as normas, a cultura e as restrições locais. Como aponta
Moreau Defarges (2006), a ingerência sempre foi justificada por
“imperativos superiores”, em linha direta com o que Rudyard Kipling
designava como o “fardo do homem branco”, que consistia em “civilizar os
indígenas”.
Porém, alguns elementos atestam uma vontade de inscrever no direito
(pelo menos em sua dimensão jurisprudencial) possibilidades de intervenção
em caso de emergência. Assim, em 1991 e em 2003, a ONU convoca seus
membros a assumir os problemas de proteção do patrimônio em perigo em
consequência de guerras. Num outro registro, em 31 de janeiro de 2005, o
Tribunal Penal Internacional (TPI) condena Pavle Strugar, general
aposentado do exército iugoslavo, por crimes de guerra contra a população
civil e prejuízos causados intencionalmente a determinado número de sítios
culturais e históricos situados na cidade velha de Dubrovnik.
A ingerência pode vir a ser considerada um mal necessário.
Convocando valores universais, repousa sobre dupla dimensão racional e
emotiva. Constata a loucura destruidora dos homens quando engajados em
guerras culturais. Inscreve-se no processo de globalização e fundamenta-se
numa economia do imaterial que organiza a circulação mundial das imagens
dos destinos dos povos, das suas cidades e culturas.
Apesar dos textos adotados, tráficos, escavações ilícitas, saques e
negligências seguem em frente; paralelamente, a exigência de restituição,
legitimada por um sentimento nacional, choca-se com a fragilidade de um
direito flexível ou vivenciado como tal. Certamente é preciso contar com o
trabalho paciente das ONGs como, entre outras, a do Patrimônio sem
Fronteiras, que cuida da salvaguarda do patrimônio, malgrado a penúria de
meios, em regiões pouco turísticas como as das montanhas da Albânia.
124 Choay, 1992, p. 160.
125 Gabas e Hugon, 2001.
126 Kaul, Grunberg e Stern, 1999, p. 46.
127 Segundo o relatório anual.
128 Cuno, 2008.
129 Ver capítulo 3.
130 Segundo o Comitê Regional do Turismo de Franche-Comté.
131 Le Monde, 7 de junho de 2006.
132 Vernières, 2011.
133 Prud’homme, 2008.
134 Cousin e Mengin, 2011.
135 Cornu e Renold, 2009; Hershkovitch e Rykner, 2011.
136 A pesquisa pode ser encontrada no jornal Nanfang Renwu Zhoukan, in Courrier international,
20 de agosto de 2009, pp. 36-37.
Conclusão
O que aconteceria com a história das artes se os “edifícios depositários
do gênio de cada século, em vez de conquistar ao envelhecer essa veneração
pública que deve torná-los sagrados, fossem condenados, como produtos
efêmeros da moda, à existência de um só dia?”, escrevia Quatremère de
Quincy no Journal de Paris em fevereiro de 1887, na ocasião em que
tentava impedir a destruição da Fonte dos Inocentes em Paris137. A
preservação do patrimônio não se refere apenas à história das artes,
materializa também a psique coletiva, o anseio de preservar a identidade e a
memória.
A política do patrimônio responde ao desastre econômico
transformando antigas instalações industriais abandonadas em locais de
memória. São também tombados locais que carregam o rastro da destruição
sistemática de homens e mulheres. O campo de extermínio de Auschwitz-
Birkenau encontra-se na lista dos sítios tombados como “patrimônio da
humanidade”. O patrimônio é um sintoma, refletindo a longa e complexa
história de nossas sociedades138. É uma “utopia de proximidade”139,
mergulhando na história e nos territórios, para se abstrair deles e escapar em
direção a uma dupla dimensão imaterial e global.
O patrimônio contribui para a criatividade, desenha paisagens
inesperadas. Aparece salvando a economia local, cria empregos e laço
social, ressuscita locais adormecidos, traz sentido e substância para os elos
entre homens e territórios. Não para de se enriquecer e evoluir. Os anos
1990-2000 foram especialmente marcados pela multiplicação de grandes
canteiros conduzidos por arquitetos de renome mundial: Jean Nouvel,
Norman Foster, Rem Koolhaas, Herzog e de Meuron.
O patrimônio é um instrumento de projeção e de reorientação
econômica voltado para atividades com forte conteúdo em serviços. A
política patrimonial deve levar em conta as problemáticas de ordenação do
meio ambiente, urbano e paisagístico, e a política ambiental. Sem essa visão
global que, longe de isolar o patrimônio, o posiciona no centro de um
ecossistema em interação com seu ambiente econômico, a política
patrimonial é fadada à bricolagem.
A política patrimonial inscreve-se numa agenda mundial. Um dos
desafios que pesam sobre os locais tombados como patrimônio mundial é o
controle de sua abertura ao turismo de massa e ao turismo mais elitista.
Tanto um quanto o outro pretendem fruir da diversidade do mundo, mas
remetem o indígena à sua miséria ao considerar que ela é a garantia da
autenticidade dos locais e dos costumes. É preciso ao mesmo tempo
conservar o patrimônio para os povos e o preservar do uso excessivo pelos
povos.
A economia do patrimônio permite compreender as imposições e as
expectativas ligadas à preservação e à valorização patrimoniais. Constitui
um campo de pesquisa respeitado e alimentado por grande número de
estudos e trabalhos acadêmicos. A visão econômica do patrimônio terá
mostrado, esperamos, a importância desse estoque de riquezas e as
possibilidades de valorizá-lo e enriquecê-lo. Mas é preciso saber romper
com as frequentes tentações hodiernas de enxergar no patrimônio unicamente
um instrumento de desenvolvimento econômico: essa concepção leva para o
campo fatal do entretenimento o que pertence à transmissão cultural entre
gerações e às solidariedades de todo tipo que deverão tornar o patrimônio a
mais frágil e mais necessária propriedade de todos. O patrimônio vivo,
criando elos sociais e alimentando a criatividade: tal é a visão que se impõe
e para a qual a caixa de ferramentas do economista se mostra necessária.
Permite esclarecer a questão dos determinantes da demanda, do acesso, da
oferta entendida como conjugando bens e serviços imateriais, ou, finalmente,
da intervenção pública e da sua eficácia.

137 Apud Chastel, 1986, p. 408.


138 Guillaume, 1997.
139 Rioux, 2006.
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Sobre a autora
Françoise Benhamou é professora associada de ciências sociais e de
ciências econômicas. Leciona no Instituto Nacional do Patrimônio, no
Instituto Nacional do Audiovisual e no Instituto de Estudos Políticos, todos
em Paris, e também em diversas universidades estrangeiras. Além de ser
membro dos conselhos de administração e científico do Museu do Louvre e
do Círculo dos Economistas, preside a Associação Internacional de
Economia da Cultura e, em 2012, tornou-se membro da Autoridade de
Regulação de Comunicações Eletrônicas e Postais da França.
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente do Conselho Regional


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Organização Iã Paulo Ribeiro
Cet ouvrage a bénéficié du soutien des programmes d’aides à la publication de l’Institut français.
Este livro contou com o apoio à publicação do Institut français.
Título original: Économie du patrimoine culturel

© Françoise Benhamou, 2012


© Éditions La Découverte, Paris, 2012
© Edições Sesc São Paulo, 2016
Todos os direitos reservados

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Revisão Elba Elisa, Marcela Vieira
Projeto gráfico e diagramação Cores Soluções Gráficas e Translados
Capa a partir da obra de Marcia Xavier
Produção do arquivo e-pub Booknando Livros

B4369e Benhamou, Françoise


Economia do patrimônio cultural / Françoise Benhamou; Tradução de Fernando Kolleritz. – São
Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016. –
1.119 Kb ; e-PUB.

Bibliografia
ISBN 978-85-9493-000-2 (e-book)

1. Bens culturais. 2. Patrimônio cultural. 3. Gestão patrimonial. 4. Economia. 5. Política. 6.


Preservação. I. Título. II. Kolleritz, Fernando.

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